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ARAKEN DE ASSIS Doutor em Direito pela PUC-SP. Mestre e Especialista em Direito pela PUC-RS. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto de Direito Privado, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS) e do Instituto IberoAmericano de Direito Processual. Diretor da Revista Forense (Rio de Janeiro). Integra o Conselho Editorial da Revista de Processo (São Paulo), da Revista da Ajuris (Porto Alegre), Revista Jurídica e de outras publicações especializadas. Foi Conselheiro, Corregedor e Secretário da OAB-RS, antes de ingressar no extinto TA-RS. Ex-Diretor da Escola Superior da Advocacia da OAB-RS. Desembargador (aposentado) do TJRS e Professor Titular (aposentado) da PUC-RS, instituição na qual lecionou nos cursos de Graduação e de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado). Comendador – “Jurista Eminente” – pelo Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Advogado em Porto Alegre, São Paulo e Brasília.
ESTRUTURA DA OBRA VOLUME I PARTE GERAL: FUNDAMENTOS E DISTRIBUIÇÃO DOS CONFLITOS LIVRO 1 – PARTE GERAL DO PROCESSO CIVIL TÍTULO I – Direito Processual Civil TÍTULO II – Fundamentos Constitucionais do Processo Civil TÍTULO III – Institutos Fundamentais do Processo Civil TÍTULO IV – Distribuição dos Conflitos VOLUME II PARTE GERAL: INSTITUTOS FUNDAMENTAIS TOMO I TÍTULO V – Das Partes TÍTULO VI – Dos Terceiros TÍTULO VII – Do Juiz TÍTULO VIII – Das Funções Essenciais à Administração da Justiça TÍTULO IX – Dos Atos Processuais TOMO II TÍTULO X – Provas em Geral TÍTULO XI – Instrução Antecipada TÍTULO XII – Tutela da Urgência e Tutela da Evidência TÍTULO XIII – Da Formação do Processo TÍTULO XIV – Da Suspensão do Processo TÍTULO XV – Da Extinção do Processo VOLUME III PARTE ESPECIAL: PROCEDIMENTOS COMUM (DA DEMANDA À COISA JULGADA) LIVRO 2 – PROCEDIMENTO COMUM TÍTULO I – Etapa Postulatória TÍTULO II – Etapa do Saneamento TÍTULO III – Etapa da Instrução TÍTULO IV – Etapa Decisória
NOTA PRÉVIA A promulgação da Lei 13.105, de 16.03.2015, ou do Novo Código de Processo Civil, representa, sobretudo, esperança de uma justiça civil bem melhor do que a realizada presentemente. Em torno desse diploma, também conhecido como “Código Fux”, sem pejo da valiosa contribuição de outros juristas ao conjunto do texto, manifestou-se grande e compreensível interesse, parecendo justificar-se, a esse título, a edição da obra que culmina e sintetiza nossos estudos nessa área específica do direito – o Processo Civil Brasileiro. Impõe-se esclarecer, de saída, alguns pontos. A organização dos assuntos deve-se antes ao sistema do autor do que a distribuição das matérias no NCPC. Assim, em diversos capítulos cuida-se tanto da função de conhecimento, quanto da função executiva e cautelar, como seria de se esperar no âmbito da teoria geral do processo. Porém, inexistem incompatibilidades: há mais informações úteis ao leitor, e, não, menos subsídios para seus estudos e trabalhos. Buscou-se resgatar o sentido histórico de regras e institutos do NCPC. Apresentadas como inovações revolucionárias, determinadas soluções técnicas já eram conhecidas, embora abandonadas na legislação posterior, ou são muito antigas. A inquirição da testemunha diretamente pelos advogados das partes (art. 459, caput, do NCPC), a revelar surpreendentes pendores liberais, era o regime do Regulamento 737/1850, e, na sua vigência, apresentou o grave defeito de o juiz não comparecer à audiência, encarregando o escrivão de policiar a atividade. A tão gabada improcedência liminar do pedido (art. 332 do NCPC) originou-se de reforma da legislação processual portuguesa há quase um século. Parece inútil filiá-la a instituto similar da Common Law. Ocioso frisar que nada disso resolveu a profunda crise da justiça civil e é duvidoso que apresentará frutos apreciáveis. Em todo o caso, valendo-se de todos os recursos concebíveis da farmacopeia brasileira, senão universal, o NCPC aposta na liquidação, a médio prazo, do único e grande problema enfrentado na correta aplicação da lei processual – o número excessivo de litígios. Para essa finalidade, propõese a reduzir, drasticamente, a independência jurídica dos órgãos judiciários inferiores, doravante vinculados às teses jurídicas fixadas pelos tribunais superiores. Em outras palavras, o juiz de primeiro grau até pode ignorar a lei material ou deixar de aplicá-la confessadamente; porém, abstendo-se de observar na solução do litígio o precedente haurido do julgamento de casos repetitivos, sujeitar-se-á ao ignominioso remédio da reclamação (art. 988, IV, do NCPC), cujo acolhimento implicará a cassação da “decisão exorbitante” (art. 992 do NCPC). A função proeminente dos precedentes no direito brasileiro promoverá – permita-se a metáfora – o insólito acasalamento de jacaré e de cobra d’água. Em ordenamento filiado ao sistema da Civil Law, ou seja, dotado de regras gerais e abstratas supostamente tendentes à universalidade, portanto abrangendo situações futuras, eis que a regra jurídica concreta formulada pelos tribunais adquire eficácia vinculante de cima para baixo, e, não, através do consenso da conveniência em aplicar a tese jurídica em casos similares. É preciso aguardar os resultados do acasalamento. Porém, aplicado rigidamente o sistema, não se abstendo os tribunais superiores de conhecer e de acolher as inevitáveis reclamações, talvez o número prodigioso dos litígios seja contido e minorado.
Fitando essa possibilidade, o procedimento comum aumentou os deveres do órgão judiciário de primeiro grau, pretendendo aprimorar a qualidade das decisões. Realmente, a atividade dos juízes e das juízas, sobrecarregados por dezenas de milhares de processos (o número não é hipotético), deixa a desejar nesse último aspecto. Embora seja muito realçado o dever de motivação (art. 489, § 1.º, do NCPC), tecnicamente correto, mas impraticável nos termos delineados na regra se a pessoa investida na função judicante usufruir de vagares para analisar os atos postulatórios das partes e redigir o ato, o âmago do procedimento comum avulta no art. 357 do NCPC, ou seja, na decisão de saneamento e de organização do processo. Do órgão judiciário, revelando-se útil e necessário o prosseguimento do feito, aguarda-se a resolução das questões processuais pendentes; a fixação do tema da prova, ou seja, a delimitação das questões de fato objeto da instrução, deferindo ou ordenando a produção dos meios de prova pertinentes; a distribuição do ônus da prova (quem deve provar o que); a delimitação das questões de direito, visando a não surpreender as partes no futuro julgamento, malgrado a máxima iura novit curia; e a designação da audiência de instrução, se for o caso. O desempenho dessa complexa e delicada atividade exigirá, outra vez, profícua reflexão. É necessário ler e, principalmente, entender os atos postulatórios das partes e o teor da controvérsia. Se, mais uma vez, é praticável (ou não) essa magna tarefa, constitui outro problema. Por óbvio, exploradas todas as potencialidades da regra de “condensação”, o juiz terá o processo, por assim dizer, “na mão”. E, sem dúvida, o NCPC redefiniu o domínio das partes no processo civil, valendo citar, a esse propósito, o procedimento convencional do art. 190. Só o tempo revelará todas as potencialidades do NCPC. Essa obra não poderia esgotá-las desde logo. Não deixou de apresentá-las, sempre que possível, a exemplo de aspectos surpreendentes: a menção a “relação processual” (art. 238, in fine, do NCPC), desvelando a natureza jurídica do processo, e aos “fatos processuais” (art. 771 do NCPC), importante categoria na construção dos atos processuais. Progressivamente, incorporar-se-ão ao texto as contribuições da doutrina e da jurisprudência surgidas após a vigência do NCPC, se a acolhida do livro permitir novas edições. Vai a lume a obra com o que se escreveu no direito anterior. A nota prévia já se alongou demasiado, cabendo encerrá-la com breve crítica à redação da lei. Não só a escassez de artigos e a profusão de parágrafos e incisos (por exemplo, no art. 85 do NCPC) dificultará a interpretação e a aplicação das normas processuais. Também o legislador teve imensa dificuldade em exprimir seu pensamento em muitos casos e, não raro, empregou linguagem vulgar: art. 437, § 1.º, do NCPC, permite à parte adotar “posturas”, qual expressão corporal, na manifestação sobre a juntada de documentos. Não se compreende facilmente o escasso apreço ao vernáculo em código eminentemente técnico. Essas e outras imperfeições convivem, como destacado no início, com a fundada esperança de uma justiça melhor para as partes. O autor dedica o livro aos entusiasmados companheiros do início da jornada: Antonio Dall’Agnol, Fábio Gomes, Gérson Fischmann, Maria Berenice Dias e Sérgio Gilberto Porto. Ao novo companheiro de estudos, Eduardo Arruda Alvim. A Fernando Krieg da Fonseca, meu primeiro mentor na advocacia. Recorda carinhosamente os saudosos professores Galeno Lacerda e Ovídio Araújo Baptista da Silva, responsáveis pela formação do autor como processualista, e, ainda, o atuante e atento José Maria Rosa Tesheiner, professor na graduação e colega no TJRS e no PPGD da PUCRS.
E, naturalmente, dedica o livro à esposa, Desembargadora Mara Larsen Chechi, e aos nossos filhos, Cássio Chechi de Assis e Bóris Chechi de Assis, agradecendo-lhes o desmedido amor e a generosa compreensão pelo tempo subtraído à convivência familiar. O autor agradece o enérgico apoio da Dr.ª Marisa Harms ao projeto. Também agradece à equipe de revisão técnica da RT, liderada pelo Dr. George Silva Melo. Eventuais erros materiais, se houverem, são imputáveis ao autor. O AUTOR
LISTA DE ABREVIATURAS Ac. – Acórdão Adin – Ação Direta de Inconstitucionalidade Ag. – Agravo AgRg – Agravo Regimental Ajuris – Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) Ap. – Apelação AR – Ação Rescisória Câm. – Câmara CC – Código Civil CoC – Conflito de Competência CF – Constituição Federal Cív. – Cível CJF – Conselho da Justiça Federal CNJ – Conselho Nacional de Justiça Cód. – Código CPB – Código Penal Brasileiro CPC – Código de Processo Civil CPP – Código de Processo Penal CTN – Código Tributário Nacional DP – Digesto de Processo (Rio de Janeiro) ED – Enciclopedia del Diritto (Milão) Edecl – Embargos Declaratórios Ediv – Embargos de Divergência EI – Embargos Infringentes EJ – Estudos Jurídicos (São Leopoldo) EJD – Encyclopédie Dalloz (Paris) EJSTF – Ementário de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
(Brasília) EJSTJ – Ementário de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Brasília) ESD – Enciclopédia Saraiva de Direito (São Paulo) GÊNESIS – Gênesis – Revista de Direito Processual Civil (Curitiba) HC – Habeas Corpus IARGS – Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) JCCTJRS – Jurisprudência das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) JTASP – Julgados dos Tribunais de Alçada de São Paulo (São Paulo) Julg. – Julgado MC – Medida Cautelar MP – Medida Provisória NCPC – Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) NDI – Novissimo Digesto Italiano (Turim) RAMP – Revista da Associação dos Magistrados do Paraná (Curitiba) RDC – Rivista di Diritto Civile (Milão) RDCo – Rivista di Diritto Commerciale (Milão) RDDT – Revista Dialética de Direito Tributário (São Paulo) RDDP – Revista Dialética de Direito Processual (São Paulo) RDirPen – Rivista di Diritto Penale (Milão) RDM – Revista de Direito Mercantil (São Paulo) RDP – Rivista di Diritto Processuale (Pádua) RDPC – Rivista di Diritto Processuale Civile (Pádua) RE – Recurso Extraordinário Recl – Reclamação ReDirPen – Revista de Direito Penal (Rio de Janeiro) RePro – Revista de Processo (São Paulo) REsp. – Recurso Especial RF – Revista Forense (Rio de Janeiro) RFDPA – Revista da Faculdade de Direito de Porto Alegre (Porto Alegre) RHC – Recurso em Habeas Corpus
RIARGS – Revista do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) RISG – Rivista Italiana per le Scienze Giuridiche (Milão) RJSTJ – Revista de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Brasília) RJTJRS – Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Porto Alegre) RJTRF – Revista de Jurisprudência do Tribunal Regional Federal … Região RMS – Recurso em Mandado de Segurança ROMS – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança RP – Rivista Penale (Roma) RT – Revista dos Tribunais (São Paulo) RTB – Revista dos Tribunais da Bahia (Bahia) RTDP – Revista Trimestral de Direito Público (São Paulo) RTDPC – Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile (Milão) RTJ – Revista Trimestral de Jurisprudência RTJSTF – Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Brasília) SE – Sentença Estrangeira STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça T. – Tomo TJDF – Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro) TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo V. – Volume
LIVRO 1 – PARTE GERAL DO PROCESSO CIVIL
Título I - Direito processual civil
Capítulo 1. FUNÇÕES E LIMITES DO PROCESSO CIVIL SUMÁRIO: § 1.º Conceito e funções do processo civil – 1. Sociedade, conflito e processo – 2. Funções instrumentais do processo civil – 3. Estrutura e elementos do processo civil – § 2.º Processo civil e Justiça Pública – 4. Caracteres da Justiça Pública – 4.1 Igualdade no acesso à Justiça Pública – 4.2 Gratuidade no acesso à Justiça Pública – 4.3 Responsabilidade no acesso à Justiça Pública – 5. Crise da Justiça Pública § 1.º Conceito e funções do processo civil 1. Sociedade, conflito e processo O extremo desamparo biológico da pessoa representa a contingência fundamental que a levou à vida em sociedade. É neste ambiente que o dom da palavra, traço distintivo da racionalidade humana, encontrou campo fecundo e propício para seu desenvolvimento. Os comportamentos culturais e a satisfação das múltiplas necessidades humanas realizam-se em sociedade. Para atingir as finalidades que tornaram a espécie humana essencialmente gregária, a ordenação harmônica, universal, obrigatória e previsível da vida do homem e mulher na sociedade mostrou-se imperativa.1 Originou-se, assim, a ordem jurídica, fenômeno cultural coextensivo à vida em sociedade. Vale, aqui, o antigo aforismo – ubi societas, ibi jus. Essa ordem exige a formulação de tipos prévios e gerais de conduta. Os padrões normativos, geralmente criados pelo Estado, norteiam a ação humana e possibilitam o cálculo jurídico. Entende-se por tal a permanente emissão de juízos da pessoa acerca da regularidade ou adequação do comportamento à pauta aceita e tolerada pelos demais integrantes da comunidade. O jurídico surge como um fenômeno particular no regramento da vida social. Toda vez que pauta de conduta, ocorrendo contestação no que tange à sua incidência em certa situação, comporta julgamento, a posteriori, ou seja, suscita intervenção,2 assume o aspecto peculiar de norma jurídica. É tarefa primacial do direito, sem prejuízo das outras funções igualmente relevantes – por exemplo, a de outorgar legitimidade e organizar o poder social –,3 a de regular as relações sociais como elas devem ser. Essa função de imprimir orientação ao comportamento do homem e da mulher no seio da vida social mostrar-se-ia inútil sem a possibilidade de pôr em causa as condutas discrepantes e transgressoras, resolvendo o conflito daí originado. Para essa finalidade, há o processo, a via aberta aos que vivem em sociedade para dar aos seus conflitos ou às suas crises resolução mediante julgamento e, se for o caso, impor seu desfecho através do emprego da força.
Nenhuma sociedade ignora conflitos entre pessoas. É uma eventualidade inerente e inextirpável da vida social. E nem sempre o conflito envolve normas. A hipotética divergência entre o comprador e o vendedor acerca do prazo de garantia, previsto em normas diferentes, quanto ao objeto do negócio, configura típico conflito normativo; mas, o conflito social se afigura mais amplo. Ele abrange “toda relação de elementos que se caracteriza por contraposição objetiva e subjetiva, na medida em que tal contraposição decorra da estrutura das atividades sociais”.4 As causas dos conflitos são heterogêneas e múltiplas. Retratam, sobretudo, a notável e progressiva complexidade da vida social. Seja qual for a origem do conflito, todavia, as relações litigiosas constituem uma porção definida e minoritária, embora sobressalente e potencialmente nociva, das relações que coexistem em determinado momento da sociedade. O sistema normativo aspira à harmonia, ao equilíbrio e à estabilidade. Repele o seu contrário – as anomias e as disfunções. O conflito é exceção, mas parte integrante da vida social. O conjunto dos conflitos, em dado momento histórico, não esgota, nem demarca integralmente o fenômeno jurídico. A positividade das normas apurar-se-á com maior rigor e exatidão nas relações hígidas do mesmo período. Em linhas gerais, o direito cumpre satisfatoriamente a função ordenadora da vida social; do contrário, desapareceria a organização mínima da sociedade. A tendência de reduzir o jurídico às resoluções tomadas nos conflitos, remédio aplicado à patologia, decorre da ilusão provocada no espírito dos que se ocupam, profissionalmente, desses misteres nas sociedades modernas, tendendo obscurecer o óbvio êxito do jurídico. O direito na vida da sociedade estende-se, significativamente, muito além das paredes dos tribunais.5 Ao longo de seu breve percurso na história, o homem instituiu mecanismos para resolver seus conflitos antes de definir o processo como o melhor meio para fazê-lo. A reação mais primitiva do litigante consiste em impor o próprio interesse diretamente ao adversário. A este fenômeno, a razão da força ou o fazer justiça de mão própria, paulatinamente controlado pela sociedade,6 e de regra proibido na ordem jurídica contemporânea, transformado em fato digno de repressão criminal (art. 345 do CPB), reserva-se a designação de autotutela.7 Essa modalidade de resolução dos conflitos subsiste de forma só residual.8 Por exemplo, o art. 1.313, I, do CC autoriza o vizinho a entrar no prédio alheio, mediante prévio aviso, e usá-lo temporariamente, “quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório”; o art. 935, caput, do CPC de 1973 permitia ao prejudicado pela obra nova a fazer-lhe o “embargo extrajudicial”,9 e, obtida a ratificação judicial, representará atentado os atos praticados pelo nunciado após o embargo e antes mesmo da sua homologação pelo juiz. Essa última modalidade recebeu a seguinte crítica: “não é sem receio que se constata essa ampliação da estreita faixa em que ainda restam resíduos da justiça da mão própria, quando tendência é e deve ser para seu progressivo apequenamento até a extinção”.10 Em outros ordenamentos, como o mexicano, a Constituição prevê a proibição expressa: “Ninguna persona podrá
hacerse justificia por si mesma ni ejercer violência para reclamar su derecho”.11 A disposição genérica torna inconstitucionais dispositivos legais que, nada obstante, acabaram editados em prol de instituições financeiras (v.g., alienação privada de bens empenhados). A autotutela constitui forma inadequada e imprópria de encerrar o conflito. Em geral, reproduzirá resultados que não correspondem à pauta de conduta aceita e aplicada às relações sociais não litigiosas. A autotutela provoca o risco latente de estimular e multiplicar os conflitos, em vez de solucioná-los definitiva e eficazmente. Por esse motivo, a marcha da civilização exigiu sua contenção, tendendo à extinção.12 Em sentido oposto, concebe-se o sacrifício do próprio interesse em proveito alheio. A este meio de resolução do conflito, ou autocomposição, objeto de vigorosos estímulos na sociedade pós-moderna, como resposta à crise da Justiça Pública (infra, 5) – administração estatal dos conflitos através do processo –, opõe-se seu caráter eventual: não cabe presumir o altruísmo e a boa vontade dos participantes do litígio. A autocomposição divide-se em duas espécies: (a) direta; e (b) indireta. Nesse último caso, há a intervenção de terceiro. São espécies de autocomposição direta: (a) a desistência; (b) o reconhecimento; e (c) a transação. Essas modalidades de autocomposição extinguem o conflito mediante negócio jurídico unilateral (desistência, reconhecimento) ou bilateral (transação). E a autocomposição indireta opera através da (a) mediação e de (b) decisão.13 Logo, a única modalidade socialmente eficiente para resolver o conflito reside na intervenção de um terceiro imparcial. O Estado assumiu essa tarefa essencial, autêntico monopólio estatal,14 prestando à sociedade relevante serviço público. A heterocomposição estatal enseja, em princípio, a desejável correspondência entre o desfecho do litígio e a pauta de conduta observada voluntariamente nas relações sadias, a universalização do mecanismo e, principalmente, a sua obrigatoriedade, através de veto quase absoluto à autotutela. Essa atividade fundamental do Estado chama-se de jurisdição. É inerente à heterocomposição a ingerência de um terceiro no conflito. Especificamente, a imposição da solução do conflito por esse terceiro. Encarrega-se alguém diverso dos litigantes de intervir no conflito, alheio aos seus interesses individualizados, mas investido do poder social de resolver o litígio. Na condição de representante da sociedade política, o Estado instituiu um órgão especial (órgão judiciário) para semelhante finalidade. Esse órgão, ungido pelo predicado da equidistância, também é cercado de garantias que o torna imune às pressões políticas e sociais. O expediente legitima socialmente, à primeira vista, a resolução porventura tomada. A explicação vale, intuitivamente, para os conflitos privados. No tocante aos conflitos entre o Estado e o particular, e vice-versa, principalmente envolvendo o contraste interesses público e privado – às vezes, a Administração estatal figura como titular de relações jurídicas eminentemente privadas: por exemplo, locando imóvel de alguém para instalar escola ou hospital –, surge uma dificuldade suplementar. O Estado, responsável pela consecução dos interesses públicos, aparentemente apresenta-se como interessado direto na solução do litígio. Não há como separar, na forma, o órgão judiciário do próprio Estado, preservando a equidistância.
O único modo de superar a dificuldade, instilando confiança na resolução justa e equilibrada do conflito entre o particular e a Administração Pública, reside na especialização do órgão judiciário dentro das funções do Estado. O juiz é um servidor do Estado. Apresenta-se à sociedade, porém, como pessoa superior, indiferente, protegida e alheia aos interesses estatais secundários. Trata-se, no fundo, de um artifício: repartem-se as funções do Estado e atribui-se a uma delas, posta na curul especial, o poder de julgar as atividades da outra. Às vezes, a fórmula se mostra infrutífera. O corpo de magistrados tem seus próprios e legítimos interesses em relação ao Estado, derivados do vínculo funcional, desmascarando o arranjo. O Estado paga os subsídios dos juízes. Por essa razão, o art. 102, I, n, da CF/1988 concentra no STF – tribunal político, imune aos interesses corporativistas da magistratura de carreira, respaldado na atual forma de recrutamento dos ministros por livre indicação do Presidente da República –, o julgamento das causas em que “todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados”. Dá-se o nome de jurisdição ao importante serviço público estatal que se dedica a resolver os conflitos (infra, 179). É uma emanação típica da soberania estatal.15 A atividade dos juízes constitui exercício de poder. Não, porém, do poder popular, mas do poder estatal, em virtude da modalidade de investidura (infra, 928). A qualificação de serviço público não lhe retira a função soberana como acontecia no século XIX.16 Ela tão só situa a atividade no mesmo plano da legislativa e executiva. Aí, sem dúvida, o arranjo formal funciona a contento, não sendo mais possível, nem sequer conveniente posicionar a função jurisdicional no âmbito do poder executivo, ao lado dos poderes administrativo e governativo.17 Os juízes e os tribunais exercem a jurisdição civil, em todo o território nacional, conforme as disposições do NCPC, declara o art. 16. A palavra “jurisdição”, cujo étimo significa dizer o direito, já não representa o conjunto de atribuições do órgão judiciário (infra, 179).18 No entanto, o uso corrente e o vezo da tradição respaldam seu emprego. Logo acode à mente, à sua simples menção, a atividade nela englobada. O Estado não pode negar-se a resolver os conflitos sociais, e, de outro lado, nenhum conflito pode ser excluído da apreciação do órgão judiciário competente (art. 5.º, XXXV, da CF/1988).19 É o que dispõe o art. 3.º do NCPC. Localiza-se a atividade jurisdicional, na vigente Constituição brasileira, nos quadros do Poder Judiciário (CF/1988; Título IV, Da Organização dos Poderes, Capítulo III, Do Poder Judiciário, arts. 92 a 126), conforme o critério orgânico que se universalizou em todos os quadrantes. Examinando a organização do Estado, na CF/1988, acentua-se, de um lado, consistir a função típica do Poder Judiciário julgar o que lhe é posto,20 guardando a própria Constituição, e, de outro, registra-se que “os órgãos do Poder Judiciário tem por função compor conflitos de interesses em cada caso concreto”.21 É que, na perspectiva da Constituição, “a jurisdição é monopólio do Poder Judiciário”.22 Além dessa função fundamental, que lhe reserva a Constituição, o Poder Judiciário também exerce funções atípicas, em princípio confiadas ao Executivo e ao Legislativo. Em primeiro lugar, há as funções administrativas. O autogoverno da magistratura compreende a participação na elaboração do
orçamento, a teor do art. 99, § 1.º, da CF/1988, e o provimento dos cargos da magistratura e dos demais servidores necessários à Administração da Justiça e a organização de todos os serviços auxiliares, consoante o art. 96, I, b, c e e, da CF/1988. E, subsidiariamente, o Poder Judiciário exerce funções legislativas; por exemplo, os tribunais elaboram os respectivos regimentos internos, conforme o art. 96, I, a, da CF/1988.23 É natural que as funções estatais não se enquadrem, rigidamente, no critério orgânico da tripartição dos poderes estatais (o Legislativo, o Executivo e o Judiciário). Essa configuração política tipicamente liberal, e que se almeja interdependente e harmônica (art. 2.º da CF/1988), pouco retrata as múltiplas atividades do Estado contemporâneo e a sua origem.24 Por intermédio da jurisdição, o Estado presta um serviço ao povo em geral – a jurisdição –, do qual recebeu tal incumbência (art. 1.º, parágrafo único, da CF/1988), substituindo e proibindo a justiça de mão própria, em decorrência dos conflitos e para solucioná-los através de mecanismo marcadamente civilizador, que é o processo, presidido por um órgão alheio ao objeto do litígio. A atividade pública exercida no processo é exercício de poder e, como tal, há de ser controlada rigidamente, como forma de garantir a liberdade e o patrimônio das pessoas contra os excessos do Estado. É o papel dos direitos fundamentais processuais, organizados sob determinado modelo, cujas características gerais são as seguintes: (a) a expansividade, porque as normas constitucionais, postas na cúspide da hierarquia das fontes formais do processo, condicionam, concretamente, a fisionomia dos diversos procedimentos; (b) a plasticidade (variabilità), pois tais normas assumem forma diversa perante situações diferentes; e (c) a progressiva possibilidade de aperfeiçoamento (perfettibilità), pois as normas constitucionais podem ser concretizadas de vários modos, na legislação infraconstitucional, para atingir os objetivos próprios de cada processo.25 A transformação da causa da atividade judicante – o conflito individual ou transindividual – no próprio objeto do processo, ou lide (conflito qualificado pelo direito),26produziu frutos generosos no plano dogmático. O merecimento dessa concepção receberá análise no capítulo dedicado ao objeto do processo (infra, 236). Cumpre ressaltar o que de tão elementar tende a ser olvidado: o processo como meio de realizar a ordem jurídica representa um dos maiores êxitos do espírito humano.27 Do ponto de vista político, o processo é a suprema garantia do cidadão, da sua liberdade, da sua vida e dos seus bens.28 Falindo os serviços estatais de saúde, por inépcia da gestão, a intervenção judiciária produziu a proclamação pelo STF do direito do cidadão a prestações positivas do Estado.29 Fica subentendida, na indicação dos litígios submetidos ao órgão judiciário, incluindo os que envolvem a Administração e os particulares, uma particularidade frisante da ordem jurídica brasileira. O processo civil, entre nós, abarca conflitos que, em outros ordenamentos, escapam à jurisdição ordinária (infra, 32). A jurisdição civil a que alude o art. 16 do NCPC é muito ampla, abraçando o direito privado e o público, e só por exclusão da jurisdição penal, eleitoral e trabalhista – neste último caso, não sem importantes ressalvas, apesar da aplicação subsidiária e supletiva das normas do NCPC
aos processos eleitorais, trabalhistas e administrativos, a teor do art. 15 – chega-se à compreensão aproximada de processo civil. A matéria que serve de objeto aos órgãos da jurisdição civil é heterogênea e múltipla. 2. Funções instrumentais do processo civil Lançadas as premissas iniciais que presidiram a criação do serviço estatal, a primeira e natural finalidade da jurisdição reside em restaurar e promover a paz social. Realizam-se, por intermédio do processo, os direitos conferidos às pessoas e, consoante evidencia o fato de que nem sempre o titular do direito posto em causa exibe legitimidade exclusiva para reclamá-lo perante o órgão judiciário – particularidade decisiva na formação do processo coletivo –, também os fins mais gerais e difusos da ordem jurídica. Cabe ao Poder Judiciário, por intermédio dos diversos órgãos em que se divide a Justiça Pública, por razões de divisão do trabalho, preponderantemente defender a Constituição, e, ainda, pôr em prática seus princípios – principalmente o da legalidade e o da isonomia, sem os quais todos os outros acabariam frustrados.30 Essa é a razão por que todo processo, neste plano mais elevado e abstrato, transcende aos interesses concretos dos litigantes porventura individualizados em dado processo. Os órgãos judiciais não se encontram dispensados de também promover a devida proteção aos direitos subjetivos, ou situações de vantagem que a ordem jurídica como um todo reconhece às pessoas, e que constituem o móvel da instauração do processo. Mas, fundamentalmente, os órgãos judiciais têm a missão precípua de realizar na prática as normas do ius positum – da defesa (desarmada) da Constituição à asseguração da eficácia prática dos direitos fundamentais. Não se pode dizer que o conflito, uma vez trazido à apreciação do juiz, apresente cunho exclusivamente privado. Basta atentar ao fato de que o Estado somente reconhecerá como legítimo o interesse que se harmonizar com a ordem jurídica. Segundo o art. 8.º do NCPC, a aplicação do direito objetivo atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo o princípio da dignidade da pessoa humana, e respeitando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Logo, o processo (e do civil aqui se cuida preferentemente) não interessa apenas às partes. Os objetivos da resolução da lide em causa individual transcendem à esfera privada. Em alguma medida, por sem dúvida variável, o conflito assume feição eminentemente pública ao se transformar em objeto do processo, abandonando os domínios privados. Por exemplo: o art. 178, I, do NCPC autoriza o Ministério Público a pleitear intervenção nos processos que envolvam “interesse público ou social”, ocupando-se de interesse particularmente qualificado; por óbvio, não caberá ao Ministério Público intervir em todos os processos. Em contrapartida, o caso especial antevisto na norma, porque de maior intensidade, não impede o reconhecimento de dose menor de interesse público em outras causas. A intervenção prevista no art. 178, III, do NCPC – “litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana” – não passa de subespécie do primeiro inciso da regra. Esses dois polos, ora enfatizada vertente pública, ora a privada, equilibram todos os institutos e normas do processo civil, mas exteriorizam-se
fundamentalmente no papel das partes e do órgão judiciário na conformação do mérito e na direção do processo (infra, 940). A evolução do processo civil de modelo liberal para o modelo autoritário ocorreu em decorrência dessa consideração “social” da lide. O interesse público de resolver o conflito, por intermédio de mecanismo custoso e mantido com enormes sacrifícios – o montante do orçamento do Poder Judiciário dispensa comentários – pela sociedade, obriga e autoriza o órgão especialmente instituído para esse fim a intervir na marcha do processo, formal e materialmente, no que se designa de direção do processo. Essas intervenções – modelo autoritário (infra, 80) – originaram-se da legislação austríaca do final do século XIX, e obscureceram o outro lado da moeda: a segurança dos litigantes, a razoável expectativa que os órgãos do Estado, uma vez provocados, respondam previsivelmente à postulação, segundo as normas do direito positivo.31 Eis o desafio contemporâneo: a garantia dos direitos fundamentais através de atividade estatal previsível e segura. O NCPC deu passo audacioso nesse sentido, constrangendo juízes e tribunais à observância do precedente dos tribunais superiores (v.g., o tirado do incidente de resolução de demandas repetitivas), a teor do art. 927, I a V, c/c art. 928, I e II, sob pena de reclamação (art. 988, I a IV), assumindo posição contra a necessidade de emenda na CF/1988 para restringir a independência jurídica dos órgãos judiciais. As atividades do órgão judicial englobam funções específicas e instrumentais para realizar os fins gerais da ordem jurídica. É neste sentido que, no âmbito do direito processual, alude-se às funções da jurisdição; na verdade, trata-se das funções instrumentais do processo civil – formular a regra jurídica concreta, realizá-la ou assegurá-la na prática. A lide funciona como causa da jurisdição e, da mesma forma que a febre constitui o sintoma ordinário da infecção, revela-se no processo mediante questões, ou seja, pontos de fato ou de direito que os litigantes controvertem perante o juiz. Naturalmente, o Estado põe seu serviço público à disposição dos interessados. Por conseguinte, outorga o direito à tutela jurídica (infra, 120 e 223). Da formulação genérica do direito fundamental à provocação desse serviço, previsto no art. 5.º, XXXV, da CF/1988, depreende-se que ele se encontra à disposição de qualquer pessoa – sem exceção. Em primeiro lugar, são titulares desse direito as pessoas naturais. A esse propósito, levando em consideração a controvérsia acerca de quando começa a vida e quando ela finda, cujo objetivo é o de fixar o marco do início e o do fim da tutela jurídica da pessoa humana, o direito à tutela jurídica coexiste com a vida humana. Por óbvio, incumbe este direito ao cidadão; porém, nada exclui os estrangeiros e apátridas. Dessas pessoas exige-se apenas que, residindo fora do País e nele não tendo patrimônio, prestem garantia prévia quanto aos riscos econômicos do processo (infra, 326.1). Semelhante condição, porém, aplica-se por idênticas razões aos nacionais (art. 83). Também o titulam as pessoas jurídicas e já se observou, com razão, beneficiarem-se de quaisquer direitos fundamentais arrolados no art. 5.º da CF/1988: por exemplo, o direito de impetrar mandado de segurança, hoje direito explicitado no art. 1.º, caput, da Lei 12.016/2009. Igualmente, os entes
despersonalizados (v.g., do condomínio, ex vi do art. 75, XI, do NCPC); os órgãos de pessoas jurídicas de direito público (v.g., a Mesa do Senado Federal, legitimada a propor a angusta ação de inconstitucionalidade, perante o STF, a teor do art. 103, II, da CF/1988); e as comunidades de fato (v.g., o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST) – adversários poderosos, em virtude da falta de maior visibilidade e consistência patrimonial –, dispõem do direito à Justiça Pública. Enfim, e definitivamente, sem exceção todos figuram como titulares do direito à tutela jurídica. E provocando alguém a jurisdição, no exercício do seu direito à tutela jurídica, estabelece relação muito particular com o Estado: o processo, meio de resolver os conflitos existentes na vida social.32 Ora, a tutela jurídica através do processo visa à efetiva realização dos direitos consagrados no ordenamento jurídico.33 Deverá precedê-la, no entanto, o prévio reconhecimento desse direito e, como tal objetivo talvez demore,34 sua asseguração temporária ou provisória satisfação. Daí por que, no âmbito civil, os litigantes pretendem as seguintes providências do Estado: (a) a formulação de uma regra concreta, que decida qual deles tem razão; (b) a atuação prática deste comando vinculativo, caso o vencido não o cumpra voluntariamente; (c) e, em casos excepcionais, a asseguração ou satisfação imediata desses objetivos ou de algum direito ameaçado de perecimento. Correspondem tais expectativas dos figurantes do processo às funções de cognição, de execução e cautelar. De acordo com perspectiva mais recente, tais finalidades constituem formas de intervenção judiciária ou de “tutela”, calcadas em razões ontológicas, e, portanto, indiferentes às contingências de cada ordenamento jurídico.35 Também se alude, neste campo, às finalidades do “processo”,36 condicionadas à espécie de provimento requerido pelo autor, porque é o “instrumento através do qual a jurisdição atua”.37 São perspectivas que não alteram, substancialmente, o fenômeno sob exame e que aponta a inexistência de resultados unívocos no desfecho do processo. Foi mérito inconteste do CPC de 1973 o reconhecimento da autonomia da função cautelar.38 A arquitetura legislativa desse diploma, ignorando parte geral, dedicou seus três primeiros Livros, originariamente, ao processo de conhecimento (Livro I), ao processo de execução (Livro II) e ao processo cautelar (Livro III). Restava aclarar os respectivos domínios e a razão pela qual ocorreu semelhante especialização funcional. Nada obstante, a tomada de posição metodológica abriu caminho, posteriormente, ao impetuoso avanço da jurisdição de urgência e à especialização das “tutelas” mediante a diferenciação das técnicas processuais. O arranjo do NCPC é muito diferente. Em primeiro lugar, há uma Parte Geral e uma Parte Especial. O Livro I da Parte Especial abrange o processo de conhecimento e o cumprimento da sentença. Em outras palavras, a formulação da regra jurídica concreta (função de conhecimento) e a realização prática desse comando (função de execução), se for o caso, ocorrem in simultaneo processu. O Livro II ocupa-se do processo de execução, ou seja, a execução fundada em título extrajudicial. E, na Parte Geral, o respectivo Livro V – Da Tutela Provisória – disciplina a tutela de urgência e a tutela da evidência (art. 294), dividindo a tutela de urgência em
duas subespécies, (a) cautelar; (b) antecipada, por sua vez pleiteadas e concedidas de modo (a) antecedente ou (b) incidente à causa principal. Recapitulou-se o espectro de funções instrumentais do processo, sem conferir transcendência aos arranjos legislativos, com o propósito de evidenciar dado às vezes obscurecido: a capital importância da função executiva. Destinando-se à realização prática dos direitos outorgados em qualquer provimento do juiz, a execução constitui a forma mais relevante de tutela, ao menos para o jurisdicionado, destinatário e consumidor do “produto” jurisdicional. De fato, à sociedade de massas importa, sobretudo, a efetividade específica das situações subjetivas, pouco interessando sua simples e solene declaração, típica da função de conhecimento, ainda que objeto de procedimento em juízo, exceto quando a própria declaração já produz a satisfação cabal do interesse posto em causa. Este último desfecho é eventual e contingente, porém. O antigo paralelo entre jurisdição e coisa julgada (infra, 180) implica flagrante contrassenso.39 A coisa julgada é somente a eficácia preponderante da formulação da regra jurídica concreta (cognição).40 Não cabe reviver o velho adágio jurisditio in sola notio consistit, oferecendo tardia e balda resistência à vitoriosa corrente da natureza jurisdicional da execução.41 O CPC de 1973 individualizou essas funções, confinando-as em três “estruturas” separadas, os processos de conhecimento (Livro I), de execução (Livro II) e cautelar (Livro III). Deu passo ao esquema doutrinário então prevelacente.42 Essa tripartição apresentou, nas análises iniciais, o mérito de resgatar e conferir autonomia à função cautelar. Porém, semelhante distribuição das matérias ressentia-se de equilíbrio. O segundo estatuto unitário, tão inovador em mais de um aspecto, olvidou a necessária parte geral; dissolveu-a o legislador no Livro I – “um tanto imperalisticamente”.43 A Lei 13.105/2015, o NCPC, não repetiu o erro. 3. Estrutura e elementos do processo civil Os pendores do legislador, externados na arquitetura legislativa do CPC de 1973, suscitava grave dificuldade. Flagrantemente, misturava as funções da jurisdição, ou tipos de “tutela jurisdicional”, com a respectiva estrutura, ou processo. O processo origina-se do exercício da pretensão à tutela jurídica. Enquanto tal, portanto, restringe-se à condição de veículo neutro, insípido e inócuo da alegação que o autor realiza perante o réu. Esta alegação e a respectiva providência reclamada do órgão judiciário formam o mérito do processo, também designado de objeto litigioso. Os elementos que permitem distinguir um processo do outro são colhidos no exame hipotético do mérito.44 Entre o mérito e o processo se estabelecerá apenas relação de conteúdo e continente. E é perfeitamente natural que assim seja, na justa medida em que o direito ao processo (e à jurisdição) é um só, uniformemente comum a todos. Assim, o processo veicula quaisquer ações e pretensões materiais, à livre escolha do autor. A função de cada processo dependerá de seu mérito (ou objeto litigioso), da aspiração do autor perante o réu, formada por dois elementos objetivos: a causa de pedir e o pedido (art. 337, § 2.º, do NCPC). Deduzida determinada
pretensão em juízo, a qual corresponde força da ação, estimula-se determinada função jurisdicional, representada pela predominância da atividade a cargo do órgão judiciário. O CPC de 1973 prestigiou essa predominância, reunindo os procedimentos dotados de idêntica função sob o título de “processos” de cognição (Livro I), execução (Livro II) e cautelar (Livro III). Ora, a tripartição das estruturas, “prende-se à época em que os processualistas não haviam classificado, com rigor científico, as pretensões e ações”.45 É adequada a observação: “Porque num sistema sem uma constante não pode existir uma variação ordenada, sem estrutura não pode haver processo. O processo, como variante, pressupõe a estrutura, como constante. A estrutura é o suporte do processo”.46 Essa divisão de “processos” revela-se artificial ademais, na implícita sugestão de pureza de função ou de atividade do órgão judiciário. Já se notou, com razão, que “como em quase todas as classificações, o critério há que ser o de predominância de um desses três componentes, nunca o de sua exclusividade”.47Evidentemente, concebe-se: (a) cognição nos processos de execução e cautelar; (b) execução nos processos de conhecimento (v.g., art. 455, § 5.º, do NCPC e art. 65 da Lei 8.245/1991) e cautelar (v.g., art. 297, quanto à “efetivação” da tutela provisória); e (c) segurança nos processos de conhecimento (art. 315 do NCPC) e de execução (art. 799, VIII, do NCPC). Ninguém se atreveria a afirmar que, nos processos de execução e cautelar do CPC de 1973, o juiz não “conhece” (a) do próprio processo e (b) do pedido da parte, cuja função precípua decorre da preponderância, na aspiração do autor, de uma dessas tarefas (conhecer, executar ou acautelar). Por isso, o valor desta claudicante classificação do CPC de 1973 é “quase nenhum”.48 E aumenta o erro de grau ao confundir-se a classificação do objeto litigioso, ou mérito, conforme a eficácia almejada pelo autor em face do réu, ou seja, a tradicional taxionomia das ações em declaratórias, constitutivas, condenatórias, executivas e mandamentais – objeto de item específico (infra, 230), e as funções da jurisdição, ora examinada, tripartindo as ações em declaratórias – por sua vez subdivididas em declaratória em sentido estrito, constitutiva e condenatória –, executivas e cautelares.49 E a razão é simples: emprega-se critério heterogêneo, o que nada recomenda a convergência doutrinária a respeito.50 Acresce que a ação cautelar sequer compõe classe autônoma: identifica-a sua eficácia preponderante que é mandamental.51 A liberdade de o autor formar processos implica a de determinar a função, escolher a ação – ou formar o objeto litigioso (infra, 236). Nem sempre ao interessado socorre via isolada e exclusiva no litígio. Ao contrário, dependendo do seu soberano diagnóstico quanto ao conflito e à providência mais adequada para resolvê-lo, desdobram-se à sua frente múltiplas terapias e, frequentemente, funções jurisdicionais. Não tem o conflito solução unívoca. De ordinário, “ele é mais complexo e pode ser encarado de vários pontos de vista, dando lugar, portanto, a outras tantas soluções diferentes”.52 Exemplo emblemático da opção de funções, fenômeno relacionado à flexibilidade do direito material (v.g., decorrente da incidência múltipla ou do concurso de ações), surge na hipótese de o titular de crédito vencido, constatando a tentativa de alienação a preço vil dos bens do seu devedor, reclamar do órgão judicial medida de urgência, precavendo-se da inexistência de outros desembaraçados, em lugar de executar desde logo. Em tal caso, o
autor não só deduziu ação mandamental, em vez da ação executiva, como escolheu a função cautelar no lugar da executiva. A ação mandamental apresenta, por vezes, função distinta e alheia à simples cautela.53 Os provimentos de urgência têm força mandamental (ou não constituem autênticas medidas de urgência), mas a emissão de ordens não se afigura intrinsecamente cautelar. Os embargos opostos por quem não figura como parte contra a execução ilegal satisfazem o direito do terceiro, declarando seu bem insuscetível de constrição, e, nada obstante, ostentam força mandamental.54 Finalmente, coroando as críticas à arquitetura legislativa do CPC de 1973, misturando estrutura e função, há outro dado inquestionável: as funções de conhecimento e executiva não se situam, verdadeiramente, em plano idêntico e simétrico à cautelar. Não escapou semelhante característica a um arguto observador: “Ao meu ver, aliás, talvez não seja muito exato contrapor-se o processo cautelar, como um terceiro gênero, a esses dois antes mencionados. Creio que ele mais verdadeiramente se contrapõe ao processo de conhecimento e ao de execução considerados em conjunto, já que um e outro têm natureza satisfativa, visando portanto à tutela jurisdicional imediata, ao passo que o processo cautelar se distingue precisamente por constituir uma tutela mediata, uma tutela de segundo grau”.55 A despeito de na função cautelar conviverem cognição, conquanto sumária, e execução, defendeu-se a estrutura unitária do procedimento cautelar, contrapondo-o como terceiro gênero aos demais, em virtude de seu caráter instrumental e auxiliar relativamente ao processo principal.56 Ressentese a conclusão da devida coerência: desde a natureza instrumental conviria distinguir, então, o processo que satisfaz do que a atividade judiciária assegura, simplesmente, a utilidade de outros.57 A função cautelar distingue-se por sua temporariedade. A medida cautelar remedeia situação de perigo sem satisfazer o direito ameaçado.58 Os efeitos da cautelar revelam-se, por definição, reversíveis. O perigo de irreversibilidade da medida só atinge, funcionando como contrapeso da concessão, a “tutela de urgência de natureza antecipada” (art. 300, § 3.º, do NCPC). A tutela cautelar representa subespécie da tutela de urgência,59 como preceitua o art. 294, parágrafo único, do NCPC. A urgência tanto reclama (a) a segurança da utilidade da futura prestação jurisdicional e dos direitos ameaçados (segurança para execução), quanto (b) a entrega, desde logo, o bem da vida a alguém (execução para segurança). A função de urgência origina-se da necessidade de regular a situação de fato, que é uma antes do processo, e apresentar-se-á outra bem diferente após seu desfecho, embora não esgote o fenômeno da litisregulação (infra, 1.427). Portanto, mostra-se impossível misturar estrutura e função e, a fortiori, função e os elementos objetivos do processo, suas forças e efeitos (objeto litigioso ou mérito). § 2.º Processo civil e Justiça Pública 4. Caracteres da Justiça Pública A Justiça Pública constitui serviço prestado pelo Estado brasileiro. Em tal sentido, governa-se por alguns princípios significativos e decorrentes dessa
natureza. A prestação contínua e sem interrupções integra a essência desse serviço. O art. 93, XII, da CF1988, consoante a redação da EC 45/2004, estabelece que “a atividade jurisdicional será ininterrupta”, vedando férias coletivas nos juízos (de primeiro grau) e nos tribunais de segundo grau e impondo regime de plantão permanente nos dias que não houver expediente forense (sábados, domingos e feriados). É tão inaceitável fechar a Justiça Pública durante um mês, ou no período de festas de fim de ano, quanto os hospitais públicos no mesmo interregno, passando os interesses do pessoal forense à frente do interesse coletivo ou dos fins sociais da atividade (art. 8.º do NCPC). O recesso de 20 de dezembro a 20 de janeiro (art. 220, caput, do NCPC) até pode ser uma conquista dos advogados, mas não o é da cidadania. Por igual, a Justiça Pública há de se revelar acessível a todos – nacionais e estrangeiros – em igualdade de condições. Em virtude de sua natureza, a Justiça Pública submete-se a diversos mecanismos de controle interno e externo, assegurando a exata observância dos princípios comuns à atividade administrativa, arrolados no art. 37, caput, da CF/1988: legalidade – o art. 16, parte final, do NCPC proclama que a jurisdição civil é exercida pelos juízes “conforme as disposições” do respectivo estatuto – impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, repetidos, em termos, no art. 8.º do NCPC. A atividade principal do Poder Judiciário, representada pelos atos decisórios do juiz, necessariamente motivados pelo órgão judiciário para ensejar esse controle – o direito fundamental processual da motivação tem, por assim dizer, projeção externa –, revela-se suscetível à fiscalização das partes e da sociedade. O controle da atividade jurisdicional realiza-se no âmbito das vias instituídas legalmente. Os recursos e outras ações de impugnação autônomas (v.g., o mandado de segurança e a ação rescisória) são conferidos às partes e aos terceiros como mecanismos de controle. Tais remédios se subordinam à iniciativa dos respectivos legitimados e, marginalmente, a ato do próprio órgão judiciário, a exemplo da remessa obrigatória do art. 496 do NCPC (infra, 2.110). É mais denso e profundo o controle administrativo. Variados critérios podem ser utilizados para classificar todas as modalidades de controle. Por exemplo: o critério do impulso sugere a divisão natural dos respectivos mecanismos de controle em oficiais ou provocados. É preferível, no entanto, examiná-los do prisma orgânico (interno e externo), em decorrência da sua maior visibilidade para os usuários do aparato jurisdicional. É interno o controle exercido pelos próprios magistrados sobre os seus colegas e, por contraste, mostra-se externo o controle por outro poder estatal. Os juízes sujeitam-se, internamente, em primeiro lugar à função corregedora dos respectivos tribunais. É a designação dos órgãos colegiados de segundo grau na estrutura judiciária brasileira. Esse controle varia em relação à forma e à intensidade, acompanhando a peculiar divisão do Poder Judiciário. Os tribunais dispõem para tal finalidade de uma CorregedoriaGeral, ocupada por um dos seus integrantes, a mais das vezes acompanhado por um substituto permanente, e, em geral, no todo ou em parte afastado da atividade jurisdicional. Esse Corregedor-Geral e, eventualmente, o seu vice, recebem o prestimoso auxílio em suas tarefas de orientação e controle por um número variável de juízes de primeiro grau. Os largos espaços territoriais
brasileiros exigem a repartição das tarefas de fiscalização em regiões. Todavia, o controle interno, injustamente averbado de pouco transparente – as investigações são conduzidas em sigilo –, tem dois defeitos capitais: (a) não abrange os integrantes do próprio tribunal, teoricamente fiscalizados pelo presidente da corte, todavia, na verdade, um primus inter pares, sem qualquer autoridade administrativa especial, senão a de submeter o assunto ao órgão especial ou ao tribunal pleno; (b) laços de amizade e ausência de relação de hierarquia formal frequentemente prejudicam a atividade dos juízes auxiliares do Corregedor-Geral, antepondo poderoso filtro à sua atuação. À medida que cresceram as pressões da mídia para desvendar o misterioso mundo da Justiça, e de outros setores da sociedade que aspiram a transformar a Justiça Pública em meio para promover transformações sociais radicais, encaminhou-se outra solução. Para uniformizar o controle administrativo, a par da função de planejamento geral das atividades judiciárias, o art. 103-B da CF/1988, introduzido pela EC 45/2004, criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o incumbiu do “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (art. 103-B, § 4.º, da CF/1988). A despeito de integrar a sua composição pessoas estranhas ao Poder Judiciário (v.g., membros do Ministério Público, dois advogados e dois cidadãos “de notável saber jurídico e reputação ilibada”), o controle disciplinar se desenvolve internamente, pois o Conselho Nacional de Justiça é órgão do Poder Judiciário (art. 92, I-A, da CF/1988). O STF reconheceu a constitucionalidade da EC 45/2004.60 É questão ainda em aberto a extensão dos poderes do CNJ. É interessante notar que nenhuma lei em sentido formal disciplinou esses poderes. Nada obstante, o CNJ processa diretamente magistrados de todo o País e já aplicou dezenas de penas administrativas, inclusive a mais grave – aposentadoria compulsória, sem nenhum reparo na via judiciária. Ao STF, segundo o art. 102, I, r, da CF/1988, compete julgar, originariamente, as ações contra os atos do CNJ. Externamente, os órgãos do Poder Judiciário são controlados pelos Tribunais de Contas (art. 70 da CF/1988), que é órgão do Poder Legislativo (art. 71, caput, da CF/1988). O objeto desse controle concerne à gestão financeira e à legalidade dos atos administrativos (v.g., aposentadoria, concessão de vantagens pecuniárias, e assim por diante). E, de forma residual, os cidadãos, individualmente, e outras organizações da sociedade civil aspiram conhecer e controlar a atividade dos órgãos judiciários para fins diversos, a mais das vezes escassamente republicanos. Embora o cidadão legitime-se a reclamar o controle externo do Legislativo (art. 74, § 2.º, da CF/1988), também dispõe de remédios diretos para provocar o controle jurisdicional da atividade administrativa do Poder Judiciário. O instrumento básico para tal fim reside na ação popular (art. 5.º, LXXIII, da CF/1988). O órgão judiciário que autorizar, aprovar, ratificar ou praticar o ato administrativo ilegal e lesivo, ou que por omissão ensejar a lesão, enquadrase no conceito de autoridade para os efeitos do art. 6.º, caput, da Lei 4.717/1965, legitimando-se passivamente na ação popular.61 Nem mesmo o ato administrativo do Presidente do Supremo Tribunal Federal, por sem dúvida a mais alta autoridade do Poder Judiciário, é imune à ação popular.62 Não raro se localizam precedentes ilustrativos dessa espécie de controle.
O controle social do Poder Judiciário realiza-se por várias vias e, inicialmente, avulta o princípio da publicidade. As decisões administrativas do Judiciário são tomadas em sessão pública e sempre motivadas (art. 93, X, da CF/1988). A garantia se estende aos julgamentos jurisdicionais e administrativos. Neste último caso, somente a lei poderá limitar a presença do público, restringindo-lhe o acesso, mas assegurada a presença das partes e dos seus advogados ou somente destes. E, mesmo nessa situação extrema, impõe-se que a preservação da intimidade “no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (art. 93, IX, da CF/1988). Assim, o art. 189, I a III, do NCPC determina que corram em “segredo de justiça” os processos em que assim o exigir (a) o interesse público ou social (inciso I); (b) respeitem a casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos, guarda de crianças e adolescentes (inciso II); (c) constem dados protegidos pelo direito fundamental à intimidade (inciso III). Evidentemente, inexistirá razão hábil a manter o “segredo de justiça” nos processos em sobrelevar o interesse à divulgação da informação (art. 93, IX, in fine, da CF/1988), a exemplo dos casos em que pessoa de vida pública figurar no processo como parte. Os princípios da função jurisdicional do Estado receberão exame no capítulo dedicado à jurisdição (infra, 184). É importante, todavia, destacar três características da Justiça Pública brasileira. 4.1. Igualdade no acesso à Justiça Pública – A Justiça Pública brasileira abrange a totalidade dos litígios verificados no território do Estado e a totalidade das pessoas, nacionais ou estrangeiras, nele residentes ou domiciliadas. Desapareceram as jurisdições especiais, como a eclesiástica e a senhorial, e a interferência da nacionalidade como dado para retirar a causa do juiz natural. Mas, já existiu, entre nós, autoridade judiciária especialmente escolhida para dirimir conflitos envolvendo cidadãos de outra nacionalidade, como o Juiz Conservador da Nação Britânica (infra, 187). Os nacionais e os estrangeiros têm acesso igual à Justiça Pública, sem qualquer discriminação de classe ou de gênero. A esse propósito, o art. 83 do NCPC manteve a exigência de o autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do território nacional ou deixar de residir no curso do processo, inexistindo bens imóveis assegurando seu adversário dos riscos financeiros do processo, preste a chamada cautio pro expensis litis. Encarada como obstáculo ao ingresso em juízo, porque institui prestação indispensável ao desenvolvimento do processo, a prestação de caução prévia não padece de inconstitucionalidade.63 Três motivos autônomos respaldam a conclusão: (a) o art. 83 do NCPC trata igualmente o autor estrangeiro e nacional; (b) o requisito pode ser estendido, por analogia, ao réu que tomar a iniciativa de veicular pretensão, em igualdade de condições, apesar de o art. 83, § 1.º, dispensar a caução na reconvenção; e (c) em casos extremos, à pessoa natural e jurídica, nacional ou estrangeira, mostra-se lícito, pretendendo forrarse aos riscos da sucumbência, pleitear e obter o benefício da gratuidade, a todos concedido e cujo objeto abrange “os depósitos previstos… para propositura da ação” (art. 98, § 1.º, VIII, do NCPC). A igualdade formal das pessoas perante o processo civil representou conquista inolvidável. Ela se contenta com a simples identidade abstrata dos direitos e dos deveres das partes em abstrato. Essa igualdade se expressa,
ainda, na distribuição equitativa dos riscos. A lei processual faculta às partes o exercício dos mesmos poderes e ônus, recaindo sobre cada qual, indiferentemente, e conforme a hipótese, a incerteza do êxito. Para tal arte, assegura-se às partes igualdade de oportunidades, de alegar e de provar, de recorrer ou não do pronunciamento judicial desfavorável. Cumpre ao juiz, a teor do art. 139, I, do NCPC dirigir o processo de modo a assegurar essa igualdade formal das partes. Essa modalidade de igualdade, sem prejuízo da importância histórica hoje algo esquecida e desprezada pela evolução do pensamento político, já não satisfaz plenamente os anseios mais elevados da sociedade. É fato inconteste que as desigualdades econômicas, sociais e culturais repercutem no processo, desequilibrando riscos e oportunidades.64 Necessita o processo de meios legalmente previstos – do contrário, o processo se transformaria em mecanismo inseguro, alterável ao sabor das circunstâncias, tornando ilegítimos seus resultados – para garantir também a garantia substancial, ou seja, que as oportunidades sejam efetivamente usufruídas. O primeiro elemento a comprometer a igualdade substancial avulta na própria condição pessoal do litigante. Os litigantes institucionais, ou habituais, pessoas jurídicas que desempenham atividades que por si mesmas geram ampla gama de conflitos (v.g., as empresas públicas e privadas, em geral, e os concessionários de serviços públicos, em particular) encontram-se em nítida posição de vantagem. A Administração Direta federal, estadual, distrital e municipal é litigante contumaz e impenitente. É verdade que os dados estatísticos falseiem uma das premissas, não distinguindo a posição de autor ou réu da Administração Pública; porém, nada obstante o réu haja de litigar ainda que não queira, não suscita dúvida que o maior cliente da Justiça Pública é o próprio Estado brasileiro. Litigantes habituais dispõem de corpo jurídico organizado previamente e da maior qualidade – as Procuradorias das pessoas jurídicas de direito público, progressivamente institucionalizadas nas três esferas de poder e no âmbito da União, dos Estados-membros e dos Municípios, reúnem e concentram, na avaliação mais conservadora, mas substancialmente correta, número expressivo de luminares em direito. Os advogados públicos e privados desses participantes usuais e fixos da cena judiciária beneficiam-se, ainda, da experiência haurida dos litígios similares anteriores. Assim, têm o necessário vagar e concentração para aperfeiçoar teses e argumentos, apresentando a causa sob a melhor perspectiva ao órgão judiciário, senão no ideal viés favorável. E têm recursos financeiros para arcar com as despesas do processo (no caso das pessoas jurídicas de direito público, indiretamente diluídas na sociedade, que contribui com os impostos) e o custo da demora intrínseca à atividade jurisdicional. Em alguns Países, o idioma funciona como entrave substancial ao acesso à Justiça Pública. No Brasil, porém, a vasta extensão territorial absorveu e pratica idioma único, no qual o acento regional pouco interfere. O problema reside mais no desnível social, cultural e econômico do que na expressão e no entendimento da redação dos atos processuais em decorrência do idioma. Esses fatores extraprocessuais situam-se muito além dos poderes do órgão judiciário em assegurar igualdade de tratamento às partes (art. 139, I),
extrapolando a esfera do processo civil. Não se revela possível ao juiz, amparado no princípio da igualdade, alterar e distorcer as regras do processo em proveito da parte menos favorecida. Por exemplo, ao juiz veda-se fixar à parte débil um prazo para recorrer flexível e diferente do que é previsto, abstratamente, no art. 1.003, § 5.º, do NCPC, com fundamento no art. 139, VI, do NCPC. A intervenção máxima concedida ao órgão judiciário repousa no suprimento de eventual insuficiência técnica do procurador. A correção da deficiência da atuação do procurador da litigante débil, no desempenho dos ônus atribuídos às partes, ex officio, constitui importante avanço e situa-se no ponto de equilíbrio entre a liberdade e a tutela estatal. A lei processual brasileira fez o que podia fazer. Encarregou o juiz da direção material do processo e lhe confiou poderes de instrução ilimitados (art. 370, caput, do NCPC), possibilitando investigação oficial da veracidade das alegações de fato das partes. Fora daí, a promoção da igualdade substancial das partes se subordina à existência de mecanismos e de políticas públicas anteriores ao processo. E uma das mais importantes consiste na assistência judiciária. 4.2. Gratuidade no acesso à Justiça Pública – O titular do direito à tutela jurídica do Estado deverá avaliar, antes de mais nada, o custo do processo.65 A Justiça Pública é onerosa. O simples fato de a pessoa, impedida de resolver privadamente o conflito, acudir à jurisdição e utilizar os serviços judiciários, tem um custo. Essas despesas devem ser pagas antecipadamente (art. 82, caput, do NCPC), contam-se individualmente, e alcançam, na execução, “até a plena satisfação do direito reconhecido no título”. A disponibilidade financeira constitui, portanto, pressuposto relevante da possibilidade de pôr em causa os (supostos) próprios direitos e de defendêlos na Justiça Pública.66 É natural que, evitando tornar a garantia judiciária inútil à maioria da população, ou, no mínimo, para os desprovidos de fortuna e recursos, a ordem jurídica estabeleça mecanismos de apoio e socorro aos menos favorecidos. Os esforços para colocar os necessitados em situação material de igualdade, no desenvolvimento do processo, não prescindem do prévio fornecimento dos meios mínimos para postular na Justiça Pública. Trata-se de elemento imprescindível para promover o equilíbrio concreto do processo, sem embargo da ulterior necessidade de recursos e armas técnicas. Neste sentido, a gratuidade revela-se essencial à garantia do acesso à Justiça. Tudo há de ser feito para repelir a máxima infamante – Curia pauperibus clausa est.67 O art. 5º, LXXIV, da CF/1988 assegura, aos que provarem insuficiência de recursos, assistência jurídica integral e gratuita.68 É um direito subjetivo público e fundamental no Estado brasileiro. No assunto, se impõe distinguir três institutos concorrentes e sobrepostos: (a) a assistência jurídica integral, que compreende consulta e a orientação extrajudiciais, representação em juízo e gratuidade do respectivo processo; (b) a assistência judiciária, ou seja, o “serviço público organizado, consistente na defesa em juízo do assistido, que deve ser oferecido pelo Estado, mas que pode ser desempenhado por entidades não estatais, conveniadas ou não com o Poder Público”;69e, finalmente, (c) a gratuidade da justiça, entendida como “a gratuidade de todas as custas e despesas, judiciais ou não, relativas a atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos do
beneficiário em juízo.”70 Essa última era objeto da Lei 1.060, de 05.02.1950, alterada, sucessivamente, por várias leis, hoje parcialmente revogada, pois os arts. 98 a 102 do NCPC ocuparam-se do assunto. O instituto da legal aid apresenta várias tendências e orientações heterogêneas nos ordenamentos jurídicos contemporâneos.71 É um problema relativo à igualdade dos cidadãos perante a Justiça Pública, seja no que concerne às despesas do processo, frequentemente exigidas antecipadamente, seja no tocante à contratação de procurador à altura da grandeza e da complexidade do litígio. Comporta solução de muitas maneiras. O pagamento de advogado privado por verbas públicas, acompanhado da isenção das custas, sob controle judicial (Prozesskostenhilfe),72 ou da organização corporativa dos advogados, segundo o modelo espanhol,73 é o que predomina. A imposição de trabalho gratuito e honorífico aos advogados privados, solução tradicional, retrocede em todos os ordenamentos.74 A assistência jurídica também constitui serviço de interesse social, integrado em programas públicos, visando ao esclarecimento da população quanto aos direitos e deveres, e que não exclui a assistência em caráter privado (por exemplo, dos sindicatos a seus filiados). Neste contexto, o regime brasileiro da legal aid figura no meio do caminho. A evolução não se completou e se aperfeiçoou definitivamente. O direito fundamental à assistência jurídica integral ensejou a instituição da Defensoria Pública da União e dos Estados-membros (art. 134 da CF/1988). A esse órgão permanente e essencial à função jurisdicional do Estado incumbe, a teor do art. 134, caput, da CF/1988 (redação vigente), “a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados”. Posteriormente, o art. 134, § 2.º, da CF/1988, na redação da EC 45/2004, assegurou autonomia funcional e administrativa às Defensorias dos Estados-membros. O meio hábil para garantir essa autonomia consiste na iniciativa de a Defensoria formular a respectiva proposta orçamentária. Conforme o montante das verbas afetadas à instituição, com efeito, a assistência judiciária terá maior ou menor abrangência. Cuida-se de esquema altamente dispendioso, sem dúvida, principalmente considerando o valor e a modalidade (subsídio) da remuneração. As normas gerais para a organização da Defensoria Pública nos Estadosmembros, principalmente as que tratam do acesso e da carreira do defensor, localizam-se na LC 80/1994. O litigante que demonstrar a impossibilidade de arcar com os custos financeiros do processo, mediante prova idônea ministrada ao órgão competente da Defensoria Pública da União ou da Defensoria Pública do Estado-membro, conforme o processo civil se desenvolva na Justiça Federal ou na Justiça Ordinária, desfrutará da assistência judiciária integral. Da orientação preliminar, às vezes poderoso desestímulo, à procura judicial propriamente dita, a Defensoria Pública conduzirá o assunto até o seu desfecho final em juízo.
De outro lado, o art. 14, caput, e § 1.º, c/c art. 5.º, §§ 2.º e 3.º, da Lei 1.060/1950 – nesta parte não revogada pelo art. 1.072, III, do NCPC – preservou, na falta de constituição de advogado particular pelo próprio necessitado, por sua livre escolha e aceitação do encargo pelo procurador, a indicação compulsória do profissional liberal pelo órgão de classe ou, na sua falta, ex officio pelo órgão judiciário. Essa indicação de profissional liberal, em razão de suposto ofício público inerente à advocacia privada, mostra-se claramente anacrônica. A remuneração desses profissionais representa o ponto frágil do encargo. Se o necessitado lograr êxito, o vencido pagará os honorários desse advogado dativo, dispondo de recursos. Parte do problema resolve-se conforme o desfecho da causa. Não está claro, entretanto, quem arcará com os honorários do advogado do necessitado, aspirando à justa remuneração por seu trabalho, nas hipóteses de o necessitado sucumbir ou o vencido, de seu turno, gozar de idêntico benefício. O trabalho gratuito em razão do dever honorífico da classe dos advogados provoca comoção no meio judiciário, sem embargo, conforme se assinalou com justeza, seja irrealista “a suposição que se possa prescindir totalmente da boa vontade, para não dizer da abnegação, de profissionais generosos”.75 Em princípio, o advogado designado pelo órgão de classe, ou pelo juiz, ex officio, reclamará o pagamento dos seus honorários da União ou do Estado,76 que se obrigaram a prestar assistência judiciária em caráter universal. Embora seja um imperativo alargar o acesso à Justiça Pública, amparando quem alega um direito plausível e não dispõe de recursos financeiros para ir a juízo reivindicá-lo, não é menos verdade que nem sempre o necessitado tem razão. Ao contrário, a certeza que sua penúria o exime de quaisquer riscos, via de regra constitui poderoso estímulo à temeridade e à emulação. O adversário do necessitado suportará todos os riscos: o da derrota e, mesmo em caso de vitória, o da impossibilidade de reembolsar-se das despesas realizadas. O apoio judiciário do tipo germânico, em que o órgão judiciário avalia, previamente, a plausibilidade da demanda e as condições econômicas do litigante, oferece o melhor paliativo a essa desigualdade inversa. A participação de defensor público na relação processual implica a necessidade de intimação pessoal e a prerrogativa do prazo em dobro na prática dos atos processuais (art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950; art. 186, caput, do NCPC). A obtenção do benefício da gratuidade receberá exame no título dedicado à responsabilidade das partes pelo custo financeiro do processo (infra, 743). 4.3 Responsabilidade no acesso à Justiça Pública – É fato que, ao provocar a Justiça Pública, os particulares e os órgãos do próprio Estado (v.g., o Ministério Público) podem provocar e sofrer danos em razão da atividade jurisdicional. O direito brasileiro consagrada, para ambos os casos, regras de responsabilidade. Em relação à conduta ilícita das partes, a lei processual disciplinou-a com pormenores, oportunamente examinados no capítulo próprio (infra, 605). Importa realçar, neste momento, a responsabilidade do Estado por erros e falhas da atividade da Justiça Pública. Firmou-se, no direito brasileiro, a tese da responsabilidade do Estado pelo erro judiciário e por outras falhas na prestação jurisdicional.77
Na esfera penal, a revisão criminal permite a rescisão da sentença penal condenatória pro reo, a qualquer tempo, e a consequente indenização do antigo condenado, nas condições do art. 630 do CPP. O caso mais clamoroso, mas não o único, foi o dos irmãos Naves, condenados injustamente pela morte de um primo, sem corpo de delito e com base em provas frágeis.78 Também no âmbito civil o juiz responderá, pessoalmente, no caso de dolo ou culpa grave (infra, 962).79 É claro que o Estado, prestando um serviço público, que é a jurisdição, precisamente regulado na lei e, assim, submetido ao princípio da legalidade, responderá por seu exercício anormal. Não se revela imprescindível, a esse propósito, distinguir entre os atos do órgão judiciário, dos seus auxiliares e de outros figurantes da relação processual. A falha do serviço, uma vez apurada, não depende de vinculação a um agente público específico.80 Não faltam julgados, portanto, que aplicam o art. 37, § 6.º, da CF/1988, a variadas falhas do serviço judiciário.81 Um ilícito banal, passível de reparação, reside na demora na prestação jurisdicional.82 A duração razoável é um direito fundamental previsto no art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988. Firmada a tese da responsabilidade, a caracterização do ilícito, nesses domínios, apresenta dificuldades. Superada a irresponsabilidade, haurida do exercício de função estatal soberana, porque obsoleta e contrária ao art. 37, § 6.º, da CF/1988, e o fato de a independência do órgão judiciário não constituir entrave à configuração do ilícito, os atributos dos provimentos judiciais, obtidos por intermédio do respeito ao contraditório das partes, e, principalmente a autoridade de coisa julgada revestindo o julgamento do mérito, oferecem óbice de vulto. Por definição, a coisa julgada serve à paz social e, para obtê-la, abstrai a justiça ou injustiça, o acerto ou o desacerto da resolução tomada. Por sem dúvida, o ilícito origina-se, não raro, da omissão e da denegação da justiça, casos em que a falha do serviço nenhum liame guarda com o julgamento da causa. Eis o motivo por que o próprio vencedor legitima-se a postular indenização no caso de demora. Visualiza-se, nesses casos, nitidamente, a independência do ilícito indenizável. E a coisa julgada também comporta correção através da rescisória (art. 966), e, excepcionalmente, por outros meios (v.g., a impugnação nos casos do art. 515, I), eliminando o ilícito. O problema surge na hipótese de os mecanismos de correção da suposta injustiça não produzirem resultados e o vencido, simplesmente, postular indenização. Ora, nessa hipótese dolorosa e extrema, distinguir-se-á entre o vínculo produzido pela coisa julgada, obrigando o vencido ao cumprimento dos deveres decorrentes perante o vencedor, e a sua pretensão contra o Estado, fundada no ilícito. Não há dúvida que o mecanismo instituído para resolver o conflito provocará, excepcionalmente, outro litígio. No entanto, semelhante desfecho parece inevitável com a derrota e superação do princípio segundo o qual the king can do no wrong. A pretensão à reparação tem por legitimados o prejudicado, de um lado, e a União ou o Estado-membro, de outro. Cuida-se de responsabilidade objetiva, decorrendo o dever de indenizar tão só da existência do ilícito (v.g., a injustiça da sentença; a demora na prestação jurisdicional), do dano de qualquer natureza, patrimonial ou não, e do nexo de causalidade, questões de fato dependentes de prova.
5. Crise da Justiça Pública As fontes do direito no Estado Constitucional Democrático podem ser e frequentemente são múltiplas. É inegável o fenômeno do pluralismo jurídico, ou da existência de ordens jurídicas menores (v.g., o direito canônico). O Estado não detém exclusividade na produção do direito. O monopólio do Estado abarca, ao invés, a distribuição da Justiça, diretamente, instituindo um serviço público essencial, chamado de jurisdição, e indiretamente, adotando e consagrando caminhos alternativos. Por intermédio de lei formal, o Estado estimula e reconhece a autocomposição dos litigantes – tendência levada ao extremo no NCPC (v.g., art. 3.º, §§ 2.º e 3.º; art. 139, V; e art. 334) – e, ainda, equipara a decisão emanada de terceiros livremente escolhidos pelas partes, ou arbitragem, às decisões emanadas do órgão jurisdicional. Forram-se os litigantes da sobrecarregada e, em muitos casos, ineficiente atividade jurisdicional socorrendo-se dos seus equivalentes e percorrendo caminhos paralelos. A sociedade pós-moderna estimula número consideravelmente alto de litígios, porque tolera dissidências, opiniões e tendências pessoais e coletivas contraditórias. Este é o lado bom. O lado mau consiste na perturbação endêmica gerada pelos litígios na vida social. Nem todos os conflitos são levados à apreciação da Justiça Pública. Ao interessado incumbe a iniciativa de provocar a autoridade judiciária, mas o número de abstenções é expressivo. E há os que, introduzidos no aparato judicial, não se resolvem em tempo razoável, asfixiados nos meandros da burocracia judiciária, o que acaba produzindo pendências sem solução. Complexas, variadas e, ao menos em parte, insuficientemente entendidas, as causas reais desse déficit na atividade estatal aguardam investigação empírica.83 Costuma-se recordar, sem maior rigor ou hierarquia, alguns fatores marcantes: (a) a influência do custo financeiro do processo, porque há uma série de despesas antecipadas (v.g., o pro labore do advogado privado; a taxa cobrada na distribuição da causa), minimamente atenuados com o benefício da gratuidade; (b) os riscos intrínsecos ao resultado do processo, pois a derrota em juízo implica o ressarcimento das despesas feitas pelo vencedor, o que pode conduzir à ruína patrimonial do vencido, conforme a conteúdo econômico da causa; (c) o peso emocional do litígio, carregado por tempo indeterminado pelas partes, e submetido aos sobressaltos provenientes da emissão de decisões em desacordo com a jurisprudência prevalecente; (d) a necessidade de intermediação do advogado, o que torna o aparato judiciário distante e obscuro; (e) a baixa qualidade da informação a respeito da existência, dos requisitos e dos efeitos do direito, bem como dos mecanismos para sua realização compulsória, verificada em Países cujo grau de desenvolvimento é heterogêneo; e assim por diante. São causas estruturais, institucionais, legais.84 A bem da verdade, causas sociais e, segundo diagnóstico pessimista, ideológica.85 A feliz expressão “litigiosidade contida” retrata, convenientemente, o fenômeno de que aqui se trata.86 Ele pôs em dúvida a precedência e as virtudes do órgão judiciário, outrora inconteste,87 na resolução dos conflitos. O acesso à Justiça Pública naufragou nas sucessivas ondas – expressão cativante e popular –88 que inundaram o sistema judiciário com imensa quantidade litígios.
Nos sistemas jurídicos filiados à Common Law, profundamente influenciados pelo pragmatismo, concebeu-se uma fórmula para resolvê-los, buscando zerar esse déficit, baseada no exame empírico da natureza dos litígios represados. O conjunto das medidas chama-se Alternative Dispute Resolution, ou ADR, abreviatura bastante difundida. Em síntese larga,89 além do custo e da demora do processo civil, pondera-se que a polarização das partes impede que se alcance a verdade, e a estrutura da relação processual conduz, inexoravelmente, a um desfecho alternativo – vitória ou derrota –, à semelhança de um jogo em que tudo se perde ou tudo se ganha. O foco da atividade processual é o passado, e, não, o futuro dos desavindos. Em muitos litígios, o esquema mostra-se altamente impróprio para os litígios de família, por exemplo, em que os participantes permanecerão ligados por laços emocionais e financeiros.90 Em tal conjuntura, em vez da decisão autoritária a solução consensual afigura-se muito melhor. Em outros Países, tradicionalmente ligados à família da Civil Law, a conciliação e a mediação aumentaram de estatura. Essas alternativas são antigas, mas há novas razões para lhes insuflar ânimo renovado: a necessidade de atingir novos segmentos sociais.91 Assim, na Itália instituiu-se a conciliação como providência obrigatória e requisito de admissibilidade ou processamento da demanda judicial, sem prejuízo da tentativa de conciliação perante o juiz de paz, o que compromete a característica da voluntariedade no socorro aos meios alternativos de resolução dos litígios.92 Em matéria de mediação,93 além da espécie obrigatória, concernente aos litígios em torno de condomínio, direitos reais, divisão, sucessão hereditária, empresas de aluguel, direito de família, locação, comodato, responsabilidade médica e dos meios de comunicação, contratos de seguro e bancário, admite-se a mediação convencional, ajustada pelas partes, e facultativa, a convite do órgão judiciário, em qualquer grau de jurisdição.94 O esforço de compor amigavelmente os litígios, promovendo o diálogo dos desavindos, tem alguns inconvenientes. Em muitos casos, o litígio individual não é senão um reflexo da estrutura social e a respectiva solução, obtida dentro do sistema, tende a impedir que sejam transformadas, mediante demandas coletivas.95 O direito brasileiro modernizou-se, todavia, nesses rumos e com crescente ímpeto, culminando com a dispendiosa audiência específica para conciliação e mediação (art. 334 do NCPC). A partir da década de oitenta do século XX, copiara a receita básica: de um lado, (a) o Juizado Especial, caracterizado pela gratuidade, (aa) pelo trabalho voluntário – muito praticado nos povos de língua inglesa –, todavia acometido preponderante aos profissionais da área jurídica, como em outros países,96 e (ab) pela conciliação, que encarará os litígios de escasso valor econômico; de outro lado, (b) para os grandes litígios, a arbitragem. Em Portugal, os juizados de paz, fundados no princípio minimus non curat preator, ocupam o espaço reservado ao Juizado Especial.97 Esses mecanismos constituem meios alternativos à jurisdição comum, ordinária ou não. O êxito da sua implantação, entre nós, produziu frutos escassos. A desconfiança dos litigantes com uma justiça de segunda classe, a expansão insuficiente e precária, a par de outros problemas (v.g., a falta de valorização dos servidores destacados para essas tarefas),98 reduziram-lhes o impacto positivo. Enfim, há litígios que chegam à Justiça Pública, nela
ingressam, mas demoram a receber resolução efetiva. E o meio alternativo criado para os litígios de escasso valor econômico sofre com impasse análogo. A imensa quantidade de litígios levados ao Juizado Especial, somada à estrutura deficiente desse serviço, transformou o meio alternativo num expediente tão demorado quanto o do processo comum. O objetivo de tornar os juizados socialmente próximos do cidadão parece longínquo.99 Em tal assunto, impõe-se evitar as concepções simplistas. A necessidade de tornar o processo efetivo, quer dizer, de resolver o litígio rapidamente, combatendo as mazelas da sua demora, erradicando os males reais e imaginários da tardança, jamais significará dar sempre razão ao autor ou produzir a decisão a qualquer custo. É fato digno de registro que, nos últimos tempos, os processualistas brasileiros meteram-se na duvidosa empreitada de inventar o processo sem réu. Perceberam o trivial: o réu representa o inimigo natural da efetividade. Desempenha o árduo e antipático papel de insurgente contra a ordem ideal e natural do mundo. Nem sempre resiste apenas à pretensão do autor. A crise geral de autoridade leva as partes, o réu em particular, a resistir sobretudo à autoridade judiciária. O réu impugna a pretensão do autor, apresentando defesa eficiente, não se dobra à motivação dos pronunciamentos judiciais desfavoráveis, impugnando-os incessantemente, obrando contra errores in iudicando e in procedendo, e desenvolve estado de permanente inconformismo. Forçoso convir que, a despeito dessa rebeldia insolente, a maior medida da civilização, hoje e sempre, consistirá na amplitude da tutela outorgada aos réus e às minorias. Em qualquer circunstância o processo permanecerá dialético, cumprindo garantir a ampla defesa. A atividade processual jamais poderá ser comprimida e podada a ponto de transformar a Justiça em algo instantâneo e automático, sacrificando a audiência do réu e seus corolários (v.g., o direito à prova) às aspirações de celeridade do autor. O discurso fácil em prol da rapidez e, principalmente, da “efetividade” produziu deformações notáveis. Revela a experiência inculcado no inconsciente coletivo representar o fato de demandar em juízo, a iniciativa de promover a ação em juízo, indicativo seguro da razão do autor – e tal constitui motivo bastante para acolher pretensão deduzida imediatamente. Essa aspiração implícita revela-se tão intensa e difusa que vale retratá-la em exemplo corrente. A antecipação dos efeitos da pretensão, na abertura do processo, e antes de o órgão judiciário realizar as atividades inerentes à cognição, em casos extremos até sem a prévia manifestação do réu, subordina-se à conjugação de dois notórios requisitos: a probabilidade de êxito, ou prognóstico favorável, e receio de mal irreparável. A ilusão da efetividade leva o órgão judiciário a descurar do primeiro, concentrando sua atenção no segundo, como se bastasse ao ato antecipatório. É verdade que existem casos de direitos evidentes, perante os quais toda contestação soa fútil e contrária ao direito (tutela da evidência). Mas, na percepção difusa, direitos passíveis de controvérsia séria tornam-se evidentes, o autor teima em rejeitar qualquer reação à sua pretensão processual. Um exemplo ilustra convenientemente essa situação. Nas demandas em que a pessoa, alegando doença e falta de recursos financeiros, postula
prestações positivas do Estado, quer medicamentos, quer assistência médica, somente interessam os alegados incômodos e os sacrifícios do cidadão, amparado por direito fundamental à saúde, que é autoaplicável,100 obrigando, destarte, solidariamente as pessoas jurídicas de direito público. Nenhum outro aspecto é devidamente analisado e considerado. O medicamento reclamado mostra-se fungível, frequentemente, pois o médico assistente do autor prescreveu-lhe sob determinada marca, mas para ele há sucedâneo e genérico distribuído de modo gratuito pela rede pública. Vale o que o médico, quiçá instigado pelo laboratório – a raridade da hipótese não impede que seja levada em conta –, bem ou mal prescreveu ao seu paciente. E não há a menor preocupação em investigar se o postulante dispõe de recursos, ou não, para atender as despesas inevitáveis com a própria saúde. Em certa oportunidade, um médico, cujo patrimônio imobiliário era vultoso, e pessoa financeiramente solvente, mas sofrendo de moléstia insidiosa, prescreveu para si próprio o medicamento e reclamou em juízo seu fornecimento gratuito. Esta é uma pretensão que não se justifica socialmente, embora seja humanamente compreensível. Seu atendimento implicará a subtração de recursos da área da saúde indispensáveis para atender os verdadeiros necessitados. Nenhum dos participantes do processo em primeiro grau assumiu a responsabilidade de encarar (e resolver) semelhante pormenor. Além dos meios alternativos, sucessivas reformas legislativas alteraram e atualizaram a legislação processual em quase todos os domínios (infra, 75). Essas reformas legislativas, acompanhando a tendência universal, buscam a celeridade num ambiente dominado pela multiplicidade e complexidade dos litígios. Ora, é muito difícil estabelecer um padrão para a duração razoável de um processo. Não há base empírica para emitir juízo categórico nesse tópico. Entre nós, nenhuma pesquisa realizou-se, com essa finalidade, ministrando dados confiáveis. Dela não se ocupam habitualmente os sociólogos do direito. Portanto, inexistem estatísticas atualizadas e comparativas acerca da duração média de um processo na Justiça Comum, na Justiça do Trabalho ou na Justiça Federal. Como quer que seja, subsiste impressão generalizada, verdadeiro malestar, acompanhado de clamor público, que os processos demoram mais do que o devido e o desejável. E, de fato, existem processos quase imortais, negando a premissa de que o feito humano tem início e fim. Eles tramitam por dezenas de anos, a vida inteira dos litigantes, à semelhança do que acontecia com o processo canônico do direito comum.101 A experiência dos profissionais da área jurídica apontará casos notórios e dramáticos de inaceitável atraso na entrega da prestação jurisdicional. Não é um mal exclusivo do nosso tempo. Já nos albores do século XIV o Papa Clemente V, sensível ao clamor contra a lentidão da Justiça, emitiu a bula conhecida como Clementina Saepe, para reformar o procedimento, banindo-lhe as formalidades inúteis, e o exemplo histórico revela que o problema, hoje, é “percebido como mais grave”.102 Por óbvio, esse tipo de experiência nada tem de científica, nem se revela suscetível a maiores generalizações. Negligencia-se, por exemplo, a comparação com o tempo usual de tramitação de um processo da mesma espécie no Brasil e em outros Países, de modo a estabelecer um padrão ideal. Haverá algum País onde processos demorem menos? E haverá Países onde demorem mais?
Por outro lado, há na Justiça brasileira (e também nas de outros países) verdadeiras ilhas de eficiência. Existem tribunais e aparatos judiciários trabalhando eficientemente, e que solucionam os casos em tempo razoável, transmitindo a sensação de brevidade, seja qual for, concretamente, o referido tempo. Por exemplo, os Juizados Especiais Ordinários já receberam este rótulo de excelência. Hoje, como assinalado, o modelo emite sinais de esgotamento, senão de colapso. Do ponto de vista do consumidor da Justiça, os espaços de excelência mostram-se inócuos. Não lhe interessa se a Justiça do Trabalho de primeiro grau, em determinada cidade, revela-se expedita na designação das audiências e no julgamento, até porque o respectivo tribunal talvez não o seja e, ainda, pode acontecer de a multiplicidade de recursos prolongar o processo, remetendo-o ao tribunal superior, para o qual confluem dezenas de milhares de processos sem perspectivas de julgamento rápido. Vale, aqui, a intuição confirmada por alguma experiência individual, ante os chamados fatores de dispersão – processos pueris que, por essas coisas da vida, têm má sorte e demoram dezenas de anos. É preciso ter em mente, todavia, que o problema da demora da Justiça Pública constitui fenômeno global. Não é algo geograficamente confinado a alguma região em particular. E, como visto, tampouco se cuida de problema peculiar ao nosso tempo, existindo há séculos. O enfrentamento eficaz desse autêntico desafio exige que se abandone preconceitos arraigados, modificando a mentalidade prevalecente. A influência germânica legou a noção de que a atividade judiciária manifesta a soberania estatal. Esse dogma está longe da verdade. É apenas parte dela, a que enfatiza a relação do juiz com as partes, obscurecendo a outra e que envolve a relação das partes com o juízo. Nesse último e fundamental sentido, a jurisdição é um serviço público – um dos tantos serviços que o Estado contemporâneo não consegue prestar com eficiência. A rigor, a razão cabe à doutrina francesa neste tópico, o que se explica por razões históricas e culturais. Ora, aceita a premissa, então a jurisdição também se governará pelos princípios gerais dos serviços públicos. Do mesmo modo que os demais serviços públicos, a jurisdição há de ser prestada de forma contínua e permanente. Não é mais possível paralisar os tribunais, distinguindo dias fastos e dias nefastos à atividade forense, como no direito romano, e instituir férias ou recessos generosamente prolongados (v.g., art. 220, caput, do NCPC), separando para esse efeito os tribunais superiores de quaisquer outros órgãos judiciários. Fechar um tribunal durante um mês é tão inviável quanto trancar as portas de um hospital público por período análogo. E, mesmo reconhecendo a necessidade de descanso periódico para todos os integrantes do aparato judiciário, isso não significa o encerramento das atividades, saindo todos ao mesmo tempo, e nem sequer que sejam tratados diferentemente dos profissionais da área da saúde. A exaustiva responsabilidade do juiz profissional não é menor do que a de um médico intensivista. Não há razão plausível para conceder ao juiz sessenta dias de férias individuais, mas ao médico apenas trinta para a mesma finalidade. Na verdade, a crise da Justiça Pública retrata, no Brasil e alhures, aumento na demanda dos serviços judiciários. Sob certos aspectos, essa
demanda vertiginosa revela-se positiva. A pessoa da sociedade pós-industrial, vestindo o figurino de consumidor, de contribuinte, e assim por diante, transformou-se em litigante inveterado e intransigente, ardoroso combatente dos direitos que imagina ter perante outra pessoa ou perante o próprio Estado. Querer Justiça é um brado trivial, aspiração difusa dos integrantes da sociedade, lançado publicamente a qualquer pretexto. A ênfase excessiva nos direitos reais ou hipotéticos, sem os respectivos deveres, não se originou do texto analítico e das diretivas da CF/1988. Descansa em fatores sociais típicos da sociedade pós-moderna, a saber: à impessoalidade nas relações pessoais; ao individualismo; ao alheamento das práticas comunitárias; ao distanciamento dos mecanismos de representação política; à complexidade e diversidade dos interesses de indivíduos, grupos e classes; dentre outras infindáveis causas. Esses fatores explicam o aumento universal do número de litígios,103 apesar da inexistência de aumento populacional e do envelhecimento da população, o que, em tese, representaria poderoso elemento dissuasório. As divergências na interpretação e na aplicação do direito, resultantes da multiplicidade de órgãos judiciários da Justiça Pública, também cobram alto preço. O acesso massivo à Justiça Pública somado aos dissensos judiciários produz e reproduz litígios. Um exemplo singelo ilustra o argumento. O art. 131, § 2.º, da Lei 9.503/1997 exige o pagamento prévio das multas para licenciar o veículo, e, conseguintemente, trafegar legitimamente nas vias e nas rodovias. Esse dispositivo recebe críticas contundentes. Afirma-se inconstitucional essa regra, pois autoriza a realização do crédito constante da multa através de mecanismo de pressão psicológica – o responsável pagará a multa, administrativamente, ou não poderá trafegar regularmente com o veículo. A Administração disporia de outros meios para realizar seus créditos. Ora, o “outro meio” apontado com meias palavras implica a necessidade de a Administração inscrever a multa como dívida ativa e promover contra o proprietário do veículo uma execução forçada. Indiretamente, portanto, o entendimento estimula a demanda judiciária, não prestigia o cumprimento das obrigações e, ao contrário, contribui para proliferar processos que postergam o cumprimento da obrigação. Depois, averba-se a Administração, transformada em ré, como litigante habitual. O cenário traçado só pode ser alterado por intermédio da mudança de hábitos e pelo aprimoramento da técnica processual. O simples aumento da estrutura judiciária jamais acompanhará a demanda crescente, supondo-se que existam recursos financeiros abundantes para ampliá-la indefinidamente. Eis o papel do novo CPC e de seus institutos renovados. A reforma da Justiça Pública integra o programa da reforma do Estado. É digno de nota que uma das terapias contra crises econômicas consista nessa reforma, como revela o memorando produzido por representantes da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Europeu, grupo conhecido como “Troika”, no caso específico de Portugal.104 Esse memorando, no plano do processo civil, produziu o NCPC português de 2013. É duvidoso, todavia, a solução da crise da Justiça Pública através da renovação da lei processual. Se a crise social não é caso de polícia, a causa da crise da Administração da Justiça na sociedade de massas não é, valha dizer, processual. Representa ilusão, ingenuidade ou
autoritarismo dos planejadores econômicos o diagnóstico que a asseguração atempada do cumprimento dos contratos e da observância das regras de concorrência eliminem a crise econômica, sem aumentar a crise da Justiça Pública, independentemente da excelência dos mecanismos judiciais e extrajudiciais de resolução dos conflitos.
Capítulo 2. RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DOS CONFLITOS SUMÁRIO: § 3.º Equivalentes do processo civil – 6. Efetividade do processo civil – 7. Fase preliminar da mediação e conciliação – § 4.º Etapa da mediação e conciliação – 8. Diferença entre mediação e conciliação – 9. Espécies de mediação e de conciliação – 10. Natureza da mediação e da conciliação – 11. Objeto da mediação e da conciliação – 12. Participantes da mediação e da conciliação – 13. Procedimento da mediação e da conciliação – 14. Efeitos da mediação e da conciliação – § 5.º Juizados Especiais – 15. Fundamento e origens dos juizados especiais – 16. Natureza dos juizados especiais – 17. Espécies de juizados especiais – 18. Objeto dos juizados especiais – 18.1. Objeto dos juizados especiais ordinários – 18.2. Objeto dos juizados especiais da Fazenda Pública – 18.2.1. Pretensões excluídas dos juizados especiais da Fazenda Pública da Justiça Comum – 18.2.2. Pretensões excluídas dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal – 19. Partes no juizado especial – 19.1. Partes no juizado especial ordinário da Justiça Comum – 19.2. Partes no juizado especial da Fazenda Pública da Justiça Comum – 19.3. Partes no juizado especial da Fazenda Pública da Justiça Federal – 20. Procedimento nos juizados especiais – 21. Execução nos juizados especiais – 21.1. Definição de dívida de pequeno valor e limitação da competência dos juizados especiais da Fazenda Pública – 21.2. Execução incidente nos juizados especiais da Fazenda Pública – 21.3. Destinatário da ordem de cumprimento na execução perante os juizados especiais da Fazenda Pública – 21.4. Emissão da ordem de cumprimento na execução perante os juizados especiais da Fazenda Pública – 21.5. Descumprimento da ordem de cumprimento de obrigação pecuniária na execução perante os juizados especiais da Fazenda Pública – § 6.º Juízo Arbitral – 22. Origens da arbitragem – 23. Natureza da arbitragem – 24. Espécies de arbitragem – 24.1. Arbitragem individual (ad hoc) e arbitragem institucional – 24.2. Arbitragem livre e arbitragem obrigatória – 24.3. Arbitragem segundo o direito e arbitragem segundo a equidade – 24.4. Arbitragem nacional e arbitragem internacional – 24.5. Arbitragem facultativa e arbitragem vinculante – 25. Objeto da arbitragem – 26. Partes na arbitragem – 27. Procedimento da arbitragem – 28. Efeitos da arbitragem – 29. Execução da sentença arbitral – 30. Controle judiciário da arbitragem. § 3.º Equivalentes do processo civil 6. Efetividade do processo civil O processo civil não é o único mecanismo para solucionar os litígios que surgem na vida social. Respeitada a peculiar extensão a esse meio reservada no direito brasileiro (infra, 179), e a despeito de os conflitos serem confiados preponderantemente à autoridade judiciária, a composição pode ser atingida através de meios equivalentes.
Estudo clássico distinguiu a autocomposição, mediante a qual as próprias partes, no âmbito da autonomia privada, encerram a sua controvérsia, mediante concessões mútuas ou não; e a heterocomposição através da intervenção de outro terceiro, a exemplo do árbitro.1 A esses dois meios alternativos, chamados impropriamente de “equivalentes” – em boa medida não produzem resultados exatamente iguais ao processo civil, em especial quanto à força vinculativa da decisão (infra, 30) –, cumpre acrescentar um terceiro, que é o juizado especial (infra, 15). Nesse último caso, há a intervenção do órgão judiciário, resolvendo a lide de forma autoritária. À autoridade estatal precede, na maioria dos ordenamentos, a concentração de maiores esforços na tentativa de conciliação e, frustrada a autocomposição, buscou-se simplificar o procedimento ao essencial para satisfazer os direitos fundamentais processuais. A crise da Justiça Pública constitui problema perene e, a rigor, insolúvel (retro, 5). Embora inexista Justiça instantânea, o tempo normal – a estrita observância dos direitos fundamentais processuais contribui nesse sentido – consumido pelo processo tornou mais aguda a crise quantitativa, introduzindo a nítida percepção de morosidade exasperante em contraste com a velocidade intrínseca das relações sociais na sociedade pós-moderna. E a explosão da litigiosidade não é fenômeno controlável.2 O fluxo imediato da informação transformou a marcha do processo civil, sob a sadia influência do obrigatório respeito aos direitos fundamentais processuais, e cujo aprimoramento produziu escassos frutos na prática, num andor tardio e incompreensível. Esse quadro colocou na pauta o problema da efetividade do processo. Esse mecanismo há de ser minimamente eficiente para atingir os fins que lhe são próprios, ou seja, para realizar o direito objetivo no sentido mais largo dessa expressão, compreendendo, em primeiro lugar, os direitos fundamentais consagrados na CF/1988. Evoluiu a técnica processual sob o influxo dessa diretriz. Estabeleceu-se na doutrina brasileira profícuo ideário para a campanha da efetividade, compreendendo os seguintes itens: “a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo dos eventos sujeitos; b) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade; c) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energias”.3 Duas importantes inovações inseridas nessas diretrizes alteraram a fisionomia do processo civil brasileiro: (a) o processo coletivo, em suas duas espécies: (aa) tutela de direitos coletivos (direitos difusos e coletivos stricto sensu); (ab) tutela coletiva de direitos (direitos individuais homogêneos); (b) antecipação da tutela. Em época mais recente, a uniformidade das decisões judiciais – antigo problema e aspiração muito acalentada – adquiriu a notável contribuição do precedente vinculativo do STF, transformado fonte formal do
direito processual (infra, 62.2), e do incidente para resolução das causas repetitivas. Deposita-se imensa esperança no futuro desses institutos. Secundados por outras técnicas de menor calibre e repercussão, aguardamse reflexos profundos na eficiência do processo civil, aparelhando-o para atender a sociedade de massas. O NCPC empreendeu a tentativa de obrigar juízes e tribunais a seguir as teses jurídicas firmadas nos órgãos superiores (art. 927, I a V) e, em princípio, a inobservância do precedente (v.g., haurido do incidente de resolução das causas repetitivas, a teor do art. 927, III, c/c art. 985, I e II) ensejará o drástico remédio da reclamação (art. 985, § 1.º, c/c art. 988, IV), cujo acolhimento importará a cassação do pronunciamento exorbitante, entendido como tal o que não aplicou ou aplicou mal o precedente. Reclama essa área sensível certa prudência. O processo coletivo afigurase indispensável na sociedade de massas, mas seu alcance revelou-se, em mais de um caso, insuficiente. A eficácia erga omnes e ultra partes da sentença coletiva não equacionou, a contento, determinados litígios. Foi necessária a intervenção legislativa, por exemplo, para assegurar o pagamento dos interessados e, simultaneamente, a saúde financeira de fundo público que beneficia os trabalhadores na oportunidade do desfazimento da relação de emprego e outros eventos. É possível atribuir o problema a possível error in iudicando, não harmonizando a autoridade judiciária todos os interesses envolvidos nessa problemática equação financeira; porém, tampouco parece legítimo, a priori, descartar como causa da falta de efetividade as limitações intrínsecas do próprio instrumento que se propôs dar cabo ao conflito. Em princípio, carregam-se as dificuldades na aplicação do “direito processual coletivo comum” à mentalidade ortodoxa e conservadora dos figurantes da relação processual,4 em especial dos juízes. O diagnóstico constitui meia verdade. Talvez o processo não substitua propriamente políticas públicas governamentais bem planejadas e articuladas. Outro aspecto que não deve ser negligenciado, nessa busca incessante da eficiência, avulta no pleno conhecimento e domínio da própria técnica processual. Nenhuma lei processual funcionará satisfatoriamente, apesar das virtudes proclamadas no laboratório doutrinário, empregada e aplicada por mentes inábeis.5 Apesar da má vontade de certos setores que apostam na informalidade total, grave sintoma de irracionalismo improfícuo, o estudo da dogmática do processo civil é fundamental à excelência desse mecanismo de resolução dos conflitos, mesmo na perspectiva ortodogmática, e sem descurar da familiaridade com ramos conexos do conhecimento humano, nas áreas da sociologia e da política. A par dos ventos renovadores do ideal da efetividade, sempre perseguido, mas jamais alcançado, o emprego dos meios alternativos de resolução dos litígios, conhecidos como Alternative Dispute Resolution ou ADR, mostram-se socialmente indispensáveis e desejáveis. A renovação do direito brasileiro não se forrou desses mecanismos.6 Objetiva-se transcender eventuais limitações intrínsecas ao processo civil. Em muitos casos, a polarização natural das partes no processo impede a solução justa. A estrutura da relação processual conduz a um desfecho alternativo inexorável – vitória ou derrota –, transformando o mecanismo num jogo em que tudo se perde ou tudo se ganha mediante decisão autoritária. E o foco da atividade processual é o passado, e, não, o futuro dos desavindos. Esquema que, reduzido a esses
traços, desde logo se mostra altamente impróprio para os litígios de família, nos quais os participantes permanecerão, de regra, ligados por laços emocionais e financeiros após a resolução autoritária.7 Essa constatação induziu a busca de outra espécie de solução, produzida pelo diálogo e a persuasão, sob os auspícios do órgão judicial. É o papel da mediação e da conciliação. Caracterizam esses mecanismos, à primeira vista, a integração com a atividade jurisdicional, pois dela podem ser etapa facultativa ou obrigatória, além de permitirem maior flexibilidade do procedimento.8 Também nessa seara não se deve acalentar ilusões.9 Esses canais não desafogarão em termos significativos, segundo a experiência haurida em outros ordenamentos, a Justiça Pública. Não é diversa a perspectiva da arbitragem. Desse meio, o rendimento máximo envolverá a recepção de certos litígios que não desaguariam na via jurisdicional senão por falta de alternativa e em último caso.10 A realização de objetivos tão ambiciosos, ou seja, afastar a decisão autoritária, cuja efetivação é problemática e substituí-la pelo consenso dos litigantes, reclama caráter mais sistemático e profissional – encarregar estagiários de promover o debate dos litigantes é solução assaz imprópria –, exigindo tempo, recursos financeiros (v.g., para instalações adequadas) e maior credibilidade desse sistema. Dependerá, ademais, da formação específica dos profissionais da área do direito para desempenhar suas funções em contexto oposto ao do litígio.11 Entre nós, simplesmente inexiste a cultura do consenso. As academias jurídicas timbram pelo conservadorismo, formando profissionais voltados à atuação no litígio perante a Justiça Pública, e não à obtenção de acordos mediante concessões recíprocas ou em técnicas de persuasão. A intransigência dos representantes técnicos dos litigantes não contribui positivamente na consecução das metas da efetividade. Os meios alternativos arrolados concorrem entre si e, salvo no caso da arbitragem, não se pré-excluem. Concebe-se a mediação como fase preliminar do processo civil e como alinhavo da futura decisão autoritária. Particularmente propícia a mediação quando não convém impor a uma das partes o sacrifício integral do seu interesse, porque os litigantes relacionam-se de forma duradoura (v.g., nas relações familiares e nas relações de vizinhança), enquanto a arbitragem afigura-se preferível existindo acentuada assimetria econômica entre os litigantes.12 7. Fase preliminar de mediação e de conciliação Às partes faculta-se o encerramento do litígio mediante autocomposição. As oportunidades predeterminadas no procedimento comum para o contato das partes com o órgão judiciário – audiência preliminar e audiência de instrução e julgamento –, propiciam ao juiz a formação de consenso total ou parcial entre os litigantes. O NCPC instituiu audiência especial para essa finalidade (art. 334), antes de o réu apresentar defesa, apostando no êxito da conciliação e da medição. Embora parcimonioso na criação de regras autônomas, dedicou dez (!) artigos aos conciliadores e aos mediadores (arts. 165 a 175), auxiliares do juízo, em parte justificando tal superlativa atenção na novidade do regime.
A tentativa de conciliação assumiu extrema importância no final do século passado. Curiosamente, a conciliação com a participação da autoridade judiciária remonta à lei francesa de 16.08.1790, complementada pela lei de 17.03.1791,13 e o ideário liberal a introduziu no art. 161 da CI/1822. A tentativa de conciliação perante juiz de paz ocorre no processo francês nos termos e para os efeitos da Lei de 09.02.1949.14 E os litigantes podem recorrer à mediação “judiciária”.15 É a voga contemporânea. O advento do processo civil autoritário (infra, 80), cujo viés “social” descansa no aumento dos poderes do juiz, recolocou a conciliação no cenário das preocupações reformistas. Fácil entender o súbito e vigoroso renascimento da conciliação. O aumento exponencial da massa de lides lentamente reorganizou, na medida do possível, o aparelho judiciário para aliviar o conjunto dos órgãos judiciários dos processos em que haja a possibilidade de obter um acordo.16 A receita prescrita consistiu em estimular por todas as formas a conciliação. Os sistemas legislativos adotaram soluções heterogêneas a esse respeito. Fatores de toda ordem presidem uma e outra. Revela-se expressiva nesse contexto a tendência de instituir estruturas parajudiciais de mediação e de conciliação – os centros judiciários, aludidos no art. 165, capute § 1.º, e as câmaras privadas de conciliação e mediação, mencionadas no art. 167, caput, do NCPC –, facultando ou obrigando os desavindos, conforme o caso, a entabularem negociações perante uma terceira pessoa. A conciliação consiste na atividade desenvolvida pelos litigantes perante terceiro para obter um acordo. Evoluiu para a mediação, considerando que soluções estritamente conforme ao direito, ou influenciadas por um prévio conhecimento nessa área, às vezes se mostravam contraproducentes. Em que pese esse traço geral, a diferença entre a mediação, entregue a um profissional sem conhecimento jurídico, e a conciliação, promovida pelo órgão judiciário ou letrado na ciência jurídica, não se mostra tão simples. Embora seja expressiva a inclinação para gabar a adoção de fase preliminar em que os desavindos submeter-se-iam a etapa prévia e obrigatória de conciliação ou de mediação, na verdade o caminho tem riscos palpáveis. Se a solução agradasse aos desavindos, não necessitariam de outro estímulo que o do próprio interesse para procurá-la, recorrendo naturalmente a centros (ou câmaras privadas) de conciliação ou de mediação. A obrigatoriedade constitui péssimo sinal. Um dos fatos culturais a considerar nessa atitude avulta no culto à autoridade do Estado. É o juiz quem exerce parcela da soberania. Não representará empresa fácil e de resultados rápidos inculcar outros valores no imaginário popular. Além da impressão de que se cuida de justiça de segunda classe,17 mero e doloroso paliativo à deficiência do serviço público jurisdicional, também se apresenta o grave risco dessa etapa se tornar em ritual irrelevante, visando os desavindos, descrentes do conciliador ou do(s) mediador(es), apenas ultrapassá-la para, obtendo o certificado de submissão ao protocolo, buscarem a solução judiciária. Na realidade, a etapa prévia da mediação e conciliação, apresentada como (outra) panaceia dos males da Justiça Pública, dependeria da criação de estrutura paralela, reunindo recursos físicos (v.g., locais adequados) e humanos (v.g., pessoal em número suficiente para não olhar para o relógico),
tão ou mais dispendiosa da que já auxilia o órgão judiciário, o que parece pouco recomendável. Representaria contrassenso criar quadro próprio de conciliadores e de mediadores, preenchidos mediante concurso público, aventado no art. 167, § 6.º, do NCPC, por duas razões: (a) o aumento da despesa pública com a manutenção da máquina judiciária; (b) a transformação da conciliação e da mediação em atividade burocrática, descompromissada com os resultados. § 4.º Etapa da mediação e conciliação 8. Diferença entre mediação e conciliação É difícil traçar fronteiras nítidas e radicais entre a mediação e a conciliação. Em ambas, busca-se solução consensual da controvérsia, e, portanto, compartilham da mesma estrutura e finalidade. Porém, não coincidem totalmente no método e nos efeitos.18 Um dos critérios as distingue pelo resultado: a mediação visa à composição dos desavindos, independentemente do conteúdo; por sua vez, a conciliação aspira à composição justa. Essa diferença de feito transforma-se em causa: o conciliador atuará nas causas em que não houver vínculo anterior entre as partes (art. 165, § 2.º), o mediador atuará quando houver vínculo prévio (art. 165, § 3.º). Logo se percebe a fragilidade de distinção fundada em linha tão tênue e subjetiva. Em geral confia-se a conciliação ao próprio órgão judiciário, pessoalmente, ou a conciliador ou juiz leigo com formação jurídica. Dispõe nesse sentido o art. 7.º,caput, da Lei 9.099/1995 que “os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência”. O dispositivo constitui concessão flagrante ao bacharelismo. Ao menos nos juizados especiais, o ideal consiste em utilizar o trabalho voluntário de pessoas experientes nos fatos da vida (v.g., empresários aposentados), até porque o próprio julgamento, frustrada a conciliação, assentará em juízo de equidade (infra, 947), a teor do art. 6.º da Lei 9.099/1995. Encarregam-se da mediação, diversamente, profissionais de outras áreas de saber – assistentes sociais, psicólogos, especialistas em finanças pessoais e médicos, dentre outros. Talvez a melhor diretriz recaia nos elementos intrínsecos da atividade de aproximação e promoção do diálogo dos desavindos. O mediador abstém-se de emitir opinião própria acerca das reclamações recíprocas. Limita-se a incentivar e auxiliar os desavindos. Daí a importância de envolver áreas paralelas à jurídica, utilizando pessoas cujo especial saber os auxilie a interpretar emoções e arredar as barreiras psicológicas que predeterminam o contraste de posições. A mediação representa o veículo da justiça restauradora. Ela desanuvia os espíritos, restabelece relações e apazigua o sofrimento dos litigantes. A esse esforço concertado de um terceiro neutro, ou de um grupo de pessoas alheias ao conflito, facilitando a comunicação entre os litigantes em potencial e chegando a resultado mutuamente aceitável, chama-se mediação.
Existem circunstâncias que tornam a mediação instrumento de harmonização altamente propício. Dentre outras, a necessidade de preservar a convivência dos desavindos; o caráter de confidencial do litígio; a aplicação de saberes específicos para compreender os fatos que originaram o litígio; a incerteza quanto ao resultado do processo e seus custos financeiros.19 O conciliador participa de modo ativo no intercâmbio de opiniões, interfere na conversa, analisa a posição das partes segundo o direito e propõe solução que, eventualmente, desagradará um ou a ambos os desavindos. A atividade do conciliador é direta e invasiva da intimidade das pessoas. O art. 165, § 2.º, do NCPC veda o constrangimento e a intimidação dos litigantes. 9. Espécies de mediação e de conciliação Costuma-se diferenciar duas espécies de conciliação, conforme a oportunidade: (a) a conciliação pré-processual, intentada antes da formação do processo, de modo obrigatório ou facultativo; (b) a conciliação processual, realizada no curso do processo, em especial na audiência destinada a essa finalidade (art. 334 do NCPC).20 No primeiro caso, sublinha-se a necessidade de especialização para a tentativa tornar-se frutífera.21 Do ponto de vista da participação do órgão judiciário, a conciliação se divide em outras duas classes: (a) a conciliação extraprocessual, realizada pelas partes longe da vista do juiz e, conforme o caso, levada à respectiva homologação (art. 515, III, do NCPC), haja ou não processo pendente; (b) conciliação endoprocessual, ocorrida sob o patrocínio do juiz, na audiência do art. 334, na audiência preliminar (art. 357, § 3.º, do NCPC) e na audiência de instrução e julgamento (art. 359 do NCPC), ou em outras solenidades individuais ou coletivas designadas para esse fim, previstas como motivo de suspensão dos prazos processuais no art. 221, parágrafo único, do NCPC. É comum promover mutirões, com resultados pouco apreciáveis globalmente, visando a conciliar processos que já se encontram em tribunais. Logo, a conciliação endoprocessual não se deve limitar ao primeiro grau. À mediação interessa, basicamente, o número de pessoas envolvidas na aproximação dos desavindos e a sua área de especialização. Nesse sentido, distingue-se: (a) mediação singular; e (b) mediação interdisciplinar, da qual participam profissionais provenientes de áreas diferentes (v.g., mediante os esforços concorrentes, em conjunto ou não, de um assistente social, de um economista e de um psiquiatra). Existem outras possibilidades, focalizando dos vetores: a dimensão (ampla ou restrita) do conflito e as técnicas do mediador (avaliador ou facilitador).22 É panorama desenvolvimento contínuo. 10. Natureza da mediação e da conciliação É ponto consensual não ostentar natureza jurisdicional a atividade do conciliador e do mediador parajudiciais.23 Tampouco se subordina à pendência do processo. A lei pode considerar a frustração da tentativa de conciliação ou de mediação pressuposto para o desenvolvimento do processo já instaurado. Foi a fórmula do art. 161 da CI/1822 e da Lei 968, de 10.12.1949, antes de o juiz proferir decisão, admitindo ou não a petição inicial.24 Obtendo êxito, porém, lícito se afigura aos litigantes, haja ou não
processo instaurado sobre o objeto, obter provimento judicial que outorgue ao negócio jurídico a autoridade própria de coisa julgada. Ocorrendo conciliação sob os auspícios e com a atuação do órgão judiciário, na audiência especial (art. 334 do NCPC) e na audiência de instrução (art. 359 do NCPC) – a rigor, “a qualquer tempo”, consoante o art. 139, V, do NCPC, divisando o juiz possibilidades de êxito na tentativa –, o negócio assume natureza processual e o ato de homologação é jurisdicional,25 malgrado teorias que lhe emprestam natureza substancial.26 Esse ponto merecerá realce nos itens próprios (infra, 1.087 e 1.633). 11. Objeto da mediação e da conciliação O art. 334, § 4.º, II, do NCPC pré-exclui a audiência de conciliação e de mediação, a par do desinteresse recíproco dos litigantes, formalmente manifestado, na hipótese de a causa “não admitir autocomposição”. Ora, em princípio só o objeto litigioso disponível é passível de transação.27 Disponíveis são, conforme o art. 841 do CC, os direitos patrimoniais de caráter privado. Essa limitação é inadequada para as finalidades da conciliação, e, principalmente da mediação, cabendo interpretar diferente o art. 334, § 4.º, II. Por óbvio, os direitos relativos ao estado e à capacidade das pessoas, os direitos relativos à personalidade humana, são insuscetíveis de concessões pelo respectivo particular. Ninguém pode invalidar o casamento, por exemplo, consensualmente. O que pode ser objeto de transação, em casos tais, são os aspectos patrimoniais desses direitos.28 Na verdade, nada obsta que se realize conciliação (v.g., o valor dos direitos autorais) ou mediação (v.g., o valor dos alimentos) em assuntos desse naipe. É evidente que o valor da prestação alimentar, ou do direito autoral, a partilha de bens dos cônjuges e dos companheiros, a própria conversão da separação judicial em consensual, e o regime da guarda dos filhos comuns ou da visita de um dos cônjuges, podem e devem ser estabelecidos mediante a promoção do diálogo das partes. Desprezando os mais arraigados preconceitos, os subsídios recolhidos pelo conciliador ou pelo mediador, na sensível intimidade do casal, dentro da respectiva área de saber (v.g., medicina), podem e devem subsidiar futuro julgado, sem embargo da necessidade de intentar ação para obter o provimento do juiz. Figure-se o caso da invalidade do casamento. Faltando a um dos cônjuges o discernimento para os atos da vida civil (art. 1.548, I, do CC), e apurado esse fato pelo mediador, entrevistando o casal, tem-se um direito evidente, passível de julgamento liminar de mérito. É preciso dar um passo adiante e resgatar a utilidade da mediação em todas as áreas. 12. Participantes da mediação e da conciliação Para chegar a qualquer resultado, a conciliação e a mediação exigem a participação pessoal dos desavindos e do terceiro encarregado de auscultálos, aproximá-los e, genericamente, promover o diálogo e a concórdia. Por esse motivo, o art. 334 do NCPC obriga o comparecimento das partes, acompanhadas de representantes técnicos (art. 334, § 9.º), sancionando a
falta sem justificativa (art. 334, § 8.º). Todavia, o art. 334, § 10, faculta a constituição de representante, procurador ou preposto, munidos de poderes especiais para negociar e transigir. A faculdade só tem sentido na tentativa de conciliação quanto a direitos patrimoniais. Fora dessa órbita estrita, na mediação impõe-se a participação dos litigantes, sob pena de frustrarem-se os objetivos da justiça restauradora, finalidade essencial da mediação. A participação obrigatória dos advogados, na conciliação ou mediação preliminar ao desenvolvimento do litígio, suscita controvérsia, mas deve ser aceita sem reservas e preconceitos. Pode acontecer de interesses secundários, alheios aos das partes, dificultem ou prejudiquem a atividade do conciliador e do mediador. Faz parte das habilidades desse último vencer a dificuldade. É arbitrário e inadmissível dispensar a presença do advogado, na sessão individual com um dos litigantes, rejeitar a sua participação ou impedirlhe de assessorar o cliente em relação às chamadas estratégias de negociação. Por sua vez, do advogado aguarda-se que não reproduza, no momento destinado ao diálogo, o paradigma de atuação forjado nas disputas judiciais.29 13. Procedimento da mediação e da conciliação Não há roteiro prefixado para a conciliação e a mediação. Existem técnicas hábeis para atingir resultados frutíferos, assim como há técnicas próprias de comunicação nessa seara.30 Ressalva feita ao caso de o próprio juiz promover a conciliação, a primeira questão residirá, evidentemente, na organização da estrutura parajudiscional e, conseguintemente, no recrutamento de conciliadores e de mediadores. É indispensável, para atingir os ambiciosos objetivos de cortar o litígio no nascedouro, uma série de predicados pessoais e de treinamento apropriado. Necessário edificar tábua de valores – o sigilo em primeiro lugar –, muito bem exposta no art. 166, caput, do NCPC: independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e decisão informada. Em última análise, aqui como alhures, a personalidade do terceiro encarregado da tarefa é decisiva, cumprindo-lhe esclarecer o litigante quanto ao alcance da transigência, com o intuito de obstar arrependimentos (decisão informada). Em seguida, cumpre convocar os litigantes à presença do conciliador ou do mediador. Para essa finalidade, designado dia, hora e lugar, realizar-se-á a intimação dos desavindos e dos procuradores, se houverem sido constituídos, para sessão conjunta ou individual. O lugar em que se realizará a mediação, ou a tentativa de conciliação, constitui elemento de suma importância. Idealmente, há de ser lugar distinto da sede do juízo, a fim de não perturbar as sensibilidades à flor da pele. Fatores como as vestimentas do mediador, a disposição espacial das partes, o mobiliário da sala e o modo pelo qual nesse espaço o mediador ou o conciliador introduzirá individualmente ou coletivamente os participantes da reunião contribuem para o sucesso ou o insucesso da empreitada. Convocar os desavindos para acomodações acanhadas ou pouco propícias ao entendimento revela-se contraproducente à primeira vista. Impõem-se cogitar da exata localização das pessoas na sala, propiciando-lhes comodidades de
luz e temperatura, e da facilitação do contato visual e auditivo, e da atitude positiva do mediador ou do conciliador, como meios para gerar o clima favorável à interação.31 Dir-se-á que tudo isso não passa de quimera. Nem o órgão judiciário dispõe desses espaços. Não é menos verdade que sem tais recursos físicos e humanos não se logrará resolver o conflito. As técnicas de conciliação e de mediação compõem a essência da atividade do terceiro. Se este terceiro realizará sessão conjunta, inicialmente, ou se ouvirá separadamente os litigantes, e por quanto tempo, representam problemas que não se equacionam intuitivamente. Existem programas de formação e de adestramento nesses misteres. E a experiência acumulada do terceiro sugerirá outros caminhos. Avaliar o desempenho do mediador ou do conciliador, quantitativa – remunerá-los conforme o êxito parece política fatal à boa conciliação ou mediação – e qualitativamente, aquilatando a satisfação dos desavindos, permitirá a correção de rumos e a obtenção de melhores resultados no futuro. Em estudo que sintetiza experiências nessa área, apontou-se a existência de seis etapas no procedimento de mediação, mututatis mutandis aplicáveis à conciliação: (a) explicações sobre o alcance e o itinerário da mediação; (b) a concessão da palavra aos desavindos; (c) a fixação dos pontos de convergência, preparando o terreno para a solução dos divergentes; (d) retomada do debate dos desavindos; (e) apresentação de conclusões preliminares pelo mediador; e (f) redução das conclusões ao acordo.32 14. Efeitos da mediação e da conciliação Chega a bom termo a conciliação ou a mediação, atingindo seus objetivos, logrando o terceiro a persuadir os litigantes a encerrar a contenda. O teor é muito variável. Pode acontecer que as pessoas simplesmente se reconciliem e desistem da via judicial. Também podem regular a relação jurídica litigiosa Em tal hipótese, como reza o art. 334, § 11, do NCPC, a autocomposição judicial será reduzida a termo e o juiz homologará o negócio para os fins de direito, emitindo decisão definitiva (art. 487, III, b, do NCPC), abrangendo o negócio todo o litígio. A autocomposição global envolve todo o litígio pendente, mas pode integrar terceiro (v.g., a companheira do réu, assumindo a obrigação de pagar alimentos à autora) e objeto estranho à causa (v.g., na ação de alimentos, a guarda dos filhos), conforme o art. 515, § 2.º. Tratando-se, porém, de conciliação ou de mediação pré-processual, cumpre documentar o negócio, seja qual for o seu conteúdo – desistência, renúncia ou transação – e levá-lo à apreciação do órgão judiciário. A atividade do juiz consiste em verificar a existência, os requisitos de validade e os fatores de eficácia do negócio e, se nada o obstar, homologá-lo, encerrando o processo pendente (art. 487, III, b, do NCPC) ou emprestando o selo da sua autoridade (art. 515, III, do NCPC). Nesse último caso, não tendo sido formado o processo, realizar-se-á o registro e a distribuição (art. 284 do NCPC). É preciso considerar, de resto, os efeitos da conciliação e da mediação infrutíferas. Esse cenário provoca o aparecimento de algumas questões relevantes.
