Reitora Ângela Maria Paiva Cruz Vice-Reitor José Daniel Diniz Melo Diretoria Administrativa da EDUFRN Luis Passeggi (Diretor) Wilson Fernandes (Diretor Adjunto) Judithe Albuquerque (Secretária) Conselho Editorial Luis Álvaro Sgadari Passeggi (Presidente) Ana Karla Pessoa Peixoto Bezerra Anna Emanuella Nelson dos S. C. da Rocha Anne Cristine da Silva Dantas Christianne Medeiros Cavalcante Edna Maria Rangel de Sá Eliane Marinho Soriano Fábio Resende de Araújo Francisco Dutra de Macedo Filho Francisco Wildson Confessor George Dantas de Azevedo Maria Aniolly Queiroz Maia Maria da Conceição F. B. S. Passeggi Maurício Roberto Campelo de Macedo Nedja Suely Fernandes Paulo Ricardo Porfírio do Nascimento Paulo Roberto Medeiros de Azevedo Regina Simon da Silva Richardson Naves Leão Rosires Magali Bezerra de Barros Tânia Maria de Araújo Lima Tarcísio Gomes Filho Teodora de Araújo Alves Editoração Kamyla Alvares (Editora) Alva Medeiros da Costa (Supervisora Editorial) Natália Melão (Colaboradora) Revisão Wildson Confessor (Coordenador) Alynne Scott (Colaboradora) Cláudio B. Carlos (Leitura crítica e revisão) Design Editorial Michele Holanda (Projeto Gráfico) Bruna Roveri (Fotografia)
Coordenadoria de Processos Técnicos Catalogação da Publicação na Fonte.UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Fernandes, Hercília. Poemas de chamados, esperas e (a)fins [recurso eletrônico] / Hercília Fernandes. – Natal, RN : EDUFRN, 2018. 118 p. : PDF ; 24 MB. Modo de acesso: http://repositorio.ufrn.br ISBN 978-85-425-0789-8 1. Poesia brasileira. 2. Literatura brasileira. I. Título.
CDD B869.1 RN/UF/BCZM 2018/11 CDU 821.134.3(81) Elaborado por Gersoneide de Souza Venceslau – CRB-15/311 Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário | Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN, Brasil e-mail:
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Apresentação Hercília Fernandes demonstra mais uma vez nesse livro uma poesia que dialoga com a grandeza e o apequenamento do ser humano. Isso é visível, por exemplo, no poema “Resistência”: quando a natureza aparece morta / a vida comprova sua magnitude, / resistir não é vitória, / é virtude. Ela encontra a dualidade da resistência não como quem fraqueja, mas aquele que é fiel ao seu ideal. Quem resiste não se escraviza. E assim, viaja dos grandes temas aos mais íntimos, o universo e seu universo convivem no mesmo quintal, tal como no poema despretensiosamente profundo: e aqui ali estou / ex_posta à mostra / varal. Não se pode esperar de Hercília Fernandes uma escritora simples, ainda que muitas escolhas lexicais sejam quase singelas. O poema “Seca” é esse sentimento retratado nas cores da sua terra: não chove em Caicó / meu ser_tão é cinza, / pó. Em muitos momentos essa rima, o som, e a musicalidade até, estão na fruição do poema, como em: é tudo tão ralo, raso, rasteiro / mata branca, / de janeiro a janeiro. A insistência da letra “r” fala da repetição da superficialidade que a vida se transformou. Há uma semântica que transcende as palavras e ecoa no som aranhado que quase machuca o poema. Portanto, espere dessa autora muitos recursos de linguagem, que recolhem na aparência das palavras a multiplicidade da forma e significado que elas têm. Adriana Riess Karnal
(Professora, Doutora em Linguística Aplicada, Poeta nas vagas e ondas do mar)
A você, que me lê.
Agradecer, em livro de poesia, pode ser concebido como um gesto de reconhecimento às vozes que nos inspiram crescimento afetivo, intelectual e estético. Várias são as que me dizem e dizem os “Poemas de”, cujas expressões de afeto refletem (-me) chamados, esperas & (a)fins. Expresso, então, os meus agradecimentos aos meus pais, Quinzinho & Maria Inês; ao companheiro de arte e vida Marcus Vinicius; e aos nossos três meninos: Marcus, Pedro e João, pela beleza na/da “poética do vivido”. À Marta Maria de Araújo cujos ensinamentos elevam-me as ideias e os valores. Aos amigos poetas Adriana Karnal, Assis Freitas e Cláudio B. Carlos, pelo prazer da companhia e contribuições críticas ao livro. Aos leitores que, ao longo dos anos, acompanham-me a feitura do verso no blog “HF diante do espelho”. A Moacy Cirne (in memoriam) e amigos do “Balaio Porreta”. Às vozes poéticas femininas que compuseram o projeto “Maria Clara”. A Samuca Santos (in memoriam) e autores do “Poema dia”. A Cisco Zappa, Abraão Vitoriano e Carlos Gildemar Pontes, pelos insights e encontros poeticamente vivenciados. A Lau Siqueira, Osmar Filho e Carlos Eduardo Marcos Bonfá, pela soma de poéticas várias ao livro Nós em Miúdos.
A Eduardo Lacerda e amantes da Editora Patuá. A Bruno Gaudêncio e equipe editorial da Revista Blecaute. À Cynthia Maria e leitores facebookianos; entre tantos afeitos e afeições.
