O governo é contra os trabalhadores


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MILENA SANTOS

O GOVERNO É CONTRA OS TRABALHADORES!

Diagramação: Fernanda Beltrão Revisão: Sidney Wanderley Capa: Ana Nascimento e Ranny Belo Catalogação na Fonte Departamento de Tratamento Técnco Coletivo Veredas Bibliotecária Responsável: Fernanda Lins de Lima – CRB – 4/1717 _____________________________________________ S638g Santos, Milena. O governo é contra os trabalhadores! / Milena Santos. – Maceió : Coletivo Veredas, 2018. 35 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-92836-27-6. 1. Governo. 2. Trabalhadores. 3. Capitalismo. I. Título. CDU: 331.35 _____________________________________________ Elaborada por Fernanda Lins de Lima – CRB – 4/1717

Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/. Esta licença permite cópia (total ou parcial), distribuição, e ainda, que outros remixem, adaptem, e criem a partir deste trabalho, desde que atribuam o devido crédito ao autor(a) pela criação original. 1º Edição 2018 Coletivo Veredas www.coletivoveredas.com

MILENA SANTOS

O GOVERNO É CONTRA OS TRABALHADORES!

1º Edição Coletivo Veredas Maceió 2018

Sumário

INTRODUÇÃO����������������������������������������������������������������������������������7 1 - AS CAUSAS DA POBREZA������������������������������������������������������9 2 - ESTADO NA ADMINISTRAÇÃO DOS NEGÓCIOS DA BURGUESIA ����������������������������������������������������������������������������������� 15 3 - PARA QUEM SERVEM AS AÇÕES DO GOVERNO �������� 25 CONCLUSÃO ��������������������������������������������������������������������������������� 33

INTRODUÇÃO

Com o capitalismo, os problemas da pobreza, da segurança social, da saúde, da educação, da habitação, do meio ambiente etc. se tornam muito mais graves. Nem todos estes problemas tiveram início no capitalismo, mas todos eles se agravaram enormemente com ele. Muitos consideram o capitalismo o sistema “mais adequado” para garantir a “ordem e o progresso humano”. Ou seja, a sociedade perfeita. Mas, se fosse “perfeita”, não existiriam todos estes problemas. Então, criam-se desculpas para justificar a existência desses problemas. Dizem que eles “sempre existiram e sempre existirão”. Ou apelam para Deus: “Isto é assim porque Deus quer”. Há ainda quem justifique o capitalismo dizendo que o ser humano é incorrigivelmente egoísta. Que a causa de tanta miséria não é o capitalismo, mas nós próprios com nosso egoísmo. Que não há sistema econômico ou político que corrija isto.

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AS CAUSAS DA POBREZA

Tome-se a pobreza, atualmente considerada um dos maiores problemas da humanidade. No mundo todo, independentemente de países desenvolvidos ou subdesenvolvidos, sempre há uma parte da população na pobreza. Por mais que as pessoas participem da produção, trabalhem, estudem, votem, consumam, mesmo assim ainda vivem na pobreza. A pobreza é a falta de acesso aos recursos materiais necessários para satisfazer as necessidades de sobrevivência de um ser humano. Pense em tudo aquilo que você precisa para sobreviver. Estes itens não são produzidos por nós mesmos? Mas, se somos nós, os trabalhadores, que produzimos tudo o que há na sociedade, por que então os miseráveis são sempre trabalhadores? Por que quem produz a riqueza é pobre e quem é rico não produz riqueza alguma? Na sociedade primitiva, a humanidade vivia em condições de extrema pobreza. Porque por mais todos trabalhassem, o que era produzido não era suficiente para todos. Quando, pelo desenvolvimento econômico, principalmente devido ao desenvolvimento da agricultura e da pecuária, a humanidade deixa a sociedade primitiva