Em primeiro lugar, a participação do órgão judiciário na tentativa de conciliação, ou como figurante da mediação, não constitui motivo de impedimento. Embora o juiz formule propostas que pareçam mais favoráveis a uma das partes, ou tendenciosas, e intervenha no debate livre dos litigantes, semelhante participação ativa não o inibe de julgar posteriormente a causa. O juiz permanece terceiro imparcial. De resto, instituída a conciliação e a mediação como fase preliminar ao desenvolvimento do processo, o expediente simples de submeter a causa a um juiz distinto do que dirigirá o processo soluciona satisfatoriamente o problema. Ademais, o comportamento das partes na conciliação e na mediação prévias (v.g., o réu resiste de modo pouco razoável a proposta financeira muito vantajosa do autor) não pode ser utilizado como meio de prova ou como critério para distribuir o custo financeiro do processo. É digno de registro que o direito italiano, a esse respeito, adotou solução distinta, permitindo ao juiz considerar o comportamento das partes na repartição das despesas processuais lato sensu, com a finalidade de persuadi-las a participar e colaborar ativamente na conciliação e na mediação.33 § 5.º Juizado Especial 15. Fundamento e origens do juizado especial Os meios alternativos de resolução dos conflitos (Alternative Dispute Resolution ou ADR) despontam, no direito brasileiro, nos juizados especiais e na arbitragem. Eles se inserem no seio do notório movimento do acesso à Justiça, cuja ideologia, basicamente, rejeita a decisão autoritária e prestigia o compromisso.34 A ideologia do movimento encontra-se retratada na “dicção de um direito efetivo, justo e transformador, que assegure e promova a dignidade humana, a inclusão social e o exercício da cidadania”.35 São aspirações tão elevadas, quanto quiméricas tendo como ponto de partida a resolução dos conflitos, ignorando a personalidade e o ânimo do litigante, idealizado como alguém altruísta e, por natureza, emocionalmente equilibrado. Os juizados especiais surgiram, entre nós, no início da década de oitenta do século XX, através da iniciativa individual de juízes de direito, inspirados nas small clains courts norte-americanas, que formaram “conselhos de conciliação e arbitramento”.36 À época, preocuparam-se os precursores, empolgados no seu idealismo típico do início da carreira na magistratura, com a crise de confiança na Justiça Pública. E, para superá-la ou, no mínimo, atenuá-la, removendo os obstáculos reais e hipotéticos do pleno e igual acesso à autoridade judiciária, os magistrados da Justiça Comum criaram, por sua conta e risco, os referidos conselhos populares, com o fito de resolver conflitos informalmente, mas sob o patrocínio do Estado e, em geral, na própria sede do juízo. A ideia matriz do juizado especial, de certo modo revelada por suas origens modestas, repousa nessa noção de acesso à Justiça.37 Desse direito fundamental derivam os demais, na prática, pois todos ficariam de relegados à triste condição de simples promessas retóricas da Constituição sem a tutela judiciária.38
O primeiro texto legislativo a regular o juizado especial foi a Lei 7.244, de 07.11.1984.39 Na perspectiva mais geral, três ideias presidiram a instituição dos Juizados Especiais de Pequenas Casas (JEPC): (a) a gratuidade do serviço para os que possam e para os que não possam pagar as despesas do processo, ao menos até o primeiro julgamento; (b) o ingresso direto da parte em juízo, porque a representação por advogado era facultativa; (c) o tratamento da causa em dois graus de jurisdição, sendo em primeiro grau a causa julgada por juiz togado, ou por árbitro aceito pelas partes, e, no segundo grau, por três juízes togados, investidos em função judicante no primeiro grau da Justiça Comum.40 Duas outras características relevantes podem ser recordadas: a participação voluntária de árbitros e conciliadores, todavia desempenhada por profissionais do direito, a mais das vezes advogados, raramente acadêmicos; e o caráter facultativo, mostrando-se lícito à parte optar pelo processo tradicional na Justiça Comum. O objeto do juizado especial é o de simplificar e facilitar, e, não, espalhar a desconfiança de que os litígios de menor expressão econômica, que envolvem, de ordinário, as pessoas mais pobres, passariam a ser julgados sem maiores reflexões, por magistrados de segunda categoria, em prejuízo dos direitos fundamentais processuais.41 Em termos de técnica processual, com a Lei 7.244/1984 resgatou-se a oralidade, baseada no contado das partes com o terceiro imparcial; a simplicidade, buscando-se (em vão) eliminar os autos físicos, substituindo-os por outras técnicas mais avançada de registro dos atos processuais; e a informalidade, proclamando a instrumentalidade definitiva das formas dos atos (v.g., dispensando a expedição de precatória para a prática do ato em outros lugares). É ocioso reproduzir com pormenores as inovações em qualquer desses sentidos, bastando precisar-lhes as linhas gerais e os princípios diretores. O ingresso direito da parte, sem a mediação obrigatória do advogado, logo se mostrou o ponto mais delicado e controverso,42 colocando o diploma sob suspeita de apontar o procurador como um dos entraves do acesso à Justiça. Posteriormente, buscou-se uma solução de compromisso, nesses domínios, mas a crítica jamais se mostrou procedente. Na verdade, os JEPC aumentaram o campo de trabalho do advogado, seja o prestado na condição de árbitro ou de conciliador (e, a partir da Lei 9.099/1995, como juiz leigo), seja porque os réus, apesar do caráter facultativo, geralmente socorriam-se desses profissionais. A jurisdição prestada através dos JEPC era objetiva e subjetivamente limitada. Em relação ao primeiro aspecto, o art. 3.º da Lei 7.244/1984 combinou critério de competência em razão do valor, limitando a competência dos juizados de pequenas causas aos litígios patrimoniais de valor não excedente a vinte salários mínimos, e o de competência material, exigindo que tais litígios visassem: (a) condenação em dinheiro (art. 3.º, I); (b) condenação à entrega de coisa certa móvel ou ao cumprimento de obrigação de fazer a cargo de fabricante ou fornecedor de bens e serviços para consumo (art. 3.º, II); (c) desconstituição e declaração de nulidade de contrato relativo a coisas móveis e semoventes (art. 3.º, III). Excluiu o art. 3.º, § 1.º, da Lei 7.244/1984, explicitamente, as “causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública”, e as relativas a acidentes de trabalho, resíduos e ao estado e capacidade de pessoas, ainda que de cunho
patrimonial. Por outro lado, a opção pelo procedimento do JEPC implicava renúncia à parte excedente a vinte salários mínimos do crédito (art. 3.º, § 2.º, da Lei 7.244/1984). É digno de nota que a competência do JEPC não abrangia a execução das próprias resoluções. O sistema pecava nesse ponto decisivo.43 E, relativamente à capacidade para conduzir o processo, a regra é que só podem figurar como autores pessoas naturais dotadas de plena capacidade de exercício (então maiores de vinte e um anos), excluídos os cessionários de direitos de pessoas jurídicas (art. 8.º, § 1.º, da Lei 7.244/1984), mas o art. 8.º, § 2.º dotou dessa capacidade os maiores de dezoito anos, então considerados relativamente capazes para os atos da vida civil. Excluiu, então, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil (art. 8.º, caput, da Lei 7.244/1984). O procedimento instituído na Lei 7.244/1984 para essas causas e para essas pessoas não se prendia à necessidade de acomodação formal à especialidade do órgão julgador, mas ao objetivo de conferir a um e outros um tratamento processual diferenciado, tendo por objetivo vencer o congestionamento dos juízos ordinários. A sua efetiva aplicação exigia a renovação da mentalidade tradicional e a adoção de estrutura material adequada.44 Não se pode afirmar que esses pressupostos, ainda hoje, tenham sido alcançados em sua plenitude. A criação de Justiça moderna e simples, idônea a garantir ao povo uma prestação jurisdicional rápida, gratuita e informal, resolvendo a litigiosidade contida e drenando os anseios naturais e malsãos da justiça de mão própria, renovou-se com o advento CF/1988. O art. 98, I, contemplou a instituição de juizados especiais para “causas cíveis de menor complexidade”. A Lei 9.099, de 26.09.1995, cumpriu o disposto nessa regra, estabelecendo a competência e o procedimento dos juizados especiais cíveis e criminais, na condição de “órgãos da Justiça Ordinária”. Essa terminologia consagra a ideia de que há uma Justiça Federal, comum ou especial, e uma Justiça Ordinária, ou local, composta pelos Tribunais e Juízes dos Estados, Distrito Federal e Territórios (art. 92, VII, da CF/1988), e, nada obstante, nacional.45 Tem a Lei 9.099/1995 análoga abrangência nacional, ou seja, vigora em todo o território brasileiro, “vinculando todos os sujeitos à sua soberania”,46 em virtude do caráter geral dessas normas, a teor do art. 24, X, e § 1.º, da CF/1998.47 Embora o procedimento dos juizados especiais, segundo a Lei 9.099/1995, haja preservado as linhas fundamentais e as diretrizes da lei anterior, introduziram-se importantes inovações: (a) o aumento da competência em razão do valor, que passou a ser de até quarenta salários mínimos (art. 3.º, I, da Lei 9.009/1995), e em razão da matéria; (b) a atribuição de função executiva aos órgãos judiciários dos juizados; (c) a introdução da figura do juiz leigo.48 Em relação ao ponto que recebia fortes críticas da corporação dos advogados, o art. 9.º, caput, da Lei 9.099/1995, tornou facultativa a representação processual por advogado nas causas até vinte salários mínimos, e obrigatória nas causas de valor superior. E, para assegurar o equilíbrio de armas, nos casos de representação facultativa, se
uma das partes atuar no processo assistida por advogado, ou figurando como réu pessoa jurídica ou firma individual, a outra parte poderá obter assistência judiciária “por órgão instituído junto ao Juizado Especial, na forma da lei local” (art. 9.º, § 1.º, da Lei 9.099/1995). Em qualquer hipótese, independentemente do valor da causa, incumbe o juiz advertir as partes a respeito da conveniência da representação por advogado, exigindo a natureza do litígio (art. 9.º, § 2.º, da Lei 9.099/1995). O quadro legislativo evoluiu através do advento da EC 45/2004, permitindo a criação, mediante lei, dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal (art. 98, § 1.º, da CF/1988). Daí resultou a Lei 10.259/2001. Na área civil, a Lei 10.259/2001 instituiu a respectiva competência por dois critérios, um positivo e outro negativo: (a) positivamente, a competência dos juizados especiais da Justiça Federal alcança, em razão do valor, as causas que não excederem sessenta salários mínimos (art. 3.º, caput), esclarecendo que, nas obrigações de trato sucessivo, a soma do valor das doze pretensões vincendas não poderá ultrapassar o teto (art. 3.º, § 2.º); (b) negativamente, em razão da matéria, o art. 3.º, § 1.º, I a IV, excluiu determinadas causas. E, ainda, estabeleceu que a competência do juizado especial, no foro onde houver instalada vara dessa natureza, é absoluta. Apesar da impropriedade da fórmula, o propósito se afigura nítido: obrigar o autor ao emprego do procedimento do juizado especial. O procedimento é assaz vantajoso no ponto capital: a realização do crédito. Nesse sentido, a escolha se mostraria natural, incorrendo o legislador em excesso. E, relativamente à competência em razão da pessoa, admitiu como autores as pessoas naturais, as microempresas e as empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei 9.317/1996 no art. 3.º da Lei Complementar 123/2006; e, como réus, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais. Esse juizado é, na prática, um juizado da Fazenda Pública, no sentido largo do termo, em razão da qualidade dos réus (art. 6.º, I e II, da Lei 10.259/2001). Uma das exceções concebíveis reponta na empresa pública que explora atividade bancária (v.g., a Caixa Econômica Federal), cujo regime jurídico é privado, dependendo do alcance outorgado à clássica expressão “Fazenda Pública”. Finalmente, o êxito dos juizados especiais da Justiça Federal, moderado quanto à celeridade, mas decisivo na realização coativa dos créditos, levou à edição da Lei 12.153/2009, possibilitando a criação dos juizados especiais da Fazenda Pública pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estadosmembros, “para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência” (art. 1.º da Lei 12.153/2009). No tocante à regra de competência, e, portanto, à fixação da “regra de acesso”, a técnica legislativa seguiu a linha da Lei 10.259/2001, incluindo o quesito da compulsoriedade (art. 2.º, § 4.º), adotando o mesmo teto, excluindo determinadas causas e mencionando como figurantes passivos os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas, vinculadas a essas pessoas jurídicas de direito público. 16. Natureza dos juizados especiais
O juizado especial é um órgão judiciário. Conforme o caso, esse órgão será da Justiça Comum e da Justiça Federal. Ele organizar-se-á em dois graus de jurisdição relativamente estanques, ocupados por juízes de carreira. Os únicos controles externos avultam no controle difuso de constitucionalidade, através do cabimento do recurso extraordinário para o STF, e na uniformização de jurisprudência perante o STJ. Os juizados especiais harmonizam uma técnica de autocomposição, que é a conciliação, e o sucedâneo da heterocomposição estatal. Na conciliação, as próprias partes dão cabo da solução do conflito, intervindo o terceiro – hoje, o juiz leigo – para aproximar as respectivas posições. Frequentemente, o papel do terceiro toma vulto e, além de aproximar as partes, formula propostas concretas e específicas para resolver a lide, assumindo a forma da mediação. A conciliação e a mediação são modalidades de autocomposição.49 A ênfase inicial na conciliação, como princípio diretivo da atividade processual, situa os juizados especiais como meio alternativo de heterocomposição. Porém, não logrando as partes resolver o conflito, a pessoa investida em função judicante no órgão estatal designado de Juizado Especial ditará, autoritariamente, a solução. 17. Espécies de juizados especiais Os juizados especiais da Justiça Comum inspiraram a instituição dos juizados especiais da Justiça Federal, disciplinados na Lei 10.259/2001, com o fito principal de absorver a massa de causas previdenciárias que se acumulavam nas varas especializadas. Em razão das partes passivas (art. 6.º, II), reflexo da própria competência da Justiça Federal comum em razão da pessoa (art. 109, I, da CF/1988), esses juizados especiais envolvem a Fazenda Pública Federal, ao menos no sentido largo do termo. Assim, a restrição à participação da Fazenda Pública nos juizados especiais da Justiça Comum (art. 3.º, § 2.º, da Lei 9.099/1995) tornou-se, progressivamente, um entrave à expansão do acesso à Justiça. A Lei 12.153/2009 possibilitou, então, a criação dos juizados especiais da Fazenda Pública pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estadosmembros, “para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência” (art. 1.º da Lei 12.153/2009). Figuram como participantes passivos desses juizados, na órbita da Justiça Comum, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas, vinculadas a essas pessoas jurídicas de direito público. Existe flagrante superposição de regras. Os juizados especiais da Justiça Federal são juizados da Fazenda Pública. O objetivo da Lei 12.153/2009 consistiu em ampliar para outras pessoas jurídicas a experiência promissora, permitindo que sejam demandadas, através de procedimento eficaz, a Administração direta e indireta dos Estados-membros, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Por esse motivo, ao definir o que designou de “Sistema dos Juizados Especiais”, apontou como órgãos integrantes, nos
Estados e no Distrito Federal (esquecendo os Territórios), os Juizados Especiais Cíveis, os Juizados Especiais Criminais, e os Juizados Especiais da Fazenda Pública (art. 1.º, parágrafo único, da Lei 12.153/2009). Ora, o juizado especial federal é, por definição, um juizado “da Fazenda Pública”, considerando os réus. Por conseguinte, ou considera-se a Lei 10.259/2001 revogada, na área civil, por incompatibilidade com a superveniente Lei 12.153/2009, salvo nas suas omissões – por exemplo, não há disposição específica na Lei 12.153/2009, quanto à execução das condenações em prestações faciendi ou para entrega de coisa, motivo por que incide o art. 16 da Lei 10.259/2001 –, ou a Lei 12.153/2009 tão só disciplina os juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Comum. Não há solução plenamente satisfatória, convindo examinar, a despeito da inevitável sobreposição, os dois diplomas. O conjunto normativo sugere duas espécies de juizados especiais, independentemente da competência de Jurisdição (Justiça Comum e Justiça Federal), na esfera civil: (a) juizados especiais ordinários (Lei 9.099/1995); (b) juizados especiais da Fazenda Pública (Lei 10.259/2001 e Lei 12.153/2009). 18. Objeto dos juizados especiais Os juizados especiais têm competência material para processar, conciliar, julgar e executar determinadas causas. Essa matéria representa um dos elementos que compõem a “regra de acesso” das partes (infra, 19) aos juizados especiais ordinários e aos juizados especiais da Fazenda Pública. A competência dos juizados especiais comuns e da Fazenda Pública, em razão da matéria, envolve tanto a função de cognição, quando a de execução. A “regra de acesso” ao sistema dos juizados especiais abrange, igualmente, a competência em razão do valor. Tal assunto receberá exame no capítulo da competência. 18.1 Objeto dos juizados especiais ordinários – Ressalva feita às causas que, em razão do (pequeno) valor, inserem-se na competência dos juizados especiais, figurando como litigantes as partes que aí admitem (infra, 12), o art. 3.º da Lei 9.099/1995 insere na competência desses juizados, de regra independentemente do valor, as seguintes causas: (a) as pretensões enumeradas no art. 275, II, do CPC de 1973, ordinariamente jungidas ao procedimento sumário (inciso II); (b) a pretensão à retomada de imóvel objeto de locação urbana residencial ou comercial para uso próprio (inciso III); e (c) as pretensões possessórias relativas a bens imóveis, todavia limitadas ao valor do art. 3.º, I, da Lei 9.099/1995, ou seja, a quarenta salários mínimos (inciso IV). Trata-se de opção do autor pelo rito simplificado.50Essa questão suscitou dúvida, havendo vozes postulando a obrigatoriedade do rito especial.51 A eliminação do procedimento sumário, e, portanto, ao catálogo do art. 275, II, do CPC de 1973, pôs na ordem do dia a subsistência do art. 3.º, I, da Lei 9.099/1995. O art. 1.063 do NCPC manteve essa competência material até o advento de lei específica. Dos órgãos do Juizado Especial aguarda-se a preservação da própria competência, e, não, a abdicação dessa competência visando à diminuição da carga de trabalho própria.
O art. 3.º, § 2.º, da Lei 9.099/1995 exclui do âmbito dos juizados especiais determinadas causas. A disposição conjuga-se ao art. 2.º da Lei 12.153/2009, que também afasta do sistema dos juizados causas de interesse da Fazenda Pública. Fora daí, não comportam os juizados especiais pretensões de natureza alimentar, falimentar ou fiscal, e as relativas a resíduos (v.g., levantamento de quantias em razão de morte) e ao estado (v.g., investigação de paternidade) ou capacidade das pessoas (v.g., interdição). O traço comum é a indisponibilidade do objeto litigioso, que torna impossível, senão inviável a conciliação.52 18.2. Objeto dos juizados especiais da Fazenda Pública – A Lei 12.153/2009 adotou um critério positivo, em razão do valor, limitado por critério negativo, em razão da matéria. A combinação desses critérios, acrescida da competência em razão da pessoa (art. 5.º, I), representa autêntica “regra de acesso” ao juizado especial da Fazenda Pública. Mas, há um importante acréscimo, relativamente aos juizados especiais ordinários: o caráter “absoluto” da competência. Existindo na comarca ou na seção judiciária vara instalada do juizado especial, reza o art. 2.º, § 4.º, da Lei 12.153/2009, a competência é absoluta. A regra recebeu doestos por sua escassa técnica legislativa,53 mas preencheu a finalidade. Passa-se ao exame, deixando a competência em razão do valor para o capítulo próprio (infra, 400), das pretensões excluídas do âmbito dos juizados especiais da Fazenda Pública. 18.2.1. Pretensões excluídas dos juizados especiais da Fazenda Pública da Justiça Comum – O art. 2.º, § 1.º, I a III, da Lei 12.153/2009 pré-exclui determinadas causas da órbita dos juizados especiais da Fazenda Pública. Não importa que o respectivo valor atenda à competência do art. 2.º, caput. A matéria definida na petição inicial elimina a competência do juizado especial. A consequência é a extinção do processo (infra, 491). Não se localiza denominador comum nessas exceções. A regra utiliza bases variáveis e pouco uniformes na ojeriza ao juizado especial. O inciso I do § 1.º do art. 2.º da Lei 12.153/2009, por exemplo, flagrantemente afasta procedimentos que, em virtude da ordem serial dos atos processuais, não se acomodariam ao procedimento comum dos juizados especiais, derivado da aplicação subsidiária da Lei 9.099/1995. Ficam excluídas, portanto, as seguintes causas, todas jungidas a procedimento autônomo: (a) a pretensão fundada em direito líquido e certo e amparada por mandado de segurança (Lei 12.016/2009); (b) a pretensão à demarcação e à divisão, porque um dos vizinhos ou um dos condôminos pode ser uma das pessoas mencionadas no art. 5.º, II, da Lei 12.153/2009 (v.g., o Estadomembro); (c) a pretensão à desconstituição dos negócios jurídicos ilegais e lesivos deduzida em ação popular (Lei 4.717/1965); (d) a ação civil pública por improbidade administrativa; (e) execuções fiscais (Lei 6.830/1980); e (f) a ação civil pública fundada em direitos ou interesses difusos ou coletivos. Na comparação com o art. 3.º, § 1.º, I, in fine, da Lei 10.259/2001, avulta a omissão no catálogo da restrição aos interesses individuais homogêneos. É correta a possibilidade de veicular pretensão dessa natureza nos juizados especiais da Fazenda Pública.54 E, com efeito, nessa hipótese há tutela
coletiva de direitos, e, não, tutela de direitos coletivos (difusos ou não). Nada impede, portanto, que duas ou mais pessoas, atingidas por idêntico ilícito, promovido por uma das pessoas do art. 5.º, II, da Lei 12.153/2009, demandem em conjunto nos juizados especiais da Fazenda Pública, favorecidos pela limitação do valor da causa por cabeça, e, não, por processo. A menção às “execuções fiscais” não se encontra formulada tecnicamente. O dispositivo não apanha a pretensão à realização de créditos, disciplinada na Lei 6.830/1980, pois a Fazenda Pública não pode figurar como autor, mas as pretensões do devedor contra os créditos passíveis de inscrição e exequíveis com base na certidão de dívida ativa (art. 784, IX, do NCPC), exemplificativamente arroladas no art. 38 da Lei 6.830/1980 (v.g., ação anulatória). O art. 2.º, § 1.º, II, da Lei 12.153/2009 pré-exclui as causas relativas a imóveis dos Estados-membros, do Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles veiculadas. A regra abrange as pretensões reais (v.g., a reivindicatória; a negatória de servidão, e assim por diante) e as possessórias, posto que não fundadas no domínio. O (discutível) fundamento da exclusão reside na virtual complexidade dessas causas.55 Não alcança a restrição, todavia, os bens imóveis das empresas públicas (v.g., Caixa Econômica Federal), haja vista a necessária interpretação restritiva da regra, abstendo-se de mencionar empresa pública. Finalmente, o art. 2.º, § 1.º, III, da Lei 12.153/2009 retira competência dos juizados especiais da Fazenda Pública o controle judiciário das sanções disciplinares impostas a servidores militares, de qualquer natureza, e a sanção disciplinar da demissão (desligamento do serviço público) imposta aos servidores civis. Em consequência, as sanções de menor gravidade (v.g., a advertência, a suspensão, a disponibilidade), que não desfazem o vínculo do servidor civil com a Administração, podem ser controvertidas nos juizados especiais. 18.2.2. Pretensões excluídas dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal – Em relação ao critério negativo de competência dos Juizados Federais da Fazenda Pública, em razão da matéria, há diferenças frisantes com o art. 2.º, § 1.º, da Lei 12.153/2009. O art. 3.º, § 1.º, I, da Lei 10.259/2001 é bem mais abrangente que o congênere na lei posterior. Uma das razões consiste na competência em razão da matéria da Justiça Federal. Por isso, além das matérias já mencionadas (retro, 18.1), excluem-se da competência dos juizados especiais da Fazenda Pública Federal: (a) as causas referidas no art. 109, II (causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País), III (causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional) e XI (disputa sobre direitos indígenas), da CF/1988, examinadas no capítulo dedicado à competência; (b) desapropriação, regulada em procedimento especial (Dec.lei 3.365/1941); e (c) causas relativas a interesses individuais homogêneos. Litígios sobre imóveis de propriedade das empresas públicas são admissíveis nesses juizados: o art. 3.º, § 1.º, II, da Lei 10.259/2001 omitiu
referência a tais pessoas jurídicas e a restrição deve ser interpretada estritamente. O art. 3.º, § 1.º, III, pré-exclui a pretensão à invalidação de ato administrativo, originário de autoridade federal, salvo o previdenciário e o lançamento fiscal. As pretensões arroladas no art. 38 da Lei 6.830/1980 mostram-se admissíveis nos juizados especiais da Fazenda Pública Federal. E as causas que envolvam sanções disciplinares impostas a servidores militares e a sanção de demissão ao servidor civil são excluídas (art. 3.º, § 1.º, IV, da Lei 10.259/2001). 19. Partes no juizado especial O juizado especial exibe competência estrita e delimitada em razão da pessoa. Não é toda pessoa natural ou jurídica que pode figurar como parte. 19.1 Partes no juizado especial ordinário da Justiça Comum – A Lei 9.099/1995 adotou duas modalidades de exclusão de pessoas nos juizados especiais ordinários: (a) absoluta; e (b) relativa. Em caráter absoluto, não podem figurar como parte ativa e passiva em litígios perante o juizado especial as seguintes pessoas (art. 8.º, caput, da Lei 9.099/1995): (a) o incapaz; (b) o preso; (c) as pessoas jurídicas de direito público e as empresas públicas da União (ressalva feita aos juizados especiais da Justiça Federal e os juizados especiais da Fazenda Pública); (d) a massa falida; (e) o insolvente civil. Em consequência, figurando tais pessoas, originária e supervenientemente, extinguir-se-á a demanda perante o juizado especial. A exclusão relativa impede que determinadas pessoas figurem como rés, mas permite-lhe a participação na posição ativa, nos termos do art. 8.º, § 1.º, da Lei 9.099/1995, a saber: (a) as pessoas naturais capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas; (b) as microempresas (e empresas de pequeno porte), conforme a definição da Lei 9.841/1999, hoje revogada e substituída pela LC 123/2006; (c) as pessoas jurídicas qualificadas como organização da sociedade civil de interesse público, nos termos da Lei 9.790/1999; (d) as sociedades de crédito ao microempresário, conforme o art. 1.º da Lei 10.194/2001. As pessoas jurídicas deverão fazer prova do seu enquadramento nos incisos do art. 8.º, § 1.º, I a IV, cabendo a extinção do processo na hipótese de falta dessa prova. É controvertida a possibilidade de o Ministério Público agir como autor, possibilidade, todavia, admitida em doutrina.56 19.2. Partes no juizado especial da Fazenda Pública da Justiça Comum – O art. 5.º, I, da Lei 12.153/2009 permite o ingresso nos juizados especiais das pessoas naturais. Incide, a esse respeito, o art. 8.º, caput, da Lei 9.099/1995, excluindo os incapazes e os que não dispõem de seus bens (v.g., o insolvente). E, quanto às pessoas jurídicas, limita o ingresso às microempresas e empresas de pequeno porte, conforme a definição da LC 123/2006.
Embora a indispensável interpretação restritiva, segundo a vocação dos juizados especiais (v.g., não podem postular, ativamente, as pessoas jurídicas de direito privado), incluem-se no polo ativo as pessoas jurídicas qualificadas como organização da sociedade civil de interesse público (Lei 9.790/1999), bem como as sociedades de crédito ao microempresário (Lei 10.194/2001), mencionadas no art. 8.º, II e III, da Lei 9.099/1995. Casos controversos se tornam objeto de enunciados, que funcionam como sucedâneo da súmula de jurisprudência dominante promulgada pelos tribunais, tendendo a apaziguá-los. Assim, admite-se o condomínio residencial como autor. Concebe-se que esse ente despersonalizado controverta, por exemplo, o imposto predial perante o Município nos juizados especiais. O espólio também pode ser admitido na medida em que os participantes da sucessão aberta com a morte sejam, por igual, admitidos (pessoas naturais capazes). E o art. 5.º, II, da Lei 12.153/2009, passivamente, aponta como réus os Estadosmembros, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, que compõem a chamada Administração Direta, e as pessoas jurídicas resultantes da descentralização administrativa, a saber: autarquias, fundações de direito público, ou fundações de direito privado mantidas pelo Poder Público, e empresas públicas (Administração Indireta). Não há alusão às sociedades de economia mista, cujo regime é privado. Ficam alheias, portanto, aos juizados especiais da Fazenda Pública. As sociedades de economia mista são demandadas, respeitada a chamada “regra de acesso” (competência em razão da matéria e do valor) no juizado especial ordinário. 19.3. Partes no juizado especial da Fazenda Pública da Justiça Federal – Nos juizados especiais da Fazenda Pública Federal, podem figurar como autores as pessoas naturais (art. 6.º, I, da Lei 10.259/2001), com as restrições do art. 8.º, caput, da Lei 9.099/1995. Em relação às pessoas jurídicas, há que se interpretar a remissão do art. 6.º, I, à LC 123/2006, com a amplitude referida anteriormente (retro, 19.1). E, passivamente, podem figurar como rés a União, as suas autarquias, fundações (independentemente da personalidade jurídica) e empresas públicas. Ficam alheias as sociedades de economia mista (v.g., o Banco do Brasil), que podem ser demandados nos juizados especiais da Justiça Comum, porque alheias à competência da Justiça Federal em razão da pessoa (infra, 388.3). 20. Procedimento nos juizados especiais Os procedimentos refletem as funções instrumentais do processo civil (retro, 2) e a estrutura e a função da ação originária do direito material, veiculada através do processo, porque vetada a autotutela. É especial o procedimento que, acomodando-se às pretensões de direito material, divorciase do gabarito geral. O procedimento comum contempla as pretensões atípicas, dividido em três etapas clássicas (proposição, instrução e decisão), o que não impediu que se modernizasse com os casos de tutela provisória (cautelar e antecipada).
Em razão da técnica processual diferenciada, o procedimento previsto na Lei 9.099/1995, interpretado conjuntamente com as disposições específicas da Lei 10.259/2001 e da Lei 12.153/2009, tem natureza especial. O direito posto em causa não assume qualquer relevo nessa definição. O procedimento nos juizados especiais caracteriza-se pela oralidade em grau máximo (infra, 104.1) – ou procedimento por audiências – e pela influência dos princípios diretores – simplicidade, informalidade, economia e celeridade objetivando, “sempre que possível, a conciliação ou a transação” (art. 2.º da Lei 9.099/1995). Estruturalmente, há três fases, mas preocupou-se o legislador com a forma dos atos processuais, reduzida drasticamente Por exemplo, a citação postal da pessoa jurídica ou da firma individual far-se-á mediante entrega da carta ao encarregado da recepção, obrigatoriamente identificado, a teor do art. 18, II, da Lei 9.099/1995, fórmula posteriormente copiada no art. 248, § 2.º, in fine, do NCPC, comprometendo o direito fundamental processual à (ampla) defesa. É apenas um exemplo, mas a forma da citação, cuja existência e validade mostram-se indispensáveis ao processo constitucionalmente legítimo, demonstra a extensão e a profundidade da informalidade, eventualmente incorporada e copiada no processo comum. E, sobretudo, avulta o aumento do papel dos conciliadores. Segundo o art. 16 da Lei 12.153/2009, na audiência de conciliação o conciliador poderá ouvir partes e testemunhas, a fim de delinear o alcance dos fatos, e, na sequência, o juiz togado poderá dispensar a renovação dessa prova.57 21. Execução nos juizados especiais A competência executiva dos juizados especiais da Justiça Comum abrange os títulos extrajudiciais e os respectivos julgados (título judicial). Esse assunto receberá exame no capítulo da competência (infra, 399.5). No procedimento in executivis sobreleva-se a inexistência de liquidação do título judicial, mas o procedimento para realizar créditos (sentença condenatória), ou provimento de outra natureza (sentenças executiva e mandamental), quando exigida a atividade executiva para entregar o bem da vida ao vitorioso, não discrepa do padrão comum. O ponto alto dos juizados especiais da Fazenda Pública, ao invés, reside na competência executiva, originária da Lei 10.259/2001, e decorrente da cláusula “… e execução, nas causas de sua competência” do art. 1.º, caput, parte final, da Lei 12.153/2009. É preciso examinar-lhe os aspectos essenciais. Fica claro, desde logo, que os juizados especiais não têm competência para executar títulos extrajudiciais nos quais se obrigou a Fazenda Pública (Súmula n.º 279 do STJ). O art. 100, § 3.º, da CF/1988, introduzido pela EC 30/2000, e mesmo na redação da EC 62/2009, subtraiu a execução das dívidas de menor valor da Fazenda Pública do regime geral do precatório. A disposição se conjuga à Lei 12.153/2009 e suscita alguns problemas, inclusive limitando, em razão do valor, a competência dos juizados especiais da Fazenda Pública.
21.1 Definição de dívida de pequeno valor e limitação da competência dos juizados especiais da Fazenda Pública – O art. 100, § 3.º, da CF/1988 excluiu a dívida de pequeno valor do regime do precatório e suscitou o problema da sua definição. Essa regra constitucional remete à lei (federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) semelhante disposição. E o art. 100, § 4.º, da CF/1988 (EC 62/2009) estipula que leis próprias podem estipular valores distintos, relativamente às diversas pessoas jurídicas que integram a Administração de cada pessoa da Federação, de acordo com as respectivas capacidades econômicas, fixando como piso dessas leis o “valor do maior benefício do regime geral de previdência social”. Para as obrigações da Fazenda Pública Federal, ou melhor, das pessoas jurídicas que se legitimam, passivamente, no procedimento da Lei 10.259/2001, o valor é de sessenta salários mínimos, a teor do art. 17, § 1.º, desse diploma. Ressalva feita a regra diferente, em vigor nos respectivos Estados-membros e Municípios, o art. 87, I e II, do ADCT estipulou quarenta e trinta salários mínimos para a Fazenda Estadual, Distrital e Municipal.58 É preciso atentar para essas diferenças, evitando reduzir todas as causas a sessenta salários mínimos.59 O art. 2.º, caput, da Lei 12.153/2009, que instituiu os juizados especiais da Fazenda Pública, para processar, conciliar e julgar determinadas causas contra a Fazenda Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, estipulou como teto o valor de sessenta salários mínimos. Todavia, tratando do pagamento da obrigação pecuniária, após o trânsito em julgado do provimento judicial, o art. 13, § 2.º, do referido diploma considera que a obrigação a ser paga independentemente de precatório terá como “limite o que for estabelecido na lei do respectivo ente da Federação”, e o § 3.º do mesmo artigo repete, no caso de inexistência de lei específica, os limites do art. 87 do ADCT da CF/1988, combinados com o art. 100, § 4.º, da CF/1988, que autoriza a fixação de valores diferentes para as pessoas jurídicas que integram a Administração Indireta do Estado-membro, do Distrito Federal e do Município, estabelecendo, ademais, um piso – o “valor do maior benefício do regime geral de previdência social”. Portanto, não ocorreu modificação do valor para a execução de menor quantia. Dependerá da lei estadual, distrital ou municipal a fixação de outros valores. A execução das sentenças proferidas no juizado especial da Fazenda Pública, perante os Estados-membros, o Distrito Federal, e os Municípios, bem como as entidades que compõem a Administração Indireta (art. 5.º, II, da Lei 12.153/2009), encontra-se limitada por imposição constitucional, salvo lei oriunda dessas pessoas jurídicas, aos valores de quarenta e trinta salários mínimos (art. 13, § 3.º, I e II, da Lei 12.153/2009). 21.2. Execução incidente nos juizados especiais da Fazenda Pública – Os atos executivos ocorrem na relação processual já pendente, tão logo o pronunciamento – de regra, sentença ou acórdão; excepcionalmente, decisão interlocutória, porventura admitida a antecipação de tutela – transite em julgado. Os arts. 12 e 13, caput, da Lei 12.153/2009 exigem, convergentemente, o trânsito em julgado. Logo, não cabe execução provisória
nos juizados especiais da Fazenda Pública, nem antecipação do efeito executivo. Em relação à antecipação de tutela, impõem-se algumas considerações. É imperativo conceder às partes, no juizado especial, proteção jurisdicional tão eficiente quanto a emanada do processo comum.60 Daí a admissibilidade das medidas cautelares (art. 4.º da Lei 10.259/2001), em que há somente segurança para a execução. A execução para segurança (antecipação dos efeitos do pedido) também há de ser admissível. No entanto, além da vedação do art. 1.º da Lei 9.494/1997, que atinge, ao menos, as pretensões veiculadas por servidores públicos para obter vantagens pecuniárias,61 há que considerar a exigência do trânsito em julgado do título, claramente imposta naquelas disposições e nos arts. 16 e 17, caput, da Lei 10.259/2001. É pouco razoável conceder ao autor, por meio de pronunciamento provisório, o bem da vida que ele só alcançaria se o pronunciamento final transitasse em julgado. Embora as causas sujeitas ao juizado especial da Fazenda Pública não se submetam a reexame necessário (art. 13 da Lei 10.259/2001; art. 11 da Lei 12.153/2009), convincente argumento contra a aplicação do instituto à Fazenda Pública,62a declaração de constitucionalidade do art. 1.º da Lei 9.494/1997 pelo STF,63 dotada de efeito vinculante, induziu proibição genérica às decisões concessivas.64 Neste assunto, portanto, ao juiz tocará ponderar os valores constitucionais envolvidos no caso concreto, sacrificando o princípio da legalidade, se for o caso, em prol de outro princípio, a exemplo da dignidade da pessoa humana, dotado de força vinculante e imperativa,65 que pode ser afetado, por exemplo, em razão de tardança no recebimento do benefício previdenciário (causa ressalvada pelo art. 3.º, § 1.º, III, in fine, da Lei 10.259/2001). É desnecessária a instauração de nova relação processual. Por esse motivo, ao contrário do que exige o art. 52, IV, da Lei 9.099/1995, revela-se desnecessária a “solicitação do interessado”. A execução processar-se-á ex officio, ordenando o órgão judiciário, após o trânsito em julgado, a elaboração da planilha para apurar o valor do crédito. Eventual iniciativa do vitorioso assumirá papel subsidiário à atuação oficial. Os pronunciamentos originados dos juizados especiais da Fazenda Pública não se limitam a impor prestações pecuniárias ao legitimado passivo, embora seja a hipótese mais comum. A massa dos litígios envolve prestações previdenciárias de trato sucessivo, cabendo cogitar da inserção do benefício na folha de pagamento do vencido. Também nesse caso, como resulta do art. 13 da Lei 12.153/2009, a técnica executiva cingir-se à emissão de ordem por meio de ofício. É marcante a diferença dessa disciplina e as técnicas executivas empregadas nos juizados comuns ordinários. Em geral, a atividade executiva visará, nessas prestações, ao próprio bem devido, exigindo técnicas de subrogação perante os particulares. E o manejo da via sub-rogatória apresenta dificuldades práticas importantes. Condenado alguém a pagar prestação pecuniária, nem sempre há dinheiro no seu patrimônio; existindo outros bens, urge localizá-los, individualizá-los (as restrições à responsabilidade patrimonial, ou impenhorabilidade, aplicam-se ao processo no juizado cível comum sem exceções), e aliená-los, operações complexas, insuscetíveis à simples retórica da doutrina, via de regra exigindo controle em outra relação
processual. Desse modo, a afirmação que, no juizado especial comum, toda condenação convola-se em “execução lato sensu”,66 mostrar-se-ia possível, talvez, apenas no aspecto estrutural, prescindindo a atividade executiva de nova relação processual, jamais do ponto de vista material. Desconhecendo o direito pátrio a coerção pessoal (Contempt of Court) pelo descumprimento das ordens judiciais, de um lado, e revelando-se o executado desprovido de patrimônio indiferente a sanções pecuniárias (astreinte), de outro, as técnicas de pressão psicológica não substituem, salvo no imaginário dos operadores, as operações sub-rogatórias. A análise das forças da sentença reassume o papel de tópico fundamental. A ação não nasce executiva porque a lei processual estabelece tratamento privilegiado para entregar o bem da vida ao vitorioso. Ela surge com tal força, em alguns casos, quando a própria sentença já individualiza o bem a ser entregue ao autor, como acontece na ação despejo ou na ação reivindicatória, simplificando, na fase subsequente de seu cumprimento forçado, os atos executivos de encontrá-la, tomá-la e entregá-la ao exequente. Em tais hipóteses, o ato executivo recairá sobre bem integrante do patrimônio do vencedor (infra, 235). Fora desses casos, porém, êxito da execução perante particulares dependerá da existência de patrimônio penhorável (art. 789 do NCPC). Pouco importa o caráter incidente, in simultaneo processu, da execução ou cumprimento. Essas dificuldades não se reproduzem na execução perante os legitimados passivos no juizado especial da Fazenda Pública. Todos dispõem de recursos para cumprir as obrigações pecuniárias. Por essa razão, os arts. 12 e 13 da Lei 12.153/2009, a exemplo dos similares arts. 16 e 17 da Lei 10.259/2001, exploram a sensibilidade do servidor e do agente públicos a ulteriores sanções penais e administrativas, jungidos que se encontram ao cumprimento das ordens judiciais pelo princípio da legalidade, e a solvência da Administração, que permite o “sequestro” das rendas públicas, no caso da prestação pecuniária (arts. 13, § 1.º, da Lei 12.153/2009, e 17, § 2.º, da Lei 10.259/2001). 21.3. Destinatário da ordem de cumprimento na execução perante os juizados especiais da Fazenda Pública – O art. 17, caput, da Lei 10.259/2001 prevê a remessa da requisição de pagamento à “autoridade citada para a causa”. Revelou o legislador sua fonte de inspiração, que é o procedimento do mandado de segurança. Na verdade, o juiz remeterá a requisição ao representante legal da União, da autarquia, da fundação ou da empresa pública que figura no processo, a teor do art. 6.º, II, da Lei 10.259/2001, e já recebeu a citação inicial da causa. Convém atentar para o art. 77, § 8.º, do NCPC: “O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar”. Responsável para esse efeito é a pessoa dotada de competência material à prática do ato. Essas disposições foram repetidas, convenientemente, no art. 13, caput, e no art. 5.º, II, da Lei 12.153/2009. Podem ser réus, e, conseguintemente, executados nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, no âmbito da Justiça Comum, “os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas”. No caso de autarquia instituída por vários Estados-membros, em qualquer deles poderá ser demandada a pessoa jurídica integrante da Administração Indireta.
Fica excluída a sociedade de economia mista, cujo regime é privado, e, por isso, deverá ser demandada no Juizado Especial Comum. E a menção a autarquias inclui, por sem dúvida, aquelas que exploram atividade privada, a exemplo da bancária. 21.4. Emissão da ordem de cumprimento na execução perante os juizados especiais da Fazenda Pública – Os arts. 17 da Lei 10.259/2001 e 13 da Lei 12.153/2009 regulam a realização do crédito pecuniário perante os vencidos. Segundo art. 17, caput, da Lei 10.259/2001, transitado em julgado o provimento, o juiz da causa requisitará o pagamento. Este se realizará no prazo de sessenta dias, contados da entrega da ordem, “na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório”. Por sua vez, o art. 13, I, da Lei 12.153/2009 determina que, transitada em julgada a decisão, o juiz requisitará o pagamento da obrigação de menor quantia, no prazo máximo de sessenta dias, à autoridade citada na causa, realizando o saque “em qualquer agência do banco depositário” (art. 13, § 6.º, da Lei 12.153/2009). Essas cláusulas remarcam a profunda diferença com o regime do art. 100 da CF/1988. Embora esses dispositivos se referirem, explicitamente, ao juiz da causa, a jurisprudência do STJ estipula que não cabe ao juiz do juizado especial requisitar o pagamento, mas ao presidente do Tribunal.67 Compõem a requisição o ofício do juiz (rectius: do presidente do Tribunal), endereçado ao representante legal da pessoa jurídica de direito público, consignando os nomes de credor e devedor, e o montante do crédito, acompanhado de certidão do trânsito em julgado e de planilha, a qual especificará o principal e os acessórios. O último elemento mostra-se imprescindível, porque nele se baseará a hipotética controvérsia, via embargos, acerca do excesso de execução. Far-se-á o pagamento, conforme já se assinalou, no prazo de sessenta dias. O prazo é processual e na sua contagem aplica-se, entre outros, o art. 224 do NCPC. O termo inicial, segundo explicitou o art. 13, I, da Lei 12.153/2009, reside na data da entrega da requisição. Convém que haja protocolo para dirimir eventuais controvérsias. O art. 17, § 3.º, da Lei 10.259/2001 e o art. 13, § 4.º, da Lei 12.153/2009 vedam o fracionamento, a repartição e a quebra do valor da execução, subordinando todo o crédito à requisição mencionada no caput do artigo. Por exemplo, não cabe expedir duas requisições, uma quanto ao principal, outra quanto aos honorários advocatícios. Se acréscimos posteriores ao ajuizamento, a exemplo da atualização monetária, tornaram o crédito superior ao limite de sessenta salários mínimos (art. 17, § 1.º, c/c art. 3.º, caput, da Lei 10.259/2001; art. 2.º, caput e § 2.º, da Lei 12.153/2009), caberá ao exequente optar, na forma do art. 17, § 4.º, da Lei 10.259/2001 e do art. 13, § 5.º, da Lei 12.153/2009, respectivamente, pelo pagamento integral através de precatório – neste caso, a requisição de pagamento, com maiores razões, competirá ao Presidente do Tribunal
Regional ou do Tribunal de Justiça, conforme o caso – ou pelo pagamento até o valor máximo da menor quantia (sessenta, quarenta e trinta salários mínimos, relativamente à União, Estados-membros e Distrito Federal, e Municípios), renunciando “ao crédito do valor excedente”. Dependerá a renúncia de manifestação expressa do credor ou de advogado com poderes especiais (art. 105). O exequente deverá ser ouvido após a elaboração da planilha. Na hipótese de expedição de precatório, impõe-se classificar o crédito, pois os de natureza alimentar, na definição do art. 100, § 1.º, da CF/1988, gozam de preferência. Por outro lado, infere-se da parte final do § 3.º do art. 17 da Lei 10.259/2001 e do § 4.º do art. 13 da Lei 12.153/2009 que o pagamento se realizará de uma só vez, porque vedada a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago. Entende-se que a disposição se aplica à requisição de menor valor. Depositando o executado somente parte do crédito, de imediato enseja-se o “sequestro” (art. 13, § 1.º, da Lei 12.153/2009), dispensada a audiência da Fazenda Pública; ao invés, depositado o valor integral, o juiz mandará expedir mandado de levantamento e, ao recebê-lo, o credor dará quitação nos autos (art. 906, caput, do NCPC), não se realizando transferência eletrônica (art. 906, parágrafo único). Em seguida, o juiz extinguirá a execução (art. 924, II, do NCPC). São análogas as disposições do art. 128 da Lei 8.213/1991, consoante a redação da Lei 10.099/2000. A Lei 12.153/2009 erigiu disposições restritivas ao mandado de levantamento. Segundo o art. 13, § 6.º, desse diploma, compete à parte levantar, pessoalmente, o valor depositado, independentemente de alvará. Por conseguinte, basta o vitorioso apresentar-se no banco depositário, identificando-se por um dos meios legais. A regra suscitará algumas dificuldades. Figure-se a hipótese de o depósito revelar-se insuficiente. O levantamento importará quitação tão só do valor do depósito efetivamente recebido. Revelando indisfarçável desconfiança com os profissionais da advocacia, o art. 13, § 7.º, da Lei 12.153/2009 exige que o procurador apresente procuração específica, com firma reconhecida, da qual conste o valor originalmente depositado e sua procedência, para que se realize o levantamento da importância. Não há dúvida que a regra provocará controvérsias acerca da sua constitucionalidade. E, mesmo que o STF se pronuncie, erradicando a norma no todo ou em parte, ou emprestando-lhe interpretação conforme à Constituição (v.g., entendendo que o “procurador” não é o advogado do feito, mas outra pessoa, à qual se aplicariam as exigências), o mal está feito. As empresas de banco cercar-se-ão dessas cautelas, provocando litígios paralelos, perfeitamente dispensáveis. É mais lacônica a disciplina da execução das prestações diferentes de dinheiro (art. 16 da Lei 10.259/2001; art. 12 da Lei 12.153/2009). Fica
subentendido que, a par da sensibilidade natural do destinatário da ordem ao princípio da legalidade, o juiz poderá impor-lhe sanções pecuniárias, especialmente a do art. 77, § 2.º, do NCPC, estimulando o cumprimento. 21.5. Descumprimento da ordem de cumprimento de obrigação pecuniária na execução perante os juizados especiais da Fazenda Pública – Segundo dispõem o art. 17, § 2.º, da Lei 10.259/2001 e o art. 13, § 1.º, da Lei 12.153/2009, desatendendo o executado à requisição de pagamento, ou seja, deixando de pagar, no todo ou em parte, no prazo de sessenta dias, o juiz (rectius: o presidente do Tribunal) “determinará o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão”. A última disposição legal acrescentou, de forma inútil, o advérbio “imediatamente”. É desnecessária a prévia audiência do réu (art. 13, § 1.º, in fine, da Lei 12.153/2009). Essa medida não ostenta natureza cautelar, mas executiva. Neste passo, a terminologia não é das mais felizes, justificando-se apenas na circunstância de reproduzir o texto constitucional (art. 100, § 6.º, da CF/1988). Trata-se de ato de constrição patrimonial equivalente à penhora. Depositado o dinheiro “sequestrado”, na modalidade prevista no art. 17, caput, da Lei 10.259/2001 e do art. 13, caput, da Lei 12.153/2009, o juiz ordenará a expedição de mandado de levantamento, a favor do credor, ou comunicará a parte para os efeitos do art. 13, § 6.º, da Lei 12.153/2009, evidenciando o caráter do ato, que transfere, coativamente, o objeto da prestação para o patrimônio do exequente. O “sequestro” prescindirá da iniciativa do credor – exigida, porém, no art. 100, § 6.º, da CF/1988 –, e, como acontece com a própria execução, o presidente do Tribunal o ordenará ex officio. Atingirá o dinheiro de propriedade do executado. Inicialmente, mostra-se necessário localizá-lo, para tal arte cabendo ao juiz requisitar as informações pertinentes à “autoridade supervisora do sistema financeiro nacional” (art. 854, caput, do NCPC). A impenhorabilidade dos bens públicos não constitui dogma absoluto, infenso a exceções, “na forma que a lei determinar” (art. 100, in fine, do CC). Encarregou-se a própria Constituição de estipular a exceção.68Evidentemente, revela-se inadmissível sequestrar o dinheiro depositado para o pagamento de outras requisições. Efetivará o “sequestro” o oficial de justiça, não sendo possível a prática eletrônica do ato. O ato consiste na transferência do dinheiro da conta corrente do executado para conta especial “na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil” (art. 17, caput, da Lei 10.259/2001) ou do banco depositário (art. 13, § 6.º, da Lei 12.153/2009). Feito o “sequestro” e recebido o crédito pelo exequente, extinguir-se-á a execução (art. 924, II, do NCPC). § 6.º Juízo Arbitral 22. Origens da arbitragem A arbitragem encontra-se disciplinada na Lei 9.307/1996. É preciso examinar os traços essenciais desse instituto.
Não há dúvida possível quanto à constitucionalidade do mecanismo.69 O STF proclamou a constitucionalidade dos dispositivos mais sensíveis.70 Talvez alguns dispositivos, a exemplo do art. 14, § 2.º, da Lei 9.307/1996, que autoriza ao próprio árbitro julgar a alegação das partes quanto à respectiva suspeição, sem ulterior controle, reclamem regime diverso e mais consentâneo com a realidade.71 Esses aspectos isolados não comprometem o conjunto da lei. Tampouco se pode pré-excluir a utilidade, posto que residual, desse mecanismo. Na visão tradicional, o juízo arbitral é “primitivo, regressivo mesmo, a que pretendem volver por atração psíquica a momentos préestatais, os anarquistas de esquerda e os de alto capitalismo”.72 O art. 3.º, § 1.º, do NCPC, proclama admissível a arbitragem “na forma da lei”. Ela pode envolver a administração pública direta e indireta em matéria de direitos disponíveis (art. 1.º, § 1.º, da Lei 9.307/1996, na redação da Lei 13.129, de 26.05.2015). Em tal hipótese, o órgão competente para firmar a convenção de arbitragem será o competente para realizar transação e acordo (art. 1.º, § 2.º, da Lei 9.307/1996). É importante o registro de a arbitragem remontar, no direito brasileiro, às Ordenações Filipinas (Livro 2, Título 16), sob a rubrica “Dos Juízes Árbitros”. Suas origens são ainda mais antigas.73 Segundo a CI/1824 (art. 160, segunda parte), as sentenças proferidas pelos Juízes Árbitros poderiam ser exequíveis, sem recurso ao juiz, se assim convencionado pelos litigantes. O art. 294 da Lei 556, de 25.07.1850, tornou obrigatória a arbitragem nos litígios entre os sócios de companhia ou sociedade, incluindo a respectiva dissolução, posteriormente abolida.74 Os códigos de processo dos Estados-membros, no período inaugurado pela CF/1891, conferiram tratamento diversificado à arbitragem. O CC de 1916 ocupou-se do compromisso arbitral, nada dispondo a respeito da cláusula compromissória, nos arts. 1.037 a 1.048. E, por fim, os arts. 1.031 a 1.046 do CPC de 1939 e os arts. 1.072 a 1.102 do CPC de 1973 versaram o assunto, chamando à decisão arbitral de laudo e submetendo-o ao crivo judicial para adquirir eficácia.75 À vista dessa conspícua tradição, dificilmente se compreenderá a escassa aplicação do instituto na prática. Vale recordar que as principais questões de fronteira entre o Brasil e outros países, no final do século XIX e no início do século XX, resolveram-se (favoravelmente) através de arbitragem.76 O sucesso internacional não repercutiu no plano interno. Levantamento parcial demonstrou que as relações entre o Poder Judiciário e arbitragem ainda não lograram plena harmonia.77 23. Natureza da arbitragem A arbitragem é um mecanismo de heterocomposição (retro, 1). A solução da lide advém de resolução imposta por um terceiro.78 Tanto basta para situála nessa categoria. E, indubitavelmente, assume diversas características da atividade jurisdicional do Estado, razão por que a opinião largamente prevalecente confere-lhe natureza idêntica.79 Apesar do prévio consenso das partes, escolhendo a arbitragem para resolver o respectivo conflito, a resolução é tão autoritária quanto a sentença estatal. Existem diferenças frisantes, entretanto, entre a arbitragem da jurisdição estatal. Na arbitragem, os próprios litigantes, no âmbito da autonomia privada, obtêm um acordo básico em confiar a resolução parcial ao(s) terceiro(s), ou
árbitro(s), escolhendo o caminho da arbitragem, e os próprios litigantes investem esse terceiro de sua livre escolha na competência de resolver o conflito.80 Tem a arbitragem, basicamente, origem contratual.81 Essa natureza há de ser compreendida segundo a moderna teoria contratual.82 A heterocomposição estatal, uma vez provocada por um dos litigantes, convoca o(s) outro(s), impondo-lhe o ônus de se defender e subordinando-o à solução do conflito, queira ou não, e estipula, genericamente, os órgãos que se encarregarão do processo, mediante regras prévias. Em tese, mostra-se possível combinar as duas modalidades; por exemplo, prevendo, na conciliação prévia em juízo, a proposição do órgão judiciário às partes de instituir arbitragem.83 É um meio para satisfazer segmentos insatisfeitos com a demora na atividade jurisdicional.84 O princípio do juiz natural é intrínseco à jurisdição estatal. Não é compatível, ao invés, com a arbitragem, na qual as partes escolhem, livremente, a quem atribuir uma solução autoritária do conflito. Comparativamente à jurisdição, o traço mais característico e vantajoso da arbitragem consiste na disponibilidade do terceiro. O tribunal arbitral constituise mediante prévio compromisso dos árbitros de dispor de tempo e empenho na solução da lide. Ao contrário, o órgão jurisdicional encara o processo como fardo intolerável, mais um litígio dentre tantos, dispensando-lhe, senão olímpica indiferença às aspirações das partes, atenção neutra e equivalente à de qualquer outro dos milhares ou dezenas de milhares em tramitação no seu ofício. Essa diferença psicológica é marcante e faz a arbitragem sobrepujar a atividade jurisdicional. 24. Espécies de arbitragem Costuma-se distinguir várias espécies de arbitragem. A autonomia privada dos litigantes legitima fórmulas diferentes. 24.1. Arbitragem individual (ad hoc) e arbitragem institucional – Na arbitragem individual, ou ad hoc, os litigantes estabelecem, caso a caso, essa via para solucionar o conflito. O lugar da arbitragem, as regras de julgamento, o tempo de duração, o(s) árbitro(s), e demais aspectos relevantes e pertinentes, ficam submetidos à convenção dos interessados, ou, subsidiariamente, às disposições legais. As partes se valem, na arbitragem institucional, do tribunal previamente instituído,85 aderindo ao respectivo regulamento, no todo ou em parte (v.g, câmara de arbitragem das federações comerciais). A Lei 9.307/1996 menciona, incidentalmente, a arbitragem institucional (v.g., “órgão arbitral institucional”, no art. 13, § 3.º). 24.2. Arbitragem livre e arbitragem obrigatória – É facultativa a arbitragem em que os litigantes são livres para escolherem essa via, conforme os respectivos interesses e o assunto a ser resolvido. Em determinados assuntos, porém, ficam constrangidos à via arbitral, como já ocorreu para os litígios entre sócios de empresas, caracterizando a arbitragem obrigatória. Não há, atualmente, arbitragem obrigatória entre nós, e, de resto, a imposição dessa via ofenderia o art. 5.º, XXXV, da CF/1988.86
24.3. Arbitragem segundo o direito e arbitragem segundo a equidade – O art. 2.º, caput, da Lei 9.307/1996 autoriza os litigantes estipularem que a arbitragem se realize conforme o direito ou conforme a equidade. Na arbitragem conforme o direito, mostra-se lícito indicarem as regras de direito porventura aplicáveis, desde que não haja ofensa à ordem pública e aos bons costumes (art. 2.º, § 1.º, da Lei 9.307/1996), inclusive os princípios gerais de direito, os usos e costumes, e as regras internacionais de comércio (art. 2.º, § 2.º, da Lei 9.307/1996). E, envolvendo a administração pública direta ou indireta, a arbitragem observará o princípio da publicidade (art. 2.º, § 3.º, da Lei 9.307/1996). Na arbitragem segundo a equidade, os litigantes se obrigam a acatar juízo dessa natureza do(s) árbitro(s), em tudo similar ao julgamento dessa natureza proferido pelo órgão judiciário (infra, 947). A decisão por equidade há de ser motivada como qualquer outra.87 O assunto comporta uma segunda distinção. Além da arbitragem livre in iudicando, em que as partes aceitam a equidade, mostra-se concebível a arbitragem livre in procedendo, na qual as partes estipulam o rito a seguir pelos árbitros,88 respeitados somente os princípios obrigatórios. Essa espécie de arbitragem suscita o problema do respeito às normas de ordem pública, particularmente agudo na arbitragem internacional, em que concorrem ordens públicas de origem heterogênea – a do lugar da arbitragem, a do direito porventura aplicável, de meritis, e assim por diante. Partindo da premissa que ao árbitro cumpre zelar pela efetividade da sentença, interessa a ordem pública do lugar da execução.89 24.4. Arbitragem nacional e arbitragem internacional – O caráter nacional ou internacional da arbitragem não se subordina, no direito brasileiro, ao local em que se desenvolverá a arbitragem, de livre escolha dos limitantes (art. 11, I, da Lei 9.307/1996), como no direito italiano,90 à nacionalidade das pessoas naturais ou jurídicas que figurarão como partes ou às regras jurídicas porventura aplicáveis ao julgamento. Pode acontecer de se realizar no território nacional arbitragem envolvendo pessoas de nacionalidades diferentes (v.g., empresa argentina, norte-americana e brasileira) ou pessoas de nacionalidade brasileira optarem por realizar a arbitragem fora do território nacional (v.g., no Reino Unido). É decisiva a competência do órgão judiciário que, inexistisse a convenção arbitral, julgaria o conflito, razão por que este se mostrará competente para o controle judiciário (infra, 30), sem prejuízo da competência internacional exclusiva (art. 23 do NCPC) e da cláusula de eleição de foro (art. 25 do NCPC). Por sua vez, no direito italiano, o local da arbitragem, ajustado pelas partes, predetermina a competência.91 24.5. Arbitragem facultativa e arbitragem vinculante – Em princípio, toda arbitragem é vinculante, ou seja, sujeita as partes e os sucessores aos efeitos da sentença arbitral (art. 31 da Lei 9.307/1996). Todavia, a autonomia privada comporta outras soluções. Por exemplo, os litigantes podem, minimizando os riscos de uma sentença inaceitável, estipular limites mínimo e máximo nas questões pecuniárias, e, principalmente, acordar que, relevando-se inaceitável a sentença para uma das partes, não exibirá força vinculante, servindo o laudo como elemento para negociações futuras.92
25. Objeto da arbitragem A arbitragem envolve dois âmbitos concorrentes: (a) o objetivo, respeitando à matéria passível de arbitragem; e (b) o subjetivo, indicando quem pode figurar na convenção de arbitragem, e, conseguintemente, submeter litígios a semelhante sucedâneo jurisdicional.93 Os arts. 852 do CC e 1.º da Lei 9.307/1996 estabelecem, convergentemente, que o objeto litigioso, na arbitragem, só pode versar sobre direitos patrimoniais disponíveis. Não comportam solução na via arbitral, portanto, as matérias arroladas no art. 852 do CC – questões de estado (v.g., dissolução da sociedade conjugal) e direito pessoal de família (v.g., direito de visitas ao ascendente) –, os direitos transindividuais (coletivos e difusos),94 e os interesses indisponíveis da Fazenda Pública. Fórmula sintética, já empregada no direito anterior, busca definir o objeto: são arbitráveis as controvérsias em que se admite a transação.95 Por outro lado, já se destacou na distinção entre arbitragem segundo o direito e arbitragem segundo a equidade a liberdade dos litigantes para estipular a regra de julgamento e, tratando de julgamento conforme ao direito, as regras porventura aplicáveis (art. 2.º da Lei 9.307/1996). Eventualmente, podem rejeitar a intromissão do direito estatal na solução do conflito e estipular elas próprias as normas substanciais aplicáveis (contrat sans loi ou self-regulatory contract). Seja como for, o objeto da arbitragem deve ser objetivamente previsto e determinado no compromisso.96 Fórmula mais elástica, compreensivelmente, aplica-se aos litígios futuros. 26. Partes na arbitragem Podem contratar a arbitragem, e figurar como partes no procedimento arbitral, as pessoas capazes (art. 851 do CC), relativamente aos próprios interesses. O incapaz, o falido e o insolvente civil não podem submeter seus litígios à arbitragem. As pessoas que administram interesses alheios, em juízo ou fora dele, são partes de ofício – ou Partei kraft Amtes (infra, 508.2.2);97 por exemplo, o administrador da massa falida e do condomínio, somente com autorização judicial, no caso da massa falida, ou da assembleia geral, no condomínio horizontal, podem submeter litígios à arbitragem. Também podem ser partes as pessoas jurídicas de direito público interno e externo. Em relação à administração pública direta e indireta brasileira, o órgão competente para transacionar e acordar pode, igualmente, convencionar a solução do litígio por arbitragem. Essas são as partes em tese na futura arbitragem. Por isso, cumpre aos árbitros, como em qualquer processo judicial, preliminarmente avaliar a legitimidade e o interesse de quem instituiu o juízo arbitral.98 27. Procedimento da arbitragem Em matéria de arbitragem, predomina a autonomia da vontade das partes. É lícito estipular a cláusula compromissória (art. 853 do CC) e obter a respectiva execução específica em juízo. Trata-se de negócio
jurídico,99 precisamente de contrato processual (Prozessvertrag).100 O mais comum é a cláusula compromissória, porque as partes estipulam negócios, no âmbito da autonomia privada, projetando a inexistência de conflitos. Porém, litígios preexistentes são passíveis do compromisso propriamente. Essas duas espécies formam a convenção de arbitragem (infra, 324.2). A Lei 9.307/1996 regulou a validade e a eficácia da convenção de arbitragem, a escolha e a recusa do(s) árbitro(s). A intervenção legislativa, nesses assuntos, destina-se a resolver eventuais impasses. Por exemplo, escolhendo as partes dois árbitros, mas divergindo estes quanto à designação do terceiro, que presidirá o tribunal arbitral, cabe recorrer à intervenção judicial, a teor do art. 13, § 2.º, segunda parte, da Lei 9.307/1996, senão o regulamento do órgão de arbitragem institucional (retro, 24.1) prevê mecanismos, interna corporis, de indicação (v.g., por intermédio da escolha do presidente do conselho da câmara de arbitragem). A composição do tribunal arbitral é assunto da máxima delicadeza e o ponto sensível da arbitragem. Apesar dos volteios, a inexistência de préconstituição do órgão julgador torna irrealizável o direito fundamental processual do juiz natural. A indicação dos árbitros pelas partes imprime flagrante tendência à partidarização do indicado. Recorda a infeliz experiência da indicação dos antigos louvados pelas partes, na prova pericial, e a necessidade de o juiz nomear perito desempatador (infra, 2.005). Por óbvio, o juiz profissional também se envolve socialmente e conhece partes e advogados; porém, o árbitro, escolhido no rol da câmara de arbitragem por suas afinidades com o procurador das partes, em geral relaciona-se mais intimamente, porque o vínculo de confiança se afigura essencial, e – no que verdadeiramente importa – economicamente. É preciso, portanto, elevado grau de responsabilidade, lisura e retidão de quem se propõe a atuar como árbitro, descansando a respeitabilidade do mecanismo, em última análise, na integridade dos participantes. Abstraindo as fraquezas humanas, os árbitros indicados pelas partes escolhem o presidente do tribunal arbitral, que equilibrará o funcionamento do órgão julgador e, a mais das vezes, dirige o procedimento por delegação dos seus pares. No que tange à ordem dos atos, instituída a arbitragem, impera amplíssima liberdade, sem que haja paralelo necessário com o procedimento comum do processo judicial.101 É mister observar estritamente os princípios do art. 21, § 2.º, da Lei 9.307/1996 – contraditório, igualdade das partes, imparcialidade do árbitro e livre convencimento –, e regras que estipulam a forma de certos atos, a exemplo da instrução (art. 22 da Lei 9.307/1996) e da estrutura da sentença arbitral (art. 26 da Lei 9.307/1996). Quanto a este ato capital, a respectiva estrutura não difere, em substância, da exigida na sentença judiciária.102 Instituído órgão arbitral colegiado, o art. 24, § 1.º, da Lei 9.307/1996 prescreve que a decisão será tomada por maioria de votos, facultado (não é obrigatório) ao(s) voto(s) divergentes a respectiva declaração (art. 24, § 2.º), instituindo, ademais, forma para resolver a discórdia (empate na votação); prevalecerá o voto do presidente. É presidente do órgão arbitral colegiado, na arbitragem ad hoc, o árbitro escolhido pela maioria. Segundo a redação vigente do art. 13, § 4.º, da Lei 9.307/1996, o comum acordo das partes pode “afastar a aplicação de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros,
autorizado o controle da escolha pelos órgãos competentes da instituição, sendo que, nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser observado o que dispuser o regulamento aplicável”. Não tem sentido, realmente, criar uma reserva de mercado para os árbitros profissionais, na maior parte juristas, porque há de preponderar a confiança das partes e, conforme a natureza do litígio, a sua especialização não necessariamente em matéria jurídica. Essas regras básicas evitam que, por incompatibilidade com os direitos fundamentais processuais, a sentença arbitral venha a ser anulada pelo órgão judiciário, após um longo e custoso juízo arbitral.103 28. Efeitos da arbitragem O art. 29 da Lei 9.307/1996 designa de sentença ao ato que põe fim à arbitragem, em lugar da terminologia consagrada pela tradição do direito pátrio (“laudo arbitral”). Escapara, em alguns dispositivos da versão originária da Lei 9.307/1996, a imprópria menção a “laudo”. O árbitro é um juiz de fato e de direito (art. 18 da Lei 9.307/1996).104 Portanto, o provimento é estruturalmente similar à sentença judiciária.105 Essa sentença encontra-se adstrita aos limites da controvérsia estabelecidos pelas partes na convenção de arbitragem. Resolverá, portanto, todas as questões que lhes forem submetidas, incluindo as atinentes ao procedimento, mostrando-se nula a sentença proferida fora dos limes do litígio (art. 32, IV, da Lei 9.307/1996). O vício pode ser corrigidos pela forma habitual,106 em especial a extirpação da parte viciosa (infra, 1.598), subsistindo a parte remanescente. Porém, no caso do vícioinfra petita, inexistindo correção pelo tribunal arbitral, a parte poderá ingressar em juízo para obter ordem da autoridade judiciária para o tribunal arbitral emitir sentença complementar (art. 33, § 4.º, da Lei 9.307/1996). Os requisitos formais desse ato são os comuns. Portanto, deve exibir motivação suficiente e pertinente.107 Questão deveras relevante, partindo da premissa que o árbitro aplica o direito nacional, surge na resolução das questões de direito que as partes lhe submeteram, nos limites da convenção. Importa saber se ao árbitro cabe decretar a inconstitucionalidade de determinada norma, exercendo o controle difuso de constitucionalidade. Não se hesita em dar resposta positiva à pergunta, acrescentando-lhe limitação inaudita: a parte vencida não poderia reexaminar a questão no remédio previsto no art. 33 da Lei 9.307/1996.108 Essa última conclusão se revela inaceitável, pois o remédio tem alcance mais largo do que o almejado pelos defensores da arbitragem, como se verificará em item posterior (infra, 30). Segundo o art. 31, a sentença arbitral subordinará as partes e seus sucessores (salvo na arbitragem não vinculante), ostentando os mesmos efeitos dos pronunciamentos de mérito emanados do órgão judiciário. Por conseguinte, a sentença pode exibir força declarativa, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva, conforme a natureza do objeto litigioso, e, conforme a espécie, ensejará execução forçada na via judiciária (infra, 29). O provimento arbitral equivale ao que as partes obteriam do órgão judiciário.
Em que pese opinião prevalecente, parece duvidoso revestir-se a sentença arbitral de autêntica autoridade de coisa julgada. O assunto receberá análise no tópico dedicado ao controle judiciário (infra, 30). A posição tomada a respeito do ponto tem implicações teóricas.109 Na prática, entretanto, partes e sucessores ficam vinculados ao provimento dos árbitros, cabendo ao vencido promover o controle judiciário (infra, 30). Esse controle, em tese, envolve só errores in procedendo. Logo, não se mostra admissível o vencido subtrair-se facilmente aos efeitos da sentença arbitral.110 O vencido não pode subtrair-se aos efeitos da sentença arbitral mediante provimento liminar, em verdadeiro venire contra factum proprium. Vencida a oportunidade para tal, o resultado do julgamento impõe-se perante as partes, definitivamente. Nada obsta, todavia, que o terceiro prejudicado pleiteie a anulação da sentença.111 Entre nós, com base no art. 8.º, parágrafo único, da Lei 9.307/1996, que atribuiu aos árbitros o poder de examinar a própria competência, sustenta-se a inadmissibilidade de o órgão judiciário decidir previamente sobre a validade da convenção de arbitragem.112 Não faltam orientações em contrário no direito brasileiro.113E, de resto, semelhante solução não se harmoniza com a interpretação sistemática do direito brasileiro. Figure-se a hipótese de A, ignorando a convenção de arbitragem firmada com B, por este ou aquele motivo, submeter o litígio diretamente à autoridade judiciária. Ao réu B compete, na contestação, arguir a defesa processual peremptória do art. 337, X, do NCPC. Replicando o autor A, no prazo do art. 351, que a convenção é nula, e, portanto, não o compele à arbitragem, dificilmente B persuadirá o juiz que semelhante questão não integra, ratione materiae, a sua própria competência, mas a do tribunal arbitral que nem sequer se encontra constituído (infra, 324). Fora dessa situação, estando em causa, principaliter, a validade da convenção, cogita-se da exclusividade do tribunal arbitral, nos termos preconizados pelo já mencionado art. 8.º, parágrafo único, da Lei 9.307/1966. Dependerá do elastério maior ou menor outorgado ao controle judiciário (infra, 30). É difícil, senão impossível, no ambiente do processo civil autoritário (infra, 80), convencer juízes que a jurisdição concorre com a arbitragem e nela encontra limitações. Seja como for, o art. 485, VII, segunda parte, do NCPC prevê o reconhecimento da própria competência pelo tribunal arbitral como causa de emissão da sentença terminativa. 29. Execução da sentença arbitral Segundo o art. 31 da Lei 9.307/1996, sendo condenatória a sentença arbitral, ela constituirá título executivo. Em consequência, o art. 515, VII, do NCPC contempla a sentença arbitral como título executivo judicial. A arbitragem esgota-se com a formulação da regra jurídica concreta. Essa regra pode impor à parte vencida prestação, no capítulo principal e no capítulo acessório, relativamente às despesas da arbitragem (art. 27 c/c art. 11, V, da Lei 9.307/1996), bem como a respeito de eventual dolo processual, “respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver”, e não for cumprido voluntariamente, no prazo assinado no dispositivo (art. 26, II, da Lei 9.307/1996). Em tal hipótese, inexistindo competência executiva do juízo arbitral – “Proferida a sentença arbitral”, reza o art. 29, parte inicial, da Lei 9.307/1996, “dá-se por finda a arbitragem” –, haja vista a necessidade da prática de atos executivos, que implicam o uso da força, ensejar-se-á
execução perante o órgão judiciário competente da Justiça Comum. O título poderá resultar da homologação de acordo das partes no curso do procedimento arbitral (art. 28 da Lei 9.307/1996). Não se concebe execução provisória, como em outros regimes.114 É interessante notar que, na célebre arbitragem entre a União Federal e a Organização Lage, a União protelou por vinte e cinco anos o cumprimento do então laudo, demonstrando, cabalmente, as dificuldades da função jurisdicional.115 O procedimento dessa execução se governa pelo disposto no art. 513 e seguintes do NCPC, complementado com as disposições do Livro II da Parte Especial do NCPC (art. 513, caput).116 Os provimentos originários da arbitragem nem sempre ostentam-se condenatórios. Segundo o art. 31, primeira parte, da Lei 9.307/1996, “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos” da sentença emanada do órgão judiciário. Logo, a força do provimento pode ser declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental, conforme a natureza do direito posto em causa. Exibindo a sentença arbitral força constitutiva e declarativa e, ressalva feita ao capítulo acessório da sucumbência ou do dolo processual (art. 27 da Lei 9.307/1996), não comportam execução. É que tais provimentos entregam o bem da vida almejado pelo autor, respectivamente a certeza e o estado jurídico novo, de per si. E as sentenças de força executiva (v.g., a que decretar o despejo) ou mandamental, descumpridas pelo vencido, executam-se na forma do art. 513 e ss. do NCPC.117 O árbitro não tem o poder de praticar atos executivos. Pode decretar o despejo e até expedir mandado de evacuando, intimando o vencido; porém, permanecendo o vencido no local, resta ao vitorioso acudir à autoridade judiciária, porque não se afigura lícito ao árbitro, pessoalmente ou através de algum colaborador, pôr para fora do prédio o locatário.118 É nesse sentido que se há de interpretar art. 31,in fine, da Lei 9.307/1996, segundo o qual só a “sentença” condenatória ensejará execução. Também é possível o tribunal arbitral emitir medidas de urgência, cautelares (segurança para execução) ou satisfativas (execução para segurança), a teor do art. 22-B, parágrafo único, da Lei 9.307/1996. Embora adstrito o litígio à futura arbitragem, o art. 22-A da Lei 9.307/1996 autoriza a autoridade judiciária a prover a respeito, cessando a eficácia da medida em trinta dias, contado o prazo da efetivação de medida, se a parte não requerer a instituição da arbitragem (art. 22-A, parágrafo único, da Lei 9.307/1996). Ao árbitro ou ao tribunal arbitral caberá manter, modificar ou revogar a medida de urgência (art. 22-B, caput, da Lei 9.307/1996), presumivelmente nas condições em que à própria autoridade judiciária caberia tal atribuição (infra, 1.438). A inclusão da sentença arbitral no catálogo dos títulos executivos (art. 515, VII, do NCPC) revela o inequívoco propósito de realizar uma equiparação absoluta entre a autêntica sentença, proveniente de órgão judiciário, e a “sentença” arbitral.119 Esta ambição explica, outrossim, a nomenclatura adotada e o teor do art. 31, primeira parte, da Lei 9.307/1996 há pouco transcrito (“… os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário…”).
A eficácia outorgada pelo art. 31 da Lei 9.307/1996, nos domínios do procedimento in executivis, suscita duas questões: (a) a possibilidade de executar eventual sentença arbitral ilíquida, promovendo-se, no juízo civil competente, a pretensão à liquidação prevista nos arts. 509 a 512 do NCPC; (b) o regime da oposição do executado, restrito segundo o art. 525, § 1.º, ou amplo, conforme o art. 917 do NCPC. Dependendo da autoridade que se reconheça à sentença arbitral, revestindo-a da autoridade de coisa julgada (art. 502 do NCPC), essas questões têm solução intuitiva. O vencedor poderá liquidá-lo por quaisquer das três modalidades admissíveis (cálculo, arbitramento ou artigos) e a oposição do executado, designada de “impugnação”, encontrar-se-á limitada aos motivos arrolados no art. 525, § 1.º, do NCPC. A tais motivos se acrescentará, por força do art. 33, § 3.º, da Lei 9.307/1997 – nesta parte mantida a redação pelo art. 1.061 do NCPC –, a nulidade da “sentença” arbitral, mercê das causas previstas no art. 32 da Lei 9.307/1996.120 Em relação à liquidação da sentença arbitral, o entendimento prevalecente admite a emissão de provimento ilíquido na arbitragem.121 E com boas razões: primeira, a Lei 9.307/1996 não contempla disposição específica acerca da liquidez obrigatória da sentença arbitral; segunda, mostra-se lícito às partes, no âmbito da autonomia privada, convencionaram a admissibilidade da sentença ilíquida. E, no tocante ao último ponto, até pode ocorrer o contrário, pactuando as partes a submissão de obrigação ilíquida à arbitragem ou estipulando que haja a emissão de sentença necessariamente líquida.122 30. Controle judiciário da arbitragem O controle judiciário da arbitragem sofreu profunda transformação na Lei 9.307/1996. Em lugar de o órgão judiciário homologar o laudo arbitral, examinando as características formais do ato, a sentença arbitral surte, desde logo, os seus efeitos próprios. Não se sujeita a sentença arbitral, reza o art. 18, a qualquer recurso ou ulterior homologação do órgão judiciário. Tal não impede, entretanto, pedido de esclarecimentos (ou embargos de declaração) ao próprio tribunal arbitral. Fica assegurada ao vencido, porém, a propositura da ação anulatória, pelo rito comum, e no prazo decadencial de noventa dias (art. 33, caput, e § 1.º),123 fundada nas causas (aparentemente) estritas contempladas no art. 32 da Lei 9.307/1996. Esse regime se harmoniza com a garantia do art. 5.º, XXXV, da CF/88, que assegura a via judiciária, mas não constrange ninguém a utilizá-la.124 O exame dos tópicos do art. 32 da Lei 9.307/1996 indica a possibilidade de invalidar da sentença arbitral por vícios de atividade (errores in procedendo), e, não, por vício de julgamento (error in iudicando). Somente eventual invalidação da convenção de arbitragem permitirá ao órgão judiciário julgar o conflito. Do contrário, o órgão judicante estatal fica impedido de ingressar nessa seara, amarrado aos limites objetivos e subjetivos do compromisso.125 E convém recordar que, segundo o art. 8.º, parágrafo único, da Lei 9.307/1996 apenas os próprios árbitros podem ser pronunciar sobre a validade, ou não, da convenção de arbitragem.
É preciso ter em mente, ademais, que a procedência da ação anulatória, ao contrário do que sucede na rescisória do art. 966 do NCPC, não autoriza o órgão judiciário a julgar o conflito. O juiz anula a sentença arbitral e, conforme o caso, “determinará, se for o caso, que o árbitro ou o tribunal arbitral profira na sentença arbitral” (art. 33, § 2.º, da Lei 9.307/1996). Limita-se o controle a julgamento rescindente.126 O controle judiciário da sentença arbitral não é integralmente fechado. O art. 32, VIII, permite ao vencido invocar como motivo de invalidação a ofensa aos princípios do art. 21, § 2.º, da Lei 9.307/1996 – contraditório, igualdade das partes, imparcialidade do árbitro e livre convencimento –, abrindo o sistema de controle. Parece evidente que a alegação de infração ao livre convencimento autoriza o órgão estatal, em certa medida, ingressar no âmbito do juízo de fato do árbitro, reexaminando as premissas e as conclusões, e, assim, avaliar a ocorrência de eventual error in iudicando. Por exemplo, o tribunal arbitral valorizou a prova testemunhal da ausência de pagamento, desprezando a prova documental, e, desse modo, infringiu o art. 443, I, do NCPC. Essa disposição atribui força probante predominante ao documento em detrimento da testemunha, limitando, assim, a livre apreciação. Não definida na lei própria, socorrer-se-á o tribunal arbitral da lei processual comum. É a possibilidade aventada para outro caso similar: a admissão pelo tribunal arbitral da produção de prova obtida por meios ilegais (v.g., grampo clandestino telefônico).127 Em princípio, e abstraídos os interesses do que se chama pejorativamente de “mundo da arbitragem”, equipara-se o controle judiciário da sentença arbitral ao que se submete a transação (infra, 1.640), homologada ou não, e os atos da Administração Pública (infra, 36).128 É a realidade. No entanto, existe aspecto positivo: a autêntica “espada de Dâmocles” do controle judiciário condiciona a atuação dos árbitros,129 controlando o receio de prepotência – risco latente do advogado investido transitoriamente em funções judicantes, embevecido pelo poder de decidir –, a irracionalidade e outros excessos. Aqui mais do que alhures impõe-se persuadir as partes que a sentença arbitral é justa e conforme ao direito aplicável ou, se for este o caso, equânime. A indicação da ação anulatória como meio de realizar o controle judiciário da sentença arbitral, similar à do art. 966, § 4.º, exibe outra consequência frisante. Indiretamente, a regra desautoriza o art. 31 da Lei 9.307/1996, restringindo a vocação de a sentença arbitral se revestir da autoridade da coisa julgada (art. 502 do NCPC). Os vícios do processo, uma vez transitada a resolução de mérito, convolam-se em motivos de rescisão, e contra as sentenças de mérito transitadas em julgado cabe rescisória (art. 966 do NCPC), e, não, a anulatória. E, por essa razão, os motivos de invalidação da sentença arbitral podem se alegados na impugnação do art. 525, § 1.º, reza o art. 33, § 3.º, da Lei 9.307/1996, somando-se, portanto, aos motivos expressos de oposição.130 Não se cuida de simples questão terminológica. É claro que ação anulatória do art. 33, caput, há de se fundar nas causas de pedir do art. 32 da Lei 9.307/1996, assim como a rescisória há se basear nas causas estritas do art. 966 do NCPC. Todavia, o art. 33, § 3.º, da Lei 9.307/1996 permite que os motivos de invalidação do art. 32 sejam veiculados na oposição do executado
(impugnação do art. 525, § 1.º, do NCPC). E, de resto, a previsão da ofensa aos princípios do art. 21, § 2.º, da Lei 9.307/1996 – contraditório, igualdade das partes, imparcialidade do árbitro e livre convencimento – como motivo de invalidação (art. 32, VIII), transforma em aberto o regime. A infração ao livre convencimento permite controverter a justiça (error in iudicando) da sentença arbitral. Por conseguinte, cuida-se de sentença “transparente”, destituída da indiscutibilidade da coisa julgada, suscetível a ataque direto na oposição do executado. É um caso de querela nullitatis insanabilis equiparável ao do art. 525, § 1.º, I, do NCPC. O próprio prazo do art. 33, § 1.º, da Lei 9.307/1996 é relativo. A impugnação não se sujeita senão ao prazo do art. 525, caput, do NCPC, aberto quando e se o vitorioso iniciar a execução e realizar constrição no patrimônio do vencido. Eventualmente, a impugnação da sentença arbitral, nos termos do art. 33, § 3.º, da Lei 9.307/1996 ocorrerá após o transcurso do prazo de noventa dias, contados do recebimento da notificação da sentença arbitral. O vencimento do prazo de noventa dias implica a perempção (infra, 321).131 Não é razoável a tese que, havendo escoado o prazo de noventa dias, a impugnação só poderá versar as matérias do art. 525, § 1.º, do NCPC.132 O art. 33, § 3.º, da Lei 9.307/1996, categoricamente, declara que a “decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser requerida na impugnação” ao cumprimento da sentença, e, não, que a execução poderá ser impugnada pelos motivos da oposição, nos quais não se incluem os casos de “nulidade”, exceção feita à nulidade ou falta de citação (art. 525, § 1.º, I, do NCPC). Os vícios de nulidade do processo judicial (e da respectiva sentença), como já sublinhado, tornando-se motivos de rescisão (art. 966, V), mostrandose estranhos ao campo da impugnação. Ora, a nulidade da sentença arbitral pode ser decretada na impugnação, porque não desfruta da autoridade de coisa julgada, tornando desnecessário o uso da rescisória e cabíveis, em concurso eletivo, os remédios da ação autônoma de anulação e da impugnação. Fora daí, o raciocínio incorre em petição de princípio. Então, a exata inteligência do art. 31, no contexto da Lei 9.307/1996, aparece nítida. O dispositivo apenas estabelece que, à semelhança do contrato, o laudo arbitral obriga partes e sucessores, comportando dissolução pelas vias ordinárias (art. 966, § 4.º, do NCPC).133 A sentença arbitral não produz coisa julgada típica.134Essa eficácia é imanente à jurisdição estatal e, mesmo nela, nem todos os pronunciamentos agasalham o raro atributo, motivo por que, pré-excluída a rescisória, a sentença arbitral não tem autoridade de coisa julgada.135 Por esta razão, ou porque seus vícios transcendem à indiscutibilidade do desfecho do processo arbitral, o regime desse provimento é similar ao do art. 525, § 1.º, I, do NCPC.
Capítulo 3. RELAÇÕES DO PROCESSO CIVIL SUMÁRIO: § 7.º Extensão do processo civil brasileiro – 31. Sistema da dualidade da jurisdição – 32. Sistema da unidade da jurisdição – § 8.º Processo civil e processo penal – 33. Origem comum das ações civil e penal – 34. Sistemas de coordenação das ações civil e penal – 35. Regime brasileiro
de coordenação das ações civil e penal – § 9.º Processo Civil e processo administrativo – 36. Controle jurisdicional da Administração – 37. Limites do controle judiciário quanto à matéria – 38. Limites do controle judiciário quanto aos efeitos – 39. Limites do controle judiciário quanto à oportunidade – 40. Limites do controle judiciário quanto à extensão – 41. Controle judiciário do processo administrativo – § 10.º Meios de controle do processo administrativo – 42. Remédios de controle do processo administrativo – 43.Habeas corpus – 43.1. Objeto do habeas corpus – 43.2. Partes no habeas corpus – 43.3. Natureza da sentença no habeas corpus – 44. Habeas data – 44.1. Objeto do habeas data – 44.2. Partes no habeas data – 44.3. Natureza da sentença no habeas data – 45. Mandado de segurança – 45.1. Objeto do mandado de segurança – 45.2. Partes no mandado de segurança – 45.3. Natureza da sentença do mandado de segurança – 46. Mandado de injunção – 46.1. Objeto do mandado de injunção – 46.2. Partes no mandado de injunção – 46.3. Natureza da sentença no mandado de injunção – 47. Ação popular – 47.1. Objeto da ação popular – 47.2. Partes na ação popular – 47.3. Natureza da sentença na ação popular – 48. Ação civil pública – 48.1. Objeto da ação civil pública – 48.2. Partes na ação civil pública – 48.3. Natureza da sentença na ação civil pública. § 7.º Extensão do processo civil brasileiro 31. Sistema da dualidade da jurisdição A unidade da jurisdição integra a tradição da República brasileira desde a CF/1891. A Constituição de 1824 adotara o contencioso administrativo, como jurisdição paralela à ordinária e destinada a resolvido os conflitos entre os particulares e a Administração, mas ela organizou-se “de modo imperfeito e atuando mui precariamente”.1 Em alguns países, a exemplo da Itália, e, principalmente, em França, ao invés, há dualidade de jurisdições: a jurisdição propriamente dita, encarregada de dirimir as controvérsias entre particulares, disciplinada pelo direito privado; e a jurisdição administrativa, restrita a resolver litígios em face da Administração, segundo as diretrizes do direito público. A esta última via, diferente tanto em virtude de sua organização orgânica, quanto em razão da especificidade da matéria, dá-se o nome de contencioso administrativo. O valor do contencioso administrativo, expressão altamente imprópria,2 residiria na simplicidade, na comodidade e na vocação intrínseca de proteção aos direitos fundamentais.3 Essa fórmula comporta ulteriores subdivisões. Há os que distinguem os dois ramos pelo órgão, e, não, pela matéria,4 e os que identificam outras espécies de órgãos.5 A concepção moderna defende a existência de simples especialização de órgãos judiciários, sem quebrar, na realidade, o princípio da unidade.6 Trata-se, em última análise, de repartição de competências, de acordo com o entendimento hoje dominante no direito francês.7 O contencioso administrativo é “um sistema de jurisdição, mais ou menos extensa, atribuída à própria administração, quando em litígio com os administrados”.8 Seus órgãos representam “tribunais autênticos, ou seja, independentes”.9 O regime dúplice restringe os órgãos da jurisdição comum a julgar, exclusivamente, os litígios entre particulares. Não lhe compete examinar e dar
a palavra final acerca dos litígios entre os particulares e Administração, cuja resolução é confiada à Justiça Administrativa. Criam-se, assim, dois aparatos autônomos e paralelos, mais ou menos complexos, encimados por um órgão de cúpula interno. Em França, tal órgão é o célebre Conseil d’Etat, dotado de atribuições contenciosas mais amplas do que o de simples órgão encarregado de uniformizar a jurisprudência, funcionando como juízo de primeiro grau ou de apelo em algumas causas.10 Na verdade, o Conseil d’Etat exerce a dupla função de julgador e de conselheiro, sendo esta última a mais antiga e, em alguns casos, obrigatória (v.g., a consulta sobre o projeto de lei elaborado pelo governo).11 Ambos os sistemas se submetem, igualmente, ao controle da constitucionalidade – no caso alemão, ao órgão competente para o controle concentrado. Assim, o problema posto, no contexto da duplicidade, reside em definir qual das vias judiciais (Rechtweg) é admissível.12 Para tal finalidade, há o Tribunal des conflits para demarcar a competência de jurisdição, órgão constituído por três integrantes do Conseil d’Etat e três da Cour de Cassation.13 32. Sistema da unidade da jurisdição É muito diferente a concepção brasileira da Justiça Pública. Entre nós, o princípio da igualdade operou profundamente, proscrevendo tanto as jurisdições especiais (eclesiásticas e senhoriais), quanto o contencioso administrativo. A jurisdição abrange toda classe de litígios e, nada obstante o Brasil se organizar na forma de Estado federal, existindo a Justiça Federal (comum e especial) e a Justiça Comum, a cargo dos Estados-membros, constitui atividade eminentemente nacional. Essa particularidade conduziu a doutrina brasileira, de longa data, a sublinhar o caráter nacional. O “Poder Judiciário é eminentemente nacional, tanto na jurisdição federal, como nas jurisdições estaduais”.14 Em realidade, a “dualidade” aparente do arranjo decorre da forma federativa da organização do Estado, do contrário incompleta.15 À semelhança de suas antecessoras, e ressalva feita à breve menção de que se reservava à lei criar um “contencioso administrativo e atribuir-lhe competência para o julgamento das causas” trabalhistas e do interesse das pessoas jurídicas de direito público federal, inserida no art. 111 da CF/1969 pela EC 7, de 13.04.1977, jamais implementada e de alcance duvidoso no que tocante à quebra da unidade de jurisdição: alvitra-se a possibilidade de ulterior controle judiciário,16 a CF/1988 não distribuiu jurisdição entre os órgãos do Poder Judiciário mencionados no art. 92, mas repartiu competências.17 O processo civil se reparte entre as chamadas justiças especiais e, residualmente, cabe à Justiça Comum ou Ordinária, da qual se encarregam os Estados-membros. Imperfeitamente talvez, designa-se a repartição de causas nas “Justiças” de competência de jurisdição (infra, 286).18 É um problema bem distinto do que surge nos países que adotam a dualidade de jurisdição, em França confiado ao Tribunal des Conflits. Neste caso, impõe-se estabelecer os limites externos da jurisdição, ou seja, os confins entre os quais os juízes ordinários exercitam a função jurisdicional civil,19 ou o do acesso à via judicial,20 asseverando-se que, na falta de atribuição para julgar a causa, há difetto di giurisdizione.21 O amplo acesso dos interessados à tutela jurídica do Estado (art. 5.º, XXXV, da CF/1988), direito fundamental processual reproduzido no art.
3.º, caput, do NCPC, encontra notável guarida na unidade de jurisdição. O processo “civil” é “mais vasto que o dos países da Europa continental”,22 abrangendo o direito público. E, por igual, implicitamente consagra a desnecessidade de esgotar a via administrativa, configurado o conflito entre a Administração (federal, estadual, distrital ou municipal) e o administrado. A esse respeito, a Constituição adota exceção explícita – bom exemplo, aliás, de impossibilidade jurídica (infra, 225.1) – ao exigir o esgotamento prévio da Justiça Desportiva.23 De acordo com o art. 217, § 1.º, da CF/1988, o “Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições esportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”, assinando o prazo máximo de sessenta dias para tal pronunciamento (art. 217, § 2.º, da CF/1988). É uma manifestação da organização supranacional de algumas modalidades esportivas, especialmente do futebol, tornando-as relativamente imunes ao poder nacional. A par dessa hipótese, a jurisprudência antiga do STF admitiu a constitucionalidade da exigência, prevista nas leis locais que disciplinavam a relação estatutária entre a Administração e o servidor público – disposição vigente, por exemplo, na lei federal que estabelece o estatuto dos militares24 – , da prévia exaustão da via administrativa.25 O STF, ainda hoje, só entrevê ofensa indireta ao art. 5.º, XXXV, da CF/1988 no julgado das instâncias ordinárias que, sob tal fundamento, nega ao particular interesse de agir em juízo.26 Sobre esta última noção há um item específico linhas adiante (infra, 225.3), bem como o assunto receberá exame nos limites do controle judiciário quanto à sua oportunidade (infra, 38). Apesar de una a jurisdição, aplicando-se a lei processual civil a processos nas jurisdições especiais e na jurisdição ordinária ou comum, o processo civil relaciona-se com seus congêneres de modo variável e intenso, cabendo esclarecer a medida da influência recíproca. É ociosa uma demarcação mais nítida das matérias envolvidas nos processos civil, eleitoral, trabalhista ou militar fora da competência de jurisdição (infra, 388.3). Importa definir as relações dos processos civil, penal e administrativo. As normas processuais civis funcionam como direito processual comum.27 Elas aplicam-se, supletivamente, aos processos identificados por seu objeto específico e afetos a órgãos jurisdicionais especiais (penal, trabalhista, eleitoral e administrativo). § 8.º Processo civil e processo penal 33. Origem comum das ações civil e penal Fatos jurídicos são os que se encontram previstos como elementos de incidência das normas jurídicas. Nada obstante essa previsão, alguns fatos se mostram desconformes com o direito. Designam-se, por força de semelhante circunstância, de fatos ilícitos. Há identidade ontológica entre os fatos lícitos e os ilícitos, porque ambos são jurídicos, exibindo diferença tão só ontológica: o fato oposto ao direito exibe uma desvalia que não se localiza no fato conforme ao direito.
Ora, idêntico fato contrário a direito (e, a fortiori, os fatos lícitos) incide, às vezes, tanto em regra penal, quanto em relativa civil relativa ao ilícito absoluto ou ao relativo. Por exemplo, o homicídio de alguém representa fato típico penal (art. 121 do CPB) e, ademais, acomoda-se à cláusula genérica do art. 186 do CC – ilícito (delito) civil absoluto –, possuindo forma de liquidação do dano traçada na lei (art. 948, I e II, do CC). Tal fenômeno se designa, na teoria geral dos fatos jurídicos, de incidência múltipla.28 Não é uma consequência fatal, porém: há ilícitos penais irrelevantes no campo civil (v.g. o crime de “acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem”, contemplado no art. 341 do CPB),29 e, inversamente, ilícitos civis indiferentes à tutela penal (v.g., a perda do pátrio poder pela prática de ato contrário aos bons costumes, consoante o art. 1.638, III, in fine, do CC).30 Em casos de múltipla incidência, análogos ao homicídio, nascem duas ações diferentes: a ação penal, cujo titular é o Ministério Público; e a ação civil reparatóriaex delictio, que incumbe à vítima ou ao lesado pelo dano – no caso versado, segundo o art. 948, II, do CC, as pessoas a quem a vítima devia os alimentos. O processo penal se ocupa da primeira; o processo civil, da segunda. A existência dessas duas ações, baseadas no mesmo fato, provoca a necessidade de coordenar os juízos porventura emitidos nos respectivos julgamentos. Em outras palavras impende estabelecer as relações entre o processo penal e o processo civil. Não é a única influência recíproca. Por exemplo, a pendência do processo civil, relativamente ao estado da pessoa, também interfere com o processo penal, conforme prevê o art. 92, caput, do CPP. Não há maiores dúvidas, entretanto, que a ação de reparação ex delictio representa o problema mais relevante e grave. 34. Sistemas de coordenação das ações civil e penal Em tal âmbito de relação do processo civil e do penal, desenvolveram-se alguns sistemas de coordenação, variando as fórmulas adotadas, no direito comparado, nem todas erigindo a exigência de um real desfecho unívoco das ações à condição de valor absoluto. Há duas linhas básicas bem delineadas: de um lado, surge o (a) regime da separação, ou da independência, impedindo a vítima ou o lesado de contaminar o processo-crime com o tema relativo ao dano civil; e, de outro, existe o (b) regime da adesão, no qual se admite a introdução desse último assunto, no âmbito eminentemente repressivo, e o julgamento conjunto das pretensões heterogêneas é bem aceito e até considerado desejável, em prol da economia de esforços e de tempo. Orientações ecléticas, num e noutro caso, exigiriam maiores investigações, apreendendo as diferenças internas de cada sistema e seus múltiplos pormenores. É lícito, no entanto, traçar o quadro geral. O sistema da adesão tanto permite à vítima ou ao lesado pleitearem a reparação no processo-crime como uma simples faculdade, a exemplo do que acontece no direito alemão,31 e no francês,32 mas não pré-exclui que o façam no juízo civil, simultânea ou posteriormente ao julgamento penal, quanto obriga o interessado a adotar semelhante caminho. Nesse último caso,
chama-se o sistema de adesão obrigatória, representando tal fórmula antiquada o direito português.33 Por sua vez, o sistema da separação comporta uma subdivisão importante. Ela pode ser (a) absoluta; ou (b) relativa. O sistema da separação absoluta despreocupa-se com a eventual falta de coincidência dos resultados da ação civil e da ação penal. Nos países da Common Law,34 e em alguns cantões suíços,35 por exemplo, o pronunciamento penal é desprovido de autoridade sobre a sorte da demanda civil, atuando como meio de prova, e, desse modo, concebe-se que alguém seja condenado na esfera penal e, todavia, absolvido na civil, ou vice-versa. O sistema da separação relativa segue essa linha geral, mas admite algum grau de influência do julgado penal na esfera civil. O direito brasileiro vigente filiou-se à separação. A vítima ou o lesado não podem obter reparação do dano civil no processo-crime. E buscou meio termo ou feição mais branda, admitindo a repercussão favorável a essas pessoas do julgamento penal em alguns casos. 35. Regime brasileiro de coordenação das ações civil e penal Desde o art. 68 da Lei 261, de 03.12.1841, o sistema de coordenação do direito brasileiro, outrora seduzido por outras soluções de política legislativa,36 obedece à diretriz da independência das ações civil e penal. O regime vigente considera tolerável, em tese, julgamentos discrepantes no todo ou em parte.37 A proposição básica consta no art. 935, primeira parte, do CC: “A responsabilidade civil é independente da criminal”. No entanto, o julgado penal exercerá influência relativa sobre a ação reparatória, conforme revelam o art. 91, I, do CPB e o art. 935, segunda parte, do CC. Por conseguinte, jamais se controverterá o dano civil no processo-crime: ninguém pede ao juiz penal a condenação do réu a reparar tal dano, nem a resolução penal julgará, expressa e motivadamente, as repercussões civis do ilícito penal. Dispõe o lesado pelo ilícito penal, nesta contingência, da opção fundamental de propor a ação civil ex delicto, desde logo, conforme prevê o art. 64, caput, do CPP, ou aguardar o desfecho do processo-crime. Essas características situam o direito brasileiro no sistema da separação relativa. Em geral, os lesados pelo ilícito penal propõem a ação civil tão logo seja possível e conveniente. Eles escolhem semelhante via porque depositam escassa confiança na abolicionista Justiça Criminal e, contrariando espíritos mais otimistas,38 refugam o desestimulante desfecho e a notória demora do processo-crime. Dessa opção resulta para o lesado uma relevante consequência, pois ficará subordinado, definitivamente, ao seu desfecho.39 É um caminho sem volta (electa una via, non datur tertium ad alteram). Julgada improcedente a ação civil e, posteriormente, condenado o réu no processo-crime, vale o primeiro resultado. Não incidirá o art. 91, I, do CPB, nem o vencido poderá se arvorar em vencedor, executando o julgado penal (art. 63 do CPP e art. 515, VI, do NCPC). No prazo de dois anos, contado do trânsito em julgado do
pronunciamento civil (art. 975, caput, do NCPC), ainda se abre ao lesado a possibilidade de rescindi-lo, invocando algum dos incisos do art. 966 do NCPC. Superado tal prazo, seja porque a sentença penal sobreveio posteriormente, seja porque transcorreu sem a propositura da ação rescisória, a sentença civil ornar-se-á imune a futuras controvérsias. Inversamente, a eficácia da coisa julgada civil vincula o réu no processo-crime. E, absolvido na esfera penal, após sua condenação na civil, a despeito daquela resolução declarar a inexistência do fato ilícito ou eximi-lo da autoria, resta-lhe rescindir o julgado civil, no prazo de dois anos, ou se conformar com a condenação a reparar o dano, porque vencido o interregno hábil.40 Concebe-se que, no curso da ação civil, sobrevenha o julgado penal, absolvendo ou condenando o réu. O processo civil não se revela imune ao ulterior contágio do julgado penal. Sobrevindo a sentença penal condenatória, torna-se certa a obrigação de reparar o dano, segundo reza o art. 91, I, do CPB; então, o juiz recepcionará o superveniente julgado penal (art. 493 do NCPC), julgando o mérito da ação civil a favor do autor. Ao invés, absolvido o réu no processo-crime, em princípio inexistirá influência alguma, seja qual for o fundamento da absolvição; nada obstante, em contrário dispõem os arts. 65 (no caso de reconhecimento das excludentes de antijuridicidade) e 66, in fine (no caso de reconhecimento da inexistência do fato), do CPP, e (de certa forma) o art. 935, segunda parte, do CC. É o ponto mais controvertido e, à luz do primeiro dispositivo, chegou-se ao extremo de apregoar a revogação dos casos de responsabilidade por ato ilícito.41 Ora, o lesado ou a vítima não figuraram como partes no processocrime, nem o Ministério Público lhes representam no processo penal, ideia há muito repelida na doutrina.42Não se pode reconhecer eficácia erga omnes vinculante à sentença penal.43 Logo, o resultado do processo-crime não lhes pode subtrair o direito à reparação do dano civil sem infringir o direito fundamental do due process of law (art. 5.º, LIV, da CF/1988). Os arts. 65 e 66, in fine, do CPP mostram-se claramente incompatíveis (e, portanto, não foram recepcionados pela Constituição que lhes é posterior) com a cláusula constitucional.44 Assim, elimina-se uma série de distinções inúteis e tormentosas, como a dos efeitos da absolvição do réu pelo júri, baseada na negativa da autoria, de toda sorte reputada irrelevante na órbita civil.45 E o art. 935, segunda parte, do CC reclama interpretação em sentido convergente com o art. 91, I, do CPB: o pronunciamento penal condenatório torna certa a obrigação de reparar o dano e, a fortiori, a absolvição, em alguns casos, não elimina a declaração implícita da existência material do fato e da autoria, favorecendo a vítima ou o lesado na ação civil pendente ou ainda não proposta. A declaração da existência do fato contrário ao direito (v.g., a lesão corporal) transporta-se para o juízo civil como qualquer outra autoridade da coisa julgada. Não há motivo para refutá-la e entendê-la incompatível com o direito à prova e à livre apreciação.46 A regra nem sequer distinguiu as sentenças de condenação e das de absolvição para esse efeito.47 É possível (e até provável) o juiz da causa civil não chegar a resultado diferente do seu colega penal, em particular em relação à licitude do fato, perante idêntico material probatório. Entretanto, no processo civil há duas partes em permanente e útil diálogo com o órgão judiciário, formando comunidade de trabalho, e, ainda, altamente motivadas à obtenção de um pronunciamento favorável, ministrando provas destinadas a provar a veracidade das
respectivas alegações de fato. E, de toda sorte, a experiência mais elementar evidencia que o juiz civil sempre localizará elementos para condenar em situações nas quais o juiz penal fatalmente absolveria o réu. Para reforçar os laços de coordenação, o art. 64, parágrafo único, do CPP permite ao juiz suspender a ação civil, intentada a ação penal, até o “julgamento definitivo” desta. Deu regime mais preciso ao assunto o art. 315 do NCPC, segundo o qual, dependendo o julgamento da lide, necessariamente, da “verificação da existência de fato delituoso”, o juiz pode determinar a suspensão do processo “até que se pronuncie a justiça criminal”. Antecedendo a deliberação o início da ação penal, a suspensão cessará no prazo de trinta dias, contados da respectiva intimação, não sobrevindo o processo-crime. A existência material do fato e a autoria constituem elementos comuns a ambas as ações e, nesta contingência, a resolução porventura tomada na ação penal a respeito influirá, decisivamente, o conteúdo da sentença civil. Assumem, pois, a condição de questões prejudiciais do pronunciamento civil, antecedendo, logicamente, a questão prejudicada.48 A suspensão manifesta o antigo princípio le criminal tient le civil en etat.49 O art. 315 é um caso especial de suspensão respaldado no art. 313, VIII, ambos do NCPC. A rigor, a regra mostrar-se-ia desnecessária, porém: o art. 313, V, a, do NCPC abrange todas as questões prejudiciais externas, heterogêneas ou não. É uma hipótese de suspensão facultativa,50 segundo critério de conveniência,51providência que o juiz pode tomar ex officio. O direito anterior não previa o prazo máximo de suspensão, exceto no caso do ato anteceder a propositura da ação penal, motivo por que incidiria o prazo máximo contemplado em lei para semelhante paralisação do processo, ou seja, um ano.52 Assim já decidiu o STJ,53 e acatou essa linha o art. 315, § 2.º, do NCPC. Põe fim à suspensão, antes do implemento do prazo máximo, o trânsito em julgado da sentença penal.54 Vencido o interregno sem o pronunciamento penal, o juiz civil julgará livremente a ação reparatória, como sucede nas demais questões prejudiciais externas,55 examinando o material comum ao processo penal como questão incidente, insuscetível de adquirir auctoritas rei iudicate, por força da ressalva do art. 503, § 1.º, III, do NCPC (falta de competência material). Conforme já se assinalou, à vítima e ao lesado também faculta-se aguardar o desfecho da ação penal. Para tranquilizá-lo quanto à subsistência da sua pretensão à reparação civil, na medida em que semelhante pronunciamento poderá demandar anos, o art. 200 do CC reza que “não correrá a prescrição” antes do trânsito em julgado da sentença penal, assim se interpretando a expressão “sentença definitiva”.56 Assim já entendia a jurisprudência do STJ antes da vigência do novo diploma civil.57 Sobrevindo a absolvição do réu, ou decretada a extinção da sua punibilidade, nenhum óbice se erige à pretensão civil, independentemente do fundamento do provimento penal. Os arts. 65 e 66 do CPP são incompatíveis com a cláusula do art. 5.º, LIV, da CF/1988, consoante se explicou há pouco, e a indiscutibilidade a que alude o art. 935, segunda parte, do CC somente opera a favor da vítima ou do lesado, por identidade de razões. A característica fundamental do regime brasileiro de coordenação surge na hipótese de condenação do réu no processo-crime. Em tal hipótese, o
direito nacional inovou significativamente, prevendo o art. 63 do CPP e o art. 515, VI, do NCPC, a eficácia executiva da sentença penal condenatória. É um efeito anexo ao provimento.58 Por exemplo, a absolvição do réu com fundamento no art. 386, IV, do CPP, ou seja, em virtude da conclusão de o réu não ter concorrido para a infração penal, “não impede o prosseguimento da ação civil de indenização”, proclamou o STJ.59 Por conseguinte, decorre automaticamente da lei, mostrando-se irrelevante o fato de o juiz criminal mencioná-lo ou não no provimento, o que “não aumenta nem diminui o direito do credor de promover a execução”.60 Assumirá essa condição a sentença penal definitiva e transitada em julgado. Não há, portanto, execução provisória. Ela há de ser liquidada, exceto quanto à verba fixada a teor do art. 63, parágrafo único, c/c art. 387, IV, do CPP. Pode haver ilícito penal sem dano civil e,61 nesse caso, ao menos assegura-se essa modalidade de reparação pelo ilícito em si. E, nesta oportunidade, as questões ignoradas no juízo penal, a exemplo da participação da vítima no resultado,62 receberão exame. Não há o menor atentado à autoridade do efeito anexo, pois dito elemento respeita ao an debeatur, e, não, à quantificação do dano.63 Há um derradeiro aspecto a considerar nesta relação algo complexa entre os processos civil e penal. A estabilidade outorgada ao pronunciamento civil transitado julgado é muito maior do que a do penal. Ele somente comporta rescisão no exíguo prazo de dois anos (art. 475 do NCPC). Ao invés, a revisão do julgado penal não se subordina a prazo e compete, exclusivamente, ao condenado (arts. 622, caput, e 623 do CPP).64 Pode acontecer, então, o desaparecimento do efeito anexo da sentença penal por força da procedência da revisão no curso da execução civil baseada em tal resolução ou após a sua extinção. No primeiro caso, extingue-se a execução, porque o exequente perdeu o título e não há execução sem título; todavia, subsiste a pretensão à reparação na via civil. Na segunda hipótese, extinta a execução através da satisfação do exequente (art. 924, II, do NCPC), em princípio surge pretensão conferida no art. 776 do NCPC, outorgada ao antigo executado, mas o exequente poderá se defender, vitoriosamente, provando que, nada obstante a eliminação do título executivo penal, a posteriori, a reparação do dano civil se revela legítima e justa, porque caracterizado os elementos do ilícito civil.65 § 9.º Processo civil e processo administrativo 36. Controle jurisdicional da administração Se a relação entre o processo civil e o penal, embora circunscrita à magna questão do dano civil, mostrou-se delicada e envolta em nebulosas questões, o panorama carrega-se de tons sombrios na revolta confluência dos processos civil, penal e administrativo. Incumbe à jurisdição dar a palavra final acerca dos atos e negócios da Administração e, inclusive, estabelecer políticas públicas tendentes a concretizar aos programas constitucionais, especialmente através do processo coletivo. Em virtude do princípio da unidade (retro, 32), acabam desaguando nos órgãos do Poder Judiciário, e por diferentes e largos canais, os litígios da Administração com os particulares e, ainda, os litígios interna
corporis da própria Administração. É indubitável, no direito brasileiro, o controle jurisdicional da Administração. Os limites constitucionais desse controle representam uma das variáveis mais relevantes desse tema. Não raro se verifica a incidência múltipla do fato em normas administrativas e penais. Em tal contingência, ocupar-se-á o processo civil, e como seu objeto principal, da influência exercida pelo julgado penal sobre o processo administrativo. Este liame destaca-se, particularmente, nos litígios disciplinares envolvendo a Administração e os servidores públicos. É necessário traçar o panorama geral do controle judiciário dos atos do Executivo e do Legislativo antes de enfrentar a relação entre processos. O ponto de partida parece seguro e claro. O controle judiciário do processo administrativo disciplinar,66 e, em geral, dos atos da Administração, realizar-se-á sob o prisma da sua conformidade à Constituição e às leis. Significa dizer que a atividade judiciária, no desempenho de seus misteres de prevenir ou de remediar violação a algum direito individual ou coletivo (art. 5.º, XXXV, da CF/1988), cinge-se a confrontar o ato administrativo com a lei e com a Constituição e, constatada a incompatibilidade – portanto, parece preferível aludir o controle da “conformidade”67 –, pronunciar sua invalidade,68 e, em alguns casos, suprir as omissões da Administração.69 O Poder Judiciário não é superior ao Legislativo e ao Executivo. A este último, em particular, reserva-se certa esfera própria de atuação, insuscetível à interferência e ao controle do primeiro, à luz do disposto no art. 2.º da CF/1988. E, de outro lado, nenhuma função estatal se mostra tão absoluta a ponto de imunizar-se contra alguma modalidade mais ou menos intensa de controle externo. Não se põe em causa, propriamente, o cabimento do controle judiciário. Esse controle revela-se indispensável ao estado democrático-constitucional. Eventual controvérsia recai, na realidade, na respectiva extensão ou limites externos.70 Ora, nos últimos tempos, o sentimento difuso quanto à onipotência da atividade jurisdicional, excessivamente idealizada, e sem muito respaldo em dados coligidos da realidade empírica, busca ampliar os limites antes descritos. Vários fatores influem nessa aspiração. É justo situar dentre eles a memória dos repugnantes atos de exceção praticados pelo Executivo, no regime militar de 1964 a 1985, e a orientação “dirigente” da CF/1988, inspirada na Constituição portuguesa de 1976.71 Não faltam vozes inflamadas a advogar, sem rebuços, a necessidade de o Judiciário transformar positivamente a realidade social.72 Opõem-se inúmeras dificuldades ao êxito dessa meta ambiciosa. Não poucos projetos políticos fracassaram no mesmo intento. Em primeiro lugar, os órgãos judiciários se acham despreparados para abraçar tarefa tão magna. A formação pessoal dos juízes e as limitações técnicas do seu instrumento de trabalho, o processo, não lhes propiciam, salvo exceções, a fixação segura das políticas públicas. E nada, absolutamente nada garante, a rigor, a superioridade da opção do órgão judiciário, afinal cristalizada em decisão autoritária, e, não, consensual. Por exemplo: existindo divergências entre
duas comunidades, ambas postulando a pavimentação de seus acessos a uma rodovia federal, a resolução tomada pelo órgão judiciário, seja qual for a sua base, técnica ou política, não se mostrará intrinsecamente superior à da Administração nas mesmas condições. E o Judiciário não exibe condições de absorver conflitos sociais que exibam grande velocidade e profundidade.73 O controle judiciário da Administração Pública tem limites quanto à matéria, quanto à oportunidade, quanto aos efeitos e quanto à sua extensão. Eles são intrínsecos ao modelo constitucional entre nós adotado em 1988. No entanto, é universal a tendência de ampliar a última baliza – e o STF deu passos largos nesses rumos –, o que se refletirá na relação entre processo civil e administrativo. 37. Limites do controle judiciário quanto à matéria Para evitar a hipertrofia do Judiciário, titular da última palavra nos assuntos a ele confiados, e equilibrar as relações institucionais com o Executivo e o Legislativo, algumas matérias escapam à apreciação dos órgãos judiciários. Em determinadas situações, instituem-se órgãos de “jurisdição anômala”, alheios à estrutura orgânica do Judiciário, formalmente situados no âmbito do Executivo ou do Legislativo.74 É legítimo e correto, no entanto, afirmar que “essas exceções têm pequena significação prática no sistema brasileiro de controle jurisdicional”.75 A primeira exceção desponta na revisão, na via judicial, das deliberações do Tribunal de Contas – órgão do Legislativo (art. 71, caput, da CF/1988) –, quanto à regularidade das contas do gestor público (art. 71, II, da CF/1988). O pronunciamento tem natureza administrativa, ou parajurisdicional, mas revelar-se-á indiscutível no processo penal e no processo civil (improbidade administrativa) ulterior.76 No tocante ao controle da legalidade dos atos administrativos da Administração, incumbência do Tribunal de Contas (art. 71, III, da CF/1988), porém, o controle judiciário torna-se admissível, respeitada a extensão geral (infra, 40).77 Naturalmente, a existência de restrições ao controle judiciário de atos emanados do Tribunal de Contas não é aceita sem impugnações veementes. Sustenta-se que, existindo lesão a algum direito subjetivo, a conformidade do ato emanado do Tribunal de Contas comporta revisão na via judicial.78 Nesta perspectiva, o reexame se subordinaria, mais uma vez, à extensão geral do controle, e, não, à matéria. É mais segura a posição do Senado Federal ao processar e julgar, após autorização da Câmara dos Deputados, por dois terços de seus membros, (a) o Presidente e o Vice-Presidente da República, bem como os Ministros de Estado, nos crimes de responsabilidade, a teor do art. 52, I, da CF/1988; e (b) processar e julgar tais autoridades, bem como os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, nos crimes de mesma natureza conexos com aqueles (art. 52, I, da CF/1988); e (c) os Ministros do STF, os membros do CNJ e do CNMP, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, também nos crimes de responsabilidade (art. 52, II, da CF/1988).79 A pena consiste na perda do cargo e na inabilitação por oito anos para o exercício de funções públicas, sem prejuízo de outras sanções cabíveis (art. 52, parágrafo único, da CF/1988). E isso, porque o fato imputado, numa
manifestação do fenômeno da múltipla incidência, frequentemente representa, a um só tempo, ilícito político (crime de responsabilidade) e ilícito penal (crime comum).80 O juízo parlamentar é eminentemente político, mas baseado em critérios jurídicos. O controle judiciário limitar-se-á à observância dos direitos fundamentais (por exemplo, o direito de defesa antes de a Câmara dos Deputados julgar a admissibilidade da denúncia) e à regularidade do procedimento (por exemplo, a necessidade de voto aberto e nominal).81 Pode acontecer, portanto, que a autoridade, apesar de condenada no processo perante o Senado Federal, acabar absolvida no processo-crime perante o STF (art. 102, I, b e c, da CF/1988),82 fato que já ocorreu na história recente da República.83 Seja como for, do mesmo modo que o órgão judiciário – e, no caso, o órgão máximo, que é o STF – não se encontra subordinado ao juízo político, também não lhe caberá rever e controlar o juízo político do Parlamento.84 E contra as punições disciplinares aplicadas aos servidores militares não cabe habeas corpus, reza o art. 142, § 2.º, da CF/1988. O art. 2.º da EC 18/1998, estendeu a vedação aos militares dos Estados-membros e do Distrito federal, através de remissão do art. 42, § 1.º, da CF/1988, àquele dispositivo. Desapareceu, entretanto a vedação de mandado de segurança contra ato disciplinar no regime da Lei 12.016/2009. De toda sorte, sempre se estimou semelhante veto restrito ao mérito do ato disciplinar.85 Em princípio cabe o habeas corpus e, a fortiori, o mandado de segurança para controle judiciário dos elementos vinculativos desse ato.86Eventual limitação no uso dos remédios constitucionais decorre mais da impossibilidade de reexame da prova nesses remédios de cognição sumária do que da matéria neles vertida (infra, 45.1).87 Em relação ao Tribunal Marítimo, competente para julgar administrativamente os acidentes e fatos da navegação, o art. 18 da Lei 2.180/1954 estima certa a resolução tomada a esse respeito, cujo valor probatório transcendente autoriza a suspensão do processo civil (art. 313, VII, do NCPC), mas consagra, expressis verbis, a revisão do acórdão pelo órgão judiciário. 38. Limites do controle judiciário quanto à oportunidade Não há nenhum empecilho ao controle judiciário da oportunidade dos atos da Administração. O art. 5.º, XXXV, da CF/1988, outorga elasticidade exemplar à jurisdição. O dispositivo contempla meios preventivos e repressivos. Basta, portanto, a simples ameaça da emissão do ato administrativo ou de instauração de processo disciplinar. Pouco importa se tal ato assumirá a característica da exequibilidade tão só no futuro. A simples ameaça já abre a via judiciária ao particular. É-se desnecessário esgotar a instância administrativa para acudir à jurisdição (infra, 122). A única exceção decorre do art. 217, § 1.º, da CF/1988, e respeita à justiça desportiva. 39. Limites do controle judiciário quanto aos efeitos Em princípio, o órgão judiciário limita-se a julgar o caso que lhe é apresentado, a requerimento do particular, e, portanto, a resolução porventura
tomada não repercutirá nas situações similares. Decorrem consequências de vulto para o controle judiciário dessa premissa. Não cabe ao órgão judiciário, socorrendo-se do princípio da isonomia, substituir-se ao legislador e conceder vantagem pecuniária a servidor público (Súmula do STF, n.º 339). Nada autoriza o órgão judiciário, outrossim, arredar o obstáculo da coisa julgada e acolher, sempre com apoio no princípio da isonomia, o pedido formulado por candidato reprovado em prova de concurso público, e controvertida sem sucesso na via judiciária, sob o fundamento de que em casos análogos a referida prova se reputara ilegal, resultado que beneficiou alguns concorrentes.88 Esse problema respeita à uniformização da coisa julgada nas ações individuais e é particularmente grave nas relações entre administrados e Administração. Nenhuma solução, de lege lata, parece satisfatória sob qualquer ponto de vista. Por essa razão, há premente necessidade de criar mecanismo específico para harmonizar coisas julgadas contraditórias emitidas para interesses individuais homogêneos. E, convém realçar, a Administração não é responsável pela quebra da uniformidade. Ela se deve, em primeiro lugar, à interferência do órgão judiciário nos assuntos administrativos (constitucionalmente incontestável), e, em segundo, à opção do particular pelo processo individual, almejando vantagens táticas nas questões passíveis de grande controvérsia. Vale, aqui, a bem conhecida e trivial observação da experiência. Enquanto o autor detém a opção e a iniciativa de litigar em juízo, o réu suporta, malgrado sua vontade em contrário, o ônus de responder e litigar, sob pena de curvar-se à investida.89 Em situações dessa estatura, apresentam-se bem nítidas as vantagens do perfil coletivo ou transindividual do processo e, conseguintemente, do controle judiciário. E, de fato, há litígios essencialmente coletivos, porque concernem a um número indeterminado e, para todos os efeitos práticos, na verdade indeterminável de pessoas, e se caracterizam pela indivisibilidade do objeto. Logo, não cuida da justaposição de uma série infinita de litígios menores que se somam para formar um conflito maior. E há litígios acidentalmente coletivos, porque produzem impacto social e econômico, considerado o seu conjunto, maior do que a simples soma das pessoas envolvidas.90 Essa última espécie de conflitos exige a uniformização de resultados. É sempre mais satisfatório e útil o processo coletivo para os litígios acidentalmente coletivos.91 Evitam-se a pluralidade de processos individuais e o risco de pronunciamentos contraditórios. Em tal hipótese, o controle judiciário se transforma, abdicando da vocação casuísta, e abrangerá a todos os interesses individuais homogêneos relacionados ao objeto. O desfecho do processo coletivo aproveita a quaisquer particulares, no caso de procedência, e a nenhum prejudicará, no caso de improcedência,92 inclusive nos casos de suspensão da ação individual, aguardando a solução da pretensão coletiva.93 Tal sistema busca o máximo benefício da jurisdição coletiva.94 É bem de ver que para as partes do processo coletivo a eficácia da coisa julgada opera normalmente. O que se transporta, in utilibus, para a esfera individual dos membros do grupo, secundum eventus litis – no caso de procedência –, é a extensão da coisa julgada.95
40. Limites do controle judiciário quanto à extensão É usual a afirmação que escaparia ao controle judiciário o “mérito” dos atos administrativos.96 Entende-se por tal a conveniência, a oportunidade e a economicidade da atividade da Administração;97 no tocante ao processo administrativo disciplinar, a justiça ou injustiça do respectivo pronunciamento. Existe área, mais ou menos larga, reservada à atuação exclusiva e soberana da Administração. Para definir corretamente o âmbito desse “mérito”, insuscetível de análise no processo civil, relacionado com o chamado pouvoir discrétionnaire – por exemplo: escolher o nome de uma rua; atribuir nota à prova oral do candidato em concurso público98 –, é preciso ter em mente que o ato administrativo pressupõe alguns elementos para ingressar no mundo jurídico (plano da existência). O esquema doutrinário a respeito não é uniforme. De um modo geral, identificam-se os seguintes: (a) competência – a aptidão do agente público para desempenhar suas atribuições e praticar o ato; (b) finalidade – o interesse público que deve ser atingido pelo ato; (c) forma – o aspecto externo exigido para a manifestação da vontade na prática do ato; (d) motivo – a situação de fato ou de direito que obriga ou, por vezes, simplesmente autoriza a realização do ato; (e) objeto – o resultado prescrito ou autorizado na lei, que consiste na criação, extinção, modificação ou declaração de relações jurídicas. Dos elementos arrolados, (a) a competência; (b) a finalidade; e (c) a forma são sempre vinculativos para a Administração. Em outras palavras, nenhuma margem a lei confere à Administração para desrespeitá-los, devendo seguir, estritamente, o gabarito legal.99 Do contrário, o ato padecerá de vícios, ingressando de modo inválido no mundo jurídico (plano da validade). Por exemplo: à inobservância do elemento da competência correspondem os vícios da usurpação, do abuso e da invasão de poderes; do elemento da finalidade, o desvio de poder; do elemento da forma, a preterição. No que tange ao motivo, cumpre distinguir entre o ato vinculado e o discricionário. Em algumas hipóteses, a lei predetermina a conjuntura que constrange a Administração a emitir o ato. Diz-se, então, vinculado o ato quanto ao motivo. Nesta contingência, inexistindo o motivo, ou mostrando-se insuficiente ou diferente do previsto em lei, o ato se apresentará igualmente viciado. Às vezes, porém, a situação de fato ou de direito que autoriza o ato é traçada de modo lacônico e geral, através de conceitos jurídicos indeterminados, porque se mostra ao legislador precisá-la de maneira rígida. Em razão disto, à Administração se mostra lícito praticar ou não o ato, e, principalmente, escolher dentre as alternativas que se apresentam a que parecer mais oportuna e conveniente. Nessas hipóteses, o ato administrativo é discricionário. Parece natural, então, que se crie uma área naturalmente infensa ao controle judiciário, salvo declinando o agente público o motivo e ele se mostrar inexistente ou falso. Não é diferente o regime do objeto. Fixandolhe a lei o conteúdo, taxativamente, mostrar-se-á viciado o ato que produzir resultado diverso; deixando a lei a fixação do conteúdo ao talante do agente público, tornar-se-á viciado o ato dotado de objeto ilícito. Percebe-se que o controle judiciário examinará uma verdadeira pletora de vícios, relativamente a cada um dos elementos do ato administrativo; todavia,
há uma área de criação, quer quanto à decisão de emitir o ato, quer quanto à escolha realizada, que não incumbe ao órgão judiciário reexaminar, no âmbito do controle da “conformidade” direta ou indireta à Constituição. Conforme a visão tradicional, não toca ao juiz reexaminar a conveniência, a oportunidade e a justiça do ato. É importante assinalar que semelhante limitação do controle judiciário contraria amplos setores do pensamento jurídico, que identificam na discrição da Administração o último reduto da arbitrariedade, e advogam o reexame à luz da razoabilidade e da proporcionalidade.100 Ora, no fundo trata-se de substituir o juízo do administrador pelo juízo do órgão judiciário. Nada assegura que a decisão ou escolha do órgão judiciário se mostrará superior, melhor e mais aderente à CF/1988 do que a do administrador. Infelizmente, também os pronunciamentos judiciais incidem nos erros e nos abusos que se suspeitam naturais na atividade administrativa. Há pronunciamentos judiciais desarrazoados, desproporcionais e injustos, e, por identidade de motivos, tão gravemente infratores da Constituição quanto os atos administrativos. Em prol da “judicialização” desenfreada da política, argumenta-se que a jurisdição, além de serviço público, constitui o contrapoder instituído na organização estatal contra o princípio democrático (art. 1.º da CF/1988). A tese não resolve, satisfatoriamente, o problema central: a razão da inflexível superioridade do ato judiciário no confronto com o ato administrativo. Entre nós, a primeira manifestação da tendência para derrubar as barreiras do controle judiciário se localizou na conhecida tese de que a discrição que a lei atribuiu à Administração não lhe enseja a emissão de um ato qualquer, à luz das hipóteses abstratamente previstas na norma, mas a única solução ótima.101 Resta decidir o parâmetro do “ótimo”. É evidente que tanto pode fazê-lo o órgão judiciário, quanto a Administração. Quem deliberará, ante o número limitado de vagas na unidade de tratamento intensivo (UTI) do nosocômio público, que o paciente A nela deve ingressar, implicando a saída do paciente B, por exemplo? Seja qual for a resolução tomada, revela-se decisivo o parecer médico. O ato do administrador hospitalar que, eventualmente, ignorar semelhante subsídio, preterindo o paciente mais indicado, comportará emenda na via judicial. No entanto, esta é a forma tradicional de controle. E se o parecer médico for inconcludente? A escolha do juiz equivalerá à do administrador. Se a inexatidão material dos fatos insere-se no controle judiciário, maiores cuidados impõem-se quanto à liberdade de escolha da Administração, nos quadrantes do chamado poder discricionário, identificando-se três modalidades de controle: (a) mínima; (b) normal; e (c) máxima.102 Recusar o controle da discrição administrativa na via judicial é impossível. O STF proclamou: “Os atos administrativos que envolvem a aplicação de ‘conceitos indeterminados’ estão sujeitos ao exame e ao controle do Poder Judiciário”.103 Há medidas ou graus de controle. Em algumas hipóteses, a esfera de liberdade da Administração se impõe ao órgão judiciário, impedindo a mudança da escolha realizada, salvo exceções (controle mínimo). É o caso dos concursos públicos, da designação das ruas – aliter, se a lei local impede outorgar o nome de pessoas vivas às ruas da cidade – da gestão dos serviços públicos, e assim por diante. É paradigmático o caso da nota atribuída pela banca examinadora em concurso
público.104 Não pode o órgão judiciário substituir o grau do candidato na prova oral ou na prova escrita,105 e, ainda, proclamar o acerto ou o desacerto do gabarito da banca nas questões de múltipla escolha.106Porém, poderá examinar a legalidade da constituição da banca – por exemplo, impedindo a participação de um examinador parcial, porque abertamente hostil a um candidato –, em geral estipulada na lei (v.g., quanto à qualidade dos títulos acadêmicos ou à hierarquia dos examinadores), e da rejeição à inscrição do candidato que preencheu os requisitos legais. Nada impede, outrossim, que o órgão judiciário corrija o erro material verificado no cômputo do número de acertos nas questões de múltipla escolha.107 A pertinência da questão formulada com o programa do certame é passível de controle judiciário.108 O controle normal reside na aferição da correspondência entre o fato e a resolução administrativa. Por exemplo: não existindo recursos financeiros para asfaltar duas estradas de importância equivalente, não cabe ao órgão judiciário decidir qual delas receberá o revestimento. Tampouco toca ao órgão judiciário exigir que a Administração amplie determinada política pública (v.g., de assistência aos dependentes químicos) já implementada dentro da “reserva do possível”.109 E, finalmente, o controle máximo se realiza à luz do princípio da proporcionalidade.110 Neste caso, a oportunidade integra o controle judiciário, realizando o juiz a ponderação dos interesses envolvidos, como acontece nas medidas de polícia administrativa que, a pretexto de proteger um direito fundamental, às vezes sacrificam outros direitos. É neste contexto que se impõe analisar o alcance do controle judiciário no respeitante a atos legislativos e a atos políticos (ou de governo). São atos legislativos os que dispõem de conteúdo normativo, abstrato e geral, também designados de lei em tese. Em geral, derivam do Legislativo, localizando-se suas diferentes classes no art. 59 da CF/1988. O órgão judiciário examinará sem maiores empeços o momento da entrada em vigor da lei e, ademais, a sua ulterior revogação.111 Esta forma de controle assume particular revelo a partir da orientação do STF de que as leis anteriores à CF/1988, mas com elas incompatíveis, encontram-se revogadas, decidindo-se sua aplicação em termos de direito intertemporal.112 É um entendimento suscetível a críticas,113 mas firme no STF no sentido de que, nesses casos, o juiz não examina a constitucionalidade propriamente dita.114 A par dessa modalidade, incumbe ao órgão judiciário, em relação aos atos legislativos, o excelso controle da constitucionalidade. Para tal efeito, a Carta Política não economizou meios e instrumentos, adotando o controle difuso, realizado em todo caso concreto, por via incidental, e que incumbe a qualquer órgão judiciário – nos Tribunais, porém, subordina-se à regra do full bench (art. 97 da CF/1988)115 –, basicamente haurido da experiência norteamericana (judicial review),116 e o controle concentrado, segundo o qual a empreitada toca a um número predeterminado de órgãos (no Brasil, o STF, a teor do art. 102, I, a, da CF/1988, e aos TJ dos Estados-membros, conforme o art. 125, § 2.º, da CF/1988), de origem austríaca.117 Fora daí resta-lhe, conforme reza o art. 8.º do NCPC, julgar o conflito aplicando o ordenamento jurídico, sem embargo da hercúlea tarefa de interpretá-las sistematicamente,
atendendo os fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana, e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. O controle da constitucionalidade abrange a conformidade da lei à Constituição também sob o aspecto do processo legislativo. A divergência entre a criação da lei e seu modelo há de ser diretamente contra a Constituição. O STF recusa o exame, a pretexto de controlar o processo legislativo, dos chamados atos interna corporis, ou seja, a inobservância das normas regimentais.118 Dos atos legislativos em suas variadas espécies se distinguem, porém, as leis de efeitos concretos. Formalmente, assemelham-se às leis propriamente ditas, mas seu conteúdo não ostenta os predicados da abstração e da generalidade, motivo por que, materialmente, equiparam-se aos atos administrativos. É preciso notar que toda lei aproveita ou desfavorece um número predeterminado de pessoas. O fato de mostrar possível individualizar o universo subjetivo do ato normativo não lhe retira, porém, o atributo da generalidade.119 Exige-se um caráter concreto e específico, a exemplo do verificado na lei que tomba prédio integrante do patrimônio histórico.120 O controle judiciário das leis de efeitos concretos segue o parâmetro já fixado para os atos administrativos no tocante à extensão do pronunciamento. A despeito de variadas censuras doutrinárias,121 sem maiores repercussões,122 é firme a jurisprudência do STF no sentido da inadmissibilidade do controle concentrado da constitucionalidade desta espécie de lei.123 Finalmente, os atos políticos – por exemplo, os que respeitam à direção dos negócios do Estado, fixando políticas públicas – exibem, na verdade, uma elevada dose de discrição, cujo único limite se localiza na Constituição. O problema deste controle reduz-se, na realidade, ao parâmetro da lei em tese: ou o ato político infringe a CF/1988, principalmente os direitos individuais, e revela-se inconstitucional, submetendo-se ao controle judiciário sob tal perspectiva; ou, ao invés, recai na órbita das opções legitimamente reconhecidas, na própria Constituição, ao agente político, e escapa do controle judiciário. 41. Controle judiciário do processo administrativo Firmado o panorama geral, é possível reexaminar a influência recíproca do processo penal e do administrativo, e o controle deste último no processo civil. Para prestar os serviços à sociedade traçados na Constituição, a Administração direta e indireta dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios se vale de numerosos agentes, designados de servidores públicos, que ocupam cargos, empregos e funções públicas criados por lei. É da competência exclusiva de cada pessoa jurídica de direito público organizar seu pessoal e legislar a respeito.124 Este regime jurídico chamado “estatutário”, dentre outros aspectos, disciplina os deveres dos servidores, definindo as respectivas infrações disciplinares e as variadas penas porventura aplicáveis a tais ilícitos. A todos os regimes se aplicam, naturalmente, as normas constitucionais, em particular os arts. 37, 38, 39 e 41 da CF/1988 aos servidores civis, mas aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios não se aplicam, neste
âmbito, as disposições das leis federais, incluindo as chamadas leis nacionais.125 E a separação de instâncias, para remarcar a autonomia das leis locais, em geral fica explicitada, como acontece no art. 186 da Lei 10.098/94RS (Estatuto e Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio Grande do Sul), que dispõe o seguinte: “As sanções civis, penais e administrativas poderão acumular-se, sendo uma e outras independentes entre si, assim como as instâncias civil, penal e administrativa”. As três responsabilidades não se excluem mutuamente,126 mas há uma relativa influência do julgado penal no processo administrativo, e, por reflexo, no processo civil. A independência das instâncias civil, penal e administrativa é constitucional segundo o STF.127 À União incumbe legislar sobre direito penal (art. 22, I, da CF/1988). Ora, a lei penal prevê crimes contra a Administração, em geral, e erige como pena a perda do cargo, emprego ou função pública. É preciso que também seja aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, e, nos demais crimes, sempre que aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos (art. 92, I, a e b, e parágrafo único, do CPB). Como o legislador federal não pode impor sanções disciplinares em matéria de competência exclusiva dos Estadosmembros, do Distrito Federal e dos Municípios, os estatutos locais recepcionam a lei federal, atalhando a antinomia legislativa. Por exemplo, o art. 191, parágrafo único, da Lei 10.098/94-RS, reza que “a demissão será aplicada, também, ao servidor que, condenado por decisão judicial transitada em julgada, incorrer na perda da função pública na forma da lei penal”. A única relevância da distinção entre os crimes funcionais (v.g., os crimes dos arts. 312 a 327 do CPB) e os crimes alheios à função pública (v.g., o homicídio do art. 121 do CPB), e que não caracterizem, por igual, ilícito administrativo, reside no fato de que, aplicada pena inferior a quatro anos de reclusão, o servidor ficará afastado do exercício de suas funções pelo prazo de cumprimento da pena (art. 27, § 2.º, da Lei 10.098/94-RS), recebendo um terço dos vencimentos do cargo (art. 80, IV, da Lei 10.098/94-RS). Segue-se que, no caso do art. 92, I, a e b, do CPB, a pena disciplinar de demissão se subordina à subsistência da condenação criminal; por óbvio, a aplicação concreta da pena administrativa – demissão – dependerá de regular processo administrativo. A despeito da subordinação do servidor e da Administração ao julgado penal,128 o processo administrativo é o único mecanismo que assegura os direitos fundamentais do réu.129 Desaparecida a condenação, por obra de revisão criminal julgada que absolver o réu (art. 626, caput, do CPP), elimina-se o efeito, impondo-se, via de regra, a reintegração do servidor. Realmente, o acolhimento do resultado da sentença penal proferida na revisão criminal, última palavra neste âmbito, impedimento algum encontrará no desfecho contrário do processo administrativo que aplicou ao servidor a pena de demissão. A resolução penal é, para todos os efeitos, de índole jurisdicional, sobrepondo-se à manifestação administrativa, nela baseada, exceto na hipótese de o fato inabilitar moralmente o servidor a retornar ao serviço público (art. 220 da Lei 10.098/94-RS). É a chamada “falta residual”, a que alude a Súmula do STF, n.º 18.