Do dia nada se espera. É à noite que, ainda mistério, O escondido se revela. (Carlos Eduardo Marcos Bonfá)
POEMAS DE
15
CHAMADOS 17 (DES)PERTENCER 18 ME SENDO
19
A POESIA
20
ELEITO 21 IN_TOCÁVEL 22 (DES)PRETENSÃO 23 MARESIA 24 CHAMAMENTOS 25 DO PRINCÍPIO
26
CAMINHO INDIRETO
26
LUA CHAMA BRUMA
27
SEM NOME, ROSTO, LUGAR
28
RENDIÇÃO 29 INSTANTE 30 SUGESTÃO NÃO BASTA
31
... TE AMO!
31
ALA 32 BILÍNGUE 33 ESTRANHEZA 34 VESTIDA DE AMOR
35
ATÉ NA FORMA
36
“CEM” NOITES
37
FACEBOOKIANOS 38 NA VERDADE,
39
ACASO 40 PLANEJAMENTO: 41 MINISSÉRIE 41 VINHAS, ÁRIAS, AGORAS
42
(DES)ENREDOS 43
ESPERAS 45 PENÉLOPE 46 SALTOS & ANÉIS
47
UMA PÁGINA DA HISTÓRIA
48
PRENHEZ 49 SECA
50
CAATINGA 51 REBENTO 52 LAVRADOR DE SERTÕES
53
O SERTÃO
54
RESISTÊNCIA 55 CERRADO & SERTANIA
56
ARRASTO 57 ALÇA_PÃO 58 À MÍNGUA
59
APETRECHOS 60 (DES)CONTROLE 61 “CEM”(DES)CULPAS 62 ACEITAÇÃO 63 NADO 63 IN_VARIÁVEL
64
PALAVRA SADIA
65
TRÊSÓIS 65 OUTRIDADE 66 VIUVEZ 67 CECILIANA 68 AMOR NA PRIMAVERA
69
SEM SAL
70
QUEBRANTO 71 ESTAÇÕES 72 (DES)CORTINAS 72 QUASE 73 O OUTRO LADO
74
& (A)FINS
75
ANIL 76 PESO & MEDIDA
77
QUEFAZER 78 CONDUÇÃO 79 JARDIM EM CINZAS
80
EXPIA AÇÃO
81
DESEJOS INFANTIS
82
REALISMO 83 QUANDO VOCÊ SE FOI
84
O QUE DOEU
85
TRÊS POEMAS DE
86
À SALVA_DOR DALÍ
87
NO ÍNTIMO
88
DOBRAS DO VENTO
89
CANDEIAS 90 DE CRIANÇAS, AMORAS & RISOS
91
TÊTE-À-TÊTE 92 BRINDE 93 A NOITE LOGO VEM
94
ENTRISTEÇO: 95 POR GOSTO
95
SÓ (R)ESTOU
96
E-BULIÇÃO
97
PÉGASO 98 TANTO (ME) FAZ
99
DA (RE)PRODUÇÃO DO NÃO LUGAR
100
COM VOCÊ
101
GARANTIA 102 NO FIM,
103
Ensaio Mínimo para uma Pedagogia dos Ventos
105
Hercília Fernandes & a Ourivesaria de Miudezas
113
14
Poemas de
15
16
Chamados
Cantarei a esse amor, sempre e quando. Cantarei a ele, amor maior; conspiração minha e desengano. Cantarei nas tardes serenas. E nas águas turvas, também. Cantarei com extrema doçura, esse amor que só vai e vem. Cantarei se preciso for, para ninar a dor e o silêncio. Não sufocar tamanho amor, nem a tarde e o firmamento. Cantarei sem que mereças ou mesmo que me impeças. Cantarei para que não esqueças: a lua, a chama e a promessa. Mas calarei quando preciso: sem choro, sem vela. Fragmentos do meu riso; fina-flor-estampa na aquarela.
(AMOR MAIOR, 13 mar. 2007)
Hercília Fernandes
(DES)PERTENCER 31 m a r. 2 0 1 3
mal sinto caber-me o meu espírito asa acorda-me à centelha de outra casa lá, portas e janelas desvão o teto é varão “cem” estrelas
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
ME SENDO à Talita Prates
26 jan. 2013
quando a teoria não dá jeito se peito é fogo paiol d’esejo seu corpo me sendo poesia
19
Hercília Fernandes
A POESIA 17 o u t . 2 012
percorreu-me os dedos afeita à lavra líquida não grudou não brandiu
tocou-me
20
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
ELEITO 2 3 a b r. 2 0 1 2
O meu poema preferido é aquele que, de mim, não sai se atento ao escrito, ele diz-me ao pé do ouvido: não prendo navio ao cais.
21
Hercília Fernandes
IN _TO C ÁV EL 29 jan. 2012
pela brevidade do instante, ele vem e toca-me as mãos porque o sonho é fina areia também matéria de vulcão o poeta sabe: vento (re)move tempestade
22
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
(DES)PRE TENSÃO 29 fev. 2012
ela olhou aquelas palavras e desejou não mais querer quis somente desaguar transbordar-se à nascente ao rio
23
Hercília Fernandes
MARESIA 2 3 m a r. 2 0 1 2
fiquei pensando o que preenche seu olhar no outro lado da foto(grafia) era mar? era poesia? na dúvida, chamei maresia
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
CHAMAMENTOS 20 jul. 2012
a alma reclama se não há sol, chama
cê não viu? lua piscou pro rio
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Hercília Fernandes
DO PRINCÍPIO 11 fev. 2012
Falam do fim do mundo... Eu queria saber o princípio. Quando éramos possibilidade... Não um meio ou fim.
CAMINHO INDIRETO 4 m a r. 2 0 0 9
Talvez eu devesse ter um romance. Tomar banho de sol quando tudo é inverno. Talvez eu devesse te levar a sério: sair da rotina, romper o pacto com o tédio. Talvez eu devesse aproveitar o dia. Acolher a sofia de uma nova cor e ideia. Ser lua adversa – mais ato e menos conversa! Talvez eu devesse ser manifesta... Mostrar de uma vez: o caminho indireto, das Índias às minhas cobertas.