e passa a viver em sociedade de classes, a pobreza se diferencia. Agora não é a falta de produção que determina a pobreza da população, é a falta de acesso a ela que faz a pobreza existir. Pois há produção em abundância. A divisão de trabalho permitiu à humanidade produzir o necessário à sua sobrevivência e controlar, relativamente, seu sustento. Isso fez com que algumas pessoas não necessitassem mais trabalhar para garantir a alimentação de todos. Pela primeira vez a humanidade começou a produzir em um grau mais avançado. O resultado disto é que o trabalhador acaba produzindo mais que as necessidades dele. Ou seja, ele tem uma capacidade de trabalho que excede a sua necessidade pessoal. É assim que surge a possibilidade da exploração do homem pelo homem, como também a possibilidade de acumulação de produção e comercialização (troca). A sociedade foi dividida em classes sociais com interesses diferentes. Existem aqueles que trabalham para sua sobrevivência e a da comunidade; e aqueles que exploram o trabalho de outros e se apossam dos resultados deste trabalho. A sociedade de classes é dividida entre explorados e exploradores. Numa sociedade de classes, uma pequena parte da população faz o resto da sociedade trabalhar para ela. Ela acumula uma quantidade de riqueza tão grande que sobra para ela investir nos seus negócios. Ou seja, 10

desenvolver a produção e aumentar a exploração da classe que trabalha. Quanto ao problema da pobreza, se nas sociedades anteriores a produção dos bens necessários à sobrevivência não era suficiente para todos, devido à baixa produtividade, agora o capitalismo supera esta condição. O avanço técnico na produção é imensamente superior aos anteriores modos de produção (escravismo e feudalismo). Nunca se produziu tantos alimentos como atualmente. Como também nunca na história se desperdiçou tanto. Jogam-se toneladas de comida no lixo, o suficiente para matar a fome de milhões de pessoas no mundo. Mas ainda existe a morte pela fome! Que sistema “perfeito” é este que não tem a capacidade de acabar com este problema? Parece tão simples pensar que se existe a produção de alimento mais que suficiente para suprir a fome de todos, por que não supre? Porque as pessoas não têm acesso a esta comida. Pois antes de ser alimento, para este sistema, a comida é mercadoria. E quem não tem dinheiro para pagar por ela, não tem acesso. Assim, quem tem fome e não pode comprar comida, continuará a ter fome. A pobreza no capitalismo é chamada de pauperismo, porque o motivo de existência dela nesta sociedade é diferente do que ocorria nas sociedades anteriores. Existe pobreza de boa parte da população em meio à abundância de produção. A produção é reali11

zada pelo conjunto da sociedade (os trabalhadores), porém apenas uma pequena parcela da população se apropria dela. A distribuição é desigual. Isto acontece porque no capitalismo a produção retira do trabalhador o seu sentimento de pertencimento da produção e o aliena. Além de não permitir que todos trabalhem. Uma das formas de manter os salários baixos e aumentar a exploração é a existência de uma população desempregada que faz pressão para a concorrência entre os trabalhadores. Também por isso quem trabalha acaba aceitando mais exploração para continuar com seu emprego. O trabalho assalariado é muito adequado ao capitalismo. Dele o capitalista pode tirar cada vez mais lucro. O pior é que o trabalhador nem se percebe como explorado. O burguês compra tão só a força de trabalho do trabalhador; isto significa que a pessoa do trabalhador é responsabilidade do próprio trabalhador. Se o trabalhador recebe um salário pelo seu trabalho e este salário não é suficiente para ele e sua família viverem bem, não importa para o patrão. Se o trabalhador não se alimenta bem e fica doente, o patão manda-o embora e logo contrata outro. Embora ainda exista atualmente toda uma legislação trabalhista, esta não se destina a assegurar direitos ao trabalhador, mas sobretudo para assegurar condições de exploração do trabalho. Ou seja, para transformar a prática de exploração em algo legal. 12