E o desfecho do processo administrativo não goza da peculiar eficácia que imuniza a sentença definitiva do processo civil a ilimitadas revisões (coisa julgada).130 A coisa julgada, no contencioso administrativo, tem alcance reduzido. Na melhor das hipóteses,131 a expressão “coisa julgada”, no contexto do processo administrativo, significa tão só a impossibilidade de a Administração retratar seus próprios atos. Realiza-se a recepção do novo julgado penal através do pedido de revisão, ou de outro meio previsto na lei local, haja vista a caracterização do julgado penal como fato novo (v.g., art. 249, caput, da Lei 10.098/94-RS). Resistindo a tal efeito a Administração, abre-se ao servidor a via do processo civil, no qual se restaurará a harmonia, decidindo o juiz civil em prol da supremacia do pronunciamento penal. Todavia, há outra situação concebível: a hipótese de o servidor, antes de pleitear e obter a revisão de sua condenação penal, controverter no processo civil a pena de demissão que a Administração lhe impôs, pleiteando sua reintegração, e colher juízo de improcedência. Em princípio, o descabimento do pedido de reintegração se tornou indiscutível, por força da eficácia de coisa julgada (art. 502 do NCPC). Ora, o julgado penal decorrente da revisão criminal e superveniente à autoridade do julgado civil, constitui causa de pedir diversa, assunto que não poderia ser considerado à época do primeiro julgado, porque surgiu posteriormente. Neste caso, inexistem quaisquer impedimentos a um novo pronunciamento no processo civil, por óbvio de sentido oposto ao primeiro, porque inexistirá a tríplice identidade exigida no art. 337, § 2.º, do NCPC, para atuar a função negativa da coisa julgada (infra, 237). Embora admissível o segundo processo civil, a procedência do pedido de reintegração no cargo talvez não se revele fatal: às vezes, a lei local utiliza (de modo constitucional) outro fundamento (a inabilitação moral do servidor) para vetar o retorno ao cargo (art. 220 da Lei 10.098/94-RS). Trata-se de elemento distinto da condenação ou da absolvição penais; portanto, alheio à sua influência e atração. Dependerá de prévio e motivado pronunciamento da Administração, no precedente processo administrativo; ademais, o controle de sua subsistência, no ulterior processo civil, envolverá a questão mais ampla dos limites do controle judiciário dos atos administrativos. Fora da recepção na via administrativa da pena de perda do cargo, do emprego e da função públicas (v.g., art. 191, parágrafo único, da Lei 10.098/94-RS), as leis locais, no exercício legítimo de sua competência constitucional, descrevem como ilícitos administrativos fatos contrários a direito que constituem crimes funcionais (v.g., art. 191, XV, da Lei 10.098/94RS: “corrupção passiva nos termos da lei penal”) ou não. O legislador local “recebe e faz sua apenas a hipótese de incidência descrita na lei penal: a hipótese de incidência, não o preceito, que é a sanção criminal”.132 Os fatos podem e devem ser avaliados diferentemente em virtude da autonomia das instâncias penal e administrativa (art. 186 da Lei 10.098/94-RS). Talvez aconteça, assim, a absolvição do servidor na esfera penal e, nada obstante, sua condenação no processo administrativo disciplinar. É, outra vez, a manifestação da chamada “falta residual” (Súmula do STF, n.º 18): na verdade, diferença quanto ao material de fato ou sua avaliação. Por outro lado, a falta de coincidência das questões de fato no processo administrativo e no penal pré-exclui a suspensão do primeiro no curso do segundo.
A lei civil (art. 935, segunda parte, do CC) e a lei processual penal (art. 66 do CPP) estabelecem a autoridade do julgado penal, sempre que nele o juiz reconhecer inexistente o fato ou declarar não ter sido o servidor o autor do fato ilícito. À diferença do que acontece com a ação civil ex delictio, o resultado do processo-crime subordina a Administração. E isso, porque o Poder Judiciário dá a última palavra acerca das questões de direito. É possível o servidor, demitido no processo administrativo, invocar o julgado penal no processo civil para obter sua reintegração. E, se antes de sua absolvição penal, pôs em causa o processo administrativo e perdeu, resta-lhe rescindir o julgado civil, invocando a infração dos dispositivos citados (art. 966, V, do NCPC), consoante os termos do julgado penal posterior. Firme jurisprudência do STJ enquadrava a hipótese de rescisão no inc. VII do art. 485 do CPC de 1973,133 a despeito do adjetivo “novo” referir-se ao momento da produção da prova documental, e, não, à oportunidade de sua formação.134 O art. 966, VI, só admite rescisória com fundamento na falsidade da prova. Admissível que seja a rescisão do julgado civil, a procedência do remédio subordina-se aos fundamentos do julgado penal: por exemplo, nenhum relevo assume a absolvição do servidor por insuficiência de provas (art. 386, VII, do CPP).135 O desenvolvimento e o resultado final do processo administrativo se subordinam ao controle judiciário nos termos gerais. Observa-se uma nítida ampliação desses domínios. Assim, a 1.ª T. do STF, após proclamar a regularidade do processo à luz dos direitos fundamentais da ampla defesa e do contraditório, assentou a inviabilidade de substituir a pena imposta ao servidor “sem reexame do mérito do ato administrativo, providência vedada ao Poder Judiciário”.136 Em oportunidade recente, porém, adotou solução diferente: “Embora o Judiciário não possa substituir-se à Administração na punição do servidor, pode determinar a esta, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, a aplicação de pena menos severa, compatível com a falta cometida e a previsão legal”.137 § 10.º Meios de controle do processo administrativo 42. Remédios de controle do processo administrativo Costuma-se distinguir remédios genéricos e específicos para controlar a legalidade constitucional da Administração Pública, cujo objeto mereceu análise nos itens precedentes.138 De modo geral, há diversos remédios processuais, a começar por pretensões veiculadas pelo rito comum, em que a Administração pode figurar como ré, a exemplo da pretensão à anulação, a consignação em pagamento, a nunciação de obra nova, e assim por diante. Esses remédios são genéricos, porque a participação da Administração como parte é eventual. Os remédios processuais específicos são os que, por definição, exigem a presença da Administração Pública. Os writs constitucionais – habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, habeas data, a ação popular e a ação civil pública – compõem o quadro. A palavra writ significa ordem.139 O dado terminológico já revela que se destinam, precipuamente, ao controle judiciário do processo administrativo e demais atos da Administração.
Caracterizam-se pela possibilidade do adiantamento dos efeitos do pedido como efeito do elemento mandamental (infra, 1.441). Os diversos aspectos desses procedimentos especiais receberão exame nos capítulos específicos (v.g., competência). Interessa, porém, precisar-lhes a modalidade de controle nas suas linhas gerais. Desse modo, analisar-se-ão três pontos capitais: o objeto litigioso, sem os pormenores de admissibilidade da respectiva inserção no processo; as partes concebíveis; e a força da sentença. Esses dados sumários apresentam o meio e o alcance do controle judiciário. O denominador comum – o adiantamento dos efeitos do pedido sob a forma de provimento liminar – receberá análise no capítulo dedicado às medidas de urgência (infra, 1.441). 43. Habeas corpus Em geral pouco recordado na área civil, o habeas corpus, que é o remédio constitucional que assegura o direito de ir e vir, e o de ficar (art. 5.º, LXVIII, da CF/1988), nela tem aplicação residual. Trata-se de pretensão à segurança, tutelando esse direito fundamental, e, não, de recurso, nada obstante a impugnação de atos judiciais.140 Foi o art. 72, § 22, da CF/1891 que elevou esse remédio, inicialmente contemplado no art. 34 do diploma dedicado ao processo criminal do Império (1832), ao patamar constitucional. É o primeiro previsto para controlar a administração na via jurisdicional, cujas origens remontam à Magna Carta de 1215.141 No início da República, como a disposição constitucional – “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder” – não mencionava o direito à locomoção, desenvolveu-se a chamada “doutrina brasileira do habeas corpus”. Esse entendimento propugnava o alargamento do campo de incidência do remédio para outros direitos. Mas, a reforma da CF/1891 (1926), alterando a redação do art. 72, § 22, restringiu-lhe o cabimento, área hoje coberta por outros writs, em especial o mandado de segurança. Entendido o seu objeto próprio, como adiante explicado, a nobreza do instituto impede que se erijam condições ou limitações ao seu emprego, a exemplo do “prequestionamento” em eventual recurso ordinário para o STF.142 43.1. Objeto do habeas corpus – O habeas corpus tutela o direito fundamental de ir e vir, e de ficar (art. 5.º, LXVIII, da CF/1988), ou seja, a liberdade física.143 Não é cabível, porém, “em relação a punições disciplinares militares” (art. 142, § 2.º, da CF/1988). Em matéria civil, o art. 5.º, LXVII, da CF/1988 proíbe a prisão civil por dívida, exceto a do responsável pelo inadimplemento inescusável de obrigação alimentar e a do depositário infiel. A jurisprudência do STF, acolhendo o art. 7.º, § 7.º, do Pacto de São José da Costa Rica, internado pelo DL 27/1992, proscreveu essa última hipótese, proclamando a inconstitucionalidade das regras infraconstitucionais que a admitiam, em qualquer modalidade de depósito”, a exemplo do (revogado) art. 666, § 3.º do CPC de 1973.144 Então, sobreviveu a prisão civil do devedor de alimentos na ordem constitucional brasileira; porém, não se pode excluir, absolutamente, o órgão judiciário de primeiro grau, valendo-se da sua independência jurídica,
entender diferentemente do STF e determinar, em algum caso concreto, a prisão do depositário infiel. Decisão desse teor expõe o ato à reclamação fundada no art. 988, IV, do NCPC. E o habeas corpus recebeu emprego intermitente nos casos de autorização para o aberto de fetos anencefálicos.145 A competência para decretar a prisão é do órgão judiciário da Justiça Comum de primeiro grau que processar a execução de alimentos. Em princípio, a execução corre no domicílio do alimentando, quer a fundada em título judicial, quer a baseada em título extrajudicial (v.g., art. 13, in fine, da Lei 10.741/2003). Do ato previsto no art. 528, § 1.º, do NCPC, e no art. 19, caput, da Lei 5.478/1968 – disposição ainda vigente, a teor do art. 1.072, V, do NCPC –, cabe agravo de instrumento, a teor do art. 1.015, parágrafo único, do NCPC, e habeas corpus para o TJ. Nada obstante a proscrição da prisão do depositário, objeto da Súmula Vinculante n.º 25 do STF, em tese concebe-se – ilegalmente – semelhante ato. A competência para o ato ilegal é dos juízos de primeiro grau da Justiça Comum e da Justiça Federal. Um dos casos mais expressivos de depósito reponta na alienação fiduciária. Ora, não se exclui a possibilidade da CEF, que é empresa de banco, contratar tal negócio, ingressar na Justiça Federal de primeiro grau e obter decreto de prisão. Desse ato caberá, por igual, agravo de instrumento e habeas corpus para o TRF da região. Também não se exclui nas causas de competência dos juizados especiais da Justiça Comum, no curso da execução de seus julgados ou de títulos extrajudiciais, a decretação da prisão do depositário infiel, invocando o julgado a regra (derrogada) do art. 666, § 3.º, do CPC de 1973. Em tal hipótese, caberá à turma recursal conhecer do habeas corpus,146 por analogia com o mandado de segurança (Súmula do STJ, n.º 376). Da denegação só cabe recurso extraordinário para o STF. Fora daí, concebe-se que a prisão seja decretada por tribunal inferior, no exercício da competência recursal, ou seja instado tribunal superior (STJ e STF), conforme a qualidade do paciente, a reparar a ilegalidade. Esses aspectos receberão exame no capítulo da competência. 43.2. Partes no habeas corpus – As partes no habeas corpus são, de um lado, o impetrante, e, de outro, o impetrado. O impetrante é a pessoa natural, ou o Ministério Público,147 reclamando a expedição de ordem perante a autoridade judiciária.148 O impetrado é a autoridade pública que pratica ou ameaça praticar o ato de constrangimento ao direito de ir, vir, e de ficar, e perante a qual a tutela jurisdicional é pedida. E há o paciente, a pessoa que sofre ou receia sofrer o constrangimento ilegal na liberdade de ir, vir e de ficar. O paciente é o beneficiário da ordem. Cumpre ao impetrante identificar, nos termos do art. 654, § 1.º, a, do CPP, subsidiariamente aplicável ao processo civil, o impetrado e o paciente. O impetrante pode pedir a ordem a seu favor (in his behalf) ou em proveito de outra pessoa (by any).149 43.3. Natureza da sentença no habeas corpus – À semelhança dos demais writs, a força da sentença que acolher o pedido e libertar o paciente é mandamental (infra, 234).150 44. Habeas data
O habeas data (art. 5.º, LXXII, a e b, da CF/1988) é o remédio constitucional que assegura, à pessoa natural ou jurídica, o conhecimento dos registros concernentes ao requerente e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, para retificação ou anotação de explicação e contestação. Em fórmula sintética, mas insuperável na (costumeira) elegância e precisão, pode-se dizer o seguinte do habeas data: “A ninguém se deve negar o conhecimento do que os outros sabem ou supõem saber a seu respeito, nem a possibilidade de contestar a exatidão de tais noções e, sendo o caso, retificar o respectivo teor”.151 É a noção geralmente aceita.152 A regra consagra autêntico direito fundamental material.153 44.1. Objeto do habeas data – A coleta de dados à revelia da pessoa, sem nenhum controle do interessado, representa flagrante violação da esfera íntima do indivíduo ou da empresa. A atividade se torna fonte provável de dano patrimonial ou moral.154 Para tutelar círculo de conhecimento tão notável e particular, como a privacidade, impõe-se franquear acesso e assegurar a superintendência das informações coligidas, relativas à pessoa do impetrante, e constantes de banco de dados públicos (v.g., os dos serviços de proteção ao crédito)155 ou mantidos pelo Poder Público (v.g., os arquivos da polícia judiciária). O instituto originado da CF/1988 mereceu estéril controvérsia acerca da aplicação imediata do writ na vida privada,156 mas recebeu disciplina hábil na Lei 9.507, de 12.11.1997, cujo art. 7.º, I a III, atribui tríplice escopo à impetração: assegurar o acesso aos dados, permitir a retificação dos dados errôneos e a anotação, nos assentamentos do interessado, de contestação ou de explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável, e objeto de litígio judicial ou não. É um âmbito um pouco mais largo do que o consagrado no assento constitucional, e, nada obstante, incensurável nessa perspectiva. À lei infraconstitucional só não caberia restringir ou amesquinhar os objetivos do remédio. Legitima-se, ativamente, a pessoa objeto dos dados. Por essa razão, o remédio é inadmissível para obter informações acerca de terceiro.157 É digno de nota mais um aspecto. O procedimento do habeas data não difere, substancialmente, do erigido para o mandado de segurança. Há visível afinidade entre os dois institutos, repercutindo na estruturação dos atos seriais do procedimento. A Lei 9.507/1997 copiou o arcabouço da antiga lei de regência do mandado de segurança, incluindo as peculiaridades (v.g., a entrega à autoridade da segunda via da petição inicial, acompanhada dos respectivos documentos). A diferença corre por conta da regulamentação minuciosa da fase pré-judicial (arts. 2.º a 4.º da Lei 9.507/1997). Em princípio, não postulando o interessado perante o mantenedor do banco de dados, para os fins já explicados, inexiste interesse em propor o habeas data,158 conforme explicita a Súmula do STJ, n.º 2. 44.2. Partes no habeas data – É parte ativa, no habeas data, a pessoa natural ou jurídica a que respeite o dado que se pretenda desvelar ou corrigir.159 O impetrante pode ser nacional ou estrangeiro. O caráter personalíssimo dos dados, a mais das vezes atinentes à vida privada ou íntima (v.g., a militância política do cidadão em determinado
período) parece excluir a substituição processual.160 Porém, o Ministério Público pode pleitear o habeas data para obter informações de interesse geral e coletivo.161 Mas, em razão da morte, o direito transmite-se aos herdeiros e ao cônjuge supérstite, como meio de venerar a memória do morto. A parte passiva é a pessoa jurídica ou natural depositária de registro ou banco de dados (art. 2.º da Lei 9.507/1997). É preciso que esse banco tenha caráter público, razão pela qual o art. 1.º, parágrafo único, da Lei 9.507/1997 define como tal “todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações”. Por conseguinte, as pessoas jurídicas de direito privado que depositam ou armazenam dados, como os serviços de proteção ao crédito (SPC) podem figurar no polo passivo. 44.3. Natureza da sentença no habeas data – A força da sentença predominará no pronunciamento que acolher o pedido formulado no habeas data (infra, 234). Rejeitado o pedido, haverá força declaratória. 45. Mandado de segurança O mandado de segurança é o mais importante writ constitucional após o habeas corpus. O seu cabimento obtém-se por exclusão. O remédio tutela direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus e por habeas data, “sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça” (art. 5.º, LXIX, da CF/1988, c/c art. 1.º da Lei 12.016/2009). Esse remédio adveio da notória doutrina brasileira do habeas corpus, que forcejava, na falta de outro instrumento hábil, por dilatar o campo de incidência desse último writ destinado à tutela do direito de ir, de vir, e de ficar. A reforma constitucional de 1926 pôs fim a essa ampliação indevida.162 Fenômeno similar ocorreu na República Argentina.163 Era indispensável criar remédio específico para tutela dos direitos fundamentais contra atos ilegais e abusivos do Poder Público. O art. 76, 2, II, a, da CF/1934, elevou o mandado de segurança à estatura de direito fundamental ele próprio, alçando-se o remédio, destarte, à função de arma poderosa “na eterna batalha” das pessoas contra as arbitrariedades do Poder Público.164 O precursor mais notável de instrumento com esse propósito é o amparo mexicano, previsto no art. 25 da Acta de Reformas de 1847.165 Em 1849, proferiu-se a primeira sentença de amparo.166 Mas, há outros mecanismos similares no direito ibero-americano, como no caso da Argentina, cuja Suprema Corte admitiu o remédio com essa feição em julgado de 27.12.1957.167 A disciplina infraconstitucional do mandado de segurança atualmente consta da Lei 12.016/2009. Em tal diploma, incorporou-se a jurisprudência prevalecente (v.g., a inadmissibilidade da condenação em honorários advocatícios, a teor do art. 25, impedindo a reparação integral do lesado),168 reproduzindo-se, ademais, a fisionomia tradicional do instituto. Essa técnica frustrou algumas expectativas radicais, principalmente na parte
coletiva, mas não se pode negar o equilíbrio interno das disposições legislativas. Por outro lado, superou a crítica à multiplicidade de remédios para o controle dos atos ilegais da Administração Pública, pois já se ouviam vozes sustentando a incompatibilidade da (revogada) Lei 1.533/1951 com a Constituição.169 45.1. Objeto do mandado de segurança – O campo próprio à atuação do mandado de segurança se obtém, em primeiro lugar, por exclusão. Desse modo, restrição à liberdade de ir, vir e ficar – e, por esse curial motivo, o decreto de prisão civil, recorrível através de agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, do NCPC), recurso dotado de efeito suspensivo ope iudicis, mostra-se infenso ao mandado de segurança –, liberdade da pessoa natural tutelada através de habeas corpus; ou decorrente do “controle do armazenamento e acesso a dados pessoais” da pessoa natural ou jurídica, passível de habeas data, admite-se a impetração de mandado de segurança. O mandado de segurança resguarda toda espécie de direitos – daí seu relevo – ameaçados ou ofendidos por atos ou omissões de autoridade pública e dos seus delegados.170 Pode ser individual ou coletivo. O impetrante há de alegar e evidenciar direito líquido e certo na inicial. Resultado de longa e proveitosa elaboração constitucional, legislativa e doutrinária – tema alheio à matéria aqui desenvolvida –, essa locução significa que o autor produzirá prova pré-constituída do fato constitutivo (art. 319, III, do NCPC) do alegado direito.171 Facilmente se percebe a frisante característica imprimida ao processo do mandado de segurança. É de cognição sumária, secundum eventus probationis,172restringindo o emprego do remédio e produzindo reflexos no alcance da coisa julgada do provimento que acolher ou rejeitar o pedido. O requisito não se relaciona com a complexidade dos fatos, com a controvérsia suscitada pelo impetrado – a nota marcante do fundamento não reside na inexistência de discussão, mas na ausência de contestação séria à afirmação do direito173 – e nem com a relevância das questões jurídicas ventiladas da impetração. O requisito simplesmente obsta a produção de prova diversa da documental, deixando incógnita a área de cognição correspondente, reservada a outro processo.174 O mandado de segurança exige que o impetrante combata ato de autoridade. Não importa a origem conspícua ou trivial da lesão ou ameaça de lesão ao direito. No entanto, o art. 1.º, § 2.º, da Lei 12.016/2009 pré-exclui o mandado contra atos de gestão praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedades de economia mista e de concessionárias de serviços na suposição de que não sejam atos de autoridade, o que soa, literalmente, inconstitucional.175 Por exemplo, o concurso público, organizado pela sociedade de economia mista para recrutar seu pessoal, conforme exige o art. 37, caput, da CF/1988, pode e deve ser controlado através do mandado de segurança. Além dos atos administrativos, em geral, desafia a impetração os atos emanados da autoridade judiciária, em que pese restrição constante do art. 5.º, III, da Lei 12.016/2009, erigida com o fito de preservar a coisa julgada (Súmula do STF, n.º 268). Após a mudança do regime do agravo de instrumento, genericamente dotado de efeito suspensivo ope iudicis, imperou a exclusão já acenada na Súmula do STF, n.º 267, quanto à admissibilidade da impetração contra atos judiciais despojados de coisa julgada, assunto
examinado no item dedicado à obtenção de efeito suspensivo na apelação. A redação do art. 5.º, II, da Lei 12.016/2009 sugere que, inexistindo efeito suspensivo ao recurso previsto, em tese, contra o ato judicial, cabe o mandado de segurança. Em relação aos atos legislativos, o mandado de segurança não cabe contra lei em tese (Súmula do STF, n.º 266). Idêntica restrição recai sobre os atos interna corporis (regimentais) relativos ao processo legislativo. Todavia, há direito a um “devido processo legislativo”, cujo desrespeito enseja a impetração. Também quando a lei é autoaplicável, de efeitos concretos (v.g., criação de um tabelionato) ou veicula ato administrativo (v.g., o tombamento), há possibilidade de controvertê-los por intermédio da segurança. Em tal hipótese, o mandado assume caráter preventivo. Enquanto couber recurso administrativo com efeito suspensivo, o ato não produz eficácia, tornando inútil a impetração (art. 5.º, I, da Lei 12.016/2009). Em matéria fiscal, o art. 38, parágrafo único, da Lei 6.830/1980 contempla a extinção do recurso administrativo pendente no caso de impetração. Os atos disciplinares só comportam controle, via mandado de segurança, da legalidade e da proporcionalidade na aplicação da pena, razão pela qual o legislador estimou desnecessária qualquer referência específica a esse respeito na Lei 12.016/2009. O controle da legalidade constitucional dos atos disciplinares não discrepa dos demais atos administrativos. 45.2. Partes no mandado de segurança – O sujeito ativo, no mandado de segurança individual, é a pessoa natural ou jurídica que alega ser titular do direito líquido e certo ameaçado ou lesado, ou o ente sem personalidade nessas condições (v.g., o condomínio), porque o art. 5.º, LXIX, da CF/1988 não comporta restrições.176Nesse particular, a redação atual do art. 1.º, da Lei 12.016/2009 evoluiu positivamente, indicando as pessoas jurídicas, mas retrocedeu ao abandonar o pronome indefinido “alguém”, mais abrangente. A designação usual do autor, no mandado de segurança, é impetrante. Em tema de legitimação ativa, no mandado de segurança individual, há duas situações peculiares que merecem, desde logo, explicação, que se renovará no capítulo dedicado às partes e no parágrafo concernente à legitimidade extraordinária (infra, 556). O art. 3.º da Lei 12.016/2009 estabelece que o titular de direito líquido, em condições idênticas à de terceiro, legitima-se a impetrar o mandado de segurança em favor do direito do titular originário, se este não o fizer, apesar de notificado, no prazo de trinta dias. Exemplo dessa situação é a do integrante de carreira que impugna a organização da lista de promoção por merecimento, que pré-exclui outra pessoa, baseada em critério que o coloca na posição de ser promovido por antiguidade. O terceiro não é afetado diretamente pelo ato impugnado, mas seu direito próprio depende da realização do direito originário.177 E o art. 1.º, § 3.º, da Lei 12.016/2009 estipula que, pertencendo a várias pessoas o direito ameaçado ou violado, qualquer delas pode impetrar o mandado de segurança. Por exemplo, o candidato aprovado em curso público, em segundo lugar, que impugna a anulação do certame; o integrante
da lista de candidatos a determinada vaga no tribunal legitima-se a impugnar a validade da nomeação de outro candidato (Súmula do STF, n.º 628). No mandado de segurança coletivo, assim entendidos os interesses transindividuais de qualquer natureza (difusos, coletivos e individuais homogêneos), a teor do art. 5.º, LXX, da CF/1988, legitimam-se: (a) o partido político com representação no Congresso Nacional; (b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses dos seus membros ou associados. O art. 21, caput, da Lei 12.016/2009 explicita a legitimação do partido político como concernente aos legítimos interesses dos seus integrantes e à filiação partidária. Embora essa legitimidade deva ser ampla, subjetiva (no que tange aos sujeitos substituídos) e objetiva (quanto à matéria), o STF a excluiu em matéria tributária;178 contudo, no mínimo há que se admiti-la em relação aos objetivos próprios e gerais dos partidos políticos, explicitados na Lei 9.096/1996.179 A legitimidade do art. 5.º, LXX, b, distingue-se da conferida às entidades associativas do art. 5.º, XXI, da CF/1988. Neste último caso, a associação defenderá interesse alheio, em nome alheio, e, por isso, depende de expressa e prévia autorização do titular do direito. De resto, no caso do art. 5.º, LXX, b, apura-se o liame entre as pessoas arroladas e os interesses dos associados através dos objetivos expressos nos respectivos atos constitutivos, que é a chamada “pertinência temática”, prevista no art. 21, caput, parte final, da Lei 12.016/2009. O interesse tutelado pode envolver tão só parte dos associados (Súmula do STF, n.º 630). O mandado de segurança cabe contra ato de autoridade pública, ou agente de pessoa jurídica, embora com personalidade de direito privado, no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5.º, LXIX, da CF/1988). É preciso recorrer à noção de agente público para compreender, extensivamente, todas as figuras compreendidas e as diversas categorias de atos passíveis de impetração. Por esse motivo, o art. 1.º, caput, da Lei 12.016/2009, apanha a autoridade coatora, “seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerçam”. Explicita essa disposição o art. 1.º, § 1.º, da Lei 12.016/2009, abrangendo “os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições”. Não cabe mandado de segurança, porém, contra atos de gestão comercial praticados pelos agentes de empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviço público.180 Fora desse campo – por exemplo, as empresas públicas e as sociedades de economia mista devem recrutar seu pessoal através de concurso público –, cabe mandado de segurança.181 A autoridade coatora pode integrar, indiferentemente, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas há restrições ao cabimento da impetração, conforme a natureza do ato (retro, 45.1). A posição processual da autoridade coatora, no processo, suscita antiga controvérsia (infra, 502). O art. 6.º, caput, da Lei 12.016/2009 reclama a indicação, na inicial, da autoridade coatora e da pessoa jurídica a que a
autoridade integre formalmente. Ao juiz caberá, ao despachar a inicial, dar ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica (art. 7.º, II, da Lei 12.016/2009), de um lado, e à própria autoridade comunicar a impetração ao órgão de representação judicial “para a eventual suspensão da medida e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo” (art. 9.º da Lei 12.016/2009). No direito anterior, perante disposições similares, formaram-se duas correntes: (a) a que considera parte a autoridade coatora,182 que é destinatária da ordem judicial, em litisconsórcio ou não com a pessoa jurídica;183 (b) a que considera parte a pessoa jurídica de direito público ou privado, representandoa a autoridade coatora.184 O STF firmou posição no sentido de que parte é a pessoa jurídica.185 Todavia, o representante judicial dessa pessoa pode figurar, excepcionalmente, no polo passivo.186 A Lei 12.016/2009 encampou essa orientação, determinando que, simultaneamente, o órgão judiciário proceda à notificação da autoridade coatora e do órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada (art. 7.º I e II). Entendeu-se completamente superada a tese da autoridade coatora como parte única.187Porém, não é menos verdade que a autoridade coatora participa do processo, cabe-lhe cumprir a ordem do juiz e exibe legitimidade para recorrer sem necessitar demonstrar o respectivo interesse. Tais atributos conferem-lhe a condição de parte. Não há dúvida, no direito mexicano, acerca da condição de parte da autoridade responsável.188 A pessoa natural que ocupa o órgão competente para praticar o ato ou dissolvê-lo, em si mesma, não constitui elemento relevante.189 A “autoridade” não é a pessoa natural, mas o conjunto de atribuições do órgão, às vezes do cargo e da função pública, e, por igual, o órgão das pessoas jurídicas de direito privado. Por exemplo, mudança de presidente da companhia jamais interferiu com a representação da empresa em juízo, que subsiste à alteração da pessoa. Na verdade, o problema se prende à exata configuração do polo passivo nas ações mandamentais (infra, 502). A despeito do ônus que grava o autor, constrangido a localizar precisamente o alvo, parece certo que o órgão judiciário não pode emitir a ordem, própria da força mandamental, senão a autoridade competente para desfazer o ato ou praticá-lo. Do contrário, a ordem se mostraria inexequível. Assim, na condição de destinatário da ordem, a autoridade coatora é a parte passiva na impetração. Eventual erro há de ser corrigido, abrindo o juiz prazo para o autor emendar a inicial (art. 321, caput, do NCPC), sob pena de extinção do processo, haja vista a inépcia da inicial.190 45.3. Natureza da sentença do mandado de segurança – A força da sentença proferida no mandado de segurança é mandamental. (infra, 234) O acolhimento do pedido implica a emissão de ordem à autoridade coatora para desfazer o ato impugnado ou praticar ato próprio do seu ofício. É o que se infere, dentre outras disposições pertinentes, do art. 212, § 2.º, da Lei 8.069/1990. Essa ideia acabou difundindo-se entre os que, anteriormente, rejeitavam o caráter mandamental da impetração.191 A classificação das sentenças por sua força e efeitos, aqui adotada, não permite reputar a sentença de procedência declarativa.192 No entanto, concebe-se a existência de eficácia condenatória mediata (v.g., no caso de ato ilegal retirar vantagem pecuniária de servidor público). Por essa razão, o art. 14, § 4.º, da Lei 12.016/2009 prevê o pagamento de
vantagens pecuniárias do servidor “relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial”, vedada a concessão de liminar para tal finalidade, nos termos do art. 7.º, § 2.º, da Lei 12.016/2009. É particularmente importante a questão da sobrevivência de eventual provimento antecipatório à sentença de denegação, posto que admitida a possibilidade da estabilização da tutela provisória no caso da falta de interposição do recurso próprio (art. 304, caput, do NCPC). A esse respeito, há Súmula do STF, n.º 405, e, como parece inevitável no âmbito da desconstrução pós-moderna, inúmeras opiniões contrárias a essa orientação. O meio-termo adequado consiste em entender revogada a liminar deferida, porque concedida em juízo sumário, em razão de sua natural incompatibilidade com o subsequente provimento emitido após cognição plenária. Não basta o receio de dano sem a verossimilhança do direito. Porém, fica ressalvada a antecipação dos efeitos do recurso pelo relator.193 46. Mandado de injunção O mandado de injunção é o remédio constitucional que autoriza o órgão judiciário a suprir a falta de norma regulamentadora, tornando viável a fruição e o exercício “dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5.º, LXXI, da CF/1988). É um meio de pôr em prática a eficácia imediata dos direitos fundamentais (art. 5.º, § 1.º, da CF/1988).194 Ele não serve para obter do órgão dotado de competência legislativa a expedição da norma propriamente dita. Essa finalidade e objeto competem à ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2.º, da CF/1988). O mandado de injunção tem por fim dar efetividade à norma constitucional, qualquer que seja ela, mirando o Poder Executivo e o Poder Legislativo. 46.1. Objeto do mandado de injunção – O mandado de injunção visa à obtenção de uma ordem específica, a favor do impetrante, formulando regra concreta, que lhe permita usufruir direito fundamental,195 em especial das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Da noção exposta resulta evidente o objeto próprio do mandado de injunção. No quadrante dos direitos fundamentais, a injunção respeita “às normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo e de caráter impositivo e das normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade”,196 regras dependentes de regulamentação, no sentido amplo, incluindo as que não emanam do Poder Legislativo. É similar ao mandado de segurança, por tutelar quaisquer direitos constitucionais, mas dele se distingue pela ineficácia da regra que subjetiva o direito, haja vista a falta de regulamentação.197 O procedimento do mandado de injunção, consoante o art. 24, parágrafo único, da Lei 8.038/1990, segue o modelo do mandado de segurança, “enquanto não editada legislação específica”. A cláusula “no que couber”, inserida no texto quanto à aplicação da antiga lei de regência do mandado de segurança, induziu o STF a proclamar a inadmissibilidade da liminar.198 A ausência de procedimento especial não constitui novidade surpreendente, nem óbice à injunção.199 Ao paradigmático mandado de segurança, até o
advento da Lei 191, de 16.01.1936, faltava procedimento autônomo, o que jamais impediu o julgamento das impetrações.200 46.2. Partes no mandado de injunção – Legitima-se, ativamente, o cidadão que evidencie liame entre a falta de regulamento e a fruição do direito;201 passivamente, “o Poder, órgão, entidade ou autoridade que tem o dever de regulamentar a norma constitucional”.202 Esses órgãos e entidades encontram-se indicados, exemplificativamente, no art. 102, I, q, e art. 105, I, h, da CF/1988. 46.3. Natureza da sentença no mandado de injunção – É controversa a natureza e alcance da sentença que acolher a injunção. A própria figura vem sendo penosamente construída na jurisprudência do STF. A posição original consagrava a chamada teoria da “subsidiariedade”.203 A função do órgão judiciário, no acolhimento do pedido, residiria em declarar a omissão legislativa e cientificar o legitimado passivo de sua situação de inércia, tornando o remédio um autêntico sino sem badalo.204 É uma solução altamente insatisfatória, bem distante das saudáveis aspirações que presidiram a criação do instituto, concebido para evitar que os direitos consagrados na Constituição fiquem hibernando, e que balizam as necessidades práticas da tutela pretendida por essa via. Exemplo frisante de ordem inútil se localiza na regulamentação do já revogado art. 192, § 3.º, da CF/1988, mandamento jamais atendido pelo Congresso.205 Segundo outra concepção, designada de teoria da “resolutividade”, o órgão judiciário formularia a regra jurídica concreta faltante. Por isso, a força do pronunciamento é constitutiva.206 Em seguida, o tribunal resolveria a lide proposta, aplicando-a ao caso concreto e outorgando o bem da vida ao impetrante.207 Em outros julgados, o STF assinou prazo razoável para a colmatação da lacuna legislativa, após o que o prejudicado ficaria autorizado a pleitear o direito na via própria.208Simplificou-se, posteriormente, o segundo processo, permitindo a liquidação pecuniária do direito reconhecido na injunção.209 É uma posição intermediária, não isenta de sabedoria, porque o STF declara a omissão legislativa e, ao mesmo tempo, a existência do direito à prestação em natura, mas não julga integralmente a lide, remetendo o interessado para outro processo nas instâncias ordinárias. Resta aguardar o fecho da evolução em progresso. Também se cogita do mandado de injunção coletivo. O maior problema residiria na eficácia erga omnes da coisa julgada no caso de acolhimento do pedido. Em tal hipótese, o pronunciamento judicial equivale à lei em sentido material, mas temporalmente limitada: no caso de o Legislativo regulamentar a situação de fato, convergentemente ou não, revogaria a norma de origem judiciária.210 47. Ação popular A ação popular legitima qualquer cidadão a pleitear em juízo a invalidação dos atos lesivos ao patrimônio público, como tal entendidos o meio ambiente, os bens e direitos de valor econômico, artístico, histórico ou turístico, e à moralidade administrativa, bem como a condenação dos agentes públicos e
particulares responsáveis em perdas e danos (art. 5.º, LXXIII, da CF/1988, c/c art. 1.º da Lei 4.717/1965).211 47.1. Objeto da ação popular – O objeto genérico da ação popular é o da defesa do patrimônio público, submetendo-o ao controle popular. Especificamente, o objeto é o ato e o negócio jurídico inválido e lesivo ao patrimônio público. Fica subentendido que a ilegalidade é intrínseca à lesividade.212 Para essa finalidade, o art. 2.º da Lei 4.717/1965 dispõe a respeito dos vícios dos atos e negócios administrativos, segundo essa natureza, e integra o sistema com a convocação das regras de invalidade dos negócios jurídicos privados, a fim de englobar na ação popular os atos e negócios em que figuram pessoas naturais e jurídicas privadas (art. 3.º da Lei 4.717/1965), explicitando, no art. 4.º da Lei 4.717/1965, as situações concebíveis,213 em que a lesividade é presumida. Eventual infração da moralidade administrativa precisa ser conjugada a um desses preceitos, a fim de preencher o suporte da causa de pedir, sendo imprescindível o dano material.214 Leis em sentido formal, na verdade atos administrativos sob forma de lei, naturalmente se inserem no âmbito da ação popular. As leis propriamente ditas comportam tão só controle constitucional. Não parece possível transformar o objeto da ação popular em modalidade de controle de constitucionalidade, porque ele deixaria de ser difuso, ou seja, restrito à situação individual, para adquirir extensão abstrata e geral, própria do controle concentrado. Ora, o controle concentrado de constitucionalidade exibe legitimidade restrita e concorrente, em círculo subjetivo bem menor do que o da ação popular, e, de resto, compete aos tribunais específicos (STF ou TJ), e, não, ao juízo de primeiro grau – por exemplo, o STF decidiu que ação popular contra ato do CNJ compete ao primeiro grau.215 Por outro lado, os atos jurisdicionais típicos são imunes à ação popular.216 Porém, o autogoverno da magistratura produz copiosos atos administrativos, passíveis de ação popular, apesar de emanados de órgãos judiciários (em geral, colegiados), porque não se confundem com os provimentos judiciais. Fora desses casos não jurisdicionais, e apesar de o pronunciamento do juiz representar autêntico ato de improbidade (v.g., a sentença proferida por juiz peitado), não é a ação popular meio adequado para desfazê-lo.217 47.2. Partes na ação popular – É remédio privativo da pessoa natural – na verdade, do cidadão eleitor (art. 1.º, § 3.º, da Lei 4.717/1965), fórmula antiquada e sumamente criticável.218 A pessoa jurídica não ostenta legitimidade para propor a ação popular (Súmula do STF, n.º 365). Legitimase, porém, o Ministério Público a ingressar com ação civil com objeto similar (art. 25, IV, b, da Lei 8.625/1993), e as pessoas jurídicas de direito público, uma vez citadas podem ingressar como litisconsortes ativas no processo pendente, ou seja, escolher a posição de autor ou de réu.219 Do ponto de vista passivo, como se trata de pretensão à invalidação, há necessidade de se formar litisconsórcio passivo necessário (infra, 580.3), porque o ato ou o negócio jurídico administrativo precisam ser desfeitos perante todos os seus participantes. Por esse motivo, figuram como réus: (a) as pessoas físicas e jurídicas, privadas ou públicas, exemplificativamente
arroladas no art. 1.º da Lei 4.717/1965; (b) os agentes públicos que, de alguma maneira, concorreram para a formação do ato ou negócio inválidos, ou seja, “que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão” (art. 6.º, caput, da Lei 4.717/1965); (c) os beneficiários do ato ou do negócio administrativo, diretos e indiretos, agentes públicos ou não (art. 6.º, § 1.º, da Lei 4.717/1965).220 Concebe-se a intervenção, como assistentes ou litisconsortes, dos regressivamente responsáveis (art. 11 da Lei 4.717/1965), ou das pessoas que pretendam defender a validade do ato ou do negócio.221 47.3. Natureza da sentença na ação popular – A sentença que acolhe o pedido formulado na ação popular é, predominantemente, constitutiva negativa, porque invalida o ato ou o negócio administrativo lesivo ao patrimônio público, e, mediatamente, condenatória dos responsáveis a indenizar o erário.222 A autoridade de coisa julgada se produz erga omnes, consoante o art. 18 da Lei 4.717/1965, mas secundum eventus probationis, ou seja, não há semelhante eficácia na sentença fundada em insuficiência de prova. A eficácia erga omnes atinge todos os possíveis autores, mas, relativamente ao(s) réu(s), alcança somente as pessoas que figuraram como partes passivas na demanda.223 48. Ação civil pública A Lei 7.347/1985 introduziu, no direito brasileiro, remédio processual adequado à tutela dos direitos coletivos. Deu-se a ele a designação equívoca de “ação civil pública”, haja vista a qualidade da parte ativa.224 Esse remédio tem a finalidade precípua de proteger o meio-ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a ordem urbanística, a ordem econômica, a economia popular e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (art. 1.º da Lei 7.347/1985).225 Essa cláusula aberta abrange os interesses difusos e coletivos quanto ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor e à moralidade administrativa. Eventualmente, o remédio se presta à tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos.226 Tão amplo é o campo de atuação do remédio que já se defendeu, com razão, o seu uso para proteger a língua portuguesa (art. 13, caput, da CF/1988) contra o emprego de palavras estrangeiras nos documentos do Poder Público.227 A importância desse diploma é transcendente no cenário nacional. Ele democratiza o acesso à Justiça.228 O processo civil contemporâneo se caracteriza por três linhas evolutivas: (a) do abstrato ao concreto; (b) do individual ao social; (c) do nacional ao internacional.229 A Lei 7.347/1985 rompeu, decisivamente, o esquema clássico do direito processual, voltado à tutela dos interesses individuais, no qual só a muito custo identificam-se fórmulas para proteção de bens coletivos.230 Não constitui exagero afirmar que o diploma operou verdadeira revolução.231 Completou-a decisivamente, advindo a CF/1988, a função institucional do Ministério Público em promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Formouse, assim, o arcabouço do processo coletivo comum. 48.1. Objeto da ação civil pública – Um dos objetos concebíveis da ação civil pública consiste na tutela do patrimônio público, entendimento firmado na
Súmula do STJ, n.º 329, e os direitos transindividuais do erário, investindo, pois, na seara dos negócios administrativos lesivos.232 Em consequência, em alguns casos o objeto da ação civil pública se identifica, em tese, ao da ação popular (retro, 47.1), que progressivamente se tornou anacrônica.233 E, com efeito, a pretensão deduzida em juízo, inclusive a que versa interesses difusos e coletivos, individualiza-se através dos três elementos – as partes, a causa e o pedido –, mostrando-se irrelevante, para esse efeito, a designação do remédio processual (infra, 238). É verdade que, conforme se deduz do art. 1.º, caput, da Lei 7.347/1985, o pedido consistente em reparar o dano aos bens tutelados, repressivamente, e, de modo preventivo, pode impor prestações de fazer e de não fazer ao réu (art. 3.º da Lei 7.347/1985). No entanto, para essa finalidade, não raro se exigirá que, precedentemente, o órgão judiciário dissolva o negócio jurídico que produziu efeitos lesivos ao erário. Por exemplo, o STJ reconheceu admissível a ação civil pública para controverter a alienação do patrimônio de sociedade de economia mista.234 Nessas hipóteses, então, a única diferença discernível respeita ao autor, pois o cidadão eleitor não tem legitimidade para propor ação civil pública. Por isso, não há concurso de ações.235 A inconstitucionalidade da lei não pode ser objeto exclusivo da ação civil pública.236 Por exemplo: (a) a lei que cria cargos em comissão, pedindo o autor a exoneração das pessoas investidas, com base na inconstitucionalidade; e (b) a lei que institui determinado tributo, pedindo o autor o cancelamento do lançamento do tributo.237 Paulatinamente, ajustar-seá o emprego da ação civil pública, evitando abusos que geraram preocupações e críticas.238 48.2. Partes na ação civil pública – O art. 5.º, I a V, da Lei 7.347/1985 arrola as pessoas que podem deduzir pretensão em defesa dos bens coletivos tutelados na ação civil pública: (a) o Ministério Público; (b) a Defensoria Pública;239 (c) as pessoas jurídicas de direito público, autarquias e fundações públicas; (d) as pessoas integrantes da Administração Indireta, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações de direito privado mantidas pelo Poder Público; (e) as associações constituídas há no mínimo um ano, cuja finalidade inclua a proteção de direitos difusos e coletivos. Inicialmente, o Ministério Público assumiu o peso dessa atribuição institucional, pois a sociedade civil não se encontrava organizada, suficientemente, nem o manejo do remédio se mostrava conhecido. Hoje, as associações tomaram à frente em inúmeras situações e exercem o controle judiciário dos negócios administrativos através de ação civil pública. Em tema de legitimidade do Ministério Público, de regra ordinária (infra, 557),240 há controvérsias no que tange à defesa de direitos individuais homogêneos disponíveis, e, até mesmo, de um único direito individual indisponível. O art. 74, I, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) estendeu a legitimidade do Ministério Público aos interesses individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso, revelando tendência à ampliação. Por exemplo, a pretensão deduzida em proveito de uma única pessoa em matéria de prestações positivas na área da saúde, envolvendo fornecimento de medicamentos e outros serviços.241 Essas questões são secundárias no âmbito do controle judiciário da Administração.
É mais grave e delicado o problema da competência institucional, atendendo à organização federativa do Estado e do Ministério Público. O art. 5.º, § 5.º, da Lei 7.347/1985 admite o litisconsórcio ativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados-membros. Esse fato não implica, necessariamente, que o Ministério Público Federal esteja legitimado a postular perante a Justiça Comum, ou o Ministério Público do Estado-membro perante a Justiça Federal. A regra comporta interpretação no sentido de tornar indispensável a presença de um e de outro, conforme a competência de jurisdição. A jurisprudência do STJ declara preponderante o interesse federal sobre o local. Portanto, a União não se submete à Justiça Comum; porém os Estados podem ser demandados na Justiça Federal. O Ministério Público do Estadomembro não tem legitimidade para propor ação civil pública em prol de interesse federal, não podendo demandar em conjunto com o MPF, nem ingressar como assistente.242 E proposta a ação civil pública pelo MPF, inclusive para negar-lhe legitimidade e versando interesses locais, a competência é da Justiça Federal.243 De fato, só o juiz federal pode apreciar e declarar competente a Justiça Federal, ou não, e, em seguida, reconhecer (ou não) a legitimidade do MP. O STF enfrentou, incidentalmente, o problema da demarcação da competência de segmentos do Ministério Público. Enfrentou a inconstitucionalidade do art. 66, § 1.º, do CC, regra que atribuiu ao Ministério Público Federal a fiscalização das fundações sediadas no Distrito Federal. Segundo o STF, a regra “peca, a um só tempo, por escassez e por excesso”: de um lado, há funções públicas cuja sede não é o Distrito Federal, mas sua fiscalização é do Ministério Público Federal; de outro, há fundações privadas que escapam à fiscalização do Ministério Público Federal, apesar de sediadas no Distrito Federal. O fundamento desse raciocínio consiste no fato que a repartição de atribuições de cada corpo do Ministério Público “corresponde substancialmente à distribuição de competência entre Justiças da União e dos Estados e do Distrito Federal”.244 Convém acrescentar que a simples presença do MPF, no processo, já implica a competência da Justiça Federal, a qual incumbe pronunciar-se a respeito da respectiva atribuição para mover a ação civil pública, e, se for o caso, extinguir o processo por ilegitimidade ativa, salvo se houver litisconsórcio, na forma do art. 5.º, § 5.º, da CF/1988. E ao Ministério Público dos Estados-membros e do Distrito Federal compete, residualmente, mover ação civil pública para tutelar todo e qualquer interesse que não for da atribuição do MPF.245 Em síntese larga, cabe ao MPF ingressar em juízo perante a Justiça Federal, ao MP do Distrito Federal perante a Justiça do Distrito Federal e Territórios, e ao MP do Estado-membro perante a Justiça Comum respectiva, visando a proteger o patrimônio público e outros interesses transindividuais do erário. Passivamente, pode figurar como réu qualquer pessoa natural ou jurídica, à semelhança do que ocorre na ação popular.
48.3. Natureza da sentença na ação civil pública – A sentença que acolhe o pedido formulado na ação civil pública, tratando-se de controle dos negócios da Administração, lesivos aos interesses ou direitos metaindividuais, tem natureza similar à da ação popular: dissolve o negócio ilegal que provocou prejuízo ao bem tutelado e condena o vencido a indenizar.
Capítulo 4. DIREITO PROCESSUAL CIVIL SUMÁRIO: § 11.º Noções de direito processual – 49. Conceito de direito processual civil – 50. Natureza do direito processual civil – 51. Modelo do direito processual civil – 52. Ramos do direito processual civil – 53. Sistemática do direito processual civil – § 12.º Normas de direito processual civil – 54. Objeto das normas de direito processual civil – 54.1. Norma processual e norma substantiva – 54.2. Norma processual e norma de organização judiciária – 54.3. Norma processual e norma procedimental – 55. Espécies de normas processuais – 56. Conhecimento das normas processuais – § 13.º Fontes das normas processuais – 57. Enumeração das fontes das normas processuais – 58. Fontes constitucionais das normas processuais – 59. Fontes infraconstitucionais das normas processuais – 60. Fontes locais das normas processuais – 61. Fontes regulamentares das normas processuais – 62. Fontes jurisprudenciais das normas processuais – 62.1. Súmula vinculante como fonte do direito – 62.2. Controle concentrado de constitucionalidade como fonte do direito – 62.3. Precedente obrigatório como fonte do direito – 63. Fontes costumeiras das normas processuais – § 14.º Interpretação das normas processuais – 64. Compreensão das normas processuais – 65. Métodos de compreensão das normas processuais – 66. Métodos de extensão das normas processuais – 66.1. Interpretação extensiva – 66.2. Interpretação declarativa – 66.3 Interpretação restritiva – 67. Integração das normas processuais – § 15.º Limites das normas processuais – 68. Limites espaciais das normas processuais – 69. Limites temporais das normas processuais – 69.1. Direito intertemporal em matéria de competência – 69.2. Direito intertemporal em matéria de recursos – 69.3. Direito intertemporal em matéria de prova. § 11.º Noções de direito processual 49. Conceito de direito processual civil O direito processual civil é o ramo jurídico que traça as regras da jurisdição estatal em matéria civil. A delimitação da matéria submetida ao processo civil já ocorreu em item anterior (retro, 1). Ela se obtém por exclusão,1 em contraste com a matéria própria do processo penal, eleitoral e trabalhista. O processo civil caracteriza-se, no direito brasileiro, através de extensão peculiar: a jurisdição civil brasileira resolve conflitos entre particulares e entre os particulares e a Administração Pública em sentido lato. As normas processuais civis funcionam, têm papel central na atividade jurisdicional do Estado. Constituem fonte para outros processos – as normas processuais civis aplicam-se, supletiva e subsidiariamente aos processos eleitorais, trabalhistas e administrativos (art. 15 do NCPC). A autonomia do direito processual remonta ao século XIX. Segundo a opinião prevalecente, a nítida separação entre as exceções substanciais e as processuais, no âmbito da defesa do réu, representou o marco inicial de
frutífero trabalho da dogmática jurídica em cunhar os institutos próprios do novo ramo. O passo inicial consistiu em romper de modo algo radical o vínculo entre direito material e processo. Posteriormente, na fase de maior equilíbrio, após reconhecimento generalizado da autonomia, o vínculo se recompôs. A fase atual do pensamento jurídico, no terreno processual, caracteriza-se pela afirmação dos princípios políticos do sistema de resolução dos conflitos,2 incorporando os direitos processuais fundamentais. Essa etapa do pensamento preserva a premissa metodológica consistente na nítida separação entre o plano processual e material. Essa distinção revela-se essencial, por exemplo, na identificação do direito à tutela jurídica do Estado (infra, 223) e na individualização do objeto litigioso (infra, 236). Em termos gerais, as normas processuais civis distinguem-se das normas materiais pela função: aquelas disciplinam a atividade do órgão judiciário e do juiz, na relação processual, estas, disciplinam as relações das pessoas na vida em sociedade e fornecem os subsídios que o juiz utilizará para resolver a lide expressa no objeto litigioso. É natural que, a fim de uniformizar o mecanismo de resolução dos conflitos, o legislador agrupe as normas processuais civis em corpos autônomos e gerais, ou códigos, e, supletivamente, em leis extravagantes, para as quais o código funciona como fonte remissiva. Não se concebe um processo integralmente informal.3 As normas processuais controlam a arbitrariedade do Estado e dos seus órgãos. O rigor formal, decorrente da observância dos direitos fundamentais processuais e das regras com eles harmonizáveis, constitui um valor onipresente do processo no Estado Constitucional Democrático. O direito processual civil representa o conjunto de normas (princípios e regras) que disciplina ou recai sobre o processo.4 Este é uma relação jurídica peculiar entre partes e Estado (infra, 83). 50. Natureza do direito processual civil O direito processual integra os domínios do direito público.5 O motivo é trivial. As normas desse ramo do direito regulam uma das funções do Estado – a jurisdição. Portanto, nas normas processuais sobreleva-se o interesse público em resolver a lide e realizar o direito objetivo. Não importa a natureza privada dos interesses das partes. Esses legítimos interesses respeitam ao mérito, ao objeto litigioso, e, não, à estrutura mantida pelo Estado para tutelálos e realizá-los na vida social. É preciso distinguir, desse modo, o processo do seu objeto ou mérito. O processo civil tem extensão peculiar entre nós. Ele não equaciona somente litígios entre particulares, disciplinados, em tese, pelo direito privado comum e especial. O processo civil também se afigura instrumento adequado para resolver os litígios entre particulares e a Administração Pública. Por esse motivo, relativamente, ao objeto litigioso, a Justiça Comum ou Ordinária brasileira é mais ampla do que a dos Países filiados à Civil Law.6 Feita a distinção, todavia, e à semelhança do que sucede em outros Países, o vínculo entre o órgão judiciário e as partes, estruturando o processo civil, revela-se eminentemente público. O órgão judiciário se reveste das
prerrogativas e da autoridade do Estado.7 Por essa razão, as normas processuais civis são, em geral, imperativas (infra, 55). As partes sujeitam-se ao poder do juiz, emanado do Estado, e semelhante poder há de ser rigidamente controlado a fim de impedir e controlar o arbítrio, os abusos, a prepotência intrínseca ao exercício do poder estatal. Não se justifica, destarte, o entendimento de o direito processual civil constituir combinação mais ou menos feliz de regras privadas e públicas.8 É equívoca, de resto, a própria designação droit judiciaire privé, tão comum ao direito francês, e, nada obstante, passível de ensejar incertezas e dúvidas a respeito da natureza do direito processual.9 Essa terminologia amplia excessivamente o objeto das normas processuais para abranger tudo quanto aluda ao juízo, incluindo a organização do Poder Judiciário.10 Por essa e outras razões, em França também se assumiu progressivamente a fórmula droit processuel.11 Em todos os largos capítulos em que se divide o direito processual civil sobressai, como já assinalado, o interesse público. A doutrina francesa acaba por reconhecer a superioridade da terminologia alemã –Zivilprozessrecht -, compreendendo as regras concernentes à autoridade do juiz.12 Uma virada de nomenclatura similar, profundamente ligada à visão sistemática,13ocorreu na Itália, mas no início do século XX, com o repúdio ao tradicional nome de procedura civile à disciplina, averbado de péssimo, preconizando-se sua substituição por diritto processuale.14 Processo civil equivale em exatidão, afasta a noção de procedimento (procedura), e apresenta a vantagem da síntese. Logo surge um problema. A distinção entre direito privado e direito público representa assunto para o qual não se tem solução segura e digna dos aplausos gerais. Os critérios fundados no interesse tutelado na norma e na natureza dos sujeitos da relação jurídica se mostram insatisfatórios. O interesse público patenteia-se, relevantemente, em muitas disposições específicas do direito privado comum, a exemplo da constituição e da dissolução da sociedade conjugal, assim como a tutela dos interesses privados dos particulares em confronto com a Administração tem papel relevante no direito administrativo. E, de resto, a autonomia privada é largamente restringida pelo interesse público no Estado social. O fato de um dos polos da relação jurídica ser ocupado por pessoa jurídica de direito público tampouco serve à distinção. Existem negócios jurídicos em que, a despeito de neles figurar tal pessoa, o regime é eminentemente privado. A distinção frutífera não pode se basear em critério binário exclusivo. Fundar-se-á, mais vantajosamente, na predominância de um ou de outro interesse na norma, sempre polarizada por interesse geral, ou social, e por um interesse particular, ou privado.15 O interesse social predomina nas normas processuais civis. Da natureza pública das normas processuais civis decorre importantes consequências. Logo avulta o princípio da legalidade estrita. O órgão judiciário precisa ser arrancado da sua inércia inicial pela iniciativa da parte. Se, a partir daí, o processo se desenvolve por impulso oficial (direção formal do processo), tal não implica a discrição judicial na atividade e, muito menos, licença para o decisionismo judicial. Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão por iniciativa da parte. As normas de direito processual civil revelam-se indisponíveis pelos sujeitos do processo. Esses sujeitos são as partes e o
órgão judicial. A estrutura e o conteúdo da relação processual governam-se predominantemente pelo interesse público. Não se afigura lícito ao juiz, no desempenho da função jurisdicional, livremente criar as normas processuais e, em particular, instituir o procedimento que melhor se afeiçoe aos seus pendores intelectuais, técnicos ou ideológicos. Essa criação instauraria o arbítrio, infringindo ao devido processo legal, e convertendo o juiz na trágica figura do Führer do processo.16 E, ademais, o papel de ditador onipotente e infalível mostrar-se-ia altamente inconveniente. A par das dificuldades de julgar a matéria de fundo, a pessoa investida na função judicante necessitaria escolher as formas adequadas a um objeto litigioso específico.17 Eventual duplicação da atividade do juiz, já trabalhosa e delicada quanto à formulação da regra jurídica concreta com os materiais de fato e de direito ministrados pelas partes (v.g., a motivação suficiente do art. 489, § 1.º, do NCPC), e agora ocupado com a construção de um rito próprio e exclusivo, passo a passo, transformaria os seus misteres em verdadeiro e invencível trabalho próprio de um Hércules. E o processo civil ultrapassaria o modelo autoritário (infra, 80), instituído pelo CPC de 1939 – fruto dileto dos regimes autoritários europeus –, atualmente posto em discussão em proveito do modelo garantista (infra, 81), e assumiria índole totalitária (retro, 79), regime incompatível com o Estado Constitucional Democrático. Fundamentalmente, o fato de as partes sujeitarem-se ao poder de um órgão estatal exige rígido controle desse poder sem investidura popular. A obrigatoriedade das normas processuais é a única forma de legitimar a resolução porventura tomada quanto às aspirações dos litigantes. O CC de 2002 pôs a pessoa no centro metodológico da codificação e agora é a vez do processo civil resgatar as partes da posição de subserviência perante os órgãos do Estado. As razões políticas que, finda a Segunda Guerra Mundial, blindaram a pessoa contra os abusos dos órgãos do Estado e estendem-se ao processo civil contemporâneo. É certo que ao Estado incumbe a “edição de procedimentos e técnicas processuais idôneas às variadas situações de direito substancial (devida pelo legislador), assim como a compreensão – por parte da jurisdição – das normas processuais e da própria função do processo a partir do direito material e da situação concreta, obviamente que sempre a partir dos direitos fundamentais processuais”.18 Indubitavelmente, procedimentos refletem a estrutura e a função do direito material posto em causa (infra, 102). Desse fato não se mostrará lícito inferir, legitimamente, que o órgão judiciário, em determinado caso, valendo-se das técnicas de controle da constitucionalidade, a seu talante estabeleça trâmite próprio e específico para a causa. Tal construção pretoriana sempre sacrificaria uma das partes: a parte que, circunstancialmente, segundo as regras predeterminadas, adquiriu posição de vantagem e que, por isso, tem irretorquível direito às técnicas processuais uniformemente previstas nas normas processuais. O processo civil não pode se transformar num duelo entre o mocinho (v.g., o consumidor) e o bandido (v.g., a empresa de banco). A rigidez do regime jurídico do processo civil ensejou indevida má reputação do processo.19 Tratar-se-ia de terreno especialmente fértil para o
litigante ímprobo ou para a parte que, à falta de melhor direito quanto ao mérito, escudar-se em expedientes visando a desgastar o adversário e impedir a realização de suas justas aspirações. Essa caricatura não representa a realidade e, de toda sorte, não há como sacrificar todos os valores em prol da hipotética razão de uma das partes. O preço do mecanismo civilizado de resolver os conflitos chamado processo consiste na estrita observância do roteiro legal programado. É a única maneira de tomar uma resolução autoritária (em contraposição à consensual) legítima no Estado Constitucional Democrático. E vale recordar a necessidade de informação adequada dos operadores técnicos do mecanismo (órgão judicial e advogados): “A processualística é ciência difícil. Os ataques e as críticas, às vezes ferinas, a juízes e advogados, a insegurança do foro, as contradições entre julgados, provêm, em grande parte, da ignorância do direito processual. A obrigação de sistematização é, pois, de altíssima relevância”.20 51. Modelo do direito processual civil É inegável que as transformações empreendidas no direito processual civil brasileiro se basearam na ordem constitucional inaugurada em 1988. O primeiro alicerce do portentoso edifício derivou da importação direta da cláusula do devido processo legal. É a fonte de inspiração, perante texto lacônico, de copiosos direitos processuais fundamentais, e, por si, já se revelaria mais do que suficiente. Sucede que a CF/1988 não se contentou com a cláusula genérica e empreendeu a tutela constitucional do processo de modo preciso, definindo um modelo que conformou, progressivamente, o direito infraconstitucional. E, seguindo a tradição nacional, a CF/1988 assentou a base de organização dos órgãos judiciários com pormenores. O sentido geral desse modelo é o de garantia dos direitos das partes. Os espaços para o ativismo judicial encontram-se restringidos. A jurisdição constitucional, combinando o controle concentrado no STF, e, residualmente, nos TJ, fonte formal de normas processuais, e o controle difuso, a cargo de todos os juízes, impõe a supremacia da Constituição em todos os litígios. E, explicitamente, a CF/1988 adotou direitos processuais fundamentais, explicitando: (a) a inafastabilidade do controle jurisdicional, assegurando o acesso à Justiça; (b) a imparcialidade do órgão judiciário, expressa no princípio do juiz natural; (c) a participação obrigatória das partes, emanada dos princípios do contraditório e da ampla defesa, e a sua igualdade material; (d) a proibição da prova obtida por meios ilícitos; (e) a publicidade dos atos processuais; (f) a exigência de motivação dos pronunciamentos do órgão judiciário, por si mesma, comparativamente aos produtos das demais funções do Estado, uma singular característica que autoriza o órgão judiciário brasileiro, tutelando os direitos fundamentais, opor adequada representação argumentativa contra a representação política, derivada da maioria parlamentar, que presidiu a criação da lei.21 Em sua projeção na lei infraconstitucional, o modelo constitucional determina as características do processo civil brasileiro, a saber: (a) unidade da jurisdição; (b) composição singular dos órgãos judiciários de primeiro grau e sua divisão em bases territoriais; (c) especialização dos órgãos judiciários, em todos os graus, inclusive no tocante às causas de menor complexidade
econômica, e descentralização dos órgãos judiciários de segundo grau; (d) tutela individual e coletiva de direitos; (e) amplos poderes para o órgão judiciário, principalmente de impulso e de direção material do processo, e tênues deveres, como a tentativa de conciliação; (f) numerosos deveres para as partes; (g) a atenuação flagrante da oralidade, mediante a previsão de recurso eventualmente suspensivo para as decisões interlocutórias – não é incomum que, interposto o agravo, o juiz aguarde seu desfecho para dar andamento ao processo – e a possibilidade de a causa ser julgada por juiz que não presidiu a instrução, e, nessa contingência, manteve contato direito com a prova; (h) opção pelo modelo escrito de processo, eletrônico ou não no qual o diálogo entre partes, através dos advogados, e o juiz, não vingando a audiência preliminar, excessivamente custosa, releva-se acidental e contingente; (i) ausência de riscos financeiros, em razão da deturpação da concessão do benefício da gratuidade, o que provoca um desequilíbrio entre os que têm e os que não têm patrimônio, expondo estes a quaisquer pretensões infundadas, inclusive perante direitos difusos e coletivos; (j) rigidez do procedimento, sem embargo de sua especialização (ou diferenciação) em razão da urgência (tutela antecipada) e da estrutura e função do direito material; (k) pluralidade de meios de impugnação às resoluções judiciais, suplantando-se as proibições através de sucedâneos; (l) controle do poder de o juiz antecipar os efeitos da prestação jurisdicional perante os presidentes dos tribunais inferiores e superiores; (m) modalidades de resolução uniforme de causas idênticas e repetitivas; (n) reexame das questões de fato pelo STJ, instituindo, na prática, três instâncias de revisão plena dos atos judiciais de primeiro grau. Essas características fundamentais convivem com outras soluções técnicas – por exemplo, a execução das resoluções judiciais, in simultaneo processu, e, não, por intermédio da formação de outro processo – que completam o panorama, mas não lhe alteram os traços básicos. Não se pode dizer que propósito geral de rapidez e efetividade dos direitos substanciais, fundamentais ou não, haja sido alcançado. Ao contrário, o convite indiscriminado ao acesso à Justiça, apregoado como único modo de tornar efetivos os direitos, implicou significativo aumento das demandas, estimulando a litigiosidade irresponsável, e constitui fator determinante da crise da Justiça Pública (retro, 5). É inobscurecível, de resto, a progressiva abertura do processo civil brasileiro ao diálogo internacional. O fenômeno do internacionalismo do direito processual já fora notado há muito tempo.22 E é permanente, sendo mais profundo que a renovação da cooperação internacional nos arts. 26 e 27 do NCPC. A influência daCommon Law – no plano constitucional, a importação da cláusula do due process of law e o protagonismo mercante da corte constitucional; na seara infraconstitucional, a importação de outros institutos, a exemplo das small claim courts e do homestead -, acentuou-se desde a CF/1988, mas o internacionalismo também se expressou com a cópia de soluções adotadas nos Países de Civil Law – Portugal, Espanha, Itália e Alemanha –, de seu turno também plasmados no intercâmbio com a Common Law. A globalização econômica e o predomínio militar, econômico e cultural dos Estados Unidos da América tornaram o direito brasileiro, em todos os ramos, suscetível às novas ideias.
A integração latino-americana, a par de incipiente, precisa ser encarada com algumas reservas. Em mais de um aspecto, o modelo brasileiro de processo civil revela-se flagrantemente superior, do ponto de vista técnico e político, aos congêneres de língua espanhola. 52. Ramos do direito processual civil Em que pese a unidade intrínseca do direito processual, o processo civil tem ramos em que se especializaram as matérias tratadas. Em primeiro lugar, avulta o direito processual constitucional, do qual se origina o modelo que conforma a legislação infraconstitucional, dividido em dois aspectos: (a) jurisdição constitucional, através da qual o STF, e, residualmente, os TJ (art. 125, § 1.º, da CF/1988), no chamado controle concentrado, influencia o processo civil contemporâneo, às vezes criando normas processuais; (b) tutela constitucional do processo, decorrente do complexo de princípios, regras e garantias previstas na CF/1988 para dar efetividade aos direitos fundamentais e ao direito substantivo, e tornar previsíveis os provimentos judiciais em casos similares. Depois, ganha ímpeto o direito processual internacional, cujo estudo ocupa posição central nos Países que já se integraram econômica e politicamente em comunidades. Esse ramo disciplina as formas de cooperação internacional, no tocante a dois aspectos: (a) intercâmbio de atos processuais (v.g., a citação e a produção de prova); (b) reconhecimento de provimentos jurisdicionais estrangeiros na ordem interna. Em relação ao primeiro aspecto, mostra digno de referência os acordos internacionais que facilitaram a prática de atos processuais no seio do Mercosul. Por fim, há o direito processual coletivo, que procura solucionar os direitos difusos e coletivos (tutela de direitos coletivos) e individuais homogêneos (tutela coletiva de direitos).23 53. Sistemática do direito processual civil Os dados hauridos das fontes formais do direito processual civil, em especial do seu corpo jurídico básico, objeto da codificação, organizam-se sistematicamente. Trata-se do arranjo, de acordo com categorias lógicas, para as matérias versadas nas normas processuais civis. Controverte-se a possibilidade de organizar teoria geral do processo com esse propósito, reunindo os elementos comuns aos processos civil, penal, trabalhista, eleitoral e administrativo, mediante visão sistemática, e empregando método comum para delinear os institutos fundamentais. Não há dúvida que os direitos processuais fundamentais oferecem base sólida e promissora nessa empreitada. Em particular, as semelhanças entre o processo civil e processo penal, no plano das garantias, aumentaram consideravelmente. A unidade do direito processual decorreria desse esteio e da unidade a jurisdição como atividade tendente a resolver conflitos de qualquer origem, dimensão e natureza.24 Essa unidade expressou-se, em alguns Países, na regulamentação unitária, no mesmo corpo legislativo, do processo civil e do penal, e nos códigos estaduais do Rio de Janeiro, da Bahia
e de Santa Catarina, na época da competência legislativa dos Estadosmembros.25 No entanto, há vozes contrárias, sublinhando profundas diferenças estruturais e metodológicas, a impossibilitar a reunião de dois ramos distintos, ligados por tronco comum, na mesma – releve-se a metáfora – orientação solar.26 A separação mostrar-se-ia mais benéfica ao processo penal, em geral espelhado, indevidamente, a disciplina do processo civil,27 e menos promissora neste campo, prestando-se a unificar o processo em base autoritária.28 Nada de muito concreto elimina e, ao contrário, tudo amplia e reforça a ideia de que efetivamente há uma teoria geral do processo. Levam-se em conta os direitos processuais fundamentais – ampla defesa, contraditório e isonomia –, e, não, os elementos estruturais.29 Em plano inferior, esboça-se a teoria geral do processo civil. Não é, necessariamente, o sistema empregado no estatuto processual. O legislador “tem seus próprios conceitos e ideias sobre como deve ser o sistema ou, inversamente, não tem ideia alguma explícita a esse respeito e segue intuitivamente uma certa orientação sistemática”.30 A compreensão do sistema intrínseco ao direito processual civil, no plano da teoria geral, assenta na premissa que distingue o processo, como estrutura, e o mérito, como objeto. Entre a estrutura e o objeto há relação de continente e conteúdo. No respeitante ao processo, cumpre localizar a respectiva natureza jurídica, e, admitindo-o como relação jurídica, examinar a esta e o modo através do qual os atos isolados, praticados pelos respectivos sujeitos, organizam-se no seu âmbito, formando as diversas espécies de procedimento. Os institutos fundamentais do processo civil englobam a jurisdição; a ação; o objeto do processo, individual e coletivo, plural ou não; e a defesa, incluindo a ausência desta, por sua vez subdivididos em partes de importância. Por exemplo, os elementos do objeto litigioso (ação de direito material ou pretensão processual) – partes, causa de pedir e pedido –, distingue um processo do outro, e exigem análise dos seus variados componentes. Em seguida, surge a perspectiva da divisão de trabalho entre os órgãos judiciários ou competência interna. Os critérios de distribuição das causas dentre os diversos órgãos judiciários e o controle dessa distribuição, consoante a espécie de competência, constitui tema dos mais intrincados nos Estados contemporâneos. Os sujeitos da relação processual constituem assunte de singular importância. O órgão judiciário é o sujeito principal no modelo autoritário. É preciso examinar a respectiva investidura e composição, pontos a reclamar a investigação das normas de organização judiciária, bem como identificar os respectivos auxiliares, no seu complexo de direitos e deveres. Um capítulo inteiro merecerá os poderes e deveres do próprio órgão judiciário. As intricadas regras de competência, também fundadas na organização judiciária, é o último assunto que envolve o órgão judiciário, mas vem à frente desses outros aspectos.
Importa examinar as partes e os seus sucessivos graus de concreção – personalidade processual, capacidade processual, capacidade postulatória e capacidade para conduzir o processo –, a sucessão das partes originárias e os inúmeros deveres. O processo civil brasileiro não é somente instrumento técnico, mas incorpora e expressa certos valores, e, portanto, a lei impõe às partes deveres de conduta. A pluralidade de partes é outro assunto integrado aos sujeitos do processo. E como terceiros podem se transformar em partes, mediante intervenção voluntária ou forçada, urge examinar os mecanismos que autorizam essa notável transformação. A CF/1988 indicou como funções essenciais à Justiça o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia. Tudo quanto interessa a tais participantes da relação processual, às vezes sujeitos do processo, integra o sexto título. A relação processual se compõe de atos praticados por seus sujeitos. O sistema processual aqui adotado investigará a organização interna do processo. A forma dos atos processuais das partes e do juiz e dos seus auxiliares; o tempo, incluindo prazos e a consequência do seu vencimento, que é a preclusão, e o lugar dos atos processais; a comunicação dos atos; a cooperação jurisdicional; as invalidades dos atos; o registro, distribuição e o valor da causa, constituem os assuntos pertinentes a esse título. A teoria da prova é assunto geral. Nenhum processo revela-se imune às questões probatórias, mas o processo em que predomina a função de conhecimento depende, de ordinário, da emissão juízo de fato, por sua vez subordinada à obtenção de subsídios para apurar a veracidade das alegações de fato, premissa da formulação da regra jurídica concreta. Eis o motivo por que parece preferível tratar dos meios de prova no âmbito do procedimento comum. É a opção aqui adotada. Ao invés, mecanismos de obtenção antecipada de prova interessam às três funções instrumentais da jurisdição. Da litisregulação, uma das funções instrumentais do processo civil, dividida em tutela de urgência e tutela da evidência, integra outro título da teoria geral. E, finalmente, a formação, a suspensão e a extinção da relação processual, temas comuns às diferentes funções instrumentais da jurisdição (retro, 2), são os temas que completam a teoria geral do processo civil. Os efeitos das resoluções do juiz são gerais, mas a autoridade da coisa julgada interessa só à função de conhecimento. Esse sistema não esgota os domínios do direito processual civil. É apenas o ponto de partida para o exame das funções instrumentais de cada processo, cujas finalidades discrepam: a formulação da regra jurídica concreta (tutela de conhecimento), a realização dessa regra ou comando (tutela executiva), e a segurança necessária para, num caso e noutro, obter resultados frutíferos (tutela de urgência, subdividida em execução para segurança, ou antecipação, e segurança para execução, essencialmente cautelar). § 12.º Normas de direito processual civil 54. Objeto das normas de direito processual civil
A atividade estatal destinada a resolver os conflitos surgidos na sociedade encontra-se disciplinada por um conjunto de normas que compõem o direito processual. Essas normas vinculam os sujeitos da relação processual.31 O objeto da norma processual envolve, no sentido mais lato possível, o exercício da jurisdição pelo Estado. Compreende a atividade desenvolvida pelo órgão específico e predeterminado a prestar jurisdição – o juiz ou órgão judiciário (infra, 920) –, em todos os seus múltiplos aspectos, incluindo as disposições que regulam a distribuição da massa de lides entre os diversos órgãos (regras de competência) e as que versam a ordem serial dos atos ou procedimentos (infra, 102). O objeto da norma processual civil abrange, por igual, o direito de provocar a jurisdição, mediante o qual alguém assume a posição de autor, ou ação (infra, 223) e a sujeição da pessoa perante a qual o autor pleiteia certo bem da vida, bem como os respectivos meios de defesa (infra, 313). Tal conteúdo já revela que as normas processuais abrangem imensa variedade de assuntos32 – em última análise, os que receberão análise nesta obra. A palavra jurisdição, apesar de tradicional, não retrata convenientemente as múltiplas tarefas do órgão judiciário com o propósito de resolver a lide, realizar o direito objetivo e garantir os direitos fundamentais (retro, 1). Também integram as normas processuais civis, considerando as funções instrumentais da jurisdição (retro, 2), o regime da realização da regra jurídica concreta formulada (função de conhecimento), antecipadamente (execução para segurança) ou não (função executiva), e os meios para garantir a efetividade da resolução judicial ou segurança para execução (função cautelar). Essa amplitude do objeto da norma processual civil corresponde a duas perspectivas complementares que concorrem para outorga-lhe configuração precisa, reduzindo a uma unidade o fenômeno: de um lado, a relação entre os seus sujeitos; de outro, a relação entre os seus atos.33 E, com efeito, os atos praticados pelos diversos sujeitos processuais formam um conjunto que, desenvolvendo-se no tempo, visam a um fim predeterminado, que formalmente é a entrega da prestação jurisdicional. Não se mostra incompatível com esse conjunto a prática de atos ou as omissões que respeitem a objetivos diferentes e contrapostos. É muito natural que, respeitada a posição central do órgão judiciário, as partes visem objetivos opostos, cada qual almejando que a prestação jurisdicional favoreça aos próprios interesses. Esse conjunto de atos recebe a designação de procedimento (infra, 102). E, simultaneamente, o processo civil é uma relação jurídica peculiar, entre o autor, de um lado, e o réu, de outro, figurando o órgão judiciário em posição central, no qual todos têm direitos e deveres, expectativas e aspirações, ônus e faculdades, disciplinados pelos direitos processuais fundamentais. A noção de relação processual separa, com a necessária nitidez, o processo civil do seu objeto, ou mérito, e, à semelhança de qualquer outra relação, a par de características próprias – autonomia, totalidade e complexidade (infra, 93) –, também ela exibe elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia que são tratados sob o impróprio rótulo de pressupostos processuais (infra, 97).
O objeto das normas processuais civis compreende essas duas perspectivas interligadas. Esse objeto específico da norma processual civil permite distingui-la, no que interessa ao escopo do processo civil, de normas de natureza distinta, e que contrastam com a norma processual, teoricamente, no que tange aos limites temporais e especiais. É preciso ter em mente que não importa a localização formal da norma, mas o seu conteúdo e finalidade. As normas processuais civis apresentam outra característica marcante. Relativamente às demais espécies de processos, conforme o objeto específico de cada qual – por exemplo, o processo penal e o trabalhista –, funcionam como direito processual comum.34 Em outras palavras, têm caráter supletivo. 54.1. Norma processual e norma substantiva – As normas processuais pertencem, segundo a opinião geral, ao direito público.35 É por demais evidente que tais normas regulam uma das funções do Estado, que é a jurisdição, e, portanto, sobreleva-se o interesse público em resolver a lide, apesar de privados os interesses dos litigantes. Normas dessa natureza não se originam apenas do direito público interno. Os tratados, as convenções e acordos internacionais são fontes do processo civil (art. 13, in fine). Essa característica indisputável não se presta, todavia, a traçar linha divisória entre as normas processuais e as normas substantivas. O processo civil tem extensão peculiar no direito pátrio, envolvendo litígios entre a Administração e particulares – e, de resto, entre diferentes pessoas jurídicas de direito público –, razão por que o órgão judiciário necessitará aplicar normas de direito público substancial para resolver o mérito. Por exemplo, a causa entre o servidor público A e o Município X, na qual o autor pleiteia vantagem pecuniária ilegalmente cortada, há de ser resolvida através das normas que disciplinam a relação jurídica estatutária dos servidores naquele burgo, cuja competência legislativa, respeitadas as normas constitucionais a respeito dos serviços públicos, é unicamente do próprio MunicípioX. É alhures que se há de buscar o elemento distintivo. A diferença entre as normas de direito privado, em particular as normas de direito civil, e as de direito público, não apresenta maior relevo. O processo civil brasileiro utiliza a ambas, indistintamente, como material de resolução da lide ou objeto litigioso. A norma substancial disciplina, diretamente, as relações da vida social, inclusive as dos particulares com a Administração, determinando condutas e atribuindo bens. A ordem jurídica assegura o respectivo “cumprimento através de sanções, às vezes específicas, e em outras ocasiões imanentes à ordem jurídica em seu conjunto”.36 É o direito substancial, portanto, a disciplina da vida em sociedade. Esse direito expressa sua grandeza nas relações jurídicas não litigiosas. O exame empírico de tais relações revela o direito efetivamente adotado em determinado espaço físico e momento histórico. Essas normas revelam-se primárias.37 Elas orientam o comportamento das pessoas na vida social.38 E, igualmente, são normas de conteúdo, selecionando o que interessa, ou não, ao direito, e, desse modo, aspiram à universalidade. A universalidade implica não permitir espaços em que desapareça ou se atenue a função normativa.39 E outra característica, indispensável à eficácia do ordenamento, constitui o sistema, cujas premissas
lógicas implicam “a exclusão de toda norma que dele não deva participar (…) e a derrogação de uma norma por outra de hierarquia superior e a inexistência de contradições entre normas do mesmo grau hierárquico”.40 Embora não discrepe quanto à estrutura, a função da norma processual difere completamente da norma substancial. A norma processual destina-se tem por objeto a aplicação das normas substanciais na resolução da lide em atividade justa e constitucionalmente equilibrada.41 Para essa finalidade, determina o modo de formulação da regra jurídica concreta, haurida dos dados normativos primários – não se logrou, ainda, desvendar os mecanismos que presidem essa atividade mental do juiz (infra, 1.122), predominando entre a média dos juízes norte-americanos certo constrained pragmatism -,42 e a efetivação ou cumprimento dessa regra concreta, ou comando judicial. As normas processuais emprestam efetividade ao direito material.43 Nesse sentido, as normas processuais revelam-se eminentemente instrumentais ou secundárias. Elas atribuem poder para avaliar se certa norma jurídica foi violada ou não, restaurando a ordem jurídica. É claro que essas normas, por sua vez, também comportam violação – o regime das invalidades, no processo civil, pressupõe essa infração. Em relação às normas processuais, então, impõem-se “a existência de um tipo de norma que preencha a função que as normas judiciais apresentam perante as normas primárias”.44 Essas são as normas de sobre direito processual, a exemplo do art. 282 do NCPC (infra, 1.262). As normas processuais não se mostram “adjetivas” relativamente às normas substanciais, e, muito menos, “formais”. E a razão é simples: o “instrumento não constitui qualidade do que modela, mas ente ontologicamente distinto, embora vinculado a esta por um nexo de finalidade”.45 As normais processuais, a despeito de disciplinarem a forma dos atos processuais, não se distinguem neste ponto das normas substanciais, às quais incumbe ocupar-se da forma dos negócios jurídicos. Essa amplitude da norma processual leva-a a englobar determinadas disposições que regulam, primariamente, os deveres do órgão judiciário e das partes (v.g., o art. 77 do NCPC). E a própria enunciação de que há, afinal, diferença essencial entre normas processuais e substanciais importa nítida adesão à teoria dualista do ordenamento jurídico. Em síntese, há direito fora do processo, embora a solução dos inevitáveis conflitos sociais reclame o emprego de normas que contemplem o modo pelo qual o Estado desempenhará a tarefa de compor a lide. Muito se tem discutido a respeito da natureza das normas sobre prova. O CC de 1916 disciplinara o assunto no Capítulo IV – Da Forma dos Atos Jurídicos e da sua Prova – do Título I – Dos Atos Jurídicos – do Livro III – dos Fatos Jurídicos –, dedicando-lhe os artigos 135 a 144, mas o CPC de 1939, investindo na mesma área (Título VIII – Das Provas – do Livro II – Do Processo em Geral), inaugurou o sistema da duplicidade de regulamentação. O CPC de 1973 optou por emprestar minuciosa disciplina ao tema (Capítulo VI – Das Provas – do Título VIII – Do Procedimento Ordinário – do Livro I – Do Processo de Conhecimento) e o CC não abdicou da linha tradicional, versando o tema no Título V – Da Prova – do Livro III – Dos Fatos Jurídicos. O Capítulo XII – Das Provas – do Título I – Do Procedimento Comum – do
Livro I – Do Processo de Conhecimento e Do Cumprimento da Sentença – da Parte Especial do CPC de 2015 cuidou do assunto na linha do segundo código unitário. A dupla regulamentação não se afigura estranha a outros ordenamentos, a exemplo da Itália, de Portugal, da Espanha e de França – esta influenciou as grandes codificações do século XIX –, e até mesmo na doutrina brasileira obra clássica defendeu o critério, afirmando tocar ao direito substancial “a determinação das provas e a indicação tanto do seu valor jurídico quanto das condições da sua admissibilidade”, e ao direito processual “cabe estabelecer o modo de constituir a prova e de produzi-la em juízo”.46 Em termos mais elásticos, no direito francês separam-se, não sem críticas contundentes, os problemas da admissão da prova, tocante ao fundo e regulados no direito civil, e os problemas de administração da prova, típicos do direito processual.47 O CC vigente não seguiu semelhante diretriz e, aparentemente, qualquer outra discernível, versando a seu talante rubricas já tratadas no CPC. Assim, o “direito probatório de hoje é o resultado da superposição de dois retículos normativos, com pontos e espaços que nem sempre coincidem”, incumbindo aos intérpretes e aplicadores “precaver-se contra as ciladas que lhes prepara um autêntico cipoal”.48 À clareza, no que interessa ao enquadramento de tais regras num dos grupos, importa muito repelir os elementos que lhe são heterogêneos. Não constituem regras sobre prova as que tratam da forma dos negócios jurídicos (v.g., art. 108 do CC).49 Forma é elemento geral extrínseco ao negócio jurídico, integrando o plano da existência,50 recebendo consideração no capítulo dedicado aos atos processuais (infra, 1.093). Flagrantemente, a resolução das questões de direito intertemporal, em matéria de prova, situa-se no terreno das consequências da natureza que porventura se empreste às normas respectivas, devendo ficar imunes à controvérsia sobre a respectiva essência. Limpado o terreno, as normas sobre prova pertencem, inequivocamente, à órbita das normas processuais.51 Elas só incidem no processo. Fora do processo, as normas sobre prova jamais têm aplicação ou interesse.52 Não se houve com acerto, portanto, o CC ao tratar da prova. O critério que pretende enquadrar as normas sobre provas nas duas categorias é errôneo.53 Por sua irretorquível função, as normas a respeito da prova são todas processuais. Eventualmente, porém, o juiz brasileiro aplicará normas estrangeiras sobre prova (infra, 1.312). O problema versado não é meramente teórico. Razão bastante para apresentá-lo, nada obstante, a distinção preconizada repercute no plano constitucional. O art. 62, § 1.º, I, b, da CF/1988 veta a edição de medida provisória em matéria de “direito penal, processual penal e processual civil”. Pois bem: o art. 10 da MP 656, de 07.10.2014 (posteriormente transformado no art. 54 da Lei 13.097, de 19.01.2015), disciplinou a fraude em suas duas modalidades principais (fraude contra a execução e fraude contra credores), estipulando,
em síntese larga, a eficácia dos negócios jurídicos dispositivos, relativamente a direitos reais sobre imóveis, na hipótese da falta de registro ou averbação na matrícula do imóvel de outro direito ou da litispendência, v.g., “a averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inc. II do art. 593 do CPC”. O art. 792, IV, do NCPC volveu à disciplina anterior, derrogando o art. 54 da Lei 13.097/2015, manifestamente inconstitucional, pois o direito processual não pode ser objeto de medida provisória. Seja como for, disposições desse teor, à semelhança das que versam a prova, aplicam-se unicamente no processo, motivo por que são normas processuais. Logo, o art. 54 da Lei 13.097/2015, manifestamente inconstitucional, pois o direito processual não pode ser objeto de medida provisória. Em princípio, o órgão judiciário aplicará normas substanciais para resolver o mérito do processo. Porém, essa característica não se mostra uniforme. O mérito da ação rescisória fundada em infração à lei processual, a teor do art. 966, V, do NCPC revela que o mérito da causa envolve, por vezes, as normas processuais ou secundárias. 54.2. Norma processual e norma de organização judiciária – A atividade do órgão judiciário integra os domínios da norma processual. Em seus misteres, o órgão judiciário recebe o auxílio de diversas pessoas, exemplificativamente relacionadas no art. 149 do NCPC, incluindo os particulares que prestam colaboração episódica à Justiça Pública (v.g., o perito, o intérprete, o conciliador e o mediador), ditos órgãos auxiliares. Os órgãos têm regime legal quanto à investidura, posição, carreira (acesso e promoção), garantia e condições de exercício das respectivas funções. Ora, a disciplina legal no concernente à constituição, composição e atribuições (natureza e extensão) do órgão judiciário, dos órgãos auxiliares e dos particulares em colaboração permanente ou eventual com a administração judiciária forma a chamada organização judiciária. A definição clássica aponta a organização judiciária como “a doutrina da constituição e disposição dos órgãos judiciários, principais e auxiliares”,54 que se aparelham para atingir os fins visados pelo processo civil. Em várias oportunidades, o NCPC alude às normas de organização judiciária, diretamente, nos arts. 44, 149, 150, 152, II, 212, § 3.º, 334, § 1.º e 1.003, § 3.º. Respectivamente, tais regras versam sobre competência (art. 44); auxiliares do juízo (arts. 149, 150, 152, II e 334, § 1.º); e expediente forense (art. 212, § 3.º e 1.003, § 3.º). Elas fornecem ideia geral acerca do conteúdo das normas de organização judiciária. Nada obstante os reflexos na atividade judicial (v.g., o horário do expediente forense, infra, 1.135.1), essas regras e os princípios diretores da organização judiciária não constituem normas processuais, mas de direito constitucional e administrativo. Elas distinguem-se das normas processuais propriamente ditas, porque seu objeto é pré-processual. Enquanto as normas processuais disciplinam a atividade, as normas de organização judiciária regulam o aparato ou serviço judiciário.
As fontes, fundamentos, conteúdo e efeitos das normas de organização judiciária receberão análise no item próprio (infra, 917). 54.3. Norma processual e procedimental – A ordem dos atos processuais na relação processual constitui objeto das normas processuais. Em tal âmbito, parece difícil individualizar normas respeitantes ao procedimento e inidôneas e influenciar diretamente a essência da relação processual.55 No entanto, a competência legislativa traçada na CF/1988 acolhe a distinção. Ela atribui a União competência legislativa exclusiva para legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CF/1988) e aos Estados-membros e ao Distrito Federal, cuja Justiça Comum é federal, competência legislativa concorrente para legislar sobre “procedimentos em matéria processual” (art. 24, XI, da CF/1988). Não há como ignorar a imposição constitucional. Convém formular um critério razoável para distinguir as normas processuais das normas procedimentais. A tarefa apresenta dificuldades. E avulta notar que, segundo o art. 24, § 1.º, da CF/1988, a União “limitar-se-á a estabelecer normas gerais”, restringindo o espaço legislativo dos Estados-membros e do Distrito Federal a normas “particulares”. A sequência dos atos na relação processual constitui assunto tipicamente inserido na órbita do procedimento.56 As normas processuais, em sentido estrito, versam a atuação dos sujeitos da relação processual (órgão judiciário e partes); a intervenção de terceiros; os elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia da relação processual; os mecanismos de ataque e de defesa; os meios de impugnação às resoluções processuais; e a eficácia de que se revestirá o provimento final do processo.57 Já as normas procedimentais regulam a dinâmica do processo (v.g., a ordem de produção das provas em audiência, a teor do art. 361 do NCPC) e dão forma e prazo aos atos processuais (v.g., os requisitos da inicial, conforme o art. 319 do NCPC, e o prazo para resposta do réu, consoante o art. 335 do NCPC).58 Talvez o exemplo mais significativo, porque simultaneamente relativo ao procedimento e dotado de caráter não geral, localize-se no art. 249 do NCPC, segundo o qual a citação por oficial de justiça ocorrerá nos casos predeterminados na lei (v.g., art. 247 do NCPC) ou quando frustrada a citação por via postal.59 Os procedimentos instituídos no CPC relevam inequívoca vocação à universalidade e a exclusividade. Ao contemplarem todos os pormenores concebíveis, não abrem espaços, ainda que ínfimos, à edição de normas “particulares” e excluem, peremptoriamente, a intervenção legislativa local. O caráter imperial das normas procedimentais originárias da União tem explicação política. Funda-se nas peculiaridades da federação brasileira, que nasceu da descentralização de Estado unitário, e, não, da reunião de Estados independentes (v.g., os Estados Unidos da América).60 E há outra razão de fundo a impedir o legítimo exercício da competência legislativa arrolada no art. 24, XI, da CF/1988. É que os procedimentos, na sua tipicidade, repercutem a estrutura e a função da ação originária do direito substantivo (infra, 102), impedida de veicular-se, na órbita da autonomia privada, em virtude do veto à autotutela. Ora, é competência legislativa privativa da União a de legislar sobre o direito substancial comum, que é o direito civil (art. 22, I, da CF/1988). Nessa área, portanto, a norma local talvez
disciplinasse diferentemente assunto próprio do direito substancial comum, desfigurando regras promulgadas pela União,61 e, assim, incorrendo em crassa inconstitucionalidade. 55. Espécies de normas processuais As normas processuais comportam classificação segundo vários critérios, mas interessa só um deles ao processo civil: (a) as normas processuais cogentes; e (b) as normas processuais dispositivas. Independentemente do seu conteúdo permissivo ou proibitivo, elástico ou não, a norma jurídica pode ser posta em causa perante a autoridade judiciária – critério que separa o jurídico do não jurídico e preferível ao da coercibilidade –, e, assim, impede-se que a alguém se subtraia à universalidade da ordem jurídica. No que tange ao conteúdo, há normas cuja observância mostra-se obrigatória, prescrevendo certa conduta positiva ou negativa ao destinatário, ou seja, devem ser observadas impositivamente. De ordinário, a norma processual é cogente, “o que significa que de ser observada, irrefragavelmente, tanto pelos particulares como pelo Estado e seus órgãos”.62 O conjunto dos atos processuais não pode ser modificado, ao alvedrio das partes e do órgão judiciário, porque encontram-se preordenados à consecução dos fins próprios do processo. Fundam-se no interesse público, basicamente, e as regras que traçam os esquemas abstratos dos atos e ordenam a sua sequência são absolutas ou cogentes. Não há, pois, processo convencional: ao juiz e às partes não é dado, absolutamente, governar arbitrariamente o processo.63Diz-se de ordem pública as normas processuais que transcendem aos interesses dos sujeitos processuais. As normas cogentes, que se caracterizam pelo caráter impositivo da conduta, impedindo que a vontade humana disponha de modo diverso, constituem autênticos comandos.64 Dividem-se, por sua vez, em duas espécies: (a) imperativas; (b) proibitivas. Por motivos óbvios, no estatuto do processo civil prevalecem tais normas. A ordem pública é largamente predominante. Os atos que compõem o procedimento têm forma predeterminada, e ele próprio etapas nítidas e delimitadas, para ensejar que o processo alcance os fins próprios. E há outra razão ponderável para essa rigidez, que consiste em confinar o poder do órgão judiciário (e, a fortiori, a intervenção estatal na autonomia privada) em limites predeterminados, obstando que se torne incontrolável ou arbitrário. O caráter imperativo da regra avulta, por vezes, na forma verbal (v.g., art. 256, caput, do NCPC: “A citação por edital será feita (…)”). O generoso emprego do advérbio “não” (v.g., art. 245, caput, do NCPC: “Não se fará citação quando (…)”), caracteriza a regra proibitiva. De modo geral, e à guise de síntese, dizem-se cogentes as normas respeitantes à constituição da relação processual, agrupadas sob o rótulo de pressupostos processuais, e as que regulam a atividade do órgão judiciário e das partes. Mas, há outro ângulo: embora cogentes, as normas processuais tutelam, em alguns casos, predominantemente o interesse da parte. Toda vez que, no modelo do ato processual, logra-se identificar o beneficiário da forma
prescrita, há interesse particular relevante tutelado. Ao contrário, inexistindo essa identificação, o interesse tutelado é coletivo ou público. Em geral, não há maior dificuldade em visualizar a predominância nos casos concretos. Por exemplo, a proibição de realizar-se a citação por oficial de justiça, exceto para evitar o perecimento da pretensão do autor, no período de gala (art. 244, III, do NCPC), tem destinatário flagrante: o réu. É o interesse da parte, ao convolar núpcias, o fundamento do óbice à realização da citação em determinado interregno. Cuida-se de norma cogente, da espécie proibitiva, tutelando predominantemente o interesse da parte. Por exceção, o processo contém normas processuais dispositivas. Em determinados casos, os valores tutelados na norma pendem para o interesse particular, mostrando-se indiferente à boa marcha e à ordem do processo que a norma seja respeitada ou não. Por exemplo, a norma que trata da competência territorial, ou de foro, pode ser objeto de negócio jurídico prévio ao processo, na chamada eleição de foro (infra, 464.1), ou pode deixar-se de aplicar, tacitamente, mediante a inércia do réu em arguir a incompetência do juízo, assim prorrogando a competência: o juiz incompetente torna-se competente para processar e julgar a causa e executar, se for o caso, a regra jurídica concreta. Normas dispositivas são escassas no processo civil. O processo integra o direito público, no qual as normas são cogentes, e, igualmente, todas as normas processuais parecem colimar o interesse público, apesar do grau variável.65 Os fins próprios do processo são públicos, e, considerando a faceta social do processo brasileiro, no qual o órgão judiciário assume papel predominante na direção formal e material, o espaço reservado à disposição das partes reduz-se ao mínimo. Em todo caso, sempre se mostra possível recordar algumas exceções. Além da competência relativa, antes mencionada, calha à espécie o disposto no art. 486, § 2.º, do NCPC que exige, na renovação da demanda, o prévio pagamento das despesas do processo anterior. O silêncio do réu significaria o seu consentimento com o desenvolvimento do processo sem o atendimento da exigência. A distinção entre normas processuais cogentes e dispositivas exibe particular relevo na classificação das invalidades processuais (infra, 1.249). 56. Conhecimento das normas processuais A generalização do princípio da igualdade impõe a sujeição de todos à obrigatoriedade da norma processual. Segundo o art. 3.º do Dec.-lei 4.657/1942, a alegação de desconhecimento da lei não autoriza descumpri-la. É fato da vida que ninguém, nem sequer profissional atento e atualizado conhece todos os preceitos legais, extraindo-lhes o devido sentido linguístico, e as leis em sentido formal constituem apenas diminuta parcela do ius positum de certo Estado. Ora, a pessoa tem sua conduta largamente prefigurada no Estado social, provocando o fenômeno da inflação legislativa – o que se ouve frequentemente, nos diversos setores representativos na sociedade, em geral é um brado por mais direito.66 Logo, o art. 3.º do Dec.-lei 4.657/1942 assegura, simplesmente, a obrigatoriedade geral da ordem jurídica, nada presumindo a esse respeito.67
A obrigatoriedade abrange, indistintamente, os nacionais estrangeiros,68 e sem ela não se estruturaria a ordem jurídica.
e
os
É conhecida de todos os sujeitos processuais a norma processual porventura aplicável em cada ato, momento ou fase do processo, porque obrigatória, a despeito das dificuldades em localizá-la no manancial das fontes concretas (retro, 57). O princípio iura novit curia não respeita só ao objeto litigioso. Excetuam-se, nos termos do art. 376 do NCPC, os direitos municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário – a regra olvida o direito distrital, cujo tratamento há de ser idêntico aos anteriores. Todavia, esses conjuntos normativos ou não tem aplicação em matéria processual (v.g., o direito municipal) ou ao órgão judiciário do Estado-membro e do Distrito Federal não se afigura lícito ignorar o direito produzido pela própria pessoa jurídica a qual se encontra vinculado e o costume vigente na Justiça Ordinária. Em razão da obrigatoriedade intrínseca à norma processual, revela-se desnecessário recordar à pessoa que ingressa compulsoriamente no processo o teor da lei processual, as consequências dos atos e das omissões. Nada obstante, atendendo à gravidade da falta de defesa, o art. 250, II, do NCPC exige a menção ao prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução. Não se trata de ressalva à obrigatoriedade da norma processual. Ela própria entendeu de reforçar o conhecimento universal com essa advertência. § 13.º Fontes das normas processuais 57. Enumeração das fontes das normas processuais A norma jurídica seleciona, no suporte fático, a conduta, originária da pessoa, ou o evento, derivado do mundo natural, que interessam ao direito. A própria norma, porém, tem sua origem. Elas são produzidas por determinados mecanismos institucionais, nos quais atuam os grupos sociais, promovendo os respectivos interesses. Em relação ao inevitável direito proveniente do Estado, a Constituição modela a produção legislativa e indica as respectivas espécies de regras concebíveis. O produto paradigmático da produção constitucional é a lei. Mas, admitido o pluralismo jurídico, ou a existência de ordens jurídicas menores, as normas podem exibir outra origem, tolerada pelo Estado, e até recepcionada em algumas situações. A essa origem, costuma-se designar de fontes do direito, expressão que assume duplo sentido: de um lado, o poder de criar a norma; de outro, a forma assumida pela norma.69 Neste último caso, surge outra subdivisão: (a) as fontes formais abstratas, que enunciam, em tese, as espécies normativas; e (b) fontes formais concretas, que especificam essas espécies em relação a determinada classe de normas. Também se costuma identificar as fontes formais, as fontes históricas (o costume) e as fontes reais (princípios gerais, doutrina e jurisprudência).70 Interessam, de toda sorte, as fontes formais concretas das normas processuais. Convém ter presente, nessa análise, a distinção precedente entre normas processuais e normas de organização judiciária (retro, 54.2). A fonte
fundamental é a CF/1988, mas nela se abrigam normas que, por sua natureza, não podem ser classificadas como processuais em sentido estrito. Por exemplo, o art. 125, § 6.º, da CF/1998 permite, no âmbito da Justiça Comum, a descentralização do segundo grau (TJ), mediante a criação de órgãos colegiados em lugares diferentes da sede do tribunal. Essa regra dispõe sobre a organização judiciária do Estado-membro, dependendo da lei local respectiva para complementá-la. Tampouco tem importância a localização formal da norma processual. Existem disposições que, inseridas no direito privado comum, tem irretorquível caráter processual. Por exemplo, o art. 222 do CC de 1916 mandava processar a pretensão para invalidar casamento pelo rito ordinário (rectius: comum) e previa a intervenção de um curador para defender a subsistência do vínculo. 58. Fontes constitucionais das normas processuais Em primeiro lugar, avulta como fonte formal das normas processuais a CF/1988, que é o vértice de toda a ordem jurídica interna. Essa lei fundamental contempla: (a) os direitos fundamentais processuais, ou princípios constitucionais do processo ou, mais simplesmente, garantias processuais (tutela constitucional do processo); (b) a jurisdição constitucional, a cargo do STF, dispondo a Lei 9.868/1999 acerca do processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF, que constituem os instrumentos básicos do controle concentrado, ou abstrato, sem embargo de outros remédios (v.g., o mandado de injunção) destinados a garantir a supremacia da CF/1988; e, ainda, da competência para, através do recurso extraordinário, realizar o controle difuso (ou concreto) de constitucionalidade; (c) as regras que estruturam o Poder Judiciário, organizam a magistratura (infra, 919) e definem a competência de jurisdição (v.g., a competência em razão da pessoa e em razão da Pessoa da Justiça Federal, a teor do art. 109 da CF/1988). É a CF/1988 que estabelece a competência legislativa privativa da União em matéria de direito processual (art. 22, I, da CF/1988). Aos Estadosmembros e ao Distrito Federal, porém, cabe legislar concorrentemente sobre “procedimentos em matéria processual” (art. 24, XI, da CF/1988), hipótese em que a competência da União se cinge às normas gerais (art. 24, § 1.º, da CF/1988). O centralismo da federação brasileira deixa pouco espaço a essa competência legislativa. Portanto, a lei local tem papel reduzido, na condição de fonte formal concreta das normas processuais. Essa mesma limitação surge perante o art. 24, X, que autoriza aos Estados-membros e ao Distrito Federal legislar sobre a “criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas”. As regras concernentes à criação e ao funcionamento desses juizados integram a organização judiciária e não constituem normas processuais em sentido estrito. Mas, o processo em si recebeu regulamentação exaustiva as Leis 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009, tornando estéril a competência concorrente. Também decorre do art. 125, § 1.º, da CF/1988 a remissão às Constituições do Estado-membro, definindo a competência originária dos TJ da Justiça Comum. E o art. 125, § 2.º, da CF/1988 remete, outra vez, à Constituição do Estado-membro a instituição da representação de inconstitucionalidade das leis e atos normativos estaduais e municipais perante a própria Constituição, “vedada a atribuição da legitimação para agir a
um único órgão”. Essa regra significa que os TJ têm competência para o controle concentrado da constitucionalidade, à semelhança do STF, o que não acontece com os TRF. A cooperação internacional se intensificou no quartel final do século XX e, assim, o Estado brasileiro obrigou-se em vários tratados, convenções e acordos internacionais. O fenômeno assumiu estatura marcante na área penal, mas o processo civil não lhe é imune. O diploma mais relevante desponta Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de São José da Costa Rica, em vigor desde 1978, e incorporado ao ordenamento brasileiro através do Dec. 678, de 06.11.1992, que agasalha vários direitos processuais fundamentais. O art. 13, in fine, do NCPC contempla os tratados, as convenções e os acordos internacionais como fonte do direito processual e derrogatória do direito interno – a proibição da prisão do depositário exemplifica essa hipótese. Os tratados devem compor a ordem jurídica nacional, a fim de que sejam cumpridos pelos particulares, se for este o caso, e pelas autoridades do Estado signatário. A partir da internação, as normas do tratado incorporam-se ao direito dos Estados figurantes, dependendo sua posição hierárquica da disposição da Constituição local. Entre nós, até a EC 45/2008, os tratados recebiam tratamento idêntico ao do direito infraconstitucional e, havendo incompatibilidade entre suas disposições e as leis anteriores, o conflito resolvia-se pelo princípio da lex posterior derogat prior.71 O tratamento se alterou com a EC 45/2008: primeiro, os direitos fundamentais processuais, derivados de “tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, incorporam-se à ordem interna nessa mesma hierarquia (art. 5.º. § 2.º, da CF/1988); segundo, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, aprovados pelo quórum previsto no art. 5.º, § 3.º, da CF/1988, equivalem às emendas constitucionais. Resulta daí que a solução para eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais, enfrentadas pelo juiz brasileiro, há de ser buscada na Constituição, “o que é bastante a firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito; mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional”.72 É irretorquível, de qualquer modo, que o direito convencional internacional constitui fonte primária de normas processuais.73 Em razão dessa nova configuração constitucional, o STF definiu que o caráter especial dos “diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna”, motivo por que desapareceu a base legal (art. 652 do CC) para a prisão do depositário infiel, proibida pela Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 7.º, n.º 7).74 Os tratados anteriores à CF/1988 entendem-se incorporados à ordem jurídica interna nessa posição, em virtude do flagrante conteúdo garantístico da lei fundamental.75 59. Fontes infraconstitucionais das normas processuais
A República conferiu, inicialmente, competência para os Estados-membros legislar sobre direito processual comum. Na vigência da CF/1891, surgiram vários códigos de processo civil, o primeiro com esta designação o do Estado do Rio Grande do Sul (Lei 65, de 15.01.1908), o último o Estado de São Paulo (Lei 2.421, de 14.01.1930). Foi a CF/1934 que atribuiu a competência legislativa em matéria processual à União, no que se considerou a sua “maior inovação” no terreno jurídico,76 e daí, sem solução de continuidade, chegou essa competência ao art. 22, I, da CF/1988. O CPC de 1939, promulgado pelo Dec.-lei 1.608, de 18.09.1939, parcialmente vigente, e o primeiro código unitário, insere-se nessa competência legislativa. Desapareceram, assim, as notórias dificuldades de discriminar normas processuais e normas substanciais na perspectiva do controle da constitucionalidade, pois o CC de 1916, produzido pela União, à semelhança do seu sucessor, contemplara normas daquela natureza em seu corpo, usurpando a competência exclusiva dos Estados-membros. O exercício da competência legislativa privativa da União, hoje prevista no art. 22, I, da CF/1988, produziu abundantes normas processuais. Ela abrange leis ordinárias, leis complementares e medidas provisórias – ao menos, até o advento da EC 32/2001, que vetou medidas provisórias em tema de direito processual civil (art. 62, § 1.º, I, b, da CF/1988). É inadmissível legislar sobre processo civil com base em decretos do Poder Executivo ou diplomas de hierarquia inferior à lei ordinária, porque a tanto obsta o princípio da legalidade (art. 5.º, II, da CF/1988), intrínseco ao direito público, e o próprio sistema da CF/1988, que, nesse assunto, frequentemente alude à lei ou ao verbo legislar. Entretanto, decretos do Governo Provisório, de 1930 a 1934, contém normas processuais (v.g., o art. 7.º do Dec. 20.910/1932) e valem como leis. Da mesma forma, os decretosleis promulgados na vigência das Constituições anteriores à de 1988 (v.g., o Dec.-lei 3.365/1941, que dispõem sobre o processo da desapropriação por utilidade pública) constituem fontes das normas processuais, equivalendo a leis ordinárias, e até receberam alterações posteriores com base em leis ou medidas provisórias. A esse propósito, vale recordar que o art. 1.218 do CPC de 1973 manteve em vigor diversos procedimentos especiais previstos no CPC de 1939 “até serem incorporados nas leis especiais”. Leis posteriores revogaram alguns desses procedimentos e o NCPC incorporou outros (v.g., a dissolução parcial de sociedade, nos arts. 599 a 609), no todo ou em parte, e remeteu os remanescentes ao procedimento comum (art. 1.046, § 3.º). A principal fonte do direito processual brasileiro é o NCPC de 2015, promulgado pela Lei 13.105, de 16.03.2015, em vigor um ano após a publicação (art. 1.045). O CPC de 1973 recebera alterações, inclusive no período de vacatio legis (Lei 5.925, de 01.10.1973), mas a onda do movimento reformista, iniciada na última década do século XX (infra, 75), atualizara a lei – o regime da execução, no NCPC, segue a última forma da lei anterior. Essas modificações, feitas ao sabor das conveniências e sem diretriz unívoca e segura – as reviravoltas no regime do recurso de agravo confirmam a crítica –, produziram dois efeitos colaterais perversos: (a) a ruptura do sistema processual; (b) a complexidade da lei, verdadeira armadilha para
intérpretes e aplicadores (infra, 75.4). O CPC de 1973 findou sua vigência em configuração muito diferente da originária. Dentre as modificações que, realmente, imprimiram nova dinâmica ao processo civil, situava-se a antecipação dos efeitos do pedido, atualmente tutela provisória de urgência antecipada. Tornou-se atitude comum destratar a versão primitiva do segundo estatuto unitário, chamando-a, pejorativamente, de “Código Buzaid”. A injúria consiste em relacionar o texto ao autor do anteprojeto, estigmatizado porque Ministro da Justiça do Regime Militar brasileiro (1964/1985). Os críticos olvidam a invulgar competência do autor do anteprojeto na redação legislativa (os autores da reforma secretamente invejam a correção gramatical do estatuto primitivo) e o notável saber jurídico de quem, à testa do Ministério da Justiça, velou pela aprovação da Lei 5.869/1973. Exageros são desculpáveis. Se este for o caso, cumpre avaliar o corpo legislativo e o seu autor com critérios diferentes, mas o objeto e o sujeito não constituem o mesmo ente. O NCPC é a lei ordinária nacional e o diploma geral que disciplina o processo civil brasileiro. Embora estruturado segundo a melhor concepção da época, o NCPC funciona, na prática, e de lege lata, como código central, assumindo, paradoxalmente, o modelo contemporâneo atribuído aos códigos.77 Representa o imenso reservatório no qual se abeberam os intérpretes e aplicadores, a fim de viabilizar os institutos comuns e as lacunas das leis extravagantes. Por exemplo, o art. 24 da Lei 12.016/2009, relativa ao processo de mandado de segurança, manda aplicar as regras concernentes à assistência e ao litisconsórcio, devendo ser atualizada a referência. Reza o art. 1.046, § 4.º, do NCPC: “As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código”. Nem sempre a compatibilidade é perfeita e, em mais de uma situação, há que interpretar sistematicamente disposições conflitantes. O centralismo do NCPC decorre do art. 15, mandando aplicar, supletiva e subsidiariamente, suas disposições aos processos trabalhistas, eleitorais e administrativos. O processo trabalhista é quase consuetudinário, construindo progressivamente mediante a experiência na sua aplicação, e nem sempre – permita-se dizer – em bases racionais. Por exemplo, o emprego do agravo de petição contra a sentença proferida nos embargos de terceiro, remédio processual regulado unicamente no NCPC, e o prazo reduzido do recurso ordinário contra o acórdão proferido pelo TRT no mandado de segurança originário, até objeto de enunciado da Súmula do TST, não logram explicação fácil através dos métodos de integração das normas processuais. O centralismo do NCPC recebe complementação, no âmbito das leis ordinárias, e dos equivalentes dos regimes constitucionais pretéritos, por intermédio de copiosas leis extravagantes. Em alguns casos, tais leis seguem a diretriz contemporânea, combinando normas materiais e processuais, no que tange à instituição de remédios, em setores específicos. Em algumas hipóteses, como no da Lei 8.245/1991, que trata da locação predial urbana, a técnica legislativa se mostra primorosa, talvez em razão do progressivo aperfeiçoamento de disposições constantes em leis anteriores acerca do mesmo assunto; em outras situações, a técnica legislativa revela-se sofrível, como no caso, infelizmente, da inovadora Lei 8.078, de 11.09.1990, chamada de modo altissonante e parcial de “Código de Defesa do Consumidor”.
As principais leis ordinárias dotadas de normas processuais, predominantemente, são as seguintes: (a) Lei 1.060/1950 (Lei da Assistência Judiciária), parcialmente vigente, conforme o art. 1.072, II, do NCPC; (b) Lei 1.408/1951 (Lei dos Prazos Judiciais); (c) Lei 4.132/1962 (Desapropriação); (d) Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular); (e) Lei 5.474/1968 (Lei das Duplicatas); (f) Lei 5.478/1968 (Lei de Alimentos), parcialmente vigente, segundo o art. 1.072, V, do NCPC; (g) Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio); (h) Lei 6.766/1979 (Lei dos Loteamentos); (i) Lei 6.830/1980 (Lei da Execução Fiscal); (j) Lei 6.899/1981 (correção monetária); (k) Lei 6.969/1981 (Lei de usucapião especial de imóvel rural); (l) Lei 7.115/1983 (prova documental); (m) Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública); (n) Lei 7.357/1985 (Lei do Cheque); (o) Lei 8.038/1990 (recursos perante o STF e o STJ), parcialmente vigente, a teor do art. 1.072, IV, do NCPC; (p) Lei 8.069/1990 (Estatuto do Menor e do Adolescente); (q) Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor); (r) Lei 8.245/1991 (Lei das Locações); (s) Lei 8.437/1992 (Medidas Cautelares), objeto de remissão no art. 1.059 do NCPC; (t) Lei 8.560/1992 (investigação de paternidade); (u) Lei 8.866/1994 (depositário infiel); (v) Lei 9.099/1995 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais); (w) Lei 9.494/1997 (tutela antecipada perante a Fazenda Pública); (x) Lei 9.507/1997 (Lei do habeas data); (y) Lei 9.800/1999 (transmissão de dados para a prática de atos processuais); (z) Lei 9.868/1999 (processo de julgamento de ADIn e ADC no STF); (aa) Lei 9.882/1999 (arguição de descumprimento de preceito fundamental); (ab) Lei 10.048/2000 (atendimento prioritário); (ac) Lei 10.259/2001 (Juizados Especiais Federais), revogado o art. 98, § 4.º, a teor do art. 1.072, VI; (ad) Lei 11.101/2005 (Falência e Recuperação Judicial); (ae) Lei 11.419/2006 (informatização do processo judicial); (af) Lei 11.441/2007 (inventário, partilha, separação e divórcio na via administrativa); (ag) Lei 11.636/2007 (custas judiciais no STJ); (ah) Lei 11.804/2008 (alimentos gravídicos); (ai) Lei 12.010/2009 (Lei Nacional da Adoção); (aj) Lei 12.016/2009 (Mandado de Segurança); (ak) Lei 12.153/2009 (Juizados Especiais da Fazenda Pública). Os ditos “estatutos” (v.g., da criança e do adolescente) agasalham normas processuais em capítulos específicos. Por exemplo, a Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), contempla em título específico o “acesso à Justiça” (arts. 69 a 92). Tradicionalmente, o diploma relativo aos menores e aos adolescentes, atualmente agrupadas na Lei 8.069/1990, tem disposições processuais copiosas. E há que considerar as relevantes disposições dos estatutos dos figurantes do processo (advogados, Ministério Público, defensores públicos, advogados públicos, e assim por diante). Leis ordinárias de direito privado abrange normas heterotópicas, eminentemente processuais, e já tendo sido assinalado o CC; por exemplo, o art. 50 da Lei 10.931/2006, exigindo que o autor indique o valor incontroverso na ação que pretende invalidar cláusulas contratuais, sob pena de inépcia da petição inicial; o art. 15 da Lei 11.419/2006 exige a indicação, na petição inicial, e sempre que possível, “(…) o número no cadastro de pessoas físicas ou jurídicas, conforme o caso, perante a Secretaria da Receita Federal”, dado indispensável para o discoveryde ativos financeiros, exigência hoje incorporada no NCPC (v.g., art. 319, II). A lei que organizou a Justiça Federal (Lei 5.010/1966) e a Lei 9.289/1996, e suas alterações, contêm normas processuais relevantes.
Em relação a diplomas de outra índole, destacam-se: (a) o Dec.-lei 58/1937 (Loteamentos); (b) o Dec.-lei 3.365/1941 (Desapropriação); (c) a MP 2.180-35/2001, anterior à EC 32/2001, e ainda em vigor. Leis complementares, ou orgânicas, que são nacionais, têm normas processuais, em geral quanto a competência, e, em alguns casos, a respeito da forma dos atos processuais: (a) LC 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), em parte recepcionada pela CF/1988; (b) LC 75/1993 (Estatuto do Ministério Público); (c) LC 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União); (d) LC 80/1994 (Lei Orgânica da Defensoria Pública). A posição peculiar da Lei 5.172/1966 (Código Tributário Nacional) não a impede de agasalhar normas processuais no tocante à execução dos créditos da Fazenda Pública. 60. Fontes locais das normas processuais Conforme já se destacou precedentemente, as Constituições dos Estadosmembros dispõe, por força do art. 125, § 1.º, da CF/1988, definem a competência originária do TJ, e, a teor do art. 125, § 2.º, da CF/1988, a legitimação para o controle concentrado de constitucionalidade das leis locais perante as respectivas Constituições. São normas processuais típicas. A competência originária do TJ prevista na Constituição do Estadomembro tem importância. Por exemplo, o cabimento de mandado de segurança contra ato jurisdicional do próprio TJ, originário de relator ou de órgão colegiado, dependerá da explícita previsão nesse sítio, não se mostrando compatível com o art. 125, § 1.º, o art. 21, VI, da LC 35/1979. Dispõem as leis estaduais sobre a organização judiciária. Todavia, não constituem normas processuais em sentido estrito. E a competência legislativa concorrente, em matéria de procedimento, mostra-se secundária. Mais proveitosa é a competência para legislar sobre os juizados especiais, e, eventualmente, tais leis criam normas processuais típicas. 61. Fontes regulamentares das normas processuais Em princípio, os regulamentos não podem criar normas processuais, submetidas à reserva legal. No entanto, o art. 96, I, a, da CF/1988, incumbiu aos tribunais regularem seu funcionamento através de regimento interno. Essa disposição constitui prova cabal da competência legislativa dos órgãos judiciários, provando a inutilidade de se pretender distingui-los dos demais órgãos do Estado pelo critério orgânico. Os regimentos têm natureza de lei, “prevendo abstratamente situações que disciplinam, atuando genericamente, coercitivamente e obrigatoriamente”.78 Por força dessa permissão, os tribunais distribuem, legitimamente, a competência recursal e originária entre os órgãos fracionários, conforme permita a composição do tribunal, instituem os serviços auxiliares, como as secretarias das câmaras ou turmas. Fixam prazos à prática dos atos processuais, cujo descumprimento ensejará reclamação do interessado (art. 235, caput, do NCPC mencionada, expressis verbis, regulamento ou regimento interno), e, não remediado o atraso, a perda da jurisdição (art. 235, § 3.º, do NCPC).