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
LUA CHAMA BRUMA 31 m a r. 2 0 1 3
em meio à chama e à bruma da madrugada a noite, quase disfarçada, enluarava a minha face corada e era tudo tão sensitivo... você a lua eu o riso ficamos ali... ensimesmados e à espera de
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Hercília Fernandes
SEM NOME, ROS TO, LUGAR 9 dez. 2009
Quero amor sem nome, rosto, lugar. Alguém que, se minguada lua for, venha estrela.
28
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
RENDIÇÃO 21 ago. 2014
lua se eu fosse rua caía na lábia sua antes que a Via-láctea evolua
29
Hercília Fernandes
I N S TA N T E 17 j u l . 2 012
se houvesse lua se você pudesse ouvi-la mas nenhum canto é preciso, sugestivo o bastante nem este instante em que, nua, ela chama
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
S U G E S TÃ O N Ã O B A S TA 16 nov. 2013
Talvez exista uma forma de não dizer que diga tudo e um pouco mais... A sugestão sempre tão vaga, etérea, vasta... (posto poética) não basta. Necessito das três palavras mágicas, aquelas que não ousas pronunciar.
... T E AMO! 2 8 m a r. 2 0 1 3
O tom era de leveza – de graça. O sentido? Tão único... Havia dias, ardia-me tal pronúncia.
31
Hercília Fernandes
ALA 12 jul. 2011
soubesses a vontade o desejo que destoa-me entre-me dobras e veias não me tomarias etérea ala efêmera de ti
32
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
BILÍNGUE 18 fev. 20 0 9
E por falar em formigas... O que posso dizer se tuas palavras não ditas vestiram-me bilíngue, rosa partida entrelaçada em flor de sisal? Se há na tua língua um tropel de formigas onde levantei broquel suicida capaz de fundir manancial? O que posso dizer se todas as cores de Monet cegaram-me as retinas, traindo-me as narinas entre sustos e silêncios de Chagall? Se depois de vender flores, enfileirar flamas em frascos de silêncios assustadores, o resto me parece completamente banal? Mas, por falar em formigas...
33
Hercília Fernandes
ESTRANHEZA 4 nov. 20 0 8
Poetas se apaixonam... Nada há de estranho nisso! Aconteceu com o Pessoa, a Flor Bela, o Vinícius... – Que dirá, pobre mortal, consigo?! Poetas se apaixonam... A palavra desce quente garganta ao umbigo. E a estranheza? (cá entre nós...) Faz parte do ofício!...
34
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
VESTIDA DE AMOR 28 out. 2011
vieste estranho, tamanho silêncio a queimar lábios em sonho, versos rosados drapeados à pele castanha a dizer-me, entranha, quão estranha estou isso, por me vestires de amor!
35
Hercília Fernandes
AT É N A F O R M A 7 maio 2014
nossos caminhos se cruzam como olhos farejam o deleite o aninho durante e pós tempestade até na forma, não vê? se evidencia alguma potencialidade
36
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
“CEM” NOITES 14 ago. 2013
contentar-nos-íamos com manhãs tardes dias “cem” noites no meio
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Hercília Fernandes
FACEBOOKIANOS Poemetos sem datas precisas de escritura
Da flecha: há que se ter equilíbrio entre a lança e o arqueiro o sonho é longínquo, a chama? fevereiro
Da poesia menor: quero uma poesia menor dessas que não embalam sonhos, abanam redes
Da exposição: e aqui ali estou ex_posta à mostra varal 38
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
NA VERDADE, 22 nov. 2012
(se se pode pensar n’alguma ideia de verdade) foi um acaso um lapso que poder-se-ia corrigir mas eu quis ir... e deixei-me levar em desacertos possíveis
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Hercília Fernandes
ACASO 24 m a r. 2 0 1 3
se foi uma ilusão de ótica de lógica que importa?! o acaso não tocou-me à campainha à porta sequer às horas em que ousei (a)largar-me em desacertos possíveis
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
PL ANE JAMENTO: 1 fev. 2012
• • • • •
alterar o curso do rio; destituir gavetas; pintar a cara à esferográfica vermelha; provocar sensações de arrepio; morrer de amor até que chegue a manhã.
MINISSÉRIE 2 a b r. 2 0 1 2
Se me visse às vestes de uma personagem, sairia das páginas de uma minissérie... escrevendo uma tese e pensando em você: não necessariamente freudiana...
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Hercília Fernandes
VINHAS, ÁRIAS, AGORAS 27 jan. 2011
eu te leio como quem principia viagens, passagens regadas em vinhas por que tu me ensopas “agoras” lavras minhas? não sou musa inspirada à vanguarda art’mercenária mas avulto árias quando tu me tornas, escovas, às primas horas das manhãs
tenho assim os dias...
42
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
(DES)ENREDOS 1 maio 2012
é porque trago a mania de enredos passados de sonhos visionados em sessões de nostalgia mas a minha poesia é pra despertar manhãs
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Hercília Fernandes
44
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
Esperas Houve um tempo em que a janela de seu quarto se abria à leve brisa da noite e aos mistérios da vida. Em que estrelas incandescentes contavam-lhes histórias interminavelmente compridas. Em que nuvens formavam-se, no céu, desenhando páginas e mais páginas em gotas embevecidas. Houve um tempo em que ela escrevia longas cartas de amor. Em que recortava e colava figurinhas junto ao texto. Em que selava, tão dulcíssima e secretamente, sinceros sentimentos em tão esperado beijo. Houve um tempo em que flores eram lançadas ao mar; aviõezinhos à própria sorte; barcos à maré alta; sonhos perdidos, ao luar, em cinza mágica... Houve um tempo em que eclode a dor da espera, e o silêncio torna-se único pranto possível. Em que a dúvida tinge códigos vis em pergaminhos indeléveis, e só resta-lhe, enfim, saber-se sozinho. Houve um tempo em que o texto resumia-se à paráfrase: “beijos, abraços e declarações de amor”.