Existe uma condição em que a única coisa que entra na relação de produção é a capacidade de o trabalhador produzir. O ser humano, que é portador desta capacidade de trabalhar, não entra nesta relação. Isto vai fazer com que a classe dominante possa retirar do trabalhador uma riqueza muito maior do que poderia tirar do servo (feudalismo) ou do que poderia tirar do escravo (escravismo). Muda a forma de trabalho, porque esta nova forma possibilita à classe dominante retirar do trabalhador uma quantidade de riqueza que as formas de trabalho anteriores não tornavam possível. Caso fosse mais lucrativo para o capital ter escravos, haveria escravos. Na nossa forma de sociedade, como os cidadãos se relacionam? Relacionam-se por aquilo que eles são (para não dizer o que têm). São proprietários da sua força de trabalho (trabalhadores) ou são proprietários de alguma riqueza (burguesia). Isto significa que para que você possa comprar a força de trabalho, tudo aquilo que a força de trabalho produz também pode ser comprado e vendido, ou seja, só dá para você se alimentar, ter uma casa, sustentar sua família, se você tiver dinheiro no bolso para comprar mercadorias. E você só pode ter dinheiro no bolso, se vender sua força de trabalho para um burguês que tem dinheiro para comprar sua força de trabalho. No capitalismo, todos acabam se transformando 13

em força de trabalho ou em capital. Tudo e todos viram mercadoria. O trabalho humano vira mercadoria. Os produtos do trabalho viram mercadoria. Até as relações sociais viram mercadorias. Na sociedade em que se vive, o trabalhador é obrigado a trabalhar a fim de produzir o que é interessante para a classe dominante através das relações de mercado. E este trabalhador voluntariamente aceita. Para ele é melhor estar empregado (ser explorado) do que não ter nenhum dinheiro e viver na rua, a depender da caridade pública ou privada. Assim, a classe trabalhadora não dispõe de muitas alternativas para garantir a sua sobrevivência. Interessante é que agora, devido a estas ações “voluntárias” de compra e venda da força de trabalho - não há mais o trabalho “forçado” (escravo) como no passado - , o nível de violência na vida cotidiana é muito menor do que no passado. Porém, a sociedade se torna incrivelmente mais violenta. Nunca se produziu tanta arma, nunca se fez tanta guerra e nunca a vida cotidiana foi tão permeada por violência.

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2 ESTADO NA ADMINISTRAÇÃO DOS NEGÓCIOS DA BURGUESIA

No momento em que se divide a sociedade em classes sociais, com interesses, funções e finalidades diferentes, desenvolve-se uma estrutura, uma instituição social, que teoricamente trata dos interesses das classes sociais e procura administrar os conflitos entre elas para manter o ordenamento social: o Estado. Quando se pensa no Estado, logo vem à mente tudo aquilo que ensinaram sobre as relações políticas, as normas e regras de convívio entre os indivíduos na sociedade. Lembra-se de leis, Constituição, direitos e deveres, cidadania e ordenamento social. Sobre tudo aquilo sem o que se imagina um caos completo e a impossibilidade de uma convivência harmônica entre os seres humanos. Existem muitas formas de se explicar a existência do Estado1. Sobre a necessidade dele. Sobre sua melhor forma de organização, tipos de governos2 etc. 1  Ver: NOGUEIRA, Zilas. Estado: quem precisa dele? Coleção Combate. Maceió: Coletivo Veredas, 2017. 2  Governo tem a função de administrar o Estado. Tem como representantes governantes eleitos pela população (no caso da democracia) e partidos políticos.

Porém, poucos são os que percebem a relação dele com as classes sociais. Inicialmente se pensa que o Estado organiza a relação entre as classes socais. Que ele garante a ordem e a paz social através da defesa dos interesses do “povo” e do “bem comum”. Que esta relação se dá através da disputa política, muitas vezes de forma democrática. Será mesmo? Quais os interesses do “povo”? O que seria considerado “bem comum”? Será mesmo que se o objetivo do Estado fosse garantir o “bem comum” e o interesse geral do “povo”, estar-se-ia na situação em que se está hoje? Basta mencionar os problemas ressaltados no início deste texto: pobreza, falta de acesso à saúde, baixa qualidade na educação, falta de segurança social, destruição ambiental etc. Desde que a sociedade se dividiu em classes sociais, o poder do Estado busca defender os interesses das classes economicamente dominantes. O Estado ajuda a classe economicamente dominante na dominação da classe explorada. O Estado se encarrega de administrar a aplicação cotidiana da violência para que o trabalhador produza não o que ele precisa, mas sim o que a classe dominante requer. No escravismo (3000 a.C.-476 d.C.), a sociedade tinha como classes fundamentais os senhores de escravos (dominantes) e os escravos (dominados). O Estado e as formas de governo desenvolvidas naquele 16