Os regimentos precisam se adaptar às normas processuais, e, não, o contrário, conforme se deduzia da imposição do art. 1.214 do CPC de 1973. O art. 1.070 do NCPC resolveu intervir diretamente e dilatou para quinze dias o prazo de agravo interno para atos do relator ou singulares nos tribunais inferiores e superiores. Os tribunais não podem dispor, regimentalmente, a respeito de matéria processual, em particular dispondo sobre o processo em primeiro grau.79 Esse limite advém do art. 96, I, a, da CF/1988. Todavia, não é o que acontece: os regimentos preveem agravo onde a lei federal não permite; estabelecem prioridades na ordem de julgamento dos feitos onde a lei processual não exige; e, de resto, instituem o sucedâneo recursal da correição parcial. O precedente legislativo mais próximo desse meio de impugnação é o art. 143, § 6.º, do Dec. 9.263, de 28.12.1911,80 disciplinando a organização judiciária do então Distrito Federal. Existem regimentos internos que, pela extensão e ambição, transformaram-se em códigos assaz peculiares, como o regimento interno do TJ/SP. O fenômeno não é inteiramente desconhecido no direito estrangeiro.81 Em realidade, na parte em que o regimento reproduz regras processuais, ele revela-se redundante e inútil; na parte inovadora, dispondo sobre processo, afronta à CF/1988. É peculiar a posição do regimento interno do STF. Tem força de lei, segundo disposição constitucional anterior à CF/1988, originária dos arts. 119, parágrafo único, e 120, parágrafo único, da CF/1969,82 e, em mais de uma oportunidade, o STF afirmou que foi por esta recebido como norma de igual hierarquia.83 Não se revela lícito desprezar, totalmente, os regimentos e outras resoluções administrativas dos tribunais como fonte formal de normas processuais. Existem disposições no NCPC (v.g., art. 165, caput, permite aos tribunais “centros judiciários de solução consensual de conflitos”, definindo composição e organização, respeitadas normas do CNJ) e em leis extravagantes (v.g., art. 3.º da Lei 11.418/2006, que autoriza o STF a instituir, no respectivo regimento interno, as normas necessárias à execução, no concernente à repercussão geral no recurso extraordinário) que evocam a competência regulamentar. Ficam as normas processuais, desse modo, integradas por normas de hierarquia inferior, e, aparentemente, não se divisa inconstitucionalidade nessas prescrições heterodoxas. E, por fim, há que considerar as resoluções originadas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na esteira da competência conferida pelo art. 103B, § 4.º, da CF/1988, que complementam a vasta e obscura disciplina legislativa. Por exemplo, Resolução n.º 71, de 31.03.2009, do CNJ, regula o serviço de plantão no primeiro e no segundo graus e, dentre outras disposições processuais, proíbe o levantamento de dinheiro. Disposição desse teor tem natureza de norma processual. É seguida à risca pelo juiz temente a ulterior procedimento disciplinar. 62. Fontes jurisprudenciais das normas processuais Uma das tarefas básicas do órgão judiciário, considerando os fins próprios do processo civil, avulta na formulação da regra jurídica concreta. Esse é o conteúdo típico da parte dispositiva da sentença (art. 489, III, do NCPC). Por intermédio dessa norma jurídica individualizada, o órgão judicial resolve o
conflito que lhe é levado à apreciação pelo autor e definido no debate das partes. Em tal sentido, o juiz cria direito. E essa atividade criadora aumenta exponencialmente na concretização da norma abstrata. A técnica legislativa contemporânea edifica em abundância normas elásticas, sob a forma de conceitos juridicamente indeterminados (v.g., a “probabilidade do direito”, prevista no art. 300, caput, do NCPC), e convoca o órgão judiciário a formular regra particular A regra jurídica concreta resultante dessa concretização é particularmente propícia a ulterior generalização sob a forma de precedente judicial. E, versando o litígio sobre a aplicação de normas processuais, como ocorre, às vezes, na rescisória fundada no art. 966, V, do NCPC nada obsta que o juiz crie norma processual concreta. A regra resultante do julgamento do caso individual não apresenta os atributos da generalidade, da abstração e da obrigatoriedade tão característicos do ordenamento jurídico da Civil Law ou origina-se da atividade legislativa confiada ao Parlamento. Nada obstante, a jurisprudência caudalosa, firme e predominante, talvez expressa na súmula do tribunal, exibia marcada influência sobre julgamentos posteriores. Não passava de simples exortação intelectual ao órgão judiciário.84 Ela é mais que um conselho, mas menos que uma ordem. Faltava-lhe o predicado expressivo da obrigatoriedade – o art. 927, IV e V, do NCPC imprimiu-lhe nova feição. Em princípio, destarte, a reiteração da regra jurídica concreta formulada pelo juiz e seu acolhimento no tribunal superior da Justiça Civil (STJ), transformada em jurisprudência, não traduzem “normas gerais e abstratas”, como almejam muitos.85 O juiz não fica constrangido a adotar a linha preconizada pelos órgãos hierarquicamente superiores. Por óbvio, surgem resistências tenazes e notórias, a mais das vezes infrutíferas e improdutivas, contra a jurisprudência (pre)dominante. Os dissidentes se vangloriam do triunfo, em alguns casos, do entendimento vencido e reprovado, a demonstrar “que os demasiado cautos e temerosos da procela não se alteiam ao prestígio, nem à glória”.86 É uma questão relacionada à independência jurídica dos órgãos judiciários (infra, 923). E, aí, surge o paradoxo. Ao mesmo tempo em que se depositam maiores poderes no órgão judiciário, ao seu tirocínio, à sua firmeza e ao seu equilíbrio confiando o imenso fardo de realizar transformações sociais e implantar os direitos fundamentais, advieram importantes limitações à independência judicial. A ideologia neoliberal é apontada como responsável por criar obstáculos à efetivação dos direitos sociais na via judiciária, na tutela coletiva.87 Os pendores liberais influenciaram em mais de um aspecto as modificações constitucionais recentes; porém, realmente sobreleva-se o consenso da sociedade, propensa a aceitar, por exemplo, a união estável entre pessoas do mesmo sexo (talvez, sem a mesma firmeza e forte dissidência, o casamento civil), do que o ativismo deste ou daquele órgão judiciário. Em contrapartida, as súmulas de jurisprudência dominante extrapolaram seu campo natural de incidência – a atividade do órgão judiciário em casos idênticos – e começaram, nos últimos lustros, a assumir feição de norma geral e obrigatória. Era expressiva a tendência de as autoridades administrativas
empregarem súmulas do TST, por exemplo, na fiscalização das práticas empresariais em relação aos seus empregados. As empresas são autuadas porque descumpriram a súmula X, e, não, a regra Y da lei Z. Forçoso reconhecer, senão a súmula como fonte do direito, tout court, no mínimo (a) a jurisprudência cristalizada na súmula vinculante e (b) os pronunciamentos tomados pelo STF no controle concentrado de constitucionalidade, este operante efeitos erga omnes e vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário (art. 102, § 2.º, da CF/1988; art. 927, I, do NCPC), como fontes do direito brasileiro; (c) o precedente haurido do incidente de resolução das causas repetitivas, o incidente de assunção da competência e do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos. Eventualmente, constituirão fontes autônomas de normas processuais e é sob este ângulo que exigem análise aqui. 62.1. Súmula vinculante como fonte do direito – O art. 103-A, caput, da CF/1988, introduzido pela EC 45/2004, outorgou ao STF competência para “aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. A disposição constitucional ressuscitou o antigo instituto português dos assentos da Casa de Suplicação. Esses assentos eram valioso instrumento de concentração do poder da Coroa portuguesa e fixavam a “inteligência geral e perpétua da lei”, originando-se de regimento de 07.06.1605.88 No direito estrangeiro, há analogia com a gabada doutrina do binding precedent (ou stare decisis) própria da Common Law.89 De acordo com opinião transigente, a súmula vinculante não restringe a independência do juiz: trata-se de simples enunciado normativo. Ao aplicar o direito, o juiz consideraria esse elemento, como os demais dados normativos, e, “verificando que determinada súmula vinculante não rege ou não abrange o objeto litigioso do processo, poderá, fundamentadamente, deixar de aplicála”.90 O itinerário mental do juiz semelharia às operações intelectuais que culminam na aplicação da lei em sentido estrito. Seja como for, a súmula vinculante não deixa de ser fonte do direito que o juiz aplicará à lide. Entretanto, as coisas hão de passar-se diferentemente. É exato que o juiz, no julgamento da causa, em determinada hipótese apure a discrepância da questão de fato, posta à da base do verbete, e nessa contingência emita pronunciamento alternativo ou, de forma mais nítida e direta, divergente. Esse ponto é indubitável, mas irrelevante. É que, incidindo a tese jurídica consagrada na súmula na espécie litigiosa, ao juiz faltará a liberdade de aplicá-la, ou não. O órgão judiciário (e, com mais razão, a autoridade administrativa) fica impedido de rejeitá-la, oferecendo sua própria interpretação da questão. E deixando de aplicá-la, estritamente, ensejará a reclamação prevista no art. 103-A, § 3.º, da CF/1988, também prevista no art. 988, IV, primeira parte, do NCPC. O acolhimento da reclamação implicará a anulação do provimento contrário à súmula.91
Desse modo, a posição do juiz perante a súmula vinculante discrepa da usual submissão à lei. Em relação à lei em sentido formal, o juiz é livre para aplicá-la, ou não, e, principalmente, para interpretá-la ao seu talante, adotando entendimento minoritário, vencido ou divergente. Disso encontramse numerosos exemplos nos repertórios de jurisprudência. Há juízes que repelem regras por considerá-las injustas, baseados unicamente no sentimento próprio do que é ou não justo. O vínculo imposto pela súmula vinculante revela-se mais intenso e profundo. Não é dado ao juiz rejeitar, por qualquer motivo, a incidência da súmula vinculante sem arrostar, por força da iniciativa da parte que se sentir prejudicada o drástico remédio da reclamação. Em termos francamente crassos e diretos, o juiz pode descumprir a lei, livremente, jamais a súmula vinculante. Ao perfilhar a tese constante de verbete da súmula vinculante, rompe-se com a notória cultura do personalismo judicial.92 O objetivo da súmula vinculante reside em tornar as decisões judiciais uniformes e previsíveis em casos idênticos. Realizar-se-ia, por esse meio, e mais concretamente, o princípio da igualdade.93 Ela constitui fonte palmar de normas processuais;94 por exemplo, a Súmula Vinculante n.º 21, estimando inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade da ação em que se pretenda controverter a exigibilidade de crédito tributário tem natureza de norma de processo. 62.2. Controle concentrado de constitucionalidade como fonte do direito – O julgamento do STF, no controle concentrado de constitucionalidade, surte efeitoserga omnes e vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Trata-se de decisão impositiva.95 Nas técnicas tradicionais de controle, o STF simplesmente elimina a norma do ordenamento jurídico ou reafirma a sua eficácia; a partir daí, os demais órgãos judiciários não poderão decidir em contrário, declarando a inconstitucionalidade da norma ou restaurando a eficácia da norma banida do ordenamento jurídico. O pronunciamento do STF, nesses casos, erige obstáculo à independência jurídica, à liberdade de interpretação dos órgãos jurídicos inferiores. Todavia, não constituiu fonte autônoma do direito, processual ou não, e estabelecendo, na declaração de constitucionalidade, norma nova. É apenas a norma existente reforçada com o efeito vinculante. O mesmo já não ocorre perante outras técnicas de controle da constitucionalidade adotadas pelo STF. É fato que o STF abstém-se, declaradamente, do papel de legislador positivo. Essa restrição autoimposta (judicial self-restraint),96 cujos limites não se deixam precisar facilmente, não esconde que, “quanto mais elevado hierarquicamente o juiz, mais próximo ele se situa de função quase legislativa”.97 Por exemplo, na ponderação de princípios constitucionais, segundo o mesmo alvitre, o juiz constitucional supre a omissão da Constituição, mostrando-se enganosa a explicação de que preenche lacuna: a mais das vezes, o próprio juiz cria a suposta lacuna, identificando uma necessidade nova e tratando de satisfazê-la. Em virtude disso, a interpretação da lei conforme à Constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, além de subtrair aos demais órgãos do Poder Judiciário o controle difuso de constitucionalidade, ensejando decisões discrepantes da orientação fixada pelo STF,98 apresentam efeitos similares à elaboração de texto normativo
novo e diferente do primitivo. Em tal hipótese, o julgamento revela-se apto, em tese, a criar norma processual. Existe poderoso alvitre em contrário, postulando que o juiz, mormente nas hipóteses de controle da constitucionalidade por omissão e de colisão de direitos fundamentais, jamais criará direito. A jurisdição zela “para que os direitos fundamentais sejam protegidos e efetivados ainda que ignorados pelo legislador, e para os direitos fundamentais sejam tutelados no caso concreto mediante a aplicação da regra de balanceamento”.99 Em outras palavras, o juiz transforma o direito, mas posteriormente somente o aplica à espécie. A explicação pode ser aceita – em relação às operações dos juízes de hierarquia inferior à do STF. Ao invés, os pronunciamentos do tribunal de cúpula, porque situados na cúspide, impõem-se como regras gerais e abstratas relativamente aos demais juízes, inexistindo argumentação alternativa aceitável ou dissensão tolerável. 62.3. Precedente obrigatório como fonte do direito – O NCPC houve por bem restringir a independência jurídica dos órgãos judiciais, principalmente os de primeiro grau, em proveito da segurança e da igualdade. Resgatou o precedente “obrigatório” como fonte formal do direito. O ordenamento jurídico é único,100 mas composto tanto de normas gerais e abstratas, produzidas pelo Poder Legislativo, quanto de precedentes derivados de casos concretos, mas vocacionados à abstração e à generalidade em pé de igualdade. A linha obediência vertical dos órgãos judiciais inferiores é muito nítida no processo civil brasileiro e os impactos dessa revolução metodológica serão logo sentidos. O art. 927 do NCPC obriga juízes e tribunais a observar: (a) as decisões do STF no controle concentrado de constitucionalidade (inc. I); (b) os enunciados de súmula vinculante (inc. II); (c) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recurso extraordinário e recurso especial repetitivos (inc. III); (d) os enunciados da súmula do STF e da súmula do STJ (inc. IV); (e) a orientação do plenário ou do órgão especial do tribunal a que esteja vinculados juízes e órgãos fracionários (inc. V). Outras disposições reforçam a obrigatoriedade: (a) no incidente de assunção de competência, o art. 947, § 3.º do NCPC, assinala: “O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese”; (b) no incidente de resolução de causas repetitivas, a tese jurídica aplicar-se-á nas causas pendentes (art. 985, I) – processos individuais e coletivos – e nas causas futuras (art. 985, II), acrescentando o art. 985, § 1.º, o cabimento da reclamação no caso da falta de observância do precedente; (c) no julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivo, a publicação do acórdão paradigma determinará o término da suspensão dos processos no primeiro e no segundo grau e, no julgamento, aplicar-se-á a orientação do tribunal superior (art. 1.040, III). A observância estrita (a) das decisões do STF, no controle concentrado, haja ou não súmula vinculante, em princípio subordinada à reiteração orientação em matéria constitucional (art. 103-A, caput, da CF/1988); (b) dos
enunciados da súmula vinculante; e (c) do precedente haurido de julgamento de casos repetitivos – para esse efeito, o art. 928 do NCPC entende o incidente de resolução de demandas repetitivas (inc. I) e o recurso extraordinário ou recurso especial repetitivos (inc. II), versando questão de direito material ou processual (art. 928, parágrafo único, do NCPC) – e do incidente de assunção de competência, recebeu remédio drástico: a reclamação, consoante as hipóteses de cabimento dos incs. III e IV do art. 988 do NCPC. Realmente, julgada procedente a reclamação, o tribunal (superior ou de segundo grau) “cassará a decisão exorbitante de seu julgado”, determinando, ainda, as medidas adequadas à solução da controvérsia (art. 992 do NCPC). O emprego do verbo “cassar” denota a violência do remédio. Na verdade, o tribunal competente desconstituirá o provimento que contrariou o julgado do STF, no controle concentrado, o enunciado de súmula vinculante ou o precedente, constrangendo o órgão encarregado do julgamento de aplicar a tese jurídica aí consagrada Logo salta à vista a deliberada imprecisão do emprego da expressão “súmula vinculante” no art. 988, IV. A rigor, todo enunciado de súmula do STF e do STJ é vinculante, nos termos do art. 927, IV, do NCPC e, não, somente a súmula vinculante propriamente dita do STF e prevista no art. 103-A, caput, da CF/1988. Se a redação cautelosa tendeu a evitar a pecha de inconstitucionalidade, não logrou integralmente seu intento, pois idêntico vício haveria no caso de julgamento de casos repetitivos (art. 928, I e II, do NCPC) e de assunção de competência, todavia vinculantes nos termos do art. 927, III, do NCPC e, em caso de descumprimento, submetidos ao controle da reclamação (art. 988, IV). Ao nosso ver, cumpre interpretar o art. 988, IV, do NCPC estritamente, relacionando a súmula vinculante ao art. 927, II, do NCPC. Os enunciados da súmula do STF, em matéria constitucional, e da súmula do STJ, em matéria infraconstitucional, continuam dotadas de força persuasiva, autêntica exortação feita no art. 927, III, do NCPC à sua observância. Seja como for, o NCPC reintroduziu o precedente obrigatório, ou seja, o velho assento do direito português, às vezes camuflado sob a designação de “tese jurídica” (v.g., art. 988, § 4.º, do NCPC). Essas indecisões e variações terminológicas não tocam o essencial. Ao juiz brasileiro é dado proferir sentença contra legem, hipótese em que só a interposição do recurso próprio permite-lhe a correção; porém, descumprindo o precedente, ou aplicando-o erroneamente, sujeitar-se-á a embaraçosa situação de ter o ato cassado pelo tribunal competente. É duvidosa a constitucionalidade do art. 927, III e IV, do NCPC e, conseguintemente, a do art. 988, IV, do NCPC ressalva feita à súmula vinculante do STF. Como já assinalado, o instituto da súmula vinculante, largamente controvertido, decorreu de emenda à CF/1988. E a Constituição garante, senão diretamente, ao menos indiretamente a independência jurídica dos órgãos judiciais. Dependeria de emenda constitucional mudança metodológica tão radical em país cujo ordenamento compõe-se de normas gerais e abstratas, e, não, de precedentes judiciais com tendência à universalidade. 63. Fontes costumeiras das normas processuais
O costume judiciário constitui fonte formal de normas processuais.101 Não vem ao caso a antiga controvérsia em torno da diferença entre costume e estilo. Estilo era a designação própria, no velho direito português, do costume relativo aos atos judiciais, que “não se deviam, nem hoje se devem observar contra as leis escritas”,102 conforme enunciou o § 14 da Lei de 18.08.1769. Estilo e costume têm pontos de contato: ambos eram não escritos e adquiriam eficácia pelo uso reiterado.103 É fato, todavia, que há estilos na prática forense que se transformam em normas supletivas, mas primárias,104 sendo-lhes vetado “transgredir o que dispõem as fontes formais”.105 Um exemplo de costume, plenamente justificável pela urgência, consiste na prioridade na tramitação dos feitos em que há pedido de tutela de urgência no primeiro grau. Como se observou agudamente, o processo não é a previsão abstrata das regras, mas o que resulta da sua aplicação ou representação pelos homens e mulheres que dele participam.106 Essa trivial constatação chancela o costume como fonte do direito processual. À semelhança de qualquer outra regra jurídica, desconhecendo o órgão judiciário o costume, ou o estilo, o juiz ordenará à parte que lhe invoca a aplicação, demonstrar-lhe o teor e a vigência (art. 376 do NCPC). § 14.º Interpretação das normas processuais 64. Compreensão das normas processuais Interpretar é mais que conhecer, é compreender. Em tema de interpretação, abandona-se o caráter abstrato do conhecimento, e passa-se a um trabalho intelectual concreto, complexo e variado, cujo primeiro passo consiste em identificar a norma aplicável aos fatos, eliminando eventual concorrência de normas, e “resgatar-lhe” (compreender) o sentido linguístico no que tange à sua proposição imperativa. À interpretação se reconhecem três funções: a doutrinária, a contenciosa e a judicante. Nas duas últimas, o pensamento jurídico se ocupa da teoria dos processos de aplicação, de interpretação e de integração do direito.107 A interpretação jurídica transcende o campo do processo civil. É tema reservado à hermenêutica. E hermenêutica é experiência. O objeto (o direito e as normas) só pode ser compreendido como linguagem, da qual o juiz faz parte, de modo que a linguagem não representa instrumento que se interpõe entre o objeto (a norma) e o intérprete (o juiz).108 A hermenêutica se distingue da interpretação na mesma medida em que a teoria se diferencia da prática. A hermenêutica estabelece “os princípios científicos que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico de direito”; de seu turno, a interpretação, através de determinadas técnicas, realiza esses princípios, restando à aplicação adaptar o resultado às situações de fato.109 Extrema cautela há de presidir o ingresso no recinto sagrado da hermenêutica. O jargão dos altos sacerdotes iniciados nessas elocuções do mais alto quilate atrai e seduz os profanos. Quem não terá sua atenção imediatamente cativada com item com o seguinte título: “A ‘falada’ crise da Justiça: um réquiem para a jurisdição e para o processo ou a anormalidade que prenuncia uma nova ética contra a normalidade?” Ou
então: “Um grande descaso: o ‘esquema processual’ que esnobou Crono”.110 Em igual medida o vocabulário erudito, infelizmente, a precisão semântica e a engenhosidade da fraseologia afugentam os que se ocupam profissionalmente de temas menores como o termo inicial do prazo ou a estrutura da contestação. Ficam mortificados pela falta de compreensão imediata do conteúdo versado nesses itens e a abstração do raciocínio. Eventuais interessados perdem os valiosos subsídios que poderia ministrar ao intérprete do texto jurídico. Em mais de um caso, soto voce, rotula-se o texto de supérfluo – e, nos casos citados, sem a menor procedência: o conteúdo exibe rigor impecável e merece acatamento irrestrito –, identificando-se na fraseologia requintada outra função mais importante. Representaria, sobretudo, o refúgio seguro contra as inoportunas indagações dos céticos e dos ingênuos. Não concordamos com esse juízo e deixamos isso consignado expressamente. A terminologia científica, na hermenêutica como alhures, ou é exata ou não é científica. Obras de hermenêutica, e decididamente este não é caso da aqui citada, padecem de um sério problema de empostação. Ou descrevem como o juiz decide, e nada assegura que o retrato corresponda à realidade, ou prescrevem como o juiz deve decidir, e, nesse último caso, nada assegura que a preleção seja acatada e seguida. A independência do juiz e da juíza funciona como barreira impenetrável contra sugestões intelectuais. É tradicional o entendimento que a interpretação da norma processual não difere das outras normas.111 Não há peculiaridades na estrutura da norma processual a reclamar e impor a criação e desenvolvimento de teoria autônoma ou de método específico para interpretá-la. Se há algo de singular, nos domínios do processo, este traço consiste na circunstância de as funções de intérprete e de aplicador conjugarem-se na pessoa do órgão judiciário. O juiz interpreta (ato de inteligência) para aplicar (ato de vontade) a norma perante duas partes em pé de igualdade, ao menos no processo cuja função é a de formular a regra jurídica concreta. Essa incumbência da pessoa investida na função judicante exige extrema ponderação para não infringir o princípio da igualdade (art. 139, I, do NCPC).112 Fora do processo judicial, a interpretação jurídica transforma-se em estudo teórico (prescritivo ou narrativo) da previsibilidade da atuação do órgão judiciário. Não representa a prática interpretativa propriamente dita. Nenhuma concessão há nessa observação à teoria unitária do ordenamento. Cuida-se de simples contestação que as pessoas, na vida de sociedade, a par de frequentemente ignorarem a norma e os seus possíveis sentidos, raramente interpretam o que é mais ou menos conforme ao direito. A pessoa se situa no mundo, no cotidiano, porque desde sempre está no mundo. Além disso, o órgão judiciário não é legislador e, não tendo criado a norma geral e abstrata, tampouco pode lhe conferir interpretação autêntica. Essa é tarefa de outras normas, ditas interpretativas, e cuja aplicação exigirá, de seu turno, oportuna interpretação do juiz. Em sua busca da norma aplicável, em tese, o juiz percorre o ordenamento conduzido por sua condição de jurista profissional e, nesse sentido, seus passos se mostram mais ou menos sistemáticos.113 A localização da norma é interpretação. O juiz considera o conjunto do ordenamento, valendo-se do método sistemático. A resolução do conflito de normas e do conflito entre
princípios, ou valores,114 situa-se neste momento. A compreensão do fenômeno jurídico envolve dois planos de conhecimento: em primeiro lugar, o momento normativo, em que o sujeito “integra o processo de juridicidade, definindo o conteúdo da norma, situado assim no plano dogmático do conhecimento jurídico”; ademais, “ao absorver o momento lógico organiza os conceitos, juízos e raciocínios referidos às normas jurídicas segundo critérios que o fazem conceber essa tarefa como de hierarquia jurídica”.115 65. Métodos de compreensão das normas processuais Existem vários métodos de que se vale o juiz para interpretar as normas processuais. Esses meios são marcados pela universalidade, pois não se pode negar a utilidade de nenhum deles.116 Em outras palavras, “todos os procedimentos interpretativos são válidos e, na prática, devem ser utilizados pelo jurista de modo conjunto, embora concedendo maior ou menor ênfase a determinados procedimentos”.117 A isto já se chamou de “tácito acordo de sincretismo metódico”.118 A primeira tarefa consiste em desvelar ou compreender o sentido da norma, como algo existente e que integra fatos e valores. Os métodos de compreensão dos elementos significativos da norma são os seguintes: (a) o gramatical, ou exegético ou filológico, que busca identificar o sentido linguístico do texto normativo, superando tanto a vagueza (indeterminação do significado), quanto a ambiguidade (pluralidade de significados); (b) o lógico, que se socorre de várias modalidades de construção do texto normativo; (c) o sistemático, que localiza as conexões da norma com o ordenamento; (d) o histórico, que identifica as experiências humanas que presidiram a elaboração legislativa ou costumeira do texto normativo; (e) o teleológico, que apura a finalidade do texto, atentando para a diretriz geral da realização do bem comum do povo; (f) o axiológico, que considera os valores que o texto intenta cultuar; (g) o comparativo, em que o texto é confrontado com congêneres no direito estrangeiro.119 A crítica da norma processual, segundo essas técnicas, envolve várias operações lógicas. O juiz depura a norma das imperfeições linguísticas (v.g., o art. 515, I, do NCPC reconhece força executiva à decisão que “reconheça” a exigibilidade de obrigação a cargo do vencido, o que é mais do que declarar), pois não se edifica o raciocínio dialético, a argumentação sem o domínio da língua;120 confronta a norma com a CF/1988, que é um problema de validade, e, no caso de incompatibilidade, o juiz repelirá sua incidência; conjuga a norma com os princípios constitucionais, pois interpretar a lei processual significa compreender o seu sentido dentro do sistema de princípios;121 verifica a respectiva eficácia temporal e espacial;122 e compreende a norma segundo as finalidades próprias do processo civil no caso concreto (art. 8.º do NCPC). A normal processual há de ser compreendida na sua finalidade de realizar o direito material sem atingi-lo.123 66. Métodos de extensão das normas processuais Feita a compreensão da norma jurídica, através dos métodos explicados e utilizados conjuntamente, segue-se a determinação do seu alcance, ou seja, a quem ela se aplica. São três os resultados possíveis
66.1. Interpretação extensiva – Às vezes, o juiz estima que o sentido da norma necessita maior amplitude do que a respectiva proposição linguística. Por exemplo, o art. 1.º da Lei 8.009/1990 declara impenhorável o único imóvel residencial da família ou da entidade familiar, mas chegou-se à interpretação extensiva, estendendo a regra para a residência das pessoas celibatárias. 66.2. Interpretação declarativa – Na interpretação declarativa, ou estrita, o juiz estima que o sentido da norma não vai além, nem fica aquém da respectiva proposição linguística. Por exemplo, os prazos processuais só comportam modificação, para mais ou para menos, por exceção, não se mostrando lícito ao juiz, fora das hipóteses estritas do art. 222 do NCPC (dificuldade de transporte e calamidade pública) manipular os prazos processuais ao seu talante,124 a despeito do poder conferido no art. 139, VI, do NCPC. 66.3. Interpretação restritiva – O juiz reduzirá, por vezes, a proposição linguística. O sentido verdadeiro necessita sentido mais estrito do que o consentido na norma. Por exemplo, a avocação da causa e a designação de outro juiz, em razão do descumprimento dos prazos impróprios assinados ao juiz natural, só cabe após oportunidade para remediar o atraso (art. 235, § 3.º, do NCPC). 67. Integração das normas processuais O problema das lacunas do (e no) direito constitui uma aporia ou dificuldade lógica insuperável.125 Em si mesmo, o sistema jurídico não é completo, nem incompleto. Porém, o contato com a realidade indica que, no momento da aplicação, às vezes ele se revela insuficiente. Podem acontecer incongruências entre norma, fato e valor nessa oportunidade.126 Instituem-se mecanismos de integração normativa, aludindo-se à (a) autointegração ou à (b) heterointegração, conforme o juiz se valha de elementos internos ou externos ao ordenamento.127 Em princípio, a autointegração constitui a regra no direito brasileiro. A aplicar o ordenamento jurídico, o órgão judicial “atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”, reza o art. 8.º do NCPC. Não é tarefa fácil. Por exemplo, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC), em caso de liquidação de empresa de banco, garante depósitos e investimentos até certo valor, porque o risco é intrínseco à atividade econômica (o banco X remunera melhor que o banco Y, porque necessita mais de recursos). A garantia integral aos depósitos e investimentos de fundos de pensão, porque supostos condomínios, não atenderá às exigências do bem comum, descumprindo o art. 8.º do NCPC. A heterointegração, recorrendo o juiz à equidade, só cabe nos casos autorizados por lei (art. 140, parágrafo único, do NCPC). Conforme os resultados da interpretação, identificando a falta de coincidência entre o sentido da norma e o caso, o juiz empregará o argumento a simili (analogia) ou o reverso, ou argumento a contrario. É eminentemente subjetiva a escolha por um desses argumentos. Em geral,
prepondera o argumento a simili. Empregava-se a analogia, no direito anterior, para completar as lacunas deixadas no regime da antecipação de tutela, valendo-se o juiz do regime próprio das medidas cautelares.128A execução para segurança e a segurança para execução (cautelar) tem a urgência como elemento comum, o que explica a semelhança. A produção antecipada de prova, requerida antecedentemente no caso do art. 381, I, do NCPC, descansará na disciplina da tutela provisória. E assim por diante § 15.º Limites das normas processuais 68. Limites espaciais das normas processuais Os limites espaciais do processo civil envolvem os limites da jurisdição brasileira (infra, 187). A atividade de resolver conflitos não tem, a rigor, limites temporais e espaciais.129 No entanto, o juiz de certo País desenvolverá a atividade que lhe incumbe, aplicando as normas nacionais, nos litígios inseridos na competência internacional da Justiça Pública brasileira. E, de fato, a jurisdição constitui emanação da soberania do Estado. A própria investidura do órgão judiciário depende das regras previstas na respectiva Constituição. Logo, a disciplina da atividade do juiz, geograficamente delimitada no território, governa-se pelas normas processuais vigentes nesse território.130Território é, para esse fim, a área compreendida dentro das fronteiras (esboçadas ou mortas). Também compreende outras projeções materiais da soberania – por exemplo, as embarcações, em águas internacionais ou estrangeiras, e as aeronaves, no espaço aéreo internacional ou alheio, que ostentem o pavilhão nacional. É antigo o princípio que o processo se sujeita à lex fori e,131 no direito pátrio, encontra-se explicitado no art. 16 do NCPC, segundo o qual a jurisdição civil é exercida em todo o território nacional, consoante as disposições da lei processual brasileira. E, acrescenta o art. 1.º do NCPC, o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado consoante os valores e as normas fundamentais estabelecidas na CF/1988. É a porta aberta à aplicação dos direitos fundamentais processuais. Em decorrência da unidade do direito processual brasileiro, adquirida a partir do momento da assunção pela União da competência legislativa exclusiva para editar normas processuais (art. 22, I, da CF/1988), entre nós inexistem problemas concernentes à ordem jurídicas próprias de regiões autônomas ou de possessões ultramarinas.132 Tampouco a inserção do Brasil em comunidades econômicas, a exemplo do Mercosul, mostra-se suficientemente intensa e profunda para integrar à ordem jurídica pátria, consistentemente, normas processuais comunitárias. Esse panorama tende a se modificar no porvir. Fica ressalvado o direito convencional internacional internado à ordem jurídica brasileira (v.g., Pacto de São José da Costa Rica), a teor do art. 13 do NCPC. É possível determinados processos não se desenvolverem integralmente no território nacional. Nesses casos, há necessidade da cooperação da autoridade judiciária de outro Estado (v.g., para colher a prova testemunhal), a qual aplicará as regras processuais próprias da sua função.133
A despeito das insubsistentes controvérsias quanto ao ponto,134 normas sobre prova têm inequívoca natureza processual (infra, 1.305). Nessa contingência, o princípio da territorialidade indica a necessidade de o juiz, nos litígios inseridos na competência internacional brasileira – na verdade, limites especiais da jurisdição nacional (infra, 200) –, aplicar unicamente o direito pátrio. Nada obstante, o art. 13 da LINDB (Dec.-lei 4.657, de 04.09.1942) determina que a prova dos fatos ocorridos no estrangeiro, quanto ao ônus e o meios de produzir-se, governam-se pela lei que nele vigorar ou lex loci. Fundamenta-se essa disposição na necessidade de disciplinar a forma dos atos e negócios jurídicos segundo o memorável princípio locus regit actum.135 Ora, a forma é elemento do negócio jurídico. Encontra-se, em razão disso, disciplinada na lex loci. Nada tem a ver com prova. Na verdade, a regra presta homenagem à segurança jurídica, ou seja, à aquisição do direito.136 É o seu fundamento bastante. Existe exceção de relevo. À lei brasileira (lex fori), consoante a parte final do art. 13 do Dec.-lei 4.657/1942, reserva-se a disciplina da admissibilidade do meio probatório admitido na lex loci, rejeitando meios não admitidos no direito pátrio. Logo, aplicam-se a tais litígios as limitações políticas e técnicas instituídas no direito brasileiro, excluindo-se a prova obtida por meios ilícitos ou imorais (infra, 1.350). Mas, não é só, pois incumbe à lei brasileira disciplinar: (a) a força probante (v.g., art. 405 do NCPC); (b) as modalidades de produção da prova; (c) a iniciativa em matéria de prova (art. 370, caput); (d) a pertinência da prova, relativamente a fatos incontroversos ou presumidos como verdadeiros; (e) a avaliação da prova.137 69. Limites temporais das normas processuais Leis vigoram no tempo. A vigência de uma lei inicia em data determinada – termo inicial – e, de ordinário, posto que haja também a possibilidade de estipulação do termo final (art. 2.º, parte inicial, do Dec.-lei 4.657, de 04.09.1942 – LINDB –, in verbis: “Não se destinando à vigência temporária (…)”), destina-se a vigorar indefinidamente. Leis disciplinam os fatos que importam ao direito, ou seja, os fatos que incidem nos seus elementos de existência, ocorridos entre o início (marco temporal conhecido) e o término (marco temporal ordinariamente desconhecido) da respectiva vigência. Por essa razão, a lei – qualquer lei – incide aos fatos presentes. Entendese por tais os fatos ocorridos entre o termo inicial e o termo final da vigência do diploma. E, nesse sentido, a lei tem efeito geral e imediato. Porém, leis mudam e, conforme a natureza do seu virtual objeto, as leis mudam com maior ou menor frequência. Lei nova é a que sucede à lei vigente no tempo. Por isso, dispõe o art. 2.º, in fine, do Dec.-lei 4.657/1942, que a lei vigorará “até que outra a modifique ou revogue”. Ora, se a lei nova disciplina o mesmo fato ou conjunto de fatos da lei antiga, cuja vigência desaparece, mas diferentemente, surge o problema básico do direito intertemporal ou dos limites temporais da lei: interessa determinar em que medida a lei nova incidirá, ou não, no tocante aos fatos passados, fatos presentes e fatos futuros.
É regra assente em nosso direito a aplicação imediata e geral da lei nova. Reza o art. 6.º, parte inicial, do Dec.-lei 4.657/1942: “A lei em vigor terá efeito imediato e geral (…)” Logo, a lei nova passa a regular os fatos presentes. Por óbvio, a lei nova também regulará os fatos futuros, posto que não haja ainda incidido, na ocasião em que se verificar a hipótese de incidência. Por sua vez, a lei antiga deixará de incidir nos fatos presentes e nos fatos futuros. Tais são os fatos que aconteceram e acontecerão após o término da sua vigência. Às vezes, a lei nova pretende regular, expressa ou implicitamente, os fatos passados, ou fatos pretéritos – fatos que ingressaram no mundo jurídico antes da sua vigência e sob a regência da lei antiga, mas de teor e alcance distintos. Então, diz-se que a lei nova é lei retroativa. Dessa situação ocupase o chamado direito transitório. À base desse direito, opera a distinção entre efeito retroativo e efeito imediato da lei. Em síntese larga, “se a lei pretende se aplicar aos fatos realizados (facta preterita), ela é retroativa; se ela pretende se aplicar a situações em curso (facta pendentia), convirá estabelecer distinção entre as partes anteriores à da modificação legislativa, que não poderiam ser atingidas sem retroatividade, e as partes posteriores, para as quais a lei nova, se ela deve se aplicar, não terá senão efeito imediato; enfim, perante fatos a ocorrer (facta futura), é claro que a lei não pode jamais ser retroativa”.138 Costuma-se distinguir três graus de intensidade no efeito retroativo, consoante a lei nova atinja a constituição ou os efeitos de direitos surgidos sob o império da lei velha: (a) a retroatividade máxima, ou restituitória, porque restitui os sujeitos ao status quo ante, perante a qual a lei nova atinge fatos passados e o direito já constituído segundo a hipótese de incidência da lei velha: (b) a retroatividade média, perante a qual a lei nova disciplina, integralmente, os efeitos do direito constituído pela lei velha, quer antes, quer depois da sua vigência; e (c) retroatividade mínima, perante a qual a lei nova disciplina tão só os efeitos do direito constituído sob a lei velha a partir da sua vigência.139 Leis têm efeito imediato e geral, na ordem jurídica brasileira, mas não retroagem em prejuízo do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada (art. 6.º,in fine, do Dec.-lei 4.657/1942). Tão caro é o princípio da irretroatividade que, entre nós, adquiriu a estatura de direito fundamental (art. 5.º, XXXVI, da CF/1988). Legitimamente, só a lei penal mais benéfica exibirá retroatividade máxima (art. 5.º, XL, da CF/1988). O art. 14 do NCPC declara, categoricamente, não retroagir a norma processual, aplicando-se imediatamente aos processos em curso, mas respeitando “os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”. O art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 indica a coisa julgada como marco à imunidade do processo perante o direito adventício. Tal marco é necessário e do maior relevo, mas insuficiente por várias razões. Em primeiro lugar, há pronunciamentos judiciais que, entregando a devida prestação jurisdicional para o litígio das partes, todavia não se revestem da autoridade da coisa julgada. É o que ocorre, segundo o entendimento prevalecente, nas seguintes hipóteses: (a) na sentença executiva não torna imune a controvérsias futuras a atividade processual desenvolvida no curso da relação processual, ressalva
o respectivo reexame nos embargos,140 ou fundando-se o provimento nos art. 924;141 (b) a sentença cautelar, assim entendida a que julga, de meritis, o processo com função cautelar (art. 309, parágrafo único).142 Ao propósito, o instituto da coisa julgada sofre contestações no cotejo com outros direitos fundamentais, debilitando ou eliminando a autoridade de coisa julgada em outras indiscriminadas, a priori, hipóteses. Desaparecida a autoridade de coisa julgada, porque o provimento contrariou direito fundamental, ou inexistindo essa peculiar eficácia do provimento final em outros tantos processos, nem por isso os resultados do processo civil se expõem à eficácia retroativa da lei nova sem ofensa ao art. 5.º, XXXVI, da CF/1988. O processo abrange uma série de atos preordenados à consecução das suas finalidades, cuja ocorrência revela-se idônea à aquisição de direitos, que o art. 5.º, XXXVI, da CF/1988, declara intangíveis, sem distinguir entre direitos materiais e processuais. Logo, as leis novas precisam respeitar os direitos processuais adquiridos sob a vigência da lei velha. O primeiro desses direitos, mas não o único, consiste na coisa julgada ou indiscutibilidade do resultado do processo. Evidentemente, o resultado do processo protegido pela coisa julgada mostra-se insensível à lei nova posterior.143 E essa imunidade opera, inclusive e principalmente, contra a lei nova que, inconstitucionalmente, tem por objetivo preciso e declarado o de arrebatar o bem da vida outorgado ao vencedor pela decisão judicial. Não há dúvida que há direitos processuais. O art. 200 dispõe que os atos das partes “produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais”. E há, por outro lado, atos processuais juridicamente perfeitos, segundo a definição do art. 6.º, § 1.º, do Dec.-lei 4.657/1942 – “Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou” –, também imunes à retroação da lei nova, não importando que seja válido ou não.144 Por sinal, entende-se a noção ordinária de direito adquirido já engloba a da coisa julgada e do ato jurídico perfeito.145 Outros princípios de índole constitucional impedem, no processo, a eficácia retroativa da lei nova, a exemplo do direito fundamental processual à igualdade: a redução do prazo do recurso já cabível prejudicaria uma das partes.146 Eis o sentido geral do art. 14 do NCPC. Desenvolvendo-se o processo na atualidade, ou seja, tratando-se de feito pendente à época da entrada em vigor da lei nova, tecnicamente representa fato presente. Desse modo, a lei nova incidirá nos processos pendentes a partir da sua vigência. É o que preceituou o art. 1.046, caput, do NCPC em termos gerais. Mas, o processo é fenômeno complexo e tal circunstância dificulta a aplicação dos princípios do direito intertemporal.147 Parece evidente que, examinando os atos que compõem o processo, dividido em etapas e em fases, há progressão temporal, distinguindo-se passado, presente e futuro. O processo em si não constitui fato instantâneo.148 Essa característica repercute no direito intertemporal. Para resolver os problemas daí derivados, há três meios técnicos: (a) o sistema da unidade, mediante o qual a lei velha continuará a disciplinar o processo pendente até a sua extinção; (b) o sistema das fases, que identifica três grandes unidades de tempo – proposição, instrução e decisão – no processo que se destina a
formular a regra jurídica concreta, e imuniza cada uma delas à incidência da lei nova; (c) sistema do isolamento dos atos processuais, que trata cada ato isoladamente.149 Nenhum é isento de desvantagens. Voz corrente entende que o sistema do isolamento é o mais adequado à realidade do processo. Não faltam proclamações genéricas: “No que tange à eficácia da lei processual no tempo, o direito processual civil orienta-se pela regra do isolamento dos atos processuais, segundo a qual a lei nova é aplicada aos atos pendentes, tão logo entre em vigor, respeitados os atos já praticados e seus efeitos, nos termos do art. 1.211 do CPC/1973 (princípio dotempus regit actum).”150 Todavia, como se demonstrará, semelhante diretriz (a) não é respeitada, cedendo às conveniências da magistratura; e (b) não é muito compatível com as características da relação processual (infra, 93), particularmente a fluência por tempo indefinido do processo. O sistema mais simples e flexível, dispensando casuísmos, é o da unidade. Ele é o único que protege as partes contra as investidas do legislador, secundadas pelo arbítrio do órgão judicial, e atende aos postulados de certeza e respeito aos direitos fundamentais processuais.151 É mais trabalho para os órgãos judiciais, constrangendo a pessoa investida na função judicante a jurisdicionar em sistemas diferentes nos processos velhos e nos novos, razão bastante para não utilizá-lo como regra. O art. 1.046, § 1.º, do NCPC seguiu essa linha, mandando aplicar o CPC de 1973 “às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste Código”. A impugnação dessa sentença e as etapas subsequentes seguirão o NCPC. Segundo a premissa básica do sistema do isolamento, considerar-se-á cada ato processual autônomo, embora inserido no conjunto de atos do mesmo processo. É indispensável, sem prejuízo da concatenação, isolar o ato processual, cujos efeitos ainda não se exauriram no momento em que passa a vigorar a lei nova, do precedente, integralmente disciplinado pela lei velha, e do subsequente, entregue ao regime da lei nova.152 Se um ato se iniciou sob a vigência de certa lei, por ela deve ser disciplinado até o fim, pois a incidência da lei nova provocaria uma combinação idônea a gerar uma terceira disciplina, não almejada por nenhuma lei e surpreendente para as partes.153 Em síntese larga, a lei nova respeitará os atos processuais já consumados, independentemente da fase do processo, e não afetará os efeitos próprios desse ato, cuja execução seja diferida.154 É um equívoco, ao menos na teoria, estimar que a norma processual aplica-se retroativamente.155 O seu efeito é apenas imediato na relação processual pendente. Ela apanha os atos futuros.156 Duas razões justificam a incidência imediata na lei nova na relação processual instaurada anteriormente à sua vigência: (a) as normas processuais revestem-se de interesse público, presumindo-se, então, que a lei nova realiza melhor esse interesse; (b) as normas processuais têm natureza secundária (retro, 54), e, em tese, não afetam os direitos das pessoas conferidos pelas normas substantivas.157 Às vezes, a lei nova evita ingressar em âmbito tão delicado, separando o passado, o presente e o futuro na relação processual pendente. Ela declara, simplesmente, que não se aplica aos feitos pendentes, deixando que a lei velha incida, excepcionalmente, no presente e no futuro. Dispõe assim o art.
76 da Lei 8.245/1991. Também desse teor o art. 192 da Lei 11.101/2005, que reza: “Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Dec.-lei 7.661, de 21 de junho de 1945”. E, como visto, o art. 1.046, § 1.º, institui a imissão de sentença nos feitos pendentes como requisito de aplicação, a partir daí, do NCPC. Explica-se a técnica legislativa. Ao legislador pareceu muito difícil, senão impossível, haja vista a notável complexidade dos procedimentos da falência e da concordata, e as radicais modificações introduzidas pela lei nova, confiar ao tirocínio dos intérpretes e aplicadores a resolução dos problemas intrínsecos ao direito transitório processual. Adotou a regra da unidade da relação processual no tempo.158 Curiosamente, a versão quase definitiva do anteprojeto que resultou no CPC de 1973 agasalhava regra dessa natureza, todavia acoimada de excessiva, porque vigorariam dois estatutos processuais “talvez por várias décadas”.159 Não sendo este o caso, salvo o art. 1.046, § 1.º, e outra disposição transitória do NCPC, a diretriz fundamental do direito transitório, ou intertemporal, pode ser explicitada nos seguintes termos: “a lei nova não pode atingir situações processuais já constituídas ou extintas sob o império da lei antiga, isto é, não pode ferir os respectivos direitos processuais adquiridos”.160 É a linha do art. 14 do NCPC. Em que pese a nitidez e a simplicidade desse princípio, solidamente alicerçado no direito fundamental que tutela as pessoas contra a arbitrariedade da lei posterior ao fato, talvez não persuada o órgão judiciário, de olhar fito na sobrecarga de serviço. Na melhor das hipóteses, a respectiva aplicação em certas situações concretas exige alguns esclarecimentos suplementares. Três setores distintos têm pertinência: (a) competência; (b) recursos; e (c) prova. A jurisprudência brasileira nem sempre seguiu retamente as diretrizes expostas. Além de a Lei 9.756/1998 ter sido aplicada retroativamente (infra, 69.2), sem maiores rebuços, porque assim diminuiu-se o estoque de recursos pendentes no STJ, há outro caso desconfortável, impossível de ser esquecido e mistificado com o fraseado politicamente correto: a desconstituição das penhoras feitas anteriormente à vigência da Lei 8.009/1990.161 A história recente do processo civil brasileiro não registra hipótese mais indecorosa de retroação da lei processual. Antes de passar ao exame dos setores mais delicados, urge rememorar as regras de direito intertemporal ministradas no Livro Complementar – Disposições Finais e Transitórias – do NCPC. São elas: (a) para os efeitos do art. 12, a primeira lista de processos para julgamento cronológico observará a antiguidade da distribuição dentre os já conclusos na data da vigência do NCPC (art. 1.046, § 5.º); (b) as disposições acerca do direito probatório aplicam-se apenas às provas requeridas ou ordenadas, ex officio, após a vigência do NCPC (art. 1.047); (c) a convalidação dos atos processuais eletrônicos já praticados em desacordo com as regras do NCPC (art. 1.053); (d) a aquisição de auctoritas rei iudicate pela resolução de questão prejudicial, a teor do art. 503, § 1.º, aplica-se somente aos processos iniciados após a vigência do NCPC, vigorando nos feitos pendentes os arts. 5.º, 325 e 470 do NCPC; (e) o prazo de fluência da prescrição intercorrente, para os fins da extinção da pretensão a executar (art. 924, V), é a data da vigência do NCPC,
a teor do art. 1.056; (f) a irretroatividade dos pronunciamentos do STF no controle concentrado de constitucionalidade, para os fins de inexequibilidade do título executivo (art. 525, §§ 14 e 15, e art. 535, §§ 7.º e 8.º), só se aplica às decisões transitadas em julgado após a vigência do NCPC, aplicando-se o regime antigo nas decisões transitadas em julgado anteriormente à vigência do NCPC (art. 1.057); (g) a competência material dos Juizados Especiais para as causas previstas no art. 275, II, do CPC de 1973, é preservada até lei ulterior em contrário (art. 1.063). 69.1. Direito intertemporal em matéria de competência – O art. 43 do NCPC declara que, no momento do ingresso da demanda (distribuição e registro), fixa-se a competência para processar, julgar e executar a causa, mostrando-se irrelevantes as mudanças nos estados de fato ou de direito posteriores, salvo a (a) supressão de órgão judiciário e a (b) alteração da competência absoluta. É o princípio da perpetuação da competência (infra, 466). Flagrantemente, o art. 43 erige barreira à incidência da lei nova em feitos pendentes. A competência dos órgãos judicantes encontra-se prevista, abstratamente, no momento do ingresso da demanda. O art. 43 impede que a lei nova desloque a causa do juízo já fixado, afetando o direito fundamental processual do juiz natural (infra, 149). Por exemplo, as pretensões pessoais processam-se no juízo do domicílio do réu (art. 46, caput). Deduzida pretensão dessa natureza na comarca X, que é a do domicílio do réu, e sobrevindo lei nova, possibilitando que tal pretensão seja ventilada no domicílio do autor, o direito superveniente não autoriza que o autor requeira a remessa dos autos à comarca Y, que é a do seu domicílio. A parte final do art. 43, atendendo ao interesse público, estabelece exceções, tornando imediata a aplicação da lei nova. Em tais casos, o princípio da perpetuação da jurisdição não produz os seus efeitos típicos. São elas: (a) supressão do órgão judiciário, que engloba a supressão parcial, através da criação de novo órgão judiciário (infra, 469.1); (b) alteração da competência absoluta, relevada a menção do direito anterior a competência em razão da matéria ou da hierarquia. Essa indicação de dois critérios de competência (matéria e hierarquia), no direito anterior, já mostrava-se exemplificativa. As leis supervenientes acerca da competência absoluta – inclusive a territorial (art. 47, § 1.º) –,162 alcançam, imediatamente, os processos em curso, deslocando-os para o novo juízo competente. Por exemplo, a modificação da competência em razão da pessoa, omitida no direito anterior, derroga a perpetuação da competência. O caso mais banal é o da intervenção do sujeito federal no processo pendente, deslocando a competência da Justiça Comum para a Justiça Federal, a teor do art. 109, I, da CF/1988, assunto regulado no art. 45 do NCPC. Exemplo significativo, na competência em razão da matéria, avulta na ampliação da competência da Justiça do Trabalho através da alteração do art. 114 da CF/1988 pela EC 45/2004. O STF decidiu que os processos em curso, mas não sentenciados, anteriormente da competência da Justiça Comum, deslocar-se-iam imediatamente para a Justiça do Trabalho.163 Essa emenda também transferiu do STF para o STJ a competência para homologar sentença estrangeira (art. 105, I, i, da CF/1988).164 Os pedidos em curso, no STF, passaram imediatamente ao STJ.165 Ocioso destacar a semelhança
dessa hipótese com a do art. 1.046, § 1.º, relativamente à aplicação do NCPC aos feitos pendentes. O problema da competência nesses casos receberá análise em item específico no capítulo dedicado ao assunto (infra, 396). Por ora, fica realçado o fato de a incidência da lei nova nos feitos pendentes submeter-se a importantes exceções, na competência, em respeito ao direito fundamental processual do juiz natural. 69.2. Direito intertemporal em matéria de recursos – É particularmente relevante o regime das impugnações às resoluções judiciais. Em tal seara, não raro a lei nova (a) suprime recursos (v.g., o CPC de 1973 eliminou o recurso de revista existente no CPC de 1939 e o NCPC o agravo retido); (b) erige condições suplementares de admissibilidade (v.g., o art. 518, § 1.º, do CPC, introduzido pela Lei 11.276/2006, estipulava como fato impeditivo do direito de apelar a conformidade da sentença com súmula de jurisprudência dominante do STF e do STJ); (c) modifica prazos, dilatando-os ou restringindo-os; (d) altera os trâmites do seu processamento (v.g., o art. 527, II, do CPC de 1973, na redação da Lei 10.352/2001 permitiu ao relator converter, ex officio, o agravo de instrumento em agravo retido, possibilidade eliminada no art. 1.019 do NCPC); e (e) modifica as regras de julgamento de recurso existente, sobrelevando-se, na sistemática do NCPC, a atribuição do juízo de admissibilidade ao órgão ad quem. Em relação ao cabimento de qualquer recurso, aplica-se a lei vigente no momento em que for proferida a decisão. Nenhuma lei nova que crie ou suprima recurso incide sob provimento proferido ao tempo da lei velha.166 Assim, as decisões anteriormente agraváveis e proferidas na vigência do CPC de 1973, continuam agraváveis, sem embargo dos números do art. 1.015 do NCPC. É irrelevante tanto a intimação feita aos advogados das partes, mediante “publicação” no órgão oficial – o direito de recorrer preexiste a esse ato que abre o prazo –, quanto o fato de o julgamento colegiado, antes dessa intimação, incorporar-se posteriormente no acórdão, peça escrita que retrata o julgamento no segundo grau (art. 204 do NCPC). Convém não olvidar que os atos decisórios singulares são proferidos eletronicamente. Consideram-se publicados esses provimentos a partir do momento em que as partes têm acesso ao seu teor na web. Essa diretriz se aplica ao recurso novo – na prática, hipótese de remota ocorrência, pois há generalizada aspiração à supressão das impugnações – e à nova hipótese de cabimento do recurso antigo ou sucedâneo recursal. As novas regras de admissibilidade somente se aplicam aos recursos após a entrada em vigor da lei nova.167 Tendência contrária à linha aqui seguida esboça-se no direito comunitário europeu. A Corte Europeia dos Direitos do Homem declarou que o recurso de cassação – equivalente, em termos, ao recurso especial brasileiro –, ainda não interposto, mas admissível pela lei velha, pode ser estimado inadmissível pela lei nova, haja vista a sua função específica e o fato de a parte vencida já ter se submetido ao duplo grau de jurisdição.168
Passou-se a distinguir por razões de comodidade o cabimento e o processamento dos recursos. Em princípio, procedimento ulterior do recurso cabível segundo os ditames da lei velha, mas modificado pela lei nova, processar-se-á segundo os preceitos desta.169 O problema não se põe na hipótese da simples supressão do recurso. Em tal contingência, os recursos já interpostos, e os que ainda não foram, mas podem sê-lo, porque cabível a modalidade impugnativa na data da publicação do provimento singular ou na data do julgamento colegiado, julgar-se-ão de acordo com as normas da lei velha.170 E a razão é simples: não há outra lei disciplinando os fatos futuros. É caso de ultra-atividade da lei velha.171 O problema surgirá na hipótese de recurso antigo, mas dotado de procedimento novo, suprimindo a lei nova direitos do recorrente. Exemplo desse acontecimento seria a eliminação do debate oral na apelação contra as sentenças terminativas. Lei desse teor se mostraria inconstitucional, porque falta-lhe razoabilidade: ao vencido interessará demonstrar por todos os meios a admissibilidade da sua pretensão processual. Em todo o caso, ocorreu este fenômeno com o advento do art. 542, § 3.º, do CPC/1973 introduzido pela Lei 9.756/1998 – sem correspondência no NCPC –, determinando a retenção do recurso extraordinário ou especial, interposto contra certos acórdãos. A lei não instituiu o ônus de o recorrente reiterar a impugnação retida no recurso da mesma natureza contra a decisão final, ou na resposta a este recurso. Flagrantemente, suprimiu-se o direito de a parte obter o julgamento imediato do recurso extraordinário ou especial. Tal julgamento ficou subordinado a fato futuro e incerto – a reiteração do recurso pendente no bojo de recurso que vier a se tornar cabível na causa. A conversão para a forma retida dos recursos já interpostos, processados e distribuídos, mas ainda não julgados,172 aplicou a lei nova retroativamente, e, não, imediatamente.173 Ignorou o STJ a regra salutar – o procedimento do recurso se governa pela data da interposição – que tutela o direito adquirido. O art. 14 do NCPC veda, peremptoriamente, semelhante retroação – oxalá cumprida pelos órgãos fracionários dos tribunais superiores. A esse resultado brutal, mas pedagógico contribuiu, sem dúvida, a propensão majoritária dos juízes em adotar expedientes que diminuam sua carga de trabalho. Neste mesmo equívoco – descumprimento da promessa constitucional de jurisdição efetiva – incidiu julgado em que, desprovida a apelação por maioria, antes da vigência da Lei 10.352/2001, mas integrado por embargos de declaração já na vigência deste diploma, não admitiu embargos infringentes, “ainda que a publicação do julgado que decidiu o apelo tenha sido anterior à alteração da sistemática recursal”.174 Na prática, em que pese a teoria contrária, não constituiria despropósito afirmar que, na área recursal, a lei processual nova tem retroação média. Em contrapartida, no expediente de assunção da competência, nos termos do art. 947 do NCPC, não se visualiza qualquer supressão de direito real ou virtual das partes. Lei nova não pode abreviar os prazos recursais, nem aumentá-los, embora estejam em curso. É vedado à lei nova atingir o direito adquirido de recorrer na situação mais vantajosa (redução do prazo) ou, inversamente, o direito
adquirido do adversário à preclusão no termo final do prazo antigo (ampliação do prazo).175 69.3. Direito intertemporal em matéria de prova – Leis sobre prova aplicam-se imediatamente aos litígios pendentes.176 Essas leis exibem inequívoca natureza processual (infra, 1.305). Posta a regra genérica, a imprecisão nada esclarece quanto aos problemas concretos do direito intertemporal em matéria de prova. À semelhança do que aconteceu no direito italiano, embora na delicada área do processo penal,177 cumpre distinguir regras supervenientes sobre (a) admissibilidade do meio de prova; (b) regime da produção da prova; e (c) apreciação da prova. Em outras palavras, impõese repassar a lei superveniente pelo filtro das etapas do procedimento probatório (infra, 1.331), usualmente chamadas (no direito brasileiro) de “momentos” da prova. O art. 1.047 do NCPC enfrentou essa questão diretamente. As disposições de direito probatório (v.g., a admissibilidade da prova testemunhal, eliminada a restriçãoad valorem do art. 401 do CPC de 1973) às provas requeridas ou ordenadas, ex officio, após a vigência do NCPC. À primeira vista, impõe-se ressalvar a exigência de prova pré-constituída: (a) respeitante à forma do negócio jurídico bilateral ou unilateral, ou do ato jurídico em sentido estrito, porque integra os requisitos de validade do negócio ou do ato e só pode ser aquilatada no momento pela lei vigente no momento da respectiva formação; (b) respeitante ao regime do remédio processual (v.g., no mandado de segurança), exigida na abertura do processo e também disciplinada pela lei em vigor no momento da formação do direito processual.178 Aí não se cogita de aplicação imediata sem retroação interdita. Fora daí, assenta-se a diretriz que nenhum litigante adquire o direito ao tratamento mais rigoroso para o adversário em matéria de prova. A função dos instrumentos probatórios consiste em subsidiar a convicção do juiz. Linha de raciocínio que conduz à possibilidade de o juiz ordenar, ex officio, a produção de meio de prova anteriormente inadmissível, ou a parte de requerê-la, inclusive após o término da instrução, pendendo o processo da emissão da sentença definitiva. Por exemplo, o art. 401 do CPC de 1973 proibia prova testemunhal exclusiva da existência de “contrato” (rectius: dos negócios jurídicos em geral, a teor do art. 227,caput, do CC, igualmente revogado pelo art. 1.072, II, do NCPC), motivo pelo qual o juiz indeferiu a audição das testemunhas do autor; todavia, o NCPC eliminou essa restrição, tornando admissível a prova testemunhal. Ora, proclamar a vigência do princípio tempus regit actum e, simultaneamente, admitir essa possibilidade – irrecusável – exige concessão ao sistema de fases. E até a um sistema mais generoso: o encerramento formal da instrução, no exemplo ministrado, não impede o juiz de valer-se do poder de instrução (art. 370, caput, do NCPC). Em suma: em matéria de prova, as leis processuais supervenientes, disciplinando a admissão, a produção e avaliação, retroagem à data da abertura do processo, salvo disposição em contrário – aí entra o art. 1.047 do NCPC. A simplificação subentendida na diretriz teórica harmonizar-se-ia com o processo civil autoritário (infra, 80), mas ignorava os direitos fundamentais processuais de uma das partes – no caso, os do réu.
Esse ponto revela como é mais simples e racional o sistema da unidade. Ele imuniza os feitos pendentes à lei nova e assegura a composição justa dos litígios.
Capítulo 5. EVOLUÇÃO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO SUMÁRIO: § 16.º Etapas legislativas do processo civil brasileiro – 70. Evolução do direito processual civil – 71. Período das fontes lusitanas – 72. Período da independência política – 73. Primeiro período republicano: a pluralidade processual – 74. Segundo período republicano: a unificação processual – 75. Terceiro período republicano: as reformas parciais – 75.1. Reformas parciais no sistema da execução – 75.2. Reformas parciais no sistema de recursos – 75.3. Defeitos congênitos das reformas parciais – 75.4. Efeitos colaterais das reformas parciais – 76. Terceira codificação processual unitária – § 17.º Bases ideológicas do processo civil contemporâneo – 77. Redefinição da função judicial – 78. Processo civil liberal – 79. Processo civil totalitário – 80. Processo civil autoritário – 81. Processo civil garantista. § 16.º Etapas legislativas do processo civil brasileiro 70. Evolução do direito processual civil O estudo da formação e da composição do direito processual civil brasileiro compreende três aspectos interligados: (a) o histórico; (b) o ideológico; e (c) o científico. Vistos conjunta e retrospectivamente, constituem a epistemologia da ciência processual.1 Em relação ao histórico, considerando as fontes formais do direito processual, variam muito os critérios de reconhecimento e determinação das fases temporais. Os arranjos mostram-se, a mais das vezes, arbitrários. É possível visualizar os seguintes e distintos períodos, a partir dos marcos mais evidentes: (a) o do direito colonial e lusitano; (b) o da emancipação política; (c) o republicano da multiplicidade de regulamentações processuais; (d) o da unificação processual civil; (e) o período das reformas parciais do corpo legislativo principal. A simples indicação das fontes formais do direito processual civil brasileiro, nessa sucessão temporal, nada esclareceria quanto ao seu conteúdo. Seria melhor escolher uma linha mestra, focalizando dois ou mais institutos – por exemplo, a personalidade processual e os meios de impugnação –, acompanhar-lhes as vicissitudes, perante as fontes formais de cada interregno, e, cotejando semelhanças e contrastes, chegar a uma conclusão. Em que ponto despontaria a ideologia das leis sucessivas, influindo na técnica processual? A única linha promissora e esclarecedora reponta na divisão de trabalho entre o juiz e as partes Evoluiu a ideologia do direito processual brasileiro, nesse ponto, do liberalismo acanhado, cristalizado no processo escrito e na inércia do juiz, ao processo civil “social” – modelo que sobrepõe a autoridade do juiz, considerando os fins públicos do processo, às iniciativas convergentes das partes. O viés autoritário sempre se mostrou frisante no direito e na política
brasileiros. Correlatamente, o princípio da autoridade assumiu peso decisivo no processo civil. Assim, a reforma liberal de 1832, muito avançada no seu tempo, sofreu retrocessos graves na contrarreforma de 1841. O caráter “social” do processo, mediante a concentração de poderes no órgão judiciário, tornou-se indubitável mais tarde, a partir do CPC de 1939. Foi uma lei concebida e elaborada numa conjuntura histórica em que os modelos germânico e italiano sofriam a influência de regimes autoritários – e, no caso da Alemanha, de um regime criminoso. Esse infame regime totalitário, baseado na (suposta) vontade do Führer, desvirtuou as instituições do Estado e contaminou o aparato judiciário. Em que pesem origens comprometedoras, a sublimação que desenvolveu a figura do “nazista” sem nacionalidade e releva o uso da insígnia do partido na lapela do casaco dos mais insignes processualistas alemães, considera a direção material do processo, simbolicamente prevista no dever de o juiz promover a autocomposição (art. 139, V, do NCPC), fenômeno intrínseco e natural ao mecanismo criado para resolver a lide. Em certo sentido, o processo civil pátrio necessita de uma depuração. O pensamento dominante tende a situá-lo na contramão da expectativa contemporânea de reduzir o caráter público do processo civil, todavia muito mal vista entre nós.2 As linhas ideológicas do nosso processo civil evidenciam o predomínio e o sucesso da Inquisitionsmaxime, ou direção autoritária do processo pelo juiz, em detrimento da Verhandlungsmaxime, segundo a qual só às partes, por meio do debate, compete produzir as provas idôneas à demonstração dos fatos, pré-excluindo a iniciativa do juiz.3 À época em que se debatia o CPC de 1939, afirmava-se, categoricamente, que “a concepção liberal e individualista do processo precisa ser banida”.4 Eram tempos diferentes e tenebrosos. Os regimes autoritários e intervencionistas na economia vicejavam, estigmatizando a democracia parlamentar e o governo dos partidos, bem como a iniciativa privada, em profundo contraste com a reação contrária à tímida reforma autoritária alemã de 1924.5 Em síntese larga, há que se optar entre o juiz passivo, subordinado à iniciativa das partes, especialmente no concernente à produção da prova, e o juiz ativo, dotado de amplos poderes de direção formal, coibindo e restringindo os atos das partes, em razão da instituição de diversos deveres de conduta, e material, quanto à produção da prova. É óbvio que, entre um e outro ponto de vista, oscilam em graus variáveis a certeza e o arbítrio; porém, não é ilegítimo questionar com franqueza a subsistência do autoritarismo no processo civil, do mesmo modo que, no contexto da promulgação do CPC de 1939, pregava-se o fim do liberalismo político e econômico. Exata que seja a empolgação dos regimes ditatoriais com o juiz autoritário, essa figura também persuadiu regimes democráticos das mais variadas épocas e latitudes. Convincentemente, demonstrou-se que na Suíça, em França, na Inglaterra e na Alemanha, do final da Segunda Guerra Mundial até o século XX, reformas processuais incrementaram os poderes do juiz, alcançando o Brasil após a redemocratização (art. 5.º da Lei 9.099/1995).6 Representaria exagero estabelecer “uma vinculação constante e necessária entre a prevalência dos traços ‘inquisitivos’ e a feição autoritária do regime político, ou entre a prevalência dos traços ‘dispositivos’ e a feição liberal desse regime”.7
Os regimes politicamente liberais decerto confiam em processos imbuídos da autoridade do juiz. Faltou, para convencer realmente do acerto e das virtudes dessa diretriz política, à luz dessas experiências históricas, a prova definitiva: regime politicamente autoritário que adote um processo marcadamente liberal, cerceando os poderes do juiz. A essa dificuldade flagrante, ou prova inconteste de o liberalismo conviver com o processo autoritário, mas, inversamente, o autoritarismo não tolerar o processo garantista, os adeptos do incremento dos poderes judiciais não respondem convincentemente. E olvida-se, salvo engano, circunstância da mais alta significação. A matriz ideológica das reformas empreendidas no ordenamento austríaco, no final do século XIX, era de cunho socialista. O processo deveria, além de satisfazer os interesses privados, também atender aos mais altos valores sociais, sacrificando o interesse individual em proveito da coletividade e do Estado, cabendo ao respectivo timoneiro, o juiz, funcionar como o representante profissional do interesse comum.8 A linha autoritária seguida a partir de 1939 sobreviveu, e até recrudesceu, no ambiente propenso às garantias criado pela CF/1988. O ativismo judicial só não assumiu contornos mais nítidos e contundentes na vida nacional, em razão de curioso e notável absenteísmo dos órgãos judiciários brasileiros. Realmente, o juiz brasileiro mostra-se escassamente inclinado a empreender pesquisas do material de fato. Limita-se a avaliar a prova documental, produzida com a inicial e a contestação, e a admissibilidade dos demais meios propostos pelas partes, abreviando o procedimento, através da técnica do julgamento antecipado (art. 355, I, do NCPC), sempre que honradamente possível. Tampouco interfere, salvo exceções, na ordem dos atos processuais e na iniciativa das partes. É um diretor abúlico e indulgente. Entre nós, o ativismo judicial constitui mais uma prescrição acadêmica, espelhada em copiosas disposições legislativas e na vigorosa defesa doutrinária, do que a realidade do quotidiano forense. E, quando o juiz intervém, busca a economia do serviço, e, não, os interesses superiores das partes ou a realização dos direitos fundamentais. Foi o que ocorreu, salvo engano, no traumático (e inútil) caso da suspensão das ações individuais, até o julgamento da ação coletiva, e a posterior conversão daquela em liquidação, nas causas em que os poupadores pleiteavam hipotéticas e longínquas diferenças de remuneração de investimentos no sistema financeiro.9 Essa orientação desagradou os autores, que recorreram das decisões sem maior sucesso. E, ao fim e ao cabo, decretada a prescrição da pretensão coletiva, relevou-se intensamente desvantajosa para os supostos beneficiados: tiveram que reiniciar seus esforços do ponto de partida. Tal não significa que os poderes do juiz, especialmente os poderes de instrução, consubstanciados no art. 370, caput (do NCPC), não sejam questionáveis. É que os numerosos adeptos dessa linha de pensamento enfatizam só um lado do problema – a possibilidade de a pessoa investida na função judicante esclarecer-se convenientemente, apesar da inércia das partes, e mesmo contra sua aberta resistência, aproximando-se tanto quanto
possível da realidade, a fim de proferir a sentença justa. O argumento parece persuasivo e definitivo. Acontece que o juiz brasileiro não se aventura nesse caminho, preferindo, ao invés, rejeitar as iniciativas das partes que proponham provas que visem a esclarecê-lo. Perícia demora muito e, enquanto se realiza, o processo fica em aberto nos registros individuais do juiz, o que é incompatível com as metas – julgamento de todos os processos iniciados no ano tal ou qual – do CNJ. A realização de audiência de instrução é trabalhosa, fatigante, também retarda o desfecho do processo, e nela o juiz que não leu o processo, porque a quantidade de feitos não lhe permite dar atenção a todos, expõe essa fragilidade às partes e aos seus advogados. O julgamento antecipado é o remédio preferido. Mas, volvendo à linha mais amena, fatores prosaicos influenciaram a tendência autoritária do processo civil brasileiro. A ciência processual arrancou da posição inicial de apêndice do direito civil, passando à fase do conceitualismo, na segunda metade do século XIX, auspicioso movimento devido, preponderantemente, aos processualistas alemães. Época “construtiva da ciência do direito processual”, iniciada com a obra de Oskar Bülow, em 1868.10 Forneceu o paradigma – separação do direito processual do material; juízo de admissibilidade do processo e juízo de mérito – que alcançou o presente. O pensamento germânico influenciou a doutrina italiana da primeira metade do século XX, refletindo-se, indiretamente, no CPC de 1939. O projeto do primeiro código nacional de processo se deveu a Pedro Baptista Martins, “que não era versado no direito dos países germânicos”, mas conhecia a tradução espanhola daZivilprozessordnung do Império Alemão, de 1877.11 O acesso ao original das obras alemãs, nessa época, era privilégio de poucos e, até hoje, mais difundida a língua alemã, não se mostra muito corriqueiro.12 Essa limitação contrasta com a do autor do anteprojeto que resultou no CPC de 1973, sem favor algum personagem singular nesse panorama. Era conhecedor profundo do velho direito lusitano e não ignorava a Zivilprozessordnung alemã, de 1877, a austríaca, de 1895, e o código húngaro de 1911. Poucos juristas se ombreavam à sua proficiência, no interlúdio entre as duas codificações, afora Pontes de Miranda, sempre um caso à parte. Naturalmente, o viés autoritário abeberado da fonte germânica contaminava-lhe o pensamento e refletiu-se no anteprojeto. E as reações contra o legado autoritário jamais adquiriram teor decisivo. O comportamento subserviente dos juristas alemães, tão alinhados ao Führerprinzip a ponto de sustentar a proscrição do processo,13 produziu trauma profundo no pensamento científico europeu posterior à Segunda Guerra Mundial. O arguto crítico da tibieza germânica também assinalou que o pecado mais grave da ciência processual anterior ao conflito consistiu em separar o processo dos seus fins sociais.14 Ora, os fins sociais, relembrados no art. 8.º do NCPC, eram o pretexto genérico empregado para justificar as atividades criminosas do regime. Essa revisão tendenciosa do que realmente aconteceu busca absolver regressivamente os excessos autoritários praticados na órbita do processo
civil social; por exemplo, diz-se que o reforço dos poderes do juiz não se destinava a assistir a parte débil, mas a imprimir fins paternalistas e autoritários.15 Uma coisa não se consegue distinguir da outra. É verdade que a reforma do processo civil alemã, empreendida em 27.10.1933, já se encontrava delineada por trabalhos anteriores, particularmente o primeiro fruto, de 1924, e o projeto de 1931, mas inseria-se no que então se chamava de “revolução” nacional ariana.16 O programa dessa reforma era eminentemente “social”. Ao juiz tocaria a enérgica direção do processo, em contato estreito com as partes e, após preparação prévia, a causa deveria ser instruída e decidida numa única audiência. Esse processo oral, concentrado e imediato, mas tão caro à primitiva sociedade germânica, ensejaria a descoberta da verdade.17 A comparação desse diagnóstico das supostas mazelas do processo civil alemão, segundo a diretriz original da Zivilprozessordnung de 1877, e as linhas do processo civil consagrado no CPC de 1939, revelam a profunda identidade de propósitos. Naquela conjuntura, escreveu-se na exposição de motivos do primeiro código processual unitário brasileiro, o processo civil “é instrumento de defesa dos fracos, a quem a luta judiciária nos quadros do processo anterior singularmente desfavorecia”, acrescentando: “A direção do processo deve caber ao juiz; a este não compete apenas o papel de zelar pela observância formal das regras processuais por parte dos litigantes, mas o de intervir no processo de maneira que este atinja, pelos meios adequados, o objetivo de investigação dos fatos e descoberta da verdade”. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, ocupou-se de vários pontos relativos ao processo (direito de ação, independência dos juízes, acesso à justiça e garantias fundamentais em torno do devido processo). E assim se inaugurou a terceira fase científica do processo civil. Ela se caracteriza pela constitucionalização do processo, a internacionalização dos direitos processuais e o instrumentalismo em relação aos direitos fundamentais, tendo por base o princípio da dignidade da pessoa humana. Essas orientações repercutiram tardiamente no direito brasileiro. Foi a CF/1988 que alterou o pensamento processual entre nós. Finalmente, a sociedade de massas e a economia de consumo provocaram problemas específicos que a técnica processual ainda não logrou resolver satisfatoriamente. A análise da evolução legislativa brasileira evidenciará as bases ideológicas e científicas de cada período. É comum arrolar inúmeros autores italianos, espanhóis, portugueses e uruguaios que, em graus variáveis, imprimiram a força de suas ideias, em geral caudatárias, da literatura germânica anterior à Segunda Guerra Mundial, no direito pátrio.18 Parece muito difícil aquilatar a medida e a intensidade do prestígio deste ou daquele vulto da processualística. Em alguns setores, nutre-se hostilidade escancarada, em especial contra juristas italianos, cuja contribuição é posta em dúvida. Preconceitos dessa espécie podem ser estendidos a qualquer outra nacionalidade, e, não, somente aos amáveis e sanguíneos habitantes da península. O fato é que “o direito de um povo, por mais integrado que esteja em certa zona de cultura, tem o seu estilo, e vive dentro dele”, e pouco adianta ao seu intérprete “o que pensaram sobre os
sistemas jurídicos os que nunca entraram, a fundo, num sistema jurídico”.19 Por outro lado, a literatura jurídica no campo do processo deveria ser organizada não por categorias cronológicas, mas baseada nas diretrizes doutrinárias.20 A linha aqui adotada é a de reunir todos os subsídios e expor, sem conferir destaque pessoal, as fontes históricas do direito processual brasileiro, desvelando, progressivamente, a ideologia e a técnica empregada no ponto capital da divisão de trabalho entre partes e juiz. Fica à margem, portanto, a exposição da organização judiciária, cuja complexidade era invulgar. A concessão de poderes de direção ao juiz, abandonando o comportamento passivo que se denunciava na legislação processual luso-brasileiro,21 e socorrendo os mais débeis, constitui o ponto central do embate entre liberalismo e autoritarismo, processo escrito e processo oral.22 71. Período das fontes lusitanas À época em que as caravelas de Cabral se aproximavam da costa brasileira, vigorava em Portugal as Ordenações Afonsinas, publicadas em nome de Dom Afonso V, presumivelmente em 1447. Era, basicamente, uma compilação de leis, costumes, concordatas, jurisprudência dos tribunais superiores e opiniões de doutores, cujo texto conhecido é o de uma publicação da Universidade de Coimbra, estampado em 1792.23 Verificando abuso na arrecadação dos direitos forais, Dom Manuel I instituiu uma comissão para sua reforma, e, posteriormente, outra para reformar as Ordenações vigentes, trabalho que se transformou na elaboração de um novo código. Por intermédio da Carta Régia de 15.03.1521, surgiram as Ordenações Manuelinas, que vigoraram até o ano de 1603, quando foram substituídas pelas Ordenações Filipinas.24 Este é o diploma que, disciplinando população mais numerosa nas vastidões do território brasileiro, constitui a fonte primacial do direito pátrio por ocasião da Independência, em 1822. Decorreu da necessidade de compilar as leis extravagantes que, de tão copiosas, nem sequer os julgadores delas tinham perfeita notícia.25 É na estrutura das Ordenações Filipinas que se localizará a identidade genética do processo civil brasileiro. O diploma vigorou na maior parte do período colonial, exceto nos primeiros cem anos, e subsistiu no curso do Império, alcançando revogação total e definitiva tão só através do CC de 1916, e, assim, modelou o tronco e os membros do processo civil genuinamente pátrio.26 Importa, nesse apanhado necessariamente sumário, a divisão de trabalho entre as partes e o órgão judiciário, ponto que revela, acima de qualquer outro, a ideologia prevalecente em determinado momento histórico. Do processo dos feitos cíveis se ocupava o Livro III das Ordenações Filipinas, distribuído em noventa e oito títulos. Eram quatro os procedimentos: ordinário, sumário, sumaríssimo ou verbal e especial. O procedimento ordinário dividia-se em fases rígidas e separadas, vigorando, plenamente, o princípio dispositivo. Ao autor cabia a iniciativa de promover a demanda, aconselhando-se com advogado e preparando-se para a desventura do processo, e às partes ministrar o material probatório destinado à convicção do juiz. O autor poderia aditar o libelo até a
contestação, tantas vezes desejasse, e, a cada vez, mostrava-se necessário citar o réu, assinando-lhe novo prazo “para haver seu conselho e responder” (Livro 3, Título 20, § 7.º, das Ordenações Filipinas). Os prazos eram longos e prorrogáveis. É digno de registro que as ordenações previam a conciliação prévia. Incumbia ao juiz dizer a ambas as partes “que antes que façam despesas, e se sigam entre eles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem as suas vontades, porque o vencimento da causa sempre é duvidoso” (Livro 3, Título 20, n.º 1º). Além dessa relevante atribuição, concitando a composição das partes, o juiz poderia proceder ao interrogatório das partes, em audiência, a respeito da ordem do processo, bem como para a decisão da causa, e, conforme o resultado, extinguir o feito desde logo (Livro 3, Título 20, n.º 32) E ao juiz cabia mandar documentar todos os atos necessários à boa ordem do Juízo, assim como o libelo ou a petição por escrito ou por palavra, contestação, juramento de calúnia, artigos contrários de réplica ou tréplica, e depoimento a eles, e assim os atos necessários ao Juízo, a fim de encontrar-se bem informado da verdade no ato de julgar (Livro 3, Título 20, parte inicial). Esses modestos poderes de documentação não respaldam o alvitre que assumia papel ativo.27 E, com efeito, o distanciamento da produção da prova, o modo da respectiva avaliação, demonstra o caráter preponderantemente inerte do órgão judiciário. Realizava-se a tomada do depoimento das testemunhas através de inquiridor, devassamente, perante tabelião que registrava as respostas, desconhecendo o seu teor as próprias partes até a abertura e publicação, que, entretanto, poderiam requerer a inquirição judicial (Livro 3, Título 62, n.º 1) O fato de que os depoimentos, ordinariamente, eram tomados em segredo, resulta claro na disposição do Livro 3, Título 62, n.º 4, segundo o qual, desejando impedir a abertura e a publicação dos depoimentos, via embargos, às partes o escrivão somente oferecia traslado dos temos de inquirições, negando-lhes o teor, “posto que queiram jurar, que não lerão os ditos das testemunhas, e que os terão em segredo”. Por outro lado, havia rígida valoração legal da prova. Recebidos os autos conclusos, e verificando o juiz a existência de “meia prova” (v.g., o depoimento único), quer em relação à ação do autor, quer no tocante à exceção do réu, “o juiz lhe dará juramento em ajuda de sua prova, e com o seu juramento ficará a prova inteira” (Livro 3, Título 52, parte inicial). Fora daí, recebendo os autos conclusos para sentença, e após examiná-los “com boa diligência”, proferia a sentença definitiva “segundo o que achar alegado e provado de uma parte e da outra, ainda que lhe a consciência dite outra coisa, e ele sabia a verdade ser contrária do que no feito for provado” (Livro 3, Título 66, parte inicial). O sistema das Ordenações Filipinas há de ser encarado como produto do seu tempo. Já é menos explicável que haja perdurado tanto, sobrevivendo, em parte, até a República, imune aos ventos liberais da Revolução Francesa e da Revolução Americana. 72. Período da independência política
Feita a emancipação política do país, o Estado que se criava sentiu a óbvia necessidade de assentar os fundamentos jurídicos e a atividade judicial da Nação, até que novas leis surgissem, afirmando a soberania. Por esse motivo, instalada a Assembleia Constituinte e Legislativa, em 03.05.1823, sobreveio a promulgação de Lei, em 20.10.1823, cujo artigo 1.º declarou vigentes todas as “Ordenações, Leis, Regimentos, Alvarás, Decretos e Resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal, e pelas quais o Brasil se governava até o dia vinte e cinco de abril de mil oitocentos e vinte e um, em que Sua Majestade Fidelíssima, atual Rei de Portugal e Algarves, se ausentou desta Corte; e todas as que foram promulgadas daquela data em diante pelo Senhor Dom Pedro de Alcântara, como Regente do Brasil; e como Imperador Constitucional dele, desde que se erigiu em Império”. O art. 2º da mesma Lei preservou a vigência, até ulterior revogação, dos Decretos publicados pelas Cortes de Portugal, especificados na tabela junta. O “Poder Judicial” – independente e composto de juízes e de jurados – mereceu os artigos 151 a 164, no Título VI, da Constituição outorgada, em 25.03.1824, por Dom Pedro I. Essa Constituição acabou reproduzida no texto português de 1826.28 Lançaram-se as bases dos dois graus de jurisdição, prevendo-se a criação de Relações nas Províncias “que forem necessárias para comodidade dos povos” (art. 158 da CI/1824), de órgão de cúpula do Poder Judicial – o Supremo Tribunal de Justiça (art. 163), posteriormente disciplinado por Lei de 18.09.1828 –, e do contencioso administrativo, jamais desenvolvido a contento, a primeira Constituição contemplou: (a) a inquirição pública das testemunhas, nas causas criminais (art. 159); e (b) conferiu à tentativa de conciliação a condição de requisito prévio de admissibilidade das causas (art. 161), ficando a cargo dos juízes de paz (art. 162). Faltavam as prometidas leis nacionais. A independência intelectual iniciou com a criação das Faculdades de Direito de Olinda, posteriormente Recife (1854), e de São Paulo, pela célebre Lei de 11.08.1827.29 E, apesar da aspiração por leis autóctones no processo civil, a área criminal logrou primazia. Em 1830, surgiu o Código Criminal do Império. Logo lhe seguiu a Lei de 29.11.1832, que promulgou o Código de Processo Criminal. Esse diploma agasalhava, em título único, a “Disposição Provisória sobre a Administração da Justiça Civil” em vinte e sete artigos, representando o “marco inicial da nacionalização do processo civil”.30 É preciso registrar, ainda, por seu alcance quanto ao princípio da publicidade, o art. 13 da Lei de 18.09.1828, que constituiu o Supremo Tribunal de Justiça e mandou julgar os antigos recursos de revista – equivalentes, mutatis mutandis, ao recurso especial vigente – “a portas abertas”. A Lei de 1832 era extraordinariamente liberal e revolucionária.31 É a fonte inicial dos direitos fundamentais processuais. Nos pontos que interessam, regulou a tentativa de conciliação, a cargo do juiz de paz, e autorizou os juízes municipais a “prepararem, e processarem todos os feitos, até sentença final exclusive, e para execução de sentença” (art. 8.º). A inquirição das testemunhas processava-se publicamente, abolidos os inquiridores (art. 25), cabendo às partes indagá-las, representadas por seus advogados ou por seus procuradores, na forma estipulada no Código de Processo Criminal (art. 11). Os juízes de direito, competentes para lançar a sentença definitiva, poderia “reperguntar as testemunhas em sua presença, e proceder a outra e qualquer
diligência, que entenderem necessária” (art. 9.º). Reduziram-se, oportunamente, os termos do processo – réplicas, tréplicas e embargos antes da sentença final –, simplificando-se, ademais, o sistema recursal – agravos de petição e de instrumento transformaram-se em agravos do auto do processo, ou seja, o banido agravo retido (art. 522, caput, primeira parte, do CPC de 1973); a provocação do segundo grau, baseadas em sentenças definitivas ou com força de definitivas, veicular-se-ia sempre por apelação, eliminados os embargos (art. 15 da Lei de 29.11.1932). A lei simplificou os elementos das cartas de sentença (art. 16) e eliminou a nulidade do feito por falta de distribuição (art. 26). Exceção feita ao princípio da imediação, pois o juiz municipal presidia a coleta da prova e o juiz de direito julgava32 – a possibilidade de reperguntar não pode ser entendida como consagração plena dessa diretriz –,33 a publicidade do processo; a irrecorribilidade em separado das interlocutórias; o suprimento dos vícios processuais, indicado no caso da falta de distribuição; e o princípio da concentração no libelo e na defesa – todos avanços surpreendentes. Entretanto, o liberalismo não era predominante na vida política, ou no mínimo cedeu à onda conservadora, motivo por que a lei foi mal recebida. Assim, “o conservadorismo reacionário tratou de mutilá-la, na primeira oportunidade”.34 A notória Lei 261, de 03.12.1841, cujos artigos 114 a 124 respeitavam às causas cíveis, e seu regulamento, o Dec. 143, de 15.03.1842, promoveram retorno ao procedimento das Ordenações Filipinas: (a) revigorou-se as três formas de agravo; (b) restaurou-se as réplicas, tréplicas, mandando o art. 11 do Dec. 143/1842 que os juízes municipais seguissem a ordem do juízo das Ordenações. Em virtude do impulso tomado pelo comércio em geral, o direito brasileiro ganhou, através da Lei 556, de 25.06.1850, seu Código Comercial. Os artigos 22 a 28 trataram da ordem do juízo nas causas comerciais. Em linhas gerais, estipularam: (a) o processamento breve e sumário das causas comerciais: (b) o julgamento com base na verdade sabida, sem a necessidade de seguir a ordem do juízo comum; (c) guardavam-se apenas os termos essenciais às alegações das partes e à produção das provas; (d) dispensava-se a conciliação obrigatória em alguns casos; (e) a citação pessoal era necessária tão só no início do processo e na execução, admitida a citação dos mandatários, administradores, feitores e gerentes, nas causas envolvendo atos por eles praticados; (f) alçada para a admissibilidade da apelação.35 Era estudada, antes disso, uma revisão geral das leis processuais, o que redundou na promulgação do Regulamento 737, disciplinando o processo das causas comerciais, e redigido principalmente por Francisco Inácio de Carvalho Moreira,36 e o Regulamento 738, organizando as atribuições e o funcionamento dos juízes e tribunais do comércio, e submetido a várias alterações ulteriores, ambos de 25.11.1850. Separou-se, assim, o processo em dois segmentos distintos, passando o processo comercial à órbita do Regulamento 737/1850, cujas disposições gerais dispunham como subsidiário o processo civil comum. Retrospectivamente, o Regulamento 737/1850 dividiu as opiniões dos comentadores do CPC de 1939, que lhe deu sepulto definitivo – em alguns Estadosmembros, convém recordar, porque não adotaram códigos próprios, o diploma imperial vigorou até o advento do primeiro código unitário.
E, com efeito, dele se disse que, “pela sistemática da distribuição da matéria, pela concisão e precisão da linguagem técnica, pela ausência de antinomias e de geminações, pela redução dos prazos, por uma melhor organização dos recursos”,37 representara diploma progressista, comparativamente ao processo das Ordenações Filipinas; porém, de outro lado, recebeu o desditoso estigma de “atestado da falta de cultura jurídica, no campo do direito processual, da época que foi elaborado”, porque dotado da estrutura arcaica do processo comum. No alvitre do crítico, nele se divisam os “defeitos fundamentais do processo comum”, a saber: “Procedimento escrito, separações estanques das fases do processo, lentidão extrema da marcha dos feitos em juízo, impulso processual à exclusiva mercê da vontade das partes, regras legais de convencimento, participação quase supletória do juiz na própria produção de provas – tudo aquilo, enfim, que faz o processo comum inadaptável às condições do direito moderno (…). O sistema das audiências sucessivas para ser acusada a citação, pôr a causa em prova, marcar prazo para alegações, com o seu cortejo de atos inúteis de intimação para essas mesmas audiências, têm ali plena consagração”.38 Por óbvio, na altura em que desapareceu definitivamente, por obra do CPC de 1939, o Regulamento 737/1850 mostrava-se antiquado e impróprio. No entanto, uma lei geral há de ser avaliada em contraste com as que lhe são contemporâneas. E, naquela assentada, o processo civil ainda não ganhara autonomia, e, como modelo cogitável, na prática restava o CPC francês, de 1808, perante o qual não ficava a dever muito. E, relativamente à estrutura do processo, ela “permaneceu inalterada no Código de Processo italiano de 1865, no português de 1876, na Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola, de 1881”.39 Conforme se assinalou, com justeza, não cabia exigir que “os nossos juristas tivessem uma visão surpreendente, que faltou aos próprios legisladores europeus de nações mais adiantadas, quando os novos princípios, se já estavam em gestação ou em suas primeiras manifestações, não haviam adquirido, ainda, suficiente prestígio para serem insculpidos em teses do direito positivo contemporâneo”.40 Felizmente, todos convergem quanto à precisão e limpidez da linguagem, lição que muito aproveitaria aos reformadores do CPC de 1973, se merecesse a devida atenção. O Regulamento 737/1850, na realidade, apresenta defeitos e virtudes. Por um lado, simplificou as formas do juízo ordinário, limitando a quatro as exceções suspensivas da causa (artigos 74 e 75), e concentrou o procedimento, exigindo a alegação de toda a matéria de defesa na contestação (art. 97), sem embargo da manutenção de réplicas e tréplicas, e os requerimentos das partes nas alegações finais (art. 266). Entretanto, a avaliação das provas era tarifada na lei, mantido, conforme o valor, o juramento supletório. Embora juramentadas, as testemunhas eram inquiridas diretamente pelas partes, ou por seus advogados, cabendo ao juiz, presidindo a inquirição, formular as perguntas que entendesse conveniente para seu melhor esclarecimento (art. 181). O juiz ordenaria as diligências necessárias ao julgamento de ofício (art. 230). A sentença devia ser motivada (art. 232). O sistema recursal mostrava-se relativamente simples, cabendo apelação contra as sentenças definitivas, ou decisões com força de definitivas (art. 646), e os agravos de petição e de instrumento contra as interlocutórias – o art. 668 aboliu o agravo no auto do processo –, salvo algumas hipóteses estritas de
sentença (artigos 668 e 669). Os vícios dos atos processuais podiam ser supridos (artigos 672 a 679), subordinando-se a decretação, porém, à iniciativa da parte. Ressalva feita a disposições secundárias, atinentes à organização judiciária, e a Lei 1.237, de 24.09.1864, que reformou a legislação hipotecária e submeteu a pretensão a executar à assinação de dez dias, e à Lei 2.614, de 04.08.1875, concernente ao reconhecimento das sentenças estrangeiras, até 1871 esse quadro permaneceu inalterado. Existiam, portanto, dois regimes processuais separados, um para as causas civis, outro para as causas comerciais. Em qualquer dessas disciplinas, porém, os poderes do órgão judiciário eram limitados. No tocante à execução, tema estranho à exposição, calha observar que a Lei 3.272, de 05.10.1885, e seu regulamento, o Decreto 9.549, de 23.01.1886, mandaram observar, na execução civil, as disposições pertinentes do Regulamento 737/1850, antecipando a generalização republicana. O panorama completa-se com a Lei 2.033, de 20.09.1871, e seu regulamento, o Dec. 4.824, de 22.11.1871. Esta lei promoveu duas alterações: (a) contemplou procedimento sumaríssimo (art. 27 da Lei), disciplinado no decreto; e (b) determinou ao Governo consolidar as leis de processo civil (art. 29, § 14, in fine). Dessa espinhosa tarefa desincumbiu-se Antonio Joaquim Ribas, de acordo com as rígidas diretrizes do Dec. 5.129, de 06.11.1872, aprovada a obra por resolução governamental de 28.12.1876. A Consolidação Ribas dividia-se em duas partes, a primeira sobre organização judiciária, em título único, e a segunda sobre o processo, em geral, por sua vez subdividida em cinco títulos. Essa compilação incorporava eventuais mudanças, citando as disposições legislativas e regulamentares aplicáveis através de índice cronológico.41 Todavia, em virtude de sua natureza e objetivos, nada acrescentou ao panorama já delineado. 73. Primeiro período republicano: a pluralidade processual O primeiro período republicano produziu a multiplicidade de fontes formais do processo civil. O ardor republicano inicial alterou, profundamente, a estrutura judiciária brasileira. Dentre os diplomas significativos, neste tópico, citam-se os seguintes: (a) o Dec. 359, de 26.04.1890, aboliu a conciliação prévia como condição de admissibilidade das pretensões em juízo, facultando a transação, posteriormente disciplinada pelo CC de 1916; (b) o Dec. 848, de 11.10.1890, instituiu e organizou a novel Justiça Federal; posteriormente, a Lei 221, de 10.11.1894, completou essa organização, prevendo ação para anular os atos da Administração lesivos aos direitos individuais, origem do contemporâneo mandado de segurança, e determinando, outra vez, uma consolidação, da qual se desincumbiu José Higino Duarte Pereira, restando a obra aprovada pelo Dec. 3.084, de 05.11.1898; (c) o Dec. 169-A, de 19.01.1890, regulou as ações executivas de hipoteca e penhor; (d) o Dec. 720, de 05.09.1890, tratou da divisão e da demarcação de terras particulares. No plano mais geral, destacou-se o Dec. 763, de 19.09.1890, que mandou aplicar às causas cíveis, como algumas ressalvas, o Regulamento 737/1850.
Desapareceu, assim, a dualidade entre os processos civis e comerciais, embora a força da tradição haja mantido a artificial diferença em outros países até tempos muito avançados.42 Mas, outra dualidade, mais profunda e dramática, surgiu no horizonte legislativo. O art. 34, n.º 23, da CF/1891, louvando-se no modelo norte-americano, outorgou competência legislativa privativa à União para “legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da República e o processual da justiça federal”, cabendo aos Estados-membros, nos termos do art. 65, n.º 2, da mesma CF/1891, a competência legislativa não abraçada pela União. Opiniões veementes em contrário, refutando a competência dos Estadosmembros, não logram sucesso.43 Os federalistas nacionais aspiravam por uma distribuição equânime da competência legislativa, como mecanismo de descentralização do antigo Estado unitário. A fórmula que atribuiu aos Estados-membros o direito processual resultou de compromisso no debate parlamentar.44 A antiga dualidade entre processo civil e comercial transformou-se em dualidade federal e estadual – na verdade, autêntica pluralidade. A primeira lei processual, designada de “Regulamento Processual Civil e Comercial”, foi o Dec. 1.380, de 22.06.1905, baixado em cumprimento da Lei 930, de 21.10.1904. Falta-lhe, porém, “a sistemática técnica de um Código”.45 Por esse ângulo, recebendo a designação própria, a Lei 65, de 16.01.1908, promulgou o Código de Processo Civil e Comercial do Estado do Rio Grande Sul. Deixando à parte as tentativas malogradas de codificação, a primeira das quais no Estado do Paraná, no qual a Lei 9, de 10.05.1892, encarregara o então juiz federal Manoel Inácio Carvalho de Mendonça, célebre civilista, seguiram-se os seguintes estatutos: (a) do Estado do Maranhão (Lei 507, de 22.03.1909); (b) Espírito Santo (Dec. 1.882, de 17.09.1914, que jamais entrou em vigor, substituído pela Lei 1.055, de 23.09.1915); (c) Bahia (Lei 1.121, de 21.08.1915); (d) Rio de Janeiro (Lei 15.880, de 20.01.1919); (e) Paraná (Lei 1.915, e 23.02.1920); (f) Piauí (Lei 964, de 17.06.1920); (g) Sergipe (Lei 793, de 05.10.1920); (h) Ceará (Lei 1.952, de 30.12.1921); (i) Minas Gerais (Lei 830 de 07.09.1922); (j) Rio Grande do Norte (Lei 551, de 11.12.1922); (k) Pernambuco (Lei 1.672, de 09.06.1924); (l) Distrito Federal, então situado na cidade do Rio de Janeiro (Dec. 16.732, de 31.1924, do Presidente da República, que já tivera outro, que jamais entrou em vigor, promulgado pelo Dec. 8.332, de 03.11.1910); (m) Santa Catarina (Lei 1.640, de 03.11.1928); (n) São Paulo (Lei 2.421, de 14.01.1930); (o) Paraíba (Lei 28, de 02.12.1930). O Espírito Santo ganhou um terceiro CPC através da Lei 1.743, de 23.04.1930. Os Estados do Mato Grosso, de Goiás, do Amazonas e de Alagoas jamais editaram códigos próprios. Em consequência, o processo civil nesses territórios permaneceu disciplinado, até o primeiro código unitário, pelo Regulamento 737/1850.46 É muito heterogênea essa copiosa legislação. A análise geral revela que, ressalva feita a aspectos secundários, a exemplo da citação postal prevista no Código de Minas Gerais (infra, 1.194.2), os legisladores estaduais “permaneceram meio enrodilhados aos princípios” do Regulamento 737/1850.47 Desse conjunto indistinto, entretanto, sobressai-se o Código da Bahia, cujo art. 127 rezava o seguinte: “O juiz pode ordenar ex officio as diligências que julgar necessárias para apurar a verdade dos fatos alegados, depois de realizadas as que forem requeridas pelas partes”. Conforme
esclarece o autor do anteprojeto, ciente da orientação adotada nas leis austríaca e húngara, a cláusula final surgiu no curso do processo legislativo.48 Este não toldou o seu alto significado prático e técnico. Em que pese essa notável inovação, também o Código da Bahia, inaugurando a tendência autoritária que se reproduziria no CPC de 1939 – por exemplo, o art. 117 adotou a linha do já citado art. 127 da lei baiana –, apegava-se à forma do processo escrito.49 A competência da União para legislar sobre direito processual impôs-se na CF/1934 (art. 5.º, XIX, a), mas só na vigência da outorgada CF/1937, na esteira dessa mesma competência (art. 16, XVI), surgiu o primeiro código unitário. 74. Segundo período republicano: a unificação processual O segundo período republicano caracteriza-se pela unificação do direito processual civil. Era aspiração do Estado unitário, centralizador e intervencionista na economia e na vida social. Não há relação obrigatória entre regimes políticos liberais e processo dispositivo. Também é verdade que os regimes políticos autoritários tendem a adotar o esquema básico do processo inquisitivo. A bem da verdade, essas designações revelam-se bastante ambíguas e simplistas. Existe toda uma série de problemas conexos (v.g., a iniciativa de abrir o processo; a de fixar o objeto litigioso; a de investigar os fatos; os limites ao julgamento, e assim por diante) e no centro dessas questões situam-se os poderes do juiz ou, sinteticamente, a difícil divisão de trabalho entre o juiz e as partes. O órgão judiciário assume posição sobranceira à das partes no chamado processo civil social. O juiz impõe-lhes a estrita observância de deveres com a jurisdição e promove, ex officio, a investigação do material de fato aportado por iniciativa dos litigantes. Esse sistema acompanhou a fervorosa pregação pela oralidade. A oralidade representaria a milagrosa panaceia para os males do processo escrito recepcionado do direito comum.50 Poderoso alvitre estimou o sistema da oralidade “melhor e mais conforme às exigências da vida moderna”.51 À oralidade corresponde os seguintes meios técnicos, que nenhuma legislação processual sadia haveria de rejeitar e, necessariamente, encamparia em regras precisas: (a) a prevalência da palavra como meio de expressão, servindo as petições escritas tão só a preparar o debate na presença do órgão judiciário; (b) o contato permanente e intenso do juiz com as partes e seus advogados; (c) a produção da prova nesse clima de diálogo, vinculando o órgão judiciário que a presidiu ao julgamento; e (d) a irrecorribilidade em separado das interlocutórias.52 Este ingrediente final da receita visa a concentrar os atos seriais do procedimento, impedindo impugnações à parte da matéria de fundo, ressalva feita a algumas exceções litis ingressum impedientes, quando, à discrição do juiz, caberia suspender o processo. A unificação da competência legislativa em matéria de processo civil coincidiu com momento histórico em que a democracia liberal era apresentada como regime político obsoleto. A crise econômica iniciada em 1929 acentuou a tendência da implantação de regimes políticos autoritários e
intervencionistas na economia. O processo civil não se furtou dessas influências, prestando-se a oralidade, magnificamente, como bandeira para concentrar poderes no órgão instituído pelo Estado para resolver os conflitos em detrimento das partes. É nesse contexto que surgem as primeiras leis nacionais de processo, destacando-se: (a) a Lei 191, de 16.01.1936, relativa ao mandado de segurança; (b) a Lei 319, de 25.11.1936, disciplinando recursos das “decisões finais” dos atuais TJs; (c) o Dec.-lei 960, de 17.12.1938, impropriamente apontado como “o primeiro ato legislativo unitário republicano regrando, integralmente, o procedimento de uma ação”.53 É inegável que esse último diploma incrementou os poderes do juiz. Foi no primeiro estatuto unitário, entretanto, que a orientação autoritária se firmou definitivamente. Elaborou o anteprojeto que se transformou no CPC de 1939, após as divergências ocorridas no seio da comissão nomeada pelo Ministro da Justiça Francisco Campos,54 no regime autoritário da CF/1937, o advogado Pedro Baptista Martins. Publicado o anteprojeto em 04.02.1939, sobrevieram milhares de sugestões – fase em que interveio Guilherme Estelita –, algumas incorporadas no texto apresentado ao Presidente da República. O Dec.-lei 1.608, de 18.09.1939 unificou, definitivamente, o direito processual civil brasileiro, superando o ultrapassado Regulamento 737/1850. O já vetusto diploma inspirara as legislações processuais dos Estadosmembros, e mantivera-se vigente em parte significativa do território nacional, porque não exercida a competência legislativa estadual. Do ponto de vista estrutural, o primeiro código unitário (CPC/1939) se divide em quatro partes fundamentais: (a) os artigos 1.º a 297 tratam do processo de declaração; (b) os artigos 298 a 807 ocuparam-se de procedimentos especiais; (c) dos recursos cuidaram os artigos 808 a 881; e, por fim, (d) os artigos 882 a 1.030 disciplinaram a execução. Formalmente, o CPC de 1939 se organizou em dez livros, contendo 1.052 artigos: (a) Livro I – Disposições Gerais; (b) Livro II – Do Processo em Geral; (c) Livro III – Do Processo Ordinário; (d) Livro IV – Dos Processos Especiais; (e) Livro V – Dos Processos Acessórios; (f) Livro VI – Dos Processos da Competência Originária dos Tribunais; (g) Livro VII – Dos Recursos; (h) Livro VIII – Da Execução; (i) Livro IX – Do Juízo Arbitral; (j) Livro X – Disposições Finais e Transitórias. Posteriormente, leis diversas alteram várias disposições desse estatuto. O ambiente em que se criou o CPC de 1939 era tomado pela fórmula da oralidade, que persuadira os espíritos mais atilados naquela oportunidade.55 E as experiências totalitárias da Alemanha e da Itália, no plano processual refletidas na posição de proeminência do órgão judiciário, sem dúvida estavam presentes no espírito que presidiu o nascimento do CPC de 1939, conforme declaração da respectiva exposição de motivos, similar à explicação para a reforma de 1933 daZivilprozessordnung alemã. O autor do anteprojeto assinalou, categoricamente, que o estatuto subvertera “o velho sistema em que se apoiava o processo escrito e liberal”.56 Às críticas feitas ao anteprojeto, menos pela ênfase nos poderes do juiz, mais por sua indeterminação, a lei promulgada introduziu alterações que “de algum modo desmancharam cientificamente aquela feição, que o legislador, politicamente, pretendia aparentar à sua obra”.57 Então, criou-se nítida discrepância entre a teoria e a realidade.
Com efeito, o art. 4.º do CPC de 1939 declarava: “O juiz não poderá pronunciar-se sobre o que não constitua objeto do pedido, nem considerar exceções não propostas para as quais seja por lei reclamada a iniciativa da parte” – disposição que inexistia no anteprojeto Essa disposição ressalva a nota essencial do princípio dispositivo. Mas, simultaneamente, o art. 112 rezava que o “o juiz dirigirá o processo por forma que assegure à causa andamento rápido sem prejuízo da defesa dos interessados”, e, no ponto em que ressalta a linha evolutiva do processo civil pátrio, o art. 117 estipulava: “A requerimento ou ex officio, o juiz poderá, em despacho motivado ordenar as diligências necessárias à instrução do processo e indeferir as inúteis em relação a seu objeto, ou requeridas com propósitos manifestamente protelatórios”. Essas disposições constituem o núcleo ideológico do CPC de 1939, ao consagrarem, respectivamente, os poderes instrutórios e ordinatórios exigidos pelo processo social, a fim de descobrir a verdade e realizar o ideal da rápida solução dos litígios.58 Em mais de um capítulo a adoção da oralidade enriqueceu o primeiro estatuto processual. No respeitante à recorribilidade das interlocutórias, o CPC de 1939 limitou o emprego do clássico recurso de agravo, fruto do gênio jurídico português, aos casos legalmente predeterminados, rejeitando a “aplicação analógica ou extensiva”,59 seja na forma de agravo de instrumento (art. 842), seja na forma de agravo no auto do processo (art. 851). Por sinal, a última modalidade de agravo representava o meio técnico por excelência para induzir o predomínio do princípio da oralidade.60 O aparente compromisso com a impugnação em separado das interlocutórias,61 atenuando o princípio, cedia à maleabilidade do agravo no auto do processo recurso cômodo e pouco dispendioso, destacando-se seus predicados: “O valor do agravo no auto do processo está, exatamente, em ser obedecido o princípio da irrecorribilidade e, concomitantemente, oferecer uma providência que preserve lesões à parte”.62 O cotejo dessa solução com a do estatuto subsequente, capítulo que sofreu o ulterior furor reformista, revela a flagrante superioridade do CPC de 1939. Passado o primeiro e entusiasmado momento da sonhada unificação, talvez um pouco prematura, pois os precários meios de comunicação não propiciam a advocacia “nacional” hoje imprimida pelos grandes escritórios, avolumaram-se críticas ao primeiro código unitário, averbando a falta de sistema e de coerência, in verbis: “Adotaram-se inovações eficazes e elogiáveis, de par, no entanto, com preceitos arcaicos que dificilmente se ajustam e se aglutinam” com as normas renovadoras da oralidade, mergulhando o corpo no “velho procedimentalismo ibérico”.63 As reclamações induziram a edição de novo estatuto processual.64 Em 1961, o Governo da República adotou amplo programa de reforma dos códigos e, no caso do processo civil, nomeou-se Alfredo Buzaid, que apresentou seu trabalho em 1964. Esse anteprojeto foi escrutinado pela nata da processualística brasileira no célebre conclave de Campos de Jordão, em 1965.65 Depoimentos informais assinalam que Alfredo Buzaid respondeu, uma a uma, as objeções feitas à obra, que passou no severíssimo teste de resistência. O anteprojeto compunha-se de três livros – Livro I – Do Processo de Conhecimento; Livro II – Do Processo de Execução; Livro III – Do Processo Cautelar –, inexistindo ainda, o Livro IV – Dos Procedimentos Especiais – e o Livro V – Das Disposições Finais e Transitórias, aquele sob o
pretexto de que “era impossível redigi-lo sem que antes se definissem as diretrizes do direito substantivo”.66 Em seguida, nomeou-se uma comissão de revisão, composta por Luiz Machado Guimarães, José Frederico Marques e Guilherme Estelita. Falecendo o primeiro, sucedeu-o Luiz Antônio de Andrade, e, impossibilitado Frederico Marques de acompanhar os trabalhos de revisão, realizados na cidade do Rio de Janeiro, José Carlos Barbosa Moreira substituiu-o, informalmente, sendo difícil acreditar-se na modéstia desse último e na sua escassa interferência. Reservou-se, ao menos de forma pública, a tarefa de “reduzir a escrito aquilo que fora assentado através dos debates”.67 Essa comissão realizou uma centena de sessões entre meados de 1969 e meados de 1971. Infelizmente, não ocorreu a publicação desses trabalhos, todavia documentados, permitindo aquilatar a contribuição individual dos seus integrantes. O certo é que, em reunião posterior, realizada em Brasília, pouco se aproveitou da absorvente empresa, salvo “algumas emendas de natureza formal, emendas de redação”, e “algumas poucas referentes a pontos específicos” (v.g., o julgamento da exceção de suspeição). A forte personalidade do autor do anteprojeto, então Ministro da Justiça, preservou a integridade do projeto original. A etapa legislativa, iniciada em abril de 1972, encontra-se documentada através da publicação dos anais da Câmara e do Senado. Figuraram como relatores, na Câmara, o Deputado Célio Borja, posteriormente ministro do STF, e no Senado, o Senador Acioly Filho, e, apesar do regime de urgência, “mais de 1.400 emendas foram apresentadas, discutidas e votadas”.68 Resta pouca dúvida de que o texto saiu melhor do que entrou, graças aos debates parlamentares, talvez não transformando-se na Lei 5.869, de 11.01.1973, em vigor a partir de 1.º de janeiro de 1974. Tal não modificou, entretanto, a base essencialmente individualista do diploma.69 Formalmente, o CPC de 1973 dividiu-se em cinco livros, sobressaindo, na sua estrutura, a autonomia da função cautelar (Livro III) e a falta de uma parte geral, pontos anteriormente examinados (retro, 2). O texto refletiu perfeitamente a processualística científica do final do século XIX e da primeira metade do século XX.70 A acreditar-se na exposição de motivos que lhe precedeu, assinada pelo autor do anteprojeto original, o CPC de 1973 consagrou o princípio dispositivo (Capítulo IV, n.º III, item 18). Essa afirmativa mostra-se verdadeira no tocante aos seguintes aspectos: (a) a instauração do processo subordina-se à iniciativa da parte (art. 262, primeira parte), exceção feita ao processo de inventário (art. 989), faculdade escassamente empregada pelo órgão judiciário; (b) as partes fixam o objeto litigioso, apresentando o material de fato sobre o qual decidirá o juiz; (c) o órgão judiciário julgará adstrito ao objeto litigioso predeterminado pelas partes (artigos 128, 459, primeira parte, e 460); (e) as partes podem compor o litígio, bilateralmente ou não, sendo vedado ao juiz recusar-lhes os efeitos próprios através de provimento homologatório (artigo 269, II e III), exceto com base em pontos formais e exteriores à autonomia privada (v.g., capacidade de exercício dos figurantes do negócio jurídico).
No ponto que realmente interessa à análise, o CPC de 1973 declara que o processo, uma vez iniciado, desenvolver-se-ia sob impulso oficial (art. 262, segunda parte). Ao juiz caberia dirigir o processo “conforme as disposições deste Código” (art. 125, caput), competindo-lhe: (a) assegurar a igualdade das partes (art. 125, I); (b) velar pela rápida solução do litígio (art. 125, II); e (c) prevenir e reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça (art. 125, III). O acréscimo da tentativa de conciliação, a qualquer tempo (art. 125, IV), mediante a Lei 8.952/1994, reforçou os poderes de direção material do processo (infra, 940). Por sinal, observara-se, com razão, que o momento da conciliação é o início do processo, e, não, a abertura da audiência de instrução e julgamento (artigos 447 a 449), como se projetara inicialmente, até porque essa oportunidade talvez jamais se abra, comportando o processo julgamento antecipado (art. 330). Os poderes ordinatórios do juiz, nesse modelo, afiguram-se amplíssimos (infra, 943). O único limite é o veto à manipulação do procedimento, porque integrante do due process of law (infra, 109). Em relação aos poderes instrutórios, o art. 130 declara o seguinte: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”. O dispositivo demonstra, categoricamente, a adesão a elemento essencial do processo inquisitivo, ordenando a pesquisa de ofício de provas.71 Por exemplo, se nenhuma das partes, na investigação de paternidade, requerer a realização de perícia, meio altamente produtivo para estabelecer a verdade biológica, preferindo a prova testemunhal, cabe ao juiz determiná-la; do contrário, não ficará suficientemente esclarecido sobre a questão de fato. O CPC de 1973 não se satisfez com o poder genérico instituído no art. 130. Em outras disposições particulares, reafirmará o poder de o juiz intervir no processo para recolher os subsídios indispensáveis ao bom julgamento. Dentre outras regras, anotam-se as seguintes: (a) os artigos 342 e 599, I, este atinente ao processo executivo, permitem ao juiz ordenar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, a fim de obter esclarecimentos; (b) os artigos 355 e 360 autorizam a ordem de exibição de documento ou de coisa em poder da parte ou de terceiro; (c) o artigo 399, permite ao juiz requisitar às repartições públicas “as certidões necessárias à prova das alegações das partes” (inc. I) e, conforme a qualidade da parte, os procedimentos administrativos (inc. II); (d) o art. 400, caput, segunda parte, autoriza o juiz a indeferir a produção da prova testemunhal nos casos que especifica, e ouvir, de ofício, as testemunhas referidas (art. 418, I); (e) o art. 145 obriga o juiz a assistir-se de perito, dependendo a percepção ou a dedução do fato de conhecimento técnico, científico, artístico ou prático, mas o art. 427 autoriza-a a dispensar essa assistência no caso de as partes juntarem pareceres técnicos esclarecedores; (f) o art. 440 autoriza a inspeção de ofício em pessoas ou coisas; (g) o art. 339 obriga qualquer pessoa a colaborar com o órgão judiciário “para o descobrimento da verdade”. Facilmente se percebe que, entre o CPC de 1939 e o CPC de 1973, a despeito das diferenças de redação e de ênfase, há uma sintonia fundamental: a imposição do princípio inquisitório. É a tendência dominante na primeira metade do século XX.72
Ora, tal não bastou, aparentemente, para tornar o processo rápido, barato e eficiente. À superioridade técnica do CPC de 1973, segundo se diz, “não corresponde uma evolução ideológica nem a implantação de um novo modelo processual, porque traz em si, como o outro, o desenho de um sistema individualista de tutela jurisdicional, além de não propor instrumentos aceleradores da tutela (como a antecipação da tutela jurisdicional, agora ditada no novo art. 273 {do CPC de 1973}), nem oferecer ao juiz meios para a enérgica imposição da efetividade dos seus resultados (p. ex., como o novo art. 461 [do CPC de 1973])”.73 Aí o autoritarismo tem defesa mais franca e nítida. Pouca dúvida há que o CPC de 1973 é, sobretudo, lei de grande apuro técnico e concebida para resolver conflitos individuais. Não é, porém, centrado em valores liberais.74 Pois bem. Os (supostos) instrumentos indispensáveis à realização dos escopos políticos do processo passaram a existir após as reformas na lei processual anterior. E as expectativas de rapidez e efetividade jamais ingressaram na realidade. Ninguém discorda do ideal: “Brevidade, economia, remoção de todos os meios maliciosos e supérfluos, tais são as condições que devem acompanhar o processo em toda a sua marcha”.75 Essa proclamação recua ao século XIX. Pouco se fez e muito menos se alcançou nesses rumos. Entre teoria e prática, outra vez, há grande distância. O período seguinte, marcado por reformas parciais do corpo legislativo principal, pretendeu ajustar o processo civil à pós-modernidade. 75. Terceiro período republicano: as reformas parciais Por razões de oportunidade política, e, não, por influência de certa diretriz técnica ou ideológica, a partir da última década do século XX, o CPC de 1973 sofreu sucessivas reformas legislativas parciais. Leis específicas introduziram mudanças, mais ou menos extensas, no corpo do segundo código unitário. Ficou esquecida a lição de que a mistura do novo e do velho no mesmo corpo legislativo mostra-se quase fatal, que a força do hábito e a submissão à prática consolidada prevalecerão sobre o esforço de renovação, sina da qual dificilmente escapam incólumes leis processuais retalhadas.76 E também olvidou a lição de que reformar o velho edifício erradica o risco de desabamento, mas não passa de forma assaz feliz de conservação.77 Os protagonistas do movimento reformista jamais adotaram um modelo definitivo, tampouco se empenharam em (per)seguir diretriz unívoca. A sucessão de leis, a seguinte corrigindo os erros da anterior, e o tratamento incerto, ou simplesmente contraditório, em alguns pontos específicos (v.g., o regime da subida do agravo), revela facilmente a falta de rumos. Por exemplo, o art. 659, § 4.º, do CPC de 1973, introduzido pela Lei 8.953/1994, mas alterado pela Lei 10.444/2002, para outorgar eficácia erga omnes à penhora registrada, apresentava redação tão confusa que recebeu nova versão na Lei 11.382/2006. Embora sem nenhuma explicação plausível para o erro originário, não deixa de contar a favor dos reformistas a total ausência de constrangimento em corrigir textos canhestros.
O problema básico com o qual se defrontavam os idealizadores da reforma, de resto, a criação do processo civil de massas, apto a absorver a litigiosidade contida, representava desafio de solução superlativamente difícil. A bem da verdade, recebendo a influência da Common Law, de um lado, que inspirou a introdução do processo coletivo, e da constitucionalização do processo civil, de outro, inseriram-se no movimento universal de mudanças na lei processual. Talvez os monumentos legislativos mais significativos, nesse contexto, sejam o CPC inglês de 1998,78 e o CPC japonês, de 1996, demonstrando a universalidade dos problemas e as tentativas, no Ocidente e no Oriente, de mudança. Reformas se sucederam em toda parte e nos principais ordenamentos da Civil Law. O objetivo geral de criar processo civil rápido, barato e efetivo jamais foi alcançado. Em geral, a única tendência discernível consistiu no reforço dos poderes do órgão judiciário, já amplíssimos na feição originária do CPC de 1973. Dentre outras modificações desse teor, convém registrar: (a) a possibilidade de o juiz retratar o juízo de inadmissibilidade da petição inicial, caso o autor apele (art. 296, na redação da Lei 8.952/1994); (b) a possibilidade de o juiz limitar o número de litisconsortes ativos (art. 46, parágrafo único, na redação da Lei 8.952/1994); (c) a faculdade de o juiz reexaminar todos os pressupostos de admissibilidade da apelação, apresentada a resposta do apelado (art. 518, parágrafo único, na redação da Lei 8.950/1994, renumerado para § 2.º pela Lei 11.276/2006); (d) a possibilidade de o juiz não receber apelação quando a sentença estiver em conformidade com Súmula do STF e do STJ, conforme o art. 518, § 1.º, renumerado pela Lei 11.276/2006; (e) o dever de o órgão judiciário conciliar as partes, a qualquer tempo, indício seguro da direção material, a teor do art. 125, IV, na redação da Lei 8.952/1994: (f) a introdução da audiência de conciliação, posteriormente rebatizada de audiência preliminar (art. 331, na redação da Lei 8.952/1994, modificada pela Lei 10.444/2002, ficando a cargo do órgão judiciário, a seu critério, discernir em que processos a solenidade se mostrará frutífera;79 (g) o aumento dos poderes de coerção do órgão judiciário, presumivelmente indeterminados, a teor do art. 461, § 5.º, na redação da Lei 8.952/1994; (h) o poder de o relator julgar singularmente recursos (art. 557, na redação da Lei 9.756/1998); (i) a possibilidade de o relator suspender a execução definitiva na pendência de rescisória (art. 489, na redação da Lei 11.280/2006); (j) o poder de impor multa pelo descumprimento dos provimentos (art. 14, caput, e inc. V, na redação da Lei 10.358/2001); (k) o poder de mandar o executado indicar bens passíveis de penhora (art. 652, § 3.º, na redação da Lei 11.382/2006). A principal inovação reformista reponta na possibilidade de o órgão judiciário antecipar, na abertura do processo, os efeitos que decorreriam da entrega da prestação jurisdicional (art. 273 c/c art. 461, § 3.º, introduzidos pela Lei 8.952/1994), baseando-se em juízo de verossimilhança. Em tal aspecto, os poderes do juiz atingiram o zênite. O processo civil, a partir daí, jamais será o mesmo. As expectativas das partes se reverteram, dramaticamente, e o réu passou à posição de desvantagem, cabendo-lhe participar mais ativamente do processo para reverter eventual provimento liminar favorável ao autor. Esse breve resumo demonstra que o incremento dos poderes do juiz atingiu todos os setores. No entanto, os esforços principais dos reformistas se
concentraram, seguindo essa diretriz, em dois capítulos principais do CPC de 1973: a execução e os meios de impugnação aos provimentos judiciais. É preciso deitar os olhos nessas paragens antes de avaliar o conjunto das reformas. 75.1. Reformas parciais no sistema da execução – No que tange à execução, o CPC de 1973 unificara as vias executivas, conferindo regime uniforme ao procedimento in executivis fundado em título judicial e em título extrajudicial. O modelo perdurou até o advento da Lei 6.830/1980, que consagrou procedimento específico para a pretensão de executar créditos tributários ou não da Fazenda Pública. O principal bloco de mudanças, na primeira fase, do Livro II do CPC, derivou da Lei 8.953, de 13.12.1994, e da Lei 8.898, de 29.06.1994, esta última concernente à liquidação de sentença, que alteraram diversos dispositivos. Exame sereno das mudanças mostra que elas jamais provocariam qualquer modificação radical na presteza da atividade jurisdicional de realização coativa dos direitos e das resoluções judiciais. Por sinal, as dificuldades, nessa área, assentam mais em aspectos sociais (v.g., o escasso respeito ao próprio crédito) e econômicos (v.g., a falta de patrimônio) do que legislativos. Seja como for, três vetores eram discerníveis no conjunto dessas alterações: (a) a codificação de regras já consagradas que, sem embargo da generalidade que lhes era intrínseca (v.g., a eficácia executiva da transação referendada pelo Ministério Público, prevista, originariamente, no art. 55, parágrafo único, da Lei 7.244/1984, hoje revogada), o privilégio da sua inclusão no corpo legislativo principal pretendia assegurar-lhes uso mais generalizado; (b) a incorporação em texto expresso da jurisprudência consolidada do STJ, a exemplo da redação do art. 747 do CPC/1973, no tocante à competência para processar e julgar a oposição do executado na execução por carta (art. 658), que passou a retratar o verbete 46 da Súmula do STJ; (c) o aprimoramento do sistema do CPC de 1973, a exemplo da harmonização do termo inicial da oposição do executado (art. 738, II, na redação originária do CPC de 1973) com a notória regra da “juntada” como termo inicial da fluência dos prazos processuais (art. 241). Esses dados evidenciam o caráter cosmético desse bloco de reformas. E a superficialidade encontrou exemplo paradigmático na irrelevante alteração do art. 687,caput, do CPC de 1973. No alvitre de que nem todos os prédios confiados à Justiça Pública, majestosos ou não, exibiam “átrios”, lugar em que a lei exigia que se afixasse o edital de arrematação, pois se cuidavam de requintes arquitetônicos “dificilmente harmonizáveis com as condições reais da sociedade a que se destina”,80 trocou-se a afixação para o “local do costume” (art. 687, caput). Evidentemente, com ou sem átrio, o escrivão afixava o edital no mesmo lugar. E olvidou o legislador, tão hostil e rigoroso com semelhante vestíbulo, ou com a terminologia pomposa da lei, de bani-lo do art. 686, § 2.º, segundo o qual “a praça realizar-se-á no átrio do edifício do Fórum” Em síntese, a reforma de 1994, incapaz de enfrentar diretamente o problema, combateu-lhe os efeitos.
O segundo bloco de reformas da execução, decorrente da Lei 11.232/2005 e da Lei 11.382/2006, melhor inspirado, caracterizou-se pelo retorno à fórmula do CPC de 1939, relativamente à execução de título judicial, em particular dos pronunciamentos originários do processo civil, que passaram a ocorrer in sumultaneo processu. À semelhança das leis anteriores, as deficiências de redação da Lei 11.232/2005 criaram três problemas perfeitamente dispensáveis: (a) o termo inicial da multa prevista no art. 475-J, caput; (b) o cabimento dessa multa na execução provisória; (c) o cabimento de honorários advocatícios, inexistindo o cumprimento voluntário do vencido, em razão da atividade executiva. É claro que, a médio prazo, a jurisprudência do STJ soluciona tais questões. Entrementes, resmas de papel e tonéis de tinta se dissiparam para alcançar a uniformidade, pois os entendimentos variaram de juízo a juízo por todo o território nacional, e nada assegura que a exortação implícita do tribunal encarregado de zelar pela uniformidade do direito federal seja seguida por todos os órgãos judiciários. A Lei 11.232/2005 não deixou de incorrer no defeito capital de deixar pontas soltas. Na consideração que o processamento da execução provisória em carta de sentença representava antiqualha descartável, substituiu-a pela formação de autos próprios, por iniciativa do exequente, instruído pelas peças que, no regime anterior, integravam a referida carta de sentença (art. 475-O, § 3.º, do CPC/1973). Louvável que seja a proscrição da carta de sentença, a lei negou-lhe sepultamento definitivo e tranquilo. O defunto soergue-se do túmulo na parte final do art. 521, prevendo-se aí a extração da “respectiva carta” na hipótese de o juiz (nos casos legalmente admissíveis) receber a apelação tão só no efeito devolutivo, e no art. 484, segundo o qual a execução da sentença estrangeira “far-se-á por carta de sentença”. Cuida-se de questão de somenos, mas não depõe a favor da capacidade dos autores da reforma. De todas as leis que se atreveram a tocar no Livro II, não há dúvida de que a Lei 11.382/2006 é a melhor. Ao menos duas mudanças são dignas de nota: (a) odiscovery dos ativos financeiros (art. 655-A); (b) a flexibilização dos meios de alienação dos bens objeto de constrição judicial, por intermédio da iniciativa do exequente (art. 685-C). 75.2. Reformas parciais no sistema de recursos – Ao lado da execução, o capítulo que mais sofreu transformações no período das reformas parciais é o respeitante aos recursos. Levantamento do início de 1999 indicou que, dos setenta artigos que compunham o Título X do Livro I do CPC, somados os dois extraviados no Título VIII, relativos aos embargos de declaração, somente trinta conservaram o teor original, a partir das sucessivas modificações que o CPC de 1973 sofreu, a partir da Lei 8.038/1990,81número que aumenta, considerando como termo inicial a promulgação da Lei 5.869, de 11.11.1973, que recebeu mudanças no curso da vacatio legis. A fúria reformista não arrefeceu desde então. Por exemplo, a Lei 11.187/2005 alterou, outra vez, a disciplina do agravo, e a Lei 12.322/2010 modificou o regime do agravo contra as decisões que não admitem o recurso extraordinário e o especial. Por sinal, ordenando o processamento do agravo nos próprios autos, eliminou uma das mazelas desse recurso, o formalismo excessivo que resultava do ônus de o agravante formar o instrumento, resultado do regime imposto pela Lei 9.139/1995. É
uma lei excelente, cuja estirpe é muito diversa da que agrega os reformadores usuais. Não raro as reformas são de infelicidade palmar. Não se decidindo a proscrever o inútil recurso dos embargos infringentes, a reforma restringiu a sua admissibilidade à hipótese de desconformidade, por maioria, entre os pronunciamentos de primeiro e de segundo graus no capítulo do mérito (art. 530 na redação da Lei 10.352/2001). Ora, jamais existiu consenso sobre o que seja mérito. Nem sequer o explícito critério do art. 301, § 2.º, consagrando a teoria binária (Zweigliedriger Streitgegenstand) – causa de pedir + pedido –, aquietou a doutrina nacional, porque alguns insistem na teoria unitária (Eingliedriger Streitgegenstand), defendida em terras germânicas.82 E, de toda sorte, interesses secundários, qual o do advogado quanto ao montante dos respectivos honorários, alargaram o conceito de “mérito”, na admissibilidade desse recurso, para latitudes antes ignoradas e, francamente, ilegítimas. Nenhum outro recurso se presta para exemplificar a inconstância e desconcerto do legislador reformista, apenas o agravo. O fato é que, da admissibilidade da demanda até o pronunciamento de mérito, o juiz emite variados provimentos intermediários, e de importância desigual, chamados de decisões interlocutórias no art. 162, § 2.º. As questões que permitem ao juiz chegar ao julgamento definitivo do mérito não se põem de plano ou em bloco. Na verdade, elas se apresentam progressivamente e conforme as variantes do procedimento. Daí originarem um número expressivo de decisões proferidas em ocasiões diferentes. A impugnação autônoma desses provimentos assumiu papel destacado no processo civil contemporâneo. É um grave e decisivo problema de política legislativa. O CPC de 1939 enfrentou esse problema, prevendo apelação contra sentenças definitivas (art. 820), ressalva feita aos casos de agravo de instrumento; das sentenças terminativas, ou seja, das decisões que implicassem “a terminação do processo principal, sem lhe resolverem o mérito”, agravo de petição (art. 846); e das interlocutórias, agravo de instrumento (art. 842) ou agravo no auto do processo (art. 851) – tudo temperado com inúmeras exceções e larga área de indefinições. O principal defeito dessa sistemática radicava no desamparo da parte perante determinadas interlocutórias gravosas.83 As tensões insuperáveis levaram à criação de dois sucedâneos concorrentes: a correição parcial, ou reclamação; e o mandado de segurança, “embora oblíqua e inadequadamente, a falha e erro do legislador”.84 Na realidade, o CPC de 1939 ajustara-se ao princípio da oralidade, cuja receita inclui a irrecorribilidade das interlocutórias, através de um meio termo. O autor do anteprojeto do CPC de 1973 adotou linha inteiramente diferente. Fiel ao cáustico reparo à esquematização legislativa do diploma precedente, no sentido de que, “antes de mais nada, deveria ter fixado um ‘critério’, contanto que fosse um critério”,85 seguiu diretriz própria, relativamente às impugnações dos atos decisórios de primeiro grau, atenuando o princípio da oralidade.86 Da sentença como ato idôneo a pôr termo ao processo, e, graças à última redação do art. 162, § 1.º, do CPC de
1973, a definir o processo, cabe apelação (art. 513); das decisões incidentes, agravo (art. 522), eventualmente suspendendo a eficácia da decisão (art. 497 c/c art. 558). Logo se flagrou a desvantagem patente do novo regime de impugnação das interlocutórias: “a proliferação dos agravos de instrumento, ou pelo menos das decisões agraváveis de instrumento, será espantosa no novo sistema”.87 Em termos hilários, notou-se o seguinte: “O critério da lei não é casuístico: vai-se agravando à vontade (…)”.88 E, ao pretexto de que o agravo não embaraçaria o andamento do processo, porque desprovido do efeito suspensivo (art. 497, segunda parte), em geral, e processado em apenso, replicou-se não corresponder à figura do texto legal essa outra, “idealizada, lírica, utópica”. Na verdade, a expansão das hipóteses de admissibilidade do agravo nem sequer debelou a insaciável aspiração das partes para recorrer das interlocutórias que causam dano irreparável. Só em alguns casos arrolados na parcimônia da redação originária do art. 558, caput – na redação da Lei 9.139/1995, além das hipóteses explícitas, há uma cláusula geral (“(…) e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação (…)”) tornando flexível a concessão do efeito suspensivo –, mostrava-se lícita a suspensão da eficácia da decisão agravada. Ora, à satisfação daquele escopo impugnativo não bastaria, decerto, a admissibilidade virtual do agravo, pois “dar cumprimento à decisão importa, na prática, tornar inútil o eventual provimento do agravo, pois já se terá produzido, para o agravante, dano de difícil ou impossível reparação”.89 Assim, a necessidade da correição e do mandado de segurança sobreviveu ao novo estatuto, aquela progressivamente substituída por este,90 na medida em que se firmou, graças ao prestígio do STF,91 a jurisprudência permissiva do seu emprego como meio para colmatar as falhas do sistema recursal.92 Inicialmente, explicou-se a finalidade do writ como limitada à concessão de efeito suspensivo ao agravo porventura interposto. Este subterfúgio cedeu à argumentação mais convincente de que o impetrante não ostenta direito líquido e certo de obter efeito suspensivo para recurso que, por força de lei, não tem semelhante atributo, mas o de sustar os efeitos do próprio ato decisório ilegal ou abusivo.93 O ataque direto à decisão firmou-se como o objetivo primacial do writ. Pois bem. O legislador reformista identificou no emprego do mandado de segurança, em casos tais, anomalia a ser banida.94 Um dos autores da reforma elogiava a “ampliação do campo de incidência do recurso”, mas reclamava do moroso processamento do instrumento em primeiro grau, e, particularmente, da falta de meio hábil obstando a impetração da segurança.95 Para tal arte, generalizou a possibilidade de o relator conferir efeito suspensivo ao agravo. Estendeu-a a quaisquer casos em que, relevante a fundamentação, se configurasse risco de lesão grave e de difícil reparação (art. 558, caput, na redação da Lei 9.139/1995). Idêntica faculdade socorrerá o apelante naquelas hipóteses em que, a teor do art. 520, I a II e IV a VII, a apelação é desprovida de efeito suspensivo (art. 558, parágrafo único). Essa novidade, de per si multiplicadora exponencial dos agravos nos tribunais de segundo grau, na contramão da tendência de reduzir
recursos,96 somou-se à interposição direta do recurso no tribunal (art. 524, caput), e, prosseguindo na senda aberta pelo art. 38 da Lei 8.038/1990, no tocante aos tribunais superiores, a Lei 9.756/1998 acresceu os poderes do relator para “negar seguimento” a quaisquer recursos (o texto originário contemplava apenas o agravo), manifestamente inadmissíveis ou improcedentes, e, inclusive, de prover recurso “em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior” (§ 1.º-A do art. 557 do CPC/1973). As audaciosas modificações, combatendo os efeitos em lugar de erradicar as causas, produziram um efeito colateral gravíssimo: a multiplicação do agravo interno, subespécie do agravo mencionado no art. 496, II. Este recurso expôs a sofrível e incompleta disciplina da recorribilidade dos atos interna corporis dos tribunais. E, principalmente, gravando o recorrente o ônus de formar o instrumento do agravo com peças obrigatórias e facultativas, ensejou o pior dos males: o formalismo excessivo. A falta de uma peça, insignificante no alvitre do agravante, mas essencial ao entendimento da controvérsia, na visão escapista do relator, enseja juízo de admissibilidade. O esquecimento de uma peça obrigatória serve de pretexto, por igual, à inadmissibilidade, pois impera a preclusão consumativa: o ato da parte não comporta correção, apesar de “pouco razoável exigir do agravante que preveja in totum as eventuais dúvidas do relator ou do órgão julgador, para juntar todas as peças que aquele ou este, por seu turno, venha acaso a reputar úteis, ou mesmo necessárias”.97 Formou-se, assim, quadro altamente insatisfatório. Outra intervenção legislativa se fez necessária para corrigir rumos. Por força da redação em vigor do art. 522,caput, derivada da Lei 11.187, de 19.10.2005, a regra é o agravo retido, insigne sucessor do vetusto agravo no auto do processo, e a única forma admissível das decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento (art. 523, § 3.º); excepcionalmente – ao menos na idílica teoria –, admite-se o agravo de instrumento. Esta modalidade de agravo caberá dos atos explicitamente mencionados na parte final do art. 522 – decisão que não recebe a apelação ou a recebe em efeito impróprio –, ou em outro dispositivo legal (v.g., do ato que julgar improcedente a impugnação, a teor do art. 475-M, § 3.º, parte inicial), e nos casos em que a decisão se mostrar “suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação”. A emenda pouco contribuiu para alterar o quadro. A grande massa de agravos de instrumento respeita, justamente, às decisões que, tradicionalmente, chamavam-se de “interlocutórias mistas”, porque idôneas a produzir dano irreparável. E a única consequência no caso de emprego errôneo do agravo de instrumento consiste na sua conversão em agravo retido, a teor do art. 527, II, motivo por que nada custará à parte alegar o dano irreparável e interpor o agravo de instrumento, confiando iludir o relator menos avisado.98 Tudo somado, a exceção é mais ampla do que a suposta regra. Além disso, ao proibir o agravo interno das decisões tomadas pelo relator no agravo de instrumento, negando ou deferindo a antecipação dos efeitos da pretensão recursal, o legislador ressuscitou o fantasma do mandado de segurança, promovendo a insegurança jurídica.99 Por óbvio, semelhante regime não economiza atividade processual e pouco contribui para a celeridade global dos processos. Ao contrário, o art.