(PARÁFRASE, 4 nov. 2007) 45
Hercília Fernandes
PENÉLOPE à Líria Porto
19 out. 2012
ela cria versos com as mãos de tricô (des)fia esperas longínqua é a sua Odisseia, amor
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
S A LT O S & A N É I S 1 5 m a r. 2 0 0 9
Passei os dias sem consultar astros e anais sem rever afáveis linhas sem colar e degolar figurinhas sem usar saltos e anéis. Passei os dias sem admirar postais sem chover caleidoscópios sem mentir que nem Pinóquio sem lavar mãos e pés. Passei os dias alimentando pausas nas entrelinhas, hibernando...
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Hercília Fernandes
U M A PÁG I N A DA H I S T Ó R I A 10 dez. 20 0 8
Adianta tamanha procissão de ternura? O tempo não soprará os ventos de outrora, nem sob a ação da chuva e as mil voltas do coração. A filha do sopro cessa seu pranto sereno... Como quem guarda, em livro envelhecido, uma página da história. Tal desengano, tal estranheza banha – em brando rio – a dor vinda, morta, obsoleta.
48
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
PRENHEZ 22 maio 2013
contemplar a aridez a secura que exaure a alma até que resulte em prenhez
olhos-d’água
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Hercília Fernandes
SEC A
a Assis Freitas 2 2 a b r. 2 0 1 2
não chove em Caicó meu ser_tão é cinza,
pó
50
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
C A AT I N G A 14 m a r. 2 0 1 2
é tudo tão ralo, raso, rasteiro mata branca, de janeiro a janeiro
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Hercília Fernandes
REBENTO
a Samuca Santos (in memoriam) 2 fev. 2012
as mãos estão cerradas os olhos percorrem único horizonte a boca é sede, é fome tocaia que encanto consome qual rebento na carcaça brotando aquém do costume
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
L AV R A D O R D E S ER TÕ E S a meu pai, Joaquim Godofredo Fernandes 8 ago. 2010
Ele me deu mais do que pretendia. Fez-me à sua imagem e semelhança sem nada impor, exigir. Não reivindicou perfeição! Lavrou-me o desenvolvimento com mãos genuínas – olhar de contemplação. Nas secas, fez-me chover: castanha-flor, polpa de caju. No inverno, renascer: cristalina, brejo no ribeirão. Meu pai não quis ser herói... – apenas humano. Possui sede, fome, virtude. Homem ser_tão que é. Assim também me sinto: mandacaru.
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Hercília Fernandes
O S E R TÃ O 9 jun. 2012
não é seca – é reservatório de esperança abastança que escalda-nos os pés, os dias
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
RESISTÊNCIA a Cisco Zappa
2 2 m a r. 2 0 1 2
quando a natureza aparece morta a vida comprova a sua magnitude resistir não é vitória, é virtude
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Hercília Fernandes
C E R R A D O & S E R TA N I A 29 out. 2012
Havia tanto o que dizer, esclarecer... Mas a vida parecia-lhe uma impreenchível lacuna. Os sentimentos eram intensos, afeitos, cristalinos... Como abrir-lhe, então, o peito, colocar-lhe a par de encargos, interditos e anseios sem render-se ao cruel realismo ou exacerbado subjetivismo? Como ferir o sonho, a selvageria do voo, quando o seu desejo é achar-se perdida no horizonte longínquo das horas fartas de impressões? Se tudo o que almejo é lançar-me “sem telha” ao seu encontro, reconhecer-me na superfície febril dos atos e feições que fazem do poema Cerrado & Sertania? Indagava-se. Não, ela não possuía qualquer direito... Nem expressão, nem liberdade, nem jeito. Sentia. Tenho pressa porque o sentimento alarga-me na fonte. Abre-me o amor entre frestas e eu já não sei contê-lo, escondê-lo nas especiarias dos montes. Urgência é a posse, consentida, da sua geografia.
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
ARRASTO 28 set. 2012
o que me conforta é que eu ainda vejo o rio embora não saiba sob quais águas ele arrastar-me-á
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Hercília Fernandes
A L Ç A _ PÃO 9 ago. 2013
e o meu peito ser_tão é rio alça_pão de saudades até do que não...
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
À MÍNGUA à Adriana Karnal 1 dez. 2011
saudade do riso trem “cem” trilhos dos meus olhos te devorando...
à míngua
59
Hercília Fernandes
APETRECHOS 16 ago. 20 07
Reuni os meus apetrechos. Espalhei flores sobre a cama. Penteei meus longos cabelos. Joguei os pés, doídos, à santa. Caí na calada da noite: cantei, dancei música cigana. Colei retratos na janela. Bebi álcool com laranja. Depois subi pelas paredes... Quase pedindo: “socorro, pano, lâmpada!”. Mas você nada disse, nem nada fingiu dizer. Nem mesmo me arriscou um palpite... do meu jeito lânguido de ser. É por isso que eu fico assim meio triste – nesse disse me disse –, esperando... às minhas coisas, você (me) recolher.
60
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
(DES)CONTROLE 1 out. 2012
É a poética do vivido que tu me tiras sem atentares às intenções de abuso, aos sentimentos descomedidos
61
Hercília Fernandes
“C EM ”(D E S) C U L PA S 23 fev. 2014
não adianta vir com esse olhar de quebraossos com essa quase presença que produz fraqueza, oficina do ócio com esse grave que sensualiza ora é mórbido com essa cara de quem foi só até a esquina...