período, evidentemente, realizavam a manutenção daquela relação social, utilizando a legislação e o aparato violento do Estado (exército/guerreiros) para a dominação e a exploração do trabalho escravo. Já o Estado absolutista, típico do período feudal (446-1789), buscava a relação de dominação dos servos (dominados) pelos senhores feudais e a nobreza (dominantes). No capitalismo (desde 1789 até os dias atuais), o Estado Moderno, constituído de várias formas de governo – da ditadura à democracia ou do parlamentarismo ao presidencialismo – também mantém a mesma função, sendo atualmente a burguesia a classe dominante economicamente, ou seja, aquela que detém o poder político para o controle e o domínio dos trabalhadores (proletariado). O Estado é necessário à sociedade de classes porque é através dele que a classe dominante exerce a violência que mantém os trabalhadores produzindo a riqueza social. Os que defendem o capitalismo afirmam que é ser ele uma forma revolucionária de produção e distribuição da riqueza social. Dizem que o capitalismo ajudou na relação comercial entre os países, que ajudou a desenvolver todos os recursos tecnológicos que há hoje e que nos fez civilizados. Não é à toa que se percebem todos os avanços científicos e tecnológicos que se realizaram nos últimos séculos. Porém, existe uma contradição fundamental neste 17

sistema. O capitalismo coloca a necessidade da lucratividade acima das necessidades humanas mais básicas. Prioriza o quanto se pode ganhar de dinheiro com o que é produzido, em vez de valorizar a utilização dos produtos pelas pessoas. Neste sistema, aquilo que não pode gerar lucro não pode ser produzido. Um exemplo simples: se uma epidemia assola uma população empobrecida de um país subdesenvolvido e a produção de um determinado remédio para esta doença não for lucrativa para um determinado laboratório que pode produzi-la, ela não será produzida, ainda que isto custe a vida de milhares de pessoas. Para o capital tudo se resume em mercadorias, em fonte de lucro. E em lucro para pouquíssimas pessoas. Atualmente o Estado tem um poder de violência infinitamente maior que qualquer Estado do passado, mediante crescimento dos exércitos, da produção de armas, da burocracia, da polícia secreta etc. Os mecanismos de controle são muito maiores do que os existentes nas sociedades passadas. Agora se tem um sistema de controle bem mais rígido. Criam-se todas as condições para que o Estado possa identificar cada um da forma mais eficiente possível (RG, CFP, título de eleitor...). E, no entanto, voluntariamente, os trabalhadores acordam toda manhã para trabalhar. O mercado pode regular toda a vida produtiva, toda a relação de produção, porque garante a propriedade privada. Quando a polícia vai para a fábrica? 18

Quando os trabalhadores ameaçam invadir a fábrica ou ameaçam quebrar a fábrica. Quando a polícia intervém numa greve? Quando a greve está ameaçando a propriedade do patrão e/ou o “ordenamento social”. Quando o exército vai para a guerra? Quando a disputa comercial entre os países ultrapassa o poder de negociação e o Estado deve defender os interesses das empresas nacionais no exterior. O Estado age como o garantidor do mercado, ou seja, o garantidor da propriedade privada. Ele determina as regras mais gerais de como o mercado pode funcionar, de acordo com os interesses da classe dominante. Para isto ele cria todas as instituições necessárias para esta organização, tais como: Banco Central, ministérios, secretarias, tribunais etc. Ele cria instituições sociais, políticas públicas, ensino público, transporte público etc. Tudo isso para que o mercado funcione como regulador da atividade econômica da forma mais eficiente possível para a burguesia. O Estado Moderno atua através de um conjunto de ações (políticas públicas) que se concretizam através de atividades direcionadas por planos, programas e projetos sociais. Estas ações aparecem por meio de políticas: econômicas, de relações exteriores, de segurança pública, fiscais, sociais, ambientais, entre outras. Embora a realização destas ações do Estado e de seus governos esteja permeada pela noção de “cidadania”, de “garantia de direitos humanos e sociais” e de “bem comum”, observa-se em todo o processo o 19