557 transportou para o processo no segundo grau alguns incidentes dispensáveis e outrora desconhecidos. E o agravo de instrumento realmente disseminou-se, qual praga incontrolável, contra todo e qualquer ato do primeiro grau. Nada indica que a nova redação do art. 522, caput, obstará o fenômeno. O vencido preferirá tentar a suspensão da eficácia da decisão agravada, apostando em sucesso perante o órgão judiciário de segundo grau, em lugar de se conformar ou optar pelo agravo retido. Parece curioso que o discurso oficial, sem embargo de a lei trilhar obstinadamente o caminho inverso, seja o de resgatar a autoridade do juiz de primeiro grau e a eficácia dos seus pronunciamentos. À vista do que já ocorria, e com redobradas razões, se afirmaria hoje o seguinte: “A aceleração do andamento dos processos é aspiração generalizada e premente: não se pode dizer que a multiplicação dos agravos de instrumento haja trazido qualquer contribuição positiva nesse sentido”.100 A disciplina do agravo reclama melhor ponderação dos interesses para diminuir, realmente, tempo e trabalho no primeiro e segundo graus. Uma coisa é certa, porém: as reformas nesse setor decisivo timbraram pelo insucesso.101 75.3. Defeitos congênitos das reformas parciais – Em última análise, o irremediável malogro dos intentos reformistas se prende ao critério fundante das reformas parciais. O oportunismo legislativo pecou nos seguintes tópicos: (a) falta de identificação dos problemas, ante a inexistência de dados empíricos, o que importou em mudanças na terapia (caso do agravo); (b) utilização de experiências pessoais, insuscetíveis de maior generalização (v.g., a inclusão da debênture no art. 585, I, do CPC de 1973, devida ao insucesso de um reformador de plantão na defesa de entendimento oposto em pugna judicial); e (c) execução sofrível e medíocre, com idas, vindas e reparos sem explicações ou desculpas, ou simples falta de antevisão das objeções à regra (por exemplo, o termo inicial do prazo do art. 475-J, caput). Os maus tratos ao vernáculo se prodigalizaram nas reformas parciais. Não há regra mais infeliz que a do art. 475-J, § 1.º: “Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias”. Os cacófatos e o pleonasmo do gerúndio superam o razoável. E, tecnicamente, a regra confunde o destinatário da intimação e os modos de realizar-se esse ato de comunicação processual. 75.4. Efeitos colaterais das reformas parciais – Dessas reformas parciais, levantadas ao sabor do acaso ou de palpites menos inspirados, produziramse dois efeitos colaterais perversos. A lei processual tornou-se altamente complexa, em parte por decorrência do inevitável emprego de conceitos juridicamente indeterminados, mas, por igual, em virtude da falta de destreza do legislador. Por exemplo, na execução provisória, cujo regime se distingue da definitiva pela prestação de caução – art. 475-O, III: não cabe alienação e atos “dos quais possa resultar grave dano ao executado” –, a garantia é dispensada na hipótese de pender o agravo do
art. 544, salvo quando “possa resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação”. É obscuro, para dizer o mínimo, o sentido de uma de outra fórmula, que aparentemente se contradizem. Ademais, a lei processual tornou-se assistemática.102 Por exemplo, aparentemente o art. 475-O, § 3.º, proscreveu a carta de sentença, mas a figura continua subentendida no art. 521 e, principalmente, no art. 484 do CPC de 1973. As divergências de entendimento mostram-se tão intensas e profundas que, na prática, e não dispondo o juiz de tempo para refletir e estudar, haja vista a quantidade de feitos que lhe cabe examinar no seu ofício, sobressalta as partes o risco da existência de um procedimento peculiar (e divorciado dos direitos fundamentais processuais) em cada juízo. 76. Terceira codificação processual unitária Era chegado o momento de alterar radicalmente a lei processual. Esgotara-se o mecanismo da reforma parcial, cujos efeitos negativos eram muito sentidos. Por iniciativa do então presidente do Senado Federal, o expresidente da República José Sarney, em 2009 constitui-se uma comissão de juristas, à testa da qual situou-se o Ministro Luiz Fux, então no STJ, posteriormente guindado a uma das cátedras do STF. Os trâmites legislativos demoraram muito, o texto sofreu reviravoltas expressivas, mas adveio a Lei 13.105, de 16.02.2015, aqui chamada de NCPC. É prematuro o inventário exaustivo das alterações do terceiro estatuto unitário. Disso se ocuparão as páginas subsequentes. Porém, consoante a linha antes empregada, desde logo avulta a preservação dos poderes do órgão judicial no rol do art. 139 do NCPC, incluindo o poder de instrução (art. 370, caput). Dentre esses poderes inseriu-se a inaudita possibilidade de dilatação dos prazos processuais (inciso VI do art. 139) e o dever de cooperação dos sujeitos do processo (art. 6.º), em bases muito pouco realistas – uma coisa é o órgão judicial cooperar com as partes, outra bem diferente é exigir que os desavindos cooperem entre si, apesar de suas aspirações contrastantes, objetivo claramente irrealizável. Porém, o autoritarismo não é linha unívoca, porque existem outras orientações sobressalentes. Em primeiro lugar, o NCPC tomou o efeito pela causa e encetou firme campanha contra as pessoas investidas na função judicante ocupadas em diminuir sua carga de trabalho em detrimento das partes. Impôs julgamento em ordem cronológica de conclusão (art. 12 do NCPC), exigiu motivação suficiente na sentença (art. 489, § 1.º). Enquanto a ordem cronológica, apesar das exceções, parece contraproducente – a crítica à retenção da distribuição nos tribunais, banida pela EC 45/2004, fundava-se nesse ponto –, porque impede o julgamento das causas simples quando houver causa difícil na sua frente, a motivação do art. 489, § 1.º, é, teoricamente, incontestável. À primeira vista, entretanto, os requintes da modificação não se harmonizam com as possibilidades reais do homem e da mulher que, lotados em vara cível na capital do Estado-membro, enfrentam trinta mil processos.
A dilatação dos prazos processuais, mais ou menos uniformizados em torno de quinze dias, e a instituição do recesso de 20 de dezembro a 20 de janeiro, no art. 220, caput, do NCPC, medida saudada como “conquista” dos advogados, pouco satisfaz os anseios de celeridade, e, no último caso, desmerece um serviço público essencial, necessariamente contínuo, malgrado sacrifícios individuais. Em seguida, almejando imprimir maior segurança à condução do processo e qualificar as decisões judiciais, o NCPC erigiu requisitos ao saneamento e à organização do processo. Chegado o processo a essa etapa, nada fácil se afigura o ato do juiz, segundo o art. 357, cabendo-lhe nada mais que: (a) resolver as questões processuais pendentes (inciso I); (b) fixar o tema da prova e, conseguintemente, deferir os meios de prova cabíveis e pertinentes, senão ordená-los, ex officio (inciso II); (c) distribuir o ônus da prova (inciso III); (d) delimitar as questões de direito idôneas a influir no futuro julgamento do mérito (inciso IV); (e) designar audiência de instrução e julgamento (inciso V). Outra vez, na teoria, a proposição legislativa, tendente a assegurar o debate prévio (art. 9.º) e evitar a decisão “surpresa” (art. 10), parece incensurável. Esse é o âmago do procedimento comum. Exigirá atenta leitura dos atos postulatórios principais (v.g., o tema da prova exsurge do contraste das alegações de fato) e, principalmente, a compreensão dos pontos de fato e dos pontos de direito, distribuídos em petições raramente marcadas pela concisão e brevidade. Essa modificação é bem mais relevante do que a adoção, v.g., do exame cruzado no art. 459 do NCPC, retornando à prática do Regulamento 750/1850 e ao risco de o juiz não assistir a coleta da prova oral então existente. É altamente duvidosa a eficiência e idoneidade dos meios de comunicação eletrônicos adotados pela lei processual. A citação é essencial ao direito fundamental à defesa, mas as pessoas jurídicas de direito público, e outras instituições do Estado (v.g., o Ministério Público), tem o prazo de trinta dias para cadastrar endereço eletrônico, para os fins do art. 246, § 2.º, e 270, parágrafo único, do NCPC (art. 1.050), bem como as empresas públicas e privadas, em interregno análogo, mas contato da inscrição do ato constitutivo, cadastrarão seu endereço eletrônico, para os efeitos do art. 246, § 1.º. Ninguém ignora a insegurança latente nos sítios eletrônicos e não parece terse alcançado, nessa área, bases mínimas para praticar esses atos. E, por fim, ao peso horizontal de conduzir a causa como a única a merecer atenção, o NCPC reduziu, drasticamente, a independência jurídica dos órgãos judiciais inferiores, particularmente no primeiro grau. O art. 927 obriga juízes e tribunais a aplicar a tese jurídica superior (v.g., a haurida dos incidentes de assunção de competência ou de resolução das causas repetitivas), sob pena de exporem-se ao vexatório remédio da reclamação (art. 988), cujo acolhimento importará a cassação da decisão exorbitante. Esse vínculo vertical, fundado na segurança e na igualdade, sem dúvida produzirá frutos apreciáveis a médio prazo, todavia à custa do elevado preço da independência jurídica. Ele só se justifica no sadio ambiente do Estado Constitucional Democrático. Fora daí, em regime autoritário, imporia garrote vil à autoridade judiciária. O tempo é senhor da razão. A aplicação do NCPC revelará seus defeitos e virtudes, a par do êxito do precedente obrigatório, autêntica virada no sistema
jurídico pátrio, pois às normas gerais e abstratas do Poder Legislativo acompanharão, doravante, as normas concretas, mas com vocação à generalidade e abstração, edificadas pelo Poder Judiciário. § 17.º Bases ideológicas do processo civil contemporâneo 77. Redefinição da função judicial A fragmentação do sistema processual brasileiro resultou, em boa parte, das reformas parciais caóticas e feitas improvisadamente na vigência do NCPC. Não é esse, porém, o fator decisivo. O motivo preponderante descansa na redefinição do papel tradicional da Justiça Pública. A necessidade de concretização dos direitos fundamentais, obtendo prestações positivas do Estado em áreas como saúde e meio ambiente, ou simplesmente o dever de o juiz, como órgão estatal, reconhecer e atuar as novas posições subjetivas outorgadas pela Constituição no Estado Constitucional Democrático,103 demonstrou a inaptidão da atividade jurisdicional, ministrada através de suas fórmulas clássicas, para solucionar esses magnos problemas. A atividade do juiz no processo contemporâneo alterou-se radicalmente. Em vez da subsunção, da aplicação de normas de conteúdo semântico (supostamente) rígido, tarefa não isenta de dificuldades na seleção e na interpretação da norma – que não significa, entretanto, renegar a legalidade,104 pois este é um dos fundamentos do Estado, mas extrair-lhe todos os consectários –, sobreveio-lhe a difícil empreitada da concreção ou concretização.105 Entende-se por tal a aplicação de normas semanticamente flexíveis, em cuja interpretação a influência dos valores é fundamental. A visão retrospectiva das alegações de fato (domínio exclusivo das partes), perante a qual o órgão judicial, coadjuvado pelos litigantes, promove a reconstrução histórica de evento ocorrido no passado, apurando a veracidade das afirmações feitas nos atos postulatórios principais, ficou superada. Bens jurídicos de valor transcendente exigem atitude distinta do órgão judicial. Ao juiz incumbirá especular sobre o futuro, adotando visão prospectiva, regulando o futuro na medida do humanamente possível.106 Legitima-se o órgão judiciário desse modo a função que o Estado lhe reconhece. E sem bulir com o totalitarismo de esquerda ou de direita na pregação em prol do desaparecimento dos direitos subjetivos.107 Cuida-se, sobretudo, de concretizar os direitos fundamentais na realidade social, evitando atuação messiânica, materializada na aplicação pela pessoa investida na função judicante dos seus próprios valores e aspirações em detrimento da Constituição. O órgão judicial vincula-se materialmente à ordem constitucional.108 Incumbe a essa pessoa respeitar o pluralismo da sociedade contemporânea. A mudança no ofício do juiz não se limita ao julgamento do mérito. Também as regras processuais usam e abusam de conceitos juridicamente indeterminados, movidas pela necessidade de instituir nova ordem processual, mais realista, econômica e eficiente, e nesse sentido a aplicação das leis do processo adquiriu impulso incontrolável e descontrolado. Facilmente se compreende a premente necessidade de pôr cobro à desordem legislativa. Em primeiro lugar, o processo assistemático e variável,
conforme o subjetivismo do órgão judiciário, não garante, mínima e uniformemente, os direitos fundamentais processuais. O processo desconjuntado provoca insegurança para as partes. Favorece uma delas, consoante ideologia particular do juiz, só por essa razão em presumível desacordo com os valores constitucionais. E, ao fim e ao cabo, reduz o prestígio da instituição judiciária. Os provimentos judiciais, nos litígios entre particulares, tornaram-se imprevisíveis. O órgão judicial insula-se em fortim edificado nas barreias da liberdade de convicção e da liberdade de interpretação para renegar a ética da súmula vinculante.109 Causas idênticas têm desfecho diferente, conforme circunstâncias aleatórias e intrínsecas à divisão judiciária. Esgotados os meios de impugnação, baldadas as tentativas de uniformização, as soluções discrepantes vincularão as partes de modo irremediável e injusto. Perante esse quadro, a legitimidade constitucional do processo se desvanece em resoluções que não satisfazem o anseio popular por justiça. A concretização do programa constitucional, tanto em relação aos direitos individuais, homogêneos ou não, quanto no tocante aos direitos transindividuais, necessita de ambiente processual mais propício para atingir seus elevados objetivos políticos, em que os interesses contrastantes e divergentes expressem-se com maior liberalidade e menor tutela estatal. Ora, para criar um instrumento satisfatório, apesar dessas tensões antagônicas, antes de mais nada se impõe definir modelo harmônico à ideologia prevalecente. O processo civil precisa refletir os anseios majoritários da sociedade pluralista, sem perder de vista a tutela dos interesses minoritários – o direito, ao fim e ao cabo, presta-se para tutelar as minorias e os réus! –, e, assim, expressar alto grau civilizatório. A sociedade pluralista, a um só tempo, e sem laivos de coerência, (a) admite e incentiva a liberdade de mercado, como vetor do progresso econômico que conduzirá à erradicação da pobreza; (b) corteja a propriedade, sem pejo da sua função social, estimulando e protegendo o consumo e a aquisição de bens de raiz; (c) almeja a distribuição equânime dos bens da vida, tão belos quanto indispensáveis ao mínimo existencial; e (d) aspira por prestações positivas do Estado, promovendo igualitária distribuição de serviços públicos, em contrapartida à elevada carga tributária, tributação esta, por sua vez, combatida por setores influentes como entrave ao desenvolvimento econômico. A difícil harmonização dessas aspirações coletivas não pode perder de vista jamais as injunções da realidade. Assinalou-se, com razão, a limitação intrínseca a qualquer atividade humana: “O direito não tem o condão de transformar barreiras efetivamente intransponíveis em caminhos fáceis, nem de gerar recursos materiais para a realização dos direitos fundamentais. Não se pode fechar os olhos para os limites do real”.110 Podem ser cogitados quatro modelos para satisfazer essas discrepantes expectativas: (a) liberal; (b) totalitário; (c) autoritário; (d) garantista. A esses modelos correspondem, grosso modo, quatro figuras de juiz: (a) espectador; (b) ditador; (c) diretor; (d) mediador. 78. Processo civil liberal
O processo civil liberal, forjado para a sociedade existente no século XIX, repercutia os anseios libertários da burguesia capitalista. As expectativas latentes da sociedade pós-moderna, muito diferente da que originou este modelo, dificilmente serão atendidas nesse contexto. O modelo liberal apresenta características frisantes. Integra a autonomia privada do particular demandar, ou não, a intervenção do Estado para resolver a lide, buscando a satisfação do interesse privado, após medir e sopesar os riscos e as vantagens da peleia em juízo. À iniciativa exclusiva da parte, correspondendo a ela a inércia do órgão judicial, atualmente chama-se princípio da demanda.111 Seguem-se outras notas agrupadas no princípio dispositivo (Dispositionsmaxime) na sua feição mais abrangente:112 (a) o processo civil inicia por iniciativa da parte, após medir a conveniência dessa atitude; (b) o objeto litigioso é definido pelo autor, sem a possibilidade de interferência do órgão estatal, mas receberá a contribuição subsidiária do réu, promovendo a extensão do debate ou do próprio mérito – ponto objeto de controvérsias (infra, 313.2.2); (c) o movimento do processo depende unicamente da iniciativa das partes; (d) incumbe às partes produzir a prova hábil e tendente à demonstração da veracidade das suas afirmações nos atos postulatórios principais (petição inicial e contestação), limitando-se o órgão judicial a controlar a admissibilidade das provas, eventualmente predeterminadas; (e) o julgamento ocorrerá dentro desses limites previamente traçados (infra, 1.593), se a movimentação processual das partes permitir-lhe chegar à fase da decisão, valendo-se o juiz das provas produzidas pelas partes, cujo valor encontra-se fixado em regras rígidas. Em geral, retratando a característica (d), invoca-se o brocardo iudex iudicare debet secundum allegata et probata a partibus.113 Porém, aparentemente ocorreu deturpação das fontes, porquanto o verdadeiro brocardo almejava assinalar os limites da cognição (secundum allegata et probata), repelindo o conhecimento privado e a íntima convicção (non secundum conscientiam).114 Na ocasião do julgamento, o juiz empregará seu tirocínio profissional, pois o direito porventura aplicável à causa a ele incumbe conhecer (iura novit curia), mas o restante do material de trabalho imprescindível à realização da tarefa, que é o conhecimento dos fatos alegados, outra vez subordina-se à iniciativa das partes. Cabe-lhes não só alegar, mas também provar os fatos alegados, por sua conta e risco. Não se confia ao juiz, por conseguinte, a direção material do processo. Por tal entende-se: a faculdade de promover a investigação, ex officio, dos fatos. O objetivo é impedi-lo, psicologicamente, de abandonar a posição de terceiro imparcial. O juiz fica impedido: (a) de introduzir no processo fatos não alegados pelas partes, salvo os que a lei expressamente permita (v.g., a prescrição); (b) de perquirir os fatos alegados, determinando a realização de provas por sua iniciativa; e (c) de julgar além, aquém ou fora do objeto litigioso. O processo civil liberal favorece um combate (ou, na versão mais branda, uma competição) entre adversários formalmente iguais, um jogo de poder, de astúcia e de sorte, sob a distante e complacente fiscalização do juiz. O órgão judiciário assume, nessa disputa, a atitude de simples espectador – esses rótulos, caricatura da maior ou menor atividade e passividade do juiz, buscam resumir-lhe a posição em cada modelo e ordenamento jurídico –,115 exceto no
momento em que decidirá a causa – se a causa, por iniciativa exclusiva e generosa das partes, felizmente alcançar semelhante estágio. O processo liberal subsiste no adversarial system prevalecente na Common Law. Esse sistema jurídico orienta-se no sentido que “presentation and prosecution should be by a party, with de court acting as an essentially passive arbiter”.116 Não há, porém, céus de pureza cristalina também na Common Law. A complexidade dos litígios da sociedade pósmoderna, em especial nas class actions,117 comprometeu a pureza primitiva do juiz espectador no adversarial system, e transformações mais radicais, “in these changing times”, visam “gives the judge a greatly more active role in unearthing and solving society’is ill”,118 o fato é o que o modelo subsiste e mostram-se prematuras reformas radicais. 79. Processo civil totalitário O modelo autoritário vigorou em determinados países socialistas. O processo civil representava um instrumento à realização dos princípios socialistas na sociedade e na economia, integrando as atividades de direção do Estado. Exibia a finalidade de educação das massas, exigindo, portanto, a participação dos órgãos administrativos do Estado, baseada no “interesse social e do Estado em seu conjunto”,119 e atuação do juiz como autêntico revolucionário – e da pior espécie, similar a um ditador. Esse modelo tem escasso prestígio e duvidosa aplicação na sociedade pósmoderna, decididamente pluralista. Não é razoável subtrair da pessoa investida na situação legitimadora traçada na lei, ou legitimidade ad causam (infra, 552), o direito de provocar a autoridade judiciária, substituindo a iniciativa da parte pela iniciativa oficial. Tampouco sustenta-se claramente a possibilidade de o juiz julgar fora dos limites do objeto litigioso individualizado pelas partes – entre nós, há voz isolada nesse sentido, sustentando a possibilidade de o juiz “julgar além do pedido e dos interesses em conflito, quando está em jogo a realização efetiva da justiça social” –,120 proferindo decisões laterais para eliminar “infrações à legalidade ou das regras de convivência socialista por alguns funcionários ou cidadãos”,121 ou, ainda, prestar orientação particular a uma das partes – o direito alemão, todavia não liberto das reminiscências do nacional-socialismo, consagra o “dever de esclarecimento” –,122 abandonando, assim, a posição de terceiro equidistante. O monopólio de as partes decidirem o que o juiz julgará, desde que devidamente provocado, constitui dogma na Civil Law. E, todavia, o contrário vicejou no processo dos países de democracia socialista. 80. Processo civil autoritário Entre esses dois extremos, o processo autoritário erige meio termo precário e instável. No final do século XIX, e no curso do século XX, o modelo liberal transformou-se sensivelmente, repercutindo a maior intervenção do Estado na economia, e nos demais os setores da vida privada, em última análise acudindo à crescente sociedade de massas.123 Os fins do processo civil modificaram-se (ou pretendeu-se modificá-los): o processo jamais constituíra
bem em si mesmo, traduzindo, sobretudo, o instrumento de realização do direito objetivo, cabendo-lhe assumir claramente a função de realizar os escopos sociais do ordenamento jurídico.124 Para essa finalidade, o órgão judiciário precisaria assumir atitude mais participativa, abandonando a inércia do espectador indiferente, e, assim, dirigir o processo. Posteriormente, passou-se a admitir a intervenção do órgão judicial a favor da parte mais fraca, sob o pretexto de equilibrar a disputa, rejeitando-se a quebra de neutralidade em tal tomada de partido.125 Seguiram-se (ou ainda postula-se) pesados ônus para as partes e inúmeros deveres pouco naturais (v.g., o dever de veracidade), advogando-se, no limiar do século XXI, o dever de a parte revelar fatos desfavoráveis em suas alegações (Offenlegungspflicht).126 O arranjo diferente na distribuição de poderes entre partes e órgão judiciário caracteriza o até hoje prevalecente processo civil autoritário. E permite distingui-lo, nitidamente, do processo civil liberal. A reconstrução dos institutos processuais buscava maior aproximação com o povo – propósito confesso do CPC italiano de inspiração fascista.127 A ideologia socialista contribuiu nesse sentido e,128 curiosamente, os propósitos convergiram com os regimes políticos de “direita”.129 Essa origem incômoda, objeto de tergiversações e ocultamento, jamais eliminou a resistência ao modelo autoritário no direito italiano, pretendendo-se restaurar o viés liberal em várias legislaturas.130 O movimento esbarrou na opinião prevalecente, entendendo irrevogável os poderes de “guida della causa” conferidos ao órgão judicial.131Não é menos exato o fato de a experiência demonstrar a inaptidão desse modelo para melhorar a administração da Justiça Pública.132 É pouco razoável negar a origem histórica com a ulterior manutenção desse modelo em regimes democráticos.133 Se a intervenção do Estado na economia mantém-se incólume, igualmente as leis processuais preservaram o dirigismo processual, e pelas mesmas razões: a subsistência do respectivo fundamento ideológico. O juiz assumiu a direção formal e material desse instrumento de resolução dos conflitos, como inelutável imperativo dos seus fins públicos. Em termos gerais, a direção formal (formelle Prozessleitung) compreende os poderes de impulso (v.g., no direito brasileiro, o art. 2.º, segunda parte), e a direção material (materielle Prozessleitung) abrange a introdução, ex officio, de fatos não alegados (v.g., no processo brasileiro, a exceção extintiva da prescrição, a teor do art. 487, II) e a investigação oficial dos fatos, ordenando a produção de prova (v.g., no direito brasileiro, art. 370).134 Não bastará ao juiz conhecer o direito. A maioria dos litígios reclama a resolução de questi facti. Também precisará investigar os fatos para desempenhar a sua função a contento. Todavia, não lhe é possível valer-se de seu conhecimento privado (infra, 1.353). E os fatos alegados pelas partes necessitam ser provados no processo. Em todo o caso, os poderes de iniciativa probatória do juiz, nesse modelo processual, evitam que se utilize das regras de julgamento, em razão do ônus de provar que incumbe às partes, previstas no art. 373. Pode-se dizer que esse juiz, todavia mais ideal do que real, e preocupado em julgar bem, quer julgar informado e, para satisfazer essa exigência da própria função, empregará os meios ordinariamente conferidos às partes.
Os adeptos do processo civil autoritário enfatizam esse aspecto (retro, 70) – a possibilidade, transmudada em necessidade, de o juiz esclarecer-se convenientemente para proferir a sentença justa –, olvidando o outro lado do problema: a abstenção judicial, ou seja, o juiz não almeja esclarecer-se, mas livrar-se do processo, do seu ponto de vista mais um dentre outros tantos, e para essa finalidade emprega os poderes do art. 370, parágrafo único, para travar as iniciativas probatórias das partes e abreviar o procedimento com supedâneo no julgamento antecipado (art. 355, I). Admite-se esse fenômeno, atribuindo-o precipuamente à sobrecarga de trabalho, diagnosticando que o risco do poder de instrução não reside na hiperatividade, mas na inércia.135 Localiza-se, aí, o ponto fraco do modelo autoritário. O poder de instrução serve principalmente para não instruir devidamente a causa. E ninguém pode sensatamente duvidar dos efeitos deletérios dessa triste distorção do instrumento processual. Ela é profundamente humana. Revelase, sobretudo, na invalidação do julgamento antecipado (art. 355, I), rotina nos tribunais de segundo grau, e que só não alcança números mais expressivos em razão da condescendência geral com metas quantitativas e pouca atenção à qualidade e justiça dos julgamentos. E não se deve esquecer o essencial: até hoje não se provou que este modelo alcança melhores resultados que o liberal.136 Existem outras peculiaridades que delineiam a fisionomia do processo civil autoritário. A ele também se chama de processo “social”, em traição inconsciente e provocativa das suas origens históricas, sementadas em regime totalitário de direita. Formalmente iguais, na realidade as partes podem se situar em posições materialmente desiguais, cabendo ao juiz promover-lhes a igualdade através de expedientes variados – desde a simples advertência que a representação técnica se mostra insuficiente até a substituição, ex officio, do procurador de uma das partes. Em contrapartida, a estrutura do procedimento não comporta modificações por cada juiz, mas recebe regime único para todas as causas. Do contrário, não existira relação equânime entre o poder do juiz e os direitos das partes. O formalismo intrínseco ao procedimento protege as partes contra o arbítrio do juiz – as boas intenções facilmente degeneram em injustiças, porque juízes e juízas são pessoas humanas e, não, seres abstratos – e lhes garantem os direitos fundamentais processuais e aplicação uniforme do mesmo direito a causas substancialmente idênticas.137 E a atividade das partes, relativamente aos seus poderes e faculdades, é rigidamente controlada, através de inúmeros deveres perante o órgão judiciário; por exemplo, o dever de veracidade, a teor do art. 77, I, segundo o qual cumpre às partes expor os fatos de forma completa e verdadeira. No âmbito da técnica processual, o autoritarismo reclama: (a) a simplificação da forma processual, conferindo poderes discricionários ao juiz; (b) a direção elástica do processo, rompendo com o mito da neutralidade do órgão judiciário; (c) a relatividade dos termos e da preclusão dos poderes das partes, pois no processo concentrado e acelerado a atividade tardia pode constituir obstáculo à descoberta da verdade material.138 Portanto, o modelo autoritário do processo exige um juiz ativista, um diretor com amplos poderes discricionários e timoneiro do debate da causa,
explorando todas as suas possibilidades, sem temer que essa intervenção estatal quebre a garantia da imparcialidade. Nessa perspectiva, o juiz “ativista” contrapor-se-ia ao juiz “inerte” ou “passivo”, todavia figura que não corresponde integralmente ao papel do juiz no modelo liberal, e no sistema da Civil Law apresenta graves dificuldades. O ativismo dos magistrados na Common Law, geralmente recrutados nas profissões jurídicas por seus méritos e destaque, não equivale aos dos magistrados integrantes de um corpo burocrático, transformados em capitães de nave em que os cidadãos não gozam de plena liberdade para concretizar seus direitos, segundo crítica merecedora da maior atenção.139 A evolução do direito processual civil brasileiro porfia por mais ativismo e maiores poderes do órgão judicial. O modelo delineado pouco se afinará com os valores da Constituição.140 Assim, a possibilidade de o juiz dilatar os prazos processuais (art. 139, VI, do NCPC) ou abrange ambas as partes, fundandose em fato objetivo e transindividual (art. 222), ou mostrar-se-á inconstitucional. 81. Processo civil garantista O modelo autoritário e predominante não é imune a críticas. Fundado na natureza pública do processo, segundo o qual, com o intuito de realizar plenamente os fins sociais do mecanismo instituído para resolver lides, o órgão judicial há de realizar justiça, malgrado as partes, e para essa finalidade necessita dos mais extensos poderes para desempenhar as respectivas funções.141 Em linhas gerais, mas exata, o modelo autoritário utiliza os seguintes argumentos: (a) as partes não atuam no processo em pé de igualdade e, existindo vulnerabilidade, o juiz não pode ignorar a assimetria e deve tomar providências para suprimi-la, garantindo o acesso à Justiça; (b) inexiste neutralidade no processo, e o juiz deve envidar quaisquer esforços para realizar a justiça do caso concreto. É um modelo intervencionista na autonomia privada, de acordo com o viés ideológico da primeira metade do século XX. Por sua vez, o modelo garantista funda-se nas seguintes premissas: (a) as normas processuais são conhecidas de antemão e as modificações no curso do processo tornam o resultado ilegítimo do ponto de vista institucional; (b) a mudança das regras no curso do processo não garante a justiça do caso, pois nas causas complexas e difíceis a pessoa investida na função judicante carece de formação e de informações hábeis para tomar soluções corretas e, quando o faz, geralmente são inferiores (e de modo algum melhores) às emanadas dos órgãos administrativos; (c) a mudança constante das regras de processo gera insegurança geral, aumentando os conflitos, em vez de diminuí-los; (d) inexistem provas consistentes dos resultados positivos do intervencionismo judicial, sendo certo que na vigência do modelo autoritário instalou-se profunda crise na Justiça Pública.142 Em consequência, o modelo garantista propugna, a par de outros aspectos admitidos no modelo autoritário (v.g., a motivação das resoluções judiciais e o prévio debate das questões de fato e de direito), o seguinte: (a) o processo instaurar-se-á por iniciativa da parte, e, não, do órgão instituído para
resolver o conflito, garantindo sua posição de terceiro; (b) integra o domínio exclusivo das partes as alegações de fato, ficando vedado ao órgão judiciário (ba) conhecer de fatos não alegados, exceto os que resultam do próprio processo, e (bb) de utilizar seu conhecimento privado para resolver as questões de fato, entendendo-se por tal o conhecimento adquirido por outros meios que não os meios de prova; (c) o órgão judiciário julgará unicamente o objeto litigioso (ou mérito) decorrente da iniciativa das partes, ficando vinculado, eventualmente, ao negócio jurídico unilateral (v.g., reconhecimento do pedido) ou bilateral (v.g., a transação), ou seja, ao esquema de fato definido pelas partes; (d) o órgão judicial facultará às partes a produção das provas legalmente admissíveis, conquanto já formada sua convicção, não lhe cabendo abreviar o procedimento senão nos casos legalmente admissíveis, e observará na formulação do juízo de fato as regras sobre a resolução dos conflitos de prova (v.g., a prova pericial, dependendo a resolução da questão de fato de conhecimento técnico, científico, artístico ou prático, preponderará sobre a prova testemunhal) e a força (ou fé) probante de determinada prova (v.g., a força probante do documento público), quando não houver sido desfeito nos casos e através dos meios legalmente constituídos (v.g., arguição de falsidade); (e) o risco da falta de prova decorrerá de regra de julgamento (infra, 1.338.2) predeterminada, não cabendo ao órgão judicial invertê-la senão antes do início da etapa de instrução e nos casos legalmente admissíveis; (f) a indisponibilidade do procedimento legalmente instituído para resolver legitimamente o objeto litigioso (ou mérito). O fundamento desse modelo é de fácil compreensão: o processo deve ser o baluarte da pessoa, jamais do Estado.143 O Código Civil de 2002 colocou a pessoa no centro da codificação. Antes, em 1988, a Constituição erigiu o princípio da dignidade da pessoa humana e estabeleceu amplo rol de direitos fundamentais, cujo único propósito consiste em proteger a pessoa contra o Estado e seus órgãos. Esses direitos fundamentais processuais garantem as partes contra o arbítrio, a prepotência e os pendores ideológicos do órgão judicial. Agora, portanto, é a vez do processo civil de situar as partes em papel predominante, submetendo o órgão judicial, sem embargo da liberdade na formulação da regra jurídica concreta, respeitando o direito objetivo. Os interesses das partes vêm à frente dos propósitos do órgão judicial, cujo poder origina-se do Estado e há de ser controlado e fiscalizado. Se há um neoconstitucionalismo, então há de haver neoprocessualismo.144 Em nenhum outro sítio o debate acerca desse modelo é mais promissor que o dos poderes de instrução do órgão judiciário. Ao seu propósito, ácida celeuma instalou-se entre os defensores do processo civil garantista, impropriamente contraposto ao processo civil social, a partir da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola, naquele aspecto já destacado que nega o poder de iniciativa em matéria de prova ao órgão judiciário.145 É justo dizer que a disposição, prevendo que o juiz advirta a parte que a prova produzida se revela insuficiente, sem que tal aviso represente iniciativa probatória,146 comporta mais de uma interpretação, sustentando-se, com base na garantia da efetividade da tutela jurisdicional, a possibilidade de o juiz tomar iniciativa nessa área.147 Como quer que seja, no plano mais geral, diz-se que “o processo inspirado pelo princípio do contraditório se baseia na ‘verdade’ de cada parte e na existência de um terceiro imparcial, que não se transforma em investigador
dos fatos objetivamente existentes, mas é simples verificador dos fatos afirmados por cada uma das partes, com os elementos probatórios pelas partes e respeitando as regras de procedimento instituídas em garantia das partes”.148 O juiz que abandona a posição de terceiro para investigar os fatos invadiria área reservada à parte e, na prática, toma partido, rompendo a promessa estatal de um processo equânime. Essas objeções merecem resposta convincente quanto a esse ponto específico. O juiz precisa utilizar fatos para julgar, e, portanto, incumbe-lhe informar-se a respeito desses fatos, lançando mão dos meios legalmente admissíveis, hipótese em que a atividade do juiz não substitui a da parte, mas integra o seu ofício. E o juiz, ao ordenar a produção da prova, ex officio, desconhece a qual das partes ela beneficiará concretamente, o que afasta a inclinação favorável a um dos litigantes. E, de resto, a inércia perante a falta de prova é mais comprometedora da imparcialidade, já se conhecendo, ante as regras de julgamento do art. 373, qual das partes sairá prejudicada. Não há incompatibilidade alguma dessas iniciativas com os direitos fundamentais processuais. “Pressupondo-se que, como sempre, elas sejam devidamente cientificadas das iniciativas oficiais, e que se lhes abra a possibilidade de participar das diligências, de impugná-las, caso lhes pareçam descabidas, e de manifestar-se sobre os respectivos resultados, não se descobre que garantia terá sido desrespeitada”.149 O fato é que, para essa linha de pensamento, litígio perante o qual se provoca a autoridade judiciária, perde o seu caráter estritamente privado, adquirindo estatura suficiente a possibilitar a intervenção ativa do órgão judiciário. Volta-se, aqui, à crítica já lançada à corrente autoritária. O problema não reside no juiz que se vale dos poderes previstos no art. 370, caput, para esclarecer-se; bem ao contrário, o juiz emprega esses poderes (art. 370, parágrafo único) para impedir que as partes aportem ao processo provas tendentes a esclarecê-lo, porque a produção da prova (pericial e oral) se afigura muito trabalhosa, faz o processo demorar-se – e o CNJ, ao traçar metas de julgamento a partir do ano da distribuição, acentua esse fenômeno. Em alguns aspectos, os argumentos da corrente majoritária não têm força de persuasão. Sempre se poderá ponderar que, embora o juiz não conheça de antemão a parte porventura favorecida com a prova ordenada, uma das partes anteviu o resultado desfavorável ao seu interesse, e bem por isso aprazia-se com a negligência do adversário, vantagem que a iniciativa oficial arrebatar-lhe-á talvez decisivamente. Por outro lado, no afã de equiparar a parte mais fraca à supostamente mais forte patenteia-se (e amiúde o dano efetivamente ocorre) o receio de que, mal dosando as medidas da intervenção, o juiz reduza o processo a um conflito entre o bem e o mal. Representariam essas posições maniqueístas, respectivamente, o pobre (v.g., o correntista) e o rico (v.g., a empresa de banco). Far-se-ia, destarte, justiça partidária e classista – enfim, consoante a ideologia socialista. O interesse público e difuso de a decisão do juiz conformar-se à justiça, e de acordo com a verdade humanamente atingível, sobranceiro ao interesse particular das partes, largamente justifica o emprego da iniciativa oficial no processo contemporâneo. Não se trata de fazer prevalecer o coletivo sobre o individual.150 A submissão do particular ao poder do Estado conduziria à supressão dos direitos fundamentais da pessoa humana. Ao invés, objetiva-se
edificar uma nova estrada em que os usuários disponham de equipamentos equivalentes para percorrê-la na mão e na contramão. Ora, se isso é exato, então ao juiz só é dado ordenar a produção de prova, ex officio, jamais repelir o meio de prova proposto por uma das partes, porque já formou seu convencimento. Ao juiz garantista só cabe indeferir o meio de prova ilegal; por exemplo, a audição de testemunha quando o fato já se encontra provado por confissão – hipótese em que, de resto, ficará vinculado à admissão da veracidade do fato alegado pela contraparte do confitente. Eventual deficiência de informação e de atuação da parte pode e deve ser suprida pelo órgão judiciário, inclusive no tocante à representação técnica. A recomendação que ao juiz cumpre auxiliar a parte débil, corrigindo erros evidentes e indicando-lhe o melhor caminho para sua defesa, remonta ao início do século passado e deve-se a um dos patriarcas da processualística italiana, insuspeito de pendores socialistas.151 Não parece razoável reduzir a função do juiz à do árbitro ou mediador. Embora com a importante ressalva que o árbitro tem condições de condicionar o êxito e, às vezes, os seus erros na condução do processo transformam-no em artífice do sucesso de uma das partes,152 a posição de terzeità não ficará prejudicada com as providências tomadas para promover a igualdade material das partes. Do contrário, o desequilíbrio favoreceria, indevidamente, o adversário circunstancialmente mais capaz de apresentar suas teses e prover os meios financeiros necessários à respectiva demonstração. É mais difícil, porém, admitir a manipulação das regras gerais do procedimento pelo órgão judiciário, empregando poderes indeterminados. Nessa hipótese, para voltar à metáfora, uma das vias ficará inevitavelmente estreitada e inçada de obstáculos, em benefício da outra, bem pavimentada e larga, descumprindo o princípio fundamental da igualdade de todos perante a lei. A ideia de que o procedimento deva ser elástico, ou flexível, adequandose à lide, também se mostra relativamente antiga.153 Mas, para evitar a desigualdade de oportunidades, àquela altura essas mudanças particulares da ordem prévia subordinavam-se, de modo prudente, ao prévio consenso das partes.154 O processo civil há que satisfazer as aspirações legítimas das partes, e, nesse sentido, a elasticidade talvez seja bem vinda: a velocidade do movimento processual precisa atender as necessidades dos protagonistas. Quer dizer, o processo “deve ser movimentado agilmente se uma das partes, respeitada a defesa da outra, assim o deseja; deve andar lentamente, se às partes convêm a lentidão; e deve ser extinto, inclusive de ofício, se as partes pretendem que ele fique paralisado indefinidamente”.155 Todavia, essas modulações, como acontece com a extinção do processo em razão do abandono durante mais de um ano (art. 485, II), necessitam de explícita previsão legal, a fim de que não perca de vista a igualdade. Por isso, certas restrições processuais no procedimento dos juizados especiais suscitam preocupações dignas de registro; por exemplo, o momento da apresentação da contestação, que impede o autor de rebater, convenientemente, os argumentos do adversário.156 Por outro lado, constitui contrapartida necessária aos poderes indeterminados ou elásticos de direção do processo a precisa definição da responsabilidade do juiz (pessoal e orgânica) perante as partes e o Estado.157 Entender-se possível conferir poderes indeterminados ao órgão judicial, em nome da fidúcia e da credibilidade,158sem a correspondente
responsabilidade pessoal é fórmula insatisfatória. Essa responsabilidade pode derivar tanto da falta de exercício dos poderes, quanto do abuso ou simples favorecimento de uma parte em prejuízo da outra, e há de ser harmoniza com a independência jurídica do magistrado (infra, 923). Ora, o esquema da responsabilidade administrativa (interna corporis e externa corporis, essa exercida pelo CNJ), civil e penal dos juízes, no direito brasileiro, mostra-se insuficiente e mal definida. A esse propósito, basta recordar que, consoante a jurisprudência do STF, acolhida no art. 143, caput, do NCPC, só o Estado responde, diretamente, pelos atos dolosos do juiz perante as partes (infra, 923.2 e 962). A todo poder, no Estado Democrático Constitucional, na mesma corresponde responsabilidade. É falso o argumento que os cidadãos não devem temer o juiz ditador, porque jamais se configurou, na história política, uma ditadura de juízes. A tirania judiciária circunscreve às partes, mais precisamente à parte prejudicada pelo sectarismo do juiz e abusivo exercício de seus poderes. A extensão dessa tirania delimita-se pelos efeitos vinculantes da resolução tomada. Logo se percebe que, confiando-se ao juiz a realização dos direitos transindividuais consagrados na CF/1988, esses limites alargaram-se em igual medida, e o risco deixou de ser pontual (ou individual) para adquirir latitude universal (ou social). E, por outro lado, sempre há que considerar a fonte dessa errônea ponderação absolutória. Nenhum ditador reconhece que o uso de seus poderes discricionários não visou ao bem comum. O processo civil contemporâneo não pode tolerar em matéria de procedimento o juiz espectador (modelo liberal), o juiz ditador (modelo totalitário) e, inclusive, os excessos do juiz diretor (modelo autoritário).159 A autoridade do órgão judicial nessa extensão inaudita reclama rígidos controles, impedindo-lhe o arbítrio e a prepotência. O juiz garantista respeitará o devido processo, integrado pelas regras abstratas do procedimento, além do contraditório e da motivação obrigatória. A cooperação paritária entre os sujeitos do processo é o único modo constitucionalmente admissível para legitimar as resoluções que sua autoridade permite tomar em desfavor de uma das partes.160 Esse juiz, obsequioso com os direitos processuais fundamentais, mas jamais indiferente à condição real das partes, desfrutará do melhor equilíbrio para processar, julgar e executar.
Capítulo 6. RELAÇÃO PROCESSUAL CIVIL SUMÁRIO: § 18.º Natureza jurídica do processo – 82. Conceito de processo – 83. Processo como relação jurídica – 84. Processo como situação jurídica – 85. Processo como instituição – 86. Processo como procedimento contraditório – 87. Processo como modelo constitucional – 88. Processo como neoinstituição – § 19.º Relação processual civil – 89. Conceito de relação processual civil – 90. Sujeitos da relação processual civil – 91. Forma da relação processual civil – 92. Planos da relação processual civil – 93. Características da relação processual civil – 93.1. Autonomia da relação processual – 93.2. Totalidade da relação processual – 93.3. Complexidade da relação processual – 94. Objeto da relação processual civil – 95. Formação da relação processual civil – 96. Extinção da relação processual civil – § 20.º Pressupostos processuais – 97. Problema terminológico nos pressupostos
processuais – 98. Composição dos pressupostos processuais – 99. Conceito de pressupostos processuais – 100. Classificação dos pressupostos processuais – 101. Controle dos pressupostos processuais – 101.1. Oportunidade do controle dos pressupostos processuais – 101.2. Ônus da prova no controle dos pressupostos processuais. § 18.º Natureza jurídica do processo 82. Conceito de processo O exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado, através da demanda, inicia um relacionamento muito especial entre o autor e o órgão instituído para prestar jurisdição. A ele se dá o nome simples e direto de processo. Estabelece-se a relação, inicialmente, entre o autor e o órgão judicial. De ordinário, vencido o primeiro exame de admissibilidade – no direito brasileiro, até o mérito pode ser julgado desfavoravelmente ao autor, sob as condições do art. 332 –, a relação se completa com o chamamento do réu. Da instauração do processo em diante, e até o seu desfecho, o relacionamento das partes e do órgão judiciário, já no primeiro compasso “cria para cada um deles, reciprocamente, consequências jurídicas relevantes”.1 O exercício do direito de provocar a jurisdição enseja a formação do processo. Este constitui o meio técnico, ou método de trabalho, instituído pelo Estado para resolver a lide alegada pelo autor, preservada a defesa do réu. Eis a razão simples e intuitiva por que as noções de jurisdição, de processo, de ação e de defesa mostram-se interdependentes. O envolvimento recíproco verificado no processo distingue-se, por seus elementos, da hipotética relação existente, ou não, entre as partes no plano do direito material. E o processo em si representa fenômeno jurídico assaz relevante e, haja vista a redefinição da função judiciária na sociedade contemporânea, cada vez mais fator de transformação da realidade social. Regula-se por seus próprios princípios e, necessariamente, integra a seara do direito público (retro, 50). Essa nota distingue-o do liame das partes ou do seu objeto. O eventual vínculo das partes pode ser público ou privado, disponível ou indisponível. O art. 16 do NCPC proclama, de modo pertinente, mas altissonante o exercício da jurisdição civil pelos juízes e pelos tribunais “conforme as disposições deste Código”. Submete firmemente a atividade jurisdicional ao princípio da legalidade. Tal regra não ostenta redação perfeita. Ela sugere a improvável existência de outra espécie de jurisdição não desempenhada por juízes.2 Todavia, cuida-se de pecadilho sem maior importância, que não compromete a proposição fundamental indicada. Ademais, a noção de processo “teve imenso significado histórico, servindo como ponto de partida para toda evolução do direito processual”.3 Importa estudar os sujeitos dessa relação, o seu objeto, os elementos de existência, os requisitos de validade e os fatores de eficácia de cada ato processual, isoladamente, e do próprio conjunto,4 porque temas centrais do direito processual civil.
A investigação do complexo de vínculos inseridos nesse contexto específico, concebido para realizar impostergável poder (e dever) de o Estado resolver a lide, revelará e comprovará a tese dualista do ordenamento jurídico. E, realmente, o processo como meio institucional de resolver as lides dividiu a ordem jurídica em dois planos distintos. O primeiro destina-se a regular as relações entre os sujeitos com ou sem personalidade jurídica. A sua função se esgota no âmbito das relações que nascem, desenvolvem-se e acabam sem litígio. O segundo ocupa-se da resolução dos conflitos, empregando os elementos hauridos do primeiro, e o instrumento instituído para essa finalidade. A noção de processo é teleológica e avança nos domínios da teoria geral do direito.5 O processo e o direito material, cada qual na sua esfera, constituem dois instrumentos para realizar a ordem jurídica objetiva.6 Se, a despeito do direito material, instala-se o conflito, a instauração do processo servirá para resolver a lide e, mediante a formulação da regra jurídica concreta, restaurar o caráter impositivo do direito material. É outra a visão unitária da ordem jurídica. Essa separação inexistiria, porque “a relação entre o processo de produção do Direito, seja como enunciado, seja como decisão, e o seu produto (lei, ato administrativo, sentença e negócio jurídico) não é de caráter instrumental, meio-fim, mas sim de natureza substancial, integrativa. O Direito é o que dele faz o processo da sua produção”.7 Tal concepção ignora a grandeza decisiva do conflito na vida social e, paradoxalmente, a circunstância de o direito regular majoritariamente relações sociais, econômicas e jurídicas desprovidas de conflito. A diferença entre relações litigiosas, objeto do processo, e as relações hígidas, nas quais o direito expressa-se em sua maior plenitude e grandeza, conquanto ambas produzam o direito – e o processo, outra vez, habilita-se a produzir regras jurídicas abstratas, a par da tradicional regra jurídica concreta na função de conhecimento –, na realidade oferece explicação superior do fenômeno jurídico. Parece óbvio, mas convém remarcar: o processo destina-se a realizar o direito objetivo e a concretizar os direitos subjetivos. Entenda-se bem: ferramenta de realização dos direitos fundamentais, e, como tal, direito constitucional aplicado.8 O art. 8.º do NCPC enunciou esse princípio. Por essa razão, revela-se indispensável coordenar de forma eficaz e eficiente o binômio direito e processo. Esse papel é reservado, no sistema aqui adotado, às ações veiculadas através da pretensão à tutela jurídica do Estado (infra, 227). No entanto, tampouco cabe olvidar que o plano processual gera, às vezes, direitos e deveres autônomos. Esses direitos e deveres não se confundem com os que provocaram a disputa e integram o plano do direito substantivo. Por exemplo, a imposição dos ônus da sucumbência (art. 85) ou de multa pecuniária (v.g., art. 77, § 2.º) criam, para o beneficiário, autêntico direito de crédito, e para o vencido, o dever de prestar. É da máxima importância, então, identificar a natureza jurídica do processo. Conforme já se ressaltou (retro, 1), essa questão constituiu a pedra fundamental do processo civil moderno, a base sólida sobre a qual se edificou vasto e complexo edifício – cada vez mais eletrônico.
A descoberta da natureza do processo exige compará-lo às categorias jurídicas conhecidas, afastando-o de algumas, ou de todas, e, nesse caso, definindo-o diferentemente de qualquer outro esquema.9 Em suma, enquadrálo, como fenômeno jurídico, numa das categorias que o direito reconhece e pratica. Reconhecê-lo como fenômeno único e inconfundível com qualquer outro,10 e salvo engano, implicaria abdicar dessa tarefa e recusar a racionalidade. O inquérito proposto permitirá o conhecimento satisfatório do sistema jurídico e, na prática, ensejará a aplicação analógica das regras ínsitas ao instituto reconhecido. O método fecundo clareia a essência do processo,11 ou seja, identifica a sua natureza.12 Não convém aspirar, no esboço a seguir traçado, à formulação de tese singular e revolucionária quanto à natureza do processo. Nem sempre os fenômenos jurídicos, após o estudo de várias gerações, apresentar-se-ão aos olhos contemporâneos sob novas e inusitadas luzes. Essa ambição é típica das ciências imaturas. Pouco se compadece do estágio atual do processo civil. Embora não se espalhem restrições às conquistas e aos conceitos gerais do direito, tampouco prosperam concessões tardias às visões mais obsoletas; por exemplo, a teoria do processo como contrato. Tal teoria “constitui anacronismo entender, em face da atividade jurisdicional que o Estado desenvolve no processo, que este tenha caráter contratual”.13 Formularam-se, historicamente, várias teorias, com maior ou menor plausibilidade, para fixar a natureza do processo. Atendendo às categorias gerais de direito privado ou de direito público, emergiram teses com esses respectivos enfoques. Incluído o processo, ao revés, numa categoria especial e autônoma, a concepção estática e seu espelho, a dinâmica, reclamaram seu lugar.14 Esse aspecto exige cuidado e apuro, porque as críticas à posição prevalecente fundam-se na hipotética insuficiência para abarcar o caráter progressivo do processo. De um modo geral, cada uma dessas teorias corresponde a concepções diferentes do ordenamento jurídico. Assim, a visão do direito como complexo de relações gerou a teoria da relação jurídica.15 O viés sociológico do direito concebeu a teoria do processo como instituição. O direito como sistema de normas toma o processo como procedimento contraditório.16 Parece desnecessário arrolar todas as teorias, uma a uma, porque muitas se mostram ecléticas.17 Basta concentrar os esforços nas principais vertentes: (a) teoria da relação jurídica; (b) teoria da situação jurídica (c) teoria da instituição; (d) teoria do procedimento contraditório. 83. Processo como relação jurídica O processo civil moderno nasceu com a formulação da teoria do processo como relação jurídica. A obra que a anunciou fixou o “marco inicial da nova ciência do processo”.18 A ideia básica dessa teoria reponta na circunstância de o processo vincular mutuamente as partes e o órgão judiciário. Tal liame de direitos e de deveres recíprocos, flagrantemente distinto da alegada relação das partes precedente à instauração do juízo, significa que o processo constitui uma relação jurídica (Rechtsverhältnis). Na altura em que se formulou a teoria, assim resumida, a noção mesma de relação jurídica não adquirira sua última
forma, hoje robustamente delineada. É paradoxal, mas verdadeiro: as críticas ao processo como relação jurídica se avolumaram e se intensificaram na oportunidade que a noção de relação jurídica encorpava-se e consolidava-se, integrando-se de elementos (v.g., o caráter progressivo) que, no passado, talvez subsidiassem objeções dignas de meditação. E ainda hoje se bate os mesmos e supostos pontos fracos, todavia superados na moderna teoria da relação jurídica. E, com efeito, não há dúvida que ao aspecto formal sobrelevou-se o aspecto subjetivo, porque a pessoa humana e seus interesses constituem o centro da teoria da relação jurídica.19 Por outro lado, a atividade desenvolvida no processo por seus sujeitos, as partes e o órgão instituído pelo Estado para dirigi-lo, progride gradualmente, movimento que transforma a relação paulatinamente até chegar ao respectivo desfecho.20 As relações jurídicas no plano do direito substancial também progridem de modo análogo. Elas avançam da fase genética, ou de formação, até o estágio final do cumprimento dos deveres dos figurantes, extinguindo-se através desse evento futuro, mas eventual.21 O aspecto revolucionário da teoria do processo como relação jurídica localiza-se em outro sítio. É a consequência da premissa que produziu frutos úteis, impossíveis de ser descartados e integrantes o paradigma do processo civil, repercutindo em todo processo. Se o processo é relação jurídica, então provoca problemas similares aos que se verificam com quaisquer relações jurídicas. Em particular, cumpre distinguir, de um lado, os “pressupostos” – na verdade, os elementos de existência, os requisitos de validade e os fatores de eficácia – de constituição da relação processual (v.g., a competência), e, de outro, o material de trabalho das partes e do juiz, que respeitam à hipotética relação material posta em causa.22 Na altura em que se formulou a teoria do processo como relação jurídica, ela não constituía, verdadeiramente, inovação radical. A noção em si era fruto dos romanistas alemães do século XIX.23 Em momento anterior, mas sem o corolário essencial, já se divisara no iudicium uma relação jurídica.24 Logo, a mudança real na percepção do fenômeno, a consequência revolucionária consistiu em centrar o estudo do processo nessa relação e, após distingui-la do mérito por seus sujeitos, causa e objeto, ou seja, investigar organizadamente os “pressupostos” de constituição 25 (Prozessvoraussetzungen), distinguindo-os das exceções substanciais, assentos tratados sem a devida separação.26 É oportuno notar que, apesar da negativa peremptória de que o processo representasse um negócio jurídico,27 emprestou-se ao processo feição similar à tese do processo como quase-contrato,28 de longínquas raízes romanas e cujos ecos ainda se fazem sentir na atualidade.29 Por óbvio, só visão muito distorcida da realidade entreveria, na situação compulsória criada pelo processo, em que o réu participa compulsoriamente, a despeito da sua indiferença ou resistência, e impõe ao autor o desfecho eventualmente desfavorável aos seus interesses, um liame calcado na vontade dos litigantes.30 As partes têm a opção de compor a lide no âmbito de sua autonomia privada ou através de outros mecanismos que propiciam o entendimento mútuo. Todavia, acudindo à autoridade judiciária, ficam
subordinadas, de modo inexorável e fatal, à formulação da regra jurídica concreta pelo órgão judiciário. Definida a natureza pública dessa relação jurídica,31 ante a participação do Estado num dos seus polos,32 surgiram duas consequências de vulto: (a) a estrutura, de uma vez por todas, revela-se autônoma em relação às alegações das partes, que lhe formam o objeto, o que resistirá a quaisquer objeções à natureza do processo emanadas das teorias subsequentes; (b) a diferença entre processo e procedimento foi esclarecida, vantagem jamais superada posteriormente. E, de fato, no seu aspecto exterior, o processo é uma sucessão de atos concatenados a uma finalidade; internamente, porém, é uma relação jurídica.33 Relação jurídica que resolverá sobre a existência ou inexistência de outras relações jurídicas.34 A teoria da relação jurídica recebeu críticas severas.35 Não exprimiria, em primeiro lugar, o caráter dinâmico do processo,36 objeção a que a progressividade da relação processual tampouco resolveria a contento. A configuração da relação, envolvendo tão só as partes e o Estado, ou também as partes entre si, apresentaria incertezas sem solução pronta.37 À noção de relação jurídica imputa-se, ainda, o estigma da neutralidade, não explicitando os valores sociais que informam o processo e a participação das partes que legitima a resolução tomada.38 Enfim, obtemperou-se que se trataria de simples elucubração doutrinária,39 desprovida de base legal explícita. A relação jurídica se traduziria numa figura diáfana,40 ou modesto clichê,41 a que se apegariam os processualistas por um estranho mecanismo de deturpação mental.42 Não faltou a ironia: o processo não é relação jurídica, em razão de consistir numa série de atos encaminhados a um fim, do mesmo que um rebanho não é uma relação jurídica porque complexo jurídico de semoventes.43 Nada disto abalou a adesão quase irrestrita da doutrina nacional à teoria da relação jurídica ainda na vigência do CPC de 1939.44 Fez-se célebre a monografia que propôs renegar a ambígua palavra “instância”, empregada nas Ordenações Filipinas no duplo sentido de procedimento e de processo, rejuvenescendo “o seu conceito mediante a sua absorção pela teoria da relação processual”.45 E, de fato, nenhuma das críticas é procedente: (a) toda relação jurídica é progressiva; (b) os sujeitos da relação processual (juiz e partes) emprestamlhe configuração mínima, sendo de somenos a divergência quanto ao envolvimento das partes entre si no plano do processo, e um pouco forçada a imagem de que criam autêntica comunidade de trabalho com o juiz; (c) a expressa adoção dos “pressupostos” processuais comprova, indiretamente, a atração da lei processual por essa noção. O último ponto exige maiores explicações. O NCPC aludiu à relação jurídica, v.g., no art. 19, I, mas referindo-se à relação entretida no plano material, transformada em objeto litigioso, ou seja, ao mérito. O CPC de 1973 não se comprometera expressamente com a teoria da relação jurídica.46 Já o art. 238 do NCPC alude à “relação processual”, integrada (logo, existente) pela citação do réu, e, indiretamente, a menção do art. 485, IV, aos “pressupostos de constituição e de desenvolvimento válida do processo”, integrantes do juízo de admissibilidade – a respectiva ausência importará
julgamento sem resolução do mérito (art. 485, caput) –, evidencia a premissa em parte oculta. Essa omissão parcial não revela, absolutamente, rejeição ou hostilidade ao processo como relação jurídica. O argumento provaria em excesso, repelindo quaisquer outras teorias. O emprego da relação jurídica naqueles dispositivos arrolados, no âmbito material, oferece indício claro que essa categoria da teoria geral do direito não repugna à lei processual. E o largo uso dos pressupostos processuais no estatuto processual confirma a impressão subjacente. Compreende-se, desse modo, a prevalecente tendência no sentido de encampar a teoria da relação jurídica.47 Dela não escapa o processo penal.48 Essa flexível teoria integra o paradigma em vigor no terreno do processo civil. Não há compêndio, nacional ou estrangeiro, que não distribua os assuntos expostos de acordo com essa teoria. No entanto, há exagero em reputá-la, aqui como alhures, “incontestada”.49 Melhor considerá-la sem rival à altura: as concepções constitucionalistas e neoinstitucionalistas ainda não amadureceram o suficiente para criar um novo paradigma. Em alguns aspectos, a teoria da relação jurídica reclama maiores desenvolvimentos e precisões. O principal ponto reside na multiplicação de relações jurídicas mediante a inserção de novas pretensões (v.g., a reconvenção) no processo pendente. É evidente que o ato do juiz, rejeitando a reconvenção, por exemplo, não se mostra idôneo a extinguir o processo, nada obstante o conteúdo da decisão a respeito do pedido do réu (art. 330 c/c art. 485, I). Não há, pois, duplicidade de relações processuais,50 mas inserção de nova pretensão na relação processual pendente. Também a legitimidade há de ser bem entendida. O corte entre direito e processo separa a relação processual do mérito. Por esse motivo, a legitimidade, apurada neste último, não caberia na classe dos pressupostos processuais, matéria atinente àquela relação. E, como o juiz examinará a legitimidade na pendência do processo, há o risco de exame mais ligeiro dessa circunstância levar à errônea conclusão que a relação processual não se constituiu, porque uma das partes não se mostra legítima.51 O problema é mais aparente do que real. A categoria da capacidade para conduzir o processo, que receberá exame em item posterior (infra 225.2), explica satisfatoriamente tal fato. Além disso, os pressupostos processuais também são objeto de exame do órgão judiciário na relação processual pendente. Eventual ausência de um desses requisitos implicará a extinção do processo, a teor do art. 485, IV, e somente será extinto o que ingressou no plano da existência, embora de modo idôneo para propiciar o julgamento do mérito. 84. Processo como situação jurídica Um engenhoso esforço de originalidade, buscando expor o dinamismo intrínseco à relação processual e elegendo a coisa julgada como sua finalidade precípua, resultou em teoria particularmente atenta à função instrumental do processo.52 Os esforços empreendidos nesse mister visam a dois objetivos simultâneos: (a) repelir as categorias do direito material, adotando outras, mais originais e apropriadas ao fenômeno processual; (b)
preservar e realçar o objeto material no âmbito da relação processual, obscurecido pela teoria da relação jurídica.53 A teoria do processo como situação jurídica propõe uma renovação expressiva no modo de encarar o processo. Ele é definido como o método seguido pelos tribunais para definir se o autor tem direito à tutela jurídica do Estado e, em caso positivo, outorgar essa tutela.54 Entende-se por situação jurídica o estado “que de direito se instaura em razão de uma determinada situação de fato, revelada como fato jurídico, e que se traduz na disposição normativa de sujeitos concretos posicionados perante certo objeto; isto é, posicionados em certa medida de participação de uma res, que se define como seu objeto”.55 Os elementos da situação jurídica são três: sujeito, objeto e posição do sujeito.56 É uma construção que se propõe as situações de fato à situação de direito sem expulsar do seu núcleo o objeto. Dessa noção a teoria se apropriou para indicar as várias situações de que participam as partes no processo. O órgão judiciário ocupa a posição central do processo. Não é um simples sujeito da relação processual. Ademais, as normas de direito material, iniciado o processo, funcionam tão-só como pautas para a resolução judicial.57 A sobranceira posição do órgão judiciário interfere na natureza dos laços que, em geral, admitem-se como ocorrentes entre as partes e o juiz, não cabendo expressá-las com as impróprias categorias de direitos e deveres. Em realidade, as partes desfrutam, no processo, situações de vantagem e de desvantagem, segundo a respectiva tramitação, e nutrem a expectativa de lograr, ou não, sucesso perante o adversário. Além dessas expectativas de obter provimento favorável, as partes têm ocasiões de propiciá-las, desincumbindo-se dos ônus, ou seja, praticando atos em proveito do próprio interesse. No processo, essas situações correspondem, respectivamente, às três espécies de direitos materiais: relativos, absolutos e formativos.58 Nada obstante o inegável engenho da construção e o merecido prestígio que certas definições do autor lograram na linguagem universal do processo, a aplicação do conceito de situação jurídica ao processo esbarra em objeção óbvia e definitiva.59 A descrição das esperanças e dos riscos das partes, no curso do processo, denota a formulação de prognósticos certos ou errados a respeito do objeto da disputa dos contraditores. Portanto, não define a natureza do processo.60 Em outras palavras, o processo não se altera em razão de expectativa maior ou menor de êxito, pois o direito fundamental à igualdade exige que ambas as partes, a que desfruta de maiores possibilidades de êxito, e a que sofre com a menor, disponham dos mesmos de informação e de reação. Por exemplo, o pronunciamento do relator que, fundado no art. 932, IV, a, nega provimento à apelação, vertida contra decisão fundada na súmula de jurisprudência dominante do STJ, oferece ao vencido escassas possibilidades de reversão, tanto que abreviada a tramitação do recurso; porém, os meios para impugná-la se afiguram idênticos aos conferidos ao adversário, caso o relator reformasse, pelas mesmas, mas equivocadas razões a sentença de primeiro grau, embora as expectativas de êxito se mostrassem para o então vencedor notavelmente auspiciosas.
Enfim, ofende ao senso comum dissolver os rijos contornos do processo na líquida e mutável perspectiva do seu resultado final.61 Não é o processo, como realidade, que é incerto, mas o objeto litigioso.62 Por outro lado, o processo não confere às partes somente expectativas ou ônus. As partes têm direitos processuais.63 E nesses direitos avultam os direitos fundamentais processuais – a exemplo da duração razoável dos trâmites – que condicionam e conformam os direitos infraconstitucionais. Por igual, as partes assumem deveres (art. 77), senão entre si, ao menos perante o órgão judiciário. Não se concebe o processo sem poderes e deveres do órgão judiciário e das partes.64 Aos poderes dos sujeitos correspondem deveres. Por exemplo, ao poder de decisão do órgão judiciário corresponde o dever de permitir que propiciar que as partes aleguem suas razões, observando o contraditório, e de proferir a própria decisão, tão logo o permita o estado da causa – o julgamento conforme o estado do processo, extinguindo-o prematuramente (art. 354) ou julgando antecipadamente o mérito, no todo (art. 355) ou em parte (art. 356), ilustra o argumento. E, do lado das partes, há deveres específicos perante o órgão judiciário (art. 77), além de se desincumbirem de ônus (v.g., o de provar os fatos controvertidos, dito ônus da prova subjetivo). A teoria da situação processual oferece nítida sensação que o processo, porque categoria tão peculiar, não se reduz facilmente a outra mais geral.65 Essa teoria é mais sociológica do que jurídica.66 O processo constitui figura que dificilmente se dobra aos pendores da inovação. 85. Processo como instituição A teoria do processo como instituição surgiu na Espanha.67 Recebeu uma única adesão,68 posteriormente revista.69 De acordo com a tese, instituição é um conjunto de atividades relacionadas por um objetivo comum, em que os figurantes participam compulsoriamente, nada obstante a vontade em contrário. A instituição se compõe de elementos que equivalem à trama e à urdidura de um tecido. No processo, o objetivo comum consiste no acolhimento ou na rejeição da pretensão, a atividade conjunta se expressa nos atos processuais das partes e do juiz.70 Tal ideia exibe escassa utilidade prática.71 Pouco se clareia da essência do processo afirmá-lo como conjunto de atividades atadas à ideia comum e ao objetivo único de satisfazer pretensões. Por óbvio, o processo constitui um fenômeno social permanente, à semelhança da família, mas é também um fenômeno jurídico. Em última análise, a teoria do processo como instituição compreendeu a natureza sociológica do processo, sem precisar-lhe a feição jurídica.72 86. Processo como procedimento contraditório A teoria do processo como procedimento contraditório originou-se da observação feita na crítica da teoria da situação jurídica. A unidade do processo se localizaria, em níveis diferentes, “com os conceitos de ‘procedimento’ e de relação jurídica processual”.73 Em tal visão, o encadeamento dos atos explicaria as posições subjetivas, inúmeras e diversas, assumidas pelas partes.
Flagrantemente, há influência da movimentação processual nessas posições. Assim, a relação processual não esgotaria a figura do processo.74 O esquema abstrato negligencia a cadeia de atos que preparam a terminam com a resolução da lide.75 Segundo essa teoria, o processo é situação composta.76 Ela se expressa por um conjunto de atos entrelaçados em posições subjetivas implicadas entre si.77 Do gênero (procedimento), a espécie (processo) caracteriza-se pelo contraditório,78 que atende à sua função dialética de instrumentar a aplicação do direito objetivo.79Daí a síntese que o processo constitui “um procedimento animado pela relação jurídica processual”, vínculo complexo e progressivo, animado por intermédio de inúmeras posições ativas e passivas.80 Essa concepção secundária recebeu divulgação exagerada no direito brasileiro.81 Não tem mérito maior, apesar dos louvores imerecidos quanto à distinção de processo e procedimento.82 Ela é insatisfatória, além de inútil: primeiro, porque o procedimento administrativo, na ordem constitucional brasileira, também se submete ao princípio do contraditório (art. 5.º, LV, da CF/1988), e, assim, não se distinguiria do processo perante o órgão judiciário; segundo, não descarta, mas supõe a teoria da relação jurídica, razão pela qual o fenômeno, ao fim e ao cabo, reduz-se a esta categoria, que é a única integrante da essência; terceiro, a dissolução do processo no gênero procedimento aniquila os atributos da jurisdição, à semelhança do que ocorreu no regime nazista da Alemanha no segundo quartel do século XX.83 O fato de a crítica da teoria da relação processual abster-se de remover ou de banir essa figura, cingindo-se a adicionar algum tempero adicional, ou a manifestar reservas e suspeitas vagas, demonstra o óbvio. Não se logrou outra explicação mais satisfatória quanto à natureza do processo. A teoria do procedimento contraditório receberá, no devido tempo, o respeitoso esquecimento que merece no conjunto do pensamento jurídico. Esse foi o destino da teoria do “movimento dos atos da ação em juízo”,84 inserida na mesma tradição.85 87. Processo como modelo constitucional A influência dos direitos fundamentais processuais no processo inspirou a correta identificação de um modelo constitucional para o processo. O processo encontra-se condicionado pela observância do due process of law, ou seja, pelo conjunto de regras e de princípios explícitos e implícitos impostos na CF/1988 ao mecanismo criado para resolver os conflitos. Por isso, o art. 1.º do NCPC declara ordenar-se, disciplinar-se e interpretar-se o processo segundo os valores e normas fundamentais da CF/1988, observando-se as disposições do próprio NCPC. A atividade do órgão judiciário somente se legitima, com efeito, mediante a estrita observância dessas normas, a exemplo do contraditório, da motivação dos provimentos, e assim por diante. Não raro se alude a um modelo constitucional do processo,86 que conforma todas as fontes formais do direito processual.87 Em outras palavras, somente se mostram legítimas as leis que obedecem ao procedimento de formação estabelecido na Constituição, e, por igual, as resoluções judiciais somente se legitimam observando as normas que a própria Constituição institui para cada processo em particular.
A própria Constituição tem natureza processual, sob dois ângulos diferentes, mas complementares. Por óbvio, a Constituição institui o processo de formulação e de identificação das normas que compõem determinado ordenamento jurídico, e tal fato já lhe assegura a natureza de processo para elaborar normas gerais e abstratas. Mas, o processo também se mostra indispensável para realizar o programa constitucional e o direito objetivado em leis de hierarquia inferior.88 Na sociedade pós-moderna, as normas gerais e abstratas não concretizam, de per si, os interesses transindividuais, e os que se expressam em outros conflitos que marcam a complexidade do mundo contemporâneo. O processo se presta, excelentemente, para obter o consenso possível, aproximando os interesses divergentes, todos legítimos, até chegar-se a uma base mínima de entendimento, como acontece, por exemplo, na área ambiental. A integração dos direitos fundamentais processuais no desenho concreto do procedimento, cuja rigidez se desvanece, em parte, não indica, todavia, a essência do processo. É o fator regente da forma e da ordem dos atos no procedimento. 88. Processo como neoinstituição Em parte por derivação da teoria precedente, desenvolveu-se a alternativa de visualizar o processo como instituição, a partir de um conceito diferente dessa figura haurida da sociologia. Dá-se o nome de instituição, para esse efeito, o “conjunto de princípios (e institutos) jurídicos reunidos ou aproximados pelo texto constitucional com a denominação jurídica de devido processo, cuja característica é assegurar, pelos institutos do contraditório, ampla defesa, isonomia, direito ao advogado e livre acesso à jurisdicionalidade, o exercício dos direitos criados e expressos no ordenamento constitucional e infraconstitucional por via de procedimentos estabelecidos em modelos legais (devido processo legal) como instrumentalidade manejável pelos juridicamente legitimados”.89 O processo sem contraditório, por exemplo, perde a sua característica, razão pela qual o art. 332 mostrar-se-ia inconstitucional.90 Essa teoria distingue-se da precedente, porque supõe uma teoria constitucional específica em que a totalidade do povo, por força da ação coextensiva ao procedimento, constitui a causa dos princípios e regras de criação, alteração e aplicação dos direitos, e exige o resgate da cidadania, sem o comprometimento dos órgãos do Estado como simples prestadores de serviços públicos. Em outras palavras, a teoria constitucionalista pressupõe a sociedade civil já organizada pelo Estado nacional “como referente hermenêutico dos direitos a serem decididos pela autoridade jurisdicional”, enquanto a teoria neoinstitucionalista propõe “uma sociedade democrática pelo povo legitimado ao processo (comunidade jurídica de cidadãos) em todos os níveis de produção, atuação, aplicação e extinção de direitos no marco teórico-constitucional do devido processo constitucionalizado”.91 Trata-se, portanto, de concepção que situa o processo no seio da comunidade popular, ainda em construção, não alterando ou definindo a sua natureza no presente.
§ 19.º Relação processual civil 89. Conceito de relação processual Reconhecida a qualidade de relação jurídica ao processo, evidencia-se o fato de as partes, para além e sobre o móvel da desavença, acharem-se assistidas de um direito ao processo.92 Tal direito merecerá exame em item subsequente, aberto com tópico relativo ao assunto aqui versado (infra, 120). Resta definir a relação processual. A relação jurídica constitui o liame que une entre si sujeitos de direito.93 Em primeiro, os sujeitos são pessoas dotadas de personalidade no direito material. Porém, entes despersonalizados (v.g., o condomínio) e órgãos das pessoas jurídicas de direito público (v.g., a Câmara de Vereadores) também podem figurar como partes, exibindo, portanto, personalidade processual. Esta última categoria é mais ampla do que a identificada no direito substancial. Origina-se a relação jurídica da incidência do fato na norma. Esse fenômeno permite o ingresso dos fatos relevantes no mundo jurídico, no qual os contatos humanos têm lugar e regime.94 Da relação jurídica surge, no mínimo, uma situação de vantagem ou direito subjetivo.95 Exterioriza-se, assim, a vontade humana, dentro de alguns limites, visando à consecução das finalidades prescritas, autorizadas ou toleradas no ordenamento.96 A relação jurídica e o direito subjetivo, apesar de categorias discerníveis e úteis à teorização científica, atraem redobradas contestações. Da primeira já se demonstrou o valor. E do direito subjetivo se pode afirmar, simplesmente, indispensável “para a construção de qualquer doutrina jurídica”.97 A presença de direito subjetivo na relação jurídica, em geral, e na relação processual, em particular, interessa em dois sentidos. Em primeiro lugar, no exame da ação, o direito subjetivo protagoniza papel destacado, integrando, a despeito de extremado da ação propriamente dita, a fenomenologia jurídica. Ademais, sempre existindo um direito subjetivo na relação, prescinde-se, todavia, de outros. Assim, a noção assume fundamental importância para resolver a dúvida sobre a multiplicidade de relações processuais. Realmente, o réu que, além de contestar, apresenta reconvenção, que é uma nova ação, apenas insere sua pretensão na relação processual pendente. Duas pretensões processuais coexistirão no mesmo processo, tornando complexo seu objeto. 90. Sujeitos da relação processual O processo se desenvolve sob a direção do órgão específico instituído pelo Estado para prestar o relevante serviço público chamado de jurisdição. Por conseguinte, a relação entretida pelas partes, cooperando nessa atividade, e subordinam-se ao se desfecho, é uma relação de direito público.98 O juiz e as partes são os candidatos naturais a sujeitos dessa relação. No entanto, o órgão judiciário não é, propriamente, sujeito da relação processual. Ocupa esse lugar o Estado. O juiz é o órgão especialmente instituído para
dirigi-lo, seguindo o roteiro predeterminado na lei processual – a maior garantia contra o arbítrio do Estado –, cumprindo-lhe as funções de julgar, assegurar e executar, mediante a aplicação, em nome do Estado, do direito objetivo, a fim de resolver a lide. Entre o Estado e a pessoa que ocupa o órgão (singular ou colegiado) há um vínculo de feição estatutária cada vez mais importante no processo (infra, 928). Essa é uma das relações paralelas à relação processual. Mas, há outras, como a relação hierárquica que envolve o órgão judiciário e os órgãos auxiliares, estes subordinados àquele,99 e a relação desses auxiliares com o Estado, que varia conforme a natureza do vínculo. No caso dos serventuários da justiça, a espécie mais típica dos auxiliares, essa relação também é estatutária (infra, 978). Nenhuma dessas relações confunde-se com a relação processual, posto que relevantes. Representará grave distorção turvar a essência do processo com adição dessas relações que nele gravitam ou dele decorrem. Independentemente, pois, da natureza do vínculo do órgão judiciário e dos seus auxiliares com o Estado, inexiste dúvida que tais sujeitos legitimam-se a praticar atos processuais. O juiz pratica atos decisórios e atos materiais. E os auxiliares, a exemplo do perito, do escrivão, do oficial de justiça, do depositário e outros, mencionados no art. 149 (infra, 982), praticam inúmeros atos materiais. Também são sujeitos, nessa medida, da relação processual.100 O dever de cooperação previsto no art. 6.º do NCPC envolve os sujeitos em sentido estrito (Estado e partes) e demais participantes (auxiliares do juízo). A relação processual formada por iniciativa do autor, ao entregar a petição inicial no ofício judicial, e geralmente completada pela citação do réu, distingue-se de outras relações paralelas e simultâneas (v.g., a do órgão judicial e seus auxiliares) e é única.101 O exercício do direito à tutela jurídica por terceiro, no mesmo processo, e a dedução de pretensão autônoma pelo réu (v.g., reconvenção), não constituem relação processual distinta. Essas iniciativas integram-se à relação já formada, tornando-a complexa (infra, 93.3). 91. Forma da relação processual civil A forma da relação processual provocou controvérsias desde o início.102 A orientação menos convincente identifica, no processo, relação entre as partes, jamais entre estas e o Estado.103 E isso, porque o órgão judiciário é o terceiro imparcial e a ele incumbe decidir o litígio entre as partes, e, não, as postulações perante o órgão. Evidentemente, não se pode eliminar a conexão das partes ao órgão judiciário, provocada pela recíproca pretensão à tutela jurídica do Estado, amesquinhando o papel central do juiz.104 E, de resto, eliminado o órgão como sujeito da relação processual, pouco restaria para diferenciar a relação processual da relação material porventura alegada existente pelo autor. De acordo com o estudo pioneiro na formulação da teoria do processo como relação processual, o processo é um actus trius personarum, envolvendo o Estado, o autor e o réu entre si.105 Essa ideia, designada de triangular, e mais insinuada do que afirmada, exceto em outras
antigas,106 revela-se prevalecente na doutrina.107 Diz-se que, mesmo sendo verdade que as relações mais importantes se estabelecem entre o Estado e as partes, o processo também é uma relação entre as partes, vez que toda uma série de atos realizam-se diretamente perante o adversário.108 Os fundamentos dessa configuração mostram-se frágeis e infundados. A demonstração de que as partes se relacionam também no plano processual depara-se com dificuldades insuperáveis. A esse propósito, os exemplos da imposição dos ônus da sucumbência, em particular o da restituição das despesas processuais antecipadas pelo vencedor (art. 85), e o dever recíproco de probidade processual (art. Art. 5.º), costumam ser invocados. Nenhum deles é convincente. Razoável que seja à parte aguardar a observância de probidade pelo adversário, este dever se configura perante o Estado, porque só ao órgão judiciário interessa, para desempenhar suas funções satisfatoriamente, fiscalizar a conduta dos litigantes, mostrando-se indiferente ao comportamento reprovável e, se for este o caso, reprimindo-o na forma da lei. Do descumprimento desse dever, tal como sucede com a restituição das despesas processuais, resultam obrigações típicas do direito material, posto que originadas do processo. Finalmente, concebeu-se a relação processual com o órgão judiciário, de um lado, e as partes, cada qual do seu lado, sem que haja ligações, no plano processual, entre elas.109 Essa tese se chama de angular ou bilateral.110 É a posição correta, porque explica, no direito brasileiro, a existência do processo antes e independentemente do chamamento do réu.111 O art. 312, primeira parte, do NCPC reza o seguinte: “Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada” em ofício judicial. Por definição, o ato do juiz rejeitando, liminarmente, a petição inicial, tende a extinguir o processo já formado (art. 330, I, c/c art. 485, caput, e I). Eventualmente, a apelação do autor, ainda sem o chamamento do réu, prolongará o processo, propiciando a retratação (art. 331, caput) ou, caso mantido o ato, enfim a citação do réu (art. 331, § 1.º). E o órgão judiciário, mesmo nesta fase, poderá deferir ao autor tutela provisória antecipada, satisfazendo o próprio direito material e, portanto, deliberando sobre o mérito mediante juízo de cognição sumária. Nesta contingência, negar a existência da relação processual linear, formada unicamente entre o autor e o Estado, soa como artificial.112 Implicará, no fundo, inconsequência similar à da negativa da ação na hipótese de o processo extinguir-se por falta de uma das “condições” (infra, 222.4). A circunstância de o art. 101 do CPC italiano estabelecer que o órgão judicante não pode deliberar, salvo nos casos legais, acerca da demanda sem a citação do réu, induzindo a doutrina à configuração triangular da relação processual,113 não tem relevo no direito brasileiro. Dizer que “a demanda se propõe com o ato de citação”,114 para dizer o mínimo, briga com a letra do art. 312, primeira parte, do CPC. E nem sequer parece afeiçoada a lição à disposição expressa da lei brasileira. 92. Planos da relação processual civil
A atividade do órgão judiciário, provocada pela demanda do autor, envolve a emissão de juízo a respeito de problemas atinentes a dois planos diferentes: a admissibilidade e o mérito. A eles corresponde, respectivamente, o objeto processual e o objeto material do processo,115 cada qual formado por material específico. Essa distinção entre um e outro repercute na estrutura do processo. Antes de analisar o mérito, e como etapa logicamente precedente, cumpre ao órgão examinar e velar pela regularidade do instrumento que o Estado erigiu para resolver a lide e concretizar direitos na realidade. O arranjo significa que, do ponto de vista do réu, convém suscitar questões, se possível, num e noutro plano, pois na prática socorrem-lhe duas possibilidades de repelir a pretensão do autor, persuadindo o juiz que a demanda é irremediavelmente inadmissível (sentença terminativa) ou infundada (sentença definitiva, a teor do art. 487, I e II, rejeitado o pedido). Essa frisante repercussão evidencia aspecto mais saliente na obra fundadora da teoria do processo como relação jurídica. Os pontos de fato e de direito que as partes suscitam e debatem, relativamente ao objeto processual, compõem o juízo de admissibilidade. E à falta de melhor rótulo, mas separadas das questões de mérito, receberam a sugestiva e duradoura designação de “pressupostos processuais”.116 As questões agrupadas sob o rótulo de “pressupostos” processuais não se mostram homogêneas, nem a terminologia tradicional mostra-se precisa e pertinente. O assunto será objeto de um parágrafo específico. Desde logo, porém, impõe-se deixar claro que essas questões correspondem aos elementos da existência, aos requisitos da validade e aos fatores de eficácia da relação processual civil. E os elementos de existência têm por função precípua delimitar o fenômeno processual no mundo jurídico. 93. Características da relação processual civil A relação processual apresenta as seguintes características: (a) autonomia; (b) unidade; (c) complexidade. 93.1. Autonomia da relação processual – A relação processual tem caráter público. Forma-se por intermédio do exercício do direito à tutela jurídica do Estado e serve à prestação de uma atividade específica do Estado – a jurisdição. Os poderes e deveres conferidos ao órgão judiciário e às partes, no seu curso, têm caráter público. As normas do direito processual civil são todas de direito público. A relação processual distingue-se, por conseguinte, da relação material objeto do litígio das partes. A distinção envolve a natureza, os sujeitos e o objeto. Em geral, a relação controvertida pelas partes exibe índole privada. Entretanto, a jurisdição brasileira abrange também litígios de natureza pública, entre o cidadão e o próprio Estado, sem nenhuma interferência quanto à autonomia de ambos os vínculos. A participação do órgão judiciário, como órgão do Estado na relação processual, permite distingui-la da relação material, seja qual for sua índole. O órgão judiciário não figura como sujeito na relação material das partes. E, por fim, o objeto da relação processual consiste no conflito retratado na pretensão deduzida pelo autor, que forma o objeto litigioso ou mérito, e o objeto dessa outra relação é o bem da vida, ou efeito jurídico pretendido perante o adversário, que o autor alcançaria,
inexistindo a lide, através do atendimento pelo réu dos deveres que lhe incumbem. A autonomia da relação processual também se expressa na instauração do processo independentemente da existência da relação material alegada pelo autor. Primeiro, porque a constituição da relação processual subordinase à ocorrência de elementos de existência e de requisitos de validade próprios, dependendo, por igual, de fatores de eficácia intrínsecos. Segundo, porque a relação material talvez não exista, na realidade, e, chegando o órgão judiciário a semelhante conclusão, nada obstante o processo atingirá seus fins, declarando a inexistência do direito subjetivo privado ou público do autor perante o réu.117 Finalmente, a relação processual tem função instrumental. O direito objetivo realiza-se através do processo. O processo se movimenta, por impulso das partes ou do órgão judiciário (art. 2.º), progride no tempo, apresenta notável dinamismo, rumando para aplicar o direito objetivo à lide, resolvendo-a conforme ao direito. É, portanto, uma totalidade.118 Todavia, essa característica não lhe é peculiar.119 Também a obrigação assumida no plano do direito material progride até o adimplemento e, neste sentido, constitui um “processo”.120 Seja como for, a progressão da relação processual explica o conjunto de atos que integram o procedimento,121 também enseja a compreensão do vínculo dos sujeitos do processo, a disciplina das relações recíprocas,122 e a sucessão processual.123 93.2. Totalidade da relação processual – A relação processual é uma só totalidade.124 Os atos processuais praticados pelas partes e pelo órgão judiciário, estabelecendo recíproco diálogo e permanente cooperação, apesar das posições contrastantes – eis o motivo por que a comunidade de trabalho não é artificial –, convergem para obter o fim do processo: a resolução da lide, através da satisfação da pretensão do autor ou do acolhimento da defesa do réu. Formula o órgão judiciário, em qualquer hipótese, a regra jurídica concreta aplicável à lide. Os múltiplos atos processuais praticados até alcançar esse ponto culminante não descaracterizam a totalidade, ou a unidade, porque conjugam-se ao fins do processo.125 Nem todo o processo, porém, chega ao exame do mérito. Em tal hipótese, a relação processual alcançou a finalidade que, naquela causa, o ordenamento jurídico consente e impõe, desincumbindo-se o Estado de prestar jurisdição. O caráter dinâmico do processo leva-o a percorrer diversas etapas, nas quais as partes assumem posições distintas. Iniciado o processo em primeiro grau, a apelação do vencido remete-o ao tribunal, e, nada obstante, a relação processual permanece a mesma.126 A inserção de nova pretensão – por exemplo, a pretensão a executar, a teor do art. 513, caput; o oferecimento de reconvenção pelo réu –, no processo pendente, não altera a relação processual, que subsiste uma só, embora doravante complexo seu objeto.
Enfim, a unidade permite que a relação processual não se altere perante certos eventos supervenientes; por exemplo, (a) no caso de o conhecimento da causa passar à direção de outro órgão judiciário, como ocorre com a subida do processo do primeiro para o segundo grau por força da declaração (modificação vertical) e na declaração de incompetência (modificação horizontal); (b) no caso de ocorrer alteração das partes (art. 109);127 (c) no caso de suceder a modificação do pedido (art. 329, I).128 A litispendência só se encerra com o trânsito em julgado. 93.3. Complexidade da relação processual – A relação processual é complexa por duas razões. Em primeiro lugar, a comunidade formada entre partes e órgão judicial transforma a res iudicanda em res iudicata;129 ademais, o processo abriga inúmeros poderes, deveres e ônus para as partes e para o órgão judiciário.130 Eles nascem, consumam-se e transformam-se conforme a tramitação do processo. Por exemplo, a defesa é um direito do réu (art. 335), inerente ao direito fundamental à ampla defesa (art. 5.º, LV, da CF/1988), cabendo ao órgão judiciário, velando pelo chamamento válido do réu (art. 238), o dever de assegurá-la de modo amplo e eficiente. Mas, deixando o réu de contestar, presumir-se-ão verdadeiros os fatos alegados pelo autor (art. 344), motivo pelo qual a contestação também é um ônus, ou seja, um imperativo para o próprio interesse do réu. As partes têm direitos, deveres e ônus. Por exemplo, têm o direito de juntar documentos, nos casos prescritos no art. 435, e a parte contrária o direito de se fazer ouvir acerca da juntada desses documentos. O órgão judiciário tem direitos, poderes e deveres, objeto de exame em tópico específico (infra, 938 e 953). Não lhe cabe, porém, ônus algum perante as partes. Os ônus do órgão judiciário verificam-se no âmbito da relação institucional mantida com o Estado, decorrente da processual, e os órgãos que lhe são hierarquicamente superiores. Por exemplo, o juiz tem o dever de proferir atos decisórios no prazo contemplado no art. 226, que também é um ônus, pois o descumprimento ensejará a instauração de processo administrativo para apurar sua responsabilidade pessoal (art. 235, § 1.º). Os poderes, deveres e ônus das partes se consumam consoante o desenvolvimento do processo e o estágio por ele alcançado. Não se concebe a progressão do processo sem a consumação das etapas anteriores e a abertura da etapa subsequente. Esse fenômeno se designa de preclusão. A preclusão se divide em três espécies: (a) temporal, advinda da falta de exercício do direito no interregno legalmente fixado; (b) lógica, decorrente da prática de ato incompatível com o posteriormente realizado; (c) consumativa, proveniente da prática do ato de modo defeituoso, o que impede sua renovação.131 A preclusão atinge os direitos e poderes das partes. Em relação ao órgão judiciário, todavia, há que considerar que inexiste preclusão, no tocante às questões de ordem pública (pressupostos processuais e condições da ação), no mesmo plano horizontal. O art. 505, caput, veta o reexame das questões já decididas, “relativas à mesma lide”, cláusula que abrange somente as questões a cujo respeito exige-se a iniciativa da parte (art. 141). Desse modo, o juiz pode admitir a legitimidade de uma das partes, num primeiro momento,
e negá-la posteriormente, extinguindo o processo. Ademais, a decisão tomada no órgão a quo, a respeito da legitimidade, não subordina o órgão ad quem, que poderá revê-la no âmbito da apelação, haja ou não impugnação específica do recorrente.132 Porém, decidindo o órgão ad quem não se afigurar legítima, já não poderá o órgão a quo, posteriormente, convencendo-se do desacerto dessa decisão, declarar a ilegitimidade. Relativamente aos poderes do órgão judiciário, destarte, a preclusão opera de cima para baixo.133 O regime peculiar da preclusão dos poderes do órgão judiciário enseja a identificação de uma quarta espécie de preclusão: a hierárquica, que advém da decisão tomada por órgão judiciário hierarquicamente superior.134 94. Objeto da relação processual civil O objeto do processo é a res in iudiciam deducta. Esse objeto recebe designações heterogêneas (v.g., direito litigioso, no art. 177, VI). Importa distingui-lo do conjunto de questões relativas ao próprio processo, abrangendo os pressupostos processuais e, com as devidas ressalvas, as condições da ação. É seguro que, nessas questões, não se localiza o objeto do processo, que há de ser buscado alhures. Feita a depuração do material de trabalho do juiz, excluindo as questões relativas ao próprio processo, há um nítido – o que sobrar consistirá no mérito –, conteúdo da relação processual, o seu objeto, convenientemente chamado de objeto litigioso. Resta defini-lo. No direito brasileiro, o art. 337, § 2.º, encarregou-se de ministrar um critério seguro para caracterizar esse objeto, que reside na ação afirmada pelo autor e individualizada por seus três elementos – as partes, a causa de pedir e o pedido.135 Esses dados avaliam-se in status assertionis, porque o processo serve para comprovar a respectiva existência ou não. Este é o ponto comum em diversas análises da processualística alemã, extensamente avaliadas em notável estudo do autor do anteprojeto.136 O critério da tríplice identidade disciplina, satisfatoriamente, problema que, na processualística alemã, rendeu controvérsia até hoje sem termo discernível ou frutos maduros consolidados. E a simples existência de um critério legal, no direito brasileiro, demonstra que a noção de objeto litigioso (Streitgegenstand) é um conceito positivo,137 deduzido da realidade do processo. Cuida-se de fenômeno que o legislador encontra e acolhe, mas não pode edificar a seu critério.138 Feita abstração à notória propensão alemã à cunhagem de conceitos precisos,139 e o risco desses conceitos se transformarem em entidades enigmáticas, convém admitir a necessidade prática e universal da teoria do objeto litigioso, derivada da demarcação precisa dos limites da lide trazida à apreciação judicial.140 A resolução do problema de competência, dentre outros, emprega dados tirados desse objeto.141 Também se afigura correto distinguir a pretensão deduzida no processo, ou objeto do processo, da pretensão de direito material.142 E, de fato, o direito material, uma vez inserido no processo, além de posto em dúvida, adquire a feição que lhe é outorgada pelo autor e recepcionada na lei processual, ou seja, transforma-se na pretensão processual (prozessualer Anspruch).143 Já não soa tão exato negar a existência de pretensões, observada essa configuração, nas ações
constitutivas e declaratórias. Feita a ressalva, não resta dúvida que, dependendo do alcance que se dê à pretensão processual, ocorrerão reflexos profundos na cumulação de ações, na litispendência e na modificação da ação.144 Cumpre ter em mente, além disso, que no direito brasileiro inexiste noção uniforme de objeto litigioso. A coisa julgada vai além dos limites individualizados, consoante o art. 337, § 2.º, da ação afirmada pelo autor (infra, 236). Pois bem. Para escapar da identificação com a pretensão de direito material, pura e simplesmente, a doutrina alemã encarou o objeto litigioso como a afirmação do autor (Rechtsbeauptung) de que é titular de um direito subjetivo perante o réu.145 O autor pretende obter efeito jurídico perante o réu baseado na titularidade de direito, pretensão ou ação de direito material. Esse efeito jurídico individualiza-se através do pedido e da causa petendi.146 Desse modo, no processo em que o autor pleiteia a quantia x, proveniente do mútuo de valor y, firmado em certo ano, e do mútuo de valor z, do ano anterior, há duas pretensões condenatórias, e, não, uma única.147 Em sentido análogo, outro autor identifica o objeto litigioso na afirmação de um direito, existente ou não, sobre o qual pede um provimento judicial endereçado ao réu.148Essa afirmação se individualizaria, na maioria dos casos, por intermédio do pedido.149 A partir daí, a investigação acerca da natureza da pretensão processual recaiu no pedido (Antrag). O papel reservado à causa petendi tornou-se secundário. Ela serve, nessa linha de raciocínio, para diferenciar o pedido de outro idêntico. Essa teoria, malgrado a (renovada) disposição expressa do art. 337, § 2.º, granjeou o maior número de adeptos no direito brasileiro.150 O elemento decisivo é pedido. A seu respeito litigam as partes e sobre ele recai o dispositivo da sentença.151 A causa de pedir serve apenas para interpretá-lo e diferenciá-lo dos congêneres. Em outras palavras, o objeto litigioso é o pedido interpretado de acordo com a causa de pedir (Sachverhalt). Por exemplo, o autor que pede a condenação do réu ao pagamento da quantia x, fundado em mútuo e compra e venda, deduz uma única pretensão processual.152 No entanto, às vezes essa unidade do pedido é enganosa: pedindo o autor a condenação do réu no valor x, baseado em dois mútuos, o primeiro no valor y, o segundo no valor z, que somam x, há cumulação de duas pretensões.153 Nas ações constitutivas, a exemplo da separação judicial, os fatos narrados mostram-se irrelevantes,154 o mesmo acontecendo nas ações declarativas. Razão está, todavia, no entendimento que o objeto litigioso decorre da conjugação equivalente da causa (ou episódio da vida) e do pedido,155 traduzida na afirmação do autor de que é titular de um direito perante o réu, pretendendo realizar o respectivo efeito jurídico. A importância da causa pedir, ou seja, dos fatos alegados pelo autor, contra os quais o réu se defende na contestação, receberá o devido destaque (infra, 243). A defesa do réu contraria os fatos e as consequências extraídas pelo autor da incidência na norma. A narração de mais de um fato jurídico, por si só hábil a embasar um pedido perante o réu (v.g., o mútuo y), constitui causa de pedir independente, porque a circunstância de o autor juntá-lo a outro fato (v.g., o mútuo x), no mesmo processo, também idôneo a produzir outro efeito perante
o réu, não provocará a perda da sua autonomia e identidade. Se, num saco, alguém coloca o animal x, e noutro saco o animal y, a colocação dos animais x ey no mesmo saco não os transformam num único animal. O objeto do processo receberá extensas considerações no item dedicado à individualização das ações (infra, 236). Da separação entre os planos do direito processual e do direito material, ou seja, entre continente (processo) e conteúdo (mérito), acudiu à imaginação da doutrina e do legislador. A muitos pareceu intuitiva e útil a distinção entre objeto material (sachlicher Streitgegenstand), que é o mérito, do objeto formal do processo (prozessualer Streitgegenstand).156 Neste último, agrupam-se o conjunto de questões versadas sob o rótulo de condições da ação (infra, 224) e de pressupostos processuais (infra, 97). Ora, o sistema processual brasileiro, ecoando essa construção, mas com outros propósitos, encampa duas espécies de resposta do órgão judiciário à pretensão processual: (a) a sentença terminativa, em que o juiz não resolve o mérito (art. 485); e (b) a sentença definitiva (art. 487), em que resolve o mérito, a mais das vezes acolhendo ou rejeitando o pedido (infra, 1.581.1). Essa sistemática sugere que a estruturação legislativa não se mostra indiferente à distinção entre objeto formal e objeto material do processo.157 95. Formação da relação processual civil Forma-se o processo, consoante o art. 312, primeira parte, através do simples protocolo da petição inicial. Esse é o marco inicial da relação processual civil. Por definição, o ato do órgão judiciário, entendendo inadmissível a petição inicial, indefere-a liminarmente (art. 330), extingue processo formado. Por conseguinte, há processo (relação processual linear, envolvendo o autor e o Estado) sem que haja o chamamento do réu ou a sua participação. Embora a litispendência surta efeitos perante o réu tão-só a partir da sua citação (art. 312, segunda parte, c/c art. 240, caput), o processo assim formado já produz litispendência para o autor. Fica vetado, desde logo, o ajuizamento de um segundo processo idêntico. Essa hipótese nada exibe de teórica. Por exemplo, a parte, inadvertidamente, constituiu dois advogados diferentes e cada qual se desincumbe da respectiva missão, um antes do outro, propondo demandas idênticas (art. 337, § 2.º). O art. 286, III, determina a distribuição da segunda demanda no juízo da primeira, havendo dois ou mais juízos na comarca ou seção judiciária, facilitando a extinção, ex officio, da demanda repetida (art. 485, V, c/c § 3.º), ouvido o autor (art. 9.º, caput). É inteiramente fora de propósito, no direito brasileiro, a tese de ação propor-se com a citação do réu.158 Por outro lado, o art. 312, primeira parte, se harmoniza com a feição angular da relação processual (retro, 91). A necessidade da citação do réu para formar-se o processo representa forte argumento em prol da configuração em ângulo da relação processual. Da regra brasileira extrai-se
que a forma de relação processual assenta nos elementos hauridos do direito positivo. 96. Extinção da relação processual civil A extinção da relação processual ocorre por intermédio de um ato formal chamado de sentença (art. 316). O conteúdo desse ato varia, abrangendo o juízo negativo de admissibilidade da demanda e a resolução de mérito, mas encontra-se predeterminado nos arts. 485, 487 e 924. A esse propósito, mostra-se exemplar o art. 925, segundo o qual a extinção (da execução) “só produz efeito quando declarada por sentença”. O processo extinguir-se-á, realmente, na oportunidade em que não se revelar mais possível praticar, validamente, atos processuais após a sentença, quanto esta entrega o bem da vida de per si, prolongando a pendência da relação processual. Esse marco advém do esgotamento das vias de impugnação. Em tal oportunidade, o provimento, sendo de mérito, adquirirá a autoridade da coisa julgada (art. 502); sendo de outra natureza, ocorrerá coisa julgada formal. A simples interposição de algum recurso, conquanto inadmissível, impede a ocorrência da coisa julgada. Em tal contingência, o processo subirá do órgão a quopara o órgão ad quem, no qual vários atos processuais se realizarão, prolongando a existência da relação processual. A propositura de uma segunda demanda idêntica, se a natureza do provimento o permitisse, esbarraria na litispendência (art. 337, § 3.º). Impõe-se respeitar, neste caso, não o resultado já externado de um processo já extinto, mas resultado futuro do processo pendente.159 Caberá ao juiz de primeiro grau extinguir o segundo processo, por força da litispendência, “e não de coisa julgada”.160 A única diretriz razoável, portanto, consiste em admitir que a simples interposição de algum recurso impede a formação da coisa julgada.161 Eventual juízo de inadmissibilidade proferido no recurso pendente exibe eficácia ex nunc. É a orientação seguida pelo STJ.162 § 20.º Pressupostos processuais 97. Problema terminológico nos pressupostos processuais A terminologia “pressupostos” processuais, posto que corrente,163 não agradou por várias razões. Em primeiro lugar, constitui contração da fórmula analítica “pressupostos da relação processual”.164 E, embora consagrada a nomenclatura pelo uso generalizado, pressuposto é algo prévio, ou que antecede, e a explicitação do seu objeto, ou relação processual, induz a suposição de que tal matéria vem antes da formação do processo. Ora, as questões incluídas nessa ordem de problemas recebem exame do juiz no curso do processo, ou seja, após a respectiva formação. Literalmente, não constituem pressupostos do “processo”, mas do exame do mérito, a favor ou contra o autor.165 Então, melhor designar a esse conjunto de questões de requisitos, mas sem reservar a palavra “pressuposto” para o plano da existência,166 no qual se alude com mais propriedade a “elementos”.
Em verdade, a diferença entre elemento e requisito ou pressuposto evidencia que, no suposto problema terminológico, esconde-se algo mais extenso e profundo. Desconsideram-se, no assunto, os planos da existência, da validade e da eficácia, cuja distinção é essencial também no conjunto de elementos, requisitos e fatores que propiciam o julgamento do mérito. Realmente, a relação instituída perante pessoa sem investidura na função judicante não ingressa no mundo jurídico. Embora seja uma situação mais hipotética do real – o plano da existência tem por função, exatamente, indicar os limites do jurídico –, semelhante relação traduz atividade materialmente existente, mas juridicamente inexistente.167 Eis a razão por que se impõe substituir a terminologia clássica por outra de maior conteúdo significante, a exemplo de “condições da atividade jurisdicional”.168 E autores há que separam os supostos e os pressupostos processuais.169 O NCPC, a exemplo do seu antecessor, evitou o emprego da contestada expressão, preferindo a fórmula analítica “pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido do processo” (art. 485, IV). Feitos os reparos necessários, o uso da expressão legal, senão a corrente e universalmente aceita, é o que melhor se harmoniza com a clareza da exposição. Uma coisa, porém, parece certa em tal assunto: esses “pressupostos” respeitam à relação processual, e a sua presença permite ao juiz prover sobre o mérito da demanda; apurada sua falta, ao invés, o órgão judiciário não resolverá o mérito (art. 485, caput, e IV).170 É tão-só necessário classificá-los de modo mais consentâneo, o que, paralelamente, alcançará a desejável precisão terminológica. A teoria geral do direito privado oferece bons subsídios a esse respeito. 98. Composição dos pressupostos processuais À semelhança de qualquer outro fenômeno jurídico, a relação processual passa-se em três planos diferentes: o da existência, o da validade e o da eficácia (infra, 1.086).171 Para evitar confusões, relacionam-se a cada qual, respectivamente, elementos, requisitos e fatores.172 As questões que ao juiz incumbe resolver e agrupadas no rótulo de “pressupostos processuais” – por definição, nome equívoco, pois evoca somente a validade – integram esses planos.173 Os planos são fundamentais, por igual, na classificação dos fatos que as partes alegam na inicial e na defesa (infra, 312). No tocante aos elementos, ou seja, ao que compõe a existência jurídica do processo, exigem-se progressivos graus de abstração. Existem (a) elementos gerais, cujo concurso se afigura indispensável, divididos em (aa) intrínsecos (v.g., a formulação de demanda)174 e (ab) extrínsecos (v.g., a investidura de pessoa investida na função jurisdicional); e (b) elementos categoriais, respeitantes a cada espécie de ato processual. Requisitos constituem as qualidades necessárias para os elementos serem isentos de defeitos. Esses predicados afiguram-se variáreis e abrangem cada elemento, naturalmente de modo heterogêneo: por exemplo, a parte que demanda precisa ser representada por advogado devidamente habilitado.
Fatores de eficácia são eventos que permitem a produção dos efeitos típicos do ato praticado no processo; por exemplo, a citação do réu se mostra indispensável à produção os efeitos do art. 240, caput; a participação do litisconsorte necessário a fim de que o provimento de mérito surta efeitos na sua esfera jurídica. A inserção dos elementos de existência no grupo de questões englobados sob a imprópria rubrica dos “pressupostos” processuais não se afigura unânime.175 Em parte, o motivo da dissensão recai nos infelizes exemplos invocados para ilustrar a inexistência do processo. Figure-se o caso da nulidade da citação “inicial” (art. 238), a qual geraria a inexistência do processo,176 porque vício grave e intenso. Ora, o processo forma-se com o protocolo (art. 312, primeira parte). A citação é ato posterior ao deferimento da inicial ou, havendo apelação do autor contra o indeferimento, para assegurar o direito fundamental processual do contraditório, vinculando o réu. Eventual vício da citação, portanto, jamais atingiria o que se formou antes do ato defeituoso, nem sequer afeta a demanda incorporada na petição inicial.177Tampouco se pode afirmar que o provimento favorável ao autor, proferido nesse processo altamente viciado, revela-se desprovido de quaisquer efeitos. É tão eficaz que comporta execução, competindo ao vencido reagir contra a execução através de impugnação (art. 525, § 1.º, I). A única consequência discernível do vício da citação no ato, nesta conjuntura, reside na ausência de autoridade de coisa julgada: o processo viciado acabará desconstituído por intermédio da oposição do executado, e, não, da ação rescisória. Fora daí, é um vício, como qualquer outro, cuja pronúncia implicará a invalidação de todos os atos que lhe sejam subsequentes (a sentença) e dependentes, nos exatos termos do art. 281.178 Em tema de inexistência, a hipótese mais difícil resulta de alguém já falecido, mas representado por advogado, propor a demanda. A personalidade processual é um “pressuposto” processual. Apesar da aparência teratológica, o processo existe.179 Ele só é ineficaz. A demanda pode ser ratificada pelo sucessor da parte pré-morta, e, de toda sorte, gera para o órgão judiciário o dever de indeferir a petição inicial.180 A demanda proposta em nome da parte já falecida, subscrita por advogado morto antes da formação do processo (art. 312, primeira parte), aumenta o grau de perplexidade. Não faltam vozes a declarar inexistente a demanda, “um mero documento sem aptidão para instaurar a relação processual”.181 O processo iniciado dessa forma tão inquietante, todavia, prosseguirá normalmente e, como o órgão judiciário não é um adivinho, dependerá da iniciativa do réu, em algum momento, para denunciar o fato, hipótese em que extinguirá o processo. Essa atividade ingressou no mundo jurídico e de forma idêntica à hipótese anterior. Até criou para o órgão judiciário o dever de repelir a demanda. Depurado o panorama, restam dois elementos de existência: (a) a demanda da parte; e (b) a investidura do órgão judiciário. A atividade desenvolvida perante pessoa que não se contra investida em órgão judiciário pré-constituído não tem aptidão para ingressar no mundo jurídico. Em tal caso, haverá “processo em sentido puramente físico, atividade encadeada e progressiva, relação de fato entre sujeitos; se um deles não é juiz, se é pessoa não investida de jurisdição, não há processo”.182
Fora daí, tudo se passa ou no plano da validade, porque o ato é deficiente – por vezes, o vício do ato anterior contamina os posteriores, mas a própria relação processual existe e produz efeitos –, ou no plano da eficácia, não surtindo efeitos. O processo desenvolvido sem a citação do réu (inexistência), e no qual a citação realizou-se sem a observância da forma prescrita em lei (validade), na verdade existe, vale e é eficaz. O provimento que acolher o pedido, ignorando o vício, comportará execução, cabendo ao réu, para subtrair-se aos efeitos do julgamento, impugnar (art. 525, § 1.º, I), anulando o processo a partir do momento em que deveria ser chamado validamente. A compreensão dos planos da existência, da validade e da eficácia ensejou, destarte, certo arranjo sugestivo dessa matéria, distinguindo-se pressupostos (de existência do processo) e requisitos (de validade), por sua vez divididos em positivos (v.g., a capacidade processual) e negativos (v.g., a coisa julgada).183 Por razões didáticas, outra é a classificação aqui adotada (infra, 100). 99. Conceito de pressupostos processuais É possível, enfim, articular um conceito de pressuposto processual. São os elementos de existência, os requisitos de validade e os fatores de eficácia que governam a admissibilidade do processo constitucionalmente legítimo.184 A conjugação de todos os pressupostos processuais, exigidos no caso concreto (v.g., a competência e a legitimidade), permitem ao órgão judiciário proferir um provimento de mérito válido e eficaz, favorável ou não ao autor. À falta de um desses pressupostos, de regra o juiz encontra-se impedido de ingressar no mérito, embora a rigidez dessa tese seja contestada. Por exemplo, a dúvida quanto à capacidade do autor, hipótese que lhe asseguraria a proteção processual devida aos incapazes, não pode ser resolvida pela extinção do processo, se o autor tem razão.185 Não é o que resulta, entre nós, do art. 76, § 1.º, do CPC. O art. 488 tem escassa aplicação, porque inútil ou redundante. Os pressupostos processuais têm regime de provocação heterogêneo. Em geral, trata-se de assunto que o juiz deve controlar de ofício, conforme proclamam o art. 337, § 5.º, e o art. 485, § 3.º. Por exceção, a apreciação subordina-se à iniciativa da parte (v.g., a incompetência relativa, salvo quanto à cláusula de eleição de foro nos contratos de adesão, e a convenção de arbitragem). Neste caso, há quem os designe de impedimentos processuais.186 Os efeitos da inobservância de cada pressuposto variam conforme a sua natureza. Por exemplo, a atividade perante órgão sem investidura na função judicante é inexistente; a atividade perante órgão judiciário absolutamente incompetente nem sequer importa, salvo deliberação em contrário, a nulidade dos atos decisórios (art. 64, § 4.º), e jamais de todos, porque o ato que pronuncia a incompetência mostrar-se-á válido e eficaz; a ausência de parte obrigatória torna ineficaz o pronunciamento dado entre as partes presentes ou nula a sentença de mérito (art. 115, I e II).
Por fim, os pressupostos processuais permitem a adequada ordenação do processo, visando à plena obtenção dos seus fins.187 Em outras palavras, funcionam como o indispensável filtro das pretensões inviáveis.188 100. Classificação dos pressupostos processuais Em tema de pressupostos processuais, o princípio fundamental dos planos (existência, validade e eficácia) sugere classificação natural. Os “pressupostos” se dividiriam, então, em elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia da relação processual. Também é possível distinguir pressupostos de constituição (v.g., a jurisdição do órgão judicial) e de desenvolvimento (v.g., a competência do órgão judicial).189 Entretanto, no terreno frágil e volúvel das classificações, galgou enorme prestígio, espraiando-se na literatura ibero-americana,190 outro arranjo. Consideram-se os sujeitos e o objeto da relação processual.191 Também a doutrina nacional a adota.192 Por esse critério, os pressupostos processuais desdobram-se em duas classes básicas: (a) subjetivos; e (b) objetivos. Os pressupostos subjetivos apanham as questões relativas ao órgão judiciário (jurisdição, competência e imparcialidade) e às partes (personalidade judiciária, capacidade processual e capacidade postulatória). Os pressupostos objetivos subdividem-se em duas classes: (a) extrínsecos à relação processual (v.g., o prévio pagamento das despesas do processo anteriormente extinto, requisito de admissibilidade do segundo processo idêntico, a teor do art. 486, § 2.º); e (b) intrínsecos à relação processual (v.g., forma do ato processual). Esses esquemas auxiliam a visualização racional do conjunto dos pressupostos processuais. 101. Controle dos pressupostos processuais Em princípio, os pressupostos processuais subordinam ao controle do juiz ex officio (art. 337, § 5.º, e o art. 485, § 3.º). Dessa regra geral excetua-se a matéria englobada nos assim chamados impedimentos processuais. Essa classe de questões se caracteriza, exatamente, pela impossibilidade de o juiz examiná-los ex officio. Em tal contingência, a parte provocará a manifestação judicial pelo meio admissível. O NCPC concentrou na contestação a alegação da incompetência relativa (art. 337, II) e a convenção de arbitragem (art. 337, X). Legitimam-se as partes (autor(s), réu(s) e os terceiros após a intervenção admitida) a requerer provisão do juiz a respeito dos pressupostos processuais, seja porque passíveis de conhecimento de ofício, caso em que a iniciativa terá caráter supletivo à do juiz, seja porque bilateral o exercício dessa faculdade.193 A iniciativa do réu, nesta matéria, não é difícil de compreender e justificar. Fundamentalmente, na falta de maiores razões para persuadir o juiz a julgar o mérito favoravelmente, ao réu interessa trancar o processo no plano da admissibilidade. Inversamente, o interesse do autor em eliminar os defeitos que comprometem o exame do mérito também surge em várias situações. Por exemplo, interessa-lhe arguir a suspeição do juiz,
porque parente do réu (art. 144, IV). A exceção de impedimento ou de suspeição é bilateral, como se verifica no art. 146, caput. Não há maior dúvida – e o ponto já recebeu destaque entre nós – quanto à precedência do juízo de admissibilidade, composto por esse grupo de questões, relativamente ao juízo de mérito.194 E parece substancialmente correto impedir a solução do mérito em caso de o processo apresentar-se gravemente defeituoso. Por exemplo, o autor A demanda o réu B perante o juízo X, mas o réu alega e prova que a causa já recebera solução desfavorável ao autor A no juízo Y, mediante sentença transitada em julgada. Por óbvio, o exame da identidade da causa pretérita entre A e B há de preceder qualquer palavra sobre a procedência, ou não, do pedido formulado, e havendo essa identidade de modo algum o juízo X pode emitir sentença convergente (a sentença divergente representaria absurdo ainda maior) à primeira, superando o juízo de inadmissibilidade. O vínculo da coisa julgada impede o órgão judicial a emissão de sentença de qualquer teor. É preciso encarar nos devidos termos, portanto, a possibilidade de o órgão judicial abstrair defeitos relativos ao instrumento destinado à solução do defeito (art. 488). A ordem lógica impõe-se antes por razões práticas do que propriamente lógicas, apesar das vozes em contrário.195 101.1. Oportunidade do controle dos pressupostos processuais – No que tange aos pressupostos que o órgão judiciário pode (e deve) conhecer de ofício, o primeiro momento que se oferece ao juiz é ao despachar a petição inicial ou o “requerimento” a que alude o art. 513, § 1.º A lei brasileira adotou o princípio de aproveitar, na medida do possível, as petições defeituosas, assinando o juiz o prazo de quinze dias para correções (art. 321). Nem sempre, porém, o vício comportará emenda. A manifesta ilegitimidade ativa – a passiva pode ser corrigida pela troca de réu – enseja, desde logo, o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo (art. 330, II, c/c art. 485, caput, e I). Em algumas situações, o problema atinente à falta de pressuposto processual surge em momento ulterior do processo. Por exemplo, a substituição da pessoa ocupante do órgão judiciário por outra às vezes provoca o aparecimento de algum motivo de impedimento ou suspeição. Por esse motivo, o art. 146, caput, assegura à parte (a quebra da imparcialidade prejudica, por vezes, o autor) o oferecimento da exceção no prazo de quinze dias a contar do conhecimento do fato. O caráter genérico da regra não pode iludir no caso da incompetência. Não oferecendo o réu, no prazo da contestação (art. 335), verificar-se-á a prorrogação (art. 65, caput). O procedimento comum consagra, no art. 357, um momento formalmente propício para o órgão judiciário sanear o processo. É o célebre “despacho saneador”, legítima tradição do direito lusitano (infra, 1.765),196 cuja generalização a outros ordenamentos é objeto de reivindicação.197 No entanto, inexiste preclusão dos poderes do órgão judiciário.198 O art. 485, § 3.º, explicitamente permite o órgão judiciário fazê-lo “a qualquer tempo”.199 Também o tribunal, haja a parte, ou não, interposto recurso contra a decisão porventura tomada no primeiro grau, ou impugnação específica ao tema na apelação, porque desnecessária, pode realizar o controle, assegurado pela cláusula “em qualquer grau de jurisdição” constante no
dispositivo referido.200 Decidiu, neste sentido, o STJ no direito anterior: “Questão relativa à legitimidade de parte é passível de exame de ofício, não podendo o Tribunal ad quem frutar-se de apreciá-la sob alegação de preclusão”.201 101.2. Ônus da prova no controle dos pressupostos processuais – Conhecível que seja a matéria de ofício, às vezes a ausência do pressuposto processual não é questão unicamente de direito, dependendo da prova dos fatos que preenchem seus elementos de existência. Figure-se o caso da alegação pelo réu da incapacidade relativa do autor. A existência do vício depende da apuração da idade do autor ou do fato que lhe compromete o discernimento. Importa decidir a respeito do ônus da prova, da iniciativa do órgão judicial e das consequências da falta de prova. Em princípio, o ônus da prova compete à parte que alegar o defeito. No entanto, a impossibilidade flagrante da obtenção do documento, ignorando o réu o ofício do registro civil em que se lavrou o assento de nascimento do autor, reclama intervenção judicial. O órgão judiciário deverá fixar o prazo previsto no art. 352, que é de trinta dias, para o autor apresentar a certidão de nascimento. A dificuldade da produção dessa prova alimenta, ademais, as teorias de distribuição dinâmica (infra, 1.340). O art. 370, caput, atribui ao órgão jurisdicional os mais amplos poderes de instrução, completando o disposto no art. 2.º, in fine, segundo o qual o processo se desenvolve sob impulso oficial e ostenta alcance genérico. Nesta contingência, impossível negar ao juiz, já amparado desses poderes quando só à parte cabe alegar o fato (art. 141), iniciativa análoga em área estrita do seu ofício.202 Não se mostra incomum, todavia, a abstenção do órgão judiciário. Em tal hipótese, baldados os esforços da parte na investigação do fato, e omisso o autor perante a determinação do juiz, a dúvida se resolve desfavoravelmente ao autor, cabendo ao juiz “extinguir o feito sem apreciação do mérito”.203
Capítulo 7. PROCEDIMENTO CIVIL SUMÁRIO: § 21.º Organização da atividade processual – 102. Conceito de procedimento – 103. Competência legislativa em matéria de procedimento – 103.1. Conteúdo das normas procedimentais – 103.2. Momentos, fases e modelos procedimentais – 104. Princípios informativos do procedimento – 104.1. Princípios da oralidade e da escritura – 104.2. Princípios da cognição sumária e da plenária – 104.3. Princípio da adequação – 104.4. Princípio da preclusão – § 22.º Procedimento na cognição – 105. Classificação dos procedimentos – 106. Características do procedimento da função de conhecimento – 106.1. Características do procedimento comum – 106.2. Características do procedimento convencional – 106.2.1. Pressupostos do procedimento convencional – 106.2.2. Natureza do procedimento convencional – 106.2.3. Objeto do procedimento convencional – 106.2.4. Momento do procedimento convencional – 106.2.5. Efeitos do procedimento convencional – 107. Características dos procedimentos especiais da função de conhecimento – 108. Caráter subsidiário do procedimento comum – 109. Obrigatoriedade do procedimento – 110. Compatibilidade dos procedimentos – 111. Conversão do procedimento impróprio no próprio – § 23.º
Procedimento na execução – 112. Espécies de execução – 113. Classificação dos procedimentos executivos – § 24.º Procedimento cautelar – 114. Procedimento cautelar comum – 115. Características do procedimento cautelar comum. § 21.º Organização da atividade processual 102. Conceito de procedimento O procedimento representa a forma, a disposição, a ordem e a sucessão dos atos processuais antecipadamente previstas na lei, ou seja, a organização da atividade processual. Esse conjunto encarado da perspectiva exterior forma o processo.1 Conforme o arranjo dessa atividade em certos conjuntos, ou fases, visualiza-se modelos de procedimento, adaptados à função instrumental de cada processo (retro, 2). Uma expressiva imagem compara as duas noções ao sistema decimal: “o procedimento é a dezena; o processo é o número concreto, que pode não alcançar a dezena, ou compreender mais de uma”.2 De outro ponto de vista mais sofisticado, o processo é linguagem, e, por extensão, a própria gramática, enquanto o procedimento é a sintaxe translinguística.3 O procedimento é a “manifestação extrínseca do processo”.4 Em outras palavras, o processo move-se em determinada direção intrinsecamente; o procedimento reflete externamente esse movimento, tornando-o perceptível.5 Do início do processo, marcado pela apresentação da demanda ao órgão judiciário, ao seu inevitável encerramento, retratado na entrega (não somente na apresentação) da prestação jurisdicional ao vitorioso, as atividades procedimentais compõem a realidade sensível aos sentidos. O procedimento comporta inúmeras variantes. Concebe-se a ordenação dos atos processuais, em abstrato, conforme algumas diretrizes, a primeira das quais, e a principal, considerando as peculiaridades do objeto litigioso. Outro fator determinante das modificações rituais reside na função instrumental exigida pela pretensão do autor (cognição, execução ou asseguração).6 Além disso, concretamente a ordenação dos atos repercute eventos da mais diversa índole, como os que implicam a suspensão do processo. A morte de uma das partes, mostrando-se transmissível o objeto litigioso, implica o incidente de substituição, tomando o procedimento essa variante para, superado o obstáculo, fluir segundo o curso inicial. Um conjunto básico de atos forma a estrutura elementar do procedimento. Ele inicia através da demanda do autor. A demanda descansa no princípio dispositivo e marca a formação do processo (infra, 1.490). E encerra-se, haja ou não a inserção de atos intermediários, o principal dos quais é a integração do réu ao processo através da citação, mediante a emissão de provimento do órgão judiciário. Essa estrutura elementar se evidencia no caso de o juiz indeferir a petição inicial (arts. 330 e 331 c/c art. 485, I). Definido o processo como relação jurídica processual, apenas o esqueleto da criatura torna-se visível. Essa estrutura básica encorpa-se por intermédio dos atos seriais, ordenados conforme as necessidades de realizar o direito objetivo. Exprime-se, então, a plenitude da figura completa, mas única.7 A série de atos das partes e do órgão judiciário que conduzem a atividade aos
seus objetivos constitui um só processo. Todavia, esses atos, visualizados abstratamente, não integram a natureza jurídica do processo.8 Em outras palavras, a modificação do procedimento decorre de injunções do próprio objeto litigioso, em razão da função instrumental do processo. A essência do processo há de ser invariável e única, independentemente do procedimento específico, este sim suscetível a adaptações. O procedimento significa a “forma de proceder”.9 O próprio vocábulo, aliás, já significa “modo de proceder”.10 Contemporaneamente, o procedimento é visto como entidade unitária, porque cada ato do itinerário traçado concatena-se para formar o ato final do processo – sentença (art. 316 do NCPC) –, funcionando cada qual como consequência do procedente e condição necessária do seguinte.11 Ora, unitário é o processo; no procedimento, distinguem-se fases, momentos e etapas. As variações rituais decorrem, em primeiro lugar, de opções políticas. Objetiva-se dar solução justa, rápida e econômica às lides. Essa antiga preocupação mereceu a nota que “sempre os senhores Reis foram benignos em ouvir as particulares queixas dos seus vassalos; já concedendo decretos para nessas causas se proceder sumariamente; já prevenindo tempos breves para suas finais expedições, de que há muitos exemplos”.12 Em tempos recentes, os juizados especiais da Justiça Comum (Lei 9.099/1995) têm um rito simplificado, porque o pequeno conteúdo econômico do litígio permite a abstração de algumas etapas e a eliminação de formalidades. Também a predominância da função instrumental (cognição, execução e asseguração ou urgência) deixa sua marca. As variações procedimentais prendem-se, fundamentalmente, às funções do direito material posto em causa. Expressam o princípio da adequação. À medida que os direitos subjetivos, e as suas correspondentes ações, diferem no plano material, os atos do processo precisam amoldar-se à fenomenologia do direito. Do contrário, o processo se desvirtuaria de sua função primária de realizar o direito objetivo e jamais entregaria ao vitorioso o mesmo proveito, utilidade ou valor que este obteria não se servisse do processo. Um exemplo simples ilustra o ponto. A realização da pretensão do mandatário de prestar contas ao mandante (art. 668 do CC), e a do devedor de liberar-se da obrigação mediante o depósito judicial da coisa devida (art. 334 do CC), mostram-se diferentes, no plano substancial Essa dessemelhança repercute nos respectivos procedimentos: o da consignação, por exemplo, inicia com o depósito da prestação. Não é exato, portanto, existir “diferença meramente formal, e não substancial”13 entre o procedimento ordinário, acolhedor das ações atípicas, e os procedimentos especiais. É claro que, em algumas situações, o legislador não se livrou do vezo da tradição, ou cedeu a pendores ideológicos,14 inexistindo motivo concreto e discernível para imprimir tratamento especial à ação. Por exemplo, a pretensão ao reconhecimento do domínio, por usucapião, adscrevia-se a procedimento especial no CPC de 1973, hipoteticamente por sua relevância social, mas sem maiores razões técnicas. Essa pretensão se acomodaria facilmente ao rito ordinário. O NCPC deu cabo da especialização prevendo,
no art. 246, § 3.º, a citação dos litisconsortes passivos necessários e, facilitando a aquisição do domínio, instituiu procedimento administrativo para essa finalidade no art. 216-A da Lei 6.015/1973 (art. 1.071 do NCPC). O rito especial funcionava, no direito anterior, como um modo de destacar, no espírito do órgão judiciário, o interesse tutelado, apartando a causa da vala comum. A desestruturação do procedimento comum decorre de necessidades específicas do mundo contemporâneo. A urgência governa (e enerva) as relações sociais. No plano processual, a aspiração por rapidez corta o âmbito da cognição, generalizando a de caráter sumário, e, principalmente, comprime as fases tradicionais – proposição, instrução e decisão – do rito comum. Essas necessidades implicam a superação do procedimento comum.15 O objetivo geral da especialização consiste na maior efetividade dos direitos materiais. Porém, o NCPC seguiu linha diferente. Diminuiu os procedimentos especiais, através da revalorização do procedimento comum, imprimindo-lhe maior flexibilidade e adaptação às peculiaridades do objeto litigioso. É preciso buscar um ponto de equilíbrio nesse assunto. A formulação da regra jurídica concreta exige esforços concentrados das partes e do órgão judiciário, o que consome tempo, pois não há justiça instantânea. Razões práticas, profundamente enraizadas nos direitos fundamentais outorgados às partes (e, não, somente ao autor), moldaram o rito comum. É simplista divisálo como herança do racionalismo burguês.16 Nem sempre se ostentará possível antecipar o bem da vida ao autor, à semelhança dos procedimentos interditais (v. g., art. 562 do NCPC), ou tal satisfação antecipada parece recomendável. E não se mostrava nítida e concludente a relação entre o antigo procedimento “ordinário” e a morosidade.17 De resto, os direitos fundamentais processuais não podem ser ignorados, dispensados ou rejeitados com o fito de outorgar sempre, e de plano, o bem da vida ao autor. Na realidade, o rito comum, “apesar de sua inevitável complexidade e estendida duração, segue sendo o meio mais adequado para resolver uma massa todavia significativa de controvérsias”.18 A posição de quem toma a iniciativa de instaurar o processo não é necessariamente tão favorável que justifique o sacrifício do direito fundamental à defesa. Às vezes, o direito alegado na petição inicial afigura-se assaz controverso, em tese, existindo precedentes favoráveis e desfavoráveis, além de o postulante não dispor de meios de prová-lo na abertura do processo, apesar de ameaçado por grave risco. Exemplos correntes demonstram o progressivo absenteísmo do órgão judiciário, cedendo às pressões do autor sem razão ou cujas razões exigem maior ponderação e ulteriores reflexões. A demanda em que o particular, alegando risco à vida, pleiteia do Estado prestações positivas, consistente no fornecimento de medicamento experimental ou na realização de cirurgia com técnicas e equipamentos especiais, frequentemente vem à apreciação do órgão judiciário desacompanhada de qualquer prova idônea da necessidade do autor (o Estado só comprometeu-se a prestar assistência aos necessitados), da existência da doença e da adequação da terapia proposta. O órgão judiciário, constrangido pelo risco à vida alegado, na melhor das hipóteses decidirá consoante mera intuição. Em geral, e invariavelmente, concede a antecipação ao autor, lavando as mãos e remetendo o problema prático aos médicos da rede pública.