62
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
A C E I TA Ç Ã O 29 set. 2013
O pior é que concordou. Aceitou todos aqueles disparates como se incontestáveis fossem as verdades. Fê-lo bem. Já não detinha qualquer força para permanecer remando... – quase sempre contra a maré.
NADO 10 dez. 2012
a cada braço à frente dois enlaçam-me atrás por que o sonho não navega-me demente em vez de prender-me ao cais?
63
Hercília Fernandes
I N _VA R I ÁV EL
a Marcus Vinicius, companheiro de arte e vida 27 ago. 20 0 9
Não é porque a noite se mostra negra que esqueço o brilho das estrelas. Não é por não dispor de chaminé que desacredito em Papai Noel. Não é porque o Sol se enfada, se deita, que anuncio novo dia. Não é porque a Lua se apresenta gueixa, que afago cometas e vaga-lumes. Não é por essas e outras coisas que amo esse mesmo outro homem.
Esqueço o brilho das estrelas porque a noite se mostra negra. Desacredito em Papai Noel por não dispor de chaminé. Anuncio novo dia porque o Sol se enfada, se deita. Afago cometas e vaga-lumes porque a Lua se apresenta gueixa. Amo esse mesmo outro homem por essas e outras coisas.
64
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
PA L AV R A S A D I A 24 fev. 2010
A palavra era fugidia. Demasiadamente vaga, embora tardia. Não era o que a minha alma sonhadora sol_via. Nem o corpo imperfeito, debalde, pretendia. Era uma palavra sadia... Sem sinais de combate, cansaço, nem esquizofrenia...
TRÊSÓIS 14 jun. 20 0 9
Enquanto bebo cerveja... olho as imagens postas sobre a mesa. Penso no que poderia ter sido – e no que poder-se-ia ser. Se ainda há eu e você. Se uno em nós. Se fomos tão sós que precisávamos de trêsóis para aquecer as noites de inverno. Enquanto bebo cerveja, esqueço que há outros entrelençóis...
65
Hercília Fernandes
OUTRIDADE 2 9 a b r. 2 0 14
desta vez não lhe deixarei de fora como se habitássemos mundos distintos sim, há multiplicidade em nós não somos um em dois nem dois em um somos muitos e nossa outridade (sentimos sabemos) namora
66
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
VIUVEZ 17 d ez. 2 011
te chamei na chuva, na madrugada e no meu silêncio. no vento e na ventania que me deram o pranto e o acalento. agora não mais chamo não mais espero – sequer te lembro! tornei-me viúva... antes do tempo.
67
Hercília Fernandes
CECILIANA 27 out. 2012
arrancarei a feiura rósea d’entro de mim como quem remove erva daninha do jardim depois, com olhos perplexos por ti, tornar-me-ei rocha
“tão parada e fria e morta”
68
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
A M O R N A PRI M AV ER A 6 m a r. 2 0 1 2
se o amor faz bem se a tudo, a todos, convém por que me fazes dor? não vês, não ouves, não sentes? eu morreria por ti, cortar-me-ia na primavera por ti ainda que o amor viesse a_gosto e não... setembro.
69
Hercília Fernandes
SEM SAL 29 ago. 2012
deve ser a_gosto melhor dizendo,
insosso
70
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
QUEBRANTO 6 fev. 2013
e novamente negaste esse silêncio que, em nós, ora avulta a minha alma chora se turva e, no entanto, fora, nenhum quebranto à sombra
71
Hercília Fernandes
E S TA Ç Õ E S 1 8 a b r. 2 0 1 2
não, nada passou... todas as estações me faltam
(DES)CORTINA S 2 2 a b r. 2 0 1 2
só as janelas permanecem abertas porque é preciso (des) cortinar nós
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
QUA SE 29 jun. 2014
é essa condição que não passa trem que não se pega voz que enlaça ora relega é essa quase história, – quase novela atração que devassa ora anela
73
Hercília Fernandes
O OUTRO L ADO 14 jul. 2013
existe outro lado na / da moeda
toda espera exige alguma perda de
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
Há um travo na garganta e um travão nos olhos. Um metro de lâmina e um grânulo de ópio. Há uma palavra não dita e um silêncio gritante. Uma ponte escondida e um chinelo azul verdejante. Há uma roda-viva e um mar morto. Uma verdade esculpida e um cavalo solto. Há coisas para serem ditas, outras melhoradas... Uma lágrima fingida, um riacho cheio d’alma: sebo nervo alheio, em cascata.
(CASCATA, 4 nov. 2008)
75
Hercília Fernandes
ANIL 21 maio 2012
se me tiras a voz, a mão e a escrita que me versam?! a minha face é anil... se dissolve azul nas águas.
76
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
PESO & MEDIDA 2 jan. 20 07
De repente... Não mais que de repente... E só ficaram as vestes da saudade E pousaram, sobre mim, as asas da sobriedade. Porque o verde virou cinza (tenho visto, não há cor pior!) E o azul glicerina (tenho dito: a imagem deformou-se por dó!) O olhar sereno, meigo, inocente perdeu a cor, o ritmo, o tom Dando lugar à dúvida, à luxúria... Ao peso e à medida da razão. E o olhar entristecido, embevecido no trajeto e no passo vazio, rio estarrecido das cores (cinzas) do frio coração. Assim, haja vista!