confronto de interesses entre os gestores das políticas. Pois também nestes espaços ficam claros os interesses diferenciados das classes sociais fundamentais. Não é de hoje que diversos estudiosos se dedicam a analisar o desenvolvimento das políticas sociais públicas, destacando o quão são importantes para a melhoria da condição de vida das pessoas. Basta o leitor observar as propagandas dos partidos políticos, principalmente em período de campanha eleitoral. Cada candidato apresenta suas propostas de ações na vida social e econômica através de planos de políticas públicas. Exalta-se o Estado enquanto determinante para o “bem-estar” social. Será mesmo que apenas a “boa vontade” política seria o suficiente para acabar com os problemas que assolam nossa sociedade atual? O que pode a política diante do domínio econômico? Originalmente, apenas as ações políticas são incapazes de solucionar os problemas sociais3. Mesmo assim, o Estado organiza intervenções sobre estes problemas em sua superfície. Observe que para cada problema social o Estado criou uma política de ação. Como existem muitas pessoas desempregadas, que não conseguem o necessário para o seu sustento e o da sua família, elas passam 3  A “questão social” é um complexo de problemas econômicos, políticos, sociais e culturais que estão relacionados diretamente à contradição entre o capital e o trabalho na sociedade capitalista. 20

a cometer “crimes” para ter acesso às mercadorias. O Estado então age através da política se segurança pública para punir estes indivíduos, ou age através de um conjunto de programas da Assistência Social. Se a população (classe trabalhadora) tem sua manutenção e existência ameaçadas por surtos de doenças contagiosas, alto índice de adoecimento ou mortalidade devido às más condições de vida, criam-se políticas sociais de habitação, de saneamento e de saúde. Se muitas pessoas adoecem ou ficam em idade avançada para o trabalho, impedindo assim que permaneçam como consumidoras no mercado, desenvolve-se uma política social de previdência (benefícios de aposentadoria, pensão, auxílios doença, maternidade, etc.). Quando a indústria e o comércio começam a ter prejuízos por não encontrarem trabalhadores bem qualificados disponíveis, amplia-se a política de educação (sempre voltada para a formação de trabalhadores profissionais em áreas requisitadas pelo mercado; nunca para ajudar a desenvolver habilidades e capacidades próprias do indivíduo). As políticas sociais4 têm características específicas 4  Sobre os fundamentos da política social, ver: SANTOS, Milena. Estado, política social e controle do capital. Maceió: Coletivo Veredas, 2016. 21

e integram um conjunto de políticas públicas5 que são formalizadas em leis, as quais colocam a obrigatoriedade de o Estado prestar determinados serviços sociais à população, enquanto direitos sociais dos cidadãos. Porém, estas políticas sociais não são eternas. Seu surgimento foi determinado, de um lado, pela necessidade do próprio desenvolvimento capitalista e para a manutenção da ordem burguesa, e, por outro lado, pelo conjunto de reivindicações da classe trabalhadora por melhores condições de trabalho e de vida. A luta entre as classes sociais (burguesia e proletariado) está no cotidiano das políticas sociais. Pode-se perceber que em determinados momentos há a ampliação destas políticas e em outros momentos, a redução. Se se considera o Brasil atual, pode-se ver claramente o retrocesso das políticas sociais, desde o seu financiamento até a precarização dos serviços. Quando se pensa nas políticas sociais logo se faz relação com os direitos como cidadãos. Ou pelo menos, se deveria. Outros já as encaram como benesses do Estado, muitas vezes permeadas pelos “favores políticos”, que visam manter “privilégios” para determinadas frações da população. 5 Por políticas públicas entende-se o conjunto de ações do Estado destinadas a manter ou modificar realidade de um ou vários setores da vida social, por meio de definição de objetivos, estratégias e recursos necessários para realizar as atividades. As políticas sociais fazem parte deste conjunto de políticas públicas, voltadas diretamente para o social. Ex.: saúde, educação, previdência, assistência social, habitação etc. 22