Essa decisão é potencialmente devastadora para os encarregados de cumpri-la, porque lhes transfere o risco à vida e exige violação da técnica da profissão ou de seus preceitos éticos. E os gastos excessivos com uma única pessoa drenam os escassos recursos destinados a custear despesas com todos os cidadãos. Impende reconhecer que, em alguns casos, ao órgão judiciário apresentam-se escolhas difíceis e sem solução categórica. O corpo médico do hospital da cidade do interior recusa-se a realizar cirurgia, porque faltam meios técnicos, ou pessoal adestrado, mas o paciente não pode ser removido, sem o provável falecimento no percurso, para outro nosocômio. A ordem de que se realize a cirurgia, sem possibilidades de sucesso, ou que se remova o paciente para outro centro cirúrgico, transforma o órgão judiciário no dono da vida alheia. A esses problemas, a técnica processual contemporânea respondeu drasticamente, adotando dois expedientes: (a) a compreensão dos atos do processo; (b) a redução da área cognitiva. Conjuntamente, a aplicação dessas técnicas elimina o imprescindível espaço de tempo durante o qual o juiz atua como juiz, e, não, justiceiro, averiguando se o autor tem ou não razão, se os fatos são verdadeiros. São mecanismos de promoção da injustiça sob as vestes do ativismo judicial. Um processo que reduzisse a defesa do réu, a ponto de ignorar semelhante interlúdio, imprimiria retrocesso de séculos, tributo de desapreço à civilização. É preciso ponderar, a priori, todos os valores envolvidos, predeterminando roteiro que, sem sacrificar a defesa, tampouco fulmine a pretensão do autor tão só em virtude do tempo indispensável para ouvir a parte contrária, refletir e decidir. Por isso, o procedimento há de ser cogente. Tal significa que o roteiro legal mostrar-se-á indisponível pelas partes e inflexível para o juiz, porque representa a mais alta manifestação do direito fundamental ao devido processo (infra, 127). O procedimento flexível expõe às partes ao arbítrio do Estado, e, principalmente, elimina a sua legitimação constitucional.19 Vale, nesse ponto, a oportuna advertência: “Quando, poi, i giudici si sentono investiti del compito di mettere rattoppi a lacune e anomalie del sistema, così sostituendosi al legislatore inerte, se apre la strada per la incertezze nel campo del processo (là dove la certezza costitucisce un bene primario), che è l’anticamara dell’autoriarismo giudiziale” (Quando, pois, os juízes se sentem investidos do dever de remendar as lacunas e anomalias do sistema, substituindo-se ao legislador inerte, abre-se a estrada para a incerteza no campo do processo [lá onde a certeza constitui bem primário], que é a antessala do autoritarismo judicial).20 103. Competência legislativa em matéria de procedimento O direito processual civil brasileiro conquistou anelada uniformidade com a introdução da competência legislativa da União em matéria processual. Podese dizer que, neste momento, iniciou-se a evolução metodológica desse ramo da ciência jurídica. O art. 34, n.º 22, da CF/1891 só outorgava competência para a União legislar sobre o direito processual da Justiça Federal. Embora a União haja se aviado dessa tarefa, em alguns Estados, na Primeira República, surgiram
estatutos locais de processo, quebrando a unidade do sistema processual brasileiro. Foi o art. 5.º, XIX, a, da CF/1934 que generalizou a competência legislativa da União, no assunto, e atendeu essa aspiração. Todavia, o regime da pluralidade só desapareceu, efetivamente, com a promulgação do CPC de 1939. As leis locais, bem como as regras herdadas do Império, subsistiram quase até a metade do século XX. A competência dos Estados-membros para editar as normas processuais aplicáveis à Justiça Comum tem seus defensores mesmo no presente. Fundam-se no argumento que, visando o processo a aplicar o direito material, necessita ser adaptado às condições de cada região de nosso extenso e variado País, “para que atenda à sua finalidade”.21 A crítica não abalou a firme orientação de 1934. A razão política é inequívoca: o federalismo brasileiro nasceu assimétrico e as forças centrípetas sempre logram vantagem (v.g., a instituição do piso nacional para os professores do ensino médio, com base no vencimento, e, não, na remuneração do servidor, declarada constitucional pelo STF,22 infringe a competência legislativa exclusiva dos Estados-membros e dos Municípios de estabelecer a política remuneratória dos seus servidores). O art. 22, I, da CF/1988 atribui à União a competência privativa para legislador sobre direito processual. No tocante aos procedimentos, todavia, o art. 24, XI, da CF/1988, conferiu à União, aos Estados-membros e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre “procedimentos em matéria processual”. Nesta matéria, segundo o § 1.º do art. 24, a competência da União “limitar-se-á a estabelecer normas gerais”. Não é fácil, a esse propósito, traçar linha divisória nítida entre normas processuais e normais procedimentais (retro, 53.3), e, definida a premissa, dar passo adiante e, ainda, identificar normas “gerais”. O espaço legislativo dos Estados-membros e do Distrito Federal, editando normas “particulares”, com o fito de suplementar as normas da União, neste caso o CPC de 1973 e as leis extravagantes, dependerá da dupla distinção. É digno de registro a forma verbal imperativa do art. 24, § 1.º, da CF/1988, restringindo o alcance das leis federais no tocante aos procedimentos. Em princípio, a sequência dos atos na relação processual constitui assunto tipicamente inserido na órbita do procedimento.23 São normas processuais, em sentido estrito, as que versarem a atuação dos sujeitos da relação processual (órgão judiciário e partes); a intervenção de terceiros; os elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia da relação processual; os mecanismos de ataque e de defesa; os meios de impugnação às resoluções processuais; e a eficácia de que se revestirá o provimento final do processo.24 De seu turno, as normas procedimentais regulam a dinâmica do processo (v.g., a ordem de produção das provas em audiência, a teor do art. 361 do NCPC) e dão forma e prazo aos atos processuais (v.g., os requisitos da inicial, conforme o art. 319 do NCPC, e o prazo para resposta do réu, consoante o art. 335 do NCPC).25 Recordam-se alguns assuntos, nessa seara, em que o legislador local poderia contribuir, a exemplo do cumprimento pelo oficial de justiça de mandados via palm top.26 Nada obstante, os ritos instituídos no NCPC, quanto aos processos da Parte Especial, revelam inequívoca vocação à universalidade e à totalidade.
Nada deixam em aberto à competência dos Estados-membros e do Distrito Federal. Os ritos contemplam todos os pormenores concebíveis. Não é diferente a disciplina dos atos processuais em particular. E não se cuida do exercício da competência plena, prevista no art. 24, § 2.º, da CF/1988, inexistindo lei federal a respeito, e, sim, de generalidade tão extensa e profunda das normas federais que pré-exclui, peremptoriamente, a intervenção legislativa local, salvo quando autorizada por delegação. Existe uma explicação para os pendores do legislador federal, que não se limita, aqui como alhures, a criar normas gerais. O princípio federativo, na República brasileira, jamais se livrou da força centrípeta da União. A Federação brasileira surgiu de forma imprópria, por intermédio do fracionamento de um Estado unitário, e, não, mediante a reunião livre de Estados autônomos, ou de forma própria e conforme os exemplos históricos de federação.27 A distribuição da competência legislativa, em matéria tributária ou não, nunca primou pelo caráter equânime, nem o direito local merece acatamento. Os tribunais superiores federais ignoram as normas locais, nenhum respeito lhes concedendo, inclusive nos assuntos de competência exclusiva do Estado-membro. Um exemplo claro é o desrespeito à autonomia dos Estados-membros da disciplina da relação jurídica com seus servidores. Teoricamente, assunto da sua plena e exclusiva competência legislativa; na prática, a independência lhes é negada pelo espírito centralizador da Federação, representado pelos tribunais superiores federais. A aplicação da Súmula do STJ 266, indistintamente, à investidura de qualquer servidor público (federal, estadual, distrital ou municipal), bem demonstra esse menoscabo. A possibilidade de exigir, ou não, diploma registrado no ato de inscrição no concurso público ou é tema constitucional, e escapa à competência do STJ, ou não pode ser generalizada a desnecessidade desse requisito, porque as leis estaduais municipais e a distrital podem, legitimamente, dispor em sentido contrário. O STJ só pode uniformizar a aplicação do direito federal, e, não, do local, e, muito menos, sobrepor a norma federal à local na esfera de competência desta. Encontra-se tão inculcada a mentalidade centralista que os advogados resistiriam, na sua maioria, ao eventual predomínio das normas locais. A advocacia se tornou atividade eminentemente nacional, promovida por grandes escritórios em todo o território brasileiro, para clientes com negócios em todos os Estados-membros. Esses segmentos – partes e procuradores – não encarariam a legislação local com simpatia, em razão das óbvias dificuldades em conhecer seu conteúdo, definir seu alcance e – principalmente – aplicar normas heterogêneas e, conforme o Estado-membro, contraditórias. Enfim, por este ou qualquer outro motivo, a competência suplementar dos Estados e do Distrito Federal, a respeito de “procedimentos em matéria procedimental”, acabou usurpada pela União. Esse fenômeno equivale à “materialização” das regras de processo, na vigência da CF/1891, que caberiam aos Estados-membros,28aproveitando-se a União, também naquele tempo, da competência legislativa que lhe é própria para invadir a seara alheia.
103.1. Conteúdo das normas procedimentais – Esses dados permitem identificar o conteúdo das normas procedimentais. Em primeiro lugar, a lei contempla os atos básicos ou o conjunto mínimo de atos idôneos a constituir procedimento constitucionalmente legítimo, ou seja, procedimento acomodado aos direitos fundamentais processuais. A estrutura elementar do procedimento exige, ao menos, dois atos: de um lado, a demanda do autor, que forma o processo, em decorrência da vigência quase universal do princípio dispositivo (infra, 1.490); de outro, provimento do juiz, chamado de sentença, que põe termo à relação processual. A integração do réu ao processo, por intermédio de uma das modalidades de citação, não se afigura indispensável. Essa estrutura elementar se verifica na hipótese de a demanda não ultrapassar o juízo de admissibilidade, indeferindo o juiz a petição inicial (art. 330 do NCPC). Fora dessa hipótese, há a previsão de atos intermediários, conforme a função instrumental do processo. Às vezes, o autor pretende formular a regra jurídica concreta (função de conhecimento), e, para essa finalidade, necessita realizar prova das suas razões de fato, e o procedimento prevê a designação de audiência de instrução e julgamento; outras vezes, almeja realizar essa regra jurídica concreta no mundo real (função de execução), e a lei indica os atos constritivos indispensáveis para alcançar esse objetivo, ou pretende assegurar o objeto litigioso contra o receio de perecimento (função cautelar), caso em que, conforme a natureza do risco, as medidas tendentes à segurança encontram-se enumeradas no art. 301 do NCPC. À construção doutrinária, basicamente, cumprirá definir a natureza do arresto, do sequestro, do arrolamento de bens, e assim por diante, recorrente aos subsídios do direito anterior As normas de procedimento indicam, relativamente a cada ato processual, a respectiva forma – como, onde e quando o ato indispensável é realizado pelas partes ou pelo juiz.29 A inobservância da forma vicia o ato processual e, conforme não alcance ele a sua finalidade ou provoque prejuízo, cumpre ao juiz decretar-lhe a invalidade. As normas procedimentais traçam, ainda, o itinerário a ser percorrido pelas partes e pelo juiz até a entrega efetiva da prestação jurisdicional. Em geral, esse percurso compreende três fases, por sua vez composta de um conjunto variável de atos: a fase postulatória, a instrutória e a decisória. A rigidez ou a flexibilidade essas fases constitui aspecto do maior relevo para assegurar a legitimidade constitucional do processo. E, por fim, as normas procedimentais determinam espécies de procedimento, consoante as injunções da estrutura e função da ação material, ou seja, da pretensão processual ou objeto litigioso. Essas espécies procedimentais, derivadas da combinação de atos, predeterminam o procedimento adequado para cada pretensão processual. 103.2. Momentos, fases e modelos procedimentais – Para atingir os fins próprios do processo, a lei processual utiliza unidades de movimento, ou ciclo evolutivo que se desenvolve de um princípio a um fim predeterminado, que se designa de momento do procedimento. Por exemplo, há o momento da formação do processo, que se caracteriza pela entrega da petição inicial no ofício judicial competente segundo a escolha (certa ou não) do autor. Em geral, a esse momento segue-se o do juízo de admissibilidade positivo
(deferimento da inicial) e o da integração do réu ao processo (citação). Um grupo de momentos do procedimento constitui uma fase do processo.30 A esse propósito, não é difícil discernir no procedimento comum três fases distintas: (a) a fase da propositura, abrangendo também o controle da admissibilidade da petição inicial, nas variáveis do indeferimento da petição inicial e do julgamento prévio do mérito, e da resposta do réu; (b) a fase da instrução, destinada a apurar a veracidade (relativa ou formal) das afirmações das partes quanto aos fatos controversos; e (c) a fase da decisão, na qual o juiz apresenta e, eventualmente, entrega a prestação jurisdicional, inexistindo recurso do vencido. Não é muito diversa a estrutura procedimental da expropriação, técnica concebida para satisfazer prestações pecuniárias a cargo do vencido. Ela se compartimenta também em três fases – a inicial, a culminante e a final –,31 que correspondem, conforme síntese inspirada, aos atos de penhora, de alienação e de pagamento.32 Emprega-se também a nomenclatura proposição, instrução e entrega do produto a essas fases.33 O conjunto de fases a ser observado e praticado no processo forma o modelo procedimental adequado à pretensão. Ele é objeto de normas gerais e abstratas, a serem aplicadas pelo juiz, a fim de que nenhum ato fundamental seja preterido e os atos se sucedam na ordem prevista e previsível, sob pena de nulidade. O processo somente se torna constitucionalmente legítimo e justo (faires Verfahren ou due process of law) observando, estritamente, o itinerário legal ou o modelo de procedimento para o caso concreto. Eventuais desvios do modelo importarão grave transgressão aos direitos fundamentais processuais.34 104. Princípios informativos do procedimento A adequação do procedimento ao objeto litigioso observará, em grau variável, duas grandes diretrizes, cada qual limitada por seu oposto. Elas presidem a distribuição e a sequência dos atos processuais. São elas: (a) o princípio da oralidade e o da escritura; (b) o princípio da cognição plena e o da cognição sumária. Esses princípios não constituem dogmas, nem axiomas, mas “o resultado de uma experiência acumulada ao longo dos anos com os diferentes modelos processuais, com a sua aplicação e com a sua finalidade”.35 Outros princípios, mas do processo, também influenciam a seriação dos atos processuais. O contraditório predetermina a audiência da parte contrária na produção da prova documental, como se deduz do art. 434 do NCPC. É difícil estabelecer uma divisa nítida e rígida entre os princípios do processo e os do procedimento. Já se observou o fenômeno na diferença entre normas processuais e normas procedimentais. Em tema de princípios, não se pode, por exemplo, declarar obrigatórios aqueles, e flexíveis estes, pois o contraditório comporta atenuação na execução, e, assim, uns e outros sofrem temperamentos. Os dois princípios iniciais do procedimento baseiam-se em razões históricas, mas também fitam a prática: oralidade e cognição sumária, contrapostas à escritura e à cognição plenária, apresentam-se como realmente fundamentais à ordem dos atos processuais. Não integram, pois, os princípios do processo (ou direitos fundamentais processuais).36 A esses dois, acrescentam-se a adequação e a preclusão.
104.1. Princípios da oralidade e da escritura – O princípio da oralidade plasmou-se como instrumento de reação contra os defeitos do processo comum ou romano-canônico. Transformou-se no símbolo máximo do movimento de reformas radicais do processo civil. A introdução da oralidade no processo essencialmente escrito constitui, no alvitre dos cultivadores do princípio, o principal problema técnico a ser resolvido para imprimir celeridade e eficiência aos procedimentos.37 Em síntese larga, no processo comum (solennis ordo judiciorum) imperavam as seguintes características: (a) predominância do elemento escrito (quod non est in actis non est in mundo); (b) falta de contato imediato do juiz com os figurantes do processo (partes, advogados, testemunhas, peritos) e com o objeto da prova; (c) ausência de publicidade – a prova testemunhal era produzida previamente (enquête) e sob sigilo;38 (d) ausência de direção do juiz sobre o processo, posto sob iniciativa exclusiva das partes, postergando o desfecho da causa; (e) ampla recorribilidade de todos os atos do juiz; (f) regras estritas de avaliação da prova (sistema da prova legal), a exemplo da que estabelecia não bastar como prova o depoimento de uma só testemunha (testis unus, testis nullus).39 Em nítida reação contra esse estado de coisas, introduzindo procedimento em evidente contradição aos princípios então vigorantes,40 a decretal de 1306 do Papa Clemente V, que passou à história como Clementina Saepe,41 promoveu significativas mudanças. Não é o caso de acompanhar a evolução desses pontos de estrangulamento, historicamente sujeitos a idas e vindas, muitos já superados (v.g., o sistema de apreciação da prova), outros vencidos e, atualmente, desafiados pela eletrônica (v.g., a publicidade). Impende os meios de reação contra essas vicissitudes. As codificações do século XX e suas reformas cunharam as bases do que hoje se conhece imprecisamente como oralidade. Em última análise, deixando de lado os entusiasmos injustificados – segundo a qual a oralidade representaria a técnica mais natural, simples e menos dispendiosa de resolver a lide –,42 e fitando-o com o desejável olhar crítico, a oralidade representou movimento definitivamente – no sentido próprio da palavra – reacionário. O combate sem tréguas aos males reais e hipotéticos do processo comum sob a bandeira da oralidade, em contraste à escrita, na verdade pugna retorno a algum ponto no passado. A meta subentendida na oralidade consiste em retornar a certo estágio primitivo e ideal do processo em que tudo se passava perante a comunidade reunida e obsequiosa à autoridade; enfim, a momento anterior à criação e ao desenvolvimento popular da escrita. Ora, o processo tramitava verbalmente, naquela altura, porque faltavam meios de documentação baratos e seguros. E só a escrita assegura a publicidade, mediante consulta aos autos físicos ou eletrônicos (infra, 1.100) – o processo inteiramente eletrônico, que só permite acesso às pessoas cadastradas no sistema, constitui imenso risco aos direitos fundamentais processuais e esta conquista civilizatória. O art. 194 do NCPC exige dos sistemas de automação processual o respeito à publicidade. Tal só ocorrerá se qualquer pessoa seja habilitada a consultar os autos eletrônicos não resguardados pelo segredo de justiça (art. 189 do NCPC). Volvendo ao ponto, e sem maiores rebuços, o procedimento puramente oral é objeto da arqueologia jurídica.43 Não é acaso que célebre e exótico Tribunal de Águas
de Valência (Espanha), funda-se em características irreproduzíveis fora da sua região.44 Entende-se por oralidade o contato das partes e dos seus advogados com o juiz, precedendo à resolução da causa uma audiência, e só o material apresentado nesta audiência pode ser aproveitado nesta decisão.45 A diferença entre a oralidade e o princípio da escritura recebeu a seguinte explicação: “um sistema processual, em sua totalidade, se caracteriza como partidário deste ou daquele princípio, consoante o material da causa, ou seja, as alegações, as provas e os debates, sejam objeto de julgamento somente se alegam oralmente, no primeiro caso, ou por escrito, no outro”.46 A oralidade empolgou a doutrina brasileira à época do CPC de 1939.47 Repeliu-se a visão crítica,48 retrospectivamente justificada, como representativa dos maus costumes forenses. Eventuais dificuldades resolverse-iam por mais oralidade.49 O rito “ordinário” edificado nesse primeiro estatuto unitário buscou implantar a oralidade, mas sem sucesso, conforme diagnóstico constrangedor: “Nossos atos postulatórios são escritos; sua apresentação em juízo e a produção da prova documental, tantas vezes única a existir, não se fazem em audiência; nossas discussões orais são renunciáveis; nossas sentenças, salvo a publicação, independem de audiência”.50 Fórmula flexível, em que os ingredientes se combinam de forma assimétrica, a oralidade jamais se impôs no estado ideal ou puro. A oralidade compreenderia: (a) prevalência da palavra como meio de expressar os atos processuais, sem embargo do uso de meios escritos de preparação e de documentação, de forma resumida ou sintética;51 (b) contato das partes e dos advogados com o juiz, cuja importância gerou princípio autônomo, o da imediação (infra, 1.357); (c) coleta da prova, contato com as partes e resolução da causa pela mesma pessoa investida no órgão judiciário, entre nós eliminado, na prática, consoante a interpretação prevalecente no direito anterior, e finalmente abandonado no NCPC; (d) concentração dos atos processuais relevantes (instrução, debate e julgamento) numa única audiência, ou em poucas audiências contíguas (art. 365, parágrafo único, do NCPC), e até mesmo a concentração de toda a atividade processual na audiência;52 (e) irrecorribilidade das interlocutórias em separado.53 A oralidade preparada por escrito integra o modelo europeu de processo.54 Essas características preponderavam no antigo procedimento sumário do CPC de 1973, mas de modo atenuado. No procedimento “ordinário” do CPC de 1973, que era o rito modelo e geral, aplicando-se subsidiariamente ao sumário e aos procedimentos especiais, só a generosa condescendência do observador localizará algum traço palpável da oralidade na tramitação normal dos feitos – a par, naturalmente, das declarações formais em contrário. O contato do juiz com as partes, seus advogados e a prova somente acontece no caso de necessidade de prova oral, evitada a todo transe na prática. Fora daí, o processo inicia por escrito, o procedimento transcorre mediante diálogo das partes com o órgão judiciário por escrito, e as partes e seus advogados jamais avistam o juiz, geralmente trancado em seu gabinete. Obstáculos físicos tornam esse espaço recanto inacessível aos profanos (incluindo advogados).
Nos casos em que não haja precipitação do julgamento, nos termos flexíveis do art. 355, II, do NCPC no direito anterior os sujeitos do processo acordavam, tacitamente, em evitar a dispendiosa e, a mais das vezes, inútil audiência preliminar, presumível desfecho do art. 357, § 3.º, do NCPC e, havendo convergência de vontade das partes, da audiência de conciliação e de mediação (art. 334 do NCPC). E também concordam em evitar, exceto em casos indispensáveis, a própria audiência de instrução – não é raro as partes requererem o julgamento sem a audiência, a despeito dos fatos controversos, passíveis de prova oral. É tão intensa a ojeriza a esse contato que, forrandose da possibilidade de as partes requerem esclarecimentos do perito e dos assistentes em audiência, o juiz não só lhes possibilita responder por escrito – prática chancelada, oportunamente, no art. 477, § 2.º do NCPC –, mas a própria perícia pode ser dispensada nos casos de as partes subsidiarem as respectivas alegações de fato com pareceres obtidos privadamente (art. 472 do NCPC). Além disso, pessoa que ocupa o órgão judiciário muda com frequência e apenas acidentalmente quem presidiu a coleta da prova julgará a causa. Assim, o contato pessoal do(a) magistrado(a) com partes e advogados perde muito da sua utilidade. As impressões porventura colhidas são intransferíveis para o(a) sucessor(a) no órgão. O art. 1.015 do NCPC reduziu a impugnação das decisões interlocutórias, especialmente na atividade de instrução, retornando à sistemática do CPC de 1973. A falta de controle sobre as pautas do órgão judiciário impõe audiências, quando realizadas, excessivamente distanciadas uma da outra. A designação da continuação em “data mais próxima possível, em pauta preferencial” (art. 365, parágrafo único, do NCPC) constitui simples quimera, dependendo da boa organização da pessoa ocupante do juízo.55 Não é por outra razão, afinal, que o antigo procedimento sumário sofria restrições, senão o mais completo repúdio em algumas regiões do País (v.g., no Rio Grande do Sul). O procedimento do segundo grau é todo escrito, passando-se longe dos olhos das partes. Eventualmente, os advogados comparecem na sessão de julgamento e pedem a palavra para sustentar oralmente. Um número pequeno de feitos merece tão alta consideração, embora cabível o debate oral. Se todos os advogados sustentassem, as sessões seriam intermináveis, haja vista a quantidade de feitos em julgamento. A própria frequência no prédio do tribunal é expressivamente menor que a do prédio onde abrigam-se os órgãos de primeiro grau. Essa tendência acentuar-se-á com a introdução do processo eletrônico. O princípio da imediação ou desaparecerá – cenário mais provável – ou sofrerá mudança radical. O uso do ambiente virtual nas audiências (tecnologia já praticável e mencionada no art. 194 do NCPC) distanciará o juiz das partes e dos seus advogados. Não é esta a opinião de muitos, visualizando no processo integralmente eletrônico possibilidades enormes de resgatar a oralidade.56 Os escassos frutos até agora colhidos com os sistemas presididos com a oralidade, apesar dos louvores, não depõem a seu favor ou recomendam sua
defesa como o meio de reduzir o custo ou a duração do processo.57 Um processo obrigatoriamente presidido pela oralidade implicaria aumento considerável na duração do processo. Realmente, a realidade demonstra que os ingredientes da oralidade, posto que idealizados, ao invés de abreviarem a tramitação dos feitos, representam obstáculos que emperram o processo, encarecendo-o e desagradando aos advogados. O ideal contemporâneo é o processo em que as intervenções dos sujeitos da relação processual ocorram de forma escrita, de preferência no mundo virtual, sem deslocamentos físicos É muito custoso advogados, partes e testemunhas se deslocarem até a sede do juízo para realizar a audiência (art. 217 do NCPC). O desaparecimento da oralidade, e do seu derivado da imediação, aparentemente não comprometem a resolução da causa, ou o processo equânime e equilibrado, justamente porque tais princípios não constituem fins em si mesmos, mas meios para se obter esses resultados.58 104.2. Princípios da cognição sumária e da plenária – A reação aos defeitos do solennis ordo judiciorum (retro, 104.1) expressou-se, ainda, por outra e marcante via. O modelo do procedimento comum do processo com função predominante de conhecimento pressupõe a reprodução da lide, efetiva ou virtual, por iniciativa do autor (art. 312, primeira parte, do NCPC), de modo ilimitado. É o autor, secundado marginalmente pelo réu, que fornecerá o material de trabalho do órgão judiciário. A despeito de o processo se desenvolver sob impulso oficial (art. 2.º do NCPC), e sob a direção formal e material do órgão judiciário, dotado de amplos poderes de instrução (art. 370 do NCPC), a configuração do objeto litigioso, bem como os limites do futuro julgamento, subordinam-se à iniciativa exclusiva das partes no que tange às alegações de fato.59 A contribuição do réu alarga, por vezes, o material de fato. Além de impugnar precisamente o fato constitutivo do pedido (art. 319, III, c/c art. 341, caput, do NCPC), que é o conteúdo mínimo da contestação eficiente, a lei autoriza-lhe, também, a alegação de fatos impeditivos, extintivos ou modificativos, numa única e idêntica oportunidade – princípio da eventualidade (art. 336 do NCPC) –, ampliando o objeto litigioso (infra, 313.2.2). É bem de ver que, reconhecida que seja a liberdade de o juiz qualificar os fatos (infra, 1.301.1.1) e selecionar a norma porventura aplicável (infra, 1.301.1.2), segundo a máxima iura novit curia, as alegações de fato que competem às partes e, a fortiori, a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, IV, do NCPC) restringem a atividade judicial, impondo limites naturais a uma e outra atividade. Esse esquema constitui o arquétipo do processo com função declarativa.60 Ele absorveu outras técnicas.61 E a solução conferida pelo juiz à lide adquirirá caráter definitivo, rejeitadas controvérsias futuras, em virtude da proibição do bis in idem. Em processos dessa índole, a cognição é plenária. “Diz-se ordinária, ou seja, plena e completa, a cognição do juiz quando tem por objeto o exame a fundo de todas as razões das partes, quer dizer, de todas as condições para a existência do direito e da ação e de todas as exceções do réu”.62 A contrapartida à liberdade de as partes reproduzirem a lide totalmente, e ao
órgão judiciário de julgá-la amplamente, recai sobre o voto a futuras discussões a respeito do mesmo objeto. No entanto, há outros processos em que a lei reduz a cognição do órgão judiciário, visando à celeridade, e neles a cognição “ou não é exaustiva ou é parcial”,63 e, conseguintemente, também a resolução da causa restringir-se-á no mesmo grau.64 É a chamada cognição sumária. A restrição à atividade cognitiva que caracteriza a cognição sumária opera de dois modos concorrentes: ou a lei impede a inserção no processo de algumas questões da lide, encurtando-o em extensão e, portanto, tornando-o parcial; ou limita-o à superficialidade de uma ou mais questões, diminuindo-o na profundidade. Exemplo clássico da primeira hipótese, porque despreza o negócio jurídico subjacente, desponta na ação cambiária; as liminares possessórias (art. 557 do NCPC) servem de paradigma à última espécie.65 A técnica da limitação da área de cognição para obter rapidez na solução do litígio afigura-se bem antiga.66 A decretal do Papa Clemente V, dita Clementina Saepe, adotou providências tendentes a simplificar o solennis ordo judiciorum do processo comum, mas não visou propriamente a reduzir a cognição. Essa ideia recebeu pertinente crítica e, hoje, encontra-se superada.67 Desapareceu o processo sumário na época das grandes codificações, graças à tendência de tratamento uniforme de quaisquer direitos, manifestação da ojeriza ideológica à ação do direito material.68 Cumpre distinguir dois procedimentos diferentes: (a) o rito plenário rápido, que se distingue do ordinário tão só através da sequência de atos, que é reduzida, mas a cognição é ilimitada; (b) o rito sumário, que se distingue do ordinário pelo conteúdo da cognição, reduzida por cortes horizontais ou verticais.69 A cognição sumária disseminou-se no mundo contemporâneo, porque se harmoniza com suas aspirações ideais (celeridade) e seus defeitos reais (superficialidade). O exemplo mais expressivo da importância da cognição sumária e da sua indispensabilidade ao comércio jurídico despontou no processo cautelar. Em tais domínios, tutela-se a aparência, e, portanto, a investigação acerca do alegado direito do autor cessa no plano da verossimilhança, jamais descendo às profundezas da existência.70 Deu-se o expressivo nome de enjuiciamiento prima facie aos processos em que a cognição é sumária, definindo-os como os que, “por imprescindível necessidade de rapidez na obtenção de um pronunciamento, a lei obriga o juiz a julgar por suas primeiras impressões, ainda que restringindo seu campo de decisão habitual”.71 As limitações à cognição do órgão judiciário podem ser encaradas por vários critérios. Elas se realizam, em princípio, por intermédio de dois planos. O plano horizontal, que é o da extensão, tem como referência a quantidade de questões que podem ser debatidas pelas partes e resolvidas pelo juiz: admitidas todas as questões, a cognição revela-se (a) ampla (ilimitada); ocorrendo amputação de uma ou mais questões, (b) parcial (ou limitada). O plano vertical, que é o da profundidade, exibe como referência a extensão admissível à cognição do juiz: limitada à superfície de qualquer questão, é (a) sumária; descendo às profundezas da questão, diz-se (b) “exauriente” (sic).
Esses critérios combinam-se entre si, mas só um dos cortes recebe o título de sumário.72 É preferível, a bem da clareza, reputar sumário todo processo em que há, por qualquer motivo, restrições à atividade cognitiva do órgão judiciário. Não importa, pois, seja o corte horizontal, limitando as questões dedutíveis, seja o corte vertical, regulando a profundidade do conhecimento a níveis diferentes da exaustão.73 As diferenças nos ritos nem sempre refletem o caráter sumário da cognição. Por exemplo, o antigo procedimento sumário e o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais – neste caso, salvo alguma ação particular –,74 qualificam-se como plenários rápidos, porque preservam intacta a cognição do juiz.75 O fator aliciante da cognição sumária reside no fato que atende à função instrumental do processo, encurtando a distância entre o procedimento e o objeto do processo.76 A necessidade da diferenciação dos procedimentos, ou da tutela “diferenciada”, que abrange outras técnicas,77 minimiza a prevalência do rito comum, levando-o à superação.78 Porém, uma boa dose de prudência parece aconselhável. Não se olvide a aspiração geral por segurança (pessoal e jurídica) – outra das características contraditórias da sociedade pós-moderna. A conformação especial do objeto litigioso não desqualifica, definitivamente, o rito comum, diminuindo-lhe as qualidades, a ponto de sempre tornar-se desvantajoso às partes. O caráter “definitivo” da resolução nele tomada atende o princípio da segurança.79 Em outras palavras, a cognição sumária, como toda técnica para solucionar litígio, opera em âmbito definido de atuação e exibe nítidos limites de eficiência. Não prescinde do processo tradicional e da eficácia de coisa julgada. Evidencia-se, por outro lado, não constituir a segurança ideal exclusivo da classe dominante.80 Ela expressa, sobretudo, uma legítima aspiração universal. Assim, superado o sabor da novidade, e representando a atividade jurisdicional, aos olhos da pessoa, nada obstante poder estatal, o frágil diafragma que o protege do próprio Estado, as soluções lestas conviverão com as garantias do processo tradicional, geralmente condicionadas à existência do procedimento ordinário. Não há razão bastante para decretar a “falência do processo comum de cognição plena e exauriente, pois é este o modelo que possibilita a solução dos conflitos de interesse da maneira mais segura”.81 104.3. Princípio da adequação – Os procedimentos predeterminados na lei processual buscam adequação ao objeto litigioso.82 Como acontece no âmbito das medidas de urgência,83 em que o juiz é convidado a equacionar a permanente tensão entre os direitos fundamentais processuais da eficiência e da segurança, a relação entre o procedimento e o objeto litigioso exige congruência e proporcionalidade. É preciso o rito responder ao caráter específico do objeto litigioso (congruência) sem sacrifícios maiores para ambas as partes (proporcionalidade). A pretensão a consignar em pagamento ilustra o alcance desse princípio. Tal como regulada na lei civil, semelhante pretensão exige a oferta da
prestação pelo devedor ao credor, e a lei processual contempla esse ato no art. 542, II, do NCPC. Como já se assinalou, “a existência de regras especiais para determinados procedimentos, em função da relação substancial submetida à apreciação do órgão judicial, revela exatamente a necessidade de adequação do processo ao direito material”.84 Essa adequação não significa deixar a lei ao alvedrio das partes, e, principalmente, do órgão judiciário a escolha ou conformação do procedimento aos interesses em jogo.85 É concebível, sob certas condições, as partes elegerem determinado procedimento, com autorização do juiz, como ocorre no moderno processo civil inglês, ou estipular o tempo dos atos. O NCPC incorporou as duas inovações nos arts. 190 e 191. Porém, escolhida uma via (track) não se admitirá o rompimento com o modelo legal. A adstrição do procedimento ao modelo legalmente predeterminado fundase na necessidade de respeitar o direito fundamental ao devido processo (infra, 127). O processo constitucionalmente justo e equilibrado implica a observância do conjunto dos direitos fundamentais processuais e o roteiro prévio, a priori previsível, constitui garantia mínima de segurança às partes contra os arroubos do órgão judiciário. Rejeita-se aqui, peremptoriamente, a adaptação do procedimento ope judicis, em especial na consideração da importância da causa,86 fora das hipóteses legalmente previstas. Tal só beneficiará o autor descuidado, em nome de simples hipótese de trabalho – a pretensão deduzida –, e tributa subserviência, outra vez, ao modelo autoritário de processo. Convém recordar: a CF/1988 e, em seguida, o CC de 2002 situou a pessoa na cúspide do direito objetivo e, agora, é a vez do processo civil inclinar-se pelo domínio das partes em detrimento da autoridade do Estado, representada pelo órgão judicial. A ideologia que, negando legitimidade democrática à legislação, enaltece a jurisdição, olvida dado elementar: a investidura do órgão judiciário jamais se equiparará à dos parlamentares, eleitos pelo voto popular. 104.4. Princípio da preclusão – O processo civil começa por iniciativa do autor. E se desenvolve, mediante o impulso do juiz ou das partes, na consecução dos fins próprios, consoante determinado roteiro ou modelo procedimental. O avanço do processo, no curso programado, progressivamente cria limites à atuação dos diversos sujeitos, com o fito de alcançar o respectivo escopo. As barreiras criadas pré-excluem retrocessos e variantes rituais. A paulatina superação dos momentos e das fases inerentes ao procedimento, através da extinção de faculdades e poderes, revela-se fundamental para assegurar o movimento permanente do processo. Trata-se, pois, de consumar atos e fases processuais, em razão da inatividade – por exemplo, a inércia total do réu torna, de ordinário, incontroversos os fatos afirmados pelo autor – ou da própria atividade feita ou mal feita. Esse fenômeno possibilita o impulso ex officio do processo.87 Recebeu o nome de preclusão.88 Os arts. 63, § 4.º; 104, caput; 209, § 2.º; 278, caput e parágrafo único; 293; 507; e 1.009, § 1.º, empregam o vocábulo neste sentido. Examinar-se-á o fenômeno da preclusão mais amplamente na oportunidade própria (infra, 1.143). Nessa ocasião, interessa sublinhar que a
disciplina da preclusão em determinado ordenamento processual define a rigidez ou a flexibilidade do procedimento. Entre nós, a distribuição dos atos processuais no itinerário do processo segue o modelo do procedimento rígido. Em outras palavras, a distribuição do conjunto de atos em fases determinados, sem prejuízo das combinações legalmente previstas – por exemplo, no procedimento monitório, consoante se depreende do art. 701 do NCPC, aglutinam-se as fases de propositura e decisão, passando-se, incontinenti, à fase executiva, mediadas pela reação do réu por intermédio dos embargos do art. 702 do NCPC –, a preclusão impede que, consumada certa fase, a ela se retroceda conforme o comportamento subsequente das partes. A partir de certo momento, a demanda estabiliza-se, só comportando modificação, ampliação ou restrição dos elementos objetivos – causa de pedir e pedido – após a decisão de saneamento, mediante a vontade convergente das partes e respeitado o contraditório (art. 329, II, do NCPC), sendo irrelevante a indisposição do juiz com o aumento da carga de trabalho no feito. Um procedimento excessivamente rígido, por vezes, tornará inalcançável a justiça do caso concreto. Por outro lado, o procedimento inteiramente flexível expõe as partes ou, ao menos, uma delas, principalmente o réu, ao arbítrio ilimitado do juiz. O problema toma vulto, na última hipótese, considerando que, na prática, não é o juiz, mas o respectivo assessor, que examina os autos e despacha o processo. É uma temeridade, na conjuntura atual do processo civil brasileiro, adotar o procedimento flexível. O juiz encontra-se, em tese, preparado para escolher e adotar variantes procedimentais que melhor satisfaçam os anseios de justiça, haja ou não previsão legal para o caminho traçado, ponderando os direitos fundamentais processuais. Esses predicados raramente concorrem na pessoa do assessor, cuja habilitação, no primeiro grau, em poucos casos chega ao título de bacharel em direito. A experiência do direito comparado revela que os poderes de direção material do processo legitimam-se através da rigidez do procedimento. O direito fundamental do devido processo legal (infra, 127), torna obrigatório, de toda sorte, o procedimento previsto na lei processual ou decorrente da disposição das partes (art. 190 do NCPC), e, conseguintemente, delimita a flexibilidade do rito, sem embargo de algumas manifestações toleráveis nessa área. § 22.º Procedimento na cognição 105. Classificação dos procedimentos A arquitetura legislativa originária do CPC de 1973 regulou as funções instrumentais da jurisdição (retro, 2) em três estruturas autônomas e diferentes: os processos de conhecimento (Livro I), o de execução (Livro II) e o cautelar (Livro III). Esse arranjo, àquela altura, exibia auréola progressista, porque conferiu destaque à tutela cautelar, elevando-a a tertium genus das funções jurisdicionais.89 Ele jamais se mostrou satisfatória, todavia: determinada
função até pode predominar, num caso e noutro, mas as demais também se conjugam em todo processo. Por exemplo, no processo em que o autor deduziu pretensão à segurança há cognição, embora sumária, e execução (no sentido de deslocamento forçado de bens), entendendo o órgão judiciário conveniente medida de constrição no patrimônio do réu (v.g., arresto). Declara o art. 318, caput, do NCPC aplicar-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário, e o art. 1.049 do NCPC complementa a vocação universalista deste procedimento, ao estipular que, remetendo a lei a procedimento sem especificá-lo, o rito próprio é o comum. E, ainda, o art. 318, parágrafo único, do NCPC, manda aplicar o procedimento comum, subsidiariamente, aos procedimentos especiais e ao processo de execução (Livro II da Parte Especial). Este parágrafo incorreu, salvo engano, no defeito verberado no art. 270 do CPC de 1973, porque os procedimentos espécies não constituem um gênero ao lado do processo de execução.90 Em seguida, o art. 271 do CPC/1973 elucida que o procedimento comum – ordinário ou, mediante infeliz e ambígua inovação terminológica, “sumário” (arts. 275 a 281 do CPC/1973) segundo o art. 272, caput, do CPC/1973 – aplica-se a todas as causas, salvo determinação em contrário do CPC ou de lei especial. No entanto, também aqui há impropriedade. O Livro I do CPC não regulamenta de modo exaustivo senão o rito ordinário. Por esse motivo, as regras do rito ordinário aplicam-se, subsidiariamente, tanto ao procedimento sumário, quanto aos procedimentos especiais (art. 272, parágrafo único, do CPC/1973). Logo, o procedimento comum, modelo ou padrão é, na verdade, o ordinário. O processo com o objetivo principal de formular a regra jurídica concreta, em que predomina a atividade de cognição do órgão judiciário, tem como veículo principal o comum, e, por exclusão, os procedimentos especiais.91 Os procedimentos especiais, refletindo aqueles fatores já identificados, aplicarse-ão às causas nele contempladas.92 Leis extravagantes, por sua vez, instituem outros procedimentos especiais – a exemplo da Lei 12.016, de 07.08.2009, que regula o mandado de segurança individual e coletivo. E é bom não olvidar que, por determinação do art. 1.046, § 1.º, do NCPC permanecem em vigor os procedimentos especiais regulados em outras leis, aplicando-se a eles, supletivamente, o NCPC. É menos nítida, relevadas as imperfeições já denunciadas, a classificação dos procedimentos no processo de execução (Livro II). Porém, também se identificam ritos comuns, considerando o meio executório (v.g., quanto à expropriação, o procedimento comum se esparrama nos arts. 824 a 903 do NCPC; quanto à coerção pessoal, concentrado no art. 528 do NCPC), e ritos especiais (v.g., quanto à expropriação, a Lei 5.471/1971). Os arts. 523 a 527 do NCPC contemplam um procedimento especial para a execução definitiva das prestações pecuniárias previstas em título judicial (art. 515 do NCPC), enquanto os arts. 520 a 522 do NCPC ocupam da execução provisória. A ele se aplicam, subsidiariamente, as regras do procedimento comum da execução das prestações pecuniárias
contempladas em títulos extrajudiciais, consoante o art. 523 do NCPC. Um procedimento especial é o da execução contra a Fazenda Pública, bipartido conforme fundada em título judicial (arts. 534 e 535 do NCPC) e extrajudicial (art. 910 do NCPC). Os arts. 911 a 913 do NCPC regulam a execução de alimentos fundada em título extrajudicial. E há procedimentos para a execução para entrega de coisa certa ou incerta e as obrigações de fazer ou de não fazer. A tutela provisória de urgência cautelar governa-se pelo procedimento dos arts. 305 a 310 do NCPC, secundado por disposições gerais da tutela provisória (arts. 294 a 299 do NCPC) e das disposições gerais da tutela de urgência (arts. 300 a 302 do NCPC). Não há, no NCPC, procedimento de medidas cautelares típicas, enumeradas, exemplificativamente, no art. 301. Parece difícil extrair diretrizes seguras de material tão heterogêneo.93 O único dado flagrante reponta na existência, no âmbito de cada função processual, de um procedimento comum, ou básico, e de procedimentos especiais, instituídos por razões variadas. Uma das razões da especialização dos procedimentos avulta na demora da prestação jurisdicional.94 Não há procedimento ideal. E tampouco há, inclusive no tocante ao controverso e revogado procedimento sumário, simplesmente repudiado no âmbito da Justiça Comum, em alguns Estados-membros, procedimento ruim. A ideia geral, segundo metáfora particularmente feliz, pode ser expressa do seguinte modo: “A carga (aqui representada pela lide) haverá de ser proporcional à capacidade do veículo que irá transportá-la (no caso, o processo e seu procedimento) até o destino desejado (sentença de mérito acrescida dos efeitos satisfativos nos planos jurídico e factual)”.95 106. Características do procedimento da função de conhecimento O procedimento comum é o padrão. Desapareceu o antigo procedimento sumário, na verdade um rito “plenário rápido”.96 Às causas em que lei extravagante mandava aplicar o procedimento sumário, encontram-se jungidas ao procedimento comum, respeitadas as peculiaridades de cada diploma (art. 1.049, parágrafo único, do NCPC). Mas, as causas aludidas no art. 275, II, do CPC de 1973, adstritas ao procedimento sumário, continuam inseridas na competência material dos Juizados Especiais até segunda ordem (art. 1.063 do NCPC). Por fim, além dos procedimentos especiais, há o procedimento disciplinado na Lei 9.099/1995 (Juizado Especial comum) e na Lei 10.259/2001 (Juizado Especial federal), com simplificações ainda maiores, ao qual calha o epíteto sumaríssimo.97 106.1. Características do procedimento comum – O procedimento comum é o arquétipo do processo com função de conhecimento. Dispõe o rito comum de quatro etapas bem definidas, cada qual apta a atingir determinados fins, reguladas por um sistema flexível de preclusões: (a) etapa postulatória, que inicia com o ajuizamento da demanda, passa pela audiência de conciliação e de mediação (art. 334 do NCPC), e alcança a defesa do réu (arts. 319 a 343 do NCPC) e a sua revelia (arts. 344 a 346 do
NCPC); (b) etapa de saneamento, iniciada com as providências preliminares (arts. 347 a 353 do NCPC), incluindo o julgamento conforme o estado do processo e suas variantes da extinção do processo (art. 354 do NCPC), do julgamento antecipado do mérito (art. 355 do NCPC) e julgamento parcial do mérito (art. 356 do NCPC), e, não sendo admissível a precipitação do procedimento, mediante emissão de sentença terminativa ou de sentença definitiva, no todo ou em parte (art. 354, parágrafo único), culminada com a magna decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357 do NCPC), incluindo a possibilidade de audiência preliminar (art. 357, § 3.º do NCPC); (c) etapa de instrução, que compreende a produção de prova antes e durante a audiência de instrução (arts. 358 a 484 do NCPC); e (d) etapa de julgamento, caracterizada pela emissão da sentença (art. 366 do NCPC). Localizou-se a audiência de instrução e julgamento antes do regime de meios de prova, o que talvez não se revele o arranjo mais adequado, pois a prova pericial a antecede e o julgamento, previsto no art. 366, encerra o procedimento comum. Tão mais nítidas se mostram essas etapas quanto menor a concentração dos atos processuais.98 Porém, a distinção antes se prende à predominância do que à exclusividade da atividade. Por exemplo, a produção da prova (no caso, a documental) começa com a inicial e a resposta (art. 434 do NCPC). Esse itinerário sofre alteração com a tutela de urgência antecipada (arts. 303 e 304 do NCPC). Sob certas condições, mais ou menos rígidas, o órgão judiciário poderá antecipar os efeitos do pedido de “tutela final”, mediante juízo de cognição sumária, e, assim, entregar o bem da vida para o autor, satisfazendo a pretensão desde logo, e, não sobrevindo recurso de agravo de instrumento, produzindo decisão estabilizada e encerrando o litígio, salvo iniciativa de uma das partes no prazo de até dois anos (art. 304, § 5.º do NCPC). Essa disciplina peculiar põe em evidência, desnecessariamente, a distinção entre o que é ou não cautelar, questão acerca da qual as opiniões variam consideravelmente. O novo modelo do rito comum rejuvenesceu-o de forma surpreendente e deitou por terra a tese da progressiva superação em prol de numerosas especializações. Um dos motivos por que o legislador prodigalizava procedimentos especiais residia na previsão da antecipação os efeitos do pedido. As pretensões possessórias sempre desfrutaram de proteção interdital (art. 563), e, curiosamente, o NCPC manteve o procedimento especial. A opção pelo rito comum tornou-se mais atraente, de toda sorte, e, em alguns casos, vantajosa. Por exemplo, em comparação com o mandado de segurança, que contém possibilidade similar de antecipação (art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009), o rito comum oferece ao autor cognição plenária. A cognição no mandado de segurança é sumária secundum eventus probationis, ou seja, o impetrante deverá apresentar prova pré-constituída do direito. Por outro lado, conforme a qualidade da autoridade coatora (v.g., o Governador do Estado-membro), o processamento e julgamento do mandado de segurança toca diretamente ao TJ, na Justiça Comum, eliminando o primeiro grau de jurisdição. Essa possibilidade, considerando o funcionamento mais expedito dos tribunais e a abstração das etapas do primeiro grau, talvez neutralize a restrição da cognição. Todavia, iniciando o mandado de segurança em primeiro grau, decididamente o rito especial respectivo não apresenta maiores benefícios, salvo a preferência no julgamento (art. 20 da
Lei 12.016/2009). Ora, o legislador elege tantas prioridades (v.g., das ações em que figurar como parte o idoso, a teor do art. 71, caput, da Lei 10.741/2003; dos recursos interpostos nas causas envolvendo interesses dos menores e dos adolescentes, conforme o art. 198, III, da Lei 8.069/1990), que se torna difícil hierarquizá-las e discernir as causas que não desfrutam dessas regalias. Em virtude dos provimentos da tutela provisória, antecipadamente, ou por ocasião do julgamento da causa, seja o conforme o estado do processo (arts. 354 a 356 do NCPC), seja o da fase final do rito ordinário (art. 366 do NCPC), às vezes surge necessidade de executá-los, na falta de cumprimento espontâneo do destinatário do comando judicial. A execução se realizará no mesmo processo, mas o procedimento é próprio, findando o procedimento tendente à formulação da regra jurídica e ingressando-se na fase do cumprimento da sentença. Os provimentos condenatórios, e, a fortiori, os mandamentais, outorgam ao vitorioso uma nova pretensão – a pretensão a executar. O vitorioso, seja qual for a natureza da prestação imposta ao vencido (art. 515, I, do NCPC), exercerá a pretensão a executar, in simultaneo processu, e, conseguintemente, o objeto do processo se torna complexo. É um caso de cumulação sucessiva de ações. Não há dúvida que da condenação antecipada ou final surge uma nova pretensão. Se ao executado afigura-se lícito deduzir a exceção de prescrição, desde que superveniente à sentença (art. 525, § 1.º, VII, do NCPC), e a prescrição recai sobre a pretensão (art. 189 do CC), parece certo que, existindo prescrição superveniente, há pretensão superveniente – a pretensão a executar. Essa pretensão, dependendo do objeto da prestação, tem procedimento próprio: execução provisória (arts. 520 a 522 do NCPC) ou definitiva (arts. 523 a 527 do NCPC) da obrigação de pagar quantia certa; execução da obrigação de prestar alimentos (arts. 528 a 533 do NCPC); execução da obrigação de fazer ou de não fazer (arts. 536 e 537 do NCPC); execução de obrigação de entregar coisa (art. 538 do NCPC). E há, ainda, um procedimento especial em consideração ao executado, cujo regime patrimonial impõe limitações: a execução da obrigação de pagar quantia certa contra a Fazenda Pública (arts. 534 e 535 do NCPC). 106.2. Características do procedimento convencional – O NCPC acomoda duas linhas ideológicas opostas. Não abdicou da concentração de poderes do órgão judicial (modelo autoritário), avultando o poder de instrução (art. 370 do NCPC), mas resgatou o domínio das partes (modelo liberal) em diversas situações (v.g., a escolha consensual do perito, prevista no art. 471 do NCPC). O ressurgimento do domínio das partes abeberou-se na experiência da Common Law, em especial a Civil Procedure Rules (CPR) inglesa, em vigor a partir de 1999, antecedida pelos relatórios de Lord Woolf, verberando (a) o custo, (b) a demora e (c) a complexidade da Justiça Pública civil de Sua Majestade,99 através da qual, bem ao contrário, pretendeu-se arrancar o órgão judicial da passividade, conferindo-lhe a gestão dos processos (Track Allocation).100 O NCPC retirou do órgão judiciário essa gestão, exigindo decisão em ordem cronológica da conclusão (art. 12), em princípio tratando igualmente casos difíceis e casos fáceis, e em várias oportunidades vincula o órgão judiciário à vontade convergente das partes. Era menor o espaço
reservado ao domínio das partes no direito anterior; porém, mostrava-se significativo: o reconhecimento do pedido pelo réu, por exemplo, negócio jurídico unilateral, obriga o juiz a emitir sentença definitiva baseado no esquema de fato alegado pelo autor, posição mantida no art. 487, III, a. Esse vínculo é visto com desconfiança, no ambiente autoritário, e objeto de engenhosa construção para negá-lo (infra, 1.630). Os arts. 190 e 191 consagram nova amplitude ao domínio das partes no processo civil. O art. 190 autoriza as partes a convencionarem o procedimento, adaptando-a à especificidade da causa, e o procedimento convencional vincula autoridade judiciária (art. 190, caput). E o art. 191 contempla a fixação de calendário (fast track) à prática dos atos processuais, reduzindo a demora no julgamento, de comum acordo entre as partes e o órgão judiciário, simplificando a extensão dos atos postulatórios, a comunicação dos atos, e a produção da prova. Dependerá muito da boa vontade dos advogados e dos juízes a efetiva implantação dessas variantes do procedimento comum ou, conforme o caso, especial. 106.2.1. Pressupostos do procedimento convencional – O art. 190, caput, do NCPC estipula os seguintes pressupostos para a constituição de procedimento convencional: (a) objeto litigioso disponível; (b) capacidade das partes. O objetivo geral consiste em adaptar o procedimento às especificidades do litígio. Em relação à disponibilidade do objeto do processo, ou seja, direitos passíveis de autocomposição, o procedimento convencional respeitará os limites gerais da autonomia privada, e, em especial, o caráter patrimonial do objeto litigioso, não se diferenciando do objeto da transação (art. 841 do CC). O litígio envolvendo aspectos patrimoniais dos direitos de personalidade (v.g., o valor dos direitos autorais ou da prestação de alimentos) é abarcado pelo art. 190 do NCPC. Não importará, todavia, a abrangência do objeto litigioso (v.g., direitos individuais homogêneos). Legitimam-se a convencionar o procedimento as partes principais (autor e réu). É preciso plena capacidade de exercício para os atos da vida civil. Assim, figurando no processo parte incapaz, embora devidamente representada ou assistida, pré-exclui-se o procedimento convencional, e, conseguintemente, os problemas aventados no caso de discordância da parte coadjuvante, intervindo no feito com base no art. 178, II, do NCPC. Existem, porém, litígios patrimoniais qualificados pelo interesse social ou público (art. 178, I, do NCPC), a exemplo dos litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana (art. 178, III, do NCPC), na verdade subespécie do art. 178, I, do NCPC. Em casos tais, não se afasta a possibilidade da convenção processual, mas há de existir a anuência da parte coadjuvante. O procedimento convencional abrange, como declara o art. 190, caput, do NCPC os “ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”, afetando tanto a parte assistida quanto a próprio Ministério Público, cujo consentimento é indispensável.
O assistente não dispõe do objeto litigioso, e, processualmente, seus poderes processuais são limitados à atuação da parte principal. Logo, ficará adstrito às convenções das partes em matéria de procedimento. O substituto processual exercerá, em nome do substituído, os poderes processuais plena e irrestritamente. Legitima-se a firmar a convenção processual prevista no art. 190 do NCPC. Concebe-se a participação dos terceiros (v.g., o chamado ao processo), tornados partes após o deferimento da intervenção, e haja vista a possibilidade de a convenção processual ocorrer no curso do processo (art. 190, caput, parte final, do NCPC). A eficácia do negócio jurídico processual dependerá, em suma, do concurso da vontade de todas as partes capazes do processo. E, como se trata de convenção destinada a produzir efeitos do processo, os representantes técnicos deverão exibir o poder especial de firmar compromisso (art. 105, caput, do NCPC). 106.2.2. Natureza do procedimento convencional – O procedimento convencional do art. 190 do NCPC é espécie de convenção processual. Cuida-se de negócio jurídico bilateral, e, por isso, reclama a participação de partes principais. A natureza das convenções processuais é objeto de item específico (infra, 1.087). 106.2.3. Objeto do procedimento convencional – A convenção processual envolverá, segundo o art. 190, caput, os “ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”. Por força dessa disposição, o procedimento comum ou, se for o caso, comporta modificações mais ou menos extensas. Por exemplo: (a) a apresentação simultânea dos atos postulatórios principais (petição inicial e contestação); (b) a apresentação, conjunto ou sucessiva, de réplicas e tréplicas; (c) a dispensa da audiência de conciliação e mediação do art. 334 do NCPC); (d) a delimitação dos meios de prova (v.g., restringindo a atividade probatória unicamente à prova documental, testemunhal ou pericial); (e) a limitação dos meios de impugnação à decisão de mérito; e assim por diante. O fast track previsto no art. 191 do NCPC abrangerá: (a) a fixação de calendário prévio à prática dos atos processuais (v.g., a apresentação simultânea da petição inicial e da contestação em data fixa), caso em que poderá ser dispensada qualquer comunicação entre as partes e do juízo para as partes, a teor do art. 191, § 2.º, do NCPC, transcorrendo o procedimento de modo automático; (b) fixação de prazo da emissão da sentença definitiva, importando exceção à ordem cronológica do art. 12 do NCPC, residindo, aí, a principal vantagem do calendário; (c) limitação à produção da prova documental; (d) a limitação do tempo da audiência de instrução e julgamento, do número de testemunhas e de perguntas, a diminuição ou a ampliação do tempo do debate oral.101 É muito delicado o contraste dos termos do ajuste com os direitos fundamentais processuais. A convenção processual é particularmente idônea a restringir além da boa razão a defesa do litigante, sonegando-lhe, v.g., meio de prova hábil à demonstração da veracidade das alegações de fato, a exemplo da escolha prévia do experto. Por exemplo, no litígio entre A e B, no
qual o autor alega defeito em determinada máquina, as partes convencionam a perícia como única prova admissível e indicam, previamente, o instituto X para realizá-la, supostamente o único dotado do meio científico indispensável à consecução da prova. Eis o motivo por que o art. 190, parágrafo único, do NCPC autoriza o juiz a controlar a validade da convenção, ex officio ou a requerimento do interessado, em três situações (a) nulidade; (b) inserção abusiva em contrato de adesão; e (c) manifesta situação de vulnerabilidade de uma das partes. O regime das invalidades da convenção processual é o da lei substantiva. Abstraído o problema concernente à capacidade das partes, a alegação de dolo ou coação, por exemplo, secundada por começo de prova ou indício sério, permitirá ao juiz rejeitar a convenção, pronunciando incidentalmente a nulidade. A inserção da convenção a respeito do procedimento para litígios futuros em contrato de adesão, por si, não basta à sua rejeição pela autoridade judiciária. É necessária a abusividade da cláusula. E como tal não pode ser considerado o contrato envolvendo empresas de grande porte, embora a importância do fornecimento ou sua exclusividade; por exemplo, se a montadora de automóveis A utiliza o óleo lubrificante fornecido por B, em milhares de veículos, não se mostrará abusiva a convenção que indicar previamente o instituto X para apurar a composição química do produto e seus reflexos no motor em caso de litígio. Em geral, tais assuntos não chegam à Justiça Pública, porque objeto de convenção de arbitragem. Por fim, inválida é a convenção que deixa a parte em manifesta posição de vulnerabilidade (art. 190, parágrafo único, do NCPC in fine). Por exemplo, no litígio entre A e B, a convenção prevê a divisão das despesas da prova pericial entre as partes, mas o litigante B dispõe de recursos financeiros inferiores aos do litigante Ae não pode suportar o adiantamento dos honorários do perito sem prejuízo à própria atividade. 106.2.4. Momento do procedimento convencional – O art. 190, caput, parte final, torna admissível a convenção processual prévia ou incidente. Em caso de convenção firmada anteriormente ao litígio, as partes pleitearão conjuntamente ao órgão judiciário a prévia homologação do ajuste, através de decisão proferida em gabinete ou mediante designação de audiência para essa finalidade, iniciando o processo posteriormente, já regulado pela convenção processual. É a oportunidade para o órgão judiciário realizar o devido controle do ajuste (retro, 106.2.3). A convenção incidental pode ocorrer em qualquer etapa. Parece propícia para isso a audiência preliminar (art. 357, § 3.º, do NCPC), objetivando o negócio regular da atividade de instrução, em especial na hipótese de fast track. 106.2.5. Efeitos do procedimento convencional – Lícita que seja a convenção processual, modificando o procedimento comum, ou a fixação de calendário (fast track), o negócio jurídico vincula as partes e o órgão judiciário. No caso do calendário, porém, haverá necessidade de prévio ajuste com o
juiz, que é o titular do poder de agenda. Não fica claro como ocorrerá esse contato, haja vista a ojeriza de advogados e juízes à designação de audiência. Supõe-se contato informal – a forma brasileira da oralidade –, no gabinete do magistrado, documentando-se posteriormente o ajuste. Segundo o art. 191, § 1.º, do NCPC o calendário vincula os sujeitos do processo, mas os prazos previstos poderão ser modificados em casos excepcionais, devidamente justificados. Vale, aqui, a autonomia das partes. Pode acontecer de a prática do ato (v.g., a apresentação do laudo) atrasar, importando modificação das datas anteriormente aprazadas para os atos subsequentes (v.g., a audiência para inquirição do experto). E, principalmente, o volume de serviço do juízo – a disponibilidade do órgão judiciário jamais será idêntica à do tribunal arbitral – impede a realização da audiência ou a prolação da sentença nas datas fixadas. Esse último aspecto demonstra a fragilidade do fast track. Em última análise, dependerá do entusiasmo da pessoa investida na função judicante com seu ofício e pelas novidades do processo civil participativo. A numerosidade dos litígios subsiste como o principal entrave à celeridade intrínseca ao fast do track. 107. Características dos procedimentos especiais da função de conhecimento Os procedimentos especiais apresentam configuração especial na seriação dos atos processuais. Discrepam nesse aspecto do procedimento comum. É difícil catalogar essas peculiaridades. Não há qualquer diretriz segura e nítida na instituição da especialidade do procedimento. Era mais acentuada a falta de nitidez no direito anterior. Por exemplo, a fixação de prazo de contestação inferior a quinze dias, no caso da ação de depósito (art. 902, caput, e inc. I, do CPC/1973), não se fundava em qualquer evidência palpável de facilidade na oposição do réu à pretensão. Embora restringindo o inquérito ao Título III do Livro I da Parte Especial do NCPC, a visualização do conjunto fica prejudicada por infindáveis pormenores. Em alguns casos, a especialidade do rito se justifica pelo caráter sumário da cognição. É o caso da consignação em pagamento (art. 544) e das ações possessórias (art. 557 do NCPC). No entanto, o dado é mais acidental do que natural.102 Importa, a mais das vezes, a estrutura e a função direito material que, alegado pelo autor, constitui o objeto litigioso (infra, 326). O procedimento especial autêntico descansaria na necessidade de outorgar a esses direitos a via judicial mais adequada às suas peculiares. Nesse sentido, a especialidade assumira a condição de modalidade de tutela diferenciada, em que o direito fundamental processual do acesso à Justiça condiciona a seriação dos atos processuais.103 Há três aspectos comuns nos procedimentos especiais: (a) a todos os procedimentos especiais aplica-se, subsidiariamente, nas omissões, as disposições gerais do procedimento ordinário (art. 318, parágrafo único, do
NCPC); (b) em algumas hipóteses a especialidade não é imposição absoluta – revelando, destarte, que outras razões que não a imperiosa necessidade de diferenciação produziram o rito –, porque lícito ao autor optar pelo rito comum (art. 327, § 2.º, do NCPC); (c) o cumprimento da sentença, se for o caso, observará as disposições do Título II do Livro I da Parte Especial do NCPC. Como quer que seja, as principais características dos procedimentos especiais são as seguintes: (a) o prazo da contestação do réu é de quinze dias (art. 335 do NCPC) no rito comum. Esse é o interregno básico no âmbito dos procedimentos especiais. O NCPC fez esforço notável em prol da uniformidade do prazo de defesa (v.g., na dissolução de sociedade, art. 601). Na demarcação e na divisão o prazo dos réus é comum (art. 577). Em alguns casos, porém, o prazo diminui (v.g., é de cinco dias na habilitação, a teor do art. 690, e na homologação de penhor legal, conforme o art. 703, § 3.º). (b) as ações possessórias são dúplices, quer dizer, a contestação do réu já pede o bem da vida, independentemente de reconvenção (art. 556 do NCPC); (c) o julgamento pode ocorrer por equidade na jurisdição voluntária (art. 723, parágrafo único, do NCPC), repelindo o juízo de legalidade; (d) o juiz pode conceder tutela provisória, por disposição específica, a exemplo das possessórias (art. 562, caput, do NCPC) e dos embargos de terceiro (art. 678 do NCPC), sob condições específicas; (e) a resposta do réu é limitada, emprestando caráter sumário à cognição, como acontece na consignação em pagamento (art. 544 do NCPC). 108. Caráter subsidiário do procedimento comum Segundo o art. 318, parágrafo único, do NCPC o procedimento comum aplicar-se-á, subsidiariamente, aos procedimentos especiais. Por conseguinte, o procedimento comum, e, principalmente, a Parte Geral do NCPC aplicam-se aos procedimentos especiais. Ao contrário do CPC de 1973, que omitiria a parte geral,104 o NCPC pretendeu calibrar às diferentes funções do processo e aos distintos procedimentos disposições gerais. Por essa razão, a comunicação dos atos segue o modelo da Parte Geral, embora em alguns casos haja remissão específica e supérflua ao procedimento comum (nas possessórias, art. 566 do NCPC). 109. Obrigatoriedade do procedimento No direito anterior, vigorava a obrigatoriedade do procedimento. Deduzindo o autor pretensão através de procedimento impróprio, o juiz só extinguirá o processo não podendo adaptá-la ao procedimento próprio. Em tema de procedimento, imperava o regime da estrita legalidade. E, de fato, a lei institui os diversos tipos de procedimentos com base em considerações de ordem pública. Logo, às partes não era dado preterir o procedimento
legalmente instituído, optando por outro, supostamente mais conveniente. Em tal hipótese, o juiz velava pela adequação do procedimento impróprio ao próprio, aproveitando os atos já praticados, quando compatíveis. É o princípio da indisponibilidade do procedimento. Esse princípio sofria temperamentos tão extensos que parecia legítimo controverter sua própria existência. Os valores inspiradores ao processo civil contemporâneo, sobressaindo-se a tese da superação do rito comum, a ênfase nas técnicas processuais diferenciadas e a relativização da forma, na incessante busca da realização mais eficiente e célere do direito objetivo, senão reclamavam orientação diferente, no mínimo retiravam caráter absoluto à obrigatoriedade. Em contrapartida, a estrutura uniforme do procedimento promove a igualdade das partes. Do contrário, não existira relação equânime entre o poder do juiz e os direitos das partes. O formalismo intrínseco ao procedimento protege as partes contra o arbítrio do juiz, nada obstante suas boas intenções, e garante-lhes os direitos fundamentais processuais e a aplicação uniforme do mesmo direito a causas substancialmente idênticas.105 Como já se observou, agudamente, “o magistrado brasileiro não possui tempo e infraestrutura para ‘sopesar’ no caso concreto quais as melhores opções procedimentais a seguir”,106 razão pela qual uma boa reforma consideraria a criação de procedimentos flexíveis para os diversos tipos de litígios; por exemplo, utilizando a nota social, objeto de vigorosa tentativa de sistematização.107 E há um dado terrível, mas real: de ordinário, o processo é examinado pelo assessor do juiz, muito menos qualificado para uma ponderação entre as variantes concebíveis no procedimento. Nessa conjuntura, a simples divisão do procedimento em etapas, inexistindo sequência rígida de atos, como ocorre no modelo transnacional imbuído das diretrizes da Common Law,108 pouco se acomodaria à realidade brasileira, ao menos na alocação do procedimento ope judicis. Os arts. 190 e 191 do NCPC alteraram a concepção tradicional da indisponibilidade do procedimento. Porém, em qualquer hipótese as mudanças pressupõem a vontade convergente das partes e, no caso do fast track, da anuência do órgão judiciário. No direito anterior, a indisponibilidade relativa do procedimento aparecia na cumulação de pedidos, subsistindo no NCPC. Por exemplo, mostra-se lícito ao autor, sob certas condições, optar pelo rito comum no caso de cumular pretensões jungidas, em tese, a ritos diferentes (art. 327, § 2.º, do NCPC). Também o art. 283, descartando a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, pois só os vícios que resultem em prejuízo à defesa serão invalidados, completa o quadro. O “erro de forma do processo”, aludido no art. 283, caput, sem dúvida abrange e visa ao procedimento. Em realidade, a própria lei flexibiliza expressamente o procedimento. O art. 21 da Lei 9.307/1997 faculta às partes convencionarem o procedimento, empregando, ou não, algum padrão predeterminado, ou “delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral” a criação, em concreto, do procedimento mais adequado à causa, solução copiada no art. 190 do NCPC. Parece mais difícil extrair das regras que adotam o juízo de equidade (v.g., art. 723, parágrafo único, do NCPC nos procedimentos de jurisdição voluntária; art. 153 da Lei 8.069/1990, nas causas envolvendo menores e adolescentes; art. 6.º da Lei
9.099/1995, nos juizados especiais comuns) permissão para criar o procedimento em si nestas causas. Porém, a “atipicidade” dos meios executórios briga frontalmente com a cláusula do devido processo legal (art. 5.º, LIV, da CF/1988). Esta disposição impede a subtração dos bens do particular sem a observância do procedimento preestabelecido.109 Nada obstante, portanto, a impossibilidade flagrante de generalizar o procedimento flexível, criado para um caso concreto, ope judicis, porque a CF/1988 exige previsibilidade do procedimento. Essas mudanças por obra do oportunismo judicial prejudicariam a defesa do réu. Em boa hora, o art. 190 do NCPC situou a matéria no âmbito do (revigorado) domínio das partes. E há outro problema digno de registro: nos casos em que a especialidade decorre da estrutura e da função do direito material posto em causa, ou tutela diferenciada, impõe-se a estrita observância dos requisitos de “forma” do procedimento.110 Assim, para impetrar mandado de segurança o autor há de exibir prova pré-constituída (retro, 45.1); do contrário, fatalmente colherá juízo de inadmissibilidade. O principal problema suscitado nessa área respeitava ao procedimento sumário. A despeito de gabada nas etéreas construções teóricas, o procedimento por audiências jamais logrou adesão irrestrita de juízes e advogados. A obrigatória realização de audiência representa, na visão prevalecente, desperdício grave de tempo e de energias, com resultados escassamente frutíferos. É penoso, nas grandes capitais brasileiras, o deslocamento compulsório das partes e dos advogados à sede do juízo para uma solenidade protocolar, para a qual ninguém se encontra verdadeiramente preparado, inclusive o órgão judiciário. Não se revela incomum que o juiz passar os olhos ligeiramente pela inicial, consubstanciando o primeiro contato com a causa, somente na abertura da audiência. Por óbvio, não se habilitará a resolver, de plano, as questões incidentes que a contestação do réu suscitar nessa oportunidade. E os prazos exíguos – a primeira audiência ocorrerá, segundo a otimista previsão legal, até trinta dias após a distribuição – mostravam-se irrealizáveis, ante o acúmulo do serviço forense e o congestionamento das pautas. Enfim, o procedimento sumário era muito… ordinário.111 Essa ojeriza à oralidade, ao procedimento por audiências, gerou repúdio veemente ao procedimento sumário. Em alguns Estados-membros, na Justiça Comum, o órgão judiciário converte, ex officio, o sumário em ordinário, assinando prazo de quinze dias para a resposta escrita do réu, pouco importando a suposta violação da ordem pública e o desrespeito ao princípio da indisponibilidade do procedimento. A possibilidade de o autor, ao seu talante, optar pelo rito comum, preterindo o cabível sumário, não era isenta de objeções de peso. À suposta vantagem da maior amplitude da defesa do réu, de resto discutível, não se pode excluir a sobreposição do legítimo interesse do réu de livrar-se do processo o mais depressa possível, objetivo assegurado, na teoria, pela concentração de atos do sumário. “O procedimento sumário” – escreveu-se com a costumeira e insuperável elegância – “foi instituído menos no interesse particular dos litigantes que em atenção ao interesse público na célere
composição dos litígios. A matéria escapa, assim, ao poder dispositivo das partes”.112 Nada obstante, a melhor orientação encampava, decididamente, o princípio da preferência do rito comum.113 O único requisito é que o processamento da causa seja materialmente possível. Ora, a permuta do procedimento das causas arroladas no antigo sumário não se deparava com óbices dessa natureza. O STJ admitia o emprego do procedimento padrão, em lugar do sumário, na ação de reparação de dano ocorrido em acidente de veículos de via terrestre (art. 275, II, d, do CPC/1973), in verbis: “A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que, inexistente prejuízo para a parte adversa, admissível é a conversão do rito sumário para o ordinário. Não há nulidade na adoção do rito ordinário ao invés do sumário, salvo se demonstrado prejuízo, notadamente porque o ordinário é mais amplo do que o sumário e propicia maior dilação probatória”.114 Enfim, a obrigatoriedade do procedimento é relativa no processo civil brasileiro. Dos arts. 190 e 191 do NCPC extrai-se a diretriz que ao órgão judiciário não é dado alterar a ordem dos atos, exceto a dos meios de prova (art. 139, VI, do NCPC), reservando-se às partes, todavia, a possibilidade de ajustarem procedimento específico para suas pretensões. 110. Compatibilidade dos procedimentos Os procedimentos adaptam-se à estrutura e à função material do direito subjetivo e da ação respectiva, designada, uma vez introduzida no processo, de “pretensão processual”. Em princípio, não se mostra possível reduzir as características especiais do objeto litigioso a um procedimento modelo em todos os casos. O esquema único e genérico não reproduzirá, convenientemente, o agir do direito alegado pelo autor. No entanto, curando da cumulação de ações, o art. 327, § 2.º, do NCPC estipula que, correspondendo a cada pedido procedimento diverso, admitir-seá a cumulação se o autor empregar o rito comum. E, de sorte, ficou excluída a extinção do processo, escolhendo o autor o tipo errado de procedimento, se inviável a adaptação ao procedimento próprio. Por força do art. 283 do NCPC, sempre é possível a adaptação. É preciso, então, estabelecer os princípios que autorizam o autor a compatibilizar pedidos subordinados a diferentes procedimentos no rito comum e adaptar sua pretensão ao procedimento adequado (infra, 280.4). Por algum tempo, estimou-se impossível agrupar duas pretensões com funções diferentes no mesmo processo. Por exemplo, a pretensão à segurança (cautelar) e a pretensão à condenação (cognição): na ação em que A pede a condenação de B a prestar-lhe y, dívida originária de mútuo, o autor pede o arresto dos bens do réu, porque este intenta aliená-los, caindo em insolvência. Era a jurisprudência do STJ.115 Tal restrição inicial cedeu ao regime da tutela antecipada. Neste caso, inexiste cumulação de pretensões diferentes, mas simples adiantamento dos efeitos da própria pretensão deduzida no processo.116 Porém, existe uma área
de relativa indefinição, no âmbito das medidas atípicas, do que é ou não autenticamente cautelar. Por esse motivo, introduziu-se a possibilidade de o juiz deferir uma medida por outra – hipótese assaz delicada no NCPC, mas prevista no art. 305, parágrafo único. Os obstáculos à cumulação, no mesmo processo, de pretensões com funções instrumentais diferentes não desapareceu integralmente. Permanece impossível o autor cumular a pretensão à resolução do contrato e a pretensão a executar título extrajudicial, perante o mesmo réu, in simultaneo processu. Além desse, solucionado em parte, há outro problema fundamental da compatibilidade de procedimentos, que decorre da cumulação de uma ação atrelada a procedimento especial (v.g., a consignação em pagamento) com outra de procedimento comum, ou da cumulação de duas ações jungidas a diferentes procedimentos especiais, reunidas sob o rito ordinário, conforme autoriza o art. 327, § 2.º, do NCPC. Fitando as funções do processo, e distinguindo duas espécies de procedimento, o comum e o especial, entendeu-se que cada procedimento especial constitui um tipo diferente, mas todas as pretensões veiculadas por procedimento comum pertencem ao mesmo tipo.117 Por esse critério, não é viável cumular a ação de consignação em pagamento com a ação de pedir de contas.118 A invés, as ações que não se submetem a algum procedimento especial mostram-se cumuláveis no procedimento comum. E nenhuma ação de rito especial comporta cumulação com outra, sujeita ao rito comum, ainda que reduzidas ao último. Existem algumas exceções que abalam a solidez desse critério tão rígido. Por exemplo: alguém, titular de promessa de compra e venda registrada e devedor da última prestação do preço, nada obstante poderá pleitear a consignação, que é pretensão de rito especial, e, sucessivamente, a adjudicação compulsória da coisa, pretensão que (por força do art. 1.049, parágrafo único, do NCPC) subordina-se ao comum. É bem de ver que, em alguns procedimentos especiais, há cumulação de pretensões executivas e condenatórias, como ocorre na possessória (art. 555, I e II, do NCPC). O cúmulo ocorre sem prejuízo à especialidade do rito.119 Enfim, a regra é da compatibilidade, principalmente no caso dos pedidos sucessivos (infra, 279.2); a exceção, a incompatibilidade, fundada impossibilidade de adaptar as características do procedimento especial ao rito comum. E, ainda assim, ocorrendo a opção expressa pelo rito comum, cabe o cúmulo.120 111. Conversão do procedimento impróprio no próprio Do art. 283, caput, do NCPC infere-se a possibilidade de o órgão judiciário adaptar o procedimento impróprio escolhido pelo autor ao procedimento legalmente aplicável à pretensão deduzida, excluída a extinção do processo. A regra indica a adoção do princípio da conversão do procedimento. Tal princípio exerce poderosa influência na atenuação da obrigatoriedade (retro, 109). Segundo o art. 283, o erro de forma do processo, ou seja, a escolha errônea do procedimento,121 não importará, fatalmente, a anulação dos atos já
praticados, salvo os que prejudiquem à defesa (art. 280, parágrafo único, do NCPC). Os atos praticados no procedimento impróprio devem ser aproveitados na medida do possível. O juiz ordenará a prática dos atos necessários ao aproveitamento, quando necessário, ou simplesmente declarará realizado o ato. Por exemplo, se A demandou B, deduzindo pretensão adequada a rito especial, e o réu B contestou no prazo de defesa menor que o do procedimento comum, alegando, dentre outras questões, a impropriedade do procedimento especial, a conversão não necessitará reabrir o prazo de resposta. O critério fundamental do órgão judiciário, nesses misteres de conversão, descansa na idoneidade do procedimento predeterminado na lei processual para atingir os fins próprios do processo. É com esse objetivo, afinal, que a lei institui procedimentos especiais. O juiz indagará se o procedimento escolhido pelo autor, apesar de impróprio, não calha ao objeto litigioso. Respondendo negativamente ao quesito, providenciará a adequação ou conversão do procedimento impróprio no próprio, aplicando diretamente o art. 283 do NCPC. Deduzida a pretensão possessória pelo rito ordinário (impróprio), em vez do especial, tampouco a emenda revelar-se-á imperiosa – o rito especial dos interditos possessórios quase nada oferece de “especial”. Poucos procedimentos especiais rejeitam acomodação ao rito comum. Tome-se o exemplo da reintegração e da manutenção de posse. As diferenças previstas (v.g., o comparecimento do juiz na área do litígio) são perfeitamente cabíveis no rito comum. Esse procedimento comporta tutela provisória, e, desse modo, respeitadas as prescrições da tutela possessória, nenhuma importância assume a indicação que se trata de especial o procedimento ou ordinário. Todavia, a conversão não pode afetar a própria pretensão deduzida pelo autor.122 Por exemplo, o autor deduz pretensão a executar, baseado em título extrajudicial (art. 784 do NCPC), erroneamente entendendo dispor de documento ungido com essa eficácia. Verificando o órgão judiciário, ao invés, que o documento não se adapta ao catálogo legal, a conversão do procedimento executivo ao rito comum,123 ou ao monitório, transformaria, ex officio, a natureza da pretensão. Lícito que seja ao titular de título executivo extrajudicial optar pelo procedimento comum (art. 785 do NCPC), a iniciativa da parte nesse sentido afigura-se indispensável O critério a ser seguido pelo órgão judiciário para evitar interferência no objeto litigioso “consiste em por o pedido formulado na ação em confronto com o fim para que, segundo a lei, o processo foi estabelecido, ou, por outras palavras, o fim concreto para que o processo foi empregado com o fim abstrato designado pela lei”.124Por óbvio, o procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente não se presta, minimamente, para formular a regra jurídica concreta, impondo prestação ao réu, ou, como declara o art. 515, I, reconhecer a exigibilidade de obrigação a cargo do vencido. E mesmo neste caso a extinção do processo não se revela inexorável e imediata na fase inicial do processo. Percebendo o órgão judiciário, ao despachar a inicial, a inviabilidade da pretensão, e, conseguintemente, a impropriedade do procedimento, poderá assinar ao autor o prazo do art. 321
do NCPC, ensejando a emenda da inicial. É preferível conceder interpretação larga a este dispositivo, permitindo as mais extensas mudanças na petição inicial, inclusive a transformação da pretensão e a troca de réu, do que declarar a inépcia da inicial e extinguir o processo. Essa atitude não se harmoniza com o princípio da economia e o caráter pedagógico que a oportunidade de emendar a inicial propiciaria o autor. Obstinando-se o autor em percorrer o caminho inidôneo, porque desprovido, em tese, da alegada pretensão, então caberá ao juiz extinguir o processo, nos termos do art. 321, parágrafo único, do NCPC. Também não se livrará o autor da extinção, menos por se tratar da eleição de procedimento impróprio, mais porque inadmissível a pretensão deduzida, após a tempestiva reação do executado, no exemplo aventado, opondo-se à indevida pretensão a executar através de embargos ou de exceção de pré-executividade. Não é dado ao órgão judiciário, em qualquer hipótese, alterar, ex officio, da pretensão, sob o pretexto de converter o procedimento impróprio no próprio. A invocação do art. 321 do NCPC é elucidativa. Competirá ao autor, e não ao juiz, transformar a pretensão a executar em pretensão a condenar. O juiz não pode ingressar nesta área restrita à iniciativa da parte.125 Cumpre-lhe ensejar a emenda, e, não, realizá-la materialmente. Volvendo à conversão no sentido próprio, sem bulir com a pretensão do autor, resta definir o momento da sua realização. Evidentemente, ela poderá ocorrer ao primeiro contato com a inicial. Era assim que o órgão judiciário, externando repulsa ao antigo procedimento sumário, procedia no caso da adoção do rito comum, assinando ao réu o prazo de quinze dias para resposta. Mas, a conversão do procedimento impróprio no próprio, sem prejuízo à defesa do réu, poderá acontecer em momento ulterior ao controle da inicial. A ocasião mais propícia é o das providências preliminares (art. 352 do NCPC). Essa conversão não se mostrará admissível, porém, na falta de algum ato preparatório – por exemplo, o depósito da prestação, tratando-se de consignação em pagamento –, ou quando o procedimento impróprio já houver restringido a defesa do réu.126 Essas considerações evidenciam que, ao processo constitucionalmente justo e equilibrado, a adequação da pretensão ao procedimento próprio, ou seja, previsto abstrata e genericamente na lei processual, revela fundamental. Não é dado ao juiz instituir procedimentos ad hoc. Quando pretendeu-se o “gerenciamento” judicial de feitos, objetivando diminuir a carga de trabalho dos juízes e das juízas envolvidas (e, não, em proveito das partes), apesar da simpatia gerada pela noção de gerenciamento,127 produziu-se desastre calamitoso. Suspensas as ações individuais, indevidamente, na expectativa de transformá-las em liquidação e posterior execução, após a fixação da regra jurídica abstrata na ação coletiva, a decretação da prescrição desta última obrigou os órgãos envolvidos a retomarem as ações individuais e a ignorarem a regra de prescrição das pretensões individuais, a fim de não prejudicarem irreversivelmente os poupadores, vítimas indefesas do corporativismo “gerencial. § 23.º Procedimento na execução 112. Espécies de execução
A função que se destina a realizar os provimentos judiciais no mundo real chama-se de execução. Essa atividade exige a prática de atos que importam o deslocamento coativo de pessoas e de coisas, e, destinando-se o ato à satisfação do direito, também e principalmente a transferência do bem da vida da esfera jurídica do vencido para a do vencedor. Nesse último caso, porém, atos dessa natureza costumam se concatenar em operações mais ou menos largas e complexas, formando técnicas que se designaram de meios executórios. Em toda execução, o órgão judiciário realiza a pretensão do credor mediante o emprego desses meios.128O Título II do Livro II da Parte Especial do NCPC, seguindo o modelo precedente, arranjou tais meios sob o título de “espécies” de execução. Os meios executórios buscam atingir os dois objetivos centrais da tutela executiva: primeiro, eliminar os efeitos da infração a algum direito, o que se realiza através da entrega ao credor da mesma utilidade lesionada, reconstituindo, portanto, o direito originário; ademais, impedir a própria infração do direito, e a repetição ao ato lesivo.129 Na primeira situação, a lesão atinge corpus, genus e facere (fungível e infungível, e, ainda, positivo ou negativo); na segunda, impor-se-á sempre um facere, positivo ou negativo, infungível. O próprio senso comum sugere que, atendendo ao objetivo colimado – corpus, genus e facere, sendo que o último de modo preventivo ou repressivo –, o meio de atuação do órgão judiciário há de variar para se ajustar à finalidade almejada. Impedir a poluição do arroio por indústria química, despoluir águas ou compelir o obrigado a entregar certa quantia constituem metas assaz diferentes. Elas exigem técnicas executivas igualmente distintas e, ademais, adequadas ao respectivo escopo. Representaria ilusão ingênua pressupor a permanente, neutra e desinteressada colaboração do executado nesses propósitos. É claro que a lei atribui deveres, a exemplo de indicar “ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores” (art. 774, V, do NCPC), e institui sanções ao executado recalcitrante; porém, a colaboração parece improvável, e, por isso, há de ser prescindida. Se o obrigado descumpriu a prestação, desrespeitando o tempo, o modo e o lugar previstos, fugindo ao desconforto do adimplemento, em geral mostrar-se-á arredio, igualmente, aos sacrifícios ainda maiores impostos pelo processo judicial. Em algumas hipóteses, a lei cria vantagens concretas e tangíveis à participação do executado; por exemplo, ele pode requerer, sob algumas condições, a substituição do bem penhorado (art. 847 do NCPC). E, por outro lado, o órgão judiciário valer-se-á da força policial (art. 782, § 2.º, do NCPC), se o executado erguer barreiras à penetração no seu patrimônio (resistência: art. 846 do NCPC), ou sua efetiva colaboração for reputada imprescindível ao êxito do meio executório (prisão: art. 19, caput, da Lei 5.478/1968). É preciso combinar esses elementos e ponderar os direitos fundamentais processuais para reunir os atos executivos em operação justa e equilibrada para obter o bem pretendido pelo exequente. Para essa finalidade, agrupamse os meios executórios em duas classes fundamentais: (a) a sub-rogatória, que despreza e prescinde da participação efetiva do devedor, constituem a chamada execução direta; e (b) a coercitiva, em que a finalidade precípua do
mecanismo reside em captar a vontade do executado, designada de execução indireta. A sub-rogação abrange a expropriação (art. 824 do NCPC), o desapossamento (art. 806, § 2.º, do NCPC) e a transformação (art. 817 do NCPC). Esses meios executórios visam à realização, respectivamente, da prestação pecuniária, da prestação de entrega de coisa e da prestação de fazer fungível. A atividade expropriatória desdobra-se em subespécies: o desconto (art. 529 do NCPC), aplicável especificamente à obrigação pecuniária alimentar; a adjudicação (art. 825, I, do NCPC), a alienação (art. 825, II, do NCPC) e a apropriação dos frutos e rendimentos de empresa ou estabelecimento e de outros bens (art. 825, III, do NCPC). Em matéria de coerção, as técnicas executivas utilizam a ameaça de prisão (art. 528, caput, do NCPC), infligida na obrigação pecuniária alimentar, e da imposição de multa em dinheiro (astreinte), receitada, principalmente, nas obrigações de fazer e de não fazer (art. 537 do NCPC). A astreinte protege o interesse do exequente e tutela a dignidade da autoridade judiciária.130 A par desses expedientes, há as medidas de apoio inscritas no art. 536, § 1.º, do NCPC perante as quais desaparece não a tipicidade dos meios executórios, mas o uso atípico desses poderes de execução (v.g., a designação de fiscal ou de administrador para a empresa executada). Pois bem: os meios executórios informam a ordenação dos atos processuais no procedimento in executivis. E, para essa finalidade, a técnica expropriatória, que constitui a execução mais comum, presta-se admiravelmente na identificação do grau de influência. 113. Classificação dos procedimentos executivos Os procedimentos executivos classificam-se conforme a “espécie” de execução. Por conseguinte, há o (a) procedimento para entrega de coisa certa (art. 538; arts. 806 a 810 do NCPC); (b) o procedimento da execução para entrega de coisa incerta (art. 498 c/c art. 538; arts. 811 a 813 do NCPC); (c) o procedimento da execução de fazer fungível (arts. 536 e 537; arts. 817 a 820 do NCPC); (d) o procedimento da execução de não fazer ou de desfazer (arts. 536 a 537; arts. 822 e 823 do NCPC); (e) o procedimento da execução de fazer infungível (art. 497 c/c arts. 536 e 537; art. 821 do NCPC); (f) o procedimento da execução por quantia certa (arts. 520 a 527; arts. 824 a 909 do NCPC); (g) o procedimento da execução de obrigação pecuniária alimentar (arts. 528 a 533; arts. 911 a 913 do NCPC). O regime é duplo, pois a lei distingue a execução fundada em título judicial, ou cumprimento da sentença, e a execução fundada em título extrajudicial. E há o procedimento da execução contra a Fazenda Pública, também sob duplo regime. Em realidade, tais procedimentos distinguem-se conforme o meio executório; por exemplo, o procedimento da execução da obrigação pecuniária alimentar através da coerção pessoal, ou prisão, previsto no art. 528 do NCPC, não é idêntico ao dessa mesma obrigação por intermédio do desconto (art. 529 do NCPC). Também as obrigações de entrega de coisa certa podem ser executadas através do mecanismo do desapossamento ou da coerção patrimonial, e, na verdade, o procedimento da execução para
entrega de coisa incerta constitui simples variante, ou incidente na fase inicial, dos procedimentos realmente disciplinados por este e aquele meio executório, conforme revela o art. 498, parágrafo único, do NCPC. Por outro lado, identificam-se, claramente, um procedimento comum, regulado nos arts. 824 a 909 do NCPC, na execução governada pela expropriação (art. 824 do NCPC), e vários procedimentos especiais (v.g., a execução contra a Fazenda Pública, a teor dos arts. 534 e 910 do NCPC; a execução hipotecária prevista na Lei 5.741/1971). E, patenteando-se a insolvência do devedor, cumpre recordar o procedimento da insolvência civil (arts. 748 a 786-A do CPC/1973), mantido pelo art. 1.052 do NCPC, e da falência (Lei 11.101/2005). O procedimento comum da expropriação exibe características tão marcantes que a influência do meio executório se põe à vista de forma evidente. Tradicionalmente, a expropriação significa a individualização de bens no patrimônio do executado, mediante constrição inicial (penhora), seguida, na hipótese de apreensão de bem diverso de dinheiro, da atribuição de valor ao objeto da constrição e da respectiva conversão em dinheiro, mediante uma das modalidades de alienação coativa, e, finalmente, a entrega do produto ao exequente. Esse esquema básico sempre comportou duas variantes: talvez o exequente se interesse na aquisição do bem (adjudicação) ou, revelando-se frutífero bem, o recebimento periódico dos frutos paulatinamente solve a dívida (adjudicação de rendimentos, também chamada de apropriação de frutos no art. 825, III, do NCPC e, no direito anterior, de usufruto forçado). O procedimento comum da expropriação, na execução fundada em título judicial (art. 515 do NCPC) ou em título extrajudicial (art. 784 do NCPC), atualmente prioriza a adjudicação do bem diverso de dinheiro, simplificando a árdua empreitada de aliená-lo a terceiro, mas a adjudicação continua voluntária. Não se registrou estatisticamente, ainda, os efeitos da “sugestão” legislativa proveniente do direito anterior. Como quer que seja, facilmente identificam-se três etapas no procedimento comum da expropriação: (a) proposição; (b) instrução: e (c) entrega do produto ou satisfação do crédito. Feliz síntese apontou os momentos culminantes dessas fases como a penhora, a alienação e o pagamento.131 Deduzida a pretensão a executar, formado o processo e vencido o controle inicial do órgão judiciário (infra, 1.531), típico da fase postulatória, a execução em si começa através do primeiro ato da expropriação, que é a penhora.132 É o que dispõe, por exemplo, o art. 523, § 3.º, do NCPC, na execução de título judicial, bem como o art. 829 do NCPC, na execução de título extrajudicial. Trata-se de uma providência de afetação de bens ao procedimento, sujeitando-os, imediatamente, à execução, e, para este fim, acentua a retirada de eficácia dos eventuais atos dispositivos do obrigado, que já existe desde a citação, consoante se infere do art. 792, IV, do NCPC. A penhora não interfere no domínio do executado, nem, a fortiori, paralisa ou interdita o poder de disposição. Dela decorrem inúmeros efeitos. Esta, pois, a fase inicial do procedimento, a qual inclui o conjunto de incidentes em torno deste ato e do seu objeto. Penhorado bem diverso do objeto da prestação – dinheiro –, a expropriação exige uma técnica de conversão desse bem no objeto originário da prestação a cargo do executado; do contrário, a execução não se mostraria específica, desvanecendo-se o propósito de efetividade, expresso na célebre máxima que o processo deve outorgar ao vitorioso o mesmo direito
que, inexistindo litígio, realizar na esfera privada. A alienação é incidente comum, todavia eventual, na expropriação. E tão eventual que, penhorandose bem frutífero, concebível a expropriação dos frutos, mostrando eles potencialidade de assegurar a solução da dívida em prazo breve, o que preserva o domínio do executado. Em tal aspecto, aliás, era criticável a equiparação da apropriação dos frutos à adjudicação e à entrega do produto, realizada no art. 708 do CPC/1973, porque o pagamento do credor, por óbvio, ocorre com a entrega do dinheiro e não mediante a técnica de apropriação. Essa censura levou à correção do texto, prevendo o art. 904 do NCPC a entrega do dinheiro (inc. I) ou a adjudicação (inc. II), na devida ordem: nesta última modalidade, inexistirá execução específica. O último passo consiste na entrega ao credor do dinheiro ou, requerendoo de modo espontâneo, e por razões de brevidade e comodidade, do próprio bem penhorado. Se a penhora recaiu em dinheiro, originariamente, o procedimento da expropriação prescinde dos atos de instrução. Passa à fase final da atribuição ou distribuição do dinheiro. Este salto equivale, mutatis mutandis, ao julgamento antecipado que sucede no procedimento ordinário do processo de conhecimento (art. 355 do NCPC). A trajetória do procedimento disciplinado pela expropriação se divide em três fases: (a) a proposição compreende os arts. 827 a 875 do NCPC, atraída a avaliação, em geral, para esse contexto, como se infere do art. 870, caput, do NCPC, e da distribuição das subseções; (b) a eventual instrução (concebese a penhora de dinheiro ou de ativo financeiro) localiza-se nos arts. 876 a 903 do NCPC; e, por fim, (c) a entrega do produto é disciplinada nos arts. 904 a 909 do NCPC, incluindo o concurso especial de credores. § 24.º Procedimento cautelar 114. Procedimento cautelar comum Em concepção avançada para sua época, o CPC de 1973 identificou três funções básicas à jurisdição prestada pelo Estado em resposta ao direito à tutela jurídica concedido aos que têm personalidade processual (infra, 2): em primeiro lugar, cumpre ao juiz formular a regra jurídica concreta, mediante atividade na qual impera a cognição (trabalho de gabinete); ademais, não bastando semelhante regra para entregar o bem da vida ao vitorioso (os provimentos de força declarativa e constitutiva o entregam por si mesmos), ou não cumprindo o vencido voluntariamente o comando judicial, toca ao órgão judiciário realizar essa regra jurídica concreta no mundo real (trabalho de campo); e, por fim, eventualmente, havendo urgência e o receio que os resultados práticos desta ou daquela atividade fiquem comprometidos, senão inutilizados, no tempo necessário ao cabal desempenho das duas funções anteriores com a observância do complexo dos direitos processuais fundamentais, o juiz entregará antecipadamente o bem da vida a uma das partes (execução para segurança) ou assegurará tal bem (segurança para execução). Essa última função recebeu estrutura própria no Livro III – Do Processo Cautelar – do CPC de 1973. Equiparava-se, pois, às duas anteriores, objeto do Livro I e do Livro II do mesmo diploma. No entanto, o arranjo agasalhava um defeito capital: o Livro III abrangia medidas típicas alheias ao domínio cautelar (v.g., os alimentos provisionais).
É muito distinta a concepção do NCPC. Instituiu a tutela provisória, subdividida em duas espécies: (a) tutela de urgência; e (b) tutela da evidência (art. 294, caput). Por sua vez, a tutela de urgência abrange (a) tutela cautelar e (b) tutela antecipada (art. 294, parágrafo único). E disciplinou, autonomamente, a tutela antecipada antecedente (execução para segurança), nos arts. 303 e 304, e a tutela cautelar antecedente (segurança para execução), nos arts. 305 a 310, precedidas de disposições comuns (arts. 300 a 302). Em ambas as hipóteses, autoriza a cumulação de pretensões in simultaneo processu, ou seja, a postulação incidente, quiçá na própria petição inicial. Comparativamente à tutela antecipada, a medida cautelar antecedente é mais autônoma. Segundo o art. 307, parágrafo único, contestado o pedido pelo réu, observar-se-á o procedimento comum. A função cautelar corresponde à necessidade de disciplinar as transformações de fato no curso do processo. É uma subespécie da litisregulação (infra, 1.427). O processo interpõe-se aos conflitos como um meio civilizado para resolvê-los, mas não cessa o tempo, nem sequer controla o fluxo das mudanças de fato, as alterações da própria vida humana. Às partes é proibido, no âmbito da autonomia privada, alterar a situação de fato preexistente ao processo. Tradicionalmente, institui-se um remédio específico para coibir tais mudanças: o atentado (infra, 1.524). Entretanto, ao órgão judiciário mostrar-se-á lícito, salvo estipulação legal em contrário – por exemplo, a concessão de vantagem pecuniária ao servidor público, no mandado de segurança, a teor do art. 7.º, § 2.º, da Lei 12.016/2009 –, tanto assegurar o estado de fato (segurança para a execução), quanto, em casos particularmente graves, satisfazer antecipadamente (execução para a segurança). A função cautelar corresponde, na órbita da litisregulação, à primeira atividade. É fácil perceber que, tanto em face do processo de conhecimento, quanto perante a execução, a função cautelar não constitui, considerando seu escopo, um autêntico tertium genus. A tutela cautelar tão só assegura o objeto litigioso, no curso do processo, contra as vicissitudes da vida. Desse modo, a função cautelar contrapõe-se, realmente, à tutela satisfativa,133 ou seja, à satisfação provocada, no mundo dos fatos, pelos provimentos de força declarativa e constitutiva e pela execução dos provimentos (finais ou antecipados) condenatório, executivo e mandamental (infra, 229). A autêntica providência cautelar jamais satisfará as partes. Ela apenas assegura direito eventual. Por exemplo, o arresto só adquirirá a eficácia da penhora seguindo-se a ele pretensão a executar. Entende-se por satisfação do vitorioso a realização do respectivo direito na realidade social. E, na pendência do arresto, ambas as partes ficam insatisfeitas: o réu (e suposto devedor) teve subtraída a disposição de bem integrante do seu patrimônio; o autor (e suposto credor), embora haja promovido essa medida desfavorável ao réu, não recebe o bem. Essa situação não se confunde com a execução para a segurança. Por exemplo, a entrega de medicamentos para a pessoa doente e carente de recursos vai além da simples asseguração do seu direito, satisfazendo-o antecipadamente, ou seja, sem que haja certeza quanto à
existência desse direito. Por outro lado, satisfazer não é declarar com força de coisa julgada material. Ora, há medidas satisfativas urgentes, mas provisionais. Fica patente essa diferença na disciplina discrepante do sequestro (urgente, mas cautelar) e da reintegração na posse (urgente, mas satisfativa). No sequestro, a coisa é posta fora do alcance das partes até decidir-se qual delas tem direito à coisa; na reintegração de posse, embora o órgão judiciário ainda não tenha decidido sobre a existência do direito, uma das partes usufruirá da posse, e, conseguintemente, do direito até essa decisão. Por óbvio, a pretensão à segurança reclama ordenação da atividade processual atendendo à sua finalidade. A cognição do juiz, no procedimento cautelar, revela-se sumária, porque se atém à aparência do direito, e a mais das vezes necessita de provimento antecipatório (art. 300 do NCPC), em razão de urgência. Logo, do procedimento cautelar não resultará juízo de certeza, chegando a simples juízo de verossimilhança. O autor recebe tutela cautelar não porque é o titular do direito alegado perante o réu, mas porque parece ter algum direito. Em outras palavras, os atos do procedimento organizam-se para produzir mais ordem – a força da sentença cautelar é mandamental (infra, 234) –, do que julgamento, “por conter a sentença juízo sobre verossimilhança e não sobre veracidade”.134 Em geral, a pretensão à segurança deduzida pelo autor forma relação processual autônoma. Embora seja lícito ao autor deduzir o pedido principal subsequentemente, in simultaneo processu, a teor do art. 308 do NCPC, a autonomia da medida é relativa, porque cessa a eficácia, dentre outros motivos, não deduzindo o autor sua pretensão no prazo de trinta dias (art. 308, caput, c/c art. 309, II, do NCPC). Essa regra suscita o problema da autonomia ou dependência da pretensão à segurança e do respectivo procedimento (infra, 1.434). As principais características do procedimento comum traçado nos arts. 305 a 310 do NCPC reclamam, preliminarmente, breve rememoração dos postulados fundamentais da teoria geral do processo aqui adotada. Uma coisa é a pretensão à tutela jurídica do Estado (direito à Justiça), cujo exercício perante o Estado provoca o nascimento de relação jurídica muito peculiar – a relação processual –, na qual figuram como sujeitos, inicialmente, o autor o Estado, e que, em geral, completa-se com o chamamento do réu, oportunidade em que assumirá feição definitiva (e angular). Porém, o processo já existe antes da citação do réu. O ato do juiz que rejeita a petição inicial extingue, por definição, o processo (art. 330, I, c/c art. 485, I, e art. 316 do NCPC). Outra realidade é a pretensão que o autor, por intermédio do processo, veicula perante o réu. O autor pretende obtenção de um efeito jurídico (certeza, estado jurídico novo, título executivo, intercâmbio patrimonial ou ordem), consoante as características do direito material deduzido, e esse efeito não se produz no plano processual. A pretensão ou ação do autor perante o réu, no processo, forma o objeto litigioso ou mérito. Entre o mérito e o processo há relação de conteúdo e continente. Esse esquema, cujo fulcro reside na distinção entre ação “processual” e objeto litigioso, formado pela pretensão (originária do direito material, mas que
sofre as transformações inerentes à sua introdução no processo consoante a narrativa do autor) afirmada perante o réu, vale para quaisquer processos, independentemente da respectiva função instrumental A possibilidade de o juiz conceder mediante cautelas ex officio, na falta de pedido expresso do interessado (parte ou terceiro), em processo já pendente (v.g., o sobrestamento da entrega do quinhão: art. 627, § 3.º, do NCPC), não constitui ressalva convincente a esse princípio e o motivo é simples: atuação oficiosa ocorrerá em relação processual instaurada por iniciativa da parte (art. 312 do NCPC). Tampouco excepciona o princípio as liminares antecipatórias, justamente pela circunstância de não serem cautelares, e, ademais, submeterem-se à iniciativa das partes (art. 2.º do NCPC). Formalmente, a pretensão à segurança antecedente não é veiculada pelo autor em simples ordenação de atos processuais, mas formará processo autônoma. Ficará dentro de uma estrutura continente, que é o processo, decorrente da pretensão à tutela jurídica do Estado (acesso à Justiça). Cuidar-se-á de autêntico processo. E como todo processo inicia por petição inicial, objeto da previsão do art. 305, caput, do NCPC. Essa regra aplica-se às medidas enumeradas exemplificativamente no art. 301 do NCPC. A demanda cautelar receberá o competente registro e sujeitar-se-á à distribuição, onde houver mais de um juiz (art. 284 do NCPC), além de autuação própria (art. 206 do NCPC), gerando os respectivos autos, como qualquer outra. O art. 308, caput, do NCPC alude, por essa razão, aos “mesmos autos” (rectius: processo). Evitou-se a formação de outros autos e a reunião dos processos, pois o vínculo de acessoriedade comporta mais de uma exceção e não integra a essência da tutela cautelar. Findará o procedimento cautelar por sentença. O art. 310 do NCPC preferiu a fórmula elíptica do direito anterior (“(…) nem influi no julgamento desse, salvo se o motivo do indeferimento for o reconhecimento de decadência ou de prescrição”), mas ele recebeu indicação indireta no art. 1.012, § 1.º, V, do NCPC. Essa ressalva tem importância. Existem cautelares autônomas, prescindindo da formulação do pedido principal previsto no art. 308 do NCPC, e, conseguintemente, não submetidas à cessação da eficácia do art. 309, I, do NCPC. O procedimento cautelar comum, previsto nos arts. 305 a 310 do NCPC, compõem-se de “atividade postulatória, atividade instrutória e atividade decisória”,135aplicando-se, subsidiariamente, o procedimento comum (art. 307, parágrafo único, do NCPC). A autonomia procedimental, máxime no caso de a parte deduzir a pretensão à segurança antes de deduzir o pedido principal e antes não se mostras imprescindível, era admitida no direito anterior.136 Eventual independência (funcional e procedimental) não obsta que, incidentemente, a parte deduza a pretensão à segurança cumulativamente à da causa principal. Não importa a natureza real da medida. A regra de fungibilidade consiste em evitar possíveis controvérsias quanto à real natureza da medida antecipatória pleiteada pelo autor, ponto acerca do qual não há convergência teórica, mas exibe alcance mais largo, mostrando que é
admissível o autor, incidentalmente.
de
caso
pensado,
pleitear
medida
cautelar
115. Características do procedimento cautelar comum Formando o exercício da pretensão cautelar uma relação processual (processo) próprio, iniciado com petição inicial, haverá autonomia do procedimento até a introdução do pedido principal. Esse procedimento organizará os atos intrínsecos. E a esta seriação correspondem os arts. 305 a 310 do NCPC. O caráter específico do procedimento da pretensão processual com função cautelar deriva, dentre outros fatores de vulto, da situação de urgência. Ao art. 305 do NCPC, ministrando os requisitos da petição inicial, combina-se o art. 300 do NCPC, aplicável a quaisquer medidas de urgência, denotando a principal característica do procedimento: a concessão de tutela provisória, “liminarmente ou após justificação prévia” (art. 300, § 2.º, do NCPC). Logo, poderá haver a designação de audiência de justificação. Instaurado que seja antecedentemente, sem a formulação do pedido principal (art. 308, caput, do NCPC), em princípio surgirá vínculo de dependência, no sentido de que a autêntica medida cautelar se resolverá consoante seu desfecho. É o caso do arresto: ou a medida se transforma em penhora, deduzida a pretensão à condenação ou a pretensão a executar, ou os bens retornam à posse plena do réu. Eis o motivo por que o art. 308 exige a dedução do pedido principal e o art. 309, I, do NCPC prevê a cessação da eficácia da medida liminar. Esse vínculo de dependência descansa na característica da temporariedade, inerente à verdadeira tutela cautelar. Em tal hipótese, a cautela assume caráter acessório, ou seja, há vínculo de dependência Assim, a pessoa que pleiteou o arresto, cedo ou tarde almejará transformá-lo em penhora, e tampouco se concebe que essa constrição patrimonial subsista indefinidamente. Daí por que o NCPC consagra, quanto a tais medidas, a resolução automática perante certos eventos supervenientes: (a) se a parte não intentar a ação principal, tratando-se de cautelar antecedente (art. 309, I, do NCPC); (b) se a parte não executar a medida cautelar no prazo de trinta dias (art. 309, II, do NCPC); (c) se o juiz julgar o processo principal desfavoravelmente ao autor, emitindo sentença terminativa ou sentença definitiva, nos casos legais (art. 309, III, do NCPC); e (d) se o juiz julgar desfavoravelmente ao autor o próprio processo cautelar, antes de findo o prazo do art. 308 do NCPC (v.g., desapareceu a situação de perigo). Em outros casos, porém, apesar na natureza tipicamente cautelar da medida pleiteada e obtida, requerida antes de outro processo entre as partes, nenhum vínculo há com a causa principal. Esse grupo de medidas compõe a categoria das cautelares autônomas. Inexiste relação obrigatória de dependência e de instrumentalidade da cautela com resoluções satisfativas futuras. A relação de dependência do procedimento cautelar relativamente à causa principal comporta várias ressalvas, e, por isso, não pode ser transformada em característica constante da cautelaridade.
Exemplos de ações cautelares antecedentes e autônomas, às vezes designadas de principais:137 (a) A caução do art. 1.280 do CC: se o prédio vizinho ameaça ruína, o proprietário ou o possuidor do prédio lindeiro têm pretensão à segurança, e podem obter caução pelo dano iminente, assegurando os eventuais prejuízos futuros, sem que, na atualidade, e muito menos no prazo de trinta dias (art. 308, caput), a ele assista alguma ação perante o proprietário do prédio instável. (b) A garantia requerida, em contrato bilateral, para a hipótese de a prestação de um dos figurantes, em virtude de diminuição patrimonial superveniente à conclusão do contrato, se tornar duvidosa (art. 477 do CC). Independentemente da existência da caução, o figurante poderá prestar no tempo, forma e lugar convencionados, não nascerá, para qualquer dos parceiros, ação que utilize ou resolva, de per si, a garantia prévia. (c) A ação do construtor, temeroso que o estaqueamento da obra futura, realizada no seu terreno, venha a ser responsabilizado pela ruína do prédio contíguo, o qual, todavia, ameaça desmoronar por vícios próprios, poderá requerer vistoria deste último. Nada obstante a prova assegurada, talvez jamais se origine litígio entre os vizinhos, seja porque a obra nenhum dano provocou, seja porque o prédio frágil permaneceu incólume. Portanto, há processos cautelares autônomos, bem como há os que protegem a formulação da regra jurídica concreta (função de cognição) e a respectiva realização no mundo real (função de execução), visando à satisfação do vitorioso.
Título II - Fundamentos constitucionais do processo civil
Capítulo 8. DIREITOS FUNDAMENTAIS PROCESSUAIS SUMÁRIO: § 25.º Conceito dos direitos fundamentais processuais – 116. Evolução das garantias processuais no direito brasileiro – 117. Identificação do conteúdo mínimo das garantias processuais – § 26.º Regime dos direitos fundamentais processuais – 118. Questão terminológica: garantias, princípios e direitos – 119. Funções das garantias processuais no processo civil. § 25.º Conceito dos direitos fundamentais processuais 116. Evolução das garantias processuais no direito brasileiro A primeira manifestação constitucional das garantias atualmente designadas – nomenclatura passível de controvérsias, examinada em item específico (infra, 118) – de direitos fundamentais processuais, localiza-se na Constituição outorgada de 25.03.1824. As Ordenações Filipinas, vigentes até os albores do século XX, em muitos pontos, em virtude do art. 1.º da Lei de 03.05.1823, não relutaram na explicitação de certas garantias das partes em juízo. O direito ao contraditório,
à imparcialidade do juiz e o direito à prova receberam previsão explícita em diversas ocasiões. Não representam, todavia, postulados perante os quais a lei e o órgão judicial deveriam necessariamente se conformar e aplicar, como a previsão em diploma de hierarquia superior assegura atualmente. Em 1824, a Constituição brasileira acatou princípios liberais e assaz avançados para sua época. A magistratura mereceu especial atenção no que tange às suas prerrogativas (arts. 151 a 155) e o “Poder Judicial” obteve independência nominal, compondo-se de juízes e de jurados. O processo se organizou em dois graus de jurisdição, prevendo-se a criação de Tribunais de Relação – os atuais TJ –, nas Províncias, “que forem necessárias para a comodidade dos povos”, encimados por um Supremo Tribunal de Justiça (art. 163). Estabeleceu-se a garantia do juiz natural, proibindo-se juízes de exceção (art. 179, §§ 11 e 17), e a garantia da estabilidade dos provimentos judiciais, ou coisa julgada, vedando-se a qualquer autoridade, para essa finalidade, “reviver processos findos” (art. 179, § 12). Também contemplou a inquirição pública das testemunhas, nas causas criminais (art. 159), e conferiu à tentativa de conciliação a condição de requisito prévio de admissibilidade das causas (art. 161), ficando a cargo dos juízes de paz (art. 162). O conjunto dessas garantias parece escasso e insuficiente, hoje em dia, mas necessita ser compreendido no respectivo momento histórico. A Lei de 18.09.1828 constituiu o Supremo Tribunal de Justiça, extinguindo os órgãos judiciários de superposição do antigo direito português, Casa de Suplicação e Mesa de Desembargado do Paço, Consciência e Ordens.1 O art. 13 desse diploma assegurou o julgamento em mesa, “a portas abertas”, modalidade de publicidade até hoje raríssima no direito estrangeiro. Por exemplo, com o fito de assegurar a independência dos juízes e a autoridade moral das decisões, o art. 448 do CPC francês declara que as deliberações dos juízes são secretas, o que implica a exclusão de quaisquer pessoas estranhas e o veto à divulgação do conteúdo dos debates.2 Entre nós, convém realçar, o bom exemplo frutificou e aprimorou-se tecnologicamente: as sessões do Pleno do STF são televisadas ao vivo, apresentando a palpável vantagem de legitimá-las democraticamente (e a desvantagem de convidar os Ministros a motivar seus votos individualmente, em lugar do breve e, a mais das vezes, pertinente “de acordo”). As aspirações liberais atingiram grau máximo na Lei de 29.11.1832, que promulgou o Código de Processo Criminal. O seu anexo, em título único, cuidava da “Disposição Provisória sobre a Administração da Justiça Civil”. O conjunto desses vinte e sete artigos fixou o marco inicial do processo civil brasileiro (retro, 72).3 O diploma plasmou alguns dos mais destacados direitos fundamentais processuais: publicidade (art. 11), imediatidade do juiz (art. 9.º), celeridade (art. 14), preclusão e outros. No plano constitucional, ou seja, no sítio adequado para proclamar os direitos fundamentais processuais, com o intuito de conformar a legislação ordinária, a CF/1891 dividiu a Justiça em dois setores, a Justiça Federal mantida pela União, e a Justiça Comum ou Ordinária, a cargo dos Estadosmembros, vedando recíprocas interferências (art. 62 da CF/1981) e deu particular relevo ao Poder Judiciário. Aos juízes federais a República garantiu a vitaliciedade (art. 57, caput, da CF/1891) e a irredutibilidade dos vencimentos (art. 57, § 1.º, in fine, da CF/1891) como meio de garantir a
independência dos provimentos judiciais, e contemplou extenso rol de direitos fundamentais. É digno de registro o art. 72 da CF/1891 que, a par dos direitos expressos, adotou cláusula aberta, com o fito de não excluir “outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna”. No catálogo dos direitos fundamentais, destacam-se a garantia do duplo grau (art. 59, § 1.º, II, e art. 60, § 1.º, da CF/1891), a revisão dos processos findos, na área criminal (art. 59, § 1.º, III, c/c art. 81, da CF/1891); as garantias da reserva legal (art. 72, § 1.º, da CF/1891) e da igualdade (art. 72, § 2.º, da CF/1891); o direito de petição perante os poderes públicos (art. 72, § 9.º, da CF/1891), dentre outros, inclusive o habeas corpus (art. 72, § 22, da CF/1891), em termos tão amplos que ensejou o desenvolvimento de doutrina particular na sua aplicação no âmbito civil (retro, 43). O catálogo dos direitos fundamentais, além dos pontos já mencionados, aumentou na CF/1934. As prerrogativas da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos da magistratura, no art. 64 da CF/1934, recebeu consagração em termos similares aos até hoje vigentes. E, no tocante ao processo civil, explicitou os seguintes direitos processuais fundamentais: (a) a coisa julgada recebeu proteção contra a lei superveniente (art. 113, n.º 3, da CF/1934); (b) assegurou aos acusados a ampla defesa, “com os meios e recursos essenciais a esta” (art. 113, n.º 24, da CF/1934); (c) proibiu os tribunais de exceção (art. 113, n.º 25, da CF/1934); (d) exigiu da União e dos Estados-membros a criação de órgãos para prestar assistência judiciária gratuita (art. 113, n.º 32, da CF/1934); (e) instituiu o mandado de segurança (art. 113, n.º 33, da CF/1934); (f) assegurou o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, sem indicar, explicitamente, os processos judiciais (art. 113, n.º 35, da CF/1934); (g) proibiu o non liquet (art. 113, n.º 37); (h) instituiu a ação popular (art. 113, n.º 38, da CF/1934). A lei fundamental subsequente, outorgada com o propósito expresso de debelar a infiltração comunista, promoveu vários retrocessos, a começar pela peremptória proibição de o Poder Judiciário julgar questões exclusivamente políticas (art. 94 da CF/1937) e a possibilidade de o Parlamento rever, em deliberação qualificada, a declaração de inconstitucionalidade feita por tribunais (art. 96, parágrafo único, da CF/1937). Essa última regra não recebeu aplicação, porque o Parlamento jamais se reuniu durante o Estado Novo, na falta do plebiscito previsto no art. 187 da CF/1937. A Carta extinguiu a Justiça Federal, prevendo apelação para o STF nas causas em que União figurar como parte ou interveniente (art. 109, caput, da CF/1937). Retornou-se ao regime democrático com a CF/1946. Além das garantias já constantes nas leis fundamentais anteriores, o art. 141 da CF/1946 acrescentou: (a) a proibição de a lei excluir da apreciação do Poder Judiciário “qualquer lesão de direito individual” (§ 4.º); (b) a exclusão da prisão civil, salvo a do depositário infiel e a do devedor de alimentos, na forma da lei (§ 32). Essa lei fundamental não se divorciava das tradições pátrias. Após o encerramento do último conflito mundial, e da proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), consolidou-se a tendência de reforçar os pontos sensíveis do processo civil, atribuindo-lhes a eficácia própria das normas constitucionais, o que, surpreendentemente, não se limitou aos países democráticos. As disposições da Constituição da União Soviética e das repúblicas populares da Europa oriental não distinguem,
nesse particular, dos países da Europa ocidental.4 Tal dado recorda, ao menos, que não basta inserir na lei superior determinada garantia para outorgar-lhe eficácia na realidade social. Como quer que seja, comparada a CF/1946 com tais diplomas, observa-se que ela não ficava muito atrás; porém, tampouco adiantava-se muito. De 1939 até 1974 vigorou o primeiro estatuto unitário do processo civil. Essa lei geral processual surgiu sob a outorgada CF/1937, conviveu com a democrática CF/1946, sem maiores adaptações de fundo ou de forma, e seu ocaso se deu sob a ditatorial CF/1969. O CPC de 1939 recepcionou diversos direitos fundamentais processuais; por exemplo, a assistência judiciária, do contraditório, o direito à prova, a motivação das resoluções judiciais, a coisa julgada e o duplo grau de jurisdição, sem prejuízo do feitio autoritário, concentrando poderes no órgão judiciário (infra, 938). O regime militar promulgou a CF/1967, alterada pela EC 1/1969, outorgada pela Junta Militar. Nesse arranjo constitucional, voltou a existir a Justiça Federal (art. 112, II) e, em 1977, criou-se o Conselho Nacional da Magistratura, com funções análogas às do atual CNJ (infra, 923). Formalmente, vigorava capítulo cujo título era “Dos Direitos e Garantias Individuais”, reproduzindo os direitos fundamentais processuais anteriores. No entanto, a EC 7/1977 condicionou o acesso à Justiça ao prévio esgotamento da instância administrativa, instituindo algumas condições (inexistência de garantia de instância e prazo). Por fim, a CF/1988 positivou a cláusula do devido processo legal no art. 5.º, LIV, derivado do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/1988), “fim último e núcleo legitimador do direito”,5 e norma fundamental do Estado Constitucional brasileiro, que dispõe: “Ninguém será privado da liberdade e dos seus bens sem o devido processo legal”. Essa disposição é considerada o “princípio constitucional fundamental do processo civil”, de modo que bastaria a sua enunciação para necessariamente derivarem “todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa”.6 Cabe notar que o postulado fundamental, nessa área, é o direito de acesso à Justiça, sem o qual não se formaria o processo, e, conseguintemente, nem sequer se cogitaria dos predicados da justiça e do equilíbrio no seu manejo. Nada obstante a cláusula aberta, compreensiva dos demais direitos fundamentais processuais, a CF/1988 explicitou os seguintes: (a) o direito de acesso à Justiça (art. 5.º, XXXV, da CF/1988); (b) o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5.º, LV, da CF/1988); (c) o direito à publicidade dos atos processuais (art. 5.º, LX, c/c art. 93, IX, da CF/1988); (d) o direito à motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF/1988); (e) o direito ao juiz e ao promotor natural (art. 5.º, LIII, da CF/1988); (f) a proibição da obtenção da prova por meio ilícito (art. 5.º, LVI, da CF/1988); (g) o direito à isonomia (art. 5.º, caput, da CF/1988); (h) o direito à celeridade ou duração razoável do processo (art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988, acrescentado pela EC 45/2008); (i) o direito à estabilidade das decisões judiciais ou coisa julgada (art. 5.º, XXXVI, da CF/1988); (j) o direito à assistência judiciária (art. 5.º, LXXIV, da CF/1988). A esses direitos fundamentais processuais é possível acrescentar outros, implicitamente derivados das disposições constitucionais. O direito ao duplo
grau de jurisdição se infere, por exemplo, da previsão do recurso ordinário, cabível para o STF contra decisões proferidas em única instância pelos tribunais superiores, nos casos do art. 102, II, da CF/1988, e para o STJ, nas hipóteses do art. 105, II, da CF/1988. Desse modo, costuma-se incluir no catálogo o duplo grau de jurisdição. O conjunto dos direitos fundamentais processuais, e a chamada jurisdição, formaram ramo autônomo do processo civil – o direito processual constitucional, cuja dogmática é processual, mas a fonte constitucional.7 A esse conjunto alude o art. 1.º do NCPC, declarando ordenar-se, disciplinar-se e merecer interpretação o processo civil “conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”. Em várias disposições, aliás, o NCPC passou da consagração da diretriz à prática, a exemplo da valorização do contraditório nos arts. 9.º e 10, modificando radicalmente o modo de atuação do órgão judiciário. 117. Identificação do conteúdo mínimo das garantias processuais Os direitos fundamentais processuais apresentam alto grau de abstração. A proposição normativa neles contida se revela indeterminada em graus variáveis. O largo emprego de conceitos juridicamente indeterminados, ou cláusulas abertas, explica a indeterminação. O lado positivo dessa técnica não pode ser esquecido. Cuida-se de remédio preventivo contra o envelhecimento prematuro das normas jurídicas, flexível meio técnico de adaptação às mudanças sociais.8 O emblemático direito à duração razoável do processo e “aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988) ilustra o aspecto negativo. Não há parâmetro abstrato e fixo do que seja o tempo razoável para o processo chegar ao seu término. A proposição normativa não é somente indeterminada. Ela é indeterminável. Não há fórmula legislativa que traduza, convenientemente, o tempo razoável para a formulação da regra jurídica concreta (cognição) e a sua realização prática (execução). Regra que estabelecesse como excesso temporal o vencimento de um terço além do tempo médio de tramitação de um processo similar no âmbito da Justiça Comum do Estado-membro se mostraria insatisfatória por várias razões: desconsideraria a condição pessoal da parte interessada, pois esse interregno pode ser excessivo para os idosos; ignoraria as peculiaridades objetivas do processo (v.g., no caso o réu não apresentou defesa, o que abrevia o procedimento); desprezaria o fato de o próprio tempo médio mostrar-se elevado, porque o Estado não administrou os meios humanos e materiais indispensáveis ao desfecho desses processos similares em tempo hábil; e, por fim, exigiria prova difícil, a cargo do prejudicado, do tempo médio e dos paradigmas. O direito processual à celeridade é de tal ordem que torna impossível a mediação legislativa, cabendo ao juiz aferir, no caso concreto, se houve ou não excesso temporal. A consequência dessa falta de aptidão para conteúdo único e fixo torna particularmente árdua a aplicação dos direitos fundamentais. E a indicação, em cada hipótese, do respectivo conteúdo essencial implica operação sistemática e mentalmente diferenciada.9
Em outros casos, a determinação do conteúdo essencial do direito fundamental processual oferece menores dificuldades. Vale o exemplo do direito à publicidade. Dos arts. 93, IX, e 5.º, LX, da CF/1988 extrai-se, diretamente, o direito de acesso do público aos atos processuais (publicidade externa) e o direito de as partes serem informadas da prática dos atos processuais (publicidade interna). Caberá à lei, dispõem convergentemente esses dispositivos, estabelecer restrições em nome do direito à intimidade e do interesse social. Todavia, há um núcleo duro que a lei, e, a fortiori, o órgão judiciário não podem transpor sem tornar o ato processual viciado: em qualquer hipótese, os advogados das partes terão conhecimento ou participarão dos atos processuais. A investigação que se empreenda para a explicação dos direitos processuais fundamentais, por essas razões, situa-se na fronteira movediça da teoria geral do direito – por exemplo, nessa seara se decide a natureza de direitos, de garantias ou de princípios –, do direito constitucional e do direito processual civil. É na CF/1988 que este tem o seu fundamento, vez que o processo é meio, ou método de trabalho, para a consecução de fins políticos específicos, avultando a realização do direito material e dos próprios direitos fundamentais. Ninguém ignora que, sem um processo justo, quaisquer direitos se tornariam em promessas vazias e destituídas de sentido. Tão importante se mostra a garantia de acesso à Justiça que mesmo os direitos fundamentais se transformariam em exaltações retóricas, que haveria “de se fiar na boavontade dos homens para alcançar a respectiva concretização”.10 Aliás, o próprio Estado Constitucional de Direito, a ordem jurídica enfim, em larga medida dependerá dos atributos pessoais dos homens e das mulheres a que servem, e, no caso dos direitos fundamentais, o conteúdo só pode ser determinado perante fatos específicos.11 Enfim, dependem da aplicação outorgada pelos juízes e juízas.12 A aptidão do processo para alcançar os seus fins políticos, amarrados aos direitos fundamentais, pressupõe duas ordens de problemas, a saber: (a) a definição do conteúdo dos postulados constitucionais que informam o processo justo, vez que, em maior ou menor grau, empregam conceitos juridicamente indeterminados e abertos; (b) a demarcação da liberdade do Estado-legislador e do Estado-juiz na conformação e manipulação desses postulados. O juiz tem o dever de concretizar os direitos fundamentais mediante interpretação.13 Nenhum direito fundamental afigura-se absoluto. Existem casos em que eles se contradizem, ou mutuamente se excluem, exigindo ponderação. Um deles é parcialmente sacrificado para que outro seja parcialmente viabilizado. Exemplo trivial se localiza no direito fundamental ao contraditório, cuja importância é singular no ambiente processual em que predominam os poderes do órgão judiciário. Encarado como diálogo constante das partes com o juiz em cada ato ou fase processual, o debate constante e protocolar, independentemente da relevância da deliberação a ser tomada, prejudicará o direito à celeridade. E esse retardo pode se tornar intolerável e substancialmente injusto no caso concreto. É preciso obter uma solução de compromisso, atenuando o contraditório, ou postergando-o para momento ulterior, a fim de a celeridade cumprir a sua função. A aplicação dos direitos fundamentais no julgamento da causa também exige delicada ponderação. A
essa colisão alude, significativamente, o art. 489, § 2.º, reclamando dispendioso esforço no raciocínio da pessoa investida na função judicante. Em muitas situações extremas, cogita-se até mesmo do sacrifício do mais alto deles, o direito à vida, a exemplo da escolha entre o perecimento de uma pessoa para garantir a sobrevivência de todas as outras. Esse dilema nada exibe de teórico. Ele se apresenta de forma dramática no quotidiano forense. Com efeito, às vezes, prestar a melhor assistência possível à saúde para uma única pessoa, ou grupo delimitado de pessoas, em virtude de doença rara e incurável, significa deixar sem recursos financeiros programas públicos de saúde que debelariam doenças curáveis da maior parte da população. Em tal hipótese, havendo recurso à autoridade judiciária, nenhuma decisão será de ânimo leve ou inconsequente. A jurisdição é uma atividade que exige coragem moral dos homens e das mulheres que ocupam órgãos judiciários. E há outro aspecto nessa equação. O caráter abstrato da proposição normativa do direito fundamental processual convida à mediação da lei ou do juiz. Isso obriga tanto a definir eventual núcleo duro, o mínimo normativo em cada hipótese, quanto a fixar medida dessa mediação inevitável. São problemas de magna estatura e, a respeito, inexiste solução perfeita, acabada e universalmente aceita. Não prescindem, entretanto, de esforços sinceros e persistentes à respectiva dilucidação. § 26.º Regime dos direitos fundamentais processuais 118. Questão terminológica: garantias, princípios e direitos As noções de garantias, de princípios, de direitos, de regras e de normas não se mostram unívocas e variam conforme as escolas e inclinações pessoais metodológicas. Levantamento baseado nas fontes mais difundidas e aclamadas chegou à conclusão que todas as maneiras de expressar tais conceitos apresentam méritos e falhas, vantagens e desvantagens.14 Em que pese persuasiva a análise, uma posição precisa ser adotada nesse assunto a bem da coerência da exposição. O apuro terminológico, embora convencional, revela-se imprescindível em qualquer estudo científico. Os princípios e as regras são espécies do gênero normas.15 Das regras, que exigem imperativamente uma conduta (impondo, proibindo ou permitindo), concretamente cumprida ou não, os princípios se destacam porque, a despeito de exibirem análoga função retórica-argumentativa (ou prescritiva), representam normas “impositivas de otimização, compatíveis com vários graus de concretização”, segundo as condições de fato e de direito.16 Enquanto a convivência das regras é antinômica, observando a lógica do tudo ou nada – ou se aplica, ou não se aplica, verificados os respectivos elementos de incidência –, a elasticidade intrínseca dos princípios permite aplicação mediante a ponderação de valores e de interesses, consoante a medida ou o peso de uns e de outros, no caso concreto, no eventual e inevitável contraste de dois ou mais princípios. Tal conflito, a reclamar um modo de acomodação e ajuste, vividamente se expressa, à guisa de exemplo, no confronto entre contraditório e celeridade: o processo pautado pelo contraditório, no qual cada passo é antecedido pelo diálogo (almeja-se que não simplesmente formal) das partes e do juiz, sem dúvida dissipará mais tempo do que o processo no qual à iniciativa de uma das partes ou do juiz não
correspondesse impositiva audiência da outra ou de ambas. É preciso, portanto, buscar um meio termo razoável, em que o diálogo efetivo somente ocorra quando necessário aos fins próprios do processo. Por esse ângulo, o que se designou, até agora, como direitos fundamentais processuais constituem princípios. A essa conclusão convergem, ademais, outros atributos frisantes de formulações como a do art. 5.º, LIV, da CF/1988 (“Ninguém será privado da liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal”: primeiro, o elevado grau de abstração (regras têm abstração reduzida), a exigir mediações idôneas para concretizá-las, ope legis ou ope iudicis; segundo, a função estruturante ou diretora dessa norma, cuja vocação natural é a de conformar objetivamente o processo. Não se mostraria impróprio designar a cláusula do devido processo legal de princípios-garantia, normas dotadas de “força determinante positiva e negativa”.17 Uma classificação comum, na matéria, distingue os princípios fundamentais, ou políticos, e os princípios informativos, de natureza técnica.18 No entanto, surgirá indesejável inconveniente na adoção dessa terminologia, embora a explicação do seu fundamento metodológico erradicasse as possíveis dúvidas. É que, em geral, toma-se a palavra princípio em sentido altamente liberal ou postulado sem qualquer força vinculante, simples programa endereçado ao legislador, inteiramente desprovido de conteúdo para conferir a alguém direito subjetivo ao bem jurídico mais antevisto do que explicitado em sua proposição. Em outras palavras, a ausência cabal de sentido convergente da palavra princípio, na seara jurídica, compromete o seu emprego, ao se tratar de direitos fundamentais, porque conduziria à errônea ideia de que se alude a diretrizes insuscetíveis de concretização. Além disso, há princípios gerais que não derivam da Constituição, e, assim, falta-lhes a disciplina intrínseca ao autêntico direito fundamental. E, com efeito, cumpre distinguir entre os princípios processuais, também chamados de máximas do processo (v.g., princípio da oralidade e princípio da escritura), eminentemente técnicos, e as garantias processuais constitucionais, essencialmente políticas. Não convém tratá-los conjuntamente e incluir o devido processo (faires Verfahren) em rol que contempla o princípio dispositivo (Dispositionsgrundsatz).19 E há uma derradeira razão subliminar: a investigação de princípios levanta a suspeita que o discurso não se ocupa objetivamente de nenhum assunto em particular, traduzindo peroração vazia, o refúgio ideal dos espíritos mais brilhantes e inacessíveis. Tais razões recomendam que se utilize, para retratar as garantias processuais constitucionais, localizadas no proeminente sítio reservado aos “direitos e garantias fundamentais”, a expressão aqui adotada – direitos fundamentais processuais.20 Decorrem, então, mais clara e expressivamente, as consequências aneladas por esse conjunto de valores, sem embargo de suas características enquanto normas, em particular à necessidade de composição de garantias contrastantes: outorgam direitos subjetivos às partes, senão ope legis, ao menos ope iudicis, e operam na conformação do processo (administrativo ou judicial). 119. Funções das garantias processuais no processo civil
Importa sobremodo que se procure extrair todos os efeitos, e no seu máximo potencial, de cada direito fundamental processual em particular. Por se tratar de normas de estrutura aberta, ou de elevado grau de indeterminação, geralmente em conflito entre si – o exemplo da oposição do contraditório e da celeridade volta à mente –, e a reclamar o emprego de modalidades de mediação ou de concretização, à primeira vista não parece empresa fácil e isenta de riscos. É indubitável, todavia, que os direitos fundamentais processuais funcionarem como baliza da atividade legislativa – o substantive Due Process of Law pautou o controle constitucional da razoabilidade das leis (infra, 127), entre nós derivado de outros preceitos – e, no que interessa mais de perto à prática do processo, a atividade judiciária. Os direitos fundamentais processuais predeterminam a aplicação ou não das regras processuais. Em tal matéria, concorrem várias máximas da hermenêutica contemporânea, sobrelevando-se a da maior efetividade do direito fundamental, a da proibição do retrocesso e a da concordância prática dos princípios, evitando que haja indébita restrição à aplicação de qualquer direito fundamental processual. A mais das vezes, restrição desse naipe decorre da inércia em passar as regras processuais pelo escrutínio dos direitos de hierarquia superior. Em suma, tais máximas permitem ao juiz conformar, positivamente, o processo aos direitos fundamentais processuais, a primeira e mais relevante função dessas garantias. O juiz desfruta de independência jurídica. Todavia, guardará estrita lealdade às leis constitucionais. Não assumiu a função judicante contra a Constituição, ou a despeito da lei fundamental, e, sim, por decorrência da previsão dessa espécie de investidura nesse diploma privilegiado. Logo, ao juiz toca guardar e zelar a aplicação dos direitos fundamentais processuais em cada caso concreto a ele confiado pela distribuição impessoal e alternada dos feitos. A esse propósito, logo acode à mente o exemplo dos embargos de declaração com efeito infringente. De ordinário, o julgamento dos embargos de declaração tão-só integra o provimento impugnado – e, por isso, todos os atos decisórios desafiam semelhante recurso –, escoimando-o dos defeitos típicos do art. 1.022, sem, contudo, promover qualquer alteração substancial do julgado (o vitorioso não perderá esta condição, permanecendo idêntica a extensão da vitória); por exceção, e à falta de outro remédio – por exemplo, ocorreu vício na publicação da pauta de julgamento, omitindo o nome do procurador da parte ou, mais prosaicamente, sem atentar ao prazo de espera de cinco dias, previsto no art. 935, caput -, ou em virtude da natural erradicação do defeito típico da omissão, o embargos de declaração exibem efeito modificativo, importando a anulação ou a reforma do julgado. Em tal hipótese, o fato de se tornar concebível reviravolta no julgamento, avaliado à luz do direito fundamental ao contraditório, a despeito da anterior omissão da lei processual, determinava a prévia manifestação do embargado, como preconiza, atualmente, o art. 1.023, § 3.º, assegurando ao embargado o prazo de cinco dias para responder. O direito fundamental ao contraditório operou, virtuosamente, conformando o processo. E também implica, em alguma medida, restrição do direito fundamental à celeridade, nesse caso do lado do embargante. Eventual violação aos direitos fundamentais processuais, na atividade judiciária, resultando de interpretação da lei processual em desconformidade
com tais garantias, torna o provimento judicial viciado.21 Entre nós, surge autêntica questão constitucional e, havendo decisão expressa a seu respeito, em princípio caberá seu controle pelo STF, no controle difuso, provocado pelo recurso extraordinário. O STF não é particularmente inclinado a reexaminar tais questões nessa via. Declara o STF, indiferente à violação diária dos direitos fundamentais processuais: “A jurisprudência desta Corte fixou-se no sentido de que a afronta aos princípios constitucionais do devido processo, da ampla defesa e do contraditório, se dependente do reexame prévio de normas infraconstitucionais, em regra, seria indireta ou reflexa”.22 É óbvio que, a mais das vezes, as violações ocorrem na interpretação e na aplicação das regras processuais. Desse modo, o STF fechou-se, por razões pragmáticas, limitando o número de recursos admissíveis, à realidade da concretização dos direitos fundamentais processuais nos processos. É possível que, além de suprir a lacuna da lei processual, preenchendo-a mediante a aplicação de direito fundamental processual, e desincumbindo-se da função positiva, o órgão judiciário se depare com o viés negativo dessa aplicação, necessitando repelir a aplicação de certa regra, porque incompatível com a garantia. Dar-se-á, desse modo, a conformação negativa do processo civil. Os arts. 65 (no caso de reconhecimento de alguma excludente de antijuridicidade) e 66, in fine (no caso de reconhecimento da inexistência do fato) do CPP conferem eficácia ultra partes à sentença penal absolutória, pré-excluindo a pretensão de reparação do dano que toca ao lesado ou à vítima. Ora, a vítima e o lesado não figuraram como partes no processo-crime, nem o Ministério Público os representa no processo penal, ideia há muito refutada no âmbito doutrinário.23 Por conseguinte, o resultado do processo penal não lhes pode subtrair o direito de pleitear em juízo a reparação do dano, porque o direito fundamental ao devido processo (art. 5.º, LIV, da CF/1998) assegura que ninguém será privado de seus bens jurídicos sem a oportunidade de persegui-los ou defendê-los mediante processo justo e equilibrado (retro, 35). Caberá ao órgão judiciário, emprestando máxima efetividade ao direito fundamental processual de acesso à Justiça, não aplicar os arts. 65 e 66 do CPP, conforme a hipótese. Os direitos fundamentais processuais operam positiva e negativamente na conformação do processo e, como resultado, chega-se ao processo constitucionalmente justo e equilibrado. É o duplo caráter objetivo e subjetivo dos direitos fundamentais, retratado no devido processo; por um lado, outorga um direito subjetivo e a pretensão de a parte exigir o processo constitucionalmente conformado em qualquer caso concreto; e, de outro lado, objetivamente a hierarquia superior vincula os órgãos do Estado à observância do processo constitucionalmente conformado.24 Os direitos fundamentais processuais mostram-se tão importantes que, nas crises sociais mais intensas, traduzidas nos conflitos políticos da luta revolucionária, e, conseguintemente, transformação de países democráticos em autênticas ditaduras militares, e nos juízos de exceção instaurados para reprimi-los, a manutenção da sua aparente incidência não pode ser prescindida.25 Como quer que seja, há um reprovável impulso a evitar e um grave erro a proscrever definitivamente. A indeterminação da proposição normativa do direito fundamental exige maiores, jamais menores esforços da motivação dos
provimentos judiciais. A sentença fundada em certo “princípio” há de ser extensa e profundamente motivada, porque a explicitação da proposição normativa, em casos tais, equivale a autêntica exposição de motivos de projeto de lei. Do contrário, indicando singelamente o “princípio da dignidade da pessoa humana” para denegar o despejo, ou a reintegração de posse, o juiz proferirá ato decisório nulo, porque desprovido de motivação. E, por outro lado, é muito mais grave infringir regra jurídica do que princípio. Por exemplo, a gravidade do ato de matar alguém, infringindo o art. 121 do CPB, revela-se positiva e determinada, e, assim, muito maior do que a genérica imputação de infração ao princípio da dignidade da pessoa humana. Por óbvio, conforme a hipótese concreta, a infração a tal princípio assumirá suma gravidade (v.g., arrebanhar indígenas isolados, não integrados à comunhão nacional, e infectá-los com fatal vírus da gripe), superior à do homicídio de uma pessoa civilizada, mas a intensidade só aparecerá a posteriori. Não é por outra razão que, invocando princípio ou conceito juridicamente indeterminado, o juiz necessitará empreender muito esforço para emprestar ao seu provimento motivação suficiente.