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Hercília Fernandes
QUEFA ZER 19 out. 2008
Minha vida é o caminhar, quefazer infinito. Caminhos de pedras, retas, labirintos... Dura e pérfida! Fumaça passa em desalinho. Minha vida não é a melhor amiga Nem a pior conselheira... É a caça do eu perdido em curvas E a presa tátil nas vigas. Dirão os que virão: “Foi mar de ondas claras em vales profundos...” Ou... “Glória sem brasão, riacho de lágrimas, infortúnios...” Eu, ao longe, apenas lhes direi: – Enxergai as folhas no barro, no pão. As gotas de orvalho no prumo: vale sem promessa, oceano sem direção. 78
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
CONDUÇÃO 3 set. 2012
é difícil sentir-se sozinha, sobretudo nos momentos em que a vida se nega a um acaso um agrado um emplastro – até mesmo bom empurrão! mas trago a sensação de estar externa às linhas e viver sozinha desvela tão minha... condução.
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Hercília Fernandes
JARDIM EM CINZ AS 19 ago. 2013
a minha vida é um filme: imagem passagem na janela a lente que filma, quase sempre, é aquarela tão vibrante quanto um sonho de Monet mas também é asa disforme ponte passarela jardim em cinzas
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EXPIA AÇÃO 19 jul. 2012
tenho estado distante como se não existisse mais eu sinto-me expiar feito Prometeu bicada por um fogo que não é... nem mesmo meu.
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Hercília Fernandes
DE SE JOS INFANT IS 1 ago. 20 07
A cada dia me torno mais estranha. A cada dia já não reconheço a minha face adormecida na amplidão. A cada dia sinto-me menos fluída; e me nego, um pouco mais, à contemplação. A cada dia me desinteresso por coisas sensatas. E por coisas não sérias também! A cada dia apresento menos tolerância, para não dizer desdém! A cada dia choro em meu silêncio. E clamo uma nova cor e ideia. Contrariamente, tarda-me chegar a primavera. E, com ela, a luz e a chama de uma vela. Assim os meus dias vão passando: sem serenidade, dormência ou engano. Assim os meus dias vão perdurando... (enquanto choro em meu silêncio), os meus desejos infantis e secretos planos.
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
REALISMO 16 nov. 20 0 8
Infelizmente... não é madrigal não é temporal a dor é real: quarta-feira de cinzas!...
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Hercília Fernandes
QUANDO VOCÊ SE FOI 8 out. 2011
até as flores, vívidas a dois, fizeram-se plásticas “tão paradas e frias e mortas”
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
O QUE DOEU 2 out. 2013
não foram as palavras ditas escolhidas uma a uma para ferir doeu o falseamento... sentimento que é tanto não convém desmentir
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Hercília Fernandes
TRÊS POEMAS DE 12 fev. 2013
há dias acometem-me as ambições de como se respirar, sonhar, sorrir bens fossem alienáveis ao fim vestiu-se para acentuar a dor na vergonha medonha foi a impossibilidade de é esse excesso de realidade que ofusca cega o voo a queda qualquer possibilidade de
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
À S A LV A _ D O R D A L Í 19 nov. 2011
nada aflora nada avulta aqui luas se passam em paródias insólitas caricaturas à Salva_dor Dalí
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Hercília Fernandes
NO ÍNTIMO,
à minha mãe, Maria Inês Fernandes 16 m a r. 2 0 1 3
sou apenas uma menininha que em ti aninha as ternurâncias ma(is)ternas.
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
DOBRAS DO VENTO à mestra Marta Maria de Araújo 12 nov. 20 0 8
É preciso decifrar sinais estar atento.
Saber o que apraz manter-se sereno.
Reunir os galhos sem mais nem menos.
Estreitar os laços: a língua, os ais...
as dobras do vento.
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Hercília Fernandes
CANDEIAS 23 jan. 2009
O caminho é verdejante. Onde alastra sangue, flor semeia. Brancas. Azuis. Vermelhas. Flores para luzir candeias, guiar a cegueira que, no mundo, vagueia.
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
DE CRIANÇAS, AMORAS & RISOS a Cláudio B. Carlos 26 set. 2012
é possível que envelheçamos sem enxergarmo-nos, um no outro, as horas os poemas ser-nos-ão ouro, – ternas são as auroras de crianças, amoras e risos.
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Hercília Fernandes
T Ê T E - À -T Ê T E 2 dez. 2012
se ainda fosse Paris se Sartre & Castor o amor far-me-ia petiz : bistrô
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
BRINDE
a Carlos Eduardo Marcos Bonfá 3 maio 2013
costuma sair às noites de sábado em que vagueiam as efervescências emanadas de sua escrivaninha: correspondências de Baudelaire iluminações de Rimbaud sugestões des_vão de Verlaine a Mallarmé às noites de sábado, a cidade é dama tardia chama estonteante que desvela cria misto de crueza e santidade dissidência na ordem da melancolia às noites de sábado, o ser é passado ao gerúndio: presente assombro um brinde à decadência
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Hercília Fernandes
A NOITE LOGO VEM 23 maio 2013
as pessoas estampam felicidades a curta vista como se cada gesto, passo, objeto fosse digno de outdoor de capa de revista mas a noite logo vem... e não oculta o que a casa (de fato) contém
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
ENTRISTEÇO: 4 a b r. 2 0 14
falta fim ao (re)começo
POR GOSTO 10 fev. 2014
esqueci seu nome rosto endereço se cedo ou tarde fim ou começo esqueci de mim e por gosto pereço
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Hercília Fernandes
SÓ (R)ES TOU 24 fev. 2014
perdi o chão o rumo as palavras só (r)estou:
meu livro de mágoas
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
E-BULIÇÃO a Eduardo Lacerda 19 out. 2012
não falo das exclusões sofridas (das perdas de ilusões) falo das dádivas esculpidas levadas de vulcões
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Hercília Fernandes
PÉGASO 24 a b r. 2 0 14
eu sempre imagino que você virá forte reluzente destemido livrar a mocinha do calvário que é viver porque só você... é capaz de entrever o termo correspondente ao significado do que, à menina, faz doer
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
TA N T O ( M E ) F A Z 15 jul. 2013
morrer de porre, guerrilha, poesia? ah amor, tanto (me) faz... no fim, só vejo a ilha cerco de ruínas muralhas, cárceres ao cais
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Hercília Fernandes
DA (RE)PRODUÇ ÃO DO NÃO LUGAR à Ana Fani Alessandri Carlos 2 9 a b r. 2 0 1 2
a placa informa, adverte delimita ações, espaços o corpo (essa caixa de recepções e ressonâncias) não extrapola interdições as divisões que erguem (sobre todos os ângulos e sentidos) ostensivos obstáculos apesar das ânsias (e profundezas) na/da epiderme que requerem extinguir muros vazios inter_ditos correntezas & acorrentados 100
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
COM VOCÊ 13 nov. 2011
marcharia pelo Sudão, pelo Iraque e a Palestina... como os sonhos não ultrapassam o vagão da esquina segue este poema minguado combinado a cigarro e cafeína.