As políticas sociais vêm sendo fortemente ameaçadas nos últimos tempos. Assim, fala-se da necessidade de realização de um conjunto de “reformas políticas”, pois a crise fiscal pública impede que o Estado continue a gastar com serviços sociais. Porém, o objetivo principal destas “reformas” é diminuir os gastos do Estado na área social para que sobre mais dinheiro para o capital. Muito existe por trás do discurso dos atuais governantes e do que é dito pela mídia burguesa. A questão é quase sempre analisada exclusivamente pelo lado político ou pelo lado econômico, embora devessem ser percebidas como uma unidade.

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3 PARA QUEM SERVEM AS AÇÕES DO GOVERNO

Para esclarecer melhor esta questão, cumpre indagar: para quem servem as ações do governo? Para a melhoria da sociedade? Para melhorar a sua vida, enquanto trabalhador? Inicialmente, pode-se cair no equívoco de pensar, exclusivamente, o desenvolvimento e o fortalecimento das ações do Estado por meio do confronto de interesses das classes socais no jogo político governamental. As demandas e reivindicações da classe trabalhadora são atendidas, em parte, pelo Estado. Pensando assim, bastaria cada vez mais exercer pressão sobre o Estado, que se teria um Estado menos capitalista e mais socialista, até que um dia viraria socialista. Isto é apenas ilusão. Não se pode conceber uma luta anticapitalista dentro da política burguesa, seguindo as regras e leis burguesas. Porque o que a determina não é o processo político, e sim o processo econômico. Deve-se entender a lógica da realização destas ações dos governos que administram o Estado. O objetivo destas ações deveria ser solucionar algum problema

que assola a sociedade. Para intervir neste problema, o Estado precisa primeiramente de dinheiro. Como tudo na nossa sociedade converte-se em mercadoria, para realizar este tipo de ação o Estado precisa de dinheiro. Dinheiro para comprar tudo que é necessário para se oferecer determinado serviço. Pense na política de saúde. Imagine tudo que é necessário para a construção de grandes hospitais e prontos-socorros. Desde os tijolos para a construção das paredes até a tinta para o acabamento. Mais ainda, toda a estrutura interna (da cadeira até maca; da gaze à máquina de ressonância magnética). Tudo isto custa dinheiro, pois são mercadorias que o Estado não produz. Ele tem de comprar. E de onde vem este dinheiro? Dos impostos arrecadados em todos os níveis de transações comerciais, desde a compra e venda da força de trabalho até a tributação sobre o consumo. De quem o Estado compra estes produtos? Das grandes empresas capitalistas que produzem em grande escala e só têm lucro certo porque encontram no Estado um grande comprador. Então, a política de saúde antes de ter como finalidade garantir o direito da assistência à saúde da população, “melhorar a qualidade de vida” do cidadão, acaba por beneficiar mais ainda o empresário, que terá lucro certo, devido à ação do Estado. Isto não é apenas com a política de saúde. Reflita sobre este processo na política de educação, habitação, 26

saneamento básico, segurança pública, previdência etc. As políticas sociais públicas são voltadas para distribuir entre a população em geral o custo da reprodução da força de trabalho, de tal forma a ampliar a sua exploração pelo capital. Quando o trabalhador tem de pagar do bolso dele a educação do seu filho, significa que do salário que ele recebe deve sair o pagamento da mensalidade da escola. Se do salário dele também tem de sair os custos com a assistência médica de toda a família, então o patrão dele de algum modo deve pagar um salário em que este custo da reprodução da força de trabalho esteja embutido. Se ele passa a ter isto de graça, se o Estado financia uma parte do custo de transporte, da moradia, financia a educação dos filhos dele, se financia a saúde, o salário deste trabalhador pode ser menor. Os custos que o patrão tinha de pagar para o trabalhador dele são agora socializados por toda a sociedade. Agora este trabalhador vai custar para o seu patrão menos do que custaria se o Estado não mantivesse as políticas sociais. Todas as políticas sociais têm como objetivo baratear o custo da força de trabalho, bem como auxiliar no controle desta força de trabalho. As políticas sociais, além de manter determinados governos e partidos políticos no poder, porque assim obtêm o apoio político dos trabalhadores, ainda fazem a burguesia ganhar mais dinheiro. 27