Capítulo 9. DIREITO FUNDAMENTAL DO ACESSO À JUSTIÇA SUMÁRIO: § 27.º Direito de acesso à Justiça – 120. Conteúdo essencial do direito de acesso à Justiça – 121. Finalidades do direito de acesso à Justiça – § 28.º Limitações do direito de acesso à Justiça – 122. Regime geral das limitações do acesso à Justiça – 123. Esgotamento da instância desportiva – 124. Esgotamento da instância administrativa – 125. Proibição da litisregulação ope judicis – 126. Exclusão de matérias da tutela coletiva. § 27.º Direito de acesso à Justiça 120. Conteúdo essencial do direito de acesso à Justiça Na vida social, as pessoas têm necessidades, cuja satisfação, a mais das vezes, subordina-se à distribuição de bens. Em torno das necessidades, e da distribuição equitativa dos bens, surgem conflitos individuais e transindividuais, fenômeno essencialmente natural. Os conflitos intrínsecos à vida recamam a instituição de mecanismos de resolução e de restauração da paz, impondo a supremacia das pautas de conduta que disciplinam a vida em sociedade. O único meio socialmente eficaz e permanente consiste na heterocomposição. O Estado assume a prestação de serviço público, chamado jurisdição, instituindo órgão específico para prestá-lo, cuja função é resolver os conflitos. Esse órgão estatal recebe prerrogativas que lhe outorgam isenção e objetividade na apreciação do litígio. E, para atingir o escopo fundamental de heterocomposição, o resultado da atividade estatal vincula os litigantes, de ordinário, aos resultados do instrumento empregado para o desempenho dessa função do Estado – o processo. A função estatal encarregada de resolver os conflitos individuais e transindividuais tem a finalidade política de realizar “os direitos reconhecidos na ordem jurídica, e pertencentes a todas as classes de sujeitos, desde as pessoas naturais, as pessoas jurídicas, os entes despersonalizados, e, inclusive, os grupos, a comunidade e a sociedade de um modo geral, face o
reconhecimento dos chamados direitos e interesses coletivos e difusos”.1 O interessado tem acesso a tal serviço estatal de resolução de conflitos através de um direito subjetivo público específico: o direito à tutela jurídica do Estado. Ressalva o art. 3.º, § 1.º, a instituição do juízo arbitral, na forma da lei. O direito fundamental processual à jurisdição recebe outras designações (v.g., direito ao processo). Nos últimos tempos, em que os direitos fundamentais assumiram posição de destaque na dogmática do processo civil, sobressaiu-se a terminologia “direito de acesso à Justiça”. A seu respeito, identificaram-se “ondas” ou etapas de desenvolvimento histórico.2 Não é incomum ou imprópria, ademais, a expressão direito à tutela jurisdicional. Essas designações heterogêneas representam, cada qual ao seu modo peculiar, a figura sob exame. É mais interessante, porém, precisar-lhe o conteúdo do que o rótulo a ela aplicado. Em tal sentido, o acesso à Justiça implica o direito a uma “ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano”.3 Encontra-se o direito à tutela jurídica do Estado explicitado, obliquamente, no art. 5.º, XXXV, da CF/1988: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Recebeu eco no art. 3.º, caput, do NCPC: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. Só a CF/1988 pode restringir o acesso à Justiça. O destinatário natural e direto da proposição constitucional é, em primeira plana, o legislador. A disposição impede a lei de erigir entraves ao exercício do direito à tutela jurídica do Estado. Assim, a instituição de taxa judiciária – retribuição pecuniária, recolhida na abertura do processo, pelo serviço estatal, e que substituiu os estipêndios pagos diretamente ao órgão judicial e aos seus auxiliares4 – sem limite de valor, ou teto, gravaria excessivamente a parte com recursos financeiros, subtraindo-lhe, na prática, o acesso à Justiça. Dispõe a Súmula do STF, n.º 667: “Viola a garantia constitucional de acesso a jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”. O fundamento da rejeição desse obstáculo financeiro ao pleno acesso à Justiça reside na aplicação do princípio da proporcionalidade.5 Exemplos históricos também ilustram o ponto. O art. 94 da CF/1937 impedia ao Poder Judiciário “conhecer de questões exclusivamente políticas”. Ora, regras análogas a essa, inseridas na legislação infraconstitucional, mostrar-se-iam, na atualidade, flagrantemente inconstitucionais. Embora dirigido basicamente ao legislador, com viés negativo, o art. 5.º, XXXV, da CF/1988, subentende, de um lado, os titulares do direito fundamental, e, de outro, os órgãos gravados com o dever de prestar jurisdição. O direito à tutela jurídica do Estado abrange todas as pessoas, universalmente, os nacionais e os estrangeiros, incluindo os entes não personalizados.6 Esse tópico receberá desenvolvimento no item consagrado à personalidade processual (infra, 507). E obrigam-se a prestar jurisdição, através do instrumento criado para esse fim, os órgãos do Poder Judiciário. Feita abstração às exceções residuais, e constitucionalmente legítimas, examinadas no parágrafo subsequente, o direito de acesso à Justiça caracteriza-se por dois atributos. Ele é ilimitado e irrestrito.
O interessado em acudir à jurisdição ingressa em juízo, livre e irrestritamente, e por si mesma tal iniciativa instaura com o Estado o vínculo particular chamado de processo. A relação processual forma-se com a simples entrega da petição do interessado no ofício judicial. Esse mecanismo permite ao interessado veicular no seu âmbito quaisquer hipotéticos direitos, pretensões ou ações, visando obter bem da vida, proveito, vantagem ou utilidade perante outra pessoa ou perante o Estado A existência do alegado direito, pretensão ou ação, e a concreta obtenção do efeito jurídico almejado, traduzido no bem da vida, verificar-se-á no processo. Feita a postulação, o Estado obriga-se a prestar adequada resposta, conforme ao direito. Frise-se bem: os direitos, pretensões e ações podem ser individuais ou transindividuais. Importa notar que a disposição constitucional vigente suprimiu o adjetivo “individual” que constava na regra equivalente da CF/1946.7 É inconstitucional, assim, retirar do âmbito do remédio coletivo mais notório, que é a ação civil pública, determinados direitos coletivos (infra, 126). O indubitável caráter ilimitado, abstrato e autônomo do direito de acesso à Justiça, ou ação que corresponde a tal direito (infra, 223), harmoniza-se com a exigência que certos elementos, requisitos e fatores, hauridos do direito substancial, sejam preenchidos pelo postulante, a fim de autorizar o órgão judiciário a apreciar o mérito, ou objeto litigioso (infra, 326), no todo ou em parte, acolhendo o rejeitando o pedido do autor e, se for o caso, o do réu (art. 487, I, do NCPC). É só nesse sentido que se pode entender o direito fundamental como direito de prestação a cargo do Estado.8 Pode ocorrer que, à primeira vista, sem a necessidade de maiores investigações, o juiz perceba não ter o autor o direito alegado perante o réu ou que, faltando ao processo condições mínimas de admissibilidade, não seja possível o instrumento chegar ao estágio da análise do mérito. O juiz encerrará, então, prematuramente – no sentido que o fim visado pelo autor não pode ser alcançado – o processo, e, nesse caso, ministra ao autor a única resposta legítima em conformidade com o direito objetivo. O interessado exerceu plenamente o direito de acesso à Justiça. Também as condições (ou pressupostos) de admissibilidade das impugnações taxativamente previstas às resoluções tomadas pelo órgão judiciário não restringem, inconstitucionalmente, o direito de acesso à justiça. O prolongamento da relação processual, já obtida pelo vencido a resposta adequada do órgão judiciário, submete-se a condições ainda mais rígidas de admissibilidade. O objetivo consiste em evitar o desperdício ulterior da atividade judiciária. Tal disciplina, em tese, é compatível com o direito fundamental – incluindo o depósito prévio do valor da condenação (infra, 326.2). Ninguém ostenta direito a um segundo pronunciamento judicial sobre a mesma matéria sem a estrita observância das regras de processo. Em síntese larga, porém exata, o exercício do direito de acesso à Justiça assegura ao respectivo titular uma resposta de qualquer conteúdo do órgão judiciário, de meritis ou não, conforme ao direito objetivo. Ninguém exibe, específica e materialmente, direito à resposta sobre o mérito da pretensão processual (objeto litigioso) ou uma decisão de fundo.9 Às vezes, o órgão judiciário não alcança esse estágio, vez que o autor não reuniu todas as condições necessárias para semelhante juízo. Então, fica descartado pronunciamento sobre o mérito. Eventual provimento fundado no art. 485 do
NCPC, ou em regra similar, satisfaz, no caso concreto, o direito de acesso à Justiça. É o caso do prazo decadencial de cento e vinte e dias para impetração do mandado de segurança (art. 23 da Lei 12.016/2009). A regra se afigura constitucional, conforme proclamou a Súmula do STF, n.º 632.10 Cuidar-se-á de provimento de mérito (art. 487, II), mas fundado em questão prévia, pois o juiz abstém-se de examinar todo o mérito. São de outra natureza as exigências de previamente depositar o valor da dívida (v.g., do crédito exequendo, a teor do art. 38 da Lei 6.830/1980), pagar multa ou depositar valor em dinheiro para tomar admissível o remédio processual (v.g., o depósito de cinco por cento do valor de cinco por vento do valor da causa, a título de multa, na rescisória, a teor do art. 968, II, do NCPC). No primeiro caso, o depósito é indispensável tão só para inibir a pretensão a executar da Fazenda Pública, a teor do art. 151, II, do CTN, e, pelo mesmo motivo, a “garantia do juízo” representa tão só um dos requisitos que autorizam o juiz a suspender a execução (art. 919, § 1.º). Depósito prévio de multa é claramente inconstitucional.11 O segundo caso já se compatibiliza bem menos com a garantia do acesso à Justiça. O louvável objetivo de restringir a multiplicação das rescisórias, ou de conscientizar o autor da seriedade da iniciativa de atacar o vínculo especial decorrente do pronunciamento anterior a respeito do mérito, ou coisa julgada, incutindo-lhe seriedade, não se mostra proporcional à finalidade. De resto, o requisito fere o princípio da igualdade, porque a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, bem como suas autarquias e fundações de direito público, o Ministério Público e a Defensoria Pública são dispensados do depósito (art. 968, § 1.º, do NCPC).12 Existe o paliativo de a parte sem recursos financeiros requerer e obter a dispensa do depósito, em casos tais, como autoriza o art. 968, § 1.º, mas o impedimento subsiste íntegro, vez que o postulante dependerá de decisão judicial para esse efeito (infra, 743). O art. 968, § 3.º, limitou o depósito a mil salários-mínimos, mas o impedimento é real e a dispensa das pessoas jurídicas de direito público, do Ministério Público e da Defensoria Pública, fere o princípio da igualdade. Da disposição constitucional retira-se a firme ilação, por outro lado, de o interessado exercitar o direito de provocar a Justiça Pública preventiva ou repressivamente. A esse propósito, o art. 5.º, XXXV, da CF/1988 menciona “lesão ou ameaça” a direito, ecoado no art. 3.º, caput, do NCPC. Entende-se por tutela preventiva a que, tempestivamente tomada, impede a própria lesão ao direito, no sentido mais largo possível (prática, reiteração ou continuação do ilícito), independente da “ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo” (art. 497, parágrafo único). A polaridade do dispositivo constitucional indica que o direito de acesso à Justiça tem densidade normativa peculiar e incorpora os vetores da adequação e da tempestividade. E, com efeito, não se mostraria preventiva a tutela assegurada pelo direito fundamental, mas simplesmente repressiva, inexistissem mecanismos que, reagindo oportunamente às ameaças, evitassem a lesão ao direito alegado. O direito de acesso à Justiça engloba, além do direito à instauração do instrumento próprio da atividade jurisdicional, igualmente o direito às providências de litisregulação (execução para segurança e segurança para execução). Ora, a litisregulação pressupõe o direito à celeridade, e, ainda, para que se evidencie a necessidade de o juiz tomar medidas desse naipe, o
direito de influenciar o convencimento do órgão judiciário, expondo argumentos e ministrando provas.13 As providências de litisregulação submetem-se, por igual, a requisitos de fato ou de direito. Mas, verificadas as respectivas condições, o direito de acesso à Justiça garante à parte resposta positiva ou negativa do juiz a seu respeito. Resta decidir se à lei, sem ferir o direito de acesso à Justiça, cabe proibir genericamente a alteração do estado de fato, ope judicis, como ocorre no caso do art. 7.º, § 2.º, da Lei 12.016/2009. E, seguramente, não cabe à lei proibir, genericamente, o uso de certos remédios processuais (v.g., a ação civil pública, nas matérias arroladas no art. 1.º, parágrafo único, da Lei 7.375/1985). Os obstáculos inibidores ou impeditivos do acesso à Justiça, a exemplo da desigualdade social e econômica, expressadas na situação de extrema pobreza, a falta de informação pré-processual, o custo do processo, a dificuldade de contratar representante técnico, e outros fatores reais e simbólicos,14 recebem tratamento através políticas públicas (v.g., o direito à assistência jurídica plena e integral). Fitando-lhes as repercussões, não há dúvida que, em geral, impuseram decisivo refluxo aos entraves. 121. Finalidades do direito de acesso à Justiça A garantia do acesso à Justiça representa a emanação mais típica e essencial do Estado Democrático Constitucional de Direito.15 Desprovida da possibilidade de acudir à autoridade judiciária, para prevenir ou reparar lesão a direito individual ou transindividual, a pessoa ficaria desamparada e desarmada, exposta a tropelias, abusos e opressões do Estado e de outras pessoas. Os direitos fundamentais reduzir-se-iam a mero flatus vocis. A característica básica do acesso à Justiça outorga-lhe posição préprocessual. Se existe regra matriz para os direitos fundamentais processuais, ocupa semelhante posição o direito de acesso à Justiça. Em particular, o direito ao devido processo (infra, 127) representa simples consectário: sem o acesso à Justiça, inexiste processo, eliminando a cogitação de que seja, ademais, justo e equilibrado. § 28.º Limitações do direito de acesso à Justiça 122. Regime geral das limitações do acesso à Justiça É incompatível com o direito instituído no art. 5.º, XXXV, da CF/1988 apenas a proibição de o órgão judiciário, prima facie, examinar determinada matéria ou tomar certa providência, ex officio ou a requerimento da parte. Por exemplo, revela-se incompatível com esse direito fundamental processual a parte final do art. 18, a, da Lei 6.024/1974 que proíbe intentar ações contra a pessoa jurídica sujeita ao regime da liquidação extrajudicial enquanto durar regime especial. Em princípio, as condições que a lei estabelece para autorizar o juiz a julgar o mérito (v.g., capacidade para conduzir o processo; interesse processual), ou inadmissibilidade, em tese, do pedido formulado ao juiz, não constituem obstáculos ao pleno exercício do direito de acesso à Justiça. Ao
contrário, traduzem as exigências irremovíveis para que esse direito seja aproveitado legitimamente. Às vezes, porém, o legislador se vale do artifício de mascarar óbice real do acesso adequado à Justiça mediante condição pouco razoável ou irrealizável. O art. 17 da Constituição do México, de 1917, proíbe expressamente a autotutela, estabelecendo o seguinte: “Ninguna persona podrá hacerse justicia por si misma ni ejercer violência para reclamar su derecho”. Como já se assinalou, inexiste disposição expressa na ordem constitucional brasileira a esse respeito, e residualmente se toleram hipóteses de autotutela. À luz da disposição mexicana, entretanto, alguns dispositivos legais editados em proveito das instituições financeiras (v.g., a alienação particular dos bens empenhados), são inconstitucionais.16 Outra questão interessante é a da unidade da jurisdição. O republicanismo radical eliminou drasticamente os institutos políticos mais característicos da monarquia, banindo o contencioso administrativo; curiosamente, dito instrumento jamais se concretizara na realidade. Ao contrário do que sucede em outros países, a exemplo de França, essa tradição imprimiu seu peso. A jurisdição brasileira não se divide em dois ramos autônomos, um deles afeito, independentemente da natureza da lide, à resolução dos conflitos em que atue como litigante a Administração Pública. Entre nós, a jurisdição abarca quaisquer classes de litígios, apesar da forma federal do Estado, e constitui atividade eminentemente nacional, “tanto na jurisdição federal, como nas jurisdições estaduais”.17 A história constitucional brasileira registra, porém, breve e inócuo retrocesso. O art. 111 da CF/1969, na redação da EC 7, de 13.04.1977, possibilitou à lei criar um contencioso administrativo, atribuindolhe limitada competência, restrita ao julgamento dos litígios entre servidores e a União, suas autarquias e empresas pública federal, o que jamais ocorreu e, de toda sorte, desprovido do atributo da palavra final – as decisões originárias desse contencioso comportariam revisão na via judicial.18 Como quer que seja, a unidade jurisdicional outorga inaudita extensão ao processo civil. Ele é “mais vasto do que o dos países da Europa continental”,19abrangendo litígios próprios do direito público, o que não ocorre na jurisdição contenciosa europeia. Segue-se a desnecessidade de o interessado incursionar previamente, esgotando ou não, na via administrativa, antes de postular em juízo. Tanto que configurado o conflito dessa natureza (v.g., entre o servidor público federal e a União, haja visa o corte de certa vantagem pecuniária), divergindo o particular e a Administração (federal, estadual, distrital ou municipal), nenhum obstáculo, em princípio, inibirá a pronta provocação da jurisdição. Mas, há exceções nesse tópico. E, apesar de constitucionalmente legítima, ela abre os itens que tratam de outras limitações do direito de acesso à Justiça, que exigem esforços de conciliação e de interpretação conforme à Constituição. 123. Esgotamento da instância desportiva O art. 217, § 1.º, da CF/1988, determina que o órgão judiciário só admita “ações relativas à disciplina e às competições esportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei”. Para essa finalidade, o
pronunciamento final da instância administrativa não poderá exceder o prazo máximo de sessenta dias (art. 217, § 2.º, da CF/1088). A regra institui flagrante inibição do direito de acesso à Justiça. O órgão judiciário negará seguimento à demanda, ou seja, fica impedido de apreciar o mérito, mediante cognição plenária ou sumária, antes do esgotamento do que se conhece por “justiça” desportiva. Esse aparato de aplicação dos regulamentos esportivos originou-se de resolução administrativa, mas desvinculou-se do Estado, e, atualmente, a sua composição e competência se encontra disciplinada nos arts. 49 a 55 da Lei 9.615/1998. Cuida-se, portanto, de “justiça” privada, reconhecida e tolerada pelo Estado, e de uma ordem jurídica menor com seus tipos disciplinares e sanções. Não é, entretanto, qualquer matéria de competência da justiça desportiva que inibe o acesso do interessado à Justiça. A controvérsia interditada à apreciação judicial, ao menos no primeiro momento, há de envolver penas disciplinares (v.g., a suspensão de certo atleta para a partida final ou decisiva do campeonato) e o regulamento da competição desportiva (v.g., se os critérios de classificação guindaram a equipe A ou a equipe B à fase subsequente da disputa).20 Além disso, prevendo o art. 217, § 2.º, da CF/1988, o prazo de noventa dias para o pronunciamento final da justiça desportiva, fica subentendido que, vencido esse prazo, lícito afigura-se a provocação da jurisdição, reexaminando a matéria apontada. O prazo de noventa dias é suficientemente elástico, considerando a realização de ao menos um jogo por semana, para dissipar as tensões, tão mais intensas na seara desportiva quanto pacífica e organizada a sociedade, e eliminar o interesse em litigar em juízo, dando os fatos por consumados. Pode acontecer que o interessado ingresse desde logo em juízo, controvertendo as matérias interditadas. Ao receber a petição inicial, sem prova hábil que todos os recursos foram utilizados na justiça desportiva, ou que já se ultrapassou o interregno de noventa dias, ao juiz caberá, tecnicamente, extinguir o processo. O fundamento desse ato reside na impossibilidade jurídica do pedido, conquanto momentânea ou transitória, a teor do art. 485, IV, do CPC. Não é dado ao órgão judiciário tomar qualquer providência de litisregulação nas causas subtraídas à sua apreciação. Tal infringiria a irretorquível proibição de sobrepor o ato judicial às decisões da justiça desportiva no interstício de espera previsto no art. 217, § 2.º, da CF/1988. Uma das razões de o art. 217, § 1.º, instituir condição para o acesso à Justiça consiste em obstar essas interferências judiciais.21 O impedimento ao controle judiciário de matéria sob julgamento da justiça desportiva mostra-se limitada, parcial e condicional. Limita-se tão só aos litígios a respeito das punições disciplinares impostas, mediante decisão motivada e pública (art. 35 da Lei 10.671/2003), sob pena de nulidade (art. 36 da Lei 10.671/2003), aos atletas e às equipes, ou do regulamento da competição, que ficam imunes, temporariamente, à apreciação judicial. É parcial, porque o esgotamento da instância desportiva desvela quaisquer matérias, inclusive as proibidas, ao órgão judiciário; e condicional, porque a falta de observância do prazo de noventa dias descerra, incontinenti, o direito de acesso à Justiça.
Em matéria de limites, convém realçar que Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003) confere vários direitos e institui deveres que podem ser objeto de imediata postulação judicial. Por exemplo, o art. 30, caput, da Lei 10.671/2003 assegura o direito do torcedor à arbitragem “independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões” em cada disputa; ora, não é difícil conceber que alguém, sentindo-se prejudicado pelo fato de o árbitro não ter acrescido ao tempo global da partida o efetivo tempo perdido nas paralisações (v.g., troca de jogadores; atendimento ao jogador no próprio campo de jogo, e assim por diante), ingresse em juízo pleiteando indenização do árbitro, o seu afastamento de partidas subsequentes ou a determinação para que faça curso de atualização e aperfeiçoamento. O fundamento da mitigação do direito de acesso à Justiça, em casos tais, não se afigura nítido e plausível. É verdade que os litígios desportivos têm normas próprias, ou seja, o regulamento dessas competições constitui autêntica ordem jurídica menor, e o órgão judiciário não tem o dever próprio do seu ofício de conhecê-la previamente. Mas, a posição do juiz, nesses casos, não discrepa de outras situações; por exemplo, litígio entre sócio e clube social exige o conhecimento dos estatutos, para deliberar acerca da tipicidade e da existência da infração atribuída ao sócio, bem como da pena aplicável, em tese, ao ilícito, examinando o emprego do princípio da proporcionalidade. A qualidade de jurista profissional do juiz assegura-lhe a expertise necessária para destrinçar o cipoal dos regulamentos desportivos. A valer o argumento, pré-excluindo litígios esportivos do crivo judicial, outras matérias de maior relevo – por exemplo, o mercado de capitais – também se subtrairiam à universalidade da jurisdição. O art. 217, § 1.º, da CF/1988 expressa a inequívoca hegemonia da organização supranacional de algumas modalidades esportivas, especialmente a do futebol, que a imuniza aos poderes políticos nacionais, e, por óbvio, à ingerência da autoridade judiciária. Litígios desportivos, nesse terreno, que arrecada e movimenta bilhões em transmissão, patrocínios e publicidade, são raros por outra razão. A organização supranacional impõe aos filados, em cascata, “renúncia” ao direito à tutela jurídica do Estado. Duvidosa que seja a constitucionalidade dessa abdicação, feita a priori, desconhecendo o renunciante o respectivo objeto, ninguém se atreve a romper o círculo vicioso. A disposição constitucional é vista com profunda desconfiança ou franca oposição. Sustenta-se que, havendo prejuízo irreparável, o veto cederá perante o direito fundamental processual do acesso à Justiça.22 Ora, ou o art. 217, § 1.º, é constitucional, e medidas de litisregulação se mostram inadmissíveis, como já enfatizado, ou não é, e, nessa hipótese, desaparece a própria interdição. O STF admitiu a constitucionalidade da regra especial, ao proclamar que a CF/1988 esgota “as situações concretas que condicionam o ingresso em juízo à fase administrativa”.23 124. Esgotamento da instância administrativa A jurisprudência antiga do STF admitiu a constitucionalidade da exigência, prevista nas leis locais que disciplinavam a relação estatutária entre a Administração e o servidor público – disposição vigente, por exemplo, na lei federal que instituiu o estatuto dos militares24 –, da prévia exaustão da via
administrativa.25 E, ainda hoje, só entrevê ofensa indireta ao art. 5.º, XXXV, da CF/1988 no julgado das instâncias ordinárias que, sob tal fundamento, nega ao particular interesse processual em juízo.26 125. Proibição da litisregulação ope iudicis Desde tempos remotos o fator tempo entra na equação do processo justo e equilibrado. A formulação da regra jurídica concreta (função de cognição) e, se necessária, a realização do comando no mundo real (função de execução) demanda tempo. Conforme se percebeu, agudamente, a duração do processo é um dos seus defeitos humanos e, embora aprimorado à exaustão o mecanismo processual, jamais se erradicará integralmente.27 Ora, a demora intrínseca ao processo não trava o fluxo da vida. Portanto, o primeiro problema consiste em regular a pendência do processo nessa conjuntura. E, ademais, semelhante demora em geral produz, infelizmente, dano à parte que tem razão. Esse efeito colateral pode e deve ser minorado por meio da tutela preventiva. A medida dessa natureza previne a lesão ao objeto litigioso, mediante a composição provisional da lide, na expectativa da composição definitiva. A composição provisional exibe dois sentidos antagônicos, mas complementares: de um lado, impõe a preservação da situação de fato na pendência do processo; e, de outro lado, conforme as circunstâncias, ela exige a mudança dessa situação de fato.28 Assim, a ordem jurídica, do mesmo modo que proíbe a autotutela, disciplina a passagem da relação jurídica litigiosa, ou lide, à nova condição de relação jurídica não litigiosa, em decorrência da atuação do órgão judiciário. Tal regime recebeu a fausta designação de litisregulação.29 Em princípio, a incerteza quanto à razão, ou não, dos litigantes contraindica qualquer mudança. E o veto à autotutela amarra os litigantes à situação de fato, transformando em ato ilícito a justiça de mão própria. O socorro à Justiça Pública importará proibição de as partes inovarem no curso do processo. Remédio específico, chamado atentado (art. 77, VI, e § 7.º) – por sinal, inconstitucional a proibição de falar nos autos até a purgação do ilícito –, combate eventuais infrações a semelhante dever.30 Em alguns casos, a repressão ao atentado chega ao extremo de tornar o ato da parte fato típico penal (art. 347 do CPB).31 A regra geral da litisregulação se traduz na interdição de inovar.32 É procedente, pois, a generalizada denúncia de que o processo é um instrumento conservador. Ocorre que tal imobilidade contraria o autor, que postula modificação da realidade empírica, enquanto o réu, naturalmente, defende a manutenção do estado de fato.33 O inexorável transcurso do tempo constitui desvantagem frisante da parte que, através do processo, almeja modificar o status quo. Por vezes, o sacrifício imposto ao autor se mostra tão intenso e temível que a diretriz básica há de ceder; do contrário, o pior aconteceria, perecendo o direito litigioso ou a utilidade da sua futura realização. As situações de perigo atingem direitos de toda natureza. Mas, nas obrigações de tolerar e nos deveres legais de abstenção, em particular, o desafio da urgência quase nunca permitirá ao processo, entretido na busca da verdade real (função cognitiva) ou em promover intercâmbio patrimonial equilibrado e transformações de fato (função executiva) satisfazer o autor porventura vitorioso. Ficará sem efeito a célebre máxima, segundo o qual “a necessidade
de servir-se do processo para obter razão não deve reverter em dano a quem tem razão”.34 De nada valeria, nessas situações, o remendo do equivalente pecuniário, porque “nem todos os tecidos deixam costurar-se de tal arte que a cicatriz desapareça por inteiro”.35 Em tais hipóteses, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela que a proibição de inovar desaparece, tornando admissível a mudança por ato da parte (v.g., a permissão de o credor “fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade jurídica, sem que haja perigo na demora”, a teor do art. 1.470 do CC) ou por ato do juiz, quer assegurando (segurança para execução), quer satisfazendo antecipadamente (execução para segurança). Ora, a variedade e a extensão das medidas judiciais de litisregulação, tomadas pelo órgão judiciário, ex oficio ou a requerimento das partes, induz à intervenção legislativa e, ponderando os interesses em jogo, proíbe-a em casos concretos. É o que se apura na leitura do art. 7.º, § 2.º, da Lei 12.016/2009, in verbis: “Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza”. Por via das dúvidas, emprestando caráter geral ao veto, o art. 7.º, § 5.º, da Lei 12.016/2009, pré-excluiu a invocação subsidiária do art. 303 do NCPC. Em outras palavras, os direitos indicados não podem ser satisfeitos antecipadamente, seja qual for o remédio processual invocado pelas partes. Disposição mais genérica, compreensiva dos assuntos hoje versados na regra transcrita, localiza-se no art. 1.º da Lei 9.494/1997 (proibição de liminares contra o Poder Público), preservado implicitamente no art. 1.049 do NCPC, declarada constitucional pelo STF.36 Não têm faltado vozes reconhecendo a incompatibilidade dessa restrição com o direito à tutela jurídica adequada.37 Todavia, subsiste a regra que os bens da vida somente podem ser obtidos, porque, inversamente, apenas podem ser retirados da outra parte respeitando ao devido processo (art. 5.º, LIV, da CF/1988), ou seja, mediante processo justo e equilibrado, em que às partes seja dado influenciar o juiz e produzir prova das suas alegações. A antecipação dos efeitos do pedido, nesse contexto, rigorosamente é a exceção. Nada obsta a ponderação legislativa dos interesses contrastantes, tão democrática quanto a realizada pelo órgão judiciário, e a imposição da regra básica da litisregulação – a proibição de inovar o estado de fato. E nada há de particularmente odioso nos casos contemplados no art. 7.º, § 2.º, da Lei 12.016/2009. Ninguém negará a prevalência do interesse público, incluindo o do erário, sobre interesses particulares, amiúde ligados ao contrabando, no que tange à liberação de mercadorias e de bens provenientes do exterior, e defenderá a reprodução do escândalo da importação sem imposto de automóveis, em meados do século passado. Liberados por força de liminar, e nas hipóteses em que os impetrantes não extraviam os autos, “em conluio com funcionários menos escrupulosos”, a denegação da segurança era inútil, pois os automóveis “já haviam sido alienados e estavam dispersos pelo país”.38 Nenhum direito fundamental processual é absoluto e a restrição à concessão de liminares antecipatórias se mostra razoável e proporcional aos valores constitucionais.
126. Exclusão de matérias da tutela coletiva O art. 1.º, parágrafo único, da Lei 7.347/1985, na redação da MP 2.18035/2001, declaração inadmissível a ação civil pública “para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”. Ora, ao pré-excluir a tutela coletiva, nessas hipóteses, parece flagrante a restrição indevida ao direito de acesso à Justiça. Esse direito permite ao interessado veicular, perante o órgão judiciário, quaisquer direitos, pretensões ou ações individuais ou transindividuais. Não é constitucional negar tutela coletiva a certas matérias. Ademais, o art. 129, III, da CF/1988, é claríssimo ao estabelecer (“… e outros interesses difusos e coletivos”) o princípio do objeto amplo da ação civil pública.39
Capítulo 10. DIREITO FUNDAMENTAL DO DEVIDO PROCESSO SUMÁRIO: § 29.º Direito ao devido processo – 127. Conteúdo essencial do direito ao devido processo – 128. Finalidades do direito ao devido processo – 129. Aplicações do direito ao devido processo – § 30.º Direito ao contraditório – 130. Conteúdo essencial do direito ao contraditório – 131. Finalidades do direito ao contraditório – § 31.º Restrições ao contraditório – 132. Impossibilidade de supressão do contraditório – 133. Contraditório diferido em razão da urgência e da evidência – 134. Contraditório diferido em razão da função instrumental do processo – 135. Contraditório diferido em razão da vantagem da parte – § 32.º Direito à ampla defesa – 136. Conteúdo essencial do direito à ampla defesa – 137. Finalidades do direito à ampla defesa – § 33.º Limitações do direito à ampla defesa – 138. Regime geral das limitações à defesa – 139. Limitações da defesa na representação técnica – 140. Limitações temporais à defesa – 141. Limitações da defesa na prova – 142. Limitações da defesa perante a natureza da causa – 143. Limitações da defesa no ambiente eletrônico – 144. Limitações à defesa no debate oral. § 29.º Direito ao devido processo 127. Conteúdo essencial do direito ao devido processo Não basta assegurar o acesso de todos à tutela judiciária do Estado. O instrumento criado para o interessado veicular seus direitos, pretensões e ações, formado através do exercício do direito à tutela jurídica, há de ser minimamente apto para alcançar seus fins próprios.1 Essa finalidade geral exige a conformação do método de trabalho da jurisdição, que é o processo, a um esquema mínimo que ofereça equilíbrio e segurança para as partes. A típica garantia norte-americana do devido processo legal (due process of law) progressivamente desempenhou esse papel: primeiro, limitou a discrição da autoridade legislativa para modificar as estruturas processuais, ou seja, a garantia focava o processo; em seguida, serviu de fundamento para o controle incidental, ou difuso, da constitucionalidade de normas processuais que obstaculizavam de modo arbitrário o exercício dos direitos em juízo.2
O inc. LIV do art. 5.º da CF/1988 recolheu a cláusula norte-americana que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Explicitou o direito fundamental inovadoramente, todavia implícito em épocas anteriores, porque deduzido do art. 141, § 4.º, da CF/1946.3 Ao mesmo tempo, o inc. LV assegurou aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados, em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes. Em realidade, há certa superposição, ou redundância,4 dessas proposições normativas fundamentais. A simples formulação da cláusula do devido processo legal, interpretada de acordo com a sua abrangência histórica, já implicaria a estrita observância do contraditório e da ampla defesa.5 E isso, porque a expressão due process of law, utilizada pela primeira vez em lei inglesa de 1354,6 e objeto de extraordinária evolução na Common Law, representa a cláusula que assegura os direitos fundamentais, entre nós consagrados de maneira específica no catálogo do art. 5.º da CF/1988. Inicialmente aplicado à vida, à liberdade e à propriedade evoluiu, firmemente, graças à atuação da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em outras direções, assegurando os direitos fundamentais.7 O direito fundamental à liberdade de cátedra ou ensino, de origem prussiana (Lehrfreiheit), mereceu tutela neste contexto, assumindo a estatura de liberdade acadêmica (academic freedom).8 Os bens jurídicos protegidos pela cláusula são amplíssimos na prática constitucional norte-americana.9 E a noção de direitos fundamentais, nesse âmbito, continua indefinida.10 Em sua aplicação, costuma-se distinguir o devido processo procedimental (procedural due process of law) do devido processo material (substantive due process of law).11 Os dois lados da mesma moeda retratam a modificação do alcance da garantia ao longo do tempo. Não é muito própria a distinção: o “devido processo” interessa só do ponto de vista procedimental,12 abrangendo proteções internas (v.g., o contraditório) e externas (v.g., a estabilidade do julgamento) do instrumento que realiza os direitos fundamentais, ou seja, do processo. É a tradição que justifica o uso didático dessa abrangência dupla. A expressão devido processo legal revela-se criticável em dois aspectos. Em primeiro lugar, ignora a evolução do Estado de Direito para o Estado Democrático Constitucional; ademais, o controle da constitucionalidade prescinde do recurso à fórmula substantive due processo of law, porque a razoabilidade e a proporcionalidade dos produtos legislativos dimanam de outros direitos fundamentais. Eis as razões por que, a rigor, parece preferível reduzi-lo à dimensão processual e, nesta, substituir a consagrada terminologia por outra mais significativa: processo justo (faires Verfahren ou giusto processo).13 Aqui se preferiu, nada obstante, aquiescer à nomenclatura tradicional e de largo emprego. Em relação ao aspecto “procedimental”, convém realçar que a Administração só pode obrar nos termos de expressa e prévia autorização legal, enquanto as pessoas obram livremente, no âmbito da respectiva autonomia privada, salvo lei proibidora (art. 5.º, II, da CF/1988). À atividade administrativa, do modo mais amplo e genérico concebível, aplica-se a cláusula do devido processo. E, quanto ao segundo viés, a cláusula do devido
processo substantivo oferece guarida à pessoa contra leis injustas e arbitrárias. Em última análise, este direito fundamental, por si só, institui o chamado princípio da razoabilidade das leis.14 Uma aplicação dessa garantia, no âmbito local, esclarece perfeitamente as bases de incidência do direito fundamental. Explora-se pouco essa perspectiva. As análises corriqueiras concentram-se no STF. Após o advento da EC 19/1998, várias leis municipais que fixaram o valor dos subsídios dos agentes políticos locais – prefeito, vereadores e secretários –, sujeitaram-se a controle concentrado de constitucionalidade, suscitando controvérsia sob dois fundamentos. Primeiro, a insubsistência da eliminação da regra da anterioridade da legislatura na nova redação do art. 29, V, da CF/1988, a despeito da respectiva manutenção nas Cartas locais dos Estados-membros, ensejando aos edis legislarem em causa própria, já conhecidos os resultados das eleições locais, e, principalmente, os eleitos, justamente a distorção que o princípio da anterioridade visava a erradicar. Segundo, a fixação do subsídio – designação técnica da respectiva remuneração – de tais agentes políticos em valores incompatíveis com a realidade local. Consoante as circunstâncias, a remuneração dos agentes políticos locais há de se harmonizar com a sensibilidade dos administrados. Remuneração muito alta, na realidade do burgo, e incompatível com os investimentos nas áreas básicas, a exemplo da saúde, fatalmente ensejará protestos. Ora, os parâmetros traçados no art. 29 da CF/1988, ao valor da remuneração dos agentes políticos locais, não asseguram, automaticamente, semelhante adequação. Em tal contingência, o princípio da razoabilidade inserido na cláusula do devido processo ensejou o controle de constitucionalidade das leis locais. Freio contra os abusos do aparelho estatal, o devido processo, no plano processual, importará a observância de conjunto mínimo de direitos fundamentais processuais. Todavia, o devido processo não é o postulado fundamental nessa área, porque subordinado ao direito de acesso à Justiça. Realmente, sem o direito ao processo, inexistiria o próprio processo, e, por conseguinte, inútil perquirir a respeito das suas garantias. Não é menos exato, porém, que o devido processo engloba, necessariamente, o conjunto das garantias processuais. Excelente resenha indica a composição mínima, segundo o entendimento prevalecente no direito norte-americano, de um processo civil justo e equilibrado, conjugando-se os seguintes direitos: (a) julgamento pelo órgão legalmente competente (direito ao juiz natural); (b) chamamento válido e eficaz a juízo (right to adequate notice); (c) audiência perante a corte (contraditório); (d) representação técnica no curso do julgamento; (d) produção de prova, incluindo o direito de participar da sua coleta.15 Decompõem-se tais garantias, por sua vez, em requisitos específicos, por exemplo, a opportunity to be heard exige que às partes seja dado conhecimento do processo, e, relativamente, ao réu, assegura chamamento a juízo equiparável à citação no processo civil, nos termos do art. 238 do NCPC brasileiro, delimitado pelos dos seguintes cuidados ou requisitos: “(1) fair notice must be suitably formal in tenor and informative in contet; (2) fair notice must be either (a) actual notice or (b) notice that is reasonablu clculated to result in actual notice; and (3) fair notice must afford a reasonable opportunity to be heard”.16
Não é diferente a abrangência da cláusula para a doutrina brasileira. O processo civil e penal justo e equilibrado abrangerá simultaneamente: (a) o direito de ser citado e tomar conhecimento do teor da imputação; (b) o direito a julgamento público e num prazo razoável; (c) o direito de arrolar testemunhas e de exigir o respectivo comparecimento em juízo; (d) o direito a um procedimento contraditório; (e) o direito de não ser processado, julgado ou condenado por leis promulgadas após o fato; (f) o direito de iguais oportunidades para a acusação e defesa; (g) o direito de excluir provas ilegalmente obtidas; (h) o direito à assistência judiciária gratuita, no caso de necessidade; e (i) o direito de não produzir prova contra si próprio (direito de calar).17 É preciso atentar à circunstância que, materialmente, o devido processo protege a pessoa contra o processo arbitrário que restrinja a sua liberdade ou que extraia da sua esfera jurídica os seus bens. Essa última palavra tem sentido amplíssimo a abrange todos os bens da vida, ou efeitos dos provimentos judiciais, que ao autor seja dado obter, e, inversamente, ao réu seja dado perder judicialmente: certeza, estado jurídico novo, título (ou autorização para atingir o patrimônio alheio), ordem e intercâmbio patrimonial. E, por outro lado, não se pode perder de vista que o adjetivo “legal” não corresponde à exata tradução de “Law”.18 O processo justo e equilibrado não é necessariamente o traçado nas leis processuais, mas o que respeita os direitos fundamentais processuais e os valores mínimos da sociedade pluralista.19 O STF tende a identificar o “devido processo” com “o procedimento estabelecido na legislação infraconstitucional”.20 Está certo: o direito fundamental protege a parte do arbítrio do juiz. Mas, com igual intensidade, protege a parte do arbítrio da legislação. O devido processo exige do órgão judiciário mentalidade arejada e mudança de mentalidade. Em particular, o órgão judiciário há de apresentar atitudes positivas em três áreas: (a) intelectual, buscando entender as necessidades da massa de consumidores da justiça, manter-se atualizado com a dogmática e tomar consciência do pluralismo de decisões; (b) funcional, forcejando para proferir decisões no prazo, devidamente fundamentadas (art. 489, § 1.º, do NCPC), atender as partes de boa vontade e qualquer hora, dedicar-se em horário integral ao seu ofício, cumprindo os deveres do cargo; (c) processual, empenhando-se em conhecer cada processo, aplicar a lei processual em todas as potencialidades, a exemplo do uso dos poderes instrutórios, e dirigir materialmente o processo.21 128. Finalidades do direito ao devido processo O devido processo estende seu manto protetor sobre todas as etapas do procedimento de qualquer processo. Os princípios intrínsecos à garantia parecem ligados e subdivididos em tema de atos processuais e seus vícios, prova, atos decisórios e meios de impugnação.22 Também a cognição na atividade judicante, e seus limites consoante o objeto do litígio, seguem o devido processo.23 Em realidade, o fim próprio do devido processo, como postulado totalizador das garantias inseridas no direito fundamental de acesso à justiça, reside em agrupar os elementos indispensáveis para o processo atingir sua finalidade própria, a composição da lide e a aplicação do direito objetivo, de modo justo e equilibrado.24
A garantia do devido processo protege as partes contra regras processuais arbitrárias (v.g., a proibição de falar nos autos, enquanto não purgado o atentado, objeto do art. 77, § 7.º, do NCPC). Esse direito fundamental processual é a fonte primária da rigidez dos procedimentos predeterminados na lei processual. Do contrário, o processo não seria o devido, ou seja, conforme ao direito processual, mas caminho previamente desconhecido e alterado consoante os humores do órgão judiciário e diretor do processo. O rito há de ser previsível.25 É muito difícil, nessa matéria, aceitar procedimento “mais ou menos aberto à criação do juiz” e admitir que, respeitadas as “regras do jogo”, reduzem-se as insatisfações com o resultado do processo.26 Ou se respeitam as regras do jogo, no procedimento rígido, ou as regras podem ser alteradas no curso do jogo, ope judicis, gerando desconfiança e revolta. A ideia só é boa no plano das abstrações e o art. 190 do NCPC a sepultou definitivamente. Trazida à realidade, a parte inevitavelmente perguntar-se-á o motivo pelo qual, na sua causa, a autoridade judiciária adotou certo procedimento, mas em outra causa análoga modificou o itinerário, e inexiste explicação satisfatória para essa diversidade. O direito fundamental do devido processo há de proteger as partes contra os surtos autoritários do próprio órgão judiciário e eles expressam-se, em geral, na manipulação do procedimento (infra, 129). Em outras palavras, o devido processo assegura à pessoa “não ser privada da vida, da liberdade ou da propriedade sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma que a lei estabelece e que esta lei seja dotada de todas as garantias do processo legislativo”.27 Opiniões em contrário existem,28 mas revelam-se inaceitáveis. Por outro lado, o devido processo impõe ao órgão judiciário padrões de atuação no controle da atividade processual.29 É a diretriz que governa o exercício da direção material do processo (infra, 940). Assim se manifesta o caráter objetivo da garantia do devido processo, pois a hierarquia superior do disposto no art. 5.º, LIV, da CF/1988, constrange todos os órgãos do Estado, e o órgão judiciário em particular, a respeitar o processo constitucionalmente conformado.30 129. Aplicações do direito ao devido processo A condição de princípio totalizador das garantias processuais reconhecido ao devido processo atrai todas as limitações intrínsecas às demais garantias e estudadas nos parágrafos subsequentes. Nenhum direito fundamental processual é absoluto, ao menos no sentido que, colidindo com outro, não sofra detração em proveito da harmonia do conjunto. O devido processo também se relativiza em determinadas circunstâncias. Representam falsas limitações ao devido processo, entretanto, as hipóteses traçadas no art. 33231 e no art. 932, IV, ambos do NCPC.32 E isso, porque a garantia não assegura o direito de o autor ver apreciada, de meritis, a pretensão deduzida na inicial, e, a fortiori, o direito de recurso ter processamento completo e total, embora não haja maiores possibilidades de êxito da impugnação recursal. Se, no caso do art. 932, IV, a, do NCPC, a lei ordinária conferiu às proposições sumuladas do STF e do STJ efeito equiparável, na prática, à da “súmula vinculante”, e, assim, invadiu área reservada à Constituição,33 o motivo da inconstitucionalidade há de ser outro que não o devido processo. Outra hipótese, sempre recordada, avulta na
execução extrajudicial, arrolando-se os seguintes casos que autorizam a realização do crédito sem obrigatória intervenção da autoridade judiciária: (a) o art. 63 da Lei 4.591/1964, que contempla a alienação privada da fração ideal do condômino inadimplente do edifício em construção; (b) os arts. 29 a 37 do Dec.-lei 70/1966, que autoriza o credor hipotecário a alienar o imóvel gravado; e (c) o art. 26 da Lei 9.514/1997, que autoriza a consolidação da propriedade no credor fiduciário, em razão do inadimplemento do credor fiduciante. O STF reconheceu a constitucionalidade do Dec.-lei 70/1966.34 É questão em aberto, ainda, não faltando vezes que averbam de inconstitucional a realização do direito de crédito na esfera privada, pois a execução constitui atividade intrinsecamente jurisdicional.35 Demonstra-o, sem dúvida, a execução da sentença arbitral. É preferível recordar uma das aplicações capitais do direito fundamental do devido processo: a limitação dos reflexos desfavoráveis do provimento de mérito, ou seja, à repercussão ultra partes do julgado civil. E, com efeito, é o devido processo que predetermina os limites subjetivos da coisa julgada às partes ou aos que, de modo mais concreto, participaram do processo. Assim, os arts. 65 (no caso de reconhecimento de alguma excludente de antijuridicidade) e 66, in fine (no caso de reconhecimento da inexistência do fato) do CPP conferem eficácia ultra partes à sentença penal absolutória, pré-excluindo a pretensão de reparação do dano que toca ao lesado ou à vítima. Esses dispositivos se mostram incompatíveis com o devido processo. A vítima e o lesado não figuraram como partes no processocrime, e, assim, não tiverem a oportunidade de defender seu hipotético direito no seio de processo constitucionalmente justo e equilibrado. E, sem essa oportunidade, ninguém pode ser privado de algum bem jurídico. Caberá ao órgão judiciário, por mais inverossímil e pouco provável que seja o direito alegado pela vítima ou pelo lesado, no processo subsequente, vez que tal questão já mereceu convincente análise no processo-crime, dar seguimento à pretensão, acatando o devido processo.36 § 30.º Direito ao contraditório 130. Conteúdo essencial do direito ao contraditório Logo após declarar que ninguém será privado da liberdade e dos seus bens sem o devido processo legal (art. 5.º, LIV), a lei fundamental brasileira assegura aos litigantes, em geral, no processo judicial e no processo administrativo, “o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5.º, LV, da CF/1988). A disposição inseriu-se no movimento de revigoramento do contraditório.37 É imensa a importância da aplicação do contraditório tanto ao processo judicial, sem ressalva no tocante ao seu objeto (civil, penal, trabalhista, eleitoral), quanto ao processo administrativo. Liquida com a frágil e insubsistente teoria que localiza no contraditório a essência da relação processual (retro, 86). Largamente difundida na processualística brasileira,38 a tese revela-se insatisfatória nesse ponto preciso: o processo civil (e o penal, o trabalhista, e assim por diante), dirigido pela autoridade judiciária, e o processo administrativo, ambos governados pelo contraditório, compartilhariam a mesma nota essencial, o que amesquinha o método de
trabalho da jurisdição. Na verdade, o contraditório permeia toda a atividade estatal, em razão do princípio democrático: o exercício do poder somente se legitima mediante a participação das pessoas nele investidas, segundo os mecanismos constitucionais, e a dos destinatários dos atos do Estado. Evidencia-se a necessidade da participação popular na ação governamental à medida que a sociedade se organiza, reclamando audiência, e se opõe à simples edificação de um presídio, por exemplo. Ocorre que semelhante elemento, porque geral, não ostenta a dignidade suficiente para distinguir o processo do conjunto das atividades estatais. A previsão do contraditório e da ampla defesa no mesmo inciso, relativamente ao processo “judicial”, torna difícil separar, a mais das vezes, esses direitos fundamentais processuais com nitidez e rigor no âmbito do método de trabalho da jurisdição. Não há nenhuma surpresa na aparente indistinção. Os direitos fundamentais processuais interagem, compensam-se reciprocamente, e se equalizam em graus variáveis, atuando mais ou menos poderosamente conforme as circunstâncias, a fim de produzir com resultado o processo justo e equilibrado. É fato líquido que os direitos fundamentais processuais necessitam de maior ou de menor clarificação, em relação de mútua inferência; assim, o “direito à prova, que é simultaneamente um reflexo da garantia do processo equitativo (possibilidade de comprovação dos fatos alegados, atuando na formação do convencimento do julgador) e do contraditório (possibilidade da produção da prova pelo réu), este último envolvendo, ainda, o direito de discussão desta”.39 A discussão sobre a prova, por força do contraditório, decorre de várias disposições explícitas.40 Nada obstante a interação, no processo costuma-se distinguir o direito à defesa, cuja tônica beneficia o réu, do contraditório, que é bilateral e serve de instrumento (ou exteriorização) da defesa.41 É a linha aqui seguida, sem prejuízo de entender-se como contraditório processual o direito à participação e contraditório substancial o direito de influenciar com alegações e provas os provimentos judiciais.42 O contraditório é o cume da pirâmide do processo constitucionalmente legítimo, integrando a chamada “légalitè procedurale”.43 O art. 5.º, LV, da CF/1988 consagrou novidade formal, estendendo a tradicional previsão do contraditório intrínseco ao processo penal, originária do art. 179, VIII, da Constituição de 1824, e mantida, inclusive, no art. 153, § 15, da CF/1969, ao processo civil.44 Cuida-se de inovação estritamente formal. A garantia é intrínseca à estrutura do processo – não há processo legítimo sem contraditório.45 O autor age (garantia do acesso à Justiça), deduzindo sua pretensão, e o réu reage (garantia da defesa), opondo-se ao acolhimento do pedido, razão pela qual “a bilateralidade da ação e do processo se desenvolve como contradição recíproca: é nisto que reside o fundamento lógico do contraditório”.46 Materialmente, portanto, o processo civil jamais prescindiu do contraditório. Feitas essas considerações, a origem do direito ao contraditório, ou bilateralidade de audiência, esclarece a sua identidade. Em que pese pretensiosa construção do direito canônico, invocando a conhecida passagem do Gênesis, na qual Deus chamou Adão às falas antes de expulsá-lo do paraíso, o feliz aforismo auditur et altera pars originou-se na Grécia, recebendo menção na literatura, a exemplo de notória comédia de Aristófanes.47
No processo civil romano mais recuado, o problema inicial do contraditório, o chamamento do réu, sequer se colocava: simplesmente, o juiz romano não tinha condições de julgar quem se recusava a comparecer voluntariamente. Só no direito romano pós-clássico firmou-se a tese que o juiz poderia processar e julgar a causa apesar de omisso o réu. Em contrapartida, o contraditório enraizou-se no processo medieval, no qual correspondia à metodologia da investigação da verdade, o movimento pendular da ars dissidendi e da ars respondendi et respondendi, e traduzia a ordem isonômica do iudicium. Em tal modelo, inspirado na lógica do provável, a investigação da verdade não resultava dos esforços do órgão judiciário, de resto essencialmente passivo, mas da atividade combinada das partes, o que exigia, independentemente de regras expressas, diálogo recíproco e igualitário. Posteriormente, a concentração de poder nas mãos do príncipe, as alterações na lógica do processus, modificaram o panorama, descendo o contraditório à condição de simples princípio formal. E, mais adiante, o racionalismo positivista relegou o contraditório a um incômodo segundo plano no processo moderno, chegando-se ao extremo de asseverar que a falta de contraditório pode prejudicar, mas nem sempre prejudica os fins do processo, sendo instrumento útil ao processo quando há razão para contraditar e empecilho quando não há.48 O papel do juiz era passivo, cabendo às partes produzir os meios necessários ao esclarecimento da verdade.49 Ora, o processo só atinge os fins que lhe são próprios, conforme o objeto litigioso, e, principalmente, legitima-se democraticamente, mediante a participação recíproca das partes e do juiz. Sem a contribuição das partes no andamento do processo, apresentando alegações em defesa de suas próprias razões, o processo não tem legitimidade e, mais do que isso, não respeitou a própria dignidade da pessoa humana.50 Formase, no processo, no movimento de informação e de reação, uma autêntica comunidade de trabalho. Não se trata de convergência de esforços, pois as partes têm interesses antagônicos, mas o contrário: a comunidade resulta da tensão que tal antagonismo gera no curso do processo. As partes alegam fatos e direito buscando influir no convencimento do órgão judiciário, contrapondo-se reciprocamente, e o juiz, de seu turno, somente tem condições de aplicar o direito objetivo cotejando o contraste dessas alegações. O conteúdo essencial do contraditório consiste em garantir às partes o direito de participar da formulação da regra concreta (função de cognição), ou da efetiva entrega do bem da vida ao vitorioso (função de execução), em pé de igualdade e em todas as fases do processo, mas em contradição recíproca, cabendo ao juiz, além de garantir essa bilateralidade de audiência, o dever de dialogar com as partes.51 Às partes, portanto, o contraditório assegura três modos de participação: alegar, pedir e provar.52 Do juiz o contraditório exige (a) a comunicação às partes do ato de uma delas e (b) a apresentação das próprias resoluções. Desempenham essas funções os atos de comunicação (citação e intimação), imprescindíveis à higidez do contraditório, a fim de seja-lhes lícito reagir, criticamente, às iniciativas do adversário e, se for o caso, aos atos decisórios desfavoráveis. É por essa razão que todo recurso comporta crítica à decisão impugnada. No entanto, há uma diferença frisante: enquanto a intimação das partes constitui fator de eficácia do provimento, a reação contra ele é simples faculdade da
parte vencida. A participação do juiz, nesse diálogo permanente, impede que se pronuncie, ex officio, sobre ponto de direito e de fato não submetido ao prévio debate das partes, e transmuda-se em legítimo ativismo, nessa intensidade desconhecido no chamado adversarial system.53 Fundamentalmente, o contraditório é o único meio de as partes precaveremse contra o mau uso dos vastos poderes do órgão judiciário e abusos da sua posição predominante, decorrente da autoridade, na relação processual. O contraditório modela os procedimentos instituídos na lei processual civil, fixando momentos para as partes pedir, alegar e provar. O autor alega, produz a prova documental, indica outros meios de prova e pede na petição inicial. O réu é chamado a juízo e, num prazo razoável (infra, 161), tem o direito de alegar, produzir a prova documental, propor outros meios de prova e, além de agir, também se abre oportunidade para pedir. A relação entre o contraditório e a defesa do réu é antiga, bem como seu contraste com o direito à duração razoável do processo, sacrifício aumentado no processo civil romano, em que obrigatório o comparecimento para formar a litiscontestatio.54 Se existirem questões de fato controversas, ambas as partes têm o direito de produzir prova, acompanhar-lhe a produção (v.g., terão “ciência da data e do local designados pelo juiz ou indicados pelo perito” para o início da perícia, a teor do art. 474 do NCPC; poderão apresentar quesitos suplementares durante a diligência, conforme o art. 469 do NCPC) e emitir juízo crítico a seu respeito (v.g., quanto à prova pericial, abrir-se-á o prazo para manifestação de quinze dias, segundo o art. 477, § 1.º, do NCPC e as partes poderão requerer esclarecimentos do expert em audiência, consoante a previsão do art. 477, § 3.º, do NCPC). E, por fim, todo o material de trabalho, relativamente às questões de fato e às questões de direito, devem ser objeto de debate no final da audiência (art. 364 do NCPC). A função da audiência preliminar (art. 357, § 3.º, do NCPC) consistiria, basicamente, em promover esse debate, conforme sucede no direito alemão.55 Faltam, porém, orientações mais precisas na regra, nem sequer os advogados das partes e o juiz se predispõem, realmente, a transformar esse contato hoje protocolar em participação real. É digno de nota que, no processo penal italiano, a prova produzida unilateralmente somente se torna legítima após o contraditório das partes.56 Cumpre registrar que a redação do art. 5.º, LV, da CF/1988 alude aos meios e aos recursos inerentes à ampla defesa, o que se demonstra pelo uso do pronome feminino, nada dispondo a respeito do contraditório, porque desnecessário: inexistiria processo se a lei, renegando o modelo constitucional há pouco sumariado, não instituísse meios para as partes participarem do processo (v.g., negando o direito de o réu ser chamado ao processo por um dos meios admissíveis) e lhes subtraíssem quaisquer recursos para impugnar os atos decisórios desfavoráveis. Evidentemente, os meios e os recursos são os legalmente instituídos, mas se são suficientes e se atendem, satisfatoriamente, o imperativo do contraditório há de ser aferido com atenção. Ao menos quanto aos meios estritos de impugnação às resoluções judiciais, previstos no art. 994 do NCPC, não faltam críticas à suposta generosidade e excesso, debitando-se aos recursos parte considerável da responsabilidade pela duração pouco razoável do processo civil brasileiro. Porém, sem razão: os recursos são indispensáveis ao
aperfeiçoamento das decisões judiciais e cada qual ocupa seu lugar e atende à função sem sucedâneo. O contraditório, meio de legitimar o processo judicial, compõe-se dos seguintes elementos: (a) o direito à informação prévia (v.g., a necessidade de citação do réu e da intimação das partes dos demais atos judiciais; a necessidade de promover o debate das partes a respeito das questões conhecíveis ex officio, evitando a chamada “decisão surpresa”, haja ou não previsão normativa a esse respeito, que é desnecessária,57 mas existe no art. 384 do CPP); (b) o direito de intervenção no processo, em qualquer fase, recebendo no estado em que se encontra (v.g., a intervenção do revel no processo, a teor do art. 346, parágrafo único do NCPC; a intervenção espontânea do terceiro no processo, como sucede nos casos de assistência e de amicus curiae); (c) o direito à contradição,58 ou direito ao debate das questões de direito e de fato (v.g., a manifestação do réu a respeito das preliminares, a teor do art. 351 do CPC; a apresentação de razões orais ou de memoriais, de acordo com o art. 364 do NCPC; a sustentação oral nas sessões de julgamento do tribunal); (d) o direito à integração da capacidade processual através de curador especial, tratando-se de revel citado fictamente, hipótese em não se tem certeza se a falta de comparecimento é espontânea, ou não, a teor do art. 72, II, do NCPC (infra, 537.4);59 (e) o direito de provar as afirmações de fato e de debater os resultados da prova.60 O direito à informação prévia tem especial interesse no que tange ao juízo segundo a legalidade. O juiz tem o poder de decisão. Porém, precisa legitimálo através do contraditório. Tal necessidade altera o método de aplicação da regra iura novit curia.61 Por óbvio, as partes fazem as alegações do direito porventura aplicável ao litígio, consoante o respectivo interesse, na perspectiva que melhor lhes convenha, subentendendo-se que o raciocínio de uma delas, ou de ambas, mostra-se incorreto. Elas conjuram o risco de o juiz, instado a resolver a lide, não localizar a norma aplicável. Pode acontecer que nenhuma delas enfoque as questões corretamente, e, nesse caso, o contraditório impõe ao juiz orientar o debate, indicando a regra que lhe pareça decisiva, e propiciando a manifestação das partes a seu respeito. Também as questões passíveis de conhecimento ex officio, e que não foram alegadas, e, portanto, debatidas entre as partes, não podem ser levadas em consideração no julgamento sem que o juiz estabeleça debate prévio.62 É o contexto da proibição da decisão “surpresa” (art. 10 do NCPC). Entende-se por tal a resolução do juiz fundada em razões de fato ou em razões de direito não debatidas previamente pelas partes.63 O art. 9.º, do NCPC proíbe a emissão de decisão desfavorável a uma das partes sem prévia audiência. O parágrafo único deste dispositivo ressalva o seguinte: (a) a concessão de tutela provisória de urgência, inaudita altera parte, conforme o art. 300, § 2.º (inc. I); (b) a tutela da evidência, nos casos do art. 311, II e III (inc. II); e (c) a sentença liminar da ação monitória, prevista no art. 701 (inc. III). Um caso particular de contraditório utilitarista consiste em ouvir o embargado toda vez que os embargos de declaração, em virtude de eventual acolhimento, alterar o pronunciamento impugnado.64 O art. 1.023, § 2.º, do NCPC consagrou o emprego do contraditório nesse caso.
Essa moderna configuração e aplicação do contraditório encontrava-se prevista, expressivis verbis, no § 278, II, da ZPO alemã, na reforma de 1976, e, hoje, consagrada no § 139, II, após a reforma de 2001.65 O dever de o juiz advertir as partes do perigo que corre os respectivos direitos envolve as questões de direito e as questões de fato. Evita-se, assim, a chamada decisão “surpresa”, aplicação decisiva do princípio do contraditório.66 O art. 357, II e IV, do NCPC institui essa advertência. A proibição de falar nos autos, verificado o atentado (art. 77, § 7.º), infringe claramente o direito ao contraditório. O intuito de tolher expedientes que prejudiquem a outra parte, como se sustentava no direito anterior,67 não tornam a medida menos inconstitucional. Basta atentar ao reconhecimento que ela impede a parte de má-fé, na demanda principal, de praticar atos “fundamentais… como produzir prova e recorrer”,68 para demonstrar a sua flagrante incompatibilidade com direito ao contraditório.69 131. Finalidades do direito ao contraditório A esta altura, as finalidades do direito ao contraditório parecem evidentes. Por um lado, o contraditório legitima, democraticamente, o desfecho do processo, pois garante às partes o direito de influenciar o convencimento do órgão judiciário. Por outro, e talvez nesse aspecto adquira esse direito fundamental processual o seu maior valor e destaque, haja vista o modelo autoritário de processo que se implantou no direito brasileiro (retro, 80), o contraditório efetivo e real é o único meio de as partes contrabalançarem os vastos e ilimitados poderes atribuídos ao órgão judiciário na direção material do processo. É na manipulação oficiosa do procedimento que o contraditório revela a última faceta de maneira mais nítida. Admitindo-se que seja possível ao órgão judiciário traçar procedimento próprio à causa, fundado nas peculiaridades do objeto litigioso ou em razões políticas (v.g., a suspensão da demanda individual até o julgamento da demanda coletiva e, posteriormente, considerando o juízo de procedência emitido nesta, a respectiva transformação em liquidação individual da sentença coletiva) – hipótese de infração, todavia, do direito ao devido processo legal –, o prévio conhecimento das partes constitui o único remédio para corrigir tais rumos inesperados ou, não sendo possível, acompanhar os ulteriores trâmites. Incorrerá na mais pura ilusão quem considerar tais atitudes inócuas. No caso versado, perdeu tempo o autor, pois a ação civil pública foi julgada prescrita. E não se esgota nesse campo a influência do contraditório. Os efeitos do provimento judicial na esfera de terceiros não se harmonizam facilmente com esse direito fundamental processual e, como remédio eficaz, sustenta-se a necessidade de erigir em tais casos a figura do litisconsórcio necessário.70 A solução tradicional que autoriza o terceiro a controverter a justiça da decisão parece resolver o problema de forma mais adequada. Como quer que seja, o vínculo decorrente da auctoritas rei iudicate não prejudicará terceiros (art. 506, in fine, do NCPC). § 31.º Restrições ao contraditório 132. Impossibilidade de supressão do contraditório
O direito ao contraditório não comporta supressão, mas pode ser diferido por razões técnicas.71 Existem três situações em que, sem a participação prévia de uma das partes, o juiz toma certa resolução, franqueando-se a discussão para oportunidade ulterior. Em primeiro lugar, relevantes razões de urgência, secundadas pelo receio de que o contraditório sacrifique o direito do autor (art. 9.º, parágrafo único, I, do NCPC), ou razões de evidência (art. 9.º, parágrafo II, c/c art. 311, II e III, do NCPC), postergam o contraditório. Não é comum que o órgão judiciário se contente com a evidência do direito do autor. Nesses casos, o provimento ficará contaminado com algum grau de urgência. E, por outro lado, os provimentos emitidos sem audiência do réu deveriam ser excepcionais, mas a urgência constitui motivo bastante para emiti-los (art. 300, § 2.º, do NCPC), embora inexista o risco de o debate prévio sacrificar o direito pleiteado. A tutela da evidência também se expressa na sentença liminar da ação monitória (art. 9.º, parágrafo único, III, c/c art. 701). Outra hipótese se prende à função instrumental do processo. A realização do direito já reconhecido da parte, após amplo debate, por sua natureza limita o contraditório. Por fim, a lei atenua o contraditório nos casos em que a sua ausência beneficiará diretamente a parte que, em tese, colheria benefícios do debate. 133. Contraditório diferido em razão da urgência e da evidência Em casos de urgência, havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (tutela de urgência), ou porque fatalmente a pretensão o autor será acolhida, ocorrendo abuso do direito de defesa (tutela da evidência), a requerimento da parte, o juiz poderá antecipar, no todo ou em parte, os efeitos do pedido, sem a audiência da parte contrária (art. 9.º, parágrafo único, I e II). A emissão de liminares, cujos efeitos variam da segurança para execução (cautelar) à satisfação antecipada (execução para segurança), inaudita altera parte, arrima-se em diversas previsões legais (v.g., art. 300, § 2.º). Dado que o provimento seja idôneo para atingir uma dessas finalidades, e verifiquem-se os pressupostos legais, o contraditório cede ao intuito de prevenir o dano do requerente, ficando sua audiência adiada para momento posterior à citação.72 Naturalmente, ao réu mostrar-se-á lícito, tomando conhecimento da medida, interpor imediatamente o recurso próprio, que é o de agravo de instrumento. De toda sorte, cuida-se de decisão “surpresa” – em geral, a parte toma conhecimento do ato decisório na ocasião em que seu patrimônio jurídico sofre os respectivos efeitos. Parece tolerável sacrificar o debate prévio tão só com a estrita observância dos pressupostos das medidas de urgência. Se o receio de dano não se ostentar claro e forte, ou o direito alegado não se mostrar mais do que provável, ministrando prova suficiente para influenciar decisivamente o convencimento do juiz, o respeito ao contraditório toma à frente na ordem de prioridades.73 A esse propósito, o art. 804 do CPC de 1973 erigia pressuposto escassamente observado, denotando o frisante mérito de apontar cuidadosamente a diretriz que harmoniza contraditório e efetividade da tutela jurisdicional: o juiz concederia a liminar, “sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz”. Por exemplo: (a) no caso de
constrição de dinheiro, a ciência prévia do ato talvez estimule a parte o movimentar o dinheiro e, assim, frustrar a medida; (b) no caso de afastamento compulsório do cônjuge do lar, haja vista o risco à vida do consorte, o conhecimento prévio do réu talvez provoque uma tragédia; e assim por diante. Ocioso frisar que esse requisito encontra-se, atualmente, subentendido no art. 300, § 2.º, do NCPC. Fora dessas situações extremas, em que a oposição direta ou indireta da outra parte tem potencial para frustrar a efetividade da medida, de rigor o juiz deve observar o contraditório prévio.74 A despeito do colorido forte emprestado às alegações do autor que pede do Estado o fornecimento de medicamentos, ou internação hospitalar compulsória, não se mostra impossível colher a manifestação do réu, no prazo de cinco dias (art. 218, § 3.), com o fito de esclarecer se o medicamento não se encontra, realmente, disponível na farmácia pública ou se há vaga, ou não, no nosocômio, assegurando contestação posterior, no prazo legal. Em matéria de evidência, o art. 9.º, parágrafo único, II, faz remissão a duas hipóteses aventadas no art. 311, a saber: (a) as alegações de fato comportam prova documental e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (inciso II); (b) cuidar-se de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será expedida ordem de entrega do bem, sob cominação de multa (inciso III). Deixou de fora o abuso no direito de defesa, previsto no art. 311, I, porque, aí, houve debate prévio. E a sentença liminar do art. 701 não passa de subespécie de tutela de evidência, corretamente ressalvada no art. 9.º, parágrafo único, III, para evitar dúvida. 134. Contraditório diferido em razão da função instrumental do processo Deduzida pretensão a executar, predominantemente a função do processo consiste em realizar, na prática, o direito do exequente, e, não, formular a regra jurídica concreta. O ambiente peculiar da atividade executiva não elimina a necessidade da participação e do debate das partes, pois a execução pode se realizar injusta ou ilegalmente.75 Por esse motivo, há regras explícitas que exigem o contraditório, fitando a execução mais comum, que é a expropriatória (art. 824 do NCPC): (a) o executado é citado para pagar a dívida em três dias (art. 829, caput, do NCPC), ficando desde logo ciente que, não realizado o pagamento, o oficial de justiça realizará a penhora e avaliação “tão logo verificado o não pagamento no prazo assinalado” (art. 829, § 1.º, do NCPC); (b) requerida modificação da penhora (substituição do bem originária ou alienação antecipada), o juiz ouvirá a outra parte no prazo de três dias, antes de decidir (art. 853, caput, do NCPC); (c) ocorrendo a necessidade de adequar a penhora, a requerimento do interessado, o juiz ouvirá “a parte contrária” (art. 874, caput, do NCPC); (d) ocorrendo alienação do bem penhorado, o executado será intimado com a antecedência mínima de cinco dias (art. 889, caput, I, do NCPC). O contraditório é exigido expressamente, nessas situações, porque os atos respeitam ao quomodo da execução.76
Fundando-se a execução em título extrajudicial, o executado reagirá contra a execução injusta ou ilegal através de remédio processual chamado de embargos. É distribuído por dependência e autuado em apartado, conforme estabelece o art. 914, § 1.º, do NCPC. Realiza-se o contraditório, nos seus aspectos mais relevantes, externamente à relação processual executiva. Esse mecanismo não infringe a essência do princípio, pois a limitação decorre da própria função instrumental do processo.77 E, de resto, o executado empregará a exceção de pré-executividade, internamente à relação processual executiva, sempre que lhe parecer necessário para afastar gravame ao seu direito (v.g., para alegar a impenhorabilidade do bem objeto de constrição). O art. 518 do NCPC deixa claro que, fundando-se a pretensão a executar em título judicial, a validade dos atos poderá ser arguida nos próprios autos. Em sua feição mais moderna, o contraditório impõe ao juiz o dever de submeter à prévia discussão das partes as matérias que lhe cabe prover de ofício.78 Estipula nesse sentido o art. 10, do NCPC. E logo acode à mente as questões atinentes aos pressupostos processuais e às condições da ação (art. 357, § 3.º, do NCPC). Assim, percebendo o juiz defeitos relevantes – por exemplo, a pendência de outra execução idêntica; a ausência de título executivo ou a inexequibilidade do instrumento apresentado pelo exequente –, cumpre-lhe abrir o contraditório, antes de extinguir a execução ex officio. É o que exige o processo constitucionalmente justo e equilibrado. 135. Contraditório diferido em razão da vantagem da parte No julgamento dos embargos de declaração, porque os interesses do recorrido não correm o risco de qualquer prejuízo, a lei prescinde do contraditório, evidenciado na obrigação de o relator levar o processo à mesa na primeira sessão subsequente. Fica ressalvada a possibilidade de efeito modificativo, caso em que o contraditório prévio é imperativo (art. 1.023, § 2.º). Em geral, declara-se imperiosa a observância do contraditório no agravo interno. Emprestava-se ao art. 557, § 1.º, do CPC de 1973 interpretação conforme à Constituição.79 É preciso partir de visão mais flexível e instrumento da garantia, cujo objeto é evitar prejuízo por falta de oportuno diálogo com o órgão judiciário. Duas eram as hipóteses: (a) negado seguimento à apelação, desnecessário estabelecer o contraditório, porque o ato favorece o agravado, alinhando-se às razões antes expendidas, e, nessa hipótese, o então apelante, e, agora, agravante, pleiteia tão só que o seu recurso tenha regular processamento; (b) provido o apelo, as razões do apelante se renovam no agravo interno e as do apelado já são conhecidas pela anterior resposta. Em tais condições, assegurar resposta ao agravo interno constituía atividade supérflua e dispendiosa, e verdadeira perda de tempo, convindo atender preferencialmente o direito à duração razoável do processo. Entendeu diferentemente o art. 1.021, § 2.º, do NCPC. É obrigatório colher a manifestação do agravado no prazo de quinze dias. Por identidade de razões, o indeferimento da petição inicial ou o julgamento prévio do mérito, interposta apelação pelo autor e não se
retratando o juiz, reclamam a citação do réu, prevista, respectivamente, no art. 331, § 1.º, e no art. 332, § 4.º. No que tange aos embargos de declaração, a questão atinente ao contraditório pode e deve ser encarada diversamente, embora seja tradicional que tal recurso se processe “sem audiência da parte contrária”, conforme expressamente rezava o art. 840 do CPC de 1939. Nenhuma das razões apresentadas para dispensar o contraditório é decisiva. Em primeiro lugar, diz-se que os vícios embargáveis prejudicariam, uniformemente, as partes e os terceiros, motivo por que pressupõe o rito, senão a concordância do legitimado a recorrer omisso, no mínimo a sua falta de interesse em se opor ao pedido formulado nos embargos.80 Ademais, os embargos de declaratórios não ventilariam questão inédita, mas se reportam às questões já debatidas no curso do processo, e objeto de pronunciamento omisso, contraditório ou obscuro.81 Por fim, diz-se que os embargos não têm como objetivo precípuo modificar o julgamento.82 A última suposição é improcedente. Basta figurar o caso de a sentença olvidar a questão da prescrição, o que é defeito típico (art. 1.022, II), e o réu embargar o ato: o acolhimento do recurso e, de meritis, da prescrição, implicará radical alteração no resultado do processo. E o vício de que padeceria o provimento constitui flagrante questão nova, a cujo respeito não se conhece a manifestação do embargado. Enfim, os embargos de declaração frequentemente alteram o conteúdo do provimento, e, nesse caso, a reviravolta sem audiência da parte contrária, ofende gravemente o contraditório, cuja observância é obrigatória.83 Por esse motivo, o art. 1.023, § 2.º, prevê o contraditório nesse caso, exigência generalizável a outras situações. § 32.º Direito à ampla defesa 136. Conteúdo essencial do direito à ampla defesa Conforme assinalado em item anterior (retro, 130), o art. 5.º, LV, assegura aos litigantes, no processo judicial e, a fortiori, no processo administrativo, a “ampla defesa, com os meios e recursos e ela inerentes”. É preciso ter em mente que a ampla defesa ocorrerá no seio de atividade estatal específica, a jurisdição constitucionalmente conformada aos direitos fundamentais. Essa atividade se desenvolve perante órgão constituído anteriormente aos fatos (direito ao juiz natural) e investido no poder de processar, de julgar e de executar, provocado através da ação (direito de acesso à Justiça), no âmbito do instrumento criado e desenvolvido para aplicar o direito objeto, resolvendo conflitos, que há de ser justo e equilibrado (direito ao devido processo legal). A constelação de garantias interage no mesmo ambiente para formar a maior garantia de todas: o próprio processo. A ampla defesa é um dos ingredientes da receita que, após a mistura, impregna o produto final com aroma peculiar e suave, cuja falta é mais marcante que a própria presença. Logo, alguma ambiguidade nas fronteiras do contraditório e da ampla defesa parece tolerável; porém, a defesa é mais consequência do contraditório do que seu antecedente lógico. Exterioriza-se a defesa através do contraditório.84
Elemento integrante da receita complexa do giusto processo ou faires Verfahren, a ampla defesa também é um direito que o Brasil se obrigou a respeitar no plano internacional. A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), ou Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, no seu art. 8.º, primeira alínea, prescreve o seguinte: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. O núcleo essencial do direito à ampla defesa localiza-se nos fins próprios do processo. Esse instrumento da jurisdição se destina a realizar o direito objetivo, e, assim, compor a lide autoritariamente. Essa finalidade pública exige que sejam obedecidas certas condições constitucionais, agrupadas sob o título de giusto processo ou de faires Verfahren e de due process of law. Emana do direito de acesso à Justiça Pública, assegurado no art. 5.º, XXXV, da CF/1988, garantia destinada as partes, a ampla defesa. É o que se infere do uso da palavra “litigantes” no art. 5.º, LV, da CF/1988. No entanto, o conjunto das garantias processuais não corrige o desequilíbrio básico do processo, porque o autor age e o réu reage. O problema fundamental dessa assimetria avulta na necessidade de a lei, visualizando o conjunto de atos após a formação do processo, imprimir “duração razoável” às operações de formular a regra jurídica concreta, assegurá-la ou realizá-la no mundo real. A lei processual oferece prazo maior para o autor preparar e deduzir a pretensão processual que o prazo, por si mesmo razoável, para o réu coligir o material de fato indispensável e apresentar em juízo a respectiva defesa. E, com efeito, o processo não poderia aguardar, indefinidamente (rectius: por tempo idêntico ao decorrido entre o nascimento da pretensão e o ingresso do autor em juízo), a articulação dos meios de defesa pelo réu, a ponderação meticulosa dos fatos, a elaboração da melhor tática defensiva. É preciso ter em mente, nesta matéria, representarem o direito e o processo fenômenos humanos, passíveis de imperfeições tão naturais, quanto insupríveis na prática. O máximo a que se pode chegar consiste em não permitir restrições excessivas à defesa. Do contrário, a defesa não se mostraria ampla, ou seja, sonegaria os meios e os recursos a ela inerentes. Entende-se por “meios e recursos inerentes” à ampla defesa: (a) o direito de ser chamado validamente para se defender através de um dos meios legais de citação; (b) tempo razoável para o réu preparar a sua defesa, fixado, no comum dos casos, em quinze dias (art. 335 do NCPC), interstício que o NCPC generalizou; (c) a representação técnica em juízo por pessoa dotada de capacidade postulatória, ou seja, de advogado (art. 1.º da Lei 8.906/1994), também chamada de defesa técnica ou defesa em sentido formal;85 (d) o direito de presença na audiência, embora não intimado pela prestar depoimento pessoal, e acompanhar a produção da prova, ressalva feita aos casos que ausência convém à descoberta da verdade (v.g., o art. 385, § 1.º, impede, a quem que ainda não depôs, “assistir o interrogatório da outra parte”); (e) o emprego dos meios de impugnação às resoluções judiciais
desfavoráveis previstos em lei; (f) o direito a intérprete, não se exprimindo a parte fluentemente no idioma nacional.86 Nenhum direito fundamental processual se afigura absoluto. O direito à ampla defesa segue essa linha (infra, 138). 137. Finalidades do direito à ampla defesa A defesa fundamenta-se no instinto de sobrevivência. A pessoa humana tem a predisposição inata de reagir a qualquer agressão. O processo civil acolhe esse instinto, imprimindo características de civilidade ao ataque e à defesa. Para essa finalidade, tanto o autor, quanto o réu dispõem de prazos razoáveis – o do réu, haja vista o desequilíbrio inicial do processo (o autor age quando quer, o réu precisa reagir ainda que não queira) necessariamente mais exíguo que o do autor –, a fim de realizarem suas alegações iniciais e produzirem a prova documental. Em seguida, as partes equiparam-se na bilateralidade. Corresponde ao mais elementar senso comum que o processo no qual não se assegure às partes, no movimento dialético do contraditório, o direito de conhecer as alegações da parte contrária (direito à comunicação), e de inteirar-se do seu teor (direito à informação) – por esse motivo, a cópia da petição inicial integra o mandado de citação, a teor do art. 250, V –, e de respondê-las, ministrando prova, não é justo e equilibrado. A ampla defesa assegura o equilíbrio, no curso da relação processual, e propicia julgamento justo. O direito à ampla defesa conforma a atividade processual em diversos aspectos insuspeitos. Por exemplo: (a) a possibilidade de a parte postular em nome próprio, dispensada a representação técnica nos casos legais (v.g., do credor de alimentos, a teor do art. 2.º, caput, da Lei 5.478/1968; do legitimado a iniciar o controle concentrado de constitucionalidade, previsto no art. 103, I a IX, da CF/1988) ou em razão de circunstâncias objetivas (infra, 1.018); (b) a possibilidade de o réu impedir a formação de litisconsórcio ativo multitudinário, indicando o art. 113, § 1.º, do NCPC, o prejuízo à defesa (infra, 583). § 33.º Limitações do direito à ampla defesa 138. Regime geral das limitações à defesa O art. 5.º, LV, da CF/1988 erige a garantia da defesa “ampla”. É ampla a defesa completa ou abrangente, e, não, a defesa ilimitada.87 Por esse motivo, a lei institui limites ao direito fundamental processual à ampla defesa. Esses limites são técnicos e políticos. 139. Limitações da defesa na representação técnica É parte inerente do devido processo legal, ou do faires Verfahren, o direito (e a necessidade) de a parte representar-se por advogado no processo civil. De ordinário, a autodefesa não é admitida, entre nós, diversamente do que acontece nos Estados Unidos da América.88 O fato de a parte exibir capacidade postulatória (art. 103, parágrafo único, do NCPC), porque pessoa inscrita no quadro próprio da OAB, não constitui exceção digna de registro;
conjugam-se, na mesma pessoa, a qualidade de parte e a capacidade postulatória. A criação da Defensoria Pública para promover a defesa dos necessitados, em juízo e fora dele, “expressão e instrumento do regime democrático”, como proclama o art. 1.º da LC 80/1994, na redação da LC 132/2009, bem revela o caráter essencial da representação técnica para o processo constitucionalmente justo e equilibrado. Representará ônus da parte, em especial do réu após receber a citação, buscar contato com advogado privado ou com órgão da Defensoria Pública. Livre se afigura a escolha dos profissionais liberais. Na economia de mercado, há advogados acessíveis ou não, proficientes ou não, formando universo largo o suficiente para todos os gostos (e bolsos). O interessado escolherá quem melhor lhe convier. Tudo muda de figura no caso dos necessitados. O art. 4.º-A, III, da Lei 80/1994 assegura o direito de o defensor natural patrocinar os direitos e os interesses do necessitado. Tal significa que, cuidando-se de vulnerável na acepção legal (infra, 746), inexiste livre escolha, incumbindo o patrocínio ao órgão de execução da Defensoria Pública territorial e materialmente competente. A regra cuidadosamente redigida impede que o necessitado escolha A, em lugar de B, sobrecarregando o primeiro e aliviando a carga de trabalho do segundo, em virtude de fatores conjunturais e subjetivos (v.g., o temperamento amargo ou colérico de B; o alto tirocínio de A). À luz do direito à ampla defesa, o problema surge com a postulação feita sem a mediação de procurador fora dos casos legais. Concebem-se duas situações: (a) o autor elabora petição inicial e, prescindindo de advogado, ingressa em juízo; (b) o réu oferece contestação, no prazo legal, em nome próprio. Nessa contingência, há duas possibilidades: (a) ou compete ao órgão judiciário, ex officio, corrigir o vício, dando defensor à parte, para ratificar o ato, ou assinando-lhe prazo hábil para suprir a falta; (b) ou toca-lhe retirar incontinenti as consequências legais do vício. Adotou a primeira solução o art. 2.º, § 3.º, da Lei 5.478/1968: deduzida pretensão para haver alimentos, pessoalmente, ou comparecendo o credor na sede do juízo, sem indicar profissional “que haja concordado em assisti-lo”, o órgão judiciário designará “desde logo quem o deva fazer”. Interpretada a regra em consonância com a CF/1988, entende-se que o juiz encaminhará o credor e potencial postulante ao órgão competente da Defensoria Pública. Fora dessa hipótese assaz restrita, impera a noção que constituir advogado é ônus da parte. O juiz não se imiscui em tal assunto e no âmbito da autonomia privada. Por exemplo, o art. 111 do NCPC obriga a parte que revogar o mandato outorgado ao seu advogado, no mesmo ato, a constituir “outro que assuma o patrocínio da causa”. Descumprido o ônus, por qualquer razão, imediatamente desaparecerá a representação técnica. Cabe ao juiz suspender o processo e ordenar o suprimento da falta de representação, aplicando-se, destarte, o art. 76 do NCPC.89 É mais agudo o problema na hipótese de o procedimento contemplar audiência inicial em que as partes devam acompanhar-se de advogado. O art. 334, § 9.º, do NCPC prescreve nesse sentido. Se o réu comparecer a esta audiência desacompanhado de advogado, inexiste o risco de revelia, pois o prazo de contestação fluirá posteriormente, não se realizando a
autocomposição (art. 335, I, do NCPC), mas há que se cogitar a suspensão da sessão e, ainda, a possibilidade de as partes comporem o litígio. Era hipótese assaz controvertida no direito anterior, quanto ao comparecimento do réu na audiência inicial desacompanhado de advogado.90 Nada obstante, lícito promover a autocomposição, comparecendo ambas as partes desacompanhadas de advogado, ou apenas uma, pois se as partes podem transigir fora do processo não tem maior sentido em impedi-las de encerrar o dissenso, porque sentadas na frente do magistrado e dos seus auxiliares (conciliador ou mediador). Por óbvio, a assistência do advogado torna a barganha mais segura, e, faltando um deles, haverá algum desequilíbrio. Porém, a moderação do órgão judiciário ou do auxiliar do juízo corrigirá a contento. Não se obtendo a autocomposição, prosseguirá o processo. 140. Limitações temporais à defesa O art. 335 do NCPC estabelece o prazo de quinze dias, contado na forma dos respectivos incisos, e ordinariamente (art. 219 c/c art. 224), para o réu oferecer contestação. Embora o direito à ampla defesa seja bilateral, cabendo também ao autor no caso de iniciativa da parte contrária (v.g., a resposta ao recurso), o autor abre o processo, e, portanto, a primeira atitude defensiva compete ao réu. É muito caro ao direito fundamental processual à ampla defesa o prazo assinado ao réu para apresentar defesa. Conforme já se assinalou, o autor dispõe de muito tempo para preparar a petição inicial, submetendo-se, unicamente, aos prazos de prescrição e de decadência do direito substancial. Em tal interregno, o autor reúne o material probatório, pesquisa o direito, localiza e coleciona os precedentes adequados à sua causa e, fundamentalmente, medida a respeito do teor e da forma da petição inicial. O advogado do réu desfrutará de prazo bem menor: quinze dias, descontado o tempo que a pessoa levou para contratá-lo. É por esse motivo que o prazo de resposta do réu, abstratamente considerado, há de se mostrar razoável e suficiente à prática do ato. Do contrário, infringe o direito à ampla defesa. São constitucionais, nessa perspectiva, quaisquer regras que dilatem o prazo de defesa, em virtude da qualidade da parte (v.g., figurando como ré a Fazenda Pública, a teor do art. 183, caput, do NCPC) ou de multiplicidade de réus com procuradores distintos (art. 229 do NCPC). Em tese, o único reparo que comportam essas regras reponta no direito fundamental à igualdade – e, nesse caso, tão só realizaram a máxima que a igualdade consiste, em tratar desigualmente os desiguais (infra, 153). Não cuida de “odiosa prerrogativa”.91 São ajustes abstratos para adequar o processo aos direitos fundamentais. A preferência legal, em matéria de prazo para defesa do réu, recai no interregno de quinze dias. O art. 297 do CPC de 1973 elevou de dez para quinze dias os prazos para contestar, reconvir e excepcionar, contemplados nos arts. 292 e 190 do CPC de 1939, eliminando, ainda, o exíguo interstício dos três primeiros dias para o réu apresentar exceções, então vigente. O art. 335 do NCPC manteve o interregno, concentrando a reação do réu na contestação, e manifesta inequívoca preferência pelo prazo de quinze dias.
Este é o prazo para o autor emendar a petição inicial (art. 321, caput, do NCPC) e para a réplica (arts. 350, 351 e 437, § 1.º). Foi além o art. 5.º, § 1.º, da Lei 5.478/1968: o prazo de contestação é judicial (infra, 1.153.1), tocando ao juiz fixar “prazo razoável que possibilite ao réu a contestação da ação proposta”. À luz das ponderações cabíveis, o interregno de quinze dias, considerando que há de existir espaço de tempo determinado para a defesa do réu, em princípio satisfaz o direito previsto no art. 5.º, LV, da CF/1988. Em tema de limitações do direito à defesa, o problema não reside na dilação, mas no encurtamento do prazo de resposta do réu. A urgência intrínseca à pretensão talvez justifique, na ponderação dos valores constitucionais, o prazo de cinco dias, previsto no art. 306 do NCPC, tratandose de pretensão cautelar autônoma e antecedente. Não se visualizava maior razão, todavia, o prazo de cinco dias para o réu apresentar contas ou contestar a ação em que o autor pede contas (art. 915,caput, do CPC de 1973). O art. 550, caput, do NCPC não perdeu a oportunidade e dilatou o prazo para quinze dias. Era muito desconfortável a posição do réu no direito anterior. Cabia-lhe em reduzido espaço de tempo reunir todo o material necessário à documentação dos créditos e dos débitos; organizar as contas sob forma contábil; e optar por apresentá-las ou contestar, à vista do resultado final e da consistência da prova dos respectivos lançamentos. Às vezes, localizar os dados depositados em galpão distante e armazenados em arquivo digital ultrapassado, indevassável aos equipamentos mais modernos, constitui tarefa de semanas ou de meses em labor paciente e de incertos resultados. O prazo do art. 550, caput, do NCPC minora, mas não vence o problema. Essas dificuldades particulares do réu ensejam providências corretivas, aplicando o direito fundamental processual à ampla defesa, assinando prazo para o réu produzir a prova documental, oportunamente, ou decifrar o arquivo digital. 141. Limitações da defesa na prova As partes têm direito à prova das respectivas afirmações de fato controvertidas. O ponto de fato somente se torna controvertido, transformando-se, tecnicamente, em questão de fato, na medida em que o réu se desincumba, na defesa, do ônus da impugnação específica, contemplado no art. 341, caput, segunda parte, do NCPC. Se o réu não impugna, precisamente, os fatos narrados na petição inicial, presumem-se verdadeiros, ressalva feita às exceções legais (art. 341, I a III, e parágrafo único, do NCPC), e inexistirá necessidade de qualquer prova. A própria falta de defesa produzirá, de regra, idêntica consequência (art. 344 do NCPC). Desaparecerá, assim, o direito à prova por força da inércia, elemento integrante da ampla defesa.92 No caso da revelia, entretanto, intervindo o réu oportunamente, readquirirá o direito à prova, limitadamente, pois jungido à contraprova dos fatos alegados pelo autor, “desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção” (art. 349, do NCPC, in fine) A existência de questão de fato, decorrente da atividade defensiva, constitui condição necessária, mas insuficiente à formação do direito à prova. Existem outras limitações técnicas, decorrentes da ordenação da matéria
defensiva (v.g., há questão prévia, cujo acolhimento torna desnecessária a investigação dos atos controvertidos), e do meio de prova proposto para dissipar a controvérsia (v.g., a prova documental e a confissão pré-excluem a prova testemunhal, a teor do art. 443, I, do NCPC). Embora o direito à prova seja indissociável da ampla defesa,93 na realidade a autonomia privada, ou seja, as características da defesa concretamente apresentada, em certo processo, acarretam limitações razoáveis a tal direito. E não se pode divisar vício no processo, decorrente da deficiente atuação no caso de o procurador da parte não impugnar, precisamente, os fatos narrados na petição inicial ou, havendo-os impugnado, propor meio probatório inidôneo. Essa atividade defensiva talvez se ajuste, quanto à impugnação, aos deveres do art. 77 do NCPC, e, quanto ao meio de prova, como a única maneira de se contrapor à literalidade do documento apresentado pelo autor. A abreviação do procedimento, mediante a técnica do julgamento antecipado, ou per saltum, nas hipóteses traçadas no art. 355, I e II, e 356 harmoniza-se com o direito fundamental processual à ampla defesa.94 142. Limitações da defesa perante a natureza da causa O direito fundamental processual à ampla defesa não pré-exclui limitações decorrentes da natureza da causa. Existem pretensões que, segundo o direito material, não comportam determinadas alegações. Do ponto de vista do réu, sempre o mais delicado em termos de defesa, significa que a respectiva reação há de exibir adequação e pertinência, relativamente à pretensão deduzida pelo autor. Desse modo, nos casos em que a lei restringe a cognição do órgão judiciário, tornando-a sumária – por exemplo, na pretensão de renovar a locação forçadamente, constante do art. 72 da Lei 8.245/1991; na oposição à pretensão de executar fundada em título judicial, a teor do art. 525, § 1.º, do NCPC –, a exclusão de determinados pontos de direito ou de pontos de fato não infringe o direito previsto no art. 5.º, LV.95 Em alguns casos, a cognição sumária decorre da impossibilidade de outras alegações: tratando-se de execução fundada em título judicial, ou a autoridade da coisa julgada já absorveu a matéria de defesa (v.g., o executado só pode alegar, a teor do art. 525, § 1.º VII, do NCPC a prescrição superveniente à sentença: a prescrição da pretensão a condenar ou foi rejeitada ou precluiu, na forma do art. 508 do NCPC –, hipótese de execução definitiva; ou a discussão da matéria de defesa ocorre nos limites do recurso pendente, no caso de execução provisória. É a diretriz consagrada no art. 509, § 4.º, do NCPC, explicitamente, para a antecedente liquidação, se necessária. Em outras situações, a matéria de defesa sonegada, no primeiro processo, comportará ampla controvérsia no segundo processo – por exemplo, a questão relativa ao domínio, em virtude da regra de não cumulação das pretensões petitória e possessória (art. 557 do NCPC). Nessas hipóteses, a restrição à defesa se afigura controvertida, fundando-se na técnica de ponderação dos valores constitucionais: o sacrifício à defesa corresponde à necessidade de prestar tutela mais expedita às partes – expressa, no âmbito da pretensão possessória, pelo conhecido brocardo vim fiero veto -, relegando para um segundo momento controvérsias mais abrangentes.
Tampouco incorre em ofensa ao direito à ampla defesa a circunstância de a defesa não se realizar internamente ao processo pendente. Na execução, entre nós, o executado corrigirá eventuais ilegalidades e injustiças no exercício da pretensão a executar através dos embargos (art. 914, § 1.º, do NCPC). Os embargos, e, a fortiori, a impugnação do art. 525, § 1.º, representam o exercício de uma pretensão específica – a pretensão de oposição à execução, ao menos, e decididamente, nos casos em que visa a corrigir a injustiça, invocadas exceções materiais (Vollstreckungsgegenklage).96 143. Limitações da defesa no ambiente eletrônico A Lei 11.419/2006 habilitara o processo civil brasileiro a correr unicamente na via eletrônica. A difusão desse ambiente subordina-se mais à existência de recursos públicos financeiros suficientes para sua implantação, a exemplo dos equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores, conforme exige o art. 10, § 3.º, da Lei 11.419/2006 e os arts. 198 e 199 do NCPC, do que à tecnologia e o preparo do pessoal. A realização dos atos processuais, desde a petição inicial, e a comunicação desses atos, mediante transmissão eletrônica, representará inestimável aumento na produtividade dos órgãos judiciários e, até certo limite, a única possibilidade real de impor duração razoável ao processo. Nada obstante, o processo eletrônico cria problema que respeita à ampla defesa no processo eletrônico. Parece óbvio que o movimento dialético do processo ficará preservado. Desaparecerá, entretanto, o contato das partes e das testemunhas entre si e com o órgão judiciário, nas audiências realizadas sob a forma videoconferência ou recurso tecnológico equivalente de transmissão de sons e de imagens. Nenhum dos participantes da audiência – juiz, escrivão, partes, advogados, testemunhas, peritos, e assim por diante –, na teoria, necessitarão deslocar-se para a sede do juízo, embora se presuma que lá estejam o órgão judiciário e seus auxiliares, porque inútil o movimento físico: de qualquer lugar em que se encontre o interessado, a tecnologia já existente e muito simples permite que ingresse na audiência virtualmente. É preciso, nessa matéria, abandonar os preconceitos mais arraigados do processo penal (v.g., o direito de o réu confrontar seu acusador), hipotéticos direitos desenvolvidos em priscas eras, e aceitar que a máquina datilográfica (inclusive a elétrica e com fita corretiva) virou peça de museu. Não há volta possível para esses tempos. O processo não goza de qualquer imunidade específica contra a voragem eletrônica. O direito à presença em audiência, conquanto não intimada a parte para comparecer, e o direito de acompanhar a produção da prova oral, não sofrem, absolutamente, violação no processo eletrônico. Eles apenas de transformaram de presença e acompanhamento físicos em presença e acompanhamento virtuais. 144. Limitações à defesa no debate oral O representante técnico da parte tem o direito de debater as questões de fato e as questões de direito, finda a instrução, pelo prazo de vinte minutos, prorrogável por dez minutos, a critério do juiz (art. 364, caput, do NCPC).
Raramente os advogados se encontram realmente preparados para a oralidade, desempenhando a contento esse direito integrante da ampla defesa. A substituição do debate oral por memoriais escritos, em princípio limitada à presença de questões complexas (art. 364, § 2.º, do NCPC), é atitude comum, recebida com alívio pelos advogados e pelo órgão judiciário. No segundo grau, o art. 937 do NCPC elimina o debate oral no julgamento colegiado dos embargos de declaração e do agravo de instrumento, ressalva feita, nesse último caso, ao agravo interposto contra decisões interlocutórias versando tutelas provisórias fundadas na urgência e na evidência (concessão, denegação, modificação, revogação). Por analogia, os regimentos internos também pré-excluíam a sustentação oral no agravo interno; todavia, o art. 937, VII, do NCPC previu debate oral no agravo interno originário de apelação, de recurso ordinário, de recurso especial e de recurso especial, mas acabou vetado pela Presidenta da República. A opinião prevalecente entende essas restrições como incompatíveis com o direito à ampla defesa.97 E, realmente, ressalva feita aos embargos de declaração, ao menos na sua função precípua de integração do provimento impugnado, inexiste base razoável para impedir o debate no agravo de instrumento. Esse recurso assumiu relevo extraordinário no processo civil contemporâneo. Ele cabe contra as decisões interlocutórias da maior importância, a exemplo da distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 1.015, XI, do NCPC), importando a fixação de regra de julgamento no caso de falta de prova. Ora, não se pode considerar inútil e irrelevante a sustentação do procurador do agravante em casos tais. O ato tem capital importância para as partes, tanto a quem requereu a medida, quanto a quem sofrerá os respectivos efeitos. Trata-se de restrição ilegítima do direito à ampla defesa.
Capítulo 11. DIREITOS FUNDAMENTAIS RELATIVOS À ESTRUTURA DO PROCESSO SUMÁRIO: § 34.º Direito à motivação dos provimentos judiciais – 145. Conteúdo essencial do direito à motivação – 146. Finalidades do direito à motivação – 146.1. Finalidades internas da motivação – 146.2. Finalidades externas da motivação – 147. Limites ao direito à motivação – 148. Consequências da falta ou da insuficiência da motivação – § 35.º Direito ao juiz natural – 149. Conteúdo essencial do direito ao juiz natural – 150. Finalidades do direito ao juiz natural e projeções técnicas da garantia – 151. Limitações do direito ao juiz natural – 152. Direito ao promotor e ao defensor público natural – § 36.º Direito à igualdade – 153. Conteúdo essencial do direito à igualdade – 154. Finalidade do direito à igualdade – § 37.º Limitações do direito à igualdade – 155. Compensações à desigualdade no processo civil – 156. Igualdade formal no processo civil – 156.1. Igualdade formal de tratamento nos prazos processuais – 156.2. Igualdade formal na comunicação dos atos processuais – 156.3. Igualdade formal na distribuição do ônus da prova – 156.4. Igualdade formal de tratamento nos recursos – 156.5. Igualdade formal consoante a natureza do ato processual – 156.6. Igualdade formal na tramitação do processo – 156.7. Igualdade formal no regime financeiro do processo – 156.8. Igualdade formal na ordem cronológica dos julgamentos – 156.8.1. Organização e divulgação da lista cronológica – 156.8.2. Exceções à ordem cronológica dos julgamentos – 156.8.3. Alterações
na ordem cronológica de julgamentos – 157. Igualdade material no processo civil – § 38.º Direito à licitude da prova – 158. Conteúdo essencial do direito à licitude da prova – 158.1 Direito à prova no processo civil – 158.1.1. Conteúdo e eventualidade do direito à prova no processo civil – 158.1.2. Finalidades do direito à prova no processo civil – 158.2. Limitações do direito à prova no processo civil – 158.3. Formas de desvelar o direito à privacidade – 158.4. Consequências da prova ilícita no processo civil – 159. Formas de ilicitude da prova – 160. Caráter absoluto ou relativo do direito à licitude da prova – § 39.º Direito à celeridade – 161. Conteúdo essencial do direito à celeridade – 162. Finalidade do direito à celeridade – 163. Responsabilidade decorrente do descumprimento da celeridade – § 40.º Direito ao duplo grau de jurisdição – 164. Conteúdo essencial do duplo grau – 165. Fundamentos do duplo grau – 166. Limitações ao duplo grau – 167. Forma de operação do duplo grau. § 34.º Direito à motivação dos provimentos judiciais 145. Conteúdo essencial do direito à motivação Logo em seguida à imposição de julgamentos públicos para os órgãos judiciários, o art. 93, IX, da CF/1988 acrescenta que serão “fundamentadas todas as decisões”. O art. 11, caput, do NCPC repete a fórmula constitucional, inclusive empregando a palavra fundamento. É escasso o prestígio da palavra fundamentação e seus cognatos, repetida na lei processual civil (v.g., art. 489, II e § 1.º, do NCPC), como epíteto adequado para o direito de a parte conhecer as razões do convencimento do órgão judiciário na resolução das questões que lhe são submetidas. A terminologia usual no processo civil não se curvou à referência especial do art. 93, IX, da CF/1988 e prefere a palavra “motivação”,1 sinônimo de “fundamentação”. À altura que se introduziu o direito à motivação no degrau constitucional, a lei processual já cuidara de exigi-lo. O direito fundamental processual à motivação das resoluções judiciais originou-se das Ordenações Filipinas (Livro II, Título 66, § 7.º). A regra pioneira obrigava os desembargadores, e quaisquer outros julgadores, letrados ou não, “a declarem especificamente em suas sentenças definitivas… as causas, em que se fundarem a condenar ou absolver, ou a confirmar, ou revogar”. Firmou-se a necessidade de motivação nessa disposição do direito reinol. Os argumentos dos partidários da ausência de motivação revelavam-se frágeis e pouco persuasivos. Por exemplo, a falta de motivação constitui estímulo maior à impugnação da decisão contrária ao próprio interesse que os rompantes do vencido em criticar aos fundamentos e recorrer; o temor que a motivação (e a publicidade respectiva) estabeleça (mau) precedente para casos análogos soa paradoxal, em rumo oposto à aspiração à previsibilidade e à segurança – tão caras ao art. 926 do NCPC, determinando a manutenção da estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência dos tribunais; e assim por diante.2 Para restringir a enunciação dos dispostos ao diploma imediatamente anterior à CF/1988, o art. 131 do CPC/1973 autorizava o juiz a apreciar livremente a prova, mas impõe que indique, “na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento”. Não é muito diferente o art. 371 do NCPC, embora haja banido o advérbio livremente, preocupado com o contraditório, e,
não, com valoração da prova. Em contrapartida ao princípio da livre apreciação (infra, 1.335.1.3),3 premissa da independência jurídica (infra, 923), todavia limitada, o órgão judiciário esclarecerá os motivos que o conduziram à formação do juízo de certeza ou o juízo de verossimilhança. É significativo, nesse último caso, a previsão do art. 298 do NCPC, relativamente à tutela provisória, segundo o qual “na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela provisória, o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso”. A esse elemento substancial dos provimentos judiciais, e não só da sentença, aludem os arts.11, caput, e 489, § 1.º, do NCPC. A consagração do direito fundamental processual à motivação no art. 93, IX, CF/1988, direito já inferido da preexistência do regime democrático,4 não careceu de mediação legislativa. O direito processual civil infraconstitucional já explicitara essa garantia. E a lei suprema pátria, no fundo, simplesmente acompanhou as leis fundamentais congêneres,5 a exemplo do art. 111 da Constituição da República da Itália, de 1948, que houveram por bem, após o encerramento da segunda guerra mundial, explicitar os direitos da pessoa humana em tal estatura legislativa. Nenhum relevo assume o fato de o art. 93, IX, não se localizar no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais – e no Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos – da CF/1988, ou seja, no célebre art. 5.º da lei fundamental. Segundo a diretriz que proveio do art. 72 da CF/1891, o art. 5.º, § 2.º, da CF/1988 estabelece “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. A regra reproduzida acolhe as garantias previstas “nesta Constituição”, sítio em que se localiza o sobredito art. 93, IX, da CF/1988. O conteúdo essencial do direito à motivação, a que corresponde o dever de o juiz motivar seus atos decisões, envolve aspectos qualitativos e quantitativos. A exposição do prévio trabalho intelectual do juiz subordina-se a quatro requisitos, sem os quais inexiste cumprimento satisfatório do art. 93, IX, da CF/1988, devendo a motivação apresentar-se: (a) expressa; (b) clara; (c) coerente; (d) lógica (infra, 1.122.2).6 O predicado da motivação expressa abrange, por sua vez, duas variantes: (a) a motivação per relatione (v.g., a sentença que transcreve o parecer de jurista junto aos autos), investigando a medida da originalidade da motivação, cujo objetivo consiste em estabelecer se há, ou não, pertinência com o debate das partes (infra, 1.122.3.1); e a motivação implícita (infra, 1.122.3.2), respeitante à inteireza da motivação, entendendo-se não precisar o juiz refutar ou acolher, uma a uma as afirmações das partes exprimindo juízos e, portanto, representativas de razões, satisfazendo-se com um só juízo, a seu ver apto para resolver a questão, se os demais, em tese, não se mostram idôneos a informar a conclusão (art. 489, § 1.º, IV, do NCPC). E, de outro lado, cabendo ao juiz resolver, grosso modo, dois grupos de questões, respeitantes ao juízo de admissibilidade e ao juízo de mérito, surgem duas espécies de motivação: (a) a motivação extensa ou ampla, exigida no caso de resolução de mérito; (b) a motivação concisa ou breve, abrangendo as questões processuais que conduzem, ou não, à extinção do processo sem resolução do mérito. Essa última motivação não se coaduna com as diretrizes do art. 489, § 1.º, do NCPC º.