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Hercília Fernandes
GARANTIA 10 m a r. 2 0 14
guardei as suas palavras como forma de impedir os mesmos erros mas aqui faz frio e é só o começo: de uma longa caminhada, vida a esmo
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
NO FIM, 1 jul. 2013
restava-lhe o vazio esse nada tão cheio de tudo
de mim
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Hercília Fernandes
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por Assis Freitas1
Como nasce um poema? Qual o instante em que a palavra é alçada ao voo poético e deixa apenas de comunicar para se transformar numa explosão significante? Estamos, pois, diante dos mistérios de uma experiência estética ímpar: a concepção da poesia. Mas, de outro modo, se não podemos adentrar ao insondável, ao poema posto, nos cabe a fruição desse privilégio. “A leitura faz do livro o que o mar e o vento fazem da obra modelada pelos homens: uma pedra mais lisa” (BLANCHOT, 1987, p. 29). Então é içar velas e deixar-se ao sabor do vento nordeste.
ELEITO o meu poema preferido é aquele que, de mim, não sai se atento ao escrito, ele diz-me ao pé do ouvido: não prendo navio ao cais.
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Assis Freitas é poeta, sociólogo e mestre em Letras.
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Hercília Fernandes
O poeta e crítico literário mexicano Octavio Paz (1982, p. 61) nos alerta que “o poema apresenta-se como um círculo ou uma esfera – algo que se fecha sobre si mesmo, universo autossuficiente no qual o fim é também um princípio que volta, se repete e se recria. E essa constante repetição e recriação não é senão o ritmo, maré que vai e que vem, que cai e se levanta.” E assinala: “ritmo, imagem e significado apresentam-se simultaneamente numa unidade indivisível e compacta: a frase poética, o verso” (PAZ, 1982, p. 61).
CANDEIAS O caminho é verdejante. Onde alastra sangue, flor semeia. Brancas. Azuis. Vermelhas. Flores para luzir candeias, guiar a cegueira que, no mundo, vagueia. O universo literário de Hercília Fernandes carrega essa densidade do verbo que se crispa em chamas na criação. Carrega a desdita ontológica, vide o mito de Prometeu, de se sacrificar em nome do fogo oferecido aos homens. Porque a poesia – caberiam tantas outras metáforas – é este brilho que cega, atordoa, mas ao mesmo tempo nos põe diante das pequenas epifanias da existência. 106
Poemas de chamados, esperas e (a)fins
Aqui o que interessa é o evocar das sensações. Os arrebatamentos provocados pela leitura de um poema. As possibilidades imagéticas contidas em uma série de frases ou numa frase tão curta e propositadamente condensada para explodir dentro do leitor. Esse fogo que queima incessante e que é força motriz para todos os desejos que a linguagem pode provocar.
EXPIA AÇÃO tenho estado distante como se não existisse mais eu sinto-me expiar feito Prometeu bicada por um fogo que não é... nem mesmo meu. “Uma poesia que fala do ato criativo, da dificuldade de seu material – palavra –, do conflito pedregoso diante da folha em branco, da dificuldade desconfiada do ato de poetar, da palavra que é de uso de todos e que, no poema, necessita ser singular e exata para bem dizer-se, dizendo sua natureza” (FRIEDRICH, 1978, p. 17). A poesia nos contempla com a clarividência dos sentidos, daquilo que sente, daquilo que cega o sentir e daquilo que o súbito alvoroço pode desencadear. Se há tormento, há a vida: e assim somos vento em busca de pouso. Não é o homem este ser que se debate com suas sombras neste tonto percurso de argonauta do verbo? Não se escreve impunemente, há uma cota 107
Hercília Fernandes
de sacrifício para cada palavra escrita. E é nesse engasgo, naquilo que produz o indômito, que viceja a poesia.
ESTRANHEZA Poetas se apaixonam... Nada há de estranho nisso! Aconteceu com o Pessoa, a Flor Bela, o Vinícius... – Que dirá, pobre mortal, consigo?! Poetas se apaixonam... A palavra desce quente garganta ao umbigo. E a estranheza? (cá entre nós...) Faz parte do ofício!... Gaston Bachelard (1978, p. 210) disse certa vez que “a conquista do supérfluo provoca uma excitação espiritual superior à conquista do necessário. O homem é uma criação do desejo e não da necessidade”. Eu sempre me tomei desse intento ao observar que a poesia – e por que não dizer as artes em geral –, não se assenta sobre as bases do imediatismo, do momentâneo, daquilo que conforta, mas também não conduz à plenitude.