De certo modo, significa cobrar impostos e dar dinheiro para o burguês pagar com este dinheiro uma parte do salário dos seus trabalhadores. Só que, ao invés disto, este dinheiro retorna em serviços para o trabalhador, e o burguês economiza. Tome-se como exemplo um programa de transferência de renda da Assistência Social brasileira, o Programa Bolsa Família (PBF). O beneficiário deste programa recebe um valor em dinheiro, condicionado ao cumprimento de vários critérios para o acesso. O dinheiro que se recebe neste programa geralmente é tão pouco que mal dá para o beneficiário comprar a alimentação da sua família para a metade do mês. Pouco provável que ele, buscando suprir uma necessidade imediata, a fome, utilize este dinheiro para outra coisa que não seja comprar comida. E com certeza, se não o fizer, irá comprar qualquer outra mercadoria. Pois não dá para poupar um valor desses e esperar ficar rico um dia com isto. A condição de vida desta pessoa pode melhorar minimante, mas não vai tirá-la da situação de pobreza; ela permanecerá na classe trabalhadora. Através disso o beneficiário tem mais oportunidade de participar do mercado como consumidor e contribui para a circulação do mercado. Talvez ele faça uma compra no mercadinho do seu bairro, dando a possibilidade da manutenção daquele ponto comercial. Com isto o pequeno comerciante poderá assim 28

pagar seu fornecedor. O fornecedor poderá pagar a indústria. O industrial poderá quitar seu empréstimo ao banco. E o banco poderá lucrar com os juros do empréstimo e ter mais fundo de caixa para conceder mais empréstimos e ter mais lucro. Em toda esta transação de dinheiro das mãos de uns para outros também há, embutidos, impostos que retornam para o Estado uma parte do valor concedido no benefício do programa. Percebam que nesta lógica se adquire a aprovação da população, pois o povo passa a ficar mais satisfeito com o governo. O que diminui a ameaça à propriedade privada e ao ordenamento capitalista. Num primeiro momento, a burguesia foi contra o Bolsa Família, mas agora, não. Apesar de vários retrocessos vivenciados pela política social brasileira nos últimos tempos, pouco se faz contra os programas de transferência de renda. Pelo menos, ainda não. Até que estes também entrem no processo de enxugamento dos gastos do Estado para a abertura de espaço para a venda de serviços pelo mercado. Não é à toa que as ações sociais dos governos são modificadas de tempos em tempos. Nos últimos anos observa-se todo um processo de “reformas” das políticas sociais. Reformas nas áreas da saúde, da assistência, trabalhista e agora novamente “reforma” da previdência. Tudo isto para ajustar as regras dos benefícios de forma que sejam mais lucrativas para o capital e menos custosas para o Estado. 29

O fato é que é um mecanismo muito inteligente de dar dinheiro para a burguesia, contentando, controlando e pacificando os trabalhadores. A intenção não é eliminar os problemas sociais, e sim amenizá-los. Porque não há como acabar com um conjunto de problemas que tem suas raízes na economia apenas com ações políticas. Vários são os que justificam que as políticas sociais melhoram a condição de vida da população, que aumentam a distribuição de renda e diminuem a desigualdade social. Porém, no cotidiano percebem-se claramente os problemas sociais a aumentar, através do desemprego, da violência, da marginalização da vida social, da criminalização da pobreza, da insegurança social etc. Até nos países mais avançados economicamente, com uma democracia dita fortalecida, como é o caso dos Estados Unidos, os problemas sociais crescem e a desigualdade social se amplia cada vez mais. Doce ilusão a daquele que acredita que a “conquista” dos direitos sociais foi uma grande vitória da classe trabalhadora. Foi, de fato, uma grande derrota. A luta anticapitalista se viu cindida e pesadamente esmagada em troca de um conjunto de “benefícios” básicos postos pela lógica burguesa, que ao responder minimamente a algumas demandas dos trabalhadores, acabou por condená-los a auxiliar na manutenção do sistema que os explora. Em resumo, deve-se deixar claro que o governo 30