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
RESISTÊNCIA quando a natureza aparece morta a vida comprova a sua magnitude resistir não é vitória, é virtude A leitura de Poemas de: chamados, esperas e (a)fins nos conduz, também, aos recônditos da natureza, aos espaços instigantes do homem e à sua geografia territorial. Ali onde os passos do poeta fazem morada, onde toca a sede na língua, onde o olhar se depara com a vastidão do céu.
REBENTO as mãos estão cerradas os olhos percorrem único horizonte a boca é sede, é fome tocaia que encanto consome qual rebento na carcaça brotando aquém do costume
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Para concluir este ensaio mínimo, recorro ao pensamento crítico do poeta T. S. Elliot (1972, p. 35) sobre a condição fundamental da criação poética: o dever direto do poeta “é para com sua língua, que lhe cabe em primeiro lugar preservar, e em segundo ampliar e melhorar. Ao expressar o que os outros sentem, ele está também modificando o sentimento, tornando-o mais consciente: está fazendo com que as pessoas percebam melhor o que sentem, ensinando-lhes, portanto, algo a respeito de si mesmas”.
ANIL se me tiras a voz, a mão e a escrita que me versam?! a minha face é anil... se dissolve azul nas águas. É exatamente sobre a pedagogia múltipla da palavra, do enlace dialético do verso com a linguagem (como naquele enigma da Hidra de Lerna: decifra-me ou te devoro) que se assenta a poética de Hercília Fernandes.
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
Referências BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Os Pensadores). BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. ELLIOT, T. A essência da poesia. Trad. Luiza Nogueira. Rio de Janeiro: Artenova, 1972. FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna. Trad. Marisa Curioni. São Paulo: Duas Cidades, 1978. PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
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Hercília Fernandes faz Poesia com o miúdo, com o quase imperceptível e com as estranhezas. O Poeta deve ter olho de ver. Hercília Fernandes tem olho de ver, e não é de hoje – de Nós Em Miúdos (2013), seu livro anterior (que dialoga com este Poemas de: chamados, esperas e (a)fins), destaco: De Quando Em Quando Se te pareço paradoxal é porque já não percebo sentido algum entremeio há que se pular muros de quando em quando assim creio Em “Unguento” a Artista diz: “escrevo porque não me aguento”.
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A poesia está em toda parte, mas só o poeta é capaz de captá-la. Só o poeta é capaz de vê-la num carreiro de formigas, por exemplo. E por falar em formigas... (“Estranheza”) E tem este “Arranhões” – meu preferido: quando menina adorava bicicleta levava bons tombos – eram certos! – mas insistia em dominar a máquina... soltava as mãos do guidon: irra! pedalava estrada infinita!... até que um dia caminhão me retirou da trilha arranhando-me pernas, joelhos, pés... sonhos deixou-me arisca: cicatriz no ombro, ferida na alma A “costura” entre os dois volumes mostra a preocupação da autora com a obra. Preocupação em permanecer, edificar, deixar. Hercília Fernandes nos apresenta em Poemas de: chamados, esperas e (a)fins uma série de instantâneos do cotidiano – instantâneos que o comum dos homens sequer percebe. Vejamos:
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Poemas de chamados, esperas e (a)fins
Chamamentos a alma reclama se não há sol, chama
cê não viu? lua piscou pro rio A estranheza, novamente, em “Bilíngue” – um poema em prosa. E por falar em formigas... O que posso dizer se tuas palavras não ditas vestiram-me bilíngue, rosa partida entrelaçada em flor de sisal? Se há na tua língua um tropel de formigas onde levantei broquel suicida capaz de fundir manancial? O que posso dizer se todas as cores de Monet cegaram-me as retinas, traindo-me as narinas entre sustos e silêncios de Chagall? Se depois de vender flores, enfileirar flamas em frascos de silêncios assustadores, o resto me parece completamente banal? Mas, por falar em formigas...
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Hercília Fernandes
Teria, ainda, muito a dizer sobre a Poética de Hercília Fernandes – e tudo seria pouco diante do imensurável. Sirva-se, caro leitor, deste Poemas de: chamados, esperas e (a)fins para melhor perceber o mundo. Boa leitura. E procure também Nós em miúdos (caso, até o momento, não o tenha lido): valerá – e muito.
Cláudio B. Carlos poeta
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Hercília Fernandes Nasci em Caicó, Rio Grande do Norte, em 25 de abril de 1971. Nas janelas dos casarões e árvores centenárias, comecei a construir castelos de sonhos, mergulhada às paisagens interiores do ser_tão. Filha de agricultores, vivi a infância entre o campo e a cidade. E, dessa relação, resultou o apreço à natureza, às letras e às artes – em especial à poesia.
Contatos E-mail:
[email protected] Blog “HF diante do espelho”: http://www.fernandeshercilia.blogspot.com.br/
A minha trajetória literária inclui a publicação do livro “Nós Em Miúdos” (2013); a organização da obra coletiva “Maria Clara: uniVersos femininos” (2010); dois livros em verso e prosa publicados com apoio cultural do SESC-RN: “Retrato de Helena” (2005) e “Agá-Efe: entre ruínas & quimeras” (2006); publicações em revistas e antologias poéticas, e escritas de prefácios e posfácios em livros de poemas. Sou graduada em Pedagogia, Pósgraduada em Educação Infantil, Mestra e Doutora em Educação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora da Universidade Federal de Campina Grande, leciono no curso de Pedagogia do Centro de Formação de Professores, Campus de Cajazeiras, Paraíba. Pesquisadora, ligada aos estudos históricos e educacionais, disponho de artigos publicados em livros, periódicos e anais de congressos.
Este livro foi projetado pela equipe da EDUFRN - Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Julho de 2018