não se preocupa com você, trabalhador. As ações do Estado, mesmo quando parecem ser boas para nós, visam tão só a beneficiar a burguesia. A função das ações governamentais (políticas sociais públicas) não é atender às necessidades dos trabalhadores, mas auxiliar na reprodução e no barateamento da força de trabalho. Transforma o Estado num grande consumidor para estimular o consumo e evitar as crises econômicas. As políticas sociais ajudam na produção econômica capitalista. Dividem entre a população os custos de sua manutenção e ampliam a exploração do trabalho. Deixam os salários cada vez com menor poder de compra. Perceba que com o mesmo dinheiro você compra cada vez menos itens a cada mês. Muitas ações governamentais estimulam o consumo da população, como os programas de transferência de renda. Isto faz com que o mercado tenha mais movimento e a burguesia lucre cada vez mais. A política educacional, fragmentada e excludente, e a política trabalhista provocaram uma divisão da classe trabalhadora entre aqueles mais qualificados, mais bem remunerados e com maior acesso a direitos sociais; e aqueles menos qualificados, com vínculos de trabalho precarizados e menor acesso a direitos sociais. Isto dificulta o movimento da luta operária em contrário a esta ordem. 31

CONCLUSÃO

O governo não se preocupa com os trabalhadores. As ações do governo não nos beneficiam, enquanto classe trabalhadora, e sim à burguesia. O resultado das ações sociais do governo acabou por dividir a oposição anticapitalista. Permitiu que fosse esquecida a necessidade de REVOLUÇÃO e que se ajudasse a manter o capitalismo. A alienação faz com que o explorado (trabalhador) não perceba a sua própria exploração. E o pior, defenda o seu explorador, simplesmente por imaginar que um dia poderá chegar à posição dele. Mera ilusão. Tampouco o sistema capitalista resistiria a uma sociedade em que a maioria pudesse chegar à condição de patrão. Porque, para o capital, é necessário que haja cada vez menos pessoas detentoras da riqueza (dos meios de produção) e cada vez mais pessoas sem nada, a não ser sua força de trabalho para vender. Apesar de tudo, o capitalismo se mostra insustentável. Mesmo com todo o “avanço” e “progresso”, no capitalismo a humanidade se destrói. Não dá mais para “reformar” este sistema e esperar que os problemas sociais acabem, ou simplesmente se conformar com eles, achando que são naturais. Porque não são. 33

Por mais que algumas ações do governo tenham contribuído para diminuir as dificuldades de sobrevivência cotidiana dos trabalhadores, estes ainda são explorados. A relação política é muito frágil diante da economia. Com a crise econômica atual é exigido do Estado um maior comprometimento com o capital. Isso diminui a capacidade de pressão da classe trabalhadora, levando à diminuição de recursos para os serviços sociais. Não se deve esperar do Estado, da “boa vontade” de um governante ou de qualquer partido político, a solução para os problemas da humanidade. Como também não se pode acreditar que ampliando direitos sociais no jogo político burguês é possível superar o capital. Há a necessidade de se traçar estratégias para o fortalecimento da luta anticapitalista de forma a superar as bases que sustentam os problemas sociais: a exploração do homem pelo homem, a propriedade privada e a divisão social de classes. É inviável “reformar” o capitalismo. Só uma REVOLUÇÃO possibilita a mudança necessária na forma de produzir a riqueza social, de modo que as relações sociais sejam construídas não para gerar lucro, porém para garantir o necessário a todos. Por uma sociedade verdadeiramente emancipada! 34

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