Esses aspectos receberão exame no item dedicado aos atos processuais do órgão judiciário (infra, 1.122.4). É preciso, entretanto, definir o respectivo conteúdo mínimo, visivelmente dependente do modo como se encare o requisito da motivação expressa. É preciso ter em mente que a motivação destina-se, diretamente, às partes. O Estado Constitucional de Direito exige que as partes conheçam as razões pelas quais o órgão judiciário deu razão a uma delas.7 Em particular, inexistisse o dever de o juiz motivar suas resoluções, o réu não avaliaria se a defesa foi, ou não, e em que medida considerada no julgamento. Por esse motivo, a motivação compreende dois elementos incindíveis: (a) a reconstrução histórica do episódio da vida que integra o objeto litigioso, recolhendo, analisando e interpretando as fontes ministradas por iniciativa das partes,8 ou reunidas ex officio; e (b) a constituição da norma genérica a esse material de fato aplicável, objeto de interpretação jurídica. Nesse último aspecto, o dever de motivação impõe ao juiz uma melhor ponderação na formulação da regra jurídica concreta, aderente ao princípio da fidelidade ao direito (art. 8.º), erradicando a suspeita de abuso, arbitrariedade e parcialidade.9 As partes têm o inequívoco direito de conhecer o caminho lógico percorrido pelo juiz nessas duas linhas convergentes.10 A motivação representa instrumento de comunicação, expondo às partes a ratio essendi do ato judicial. Fornece às partes elemento, mais ou menos seguro – o que se passou, realmente, na mente do juiz jamais se descobrirá, pois o resultado formal que vem à luz pode ser mistificado, e, de todo modo, exibirá zonas de esquecimento, inclusive ideológica –,11 do itinerário trilhado pelo órgão judiciário para sustentar a decisão. E, assim, a motivação é uma modalidade de discurso judicial, legitimando, democraticamente, o juízo afinal emitido. Em síntese larga, o direito fundamental das partes abrange a “exposição dos fatos relevantes para a solução do litígio e a exposição das razões jurídicas do julgamento”.12 É típico trabalho de gabinete. O fascinante e exaustivo trabalho intelectual que empolga as pessoas investidas em função judicante. Não há motivo para resistir ao art. 489, § 1.º. Ao contrário, as exigências cativam o juiz e a juíza operosos e conscientes da sua elevada missão constitucional. Para essa finalidade, materialmente, o juiz cotejará as afirmações das partes, relativamente aos fatos relevantes – e, portanto, descartará os irrelevantes –, com a prova produzida, avaliando as provas trazidas ao processo independentemente da origem (princípio da comunhão da prova). Se a prova documental, produzida com a inicial e a defesa, não bastou à solução da controvérsia, o juiz previamente fixou os pontos controvertidos (art. 357, II, do NCPC), balizando a avaliação dos meios ministrados na etapa da instrução. Diz-se indispensável, não sem razão, a avaliação de toda a prova. Porém, há atenuações inerentes à peculiaridade do caso; por exemplo, a prova inconteste do fato extintivo (v.g., vencimento do prazo de prescrição) sobrepõe-se à investigação mais profunda dos fatos constitutivos. E, formada sua convicção, neste ou naquele sentido, passará ao trabalho de subsunção ou de concretização, aplicando o direito à espécie. O emprego de conceitos indeterminados na norma que, segundo a opção do juiz, incide no caso, torna a motivação mais exigente, e não menos, cabendo explicar o porquê de uma
solução revelar-se mais apropriada do que as outras. Em outras palavras, cumpre-lhe explicar o motivo concreto da incidência do conceito juridicamente indeterminado (art. 489, § 1.º, II, do NCPC) e, em caso de colisão de normas, explicitar o objeto e os critérios gerais da ponderação, “(…) enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão” (art. 489, § 2.º, do NCPC). Findo todo esse trabalho, cumpre ao juiz resolver as questões que as partes lhe submeteram, no contraditório havido, explicitando os fundamentos da resolução tomada (art. 489, II, c/c art. 371 do NCPC). 146. Finalidades do direito à motivação O direito fundamental processual à motivação suficiente dos provimentos judiciais exibe várias finalidades. Elas podem ser agrupadas em duas espécies: (a) interna; (b) externa. 146.1. Finalidades internas da motivação – Em relação às partes, o direito à motivação opera assimetricamente. O vencedor lê o dispositivo com ânimo leve e interesse relativo. É diferente a perspectiva do vencido, pois “importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi”.13 O art. 93, IX, da CF/1988 nutre a expectativa que o vencido se convença do acerto da resolução. Eventualmente, a motivação convincente desestimulará a interposição de recurso, mostrando que resultado obtido não é fruto da sorte ou de simples capricho do órgão judiciário.14 Embora quimérico, pois raramente o vencido ficará convencido, o objetivo de persuadir o vencido é muito caro processo constitucionalmente legítimo. A finalidade técnica da motivação deriva da interligação do ato decisório com os meios de impugnação. No que tange à sentença, a motivação influencia a extensão e a profundidade do efeito suspensivo. E, de resto, só conhecendo as razões de decidir as partes se habilitam a impugnar adequadamente o provimento desfavorável. Neste sentido, a afloração das questões constitucional e federal, para efeitos de prequestionamento, revelase essencial ao cabimento dos recursos extraordinário e especial, e constitui outra manifestação do valor técnico da motivação. Do ponto de vista do órgão hierarquicamente superior, a motivação assegura o controle jurisdicional do ato, e, igualmente, o administrativo – a perfeição conta pontos a favor do magistrado em futuras progressões na carreira. A motivação também serve à melhor estruturação dos atos decisórios do órgão judiciário, demonstrando na medida do possível a racionalidade do provimento.15 É uma garantia bilateral: demonstrará a razão do vencedor e falta de razão do vencido.16 146.2. Finalidades externas da motivação – Externamente, o teor da motivação permite o controle público da legitimidade constitucional dos provimentos emanados dos órgãos judiciários, inclusive a opinião quisquis de populo.17 A transformação nas tarefas acometidas ao órgão judiciário, instado a assegurar os direitos fundamentais, a controlar programas governamentais, e assim por diante, exige a clara e sincera exposição dos valores que inspiraram a resolução tomada.18 É o motivo por que a motivação assumiu a condição de direito fundamental processual ou garantia de ordem pública.19
Legitima-se o produto dos órgãos judiciários não por si mesmo, mas através da análise e da crítica – pouco utilizada entre nós, pois os periódicos especializados têm imensa dificuldade em manter a seção da jurisprudência comentada, temendo os comentadores espicaçar os ânimos dos julgadores menos inspirados –, em primeiro lugar dos especialistas na área jurídica fazem aos atos decisórios, e, em segundo lugar, da crônica dos agentes dos diversos meios da mass media. Um bom julgado convence até o mais cético jornalista. O julgado tíbio e mal arranjado depõe contra a credibilidade dos órgãos judiciários. O valor da motivação na sociedade pós-moderna, em que tudo se comenta e critica nas redes sociais, não pode ser descurado pelos órgãos de controle interno e externo da magistratura. 147. Limites ao direito à motivação Em tema de motivação, inexiste regra limitando, substancialmente, esse direito fundamental. O direito anterior autorizava o juiz a motivar concisamente as decisões interlocutórias, em princípio destinadas à solução das questões processuais. E, do mesmo modo, conforme a natureza da questão suscitada, não havendo possibilidade de ingressar no juízo de mérito, a extinção do processo, nos casos do art. 485 do NCPC, a sentença conterá motivação atinente à questão resolvida. Quis a lei exprimir que a motivação, em casos tais, atém-se ao essencial, mas não afasta, absolutamente, a incidência do art. 489, § 1.º, do NCPC, no direito vigente. Essa regra emprestou singular densidade à motivação de “qualquer decisão judicial” (decisão, sentença e acórdão). Deu combate aos principais vícios constatados no direito anterior nessa área sensível. Duas observações calham nesse tópico. Em primeiro lugar, nenhum reparo técnico merece o art. 489, § 1.º, do NCPC. Bem entendidos seus incisos, e corretamente aplicados, qualificarão as decisões judiciais, atendendo às finalidades do direito fundamental processual. Ademais, os vícios aí verberados não se deviam, no direito anterior, à negligência e à imperícia da pessoa investida na função judicante nos misteres do seu ofício, mas à numerosidade dos feitos. O art. 489, § 1.º, do NCPC mostra-se praticável se o juiz der toda atenção a um processo de cada vez e, existindo dezenas de milhares de feitos a seu cargo, retardará a prestação jurisdicional. Não é justo negar, entretanto, a razoável expectativa de o NCPC resolver os litígios de massa (v.g., no incidente de resolução de causas repetitivas) e, diminuída a numerosidade, criar o panorama propício à cabal aplicação da motivação suficiente. É aposta alta, ambiciosa e, infelizmente, a lei abriga o ovo da serpente. Ao prever o julgamento do mérito pelo órgão ad quem, após decretar a invalidade da sentença pelo descumprimento da motivação suficiente (art. 1.013, § 3.º, IV, do NCPC) – na verdade, pela falta de motivação; porém, aplicando-se a regra ao mais, também incide no menos (insuficiência) –, abertamente convida o órgão judiciário de primeiro grau a desobedecer o art. 489, § 1.º, do NCPC. Passando à análise do art. 489, § 1.º, do NCPC, declara a regra não fundamenta a decisão nas seguintes hipóteses:
(A) limitada à indicação (v.g., menção ao art. 476 do CC), à reprodução (v.g., o art. 476 do CC é transcrito no todo ou em parte) e à paráfrase (v.g., o art. 476 do CC é reproduzido com outras palavras) do ato (rectius: texto) normativo, sem explicar a respectiva relação com a causa ou a questão decidida; por exemplo, opondo o réu exceção de inadimplemento, o juiz necessitará explicar que, no caso, as prestações dos figurantes guardam ou não guardam reciprocidade, a fim de acolher ou rejeitar a exceção (inc. I); (B) empregar conceitos juridicamente indeterminados (v.g., declara ter o réu perdido o prazo por justa causa, relevando a preclusão, consoante previsto no art. 223, § 1.º, do NCPC), sem explicar o motivo da sua incidência; por exemplo, há de enunciar o fato de parte ter sofrido acidente vascular cerebral, ficando impedida de contratar advogado e contestar a ação, consoante o atestado médico juntado aos autos (inc. II); (C) invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; por exemplo, ao julgar embargos de declaração, declara já ter examinado a questão omitida, sem apontá-la e expor os fundamentos utilizados (inc. III); (D) não enfrentar todos os argumentos (de fato e de direito) idôneos, em tese, a infirmar a conclusão adotada; por exemplo, a alegação de que as prestações, teoricamente desvinculadas, guardam reciprocidade por estipulação dos figurantes do contrato (inc. IV); (E) limitada a enunciação do precedente ou enunciado da súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes e ajustamento da causa ou da questão à tese jurídica; por exemplo, admitindo a oposição de embargos de terceiro pelo promitente comprador (Súmula do STJ, n.º 84), acolhe o pedido, não justificando a oponibilidade dessa posse ao direito do réu, titular de direito real de garantia constituído posteriormente, porque o demandado não poderia desconhecer a obrigação do promitente vendedor (inc. V); (F) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a distinção do caso ou a superação do entendimento; por exemplo, declara admissível o reajuste do IPTU mediante decreto do Executivo municipal (Súmula do STJ, n.º 160), sem invocar julgado posterior em contrário (inc. VI). Complementa o quadro o art. 489, § 2.º, do NCPC. Em caso de colisão de normas, particularmente ocorrente nos direitos fundamentais (v.g., o confronto entre o direito à vida, postulando o autor determinado medicamento do Estado-membro, não arrolado na lista própria, e as possibilidades orçamentárias), necessita indicar o objeto, ou seja, a causa do confronto (v.g., o Estado-membro só é obrigado fornecer os medicamentos da lista própria) e os critérios gerais da ponderação (v.g., o autor dispõe de condições financeiras para suportar individualmente a despesa), explicando, assim, o motivo da prevalência da lista em detrimento do direito de obter o medicamento, fundado na circunstância de fato (v.g., disponibilidade financeira do autor). Em princípio, a motivação implícita revela-se admissível. Não se mostraria razoável obrigar o juiz a analisar todas as afirmações das partes, uma a uma, incluindo as impertinentes e alheias ao objeto litigioso. O art. 489, § 1.º, IV, do
NCPC constrange-o a analisar as afirmativas idôneas a infirmar, em tese, a conclusão adotada. Em tal hipótese, o juiz agarrar-se-á ao essencial, inferindo-se da motivação expressa o que não precisa explicitar, porque desnecessário. O art. 489, § 1.º, IV, do NCPC, não eliminou totalmente essa modalidade de motivação, tornando-a apenas mais exigente. Os casos de legítima motivação implícita (a) o juiz não se manifesta sobre um ou mais pontos de fato ou de direito, porque incompatíveis com o ponto já considerado (v.g., se reconheceu o fato extintivo, não precisará considerar o fato constitutivo); (b) o juiz aceita a razão exposta por uma das partes, subtendendo-se rejeitada a razão divergente que a ela contraposta (v.g., entende o atraso na citação do réu imputável ao autor, explicitando a respectiva causa, e, conseguintemente, refuta a alegação contrária); e (c) o acolhimento da questão antecedente importa a desnecessidade de analisar a subsequente.20 A título de exemplo, figurem-se as seguintes hipóteses: (a) o juiz declara inconstitucional a regra tributária perante certo dispositivo constitucional, silenciando acerca das demais inconstitucionalidades apontadas na inicial; (b) na ação de reparação de dano, em acidente de trânsito ocorrido na via terrestre, em que o autor alega ter sido atingido na traseira do seu veículo, o juiz avalia que o autor deu marcha à ré, abruptamente, e atingiu a frente do veículo do réu; (c) o juiz declara prescrita a pretensão, omitindo o exame da existência da dívida. Não infringirá o juiz, em todos esses casos, o dever de motivar seus atos, segundo o art. 489, § 1.º, IV, do NCPC. E a técnica processual, nesse particular, não trará nenhum prejuízo à parte, em virtude da extensão do efeito devolutivo do recurso porventura interposto, devolvendo ao órgão ad quem o reexame de quaisquer outros fundamentos. 148. Consequências da falta ou da insuficiência da motivação Existem dois tipos de vício no concernente à motivação: (a) a ausência; e (b) a deficiência. Falta motivação ao ato decisório quando o juiz, simplesmente, não expõe fundamento algum para a resolução tomada (v.g., o “defiro, como requer”); motivação insuficiente é a que o juiz abstrai o raciocínio, socorrendo-se de cláusulas de estilo (v.g., “presentes os requisitos legais da verossimilhança e do receio dano, defiro a liminar requerida”). Este último é o vício combatido no art. 489, § 1.º, do NCPC. Em ambos os casos, o art. 93, IX, in fine, da CF/1988 comina nulidade ao ato. Trata-se de nulidade absoluta,21 consoante a linha preconizada na doutrina prevalecente (infra, 1.122.6), a par de cominada, em virtude da simultânea conjugação de dois dados: a infração atinge regra imperativa; e o interesse tutelado extravasa o âmbito do interesse particular dos litigantes,22 em atenção ao escopo político da garantia da motivação. Em consequência dessa natureza, o vício pode ser decretado ex officio, mas ficará suprido por julgamento posterior – por exemplo, no julgamento da apelação, o tribunal adota, originariamente, os fundamentos apropriados para fixar o montante dos honorários.23 Essa é a hipótese versada no art. 1.013, §
3.º, IV, do NCPC. Após decretar a nulidade da sentença por falta de motivação, o órgão ad quem julgará o mérito, presumindo-se não incorra, por sua vez, no descumprimento do art. 489, § 1.º, do NCPC. A sentença de mérito, a despeito da falta de motivação, transita em julgado normalmente, não interpondo o vencido a apelação (art. 1.009, caput, do NCPC). É de se refutar, pois dissociada da realidade e impróprio, a tese que localiza nos defeitos da motivação vício transrescisório,24 imunizando o ato à autoridade da coisa julgada após o esgotamento das vias recursais. Enquanto não ocorre o trânsito em julgado, os vícios da motivação inexistente e da motivação insuficiente comportam correção através de embargos de declaração ou, sucessivamente, da apelação. § 35.º Direito ao juiz natural 149. Conteúdo essencial do direito ao juiz natural Segundo o art. 5.º, XXXVII, da CF/1988, “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, disposição complementada pelo art. 5.º, LIII, da CF/1988, vedando que alguém seja processado ou sentenciado senão pela autoridade competente. Localiza-se, na conjugação das regras, a garantia ao juiz natural. O direito fundamental da pré-constituição do órgão judicante, ou princípio do juiz natural, apareceu em termos similares, no direito brasileiro, por força do art. 179, XI e XVII, da Constituição de 1824. A proibição do juízo de comissão – designação do juiz para apreciar certo caso específico –, “cuja escolha por si mesma já é título de suspeita”,25 exprimiu, naquela conjuntura histórica, o mais elevado liberalismo. Em síntese larga, tornou impossível ao Estado constituir órgão judiciário para processar e julgar, no âmbito penal e civil, fatos ocorridos anteriormente, ou designar certo juiz para processar e julgar determinados fatos ou pessoas. O direito fundamental processual da parte ao juiz natural tem conteúdo preciso e variadas implicações, nem sempre – e curiosamente – respeitadas na realidade brasileira. Não se trata, por óbvio, de regra de competência, mas de uma diretriz obrigatória para todas as regras de competência.26 Em primeiro lugar, o conteúdo essencial do direito ao juiz natural determina que só a lei em sentido formal, com seus predicados de abstração e generalidade, pode fixar a competência do órgão judiciário. O direito fundamental veda aos órgãos administrativos do Poder Judiciário determinarem a competência do órgão judicante através de “resoluções ou provimentos baixados pelos tribunais, salvo quando autorizados por lei”.27 É muito pouco observada essa regra. Não faltam resoluções do órgão especial do TJ ou de TRF atribuindo competência para processar determinadas causas (v.g., previdenciárias), genericamente, a determinados juízos, sob o conveniente pretexto de distribuir de forma equânime a carga de trabalho dos juízes envolvidos. Também é comum programas de redução de processos conclusos para sentença, designando-se determinado juiz para proferir o provimento, sob o manto de hipotética generalidade (v.g., o órgão administrativo do tribunal atribui os processos cujo número final é ímpar ao
juiz X e os de final par para o juiz Y). Esses programas violam, objetivamente, o direito fundamental processual ao juiz natural, mas são tolerados pelas partes em nome da celeridade. Todavia, a designação de juiz ad hoc viola o direito fundamental processual.28 O primeiro elemento do conteúdo essencial do direito ao juiz natural merece destaque e preferência, à frente do elemento tradicional, que consiste no intuitivo veto ao julgamento da lide por órgão instituído após a ocorrência do fato, porque este é mais observado, exigindo a fixação prévia e abstrata da competência. Não pode a lei criar, ex post facto, juízo ou órgão para resolver casos concretos – juízo ou tribunal de exceção –,29 nem a lei pode autorizar a mudança discricionária do juízo competente, repassando a causa para outro juízo. A perpetuatio jurisdictionis prevista no art. 43 é expressivo reflexo dessa faceta do direito fundamental.30 No que tange à abrangência funcional, a garantia do juiz natural envolve considerações de ordem subjetiva. A parte tem direito de ser julgada por juiz, a um só tempo, independente e imparcial, predicados que se interligam na prática.31 Por esse motivo, a pessoa do juiz (e, não, o órgão judiciário) submete-se às regras inerentes ao regime da imparcialidade (recusa do juiz impedido ou suspeito). Não poucos localizam na imparcialidade o fundamento do juiz natural.32 Esse atributo da boa administração da Justiça assume singular relevo na experiência constitucional norte-americana, haja vista a forma usual de recrutamento do homem ou da mulher investidos na função judicante (eleição ou cooptação), que prodigalizam conflitos reais ou virtuais de interesses entre o juiz ou a juíza e seus financiadores da “campanha” que os conduziu à posição de julgador.33 E, objetivamente, a garantia impõe distribuição racional e impessoal da competência dentre vários órgãos judiciários. Não há, porém, ofensa ao direito fundamental processual na criação de juízos privativos ou especializados. Em decorrência, o direito ao juiz natural somente tolera as modificações de competência previstas em lei criada anteriormente ao caso concreto.34 Por exemplo, o juiz da vara “x” substituirá, nas suas faltas ou impedimentos, o juiz da vara “y”. Criam-se tabelas de substituição, gerais e abstratas, com o fito de obstar a manipulação, interna corporis, no preenchimento de vagas no quadro da magistratura. 150. Finalidades do direito ao juiz natural e projeções técnicas da garantia A finalidade precípua do direito ao juiz natural reponta em garantir julgamento impessoal da parte. Não é garantia absoluta, pois não oferece blindagem contra as inclinações ideológicas do homem e da mulher ocupantes do órgão criado por lei. A análise atual destaca a importância desse direito fundamental processual em relação ao foro do réu.35 Os objetivos do direito fundamental são tecnicamente promovidos por quatro efeitos concorrentes: (a) a prévia constituição do órgão judiciário, consoante o inderrogável modelo constitucional, por lei em sentido formal (federal ou local, conforme se trate, respectivamente, da Justiça Federal e da Justiça Comum); (b) a distribuição dos processos entre os diferentes órgãos judiciários, todos eventualmente competentes em razão da matéria e do
território para apreciar a lide, em tese, segundo critérios gerais, abstratos e impessoais; (c) o veto terminante à designação de um juiz determinado, no âmbito específico do órgão judiciário, para processar, julgar e executar um caso específico, admitindo-se tão só as substituições previstas em lei e em decorrência de fatos genéricos; (d) e a instituição, na lei processual, de motivos de impedimento e de suspeição, a fim de garantir a indiferença pessoal do juiz perante os interesses e as pessoas da causa que lhe compete processar, julgar e executar. 151. Limitações do direito ao juiz natural A exigência de pré-constituição do órgão judiciário não pode ser encarada de forma somente objetiva. Não é apenas garantia à constituição prévia do órgão judiciário como geralmente se expõe nesse assunto.36 Desapareceria a força da garantia de imparcialidade nesse viés restritivo, impondo-se atender também à pessoa do juiz.37 Do ponto de vista das partes, com efeito, interessa mais a pessoa do julgador que o órgão ocupado por essa pessoa. Tal perspectiva também existe em outros sistemas, aplicando o princípio ao órgão judicante, “perante o qual um caso concreto é processado e julgado, e aos juízos competentes para a decisão de um caso individual”.38 O direito fundamental processual ao juiz natural oferece algumas dificuldades nessa perspectiva, o que se confunde como legítima limitação intrínseca à garantia. Enquanto pessoa natural, o juiz pode afastar-se da atividade jurisdicional, justificadamente, em decorrência de vários fatos – a exemplo das licenças por doença ou por férias. Em tais hipóteses, a substituição, presidida por critérios gerais e abstratos (= objetivos),39 não contraria o princípio. Impedir a movimentação natural do magistrado, nesses casos, inibiria o funcionamento pleno e regular da atividade jurisdicional, tolhendo a consecução dos fins a que se propõe tutelar o próprio princípio do juiz natural. Extrai-se dessa possibilidade uma diretriz elementar. As modificações da competência, na forma das leis do processo – por exemplo, a prorrogação da competência, tornando competente o juiz inicialmente incompetente (art. 65 do NCPC); a reunião dos processos por conexão (art. 55 do NCPC) –, e as substituições do magistrado – por exemplo, por impedimento ou suspeição; por motivo de férias ou doença – não colidem com o princípio do juiz natural.40 Em contrapartida, veda-se a designação de um determinado juiz para cuidar de um caso específico ou de um grupo de causas similares por algum ponto comum de fato ou de direito (v.g., as ações em que poupadores reclamam diferenças de rendimentos perante uma ou mais empresas de banco), porque implicaria subtrair o poder de julgar do juiz constitucionalmente competente.41 O STF admite a designação de um juiz para atuar de forma genérica em certo órgão, ante o acúmulo de feitos, mas rejeitou a distribuição dirigida a um juiz, independentemente de sorteio, porque ofensiva “aos princípios do juiz natural e da distribuição livre, que asseguram a imparcialidade do juiz e integram o justo processo da lei”.42
152. Direito ao promotor e ao defensor público natural Um dos princípios institucionais do Ministério Público é o da unidade (infra, 1.044.1). O Ministério Público é organismo único, mas integrado por diversos órgãos e agentes, que não se manifestam no processo civil, como parte principal e como parte coadjuvante, em nome próprio, mas em nome da instituição, e os respectivos agentes podem ser substituídos, no curso do processo, por outra pessoa titular de cargo, pois não interessa a pessoa, e, sim, o órgão do Ministério Público. Essa substituição não modifica o sujeito processual.43 É comum afirmar que essa última manifestação do princípio sofre considerável restrição por força do princípio do promotor natural. A inamovibilidade do membro do Ministério Público (art. 128, § 5.º, II, b, da CF/1988), que é emanação desse princípio, ofereceria obstáculo à essa movimentação. Todavia, o STF não reconhece o direito ao promotor natural, inclusive no processo penal,44 em área obviamente mais sensível que a civil. A garantia de a parte ser processada pelo promotor natural surgiu em movimento interna corporis. O obstáculo visava a obstar as designações arbitrárias do Procurador-Geral, investindo certo agente, não integrante do órgão legalmente competente e pré-constituído, para oficiar em determinado feito.45 Nesse sentido, tratar-se-ia autêntica garantia do cidadão de ser processado impessoalmente.46 A substituição legítima, à luz do princípio da unidade, pressupõe o preenchimento simultâneo de quatro requisitos: (a) a investidura da pessoa natural no cargo de carreira do Ministério Público; (b) a pré-constituição do órgão (dito de “execução”) do Ministério Público, legalmente criado; (c) a lotação do membro do Ministério Público no órgão; (d) a definição, por lei em sentido formal, das atribuições do órgão, correspondente à finalidade da atuação do Ministério Público no processo (parte principal ou parte coadjuvante).47 Em que pese relutância do STF no reconhecimento da garantia, há base constitucional para esse direito. Toda a atividade estatal há de se nortear pela impessoalidade,48 e a do Ministério Público não constitui exceção. O STJ, na área penal, anula denúncias oferecidas por agente do Ministério Público indicado, seletivamente, pelo Procurador-Geral de Justiça.49 O art. 4.º-A, IV, da LC 80/1994 declara que constitui direito do assistido pela Defensoria Pública “o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor [público] natural”. Cuida-se, na realidade, de garantia completamente diferente do direito ao juiz e ao promotor natural. O Defensor Público, no caso versado, atua como representante da parte. Limita a lei, nesses casos, a atividade administrativa do Defensor Público-Geral, impedindo que altere, arbitrariamente, as atribuições do órgão de execução previsto abstratamente como competente (v.g., designando para representar o necessitado em juízo o Defensor Público que lhe pareça dotado de maiores aptidões). Não há base constitucional para semelhante obstáculo, mas a lei optou por retirar do Defensor Público-Geral essa movimentação. § 36.º Direito à igualdade 153. Conteúdo essencial do direito à igualdade
O direito fundamental processual à igualdade constitui especialização do art. 5.º, caput, I, da CF/1988, segundo o qual “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Desse direito fundamental genérico, proibindo discriminações de qualquer natureza, “de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição” (art. 2.º 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948), deriva a igualdade processual. O art. 139, I, do NCPC, determina ao juiz assegurar igualdade de tratamento às partes. E o art. 7.º do NCPC explicita o objeto dessa igualdade, assegurando paridade de tratamento no exercício dos direitos e faculdades processuais, nos meios de defesa, nos ônus e na aplicação das sanções processuais, cumprindo ao juiz zelar pelo contraditório. O direito fundamental à isonomia funciona como limitação ao legislador, impedindo desequilíbrios arbitrários, aleatórios e preconceituosos no tratamento de qualquer matéria processual, e como regra de interpretação na atividade judicial. Essa é a dimensão estática, ou formal, do direito à igualdade, sólida barreira à função legislativa e à jurisdicional. Ocorre que a fórmula verbal empregada no art. 139, I, do NCPC comporta outra faceta mais interessante. Em sua função dinâmica, ou material, o direito fundamental à igualdade arma o órgão judiciário de um poder imenso, permitindo-lhe intervir no curso do processo para corrigir assimetrias subjetivas que lhe comprometam o desfecho justo e equilibrado. O direito fundamental processual à igualdade tem dupla expressão: (a) formal; e (b) material. Formalmente, as partes estão em pé de igualdade, porque a desfrutam dos mesmos poderes e deveres processuais. Porém, a posição que ocupam na relação processual já traz boa dose de desigualdade. O risco do réu é bem maior, porque o acolhimento do pedido produzirá efeitos desfavoráveis, no plano material, como a condenação em prestar ao autor, além da sucumbência (art. 85 do NCPC). Por sua vez, este só corre o risco (mais virtual do que real, cuidando-se de pessoa vulnerável) de ser condenado aos ônus da sucumbência.50 Essa igualdade formal, intrinsecamente relativa, às vezes exige compensações positivas, em proveito do litigante mais fraco, promovendo a igualdade real. Cuida-se de característica frisante das leis processuais posteriores à segunda metade do século XX.51 A lei processual edifica regras visando a tratar desigualmente os desiguais. Três critérios inspiraram o legislador nesses domínios: (a) o emprego de fator diferencial genérico, e, não, específico; (b) a correlação lógica entre esse fator e o tratamento diferente outorgado na norma; (c) a base constitucional do tratamento diferenciado.52 O imperativo da igualdade formal predispõe a lei processual de várias maneiras. O aspecto mais relevante consiste nas regras que, sobrelevando a qualidade e a posição ocupada pelas partes, instituem prazos idênticos à prática dos atos processuais. Exemplo desse viés avulta no prazo de quinze dias tanto para interpor, quanto para responder o recurso (art. 1.003, § 5.º, do NCPC). Mas, há outras emanações nessa área, objeto de análise em itens subsequentes (infra, 156.1).
A igualdade material, promovida pelo órgão judiciário no caso concreto, assegura a paridade de armas (Waffengleicheit). Essa feliz expressão, englobando o direito de ser ouvido,53 e a assistência judiciária, significa que o juiz há de velar, concretamente, por uma efetiva igualdade no curso do processo, razão bastante para o art. 7.º, in fine, do NCPC invocar o contraditório. Para alguns, a igualdade de armas compreende o próprio contraditório e consiste em oportunidades iguais para apresentar razões de fato e razões de direito através de representante técnico.54 É mais próximo do uso efetivo dos meios de ataque e dos meios de defesa que do contraditório. 154. Finalidade do direito à igualdade A promoção da igualdade no processo civil visa a tornar a relação processual equilibrada realmente, conferindo às partes, na prática, e, não, apenas na teoria, além da identidade de deveres e de poderes, as mesmas expectativas de êxito. É a célebre paridade de armas. Para estabelecê-la, a lei intervém, abstratamente, corrigindo o presumível handicap de uma das partes; por exemplo, dilatando prazos, modificando o regime financeiro do processo, e assim por diante. A igualdade formal receberá análise em item subsequente. Porém, a lei não prevê todas as desigualdades concebíveis. Assim, o art. 139, I, do NCPC, confere ao juiz o inaudito poder de intervir, rompendo com o comportamento burocrático e indiferente, com o fito de corrigir assimetrias concretas. A principal manifestação consiste no poder de ordenar a produção de prova e melhor esclarecer-se a respeito do material de fato trazido pelas partes (art. 370, caput, do NCPC). Também lhe cabe modificar a regra de julgamento traçada na distribuição do ônus da prova (art. 373, § 1.º, do NCPC). E, em casos mais radicais, advertir a parte que o respectivo representante técnico não conduz adequadamente o processo. A igualdade é pressuposto do desenvolvimento justo do processo e da decisão conforme ao direito. A ausência de equilíbrio real, no curso do processo, impede que esta atinja os fins que lhes são próprios. § 37.º Limitações do direito à igualdade 155. Compensações à desigualdade no processo civil A rigor, inexistem limitações admissíveis ao direito fundamental constitucional à igualdade de tratamento no processo. O art. 7.º do NCPC revela o fato na enumeração do objeto. Porém, a necessidade de tratar desigualmente os desiguais, sem pejo de tratar igualmente os iguais, conduziu a lei (igualdade formal) a estabelecer normas discriminatórias, favorecendo uma das partes em detrimento da outra. Regras com essa função revelam-se constitucional se respeitarem os três critérios diretivos já explicados. Às vezes, a lei presume a desigualdade do figurante da relação jurídica substancial. Por exemplo, o art. 4.º, I, da Lei 8.078/1990 reconhece a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo – o que reclama adaptações, para ajustar a lei à realidade, como acontece com os profissionais liberais –,55 repercutindo a desigualdade na possibilidade de divisão dinâmica do ônus da prova (infra, 1.340), a teor do art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990. Cumpre examinar as hipóteses legais de tratamento discriminatório e a promoção ativa da igualdadeope iudicis.
156. Igualdade formal no processo civil O desequilíbrio das partes se origina na formação do processo. O autor tem a iniciativa, age na ocasião mais oportuna – por exemplo, após a consolidação da tese jurídica que lhe é favorável na jurisprudência do STJ –, suportando, em princípio, tão só o custo financeiro do processo em caso de insucesso, e o réu tem o ônus de reagir à pretensão processual, porque arcará com a produção de efeitos substanciais desfavoráveis em sua esfera jurídica, no caso de acolhimento do pedido, além do custo do processo. O réu equilibra, na medida do possível, a desvantagem inicial deduzindo, por sua vez, pedido perante o autor. Além dessa assimetria natural e incontornável, a qualidade da parte exige, por vezes, medidas compensatórias da lei em diversos tópicos. 156.1. Igualdade formal de tratamento nos prazos processuais – A dimensão formal do direito fundamental à igualdade exige que, no tocante ao interregno assinado à prática dos atos processuais, a lei trate as partes de modo idêntico. É expressivo o fato de o art. 1.003, § 5.º, do NCPC assinar prazo idêntico para interpor e para responder os recursos nele enumerados. Evidentemente, não há como corrigir, ope legis ou ope iudicis, o desequilíbrio intrínseco às posições iniciais do processo. O autor propõe a demanda quando quiser, escolhendo a ocasião mais propícia e medindo os riscos de êxito, quiçá surpreendendo o adversário.56 De seu turno, o réu sujeitar-se-á à iniciativa do autor ainda que não queira, suportando o peso econômico e emocional do processo,57 incluindo o risco de perder mais do que o autor, pois este, na pior das hipóteses, recairá tão só os ônus da sucumbência (art. 85 do NCPC). O único meio de equilibrar o jogo consiste no contra-ataque (reconvenção). Essa razão soa bastante para denunciar o caráter ofensivo ao princípio da igualdade dos prazos exíguos para contestar. Por exemplo, no procedimento ordinário tal prazo é de quinze dias (art. 335 do NCPC), haja ou não tutela provisória. Mas, deduzida pretensão à segurança antecedente, em que também há antecipação (art. 300, § 2.º, do NCPC), o prazo é de cinco dias (art. 306 do NCPC). Os efeitos amenos da medida cautelar, comparativamente à medida satisfativa, não justificam a redução do prazo. Essas antecipações se mostram fungíveis, em larga medida, apresentam área de indefinição. É preciso uniformizar o prazo de defesa, neste e noutros casos, a fim de observar o direito constitucional à igualdade. Respeitado o fato de o processo iniciar quando e se ao autor aprouver, harmoniza-se com o postulado da igualdade a circunstância de a lei garantir ao réu o direito de se manifestar após conhecer as alegações do autor. Por exemplo, apresentará suas razões finais, a teor do art. 364, caput, do NCPC após as do autor. Em consideração à pessoa do litigante, há prazos diferentes, mais largos (v.g., para a Fazenda Pública contestar e recorrer, a teor do art. 183, caput, do NCPC), e para o Ministério Público (art. 180, caput, do NCPC). Essas disposições já foram mencionadas receberão análise no item próprio (infra, 1.176), cabendo registrar, por ora, que atraem críticas
severas.58 Mas, à primeira vista, em particular o art. 183 do NCPC, todas se mostram constitucionais para o STF.59 Na melhor das hipóteses, o STF introduziu temperamentos – como no caso da admissibilidade de antecipação de tutela para receber vantagens previdenciárias (Súmula do STF 729). Porém, análise acurada demonstra que o art. 183, caput, do NCPC não passa, integralmente, no crivo da proporcionalidade – o meio mais suave de realizar o princípio da igualdade e não causar dano ao interesse público consistiria em adotar prazo judicial para a Fazenda Pública, ou seja, caberia ao órgão judiciário fixar o interstício adequado à prática do ato.60 O art. 7.º, § 2.º, IV, da Lei 4.717/1965 quase chegou lá, prevendo a prorrogação do prazo de contestação da ação popular, a requerimento do interessado, por mais vinte dias. E, na prática, o prazo do art. 183 do NCPC é ainda maior, dilatado pelo artifício de fixar-lhe o termo inicial na data em que o procurador recebe os autos com vista (art. 183, § 1.º).61 É constitucional, ademais, a dobra de prazo para o órgão da Defensoria Pública como parte principal, representante da parte necessitada ou curador especial, a teor dos arts. 44, I, 89, I e 128, I, da LC 80/1994, e art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950 c/c art. 186, caput, do NCPC. Essa dilatação de todos os prazos – ponto que distingue a situação do art. 183 do NCPC – beneficia os ocupantes do cargo de Defensor Público e, por força do art. 186, § 3.º, do NCPC aos que prestem assistência judiciária (v.g., os centros de prática forense das Faculdades de Direito). Em qualquer caso, a fixação de prazo próprio para a manifestação da pessoa jurídica do direito público, do Ministério Público e da Defensoria Pública, como parte principal ou representante técnico do vulnerável, afasta a dobra (v.g., o prazo do debate oral do art. 364, caput, do NCPC). 156.2. Igualdade formal na comunicação dos atos processuais – Existem disposições que exigem a intimação pessoal do Ministério Público (art. 41, IV, da Lei 8.625/1993), do órgão da Defensoria Pública (arts. 44, I, 88, I, e 128, I, da LC 80/1994; art. 5.º, § 5.º, da Lei 1.060/1950) e dos procuradores da Fazenda Pública (art. 25, caput, da Lei 6.830/1980), ou seja, intimação real, discrepando do sistema geral, que consiste na intimação ficta através do ubíquo diário oficial eletrônico. O NCPC incorporou o privilégio nos arts. 183, § 1.º (advocacia pública), art. 180, caput (Ministério Público) e 186, § 1.º (Defensoria Pública), nos dois últimos casos mediante remissão à regra básica do art. 183, § 1.º. O tratamento diferenciado justifica-se, em primeiro lugar, no maior controle no fluxo de trabalho desses servidores públicos, em geral sobrecarregados com volume superior à média desejável. E, ademais, atende ao princípio da unidade do Ministério Público (infra, 1.044.1), da Defensoria Pública (infra, 1.073.1) e dos procuradores das pessoas jurídicas de direito público: os ocupantes do órgão de atuação talvez não se encontrem suficientemente inteirados do processo, ou porque lotados há pouco no órgão, ou porque se trata do substituto legal. Essas disposições não ofendem ao direito fundamental processual da igualdade.
156.3. Igualdade formal na distribuição do ônus da prova – Em sentido largo, o objeto da prova é o fato alegado e controverso, à parte imputando o art. 373, I e II, do NCPC conforme a natureza desse fato, o ônus de prová-lo, o que o juiz tomará, na hipótese de falta de prova das questões de fato, como regra de julgamento. A qualidade da parte interfere nesse regime, derrogando o princípio da igualdade. Em princípio, a falta de impugnação específica, na defesa do réu, aos fatos afirmados pelo autor, acarreta a presunção de veracidade (art. 341, caput, do NCPC segunda parte), e, conseguintemente, desonera o autor do ônus de prová-los, e, conforme o caso, propicia o julgamento antecipado (art. 355, II, do NCPC). É diferente, nesse particular, o regime da defesa da Fazenda Pública em juízo. A falta de impugnação precisa na defesa não implica presunção de veracidade, a teor do art. 341, I, do NCPC, pois inadmissível a confissão quanto aos fatos contrários à Fazenda Pública (art. 345, II, do NCPC). Em consequência, o adversário da Fazenda Pública sempre fica gravado com o ônus de provar as suas afirmações. Os poderes de instrução do juiz, inseridos no poder de direção material do processo, igualmente corrigem eventuais disparidades das partes no terreno probatório (infra, 1.351). Esses poderes abrangem: (a) o poder de o juiz fixar as questões de fato controvertidas (art. 357, II, do NCPC), cotejando as afirmações da inicial com a impugnação feita pelo réu na defesa (infra, 1.309), este se desincumbindo, no todo ou em parte, do ônus previsto no art. 341, caput, do NCPC; (b) o poder de regular o ônus da prova consoante a condição material das partes e a complexidade da causa (art. 373, § 1.º, do NCPC); (c) o poder de determinar, de ofício ou a requerimento das partes, a produção de certa prova, ou indeferir as inúteis ou protelatórias (art. 370 do NCPC); (d) presidir a produção da prova (v.g., formulando perguntas ao depoente); e (e) avaliar o conjunto das provas (art. 371 do NCPC). A existência de poderes instrutórios reflete a modificação do princípio dispositivo. As partes determinam o objeto litigioso, mas ao juiz cabe esclarecer-se acerca do material de fato, como tarefa intrínseca ao seu poder de julgar. Essa disciplina retira das partes a primazia na proposição dos meios probatórios. O juiz ativo e equilibrado, sem prejuízo de recuperar a participação das partes no debate, há de investigar os fatos para esclarecer suas próprias dúvidas e proferir julgamento justo.62 Os poderes do juiz não eximem as partes de buscar o material probatório necessário à comprovação das suas afirmações.63 Seguirão a regra de conduta fixada na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III, do NCPC). O poder oficial convive, na comunidade trabalho, com a iniciativa individual dos litigantes (princípio da iniciativa concorrente). 156.4. Igualdade formal de tratamento nos recursos – Os recursos previstos no art. 994 do NCPC podem ser utilizados, indiferentemente, por partes e terceiros. As vias recursais que se abrem aos terceiros não diferem das que beneficiam as partes. Em outras palavras, “não há recurso que só o terceiro disponha, nem recurso de que disponham as partes e se negue em tese ao terceiro”.64 O princípio da igualdade inspirou essa diretriz e ela convém à boa marcha do processo e ao acesso à Justiça.
Entretanto, há sucedâneo recursal – a remessa oficial do art. 496 do NCPC – que suscita dúvidas no terreno da isonomia.65 A sentença proferida contra a Fazenda Pública, sob certas condições, só adquirirá a eficácia que lhe é intrínseca após reexame obrigatório do tribunal. Todavia, esse instituto, que remonta a 1831 e tem paralelo no direito ibero-americano, preenche as diretrizes do tratamento discriminador.66 Primeiro, a Fazenda Pública não é um litigante qualquer. Essa particularidade, em outros sistemas jurídicos, levou à criação de uma jurisdição própria – o contencioso administrativo. Segundo, nos provimentos contrários à Fazenda Pública, especialmente os condenatórios, entra em jogo o patrimônio público, ou as disponibilidades financeiras do erário, formadas pelos impostos pagos por todos os brasileiros, sendo difícil rejeitar tal objeto como digno de tutela no Estado Constitucional Democrático. Terceiro, a defesa do Poder Público em juízo, a cargo da Advocacia Pública, enfrenta maiores dificuldades do que as existentes na esfera privada, mostrando-se árdua a tarefa de o procurador tomar pé da situação de fato, movimentando a burocracia da Administração à cata dos elementos hábeis a subsidiar a defesa,67 e desincumbir-se da banca de processos, cujo volume – na teoria, diferentemente da advocacia privada – escapa-lhe o controle. Essas considerações demonstram a compatibilidade da remessa oficial com o direito fundamental à igualdade na sua aplicação processual. 156.5. Igualdade formal consoante a natureza do ato processual – A função instrumental do processo, consoante o respectivo objeto litigioso, restringe legitimamente a igualdade formal das partes. Em princípio, reconhece-se a posição de proeminência do exequente, cujo direito já foi reconhecido no pronunciamento judicial ou encontra-se contemplado em título executivo extrajudicial (art. 784 do NCPC), e, portanto, há certeza quanto à respectiva existência. A posição do executado, abstendose de cumprir espontaneamente o comando judicial ou satisfazer a obrigação constante no título executivo judicial, é bem diferente. Ele sujeitar-se-á aos meios executórios predeterminados em lei. Também o contraditório, na execução, comporta mitigações em razão dessa desigualdade substancial das partes. Por vezes, frustrar-se-ia o cumprimento do ato processual, tomando o réu conhecimento da sua existência. Não é apenas o direito à publicidade que sofre óbvia restrição – uma das partes, a que o ato decisório beneficia, conhece o seu inteiro teor e alcance, e a outra, não. Também a igualdade ficará comprometida por essa circunstância. Entretanto, a concessão de provimentos inaudita altera parte, não infringe a igualdade, respeitado um dado elementar. Legitima-se a falta de audiência da parte somente no caso de o prévio conhecimento suscitar o receio de frustração da medida. Em alguns casos, a lei simplesmente proíbe a concessão de provimentos antecipatórios, inaudita altera parte ou não, contra a Fazenda Pública (v.g., o art. 7.º, § 2.º, da Lei 12.016/2009). E institui, para os casos admissíveis, o sucedâneo recursal da suspensão da segurança (art. 15 da Lei 12.016/2009). Segundo o diagnóstico veemente, e de rara franqueza, esse sucedâneo, que remonta ao (revogado) art. 4.º da Lei 4.348, de 26.06.1964, era o “braço forte da ditadura para mantença da força do Estado em detrimentos dos direitos
fundamentais do cidadão”.68 Parece seguro que essa disposição, concedida unicamente a determinados sujeitos processuais – as pessoas jurídicas de direito público e o Ministério Público – desequilibra a balança, comprometendo a paridade de armas (Waffengleicheit). Não é muito clara a base do critério de discriminação favorável às pessoas jurídicas de direito público. Por exemplo, compreende-se a desoneração da Fazenda Pública ao adiantamento das despesas do processo, na condição de parte, porque essas quantias beneficiam o erário, e, de toda sorte, obrigar-se-á a ressarcir as despesas feitas pelo vencedor. Porém, inexiste razão plausível para conferir-lhe um instrumento idôneo a corrigir eventuais errores in iudicando paralelo às vias recursais outorgadas às partes. Resta aguardar pronunciamento conclusivo do STF. Os direitos fundamentais localizam-se acima dos prejuízos concretos decorrentes de decisão judicial menos feliz ou flagrantemente contra legem. 156.6. Igualdade formal na tramitação do processo – As regras outorgando prioridade ou preferência, na tramitação dos processos (v.g., à pessoa idosa, maior de sessenta anos, a teor do art. 71 da Lei 10.741/2003 e do art. 1.048, I, do NCPC), e nos julgamentos dos recursos (v.g., a do mandado de segurança, a teor do art. 20,caput, da Lei 12.016/2009), também servem ao princípio da igualdade. A proliferação dessa técnica legislativa tende a banalizar ou esterilizar a preferência. E não pode existir, a rigor, prioridade legítima entre dois ou mais processos em que uma das partes é pessoa idosa. Não parece razoável dar preferência ao mais idoso, porque outras peculiaridades da parte (v.g., o aposentado em razão de acidente do trabalho ou em razão das enfermidades mencionadas no art. 6.º, XIV, da Lei 7.713, de 22.12.1998, hipóteses aventadas no art. 1.048, I, do NCPC) transformarão esse critério em grave ofensa à igualdade. Tal fato evidencia, no mínimo, não se cuidar de solução muito satisfatória para emprestar real celeridade ao processo. 156.7. Igualdade formal no regime financeiro do processo – Em atenção à qualidade da parte – Fazenda Pública, Ministério Público e o beneficiário da gratuidade –, ou a natureza da causa (v.g., a ação civil pública, a teor do art. 18 da Lei 7.347/1985), a lei processual altera o regime financeiro do processo. A Fazenda Pública é particularmente aquinhoada por benefícios financeiros. Por exemplo, (a) o art. 39 da Lei 6.830/1980 dispensa o pagamento de custas, de emolumentos, de preparo e depósito prévio, na execução fiscal; (b) o art. 91, caput, do NCPC atribuiu ao vencido, a final, o pagamento das despesas dos atos processuais realizados a requerimento da Fazenda Pública (v.g., a intimação pessoal do respectivo procurador), ou seja, elimina o dever de antecipar as despesas processuais (art. 82, caput, e § 1.º do NCPC). Não é diferente, a esse propósito, o regime conferido ao Ministério Público, à Defensoria Pública e, em geral, ao necessitado, embora representado por advogado particular (art. 98, § 1.º, do NCPC). Esse regime suscita muita dificuldade no caso da remuneração dos particulares em colaboração com a Administração da Justiça (v.g., o perito, o intérprete, o administrador e o depositário). Nem sempre se mostra possível carrear a despesa ao bolso do autor (art. 82, § 1.º). Não se convencendo o
perito a trabalhar gratuitamente, por exemplo, enseja-se problema de difícil resolução prática (infra, 629.1). O art. 91, § 1.º, do NCPC propôs a seguinte solução: ou a perícia é realizada por entidade pública (v.g., o departamento de genética da Universidade X) ou o valor adiantado pela própria Fazenda Pública litigante; porém, inexistindo verba orçamentária disponível, os honorários do experto serão pagos no exercício seguinte ou pelo vencido, encerrando-se o processo antes do pagamento (art. 91, § 2.º, do NCPC). Esse regime aplica-se às perícias requeridas pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública (na qualidade de parte principal ou de representante técnico). A realização da perícia por entidade pública não é muito tranquilizadora para o adversário da Fazenda Pública. Tampouco parece satisfatória a postergação, nada assegurando que, no exercício financeiro subsequente, haja a previsão orçamentária e, principalmente, a liberação da verba. Os contingenciamentos dos gastos são comuns na esfera pública. Em relação ao beneficiário da gratuidade, o art. 95, § 3.º, do NCPC prevê o seguinte: (a) os honorários serão adiantados pelo ente público, realizada por órgão do Poder Judiciário (v.g., o Departamento Médico do TJ) ou por órgão público conveniado (inc. I); (b) paga com recursos orçamentários da União, do Estado-membro ou do Distrito Federal, caso em que os honorários obedecem à tabela do CNJ (inc. II). O mérito dessas regras consiste em acenar com solução. O aspecto mais relevante, nesse tópico, reside na condenação do vencido aos ônus da sucumbência. O juiz fixará os honorários advocatícios nas ações movidas contra a Fazenda Pública consoante o regime especial e escalonado do art. 85, § 3.º, do NCPC e, não, pelo regime geral, em que há piso e teto percentual (art. 85, § 2.º, do NCPC). E não haverá honorários no cumprimento da sentença contra a Fazenda Pública, quando houver a expedição de precatório e inexistindo impugnação (art. 85, § 7.º, do NCPC). O fator de discriminação reside no fato de a sociedade, ao fim e ao cabo, pagar pelo insucesso da Fazenda Pública, o que exige temperamentos no montante financeiro. Em algumas causas, inexistirá condenação em honorários advocatícios. Por exemplo: (a) na ação civil pública (art. 18 da Lei 7.347/1985); (b) no mandado de segurança (art. 25 da Lei 12.016/2009); (c) na ação popular (art. 5.º, LXXIII, da CF/1988); (d) nas ações coletivas cujo objeto envolva interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos do consumidor (art. 87 da Lei 8.078/1990). Essa isenção, ressalva feita ao mandado de segurança, desaparece nos casos de litigância de má-fé. Figurando como parte vencida hipossuficiente, representado ou não pela Defensoria Pública, haverá condenação em honorários e nas despesas processuais, mas o ressarcimento ficará suspenso, pelo prazo de espera de cinco anos (art. 98, § 3.º, do NCPC), sob condição da superveniente alteração da fortuna do vencido. O tratamento desigual em tais casos mostra-se, em tese, constitucional. É o meio empregado pela lei para arredar obstáculo relevante ao acesso à Justiça: o risco financeiro constitui poderoso fator de inibição para o ingresso em juízo.69 Em contrapartida, a ausência desse risco estimula demandas temerárias ou simplesmente infundadas, sendo uma das causas da crise da Justiça Pública (retro, 5). E, de toda sorte, provoca sério gravame à parte
contrária, que suportará as despesas do processo e os honorários do seu advogado sem o devido ressarcimento. É digno de nota o fato de o art. 25 da Lei 12.016/2009, reproduzindo a orientação que se firmara na jurisprudência do STF (Súmula 512) e do STJ (Súmula 105) receber contestações sob variados fundamentos.70 E, realmente, o mínimo que se pode dizer é que, no caso de concessão da ordem, reconhecendo a ilegalidade ou o abuso do ato da autoridade, o impetrante ficará sem a restituição integral do seu direito. Porém, o argumento decisivo jamais comoveu os tribunais superiores e nada indica que haja alguma reviravolta no ponto. 156.8. Igualdade formal na ordem cronológica dos julgamentos – Uma das novidades mais controvertidas do NCPC avulta na ordem cronológica para proferir sentença ou acórdão (art. 12, caput). Para esse efeito, o escrivão ou chefe de secretaria fará a conclusão dos autos (art. 228, caput), no prazo de um a cinco dias, contado (a) da data em que houver concluído o ato anterior (inc. I) ou da data em que tiver ciência da ordem do juiz (inc. II), certificando a data e a hora (art. 228, § 1.º) dessa última ciência, salvo no processo eletrônico, em que a movimentação transcorre automaticamente (art. 228, § 2.º). Não só os julgamentos seguirão ordem cronológica. Incumbe ao escrivão ou chefe de secretaria seguir essa mesma ordem na publicação e na efetivação das ordens judiciais (art. 153, caput). Quer dizer, não é possível paralisar em feito, por qualquer motivo, em detrimento de outro, assegurando o direito fundamental processual à igualdade de tratamento (art. 7.º do NCPC). O objetivo da ordem cronológica é o de assegurar a igualdade formal das partes. O expediente evitaria a interferência do advogado, reclamando preferência no julgamento, em detrimento da ordem legal de prioridades (art. 1.048 do NCPC), e, nesse sentido, encara com supina desconfiança a advocacia em geral. Seja como for, o critério da antiguidade já era seguido por muitos juízes e juízas, em que pese o inconveniente a seguir mencionado. Duas críticas despertou a medida no primeiro momento. A ordem cronológica retira da pessoa investida no ofício judicante a gestão intrínseca à própria atividade. Essa censura só procede em parte. O ofício judicante é público e timbra pela impessoalidade e a eficiência. E o autogoverno da ordem de julgamentos acaba por ocupar-se de números – as metas do CNJ visam a tal finalidade –, preterindo os hard cases. Os autos volumosos desestimulam o exame e tendem a ser esquecidos em prol da quantidade. Sob este ângulo, o art. 12 do NCPC é positivamente. Inversamente, as partes e seus procuradores almejam que a causa seja bem julgada e, de um modo geral, aceitam e toleram a demora no julgamento do hard case. É menos tolerada a demora no julgamento das causas simples. Essas são as sacrificadas pela rígida ordem do art. 12, pois nenhuma das numerosas exceções do § 2.º contempla essa situação particular. A sanção do NCPC sem veto nessa parte não implicará necessariamente a aplicação do art. 12. Impõe-se aguardar o crivo do STF, pois nada pré-exclui
a corte constitucional, apesar do seu caráter supremo, de seguir a cronologia aí prevista. 156.8.1. Organização e divulgação da lista cronológica – O critério geral da ordem de julgamento é a data da conclusão (art. 12, caput, do NCPC). Compete ao escrivão ou ao chefe de secretaria realizar tal ato de expediente nos termos e prazos do art. 228 do NCPC. Porém, há uma regra de direito transitório: a primeira lista dos processos conclusos respeitará a antiguidade na distribuição (art. 1.046, § 5.º, do NCPC). Assim, os feitos trabalhosos, há muito esquecidos no cartório ou no gabinete, na vigência da lei anterior, acabarão julgados em primeiro lugar. E a lista, ademais, respeitará as preferências legais (art. 12, § 3.º, do NCPC). Tal implicará, salvo engano, a organização de múltiplas listas ou de lista com subdivisões: a dos processos em que figura idosos, crianças ou adolescentes, aposentados por acidente do trabalho ou invalidez, e assim por diante. Essa suposição é confirmada, indiretamente, no art. 12, § 6.º, segundo o qual ocupará o primeiro lugar “na lista prevista no § 1.º ou, conforme o caso, no § 3.º”, a indicar a existência de duas listas, no mínimo, a dos feitos comuns e a dos feitos preferenciais. As preferências exigem esforço inaudito de compatibilização com o direito fundamental à igualdade. Não se mostrará tão intuitivo e natural passar à frente o aposentado por invalidez (art. 1.048, I) da causa em que figurar criança ou adolescente (art. 1.048, II). Dependerá das circunstâncias do caso concreto. Organizada a primeira lista, e à medida que se realizarem os julgamentos, o art. 12, § 1.º, determina que fique “permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores”. Não diz claramente a regra, mas inexiste dúvida: a lista respeita a cada juízo. Necessitará identificar, nominalmente, o juiz ou a juíza, pois há ofícios judiciais ocupados por dois ou mais juízes e os órgãos fracionários dos tribunais são colegiados. É assim na lista mensal mencionada no art. 37 da LC 35/1979, todavia limitada aos tribunais. Algum constrangimento será inevitável. Ocorrerá controle público da operosidade dos magistrados de todos os graus de jurisdição. E a parte aguardará ansiosamente a chegada da sua vez. O advérbio “permanentemente” significa o domínio público diário da lista. Dela sairão, a cada instante, os processos julgados e ingressarão os processos conclusos para sentença ou acórdão, conforme a atividade do órgão judicial. Nesse aspecto, o art. 12, § 1.º, diverge da lista mensal prevista para os tribunais no art. 37 LC 35/1979. Da exigência do depósito da lista em cartório, e, a fortiori, na secretaria do órgão fracionário do tribunal, infere-se a existência de duas listas, uma física e outra eletrônica. Esta última é ajustada on-line. 156.8.2. Exceções à ordem cronológica dos julgamentos – O art. 12, § 2.º, do NCPC excepciona as seguintes situações: (a) as sentenças proferidas em audiência (art. 366 do NCPC); as sentenças homologatórias “de acordo”, a exemplo da mencionada no art. 334, § 11, do NCPC e, por identidade de motivos, de quaisquer negócios jurídicos processuais (art. 487, III, a, b e c); o julgamento prévio do mérito, a teor do art. 332 do NCPC (inc. I); (b) os
julgamentos “em bloco” para aplicação da tese jurídica firmada em casos repetitivos, assim entendidos os do art. 928, I e II do NCPC (inc. II), prática comum nos tribunais; (c) o próprio julgamento dos casos repetitivos, ou seja, (c.a.) o julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivo e (c.b.) o julgamento do incidente de resolução de causas repetitivas (inc. III), cujo desfecho implicará a retirada dos processos afetados da ordem cronológica; (d) as sentenças terminativas (art. 485 do NCPC) e as decisões singulares do relator nos recursos e causas de competência originária, a teor do art. 932 do NCPC (inc. IV); (e) o julgamento dos embargos de declaração contra decisão, sentença e acórdão (inc. V); (f) o julgamento de agravo interno (inc. VI); (g) as preferências legais (v.g., art. 1.048, I e II, do NCPC) e as metas do CNJ, em geral abrangendo o ano do ingresso da causa (inc. VII); (h) os processos criminais da competência material dos juízos cíveis, principalmente nas pequenas comarcas (inc. VIII); (i) as causas urgentes, assim reconhecidas por decisão fundamentada (inc. IX). A possibilidade de extrair da ordem cronológica as causas urgentes, a teor do art. 12, § 2.º, IX, do NCPC oferece pretexto para o julgamento imediato das causas de fácil resolução, de meritis, embora não seja esta a mens legislatoris. A admitir-se a hipótese, completamente inútil a laboriosa organização da lista. Retirar-se-á da lista os feitos em que haja (a) reabertura da instrução ou (b) conversão do julgamento em diligência. Por exemplo, a juntada da precatória expedida para produzir a prova “fora da terra”, nos termos do art. 377, parágrafo único, do NCPC implicará a retirada do processo da lista, porque impede cumprir o contraditório. Fora daí, esclarece o art. 12, § 4.º, do NCPC os requerimentos das partes e a movimentação do processo não retira o processo da ordem cronológica de julgamentos. Decidido o requerimento (v.g., o novo advogado requereu vista dos autos, a fim de inteirar-se do processado), o feito retornará à posição anterior (art. 12, § 5.º, do NCPC). Assim, evita-se o ato procrastinatório de uma das partes, pretendendo adiar o próximo julgamento da causa. 156.8.3. Alterações na ordem cronológica de julgamentos – A ordem cronológica não é absoluta. Existem processos que saltam à frente, ou seja, quebram a fila, preterindo os mais antigos. Ocupará o primeiro lugar o processo retornado ao ofício judicante, porque anulada sentença ou anulado o acórdão, salvo havendo necessidade de diligência (v.g., juntada de carta precatória) ou complementação de instrução (art. 12, § 6.º, I, do NCPC). Essa disposição mirou o julgamento da apelação, nos casos em que o órgão ad quem não passa ao exame do mérito (art. 1.013, § 3.º, do NCPC). E aplicarse-ia, mutadis mutandis, a situações similares, a exemplo do novo julgamento do art. 1.040, II, todavia objeto do art. 12, § 6.º, II, do NCPC a fim de dissipar controvérsias. 157. Igualdade material no processo civil A igualdade material há de ser promovida por intermédio de expedientes que, na medida do possível, outorguem igualdade de oportunidades. Fórmula expressiva exprimiu essa perspectiva: poderes, faculdades e deveres iguais no conteúdo e no número.71 Essa forma de igualdade assegura a paridade de
armas no processo.72Essa é a tarefa própria do órgão judiciário, objeto da previsão do art. 139, I, c/c art. 7.º do NCPC. O esforço em promover a efetiva igualdade das partes antecede, por vezes, a formação do processo. A parte que não dispõe de meios financeiros para contratar advogado privado, ou enfrentar a antecipação das despesas processuais (art. 82 do NCPC), por exemplo, tem direito à assistência judiciária, prestada pela Defensoria Pública.73 E a teoria do ônus dinâmico da prova busca, igualmente, propiciar situação de igualdade (infra, 1.340). O regime mais flexível na distribuição do ônus da prova constitui ingrediente necessário para constituir entre as partes e o órgão judiciário a comunidade de trabalho, instalando clima de cooperação (art. 6.º do NCPC), expresso na feliz expressão germânica Rechtsgespräch. Em tema de distribuição do ônus da prova, basicamente traçado no art. 373 do NCPC – critério geral da distribuição estática –, pode ser alterado, ope iudicis, nas relações de consumo. Como já assinalado, o art. 4.º, I, da Lei 8.078/1990, declara o consumidor a parte vulnerável nas relações de consumo, e, nessa contingência, o art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990 impõe a “facilitação” da sua defesa em juízo, ministrando uma orientação concreta ao juiz: “a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. O art. 373, § 1.º prevê, nas demais causas, a modificação do critério estático nos casos em que a parte originalmente onerada deparar-se com (a) impossibilidade e (b) excessivamente dificuldade em provar ou a parte contrária (c) encontrar-se em posição mais fácil de provar o fato contrário. Esses requisitos serão comentados oportunamente, mas um exemplo esclarece o alcance geral da regra: na ação em que a montadora A alega que o óleo lubrificante fornecido por B danifica os motores, porque a viscosidade não segue os parâmetros técnicos, o réu B provará mais facilmente a viscosidade adequada do que a montadora A. E não enfrentará os dilemas da probatio diabolica, vetada no art. 373, § 2.º, do NCPC. O que se controverte, nesse assunto, muito menos que a configuração dos requisitos previstos no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, empregados em outras áreas (v.g., o juiz utiliza juízos de verossimilhança para antecipar os efeitos da pretensão processual ou assegurá-la; a vulnerabilidade enseja a concessão do benefício da gratuidade ou, mediante prova, à assistência jurídica integral), consiste no momento propício à inversão. Se a função fundamental na distribuição do ônus da prova consiste em fornecer ao juiz uma regra de julgamento – também funciona como regra de conduta para as partes –, na hipótese de inexistir prova do fato afirmado, mostra-se concebível a tese que tal ocorrerá após o encerramento da instrução, não cabendo ao outro figurante da relação de consumo, o fornecedor, surpreender-se com o desfecho, porque “o benefício da inversão está previsto expressamente no texto legal”.74 Esse ponto receberá análise minuciosa no capítulo próprio (infra, 1.340), e, de resto, o art. 357, III, do NCPC adotou a tese correta, obrigando o juiz a distribuir o ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo. Entretanto, impende examinar suas repercussões teóricas no terreno da igualdade material.
A inversão do ônus da prova na oportunidade do julgamento, apesar do dever de as partes colaborarem na coleta da prova para chegar à decisão substancialmente justa, altera a expectativa de uma das partes, quebrando o princípio da igualdade. A iniciativa probatória das partes, secundada ou não pela iniciativa do juiz, cria um acervo comum (princípio da aquisição) que, submetido à livre apreciação (infra, 1.335.1.3) e segundo o regime estático da distribuição do ônus da prova (infra, 1.339), favorecerá uma delas. Não se mostra lícito, no processo garantista, retirar da parte essa expectativa sem aviso-prévio. Aliás, a inversão do ônus é ope judicis, representando simples faculdade do juiz, cujo exercício subordina-se ao preenchimento de certos requisitos, que podem ou não existir no caso concreto. Logo, não é possível que o réu, desde o início, presuma invertida a regra de julgamento (infra, 1.338.2) O órgão judiciário deverá aplicar o art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, e, a fortiori, o art. 373, § 1.º, do NCPC no início da instrução,75 a teor do art. 357, III – a rigor, desnecessário mencionar a regra geral –, orientando as partes a respeito da necessidade de prova. É claro que a possibilidade da inversão entra nos cálculos do réu; porém, como o réu talvez conceba ausentes os requisitos do art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, sem a determinação prévia inexistirá processo equilibrado, e, portanto, o julgamento não se mostrará justo. O processo civil contemporâneo, justamente para contrabalançar o imenso poder do juiz, há de se pautar pelo máximo de garantias. É exemplar, a esse propósito, o julgado do STJ que proclamou: “Determinada a inversão do onus probandi após o momento processual de requerimento de provas, deve o magistrado possibilitar que as partes voltem a requerê-las, agora conhecendo o seu ônus, para que possa melhor conduzir o processo, sob pena de cerceamento de defesa”.76 Por esse motivo, no direito alemão, produzida a prova, o juiz abre discussão sobre seus resultados, esclarecendo às partes a respeito do seu potencial resultado.77 É admissível o juiz, invocando o art. 139, I, do NCPC advertir a parte que o respectivo representante técnico não conduz adequadamente o processo. Essa radical intervenção provoca desconforto, mas se harmoniza com a necessidade de equiparar as partes no que tange às expectativas de êxito. Esses paliativos diminuem, mas não eliminam a desigualdade material. Constitui problema universal e complexo, sem solução satisfatória, o municiamento da parte débil contra o chamado litigante institucional (v.g., as empresas de banco). § 38.º Direito à licitude da prova 158. Conteúdo essencial do direito à licitude da prova A inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos é um direito fundamental processual negativo. O conteúdo essencial do art. 5.º, LVI, da CF/1988 consiste num veto dirigido aos sujeitos do processo. Ficam (a) as partes proibidas de propor e produzir e (b) o juiz de ordenar, produzir e apreciar (art. 371 do NCP) prova cuja origem seja maculada por atividade contrária ao direito.78 A contrariedade da prova ao direito (= prova ilícita) assume formas variadas (infra, 159). É um dos direitos fundamentais
processuais que, em virtude do seu propósito de instituir vedação absoluta, suscitou as mais candentes e sofridas controvérsias. O primeiro passo indispensável para tomar partido nessa árdua disputa consiste em precisar o direito à prova no processo civil. As características reclamadas do juiz garantista (retro, 81), fundadas na imparcialidade e na terzietà, pré-excluem o juiz diretor da produção da prova, exigindo um juiz sem partido, presidente da coleta da prova e fiscal da legalidade da atividade desenvolvida na instrução.79 Nessa linha de raciocínio, o direito fundamental processual à prova importa mais que a anomalia da aquisição ilícita de prova pelo processo. 158.1. Direito à prova no processo civil – O domínio das partes no processo civil recai sobre as alegações de fatos. Cumpre ao autor, na petição inicial (art. 319, caput, e inc. III do NCPC), indicar o fato e os fundamentos jurídicos do qual decorrem a conclusão expressa no pedido (art. 330, § 1.º, III, do NCPC). O “fato” em questão, consubstanciado na narrativa de certo episódio da vida, impondo a lei que seja conforme ao verdadeiro (art. 77, I, do NCPC), na realidade é o complexo de fatos, objeto da incidência da regra jurídica, da qual o autor extrai o efeito jurídico pretendido no pedido. Por sua vez, a atitude mais elementar do réu, convocado a responder a pretensão deduzida pelo autor, consiste em refutar direta e precisamente as alegações de fato constantes da petição inicial (art. 341, caput, do NCPC). Essa expressão, indicativa do objeto principal da prova, localiza-se no art. 344, caput, do NCPC atinente ao efeito material da revelia, mas calha também à impugnação direta do réu. Tal atitude do réu, impugnando a veracidade do episódio da vida, designa-se amiúde de defesa simples.80 Tecnicamente, é impugnação de fato direta. Réu que não impugnou os fatos afirmados, e omitiu outra variante defensiva, na realidade não se defendeu eficientemente. Equipara-se, na substância, ao réu omisso, ao revel. Se o réu contesta, mas não se desincumbe do ônus da impugnação específica (art. 341, caput, do NCPC primeira parte), presumir-se-ão verdadeiros os fatos não impugnados (art. 341, caput, segunda parte), salvo concorrendo hipótese que pré-exclua essa consequência (art. 341, I a III, do NCPC); se o réu torna-se revel, ainda uma vez ressalva feita às hipóteses previstas no art. 345, I a IV, do NCPC “presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor” (art. 344 do NCPC). Em ambas as hipóteses, os fatos assumiram a condição de incontroversos. Foram afirmados pelo autor e aceitos tacitamente pelo réu. Prescindem de prova por quem os alegou (art. 374, III, do NCPC). É menos natural e corriqueira, mas há outra situação concebível: o réu admite os fatos narrados na petição inicial como verídicos, mas nega-lhes o efeito jurídico pretendido (impugnação de direito). Da mesma forma, a prova da alegação de fato realizada pelo autor torna-se supérflua, conforme dispõe o art. 374, III, do NCPC. Em tais hipóteses, não resultando o contrário de elementos constantes nos autos – hipótese de inexistência do efeito material da revelia, a teor do art. 345, IV, do NCPC mas generalizável –, a abstração da fase probatória
ensejará a abreviação do procedimento, comportando a causa julgamento conforme o estado do processo (art. 355, I e II, do NCPC). O conteúdo do provimento, favorável ou não ao autor, dependerá do entendimento do órgão judiciário quanto à questão de direito. Como já se assinalou, onde “não haja controvérsia, com referência aos fatos pelos litigantes, a questão se reduz à mera aplicação do direito”.81 Desincumbindo-se o réu desse ônus mínimo da impugnação específica (e da contradição da prova documental porventura produzida pelo autor), ou seja, impugnando os fatos principais e relevantes ao acolhimento do pedido, tecnicamente surgirão, no processo, questões de fato: os pontos de fato são controversos, a respectiva veracidade gera dúvida no espírito do órgão judiciário. É preciso, portanto, dissipar essa dúvida, reconstruir o episódio da vida através dos meios de prova, investigar e resgatar a verdade que há nas alegações de fato, na medida do humanamente possível. Para formar o convencimento do juiz sobre a veracidade, ou não, das alegações de fato, incumbe às partes ministrar prova a seu respeito. Em tese, objeto da prova consiste em nos eventos e nas condutas que as normas jurídicas erigem como suporte fático ou elementos de incidência.82 Concretamente, e na situação básica aqui versada – o réu poderia arguir fatos novos (os fatos impeditivos, modificativos e extintivos); apresentar impugnação indireta, narrando ao seu modo o episódio da vida retratado na inicial; e, ademais, o objeto da prova frequentemente vai além dos fatos –, o objeto da prova recairá sobre os “fatos afirmados pelo autor”.83 Envolverá respostas, trazidas através dos meios de prova, às seguintes indagações: “quem, quando, o que e onde”.84 Pois bem: a existência de questões de fato gera um direito específico de hierarquia constitucional: o direito à prova. 158.1.1. Conteúdo e eventualidade do direito à prova no processo civil – O direito à prova, adquirido pelas partes no quadro mínimo traçado, integra o direito de acesso à Justiça,85 decorre do contraditório e visa a influir no convencimento do juiz. Fitando as regras de distribuição do ônus da prova (art. 373 do NCPC), e, por consequência, a quem a falta de prova tem aptidão de prejudicar no julgamento final – função de regra de conduta (infra, 1.338.1) –, a parte interessada usufruirá de acesso a todos os meios legais, “ainda que não especificados neste Código” (art. 369 do NCPC). A regra é, pois, a possibilidade de a parte utilizar todos os meios de prova. Por exceção, a lei pré-exclui determinada fonte de prova (v.g., a prova exclusivamente testemunhal nos contratos formais, a teor do art. 444 do NCPC, salvo começo de prova por escrito). Limitações dessa índole não ofendem à Constituição.86 A iniciativa probatória não compete unicamente às partes. A direção material do processo arma o órgão judiciário com poderes no mínimo análogos nessa área (infra, 1.351). Em geral, porém, a iniciativa das partes predomina em matéria probatória, pois seus interesses estão em jogo, inclusive (e principalmente) os econômicos. A meta do sucesso arranca-as da inação e da passividade. Não se fiam, e com razão, na iniciativa do juiz, em geral pouco propenso a usar seus poderes de instrução.
O direito fundamental processual à prova assume configuração legal que lhe atribui conteúdo mínimo. Esse conteúdo se articula com os momentos da prova: (a) as partes têm o direito de indicar, na petição inicial (art. 319, VI) e na defesa (art. 336, in fine), os meios de prova que pretendem produzir, o que já basta à aquisição do direito (constitucional) à prova; (b) as partes têm o direito de propor esses meios de prova, apurando o juiz a existência de fatos controvertidos e relevantes para o deslinde da causa e determinando-lhes, no chamado “despacho de especificação”, que reiterem o anteriormente indicado, agora sob novas luzes, não sendo lícito que percam o direito à prova, direito que adquiriram na forma dos arts. 319, VI, e 336, in fine do NCPC; (c) as partes têm direito à admissão dos meios de prova especificados, salvo existindo regra em contrário (v.g., o art. 444 do NCPC), revelando-se estes aptos, em tese, à prova da veracidade da alegação de fato (v.g., o local em que ocorreu o evento não sofreu modificações, e, assim, permite a realização da vistoria);87 (d) as partes têm direito de participar da coleta da prova (v.g., formulando quesitos para o perito, inquirindo as testemunhas, e assim por diante) e à produção da prova segundo o roteiro legalmente determinado; (e) as partes têm direito à apreciação de todos os meios de prova validamente produzidos e, caso haja vício, à decretação dessa invalidade; (g) as partes têm direito à motivação suficiente da apreciação da prova (art. 371 c/c art. 489, § 1.º, do NCPC).88 O direito fundamental processual à prova fragiliza-se perante a possibilidade de o juiz não admitir provas inúteis e procrastinatórias (art. 370, parágrafo único). Diz-se que a parte só adquire semelhante direito após o crivo judicial acerca da admissibilidade e – eis o ponto – relevância.89 Ora, não se afigura implausível o juiz dar-se por “convencido” pela prova documental (contraditada ou não), dispensando a audiência de instrução e abreviando o procedimento, por intermédio do julgamento antecipado do mérito (art. 355, I, do NCPC). Os tribunais de segundo grau raramente controlam esse abuso, sob o errôneo pretexto de o órgão judicial ser o destinatário da prova, posto que apelação comporte a revisão do juízo de fato, baseada na apreciação acervo probatório – quanto maior, melhor –, e o STJ abstém-se de intervir nesses assuntos, porque (alegadamente) questões de fato. Essa anomalia ofensiva ao direito fundamental processual receberá a devida crítica no item do julgamento antecipado do mérito. Extenso que seja o conteúdo do direito à prova, há justificativa plausível para tal dimensão. Relevantes razões políticas situam o direito à prova, vez que a maioria dos litígios exige a apuração da veracidade das alegações de fato para o juiz formular a regra jurídica concreta, no âmago do processo civil. É a encruzilhada das ideologias autoritária e liberal modeladoras do instrumento de resolução dos conflitos. O direito à prova não se revela absoluto na sua configuração legal. O conteúdo essencial, ou núcleo, do direito à prova reponta na necessidade de demonstrar a veracidade das afirmações de fato.90 E tal só ocorre quando houver fatos controversos e pertinentes ao deslinde da causa, conforme o debate das partes. 158.1.2. Finalidades do direito à prova no processo civil – O objetivo primário da iniciativa probatória das partes é o do convencer o juiz da veracidade das respectivas afirmações a respeitos dos fatos que integram a
causa de pedir ou a defesa. A busca da verdade real ou objetiva representou verdadeira obsessão ideológica no Seculo XX.91 Os estatutos processuais, seguindo a linha preconizada no modelo autoritário (ou social) de processo (retro, 80), atribuíram ao juiz amplos poderes nesse setor decisivo, habilitando-o a investigar amplamente a “verdade”, correspondesse, ou não, às afirmações das partes. É persuasivo o argumento que não cabe ao Estado prestar jurisdição o mais profundo conhecimento da realidade. Em mais de um caso, porém, os excessos da investigação oficiosa degeneraram em abusos e provocaram insegurança e injustiça. No atual momento histórico, chegou-se a uma boa síntese do problema: a busca da verdade não se sobrepõe ao princípio dispositivo, limitando-se aos fatos afirmados pelas partes; porém, no tocante a estes fatos, os esforços das partes e do juiz convergem na sua elucidação – princípio da iniciativa concorrente em matéria de prova (infra, 1.351). Entre nós, o processo civil se contenta com a verdade possível. O art. 504, II, do NCPC declara que a “verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença”, não se torna indiscutível. Tal significa que, reclamando o autor o abatimento do preço, porque defeituosa a coisa alienada pelo réu, e assentando o juiz na sentença que a coisa apresentava grave defeito oculto, semelhante fundamento da sentença, logicamente permitindo ao juiz acolher o pedido, comportará livre controvérsia num segundo e posterior processo.92 Logo, implicitamente, o art. 504, II, reconhece que a verdade obtida no processo é acidental e contingente. 158.2. Limitações do direito à prova no processo civil – Em geral, buscando a verdade possível, as partes se antecipam ao momento em que as afirmações de fato, no processo, convolam-se em questões de fato, passíveis de prova. Para essa finalidade, na preparação da petição inicial ou da defesa, as partes investigam os fatos, apropriando-se da fonte da prova (v.g., o conteúdo do documento; o conhecimento de certa pessoa sobre os fatos do litígio), e, posteriormente, intentam produzi-las no processo. De ordinário, as investigações empreendidas na preparação do processo civil são oficiosas, inserindo-se na autonomia privada das partes. Assim, após o primeiro encontro com seu procurador e informada da necessidade de prova testemunhal, a parte movimenta-se para localizar as pessoas que assistiram o evento danoso, obtendo os dados necessários para serem arroladas, a teor do art. 450 do NCPC. Por exceção, como no caso do inquérito civil instaurado para apurar os fatos que subsidiarão a ação civil pública, à demanda precede investigação oficial. O processo penal tem essa fase preliminar oficial sob controle do juiz das garantias. A natureza pública ou privada da investigação preliminar não obsta a apropriação ilegal da prova. Mas, na investigação oficial, a ilegalidade é, simultaneamente, mais difícil de ocorrer, mormente nos sistemas em que ela se desenrola sob controle judicial, e mais transparente: por exemplo, o inquérito civil realizado sem contraditório produzirá prova ilícita,93 e fato dessa natureza evidencia-se na própria peça. Investigações particulares amiúde ocultam as ilegalidades. Nunca se sabe ao certo se a testemunha efetivamente assistiu ao evento ou a parte interessada persuadiua a declarar semelhante fato, ensaiando a cena. Concebe-se que, na primeira etapa (apropriação prova), ou fonte da prova, ou na segunda etapa (produção prova), ou meio de prova, as partes (ou
terceiros, a seu mando ou não) excedam-se nas investigações, ultrapassando “as fronteiras do razoável, em detrimento de interesses também juridicamente relevantes”,94 ou seja, obrem em desconformidade com o direito. Ilícita é a prova colhida com infração às normas (regras e princípios) constitucionais e às leis, em especial a tutela da intimidade.95 Por exemplo: (a) o réu invade ou manda invadir o escritório do autor, no qual imagina encontrar a única via do distrato firmado, cuja existência o autor nega, e, por esse meio, adquire a posse do instrumento, que produz no processo; (b) previamente à demanda, o autor implantou escuta no telefone celular do réu e, transcrevendo certas passagens do áudio armazenado, alega e pretende provar que o réu, ocupante de cargo de direção da empresa, passou informações confidenciais sobre o fluxo financeiro ou o desenvolvimento de novos produtos ao principal concorrente. É muito pouco razoável recepcionar no processo, sem quaisquer ressalvas ou restrições, prova obtida com flagrante violação dos direitos fundamentais, a exemplo da escuta clandestina. O processo, vale recordar, não é instrumento neutro, mas atividade entroncada nos mais altos valores da sociedade: probidade, lealdade, boa-fé (art. 5.º do NCPC) e, fundamentalmente, conformidade ao direito. Repugna à moral e ao sistema de valores da lei fundamental uma das partes, com o beneplácito judicial, aproveitar o material maculado pela ilicitude, quiçá resultante de transgressão de direito fundamental (v.g., a intimidade e seus consectários), e obter vantagem da própria torpeza, invocando o adágio male captum, bene retentum. Em tal sentido, STF aplicou a regra equivalente e predecessora do art. 369 do NCPC, que rejeita o uso dos meios de prova ilegais ou moralmente ilegítimos, para excluir do processo gravação de conversa telefônica da mulher feita pelo marido, separado de fato, sem o consentimento dos interlocutores.96 O conflito subentendido ocorre, por óbvio, entre a verdade, revelada pela prova ilícita, e o desrespeito à legalidade na obtenção dessa prova. O art. 5.º, LVI, da CF/1988 somente reconhece o direito do litigante à prova obtida por meio lícito. Repele, de modo definitivo e radical, a prova adquirida por meio ilícito, declarando no art. 5.º, LVI: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. O art. 369 do NCPC admite como hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa, os meios legais e moralmente legítimos, com sentido similar. Deve-se ao art. 157, caput, segunda parte, do CPP, da redação da Lei 11.690/2008, a enunciação do que é prova obtida por meio ilícito, declarando: “(…) assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. O direito fundamental processual previsto no art. 5.º, LVI, da CF/1988 aplicase, indiferentemente, ao processo civil e ao penal. Neste último, naturalmente, o conflito entre verdade e prova ilícita assume tonalidades fortes e dramáticas, mas o primeiro não é inteiramente indiferente à problemática. É digno de nota que a jurisprudência norte-americana97 e inglesa98 reluta quanto à rejeição de provas ilícitas no processo civil. À luz da peremptória formulação do art. 5.º, LVI, da CF/1988 e considerando os valores tutelados no processo, “não parece haver lugar para exceções, e nem sequer para atenuações”.99 Esse entendimento se revela passível de levar a situações despropositadas e injustas, principalmente no processo penal, e não se harmoniza com a necessidade de equilibrar o
conjunto dos bens jurídicos tutelados pelos direitos fundamentais, que se limitam reciprocamente. Antes de firmar posição nesse tópico, convém expor as classes de provas ilícitas (infra, 159), item que oferece várias combinações interessantes para temperar a proibição. 158.3. Formas de desvelar o direito à privacidade – A rígida tutela à privacidade prevista na CF/1988 só pode ser rompida licitamente no caso das comunicações telefônicas, conforme se observa do art. 5.º, XII, da CF/1988. O dispositivo encerra gravíssimas incongruências: (a) o sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas e de dados não pode ser relevado por ordem judicial sob nenhum pretexto; (b) o sigilo das comunicações telefônicas só pode ser rompido, por ordem judicial e na forma da lei, “para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. A dar-se caráter absoluto à prescrição constitucional, inspirada no mais exacerbado individualismo, o paradoxo soará exasperante: as mensagens eletrônicas e outros dados armazenados no computador pessoal jamais serviriam como prova no processo civil sem o consentimento do seu proprietário, ou seja, sem que o destinatário revele em juízo o respectivo conteúdo; as conversações telefônicas, uma vez desveladas por ordem judicial, apenas servem de prova no processo penal, jamais no civil. Não se leva a sério nenhuma dessas esdrúxulas proibições, porque impraticáveis. Fez o STF a distinção entre o bem protegido, que é a comunicação de dados, e estes propriamente ditos, e, assim, chancela a apreensão do próprio computar pessoal e do teor das mensagens nele armazenadas.100 É comum, no processo civil, o cônjuge instruir a petição inicial da separação com mensagens de texto, provando o adultério do parceiro, sob o pretexto de compartilhamento do computador pessoal e a ausência de senha ou de criptografia a proteger-lhes o conteúdo. Por outro lado, as informações decorrentes do rompimento do sigilo telefônico, por ordem do juiz penal competente, podem ser “emprestadas” para o processo civil.101 Entenda-se bem: o juiz civil não pode determinar escuta telefônica, mas é lícito requisitar tal prova, obtida nos estritos termos da Lei 9.296/1996.102 Não é ilícita, por outro lado, a gravação de conversa por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.103 158.4. Consequências da prova ilícita no processo civil – A inadmissibilidade da prova ilícita é, sobretudo, um veto à sua valoração no processo. Em geral, a prova maculada chega ao processo, por iniciativa de uma das partes ou anonimamente (v.g., o juiz da causa recebe pelo correio, sem indicação do remetente, a transcrição e as cópias de áudio de intercepção telefônica). Em tal hipótese, receberá imediata e enérgica impugnação da parte a que não aproveita. Nessa contingência, reconhecendo o juiz a ilicitude, mandará desentranhá-la.104 Resta equacionar o problema subsequente: a contaminação do espírito do juiz. Com efeito, o órgão judiciário, tomando contato com o esclarecedor conteúdo da prova ilícita, presumivelmente ficará influenciado por seu teor, e, no julgamento, embora formalmente a ignore, interpretará os elementos lícitos trazidos aos autos no sentido apontado pela prova banida dos autos. É comum afirmar-se a necessidade de afastar o juiz que “teve contato com a prova ilícita, vez que não possui mais isenção para o julgamento”.105 Ora, o juiz profissional não se deixa influenciar pela prova ilícita, e, na oportunidade
em que formula seu juízo, conscientemente repele a solução por ela ditada. Vale a lembrança de certa causa concreta. Em certa ocasião, o Corregedor-Geral da Justiça do TJRS recebeu gravação clandestina, cujo conteúdo revelava, sem a menor dúvida, o recebimento de vantagem econômica por determinado juiz de uma das partes num caso de vulto econômico e social. Feitas as investigações preliminares, e, assim, trazidos aos autos outras provas – o problema da ilicitude da prova derivada da originariamente ilícita (fruit of the poisonous tree) receberá exame oportunamente (infra, 159) –, o órgão especial do TJ abriu o processo administrativo e afastou o juiz da jurisdição, preliminarmente decidindo pela inadmissibilidade das gravações. Dois anos após, alterada substancialmente a composição do órgão especial do TJ, retornou o processo para julgamento de meritis. Faltava prova suficiente, desconsiderada a gravação clandestina, para condenar o juiz à pena prevista: aposentadoria compulsória. No espírito de um dos julgadores, que continuava no órgão especial, porque nele ingressara muito jovem, ficara a indelével impressão de que o infeliz magistrado era culpado. O desembargador se dera ao trabalho de ler toda a transcrição das conversas gravadas e até guardara o calhamaço em seus arquivos particulares. Proibido de invocar esses subsídios, ante sua origem ilegal, baniu a impressão – os dados concretos já se haviam desvanecido – e, fitando as demais provas, absolveu o juiz – como absolveria qualquer outra pessoa, nas mesmas circunstâncias probatórias. De resto, o órgão especial do TJ absolveu o juiz por amplíssima maioria. Os dois ou três votos contrários arrimaram-se em indícios – o juiz dera três explicações diferentes, por exemplo, acerca da origem dos recursos utilizados na compra de um carro zero quilômetro. A presunção simples é prova fraca para impor pena tão grave. O receio de o juiz ficar influenciado pela prova ilícita não discrepa, qualitativamente, de outros fatores de pressão e persuasão que cercam o homem e a mulher investidos na função de julgar. Um ilícito particularmente atroz, a parte arrogante e violenta e outras situações despertam reações variáveis no espírito do julgador, sublimadas, na medida do possível, na hora de julgar. Não se pode substituir a pessoa humana por um juiz mecânico, automático, frio e implacável, porque isento de emoções, e, pelo mesmo motivo, não se mostra necessário substituir o juiz que tomou contato com a prova ilícita. Por essas razões, a única consequência da chegada da prova ilícita aos autos é o seu desentranhamento, conforme determina, aliás, o art. 157, caput, primeira parte, do CPP. 159. Formas de ilicitude da prova Existem duas espécies de ilicitudes idôneas a contaminar a prova, préexcluindo seu uso no processo: (a) ilicitude material, em que a prova é obtida mediante ato contrário ao direito (v.g., invasão do domicílio, quebra do sigilo epistolar e do segredo profissional, subtração de coisas, captação clandestina de sons e de imagens, constrangimento pessoal); (b) ilicitude formal, em que, originalmente lícito o procedimento da obtenção da prova, o vício ocorre no momento da produção da prova (v.g., o depoimento de testemunha impedida).106
Também se emprega outra classificação de origem italiana,107 localizandose duas classes de provas “vetadas” ou ilegais: (a) prova ilegítima, que é a obtida por infração ao direito processual; (b) prova ilícita, que é obtida com violação do ordenamento jurídico (leis e princípios).108 Esse arranjo muito pouco se ajusta à proposição do art. 157, caput, do CPP, que considera ilícita a prova obtida com violação, tout court, do ordenamento jurídico, englobando normas constitucionais (princípios e regras) e legais. Por tal ângulo, o critério mais consentâneo repousa no momento da transcrição (na fonte ou no meio). Os esquemas variam muito, aludindo-se a provas expressamente vetadas pela lei, as provas irregulares e defeituosas e as provas obtidas ou praticadas com violação os direitos fundamentais.109 Esquema satisfatório no processo civil, o que distingue a ilicitude material e a formal, na área penal as classes de ilícitos comportam outras relevantes distinções, cabendo examiná-los de dois pontos de vista: (a) subjetivo, quanto ao autor da infração e quanto à parte beneficiada pela prova; e (b) objetivo. Tal interessa para, em determinadas situações, emprestar caráter absoluto ou relativo à prova obtida por meio ilícito. Objetivamente, consoante o viés da norma transgredida, a proibição pode atingir: (a) a fonte da prova (v.g., o documento secreto); (b) o meio de prova (v.g., impedimento da testemunha); (c) o método do meio da prova (v.g., interrogatório sob tortura); (d) a valoração da prova (v.g., a presunção de certeza e liquidez da certidão de dívida ativa só pode ser ilidida por prova inequívoca, a teor do art. 3.º, parágrafo único, da Lei 6.830/1980). No que tange ao autor do ilícito, pode se cogitar que ele seja cometido: (a) por agente público encarregado das investigações (v.g., a autoridade policial); (b) por pessoa privada envolvida no litígio ou que representa o litigante (v.g., a vítima e o seu advogado); (c) por pessoa privada alheia ao litígio, ou seja, por um terceiro (v.g., o investigador público); (d) por pessoa privada inserida nas investigações (v.g., o agente infiltrado). De outro lado, a prova ilícita pode beneficiar: (a) o autor da ilicitude na sua obtenção; (b) a parte contrária; e (c) terceiro.110 Em matéria penal, o catálogo das proibições tem inaudita amplitude, no qual o sigilo nas comunicações é apenas um deles.111 As nuances têm relevo expressivo nos casos concretos. Parece intolerável a parte pública, no processo penal, beneficiar-se da prova ilícita para condenar o réu. A chamada exclusionary rule do direito norte-americano se impôs na consideração que era preciso reagir contra as práticas policiais violentas e ilegais, exibindo, destarte, um efeito dissuasório sobre comportamentos futuros (deterrent efect).112 Infelizmente, a situação brasileira assume proporções malignas: a polícia judiciária primeiro implanta a escuta clandestina, com o intuito de apreender o padrão do comportamento criminoso, e, depois, solicita autorização judicial, iludindo o órgão judicial – não é possível acreditar na conivência da pessoa mais justiceira possível, travestido de magistrado equânime –, a fim de confirmar os resultados conhecidos e iniciar, formal e sadiamente, as investigações da infração penal. É justificável, portanto, a exclusão absoluta da prova ilícita desfavorável ao réu no processo penal.
Todavia, apesar de ilícita, e imprestável para condenar um dos réus, essa prova contaminada, ab origine, servirá para absolver os demais réus, se tanto indicar o seu teor, e, segundo a opinião prevalecente, o próprio réu.113 Por outro lado, se o próprio réu do processo-crime grava a conversa entre duas outras pessoas, logrando prova cabal da sua inocência, o réu obrou em legítima defesa, “que é causa da exclusão da antijuridicidade, de modo que essa proa, antes de ser ilícita, é, ao contrário, lícita, ainda que fira o direito constitucional de inviolabilidade da intimidade”.114 Não há, realmente, juiz que condene réu inocente à luz de prova ilícita. Ao invés, não pesará na consciência do juiz absolver um culpado, porque rejeitou prova ilícita. Cuidase, entretanto, de obstáculo psicológico, porque, em determinadas circunstâncias (v.g., escuta ambiental clandestina, instalada na casa da sogra do autor do ilícito, indicou o local do cárcere da pessoa sequestrada), imperioso o usopro societate da prova ilícita.115 Essas considerações, mutatis mutandis aproveitáveis evidenciam o caráter relativo da proibição (infra, 160).
na
área
civil,
Existe outra classificação de sumo relevo haurida da área penal: a ilicitude originária e a ilicitude derivada. É a chamada fruit of the poisonous doctrine, mais adequada aos domínios penais. Por exemplo, escuta clandestina (ou “grampo”) do telefone celular do cônjuge permitiu ao investigador particular, contratado para essa finalidade, tirar fotos em lugar público que comprovam a intimidade de pessoa casada com terceiro, e, assim, subsídio hábil para o pedido de separação com fundamento em injúria grave. O exemplo pode ser adaptado para a área penal: a escuta levou o investigador a localizar o cadáver da vítima e outras provas próprias da cena do crime. Em tal hipótese, a escuta clandestina é a prova ilícita originária; as fotografias (ou o cadáver) constituem prova ilícita derivada. O STF firmou posição, em matéria penal, no sentido de que ninguém pode ser condenado unicamente com base em prova ilícita, originária ou derivada.116 Por sua vez, o art. 157, § 1.º, do CPP, na redação da Lei 11.690/2008, averba de inadmissível a prova ilícita derivada, salvo: (a) falta de nexo de causalidade da derivada com a originária; (b) existência de fonte independente. E o art. 157, § 2.º, do CPP, considera fonte independente “aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. O art. 157, § 1.º, do CPP consagrou a chamada fonte hipotética independente (inevitable discovery), ou seja, graças a outro meio, sem relação com a fonte ilícita, obteve-se outra prova do fato (v.g., a campana fatalmente documentaria a intimidade pública), e, não, a exceção da fonte independente (independent source). Tal disposição parece inconstitucional, porque incompatível com o princípio da presunção da inocência.117 Assim, no exemplo há pouco ministrado, admitido o fato de a polícia judiciária seguir costumeiramente o suspeito, prática chamada de campana, e tomada esta linha investigatória antes de se conhecer o conteúdo da gravação ilícita, as fotografias resultariam de “inevitável descoberta”, nada obstante seu uso no processo. A fruit of the poisonous doctrine, corolário da exclusionary rule, comporta atenuações significativas na jurisprudência norte-americana, as exemplo da já mencionada inevitable discovery e da boa-fé ou good faith exception (v.g., a
polícia judiciária localiza prova contra o réu no cumprimento de mandado de busca e apreensão nulo).118 Entretanto, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América tende a substituir a exclusionary rule por sanções disciplinares contra os agentes públicos, admitindo, pois, a prova ilícita.119 O fato é que, originalmente, a proibição do uso da prova ilícita no direito norte-americano, ou exclusionary rule, desenvolveu-se na área criminal ou nenhuma repercussão significativa apresenta na área civil. 160. Caráter absoluto ou relativo do direito à licitude da prova Embora focalizadas no processo penal, as considerações precedentes, inclusive relativamente à exclusionary rule na jurisprudência norte-americana recente, haja vista seus efeitos deletérios no aparato policial (v.g., além do pouco respeito aos direitos fundamentais, que se manteve incólume, surgiu o costume de maquiar investigações para evitar a exclusão da prova) e a descrença da população (v.g., o sentimento popular é que absolvições ocorrem por technicalities),120 definem o caráter absoluto ou relativo da regra prevista no art. 5.º, LIV, da CF/1988. As normas constitucionais se articulam no sistema no qual as interferências recíprocas negam supremacia a qualquer delas e importa, em alguma medida, a detração parcial da incidência de todas. A proibição do uso da prova ilícita não constitui exceção. Às vezes, no espírito do juiz, surgirá o dilema: deverá julgar segundo o conhecimento adquirido, apreciando prova ilícita, ou deverá rejeitar a prova maculada pela ilegalidade, e, na sua falta, prover em sentido contrário? A resposta ao quesito não comporta maiores simplificações; porém, há uma certeza: a proibição do art. 5.º, LVI, da CF/1988 é a regra,121 passível de temperamentos por força do princípio da proporcionalidade.122 A proporcionalidade é justamente o princípio que harmoniza as demais regras com a realidade.123 Ao órgão judiciário, no caso concreto, caberá ponderar os interesses em jogo e verificar se a exclusão da prova provocará prejuízo maior à ordem jurídica (v.g., levando à improcedência da pretensão justa) do que a sua eventual admissão. Por exemplo: mediante ardil sofisticado, o réu de investigação de paternidade obtém amostra de sangue do autor e o ulterior exame de DNA exclui peremptoriamente o parentesco. Dependerá da sensibilidade do julgador, avaliando, dentre outros fatores, o comportamento das partes, os fins sociais e o bem comum (art. 8.º do NCPC), o acolhimento ou não dessa prova. É possível imaginar, facilmente, a iniciativa interesseira do investigante, preocupado antes com a futura herança do que com a descoberta da sua origem e identidade, hipótese em que o juiz acatará a prova. Evidentemente, a aplicação do princípio da proporcionalidade em casos tais recebe intensas críticas.124 Nem sempre, de fato, chegar-se-á a bons resultados, pois a correta aplicação da diretriz assenta em delicadas operações de balanceamento. Ao propósito, invocou-se o caso de o juiz estimar lícita a quebra do sigilo telefônico da mulher pelo seu marido, guardião da conduta moral da esposa,125 o que soa lastimável aos valores contemporâneos. Ora, a subjetividade do juiz “atua inevitavelmente no modo de dirigir o processo e de decidir”.126 Inexiste remédio contra essa humanidade
da justiça e mecanismo eficiente de proteção contra os seus erros. Não há outro remédio senão admitir o caráter humano e suscetível a erro de qualquer pronunciamento judicial § 39.º Direito à celeridade 161. Conteúdo essencial do direito à celeridade À medida que nos órgãos judiciários da Justiça Comum se amontoavam feitos além da capacidade média de trabalho do ofício judicial, graças ao estímulo orquestrado do movimento de acesso à Justiça, prometendo soluções imediatas e convenientes sem maiores riscos financeiros, a duração do processo tornou-se fator crucial na efetividade da Justiça Pública. Instituído o processo como obrigatório mecanismo civilizado para resolver litígios individuais e transindividuais, os resultados aguardados desse mecanismo de realização do direito objetivo – a conexão com os efeitos do provimento final (sentença, acórdão ou decisão singular do relator), originárias da ação material, não parece fortuita – precisam se patentear na realidade social de forma discernível para os litigantes e à população. E para que tal ocorra, a contento, a efetiva obtenção do bem da vida – certeza, estado jurídico novo, título, intercâmbio patrimonial e ordem – jamais deve demorar. Ora, para atingir os fins que lhe são próprios, o processo consome tempo, muito tempo – objetivado e localizado no presente, mas tempo de que não prescinde a vida social.127 Por um lado, inexiste Justiça Pública instantânea. A atividade processual ordinariamente fita acontecimento no passado, intenta reproduzi-lo no presente – ou, mas tecnicamente, certificar a veracidade das alegações de fato a seu respeito –, através da prova, e, no fim de itinerário assinalado pelo debate recíproco, encerra a penosa trajetória ao formular, o quanto antes, a regra jurídica concreta (função de cognição). Ou, então, a atividade processual almeja realizar essa regra no mundo real (função executiva), quanto mais cedo melhor, mas nesse terreno depara com outras dificuldades, decorrentes de limitações práticas, técnicas e políticas (v.g., a inexistência de patrimônio, o que torna o pronunciamento judicial inexequível, ou seja, irrealizável). Por outro, além dos percalços eventuais, tão comuns no trabalho de campo (função executiva), a intensa velocidade das ações humanas no mundo de comunicação quase instantânea torna o interstício temporal gasto numa e noutra tarefa, por si mesmo, excessivamente demasiado para o vitorioso. Os inconvenientes do processo demorado são muitos. A litispendência provoca danos econômicos, inclusive ao litigante opulento (v.g., a necessidade de contingenciar, no balanço, o valor da provável derrota), favorece à insolvência (v.g., o autor perdeu seu único bem da capital), acentua a discriminação entre os que podem aguardar e os que têm tudo a perder, e, por fim, transforma-se em poderosa arma de pressão nas mãos do litigante mais forte.128 Quanto maior for a tardança na obtenção dos resultados práticos, mais se intensifica o inconformismo dos litigantes, transformando a sentença justa, porventura sobreviesse antes, injusta pelo simples decurso do tempo. A tempestividade na entrega da prestação jurisdicional integra, por razões econômicas, sociais e psicológicas, a função social do processo civil contemporâneo.129
Eventualmente, a causa exibe elemento específico de urgência; por exemplo, (a) alguém, dizendo-se gravemente enfermo e sem recursos financeiros, pleiteia do Estado certo medicamento, cuja falta o conduzirá à morte; (b) o devedor já condenado, mas ainda não executado, intenta desfazer-se de parte do patrimônio, a fim de dificultar a futura execução. Facultam as leis processuais, nessa contingência, a emissão de providência de litisregulação (função de asseguração), ora satisfazendo antecipadamente o objeto litigioso (execução para segurança), como no caso do fornecimento de medicamentos, ora precavendo a execução futura (segurança para a execução), como na hipótese de ordenar o arresto dos bens que o futuro executado almeja alienar. Essas são as medidas de urgência mencionadas no art. 294, parágrafo único, do NCPC. Técnicas diversas abreviaram o procedimento, conforme o estado do processo, combatendo o desperdício de tempo no primeiro e no segundo graus de jurisdição. A desnecessidade de realizar audiência, vez que as pautas sempre se encontram congestionadas e as datas disponíveis localizam-se em dias longínquos, entrementes madura, e a possibilidade de julgar “antecipadamente” o mérito, nos termos do art. 355, I, do NCPC representou, nos albores da vigência do CPC de 1973, notável medida de economia e autêntica revolução, hoje esquecida, porque absorvida no paradigma processual. E tal expediente frutificou em época mais próxima: nos casos de extinção do processo sem resolução do mérito no primeiro grau (art. 485 do NCPC), o tribunal poderá ir além da área recoberta pela sentença e, pioneiramente, julgar a causa – se o processo se encontrar em condições de imediato julgamento, reza atualmente o art. 1.013, § 3.º, do NCPC, ou seja, não reclamar a produção de prova. Por sinal, a disposição citada abrange outras hipóteses (v.g., a superação dos vícios de congruência). Na mesma linha, inserem-se outras técnicas de aceleração, como o julgamento de plano da causa (art. 332 do NCPC), o conhecimento de ofício da prescrição,130 respeitado o debate prévio, a tutela da evidência (art. 311 do NCPC), o julgamento parcial do mérito (art. 356 do NCPC), a execução provisória “completa” (abrangendo a satisfação do vencedor),131 e assim por diante. Existem causas nas quais nenhum desses expedientes presta auxílio valioso. Essas causas tramitam mecanicamente, na vala comum, e, em virtude dos fatores de dispersão, demoram mais do que o devido. A entrega do bem da vida ao autor ocorre em momento muito posterior ao que, segundo a percepção comum, deveria ter ocorrido. Ora, a ordem jurídica precisa ser efetiva, o que exige remédios adequados aos litígios, mas esse remédio jamais se mostrará efetivo se houver retardamento excessivo.132 A lentidão não constitui, a bem da verdade, um mal agudo e definitivo. Ninguém advoga claramente processar e julgar a causa de afogadilho. Almeja-se, ao contrário, soluções justas.133 Reclama-se a audiência das partes, a possibilidade de produzir prova das alegações relevantes – a abreviação do procedimento, mercê do julgamento antecipado (art. 355, I, do NCPC), ignorando a força probante da prova documental e a impugnação a ela feita provocam distorções –, havendo fatos controversos, seguindo-se um tempo adequado para a devida reflexão e ponderação pelo órgão judiciário da solução justa, segundo o diálogo travado pelas partes. A necessidade de o juiz inteirar-se profundamente de todos os ângulos da controvérsia é uma das
atitudes exigidas do juiz para que haja processo justo e equilibrado.134O juízo fulminante, aos olhos do vencido, significa que seus argumentos não receberam a necessária atenção e leitura.135 Assim, o objetivo de restaurar a paz social através do processo traz à tona um formalismo indispensável e consome tempo: tempo para a contradição das partes, tempo para fundamentar na forma do art. 489, § 1.º, tempo para recorrer, aperfeiçoando o ato decisório, e assim por diante. A celeridade a qualquer custo, e sob quaisquer circunstâncias, nunca representará bem supremo, indeslindável da boa e sã decisão judicial: pode acontecer o contrário, o açodamento da pessoa investida na função judicante, quiçá influenciada pelo meio social, produzirá o pior pronunciamento concebível nas circunstâncias. Um meio termo há de ser encontrado. A busca do interregno ideal acompanha a Justiça há séculos, alcançando o ápice no processo comum, em que os litígios judiciais “viviam mais que os homens e eram herdados de geração para geração”.136 É preciso, pois, senão enquadrar todas as causas em interregnos predeterminados, a exemplo do que se pretendeu no revogado art. 281 do CPC de 1973, prescrevendo que todos os atos processuais do antigo procedimento sumaríssimo, da inicial até a sentença, realizar-se-iam dentro de noventa dias, sem maiores reflexos na prática, ao menos a estipulação inequívoca que a causa chegue ao fim, satisfazendo o vitorioso, sem retardamentos imprevistos. Localiza-se no art. 6.º, I, da Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 1950, a primeira manifestação que, no processo civil e no penal, a causa haveria de ser examinada equitativa e publicamente num “prazo razoável”, por órgão judiciário independente e imparcial, instituído por lei anterior.137 Tal disposição, objeto de outros tratados posteriores, conformou o direito interno dos países da União Europeia, servindo de exemplo da Itália, que introduziu cláusula (ragionevole durata) a esse respeito no art. 111 da sua Constituição.138 Ao “prazo razoável” também aludia, entre nós, o art. 179, VIII, da CI de 1824, mas relativamente à expedição da nota de culpa, nos lugares mais distantes da residência do juiz, e, portanto, semelhante garantia não alcançava a área civil. Entretanto, o art. 8.º, I, do Pacto de São José da Costa Rica, ou Convenção Interamericana de Direitos Humanos, de 22.11.1969, internada pelo Decreto Legislativo 27/1992, e mandada executar pelo Dec. 678/1992, contemplou a audiência de toda pessoa, pelo tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, “dentro de um prazo razoável”. Interpretação sistemática do dispositivo, que menciona “direitos e obrigações de caráter civil”, apontam a sua indiferente incidência nos processos civil, penal e administrativo brasileiros.139 Assim, o direito fundamental à celeridade, ou ao processo sem dilações indevidas, já se encontrava incorporado à ordem jurídica brasileira, desde 1992, e na estatura constitucional – ao menos, conforme o entendimento hoje prevalecente quanto à forma com a qual se introduziu semelhante tratado na ordem jurídica pátria. E, de resto, muito antecipado ao seu tempo, o art. 125, II, do CPC de 1973 encarregara-se de atribuir ao juiz brasileiro o dever de “velar pela rápida solução do litígio”, regra repetida no art. 139, II, do NCPC.
Finalmente, a EC 45/2004 acrescentou o inc. LXXVIII ao art. 5.º da CF/1988, que reza: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Esse direito fundamental processual, contudo, representa simples explicitação, ou derivação, do direito ao devido processo (art. 5.º, LIV, da CF/1988),140 que há de ser equânime também quanto ao tempo, secundada pela necessidade de os serviços públicos, qual a jurisdição, observarem o princípio da eficiência, expressis verbis contemplado no art. 37, caput, da CF/1988, pela EC 19/1998.141 Ecoou o dispositivo constitucional o art. 4.º do NCPC: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (cumprimento da sentença). Entenda-se bem: o direito das partes à resolução do mérito pressupõe juízo de admissibilidade positivo; do contrário, haverá a emissão de sentença terminativa (art. 485 do NCPC), também ela respeitosa ao prazo razoável. À primeira vista, revela-se pouco feliz a fórmula empregada no art. 5.º, LXXVIII, para exprimir o ideal que os processos não demorem mais do estritamente necessário. Tem a seu favor o argumento da tradição – a velha CI, de 1824, já aludia a “prazo razoável”, repetido no art. 4.º do NCPC, expressão facilmente assimilável à da “duração razoável do processo”. Porém, a Constituição de Espanha (art. 24, alínea 2) utilizou dito mais persuasivo e equilibrado, assegurando a todos os litigantes, “um processo público, sem dilações indevidas, e com todas as garantias”. Eis ponto decisivo para compreender e enunciar o conteúdo essencial do direito à celeridade: aquilatar-se-á a “duração razoável do processo” consoante os mais diversos e heterogêneos critérios; apurar-se-á, ao invés, o processo “sem dilações indevidas” através de régua mais justa: a estrita observância dos prazos processuais. A favor da primeira orientação, convém ponderar que o direito fundamental previsto no art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988, ostenta elevadíssimo grau de abstração. É impossível fixar quantitativo temporal genérico (v.g., dois anos):142 no mesmo espaço de tempo, conforme as circunstâncias, um processo talvez haja perdurado excessivamente, outro muito aquém do necessário. O marco temporal fixo só funcionaria como estridente alarme que alguma providência urgente há de ser tomada para encerrar o processo.143 O processo constitucionalmente justo e equilibrado deverá tramitar o tempo necessário para atingir seus fins próprios, nem mais, nem menos.144 Também se mostrará particularmente difícil determinar quando a demora assume proporções tais que põe certo processo na alça de mira da proteção constitucional.145 Fórmula rígida, e a priori, jamais realizaria mediação satisfatória entre a garantia constitucional e um bom critério de aplicação. O máximo que se consegue são diretrizes variáveis.146 Essas considerações evidenciam dois aspectos relevantes: (a) não há como saber ou determinar abstratamente qual a “duração razoável” de certo processo; (b) a duração de um processo varia conforme fatores heterogêneos. A prédica pelo uso dos meios aptos para abreviar o processo,147 Nessa contingência, resta a apuração ope judicis do excesso temporal. Caberá ao juiz, a posteriori, na demanda movida com essa finalidade e avaliando o caso concreto, verificar se o processo pendeu por tempo
razoável, ou não. O direito à celeridade traduz-se, substancialmente, num direito de crédito perante o Estado no caso de dilação indevida.148 Segundo a linha traçada pela Corte Europeia dos Direitos do Homem, situada em Estrasburgo, no julgado de 25.06.1987, obrigando a República Italiana a pagar dano moral, haja vista a prolongada ansiedade da parte com o desfecho da demanda,149 cumpre avaliar o excesso temporal observando os seguintes critérios objetivos: (a) a natureza e a complexidade da causa; (b) o comportamento das partes e dos seus procuradores; (c) a atividade e o comportamento do juiz e dos seus auxiliares; (d) a efetiva asseguração de prazos para o contraditório.150 A jurisprudência da Corte de Estrasburgo considera lento um processo cuja tramitação, num dos graus de jurisdição, supera três anos.151 Em decorrência das sucessivas condenações, Lei italiana n.º 89, de 24.03.2001, chamada de “Legge Pinto”, buscou atrair para a jurisdição italiana os eventuais pedidos de indenização por danos patrimoniais e morais pelo vencimento do prazo razoável de tramitação do processo, conferindo ao interessado direito substancialmente idêntico ao que obteria, nas mesmas condições, perante a Corte de Estrasburgo. Incorporou, inteligentemente, as diretrizes da jurisprudência comunitária, ou metodologia de cálculo da razoabilidade da duração do processo, que “europeizou” o assunto.152 Assim, determina o art. 2.º, segunda alínea, do referido diploma: “Nell’accertare la violazione il giudice considera la complessitá del caso e, in relazione alla stessa, il comportamento della parti e del giudice del procedimento, nonché quello di ogni altyra autoritá chiamata a concorrervi a comunque contribuire alla sua definizione.” Ora, o emprego desses critérios rotulados de objetivos, além de convocar elementos que compõem outras regras repressivas (v.g., a má-fé processual subentende-se, naturalmente, na rubrica “comportamento das partes e dos procuradores”), em vez de precisa e unicamente considerar a dissipação do tempo, permitirá ao juízo, a posteriori, em qualquer processo, embora seguido rigorosamente o roteiro legal predeterminado, a intromissão de circunstâncias extrínsecas ao processado (v.g., a idade da parte, embora o processo haja tramitado com a prioridade prevista no art. 1.048, I, do NCPC) sejam idôneos a infringir o direito fundamental processual à celeridade. Não bastaria, pois, que o processo do idoso tramitasse na mais integral normalidade, findando em interstício menor que o da média dos congêneres, respeitados todos os marcos temporais fixados em lei. Como se tratava de pessoa idosa, o tempo concretamente gasto na tramitação, em contraste com a expectativa média de vida, revelou-se pouco razoável. Essa maneira de aquilatar a duração razoável do processo sanciona, ao fim e ao cabo, o transcurso temporal intrínseco do processo, e, não, os fatores de dispersão temporal do processo. Mas, há outra maneira de avaliar as delongas excessivas dos processos. Inevitavelmente, inexistindo Justiça instantânea, que jamais seria Justiça, o processo demora, ou seja, inicia no presente e acabará no futuro, desenvolvendo-se no tempo. A lei processual fixa prazos para a atividade das partes, do juiz e dos órgãos auxiliares do juízo, e, além disso, estabelece consequências rígidas – preclusão – para a inatividade ou atividade das
partes. Os prazos assinados às partes são próprios (infra, 1.153.4), ou seja, ou a atividade se realiza no interregno propício, ou não, e, de toda sorte, o processo prosseguirá. Impróprios são os prazos assinados ao órgão judiciário e aos seus auxiliares: o descumprimento, a inatividade no período, simplesmente paralisa o processo. É a chamada paralisia institucional. Também concorrem para malbaratar tempo no processo: (a) as chamadas etapas mortas do processo, nas quais a movimentação do processo, posto que necessária, não aproveita senão escassamente ao seu desfecho (v.g., o tempo necessário para a petição inicial deixar o cartório da distribuição e chegar às mãos do escrivão, a fim de que possa autuá-la, na forma prescrita no art. 206 do NCPC), ou, simplesmente, não se movimenta (v.g., a quantidade de feitos impede, humanamente, o escrivão de autuar todas as petições iniciais imediatamente, levando, em média, três ou quatro dias para fazê-lo, e, nesse intercurso, inexiste movimentação), embora devesse tramitar; e (b) a movimentação irrelevante, porque desnecessária e inútil (v.g., a remessa do processo de um ofício para outro para tirar cópias, propiciar consultas, e assim por diante).153 A causa do desperdício de tempo nas situações observadas pouco tem a ver com mérito ou demérito das normas processuais.154 O sistema recursal, por exemplo, suspeito tradicional de matar tempo,155 é virtualmente inocente. O problema reside na falta de recursos humanos e materiais para cuidar da imensa quantidade de feitos.156 A exagerada duração do processo assentará, portanto, em flagrante falha intrínseca do serviço judiciário, relativamente ao descumprimento dos prazos impróprios – prazos assinados ao órgão judiciário e seus auxiliares. Não é por outra razão que a responsabilidade por eventuais danos cabe ao Estado brasileiro. O diagnóstico coloca a questão na perspectiva adequada. O processo em que, na jurisdição brasileira, os prazos impróprios hajam sido respeitados, rigorosamente, ou eventual desrespeito seja insignificante (v.g., o art. 366 do NCPC estipula que o juiz, encerrados os debates, julgue a causa no prazo de trinta dias, mas tal só aconteceu no trigésimo segundo dia após o termo de conclusão, respeitada a ordem do art. 12 do NCPC), e no qual as etapas mortas não se mostraram excessivas, superiores à média do período na comarca, seção judiciária ou tribunal, não infringirá o art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988. Ocorrendo, ao invés, relevantes descumprimentos dos prazos impróprios e longas etapas mortas, haverá dilação indevida, e, portanto, exceder-se-á a “duração razoável” assegurada no direito fundamental processual à celeridade. Por outro lado, a lei processual estipula os meios que garantem a celeridade, prevendo casos de abreviação do procedimento, conforme o estado da causa, de litisregulação (execução para segurança e segurança para execução) e de prioridade na tramitação, conforme a condição pessoal da parte (v.g., a do idoso, a teor do art. 1.048, I, do NCPC). Assim, a segunda parte da cláusula constitucional nenhuma tutela concreta oferece ao litigante cujo processo demora mais do que o devido, além dos instrumentos processuais estabelecidos (v.g., a representação do art. 235 do NCPC). O único remédio, havendo dilação indevida, consiste na responsabilização do Estado.157
Localiza-se, aí, efeito assaz relevante. Não cabe ao órgão jurisdicional, exercendo o controle difuso da constitucionalidade, abster-se de aplicar as regras processuais – o direito processual é público e governa-se conforme ao princípio da estrita legalidade, integrante do direito fundamental ao devido processo – e reduzir os direitos das partes em prol da celeridade (v.g., assinando prazo menor para a defesa ou o recurso). Essa é atitude altamente censurável, porque tornará ilegítima a resolução, de meritis, porventura tomada. A fórmula “processo sem dilações indevidas” é superior, em termos de justiça, permitindo averiguar o desrespeito ao direito fundamental à celeridade e fitando, objetivamente, o mau uso do tempo no processo em si, considerando que a própria lei antecipadamente marca tempo razoável para cada uma das suas fases ou etapas. Cumprindo esse tempo, desenvolvendose o processo dentro do interstício normal, sem que os agentes públicos (juiz e auxiliares) excedam os seus prazos, e o funcionamento do serviço forense segundo a média do lugar – e, não, a duração ideal, que ninguém pode estipular abstratamente –, de nada podem reclamar as partes, responsabilizando o Estado. Poucos processos, na realidade brasileira, inserem-se nesse gabarito. Em particular, em nenhum processo, ao que se saiba, juiz e auxiliares cumprem pontualmente todos os prazos, em ambos os graus de jurisdição e – calha recordar em obséquio à verdade – nos tribunais superiores. Todavia, ele é mais rígido e justo: por um lado, elimina a introdução de dados subjetivos na apuração da “duração razoável do processo”, ou a interferência de outras garantias processuais (v.g., a observância do contraditório consome tempo) na equação temporal; de outro, autoriza a liquidação do dano computando-se, precisamente, os dias, horas e minutos desperdiçados. 162. Finalidade do direito à celeridade O bem jurídico tutelado no art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988 e no art. 4.º do NCPC consiste na efetividade da tutela jurisdicional. Os fins próprios do processo somente se realizam, na sua natural plenitude, alcançando a realidade social o mais rápido possível. De modo curial, mas exato, proclamase que justiça tardia constitui maneira insidiosa da denegação da própria justiça. Assim, a concepção contemporânea do excesso de lentidão do processo radica no reconhecimento que, nesse caso, o mecanismo não se torna efetivo.158 Os efeitos sociais da dilação indevida são perversos para os litigantes e para a sociedade.159 Em primeiro lugar, acentua a desigualdade, porque a resistência da pessoa pobre é menor do que a da pessoa provida de abundantes recursos financeiros.160 E, em cada processo, uma das partes sempre se encontrará mais habilitada a suportar a demora do que a outra, motivo por que a lentidão constitui fator de desigualdade processual, atribuindo a uma das partes vantagem sobre a outra. O impacto psicológico da lentidão sobre a parte frágil e desfavorecida de recursos não pode ser negligenciado. O processo que se move por décadas serve para “cansar e moer” o adversário.161 Lança descrédito, ainda, nas instituições republicanas. E, por fim, a lentidão estimula a fuga da jurisdição,162 ou deixando o litígio sem solução (litigiosidade contida), ou socorrendo-se as partes de mecanismos
alternativos de resolução dos conflitos – mecanismos vantajosos só para alguns segmentos sociais (v.g., a arbitragem).163 Nem sempre a autocomposição, dever dos juízes, dos advogados, dos defensores públicos e membros do Ministério Público, segundo proclama o art. 3.º, § 3.º, do NCPC, oferece paliativo. Em outros termos, não se exime a Justiça Pública de resolver o litígio sem dilações indevidas, porque as partes não se ajustaram na audiência de conciliação e de mediação do art. 334 do NCPC. Em que pese sua grandiosa finalidade, o único remédio concreto contra a morosidade, combatida mediante reformas legislativas infrutíferas, consiste em conferir à parte prejudicada o paliativo das perdas e danos. Outros efeitos jurídicos, declarada a violação do direito fundamental processual (v.g., a invalidação dos atos procrastinatórios e a ordem para imediato julgamento),164 não têm cabimento, porque não resolvem o problema. É verdade que, à margem do sistema legal de impugnação aos atos decisórios do juiz, desenvolveu-se a figura da correição parcial. Leis estaduais e regimentos internos de tribunais contemplam semelhante remédio. Tem por fito erradicar, entre outros abusos, a “paralisação injustificada dos feitos ou dilação abusiva de prazos” (art. 195, caput, do COJE/RS, Lei 7.356-RS, de 01.02.1980). Raramente empregada, e mal vista, o uso da correição provocará apenas constrangimento no órgão diretor do processo, pois não oferece reparação em natura para a imobilização nas etapas mortas. Pouco mais há para fazer. Os sistemas de informática dos tribunais assinalam a existência de processos conclusos além do prazo de trinta dias e, alcançados noventa dias, recebem três graves asteriscos no relatório mensal publicado na forma do art. 37 da LC 35/1979. Os asteriscos deveriam funcionar como rebate, avisando aos órgãos de correição interna da anormalidade e, assim, propiciando medidas para corrigir a inércia. A indiferença é quase geral. Se a resolução do conjunto dos feitos, distribuídos nos diversos órgãos judiciários brasileiros, tarda mais do que o devido, segundo o consenso geral, a dilação tem causas estruturais, fundadas na insuficiência dos meios materiais e humanos. A erradicação desse labéu secular da Justiça Pública depende da adoção de políticas públicas adequadas e concertadas. O problema só pode ser minorado, jamais solucionado. É impossível, em detrimento de outras áreas essenciais, como saúde e educação, transformar o País numa imensa corte de justiça que, alimentando-se com sua própria atividade, progressivamente aumentaria de tamanho. 163. Responsabilidade decorrente do descumprimento da celeridade O dano provocado pelo ilícito específico previsto no art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988, devidamente caracterizado em item anterior (supra, 162), recai na responsabilidade do Estado brasileiro. Fundar-se-á a pretensão do prejudicado no art. 37, § 6.º, da CF/1988,165 respondendo a União e o Estadomembro, conforme o processo haja tramitado na Justiça Federal e na Justiça Comum, objetivamente, assegurado direito de regresso contra o verdadeiro autor do dano (v.g., juiz, agente do Ministério Público, Defensor Público, serventuários da justiça, particulares em colaboração com a Justiça). E, de fato, a análise do caso revelará um ou mais autores de atos comissivos ou omissivos que retardaram o processo: o juiz que levou vários anos para
sentenciar, o perito que não entregou o laudo no prazo assinado, o órgão do Ministério Público que reteve os autos por vários meses, o advogado que retirou os autos em carga e somente os restituiu ao cartório após apreensão em seu escritório, e assim por diante. Legitima-se a promover a demanda contra a União Federal e o Estadomembro, conforme a hipótese, a parte prejudicada com a demora. Não é necessariamente a que logrou êxito tardio no processo. O vencido bem pode reclamar que seus encargos financeiros aumentaram com a demora endêmica ou episódica do processo (v.g., o cartório não expediu a guia para depósito da condenação no prazo hábil, e, por esse motivo, a dívida sofreu acréscimos de juros e correção monetária). Por outro lado, a existência de duração exagerada no processo constitui questão de fato, passível de prova, pois o atraso sancionado é o pouco razoável, pré-excluído o atraso insignificante na prática do ato, exceto se o conjunto de pequenos atrasos alcançar proporção magna. Em nosso direito, vigora o princípio da ampla reparação do dano (art. 944, caput, do CC). Assim, a indenização compreenderá o dano patrimonial e o dano moral sofridos pela parte ou terceiro interveniente. Não fica pré-excluída a responsabilidade disciplinar do magistrado ou da magistrada que, sem justa causa, retardaram a prestação jurisdicional.166 A quantidade de serviço serve de bill of indenity contra sanções por esse motivo. § 40.º Direito ao duplo grau de jurisdição 164. Conteúdo essencial do duplo grau Antes de examinar o direito ao duplo grau, impõe-se diferenciá-lo do direito de acesso à Justiça, precisando o alcance deste último. Não se mostram inconstitucionais as regras que estabeleçam competência originária de órgãos de hierarquia superior. Logo, o direito de acesso à Justiça não implica direito de acesso aos órgãos judiciários de primeiro grau, embora esta seja a regra geral.167 Problema distinto suscita o duplo grau, passando-se a examinar se a parte em direito ao menos a um recurso, qualquer que seja a posição hierárquica do órgão judiciário no qual iniciou o processo. Em tal perspectiva, o direito ao duplo grau expressa fórmula de equilíbrio. Não é difícil identificar, em qualquer processo, duas forças antagônicas: de um lado, ambas as partes aspiram à justiça, objetivo que se traduzirá somente no próprio, exclusivo e completo êxito, submetendo o adversário à sua pretensão; de outro lado, à sociedade interessa restaurar a paz social, nada importando quem seja o vencedor do litígio. Esse antagonismo exige delicado equilíbrio: a imposição de desfecho rápido e justo ao processo. Ora, celeridade e justiça nem sempre se conjugam em medidas iguais. A dissipação dessa tensão forjou, no curso dos séculos, engenhosa solução de compromisso.168 Raramente convencido na primeira apresentação da solução do conflito, a lei confere ao vencido o direito de provocar outra avaliação do seu alegado direito, de ordinário perante órgão judiciário diverso
e de superior hierarquia. Eventualmente, a reapreciação ocorre perante o mesmo órgão judiciário, alterada ou não a composição originária. A remessa da causa para outra avaliação, em órgão diferente, sugeriu a formulação básica e a ulterior explicitação do princípio do duplo grau de jurisdição. Essa remessa ocorre através da interposição de recurso, e, portanto, efetiva-se no mesmo processo.169 Por essa razão, receberá a designação de princípio do duplo grau na unidade do processo. O fundamento do duplo grau repele a ausência de limites às impugnações contra os pronunciamentos desfavoráveis. A falta de contingenciamento às impugnações das resoluções judiciais, em nome do valor justiça, geraria intolerável elastério dos trâmites processuais. Tal fato constituirá flagrante desserviço à função apaziguadora própria do mecanismo. O escopo de fazer justiça se tornaria irrealizável em decorrência de indesejável e contraproducente excesso de garantias.170Essa é uma lição desprezada entre nós. O duplo grau assegura dois exames. Nada mais, nem sequer dois exames no mesmo sentido – a chamada dupla conformidade. O acerto ou o desacerto das resoluções tomadas, no primeiro e no segundo momento, não podem ser levados em conta na concepção de uma estrutura judiciária garantística e equilibrada: o vencido nunca se conformará com o provimento desfavorável, de um lado, e se ele é justo ou injusto é questão insolúvel da qual se ocupam os filósofos sem muito sucesso. A formulação do duplo grau hostiliza a instância única e a irrecorribilidade.171 O direito à apelação da sentença de primeiro grau não constitui direito fundamental processual, mas interfere no direito à (ampla) defesa).172 É preciso garantir aos litigantes que o órgão judiciário não tomou a resolução de afogadilho. Erros ocorrem e a exigência de motivação permite o controle pro populo do provimento judicial. A segunda reflexão sobre o mesmo problema é bastante para tranquilizar os figurantes do processo e a sociedade. A adoção do duplo grau não se afigura anódina. Haverá um sacrifício,173 ora da rapidez, ora da segurança. O duplo grau concilia, em termos práticos, as necessidades simultâneas de restaurar a paz social perturbada pelo litígio e, malgrado a utopia, de fazer justiça. A questão terminológica, inserida na clássica expressão “duplo grau”, merece algum cuidado. Entre nós, a jurisdição revela-se imune a graus. O direito brasileiro adotou o princípio da unidade jurisdicional. A separação baseia-se na hierarquia, e não na qualidade intrínseca do corpo julgador. Neste sentido, a consagrada nomenclatura – duplo grau –, induzindo a ideia de pluralidade de jurisdições, revela-se imprópria. À semelhança do que sucede em outras situações, não convém substituí-la por outra mais adequada ao regime retratado, pois o apuro terminológico em nada auxilia a clareza em áreas impregnadas pela tradição. Existem argumentos a favor e contra o princípio do duplo grau.174 A sua adoção, em certo ordenamento, baseia-se em opção política, relacionada à sua finalidade. Representará outro problema, completamente distinto, identificar a forma que esse direito fundamental opera concretamente.
165. Fundamentos do duplo grau A justificativa mais singela da necessidade do duplo grau reside na circunstância de o pronunciamento do primeiro grau se sujeitar a erros e imperfeições. O reexame corrige o vício de juízo (error in iudicando) ou o vício de atividade (error in procedendo), lançando novas luzes sobre a matéria da contenda.175 E, de fato, é “um dado da experiência comum que uma segunda reflexão acerca de qualquer problema frequentemente conduz a mais exata conclusão, já pela luz que projeta sobre ângulos até então ignorados, já pela oportunidade que abre para a reavaliação de argumentos a que no primeiro momento talvez não se tenha atribuído o justo peso”.176 Nada obstante, também corresponde ao senso comum que nada assegura, na prática, a superioridade e a correção do segundo pronunciamento, supostamente emitido para corrigir o primeiro.177 O segundo ato não é necessariamente melhor do que o primeiro. É apenas superior. O princípio do duplo grau pressupõe dois órgãos judiciários em posição de hierarquia, um inferior, outro superior.178 O segundo grau se compõe de magistrados mais antigos na carreira – entre nós, ademais, há os egressos da advocacia e do Ministério Público, a teor do art. 94 da CF/1988, alterando a fisionomia do tribunal –, presumindo-se maior experiência nas artes do ofício de julgar. É flagrante a falácia do argumento: em primeiro lugar, o atributo da experiência e o da sabedoria acumulada por força de numerosos julgamentos não se estende a todos os magistrados integrantes do segundo grau,179 e, simultaneamente, não falta a todos os do primeiro grau; ademais, verdadeira que seja a generalização, a favor da qual inexiste evidência concreta, então as causas deveriam começar diretamente no segundo grau, abolindo a inútil primeira etapa. Em outras palavras, a vantagem residiria na composição do órgão, e não no hipotético duplo exame acometido a dois órgãos diferentes. Tem-se invocado, ainda, a possibilidade de o julgador de primeiro grau prevaricar, o que justificaria o reexame dos seus atos.180 Oferece-se à sociedade, no duplo exame, garantia suficiente da retidão da magistratura.181 Realmente, o pronunciamento do juiz impedido e suspeito cria vício assaz grave, o que afeta o direito fundamental de acesso à Justiça, e o defeito, à míngua do duplo grau, ficaria sem a devida correção.182 Mas, o duplo grau de modo algum afasta ou reduz semelhante risco. É bem mais grave a prevaricação do julgador de segundo grau, igualmente concebível, do que a do primeiro. O caráter colegiado do órgão judiciário, nos tribunais brasileiros, ofereceria certo contrapeso, imaginando-se mais difícil corromper três magistrados (art. 941, § 2.º, do NCPC) do que o juízo singular de primeiro grau. Admissível que seja o argumento, ele recomenda a adoção generalizada de órgãos colegiados em primeiro grau – arranjo em descrédito nos países desenvolvidos, em nome da economia –, não apoiando propriamente a fórmula do duplo grau;183 além disso, o feixe de poderes outorgado ao relator (art. 932 do NCPC), a mecânica real dos julgamentos no segundo grau e a concentração de competências no presidente e no vicepresidente do tribunal na prática enfraquecem o argumento: a peita de um só juiz no tribunal produzirá resultados idênticos e de controle dificílimo.184
O simples ensejo de o ato submeter-se ao escrutínio superior,185 sob crítica do vencido, representaria movimento catalítico e preventivo, porque constrangeria o juiz de primeiro grau a desempenhar com maior cuidado e exação os encargos da sua profissão.186 As virtudes do controle psicológico dos juízes inferiores não têm fácil demonstração empírica.187 E os juízes de primeiro grau usufruem as garantias da vitaliciedade e da inamovibilidade. Os predicados da magistratura tornam a opinião dos seus superiores hierárquicos, nos assuntos estritamente jurisdicionais, destituídas de repercussões na evolução da carreira do juiz.188 É fato comum os juízes exibirem entendimentos discrepantes entre si, a respeito de quaisquer questões de direito ou de fato, funcionando a exteriorização da divergência, inclusive contra as Súmulas de Jurisprudência dominante dos tribunais superiores – situação combatida no art. 927 do NCPC –, em regra, como vigoroso meio para exprimir e realçar a respectiva independência. A presença do tribunal logo acima, decerto tranquilizadora quanto aos erros cometidos, frequentemente enseja a atitude oposta no juiz de primeiro grau, encorajandoo a concentrar-se na quantidade dos feitos julgados e despreocupando-o com a qualidade de suas decisões, sempre passíveis de reexame. Por sinal, já se notou que o segundo provimento, quando confirma o primeiro, revela-se inútil; quando aquele contraria este, expõe divergência que enodoa a confiança e o prestígio da via judiciária.189 Nas relações individuais homogêneas, tais discrepâncias, tornadas definitivas com o trânsito em julgado, criam gravíssimo problema de política judiciária, porque situações iguais recebem tratamento diferente, para o qual não havia solução plenamente satisfatória.190 Disso se ocupa o incidente de resolução das demandas repetitivas (art. 976 do NCPC), minuciosamente regulado, e o julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. Esse raciocínio desmerece, na mesma medida, a fiscalização política da atividade estatal. Ela se localizará alhures, na existência de tribunais de sobreposição, voltados ao exclusivo controle in iure, concebível quer a decisão seja emanada do primeiro, quer do segundo grau.191 E, por fim, o duplo grau não garante exame mais aprofundado das questões do litígio no grau superior. Em relação às questões de fato, seguramente tal não acontece, pois o magistrado do segundo grau não teve contato com sua produção; e, de resto, no que tange ao estudo das questões de direito, tudo dependerá do perfil do magistrado – mais ou menos aplicado às suas funções. O conjunto revela que há bons argumentos a favor e contra o princípio do duplo grau. A generalizada aceitação do princípio indica sua pertinência.192 Os resultados da respectiva aplicação, no curso da história dos aparatos judiciários, podem ser considerados altamente positivos, garantindo uma boa Justiça.193 E a causa provável se situa no emprego pelo órgão ad quem do material já trabalhado com afinco pelo órgão a quo, em seguida submetido à crítica das partes, recorrendo ou respondendo ao recurso, e a uma segunda ponderação.194 166. Limitações ao duplo grau O duplo grau de jurisdição é objeto de previsão na Carta Política. Não deriva do simples acaso o art. 102, II, da CF/1988 conferir competência para o
STF julgar, mediante recurso ordinário, determinadas causas, em virtude do seu elevado conteúdo político. Não há exemplo mais eloquente da relevância processual do duplo grau.195 Em algumas hipóteses excepcionais, considerando a notável dignidade da causa, e na falta de outro órgão melhor situado hierarquicamente, insta-se a própria Corte Constitucional a reapreciar o julgamento de remédios processuais decididos em única instância por tribunais superiores. O duplo grau de jurisdição não representa uma imposição constante da CF/1988. Assim, o art. 121, § 3.º, da CF/1988 declara irrecorríveis os pronunciamentos do TSE, salvo quando houver ofensa à Constituição. Diz-se, então, que o duplo grau representa simples previsão da CF/1988,196 não integrando compulsoriamente direito fundamental à ampla defesa consagrado no art. 5.º, LV, da CF/1988,197 nem constitui subprincípio do devido processo.198 Os meios e recursos inerentes à ampla defesa, e explicitamente mencionados no art. 5.º, LV, da CF/1988, limitam-se àqueles instituídos pelo legislador ordinário. Os princípios do devido processo legal e do duplo grau não se mostram interdependentes, nem há relação de continência entre o último e o primeiro, concebendo-se um processo com as garantias básicas do primeiro sem o reexame obrigatório de todos os atos decisórios.199 Assim, a irrecorribilidade das interlocutórias é comum no processo civil norteamericano, vigorando a regra da interposição do appeal tão só do final judgment,200 e semelhante esquema respeita o due process of law. Trata-se de questão muito controversa o caráter compulsório do duplo grau. Já na vigência da CF/1969, o caráter implícito do princípio do duplo grau não impediu que se visualizasse “desrespeito às regras constitucionais do processo, quando se suprimir o segundo grau de jurisdição”.201 No entanto, prevalece o entendimento que autoriza o legislador ordinário, ponderando outros princípios constitucionais, tão relevantes quanto o do duplo grau, a exemplo da efetividade e da duração razoável do processo, a estabelecer barreiras ao duplo grau.202 Não significa, por óbvio, a possibilidade o legislador ordinário suprimir em bloco todos os tribunais e os próprios recursos.203 Em tal caso, mostrar-se-ia impossível viabilizar o recurso extraordinário e o recurso ordinário, remédios previstos na CF/1988, e insuscetíveis a restrições. É decisivo, a esse propósito, que a CF/1988 não reitere a dicção inflexível do art. 158 da Constituição de 1824, que tornava obrigatório o duplo grau. Rezava o notável dispositivo: “Para julgar as Causas em segunda, e ultima instancia haverá nas Provincias do Imperio as Relações, que forem necessarias para commodidade dos Povos”. As Constituições da República só implicitamente admitiram o princípio.204 O ambiente de baixo constitucionalismo, no qual imperava a Constituição de 1824, tolerou a exigência de alçada (summa gravaminis) na apelação, como se infere do art. 646 do Dec. 737, de 25.11.1850, regra aplicável às causas comerciais e, a partir do Dec. 763, de 19.09.1890, às causas civis, tout court, diploma que vigorou em alguns Estados-membros até o CPC de 1939. Não há obstáculo à introdução, outra vez, desse requisito de admissibilidade, porque não existe a imposição do duplo grau.
O art. 8.º, 2, h, da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, internada pelo Dec. 678, de 06.11.1992, só assegurou o direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior no processo penal. Em relação às causas civis, o princípio não se afigura irrestrito;205 oferece elementos frágeis para universalizar a garantia nesta área.206 De resto, o descumprimento do pacto internacional sujeitaria o Brasil tão só a sanções internacionais, mas não derroga o ordenamento interno, exceto a partir da EC 45, de 30.12.2004, e da aprovação do tratado ou da convenção nos termos do art. 5.º, § 3.º, da CF/1988. Do caráter não compulsório do duplo grau na República decorre a constitucionalidade das restrições porventura criadas à possibilidade de reexame dos atos decisórios por outro órgão judiciário. Expedientes como a proibição da apelação, nas causas de alçada, a teor do art. 34, caput, da Lei 6.830/1980, não ofendem a CF/1988,207 conforme decidiu a 2.ª Turma do STF.208 As técnicas que atribuem ao órgão ad quem o julgamento direto do mérito, embora não o tivesse feito o órgão a quo, como acontece no art. 1.013, § 3.º, do NCPC ou que permitem ao recorrente deduzir questões novas no recurso (art. 1.014 do NCPC), ou que outorgam competência originária para os tribunais julgarem certas causas, sem recurso de devolução plena correspondente – por exemplo, na rescisória ou do acórdão que concede mandado de segurança –, não importam “supressão de instância” e, conseguintemente, violação ao duplo grau. O princípio do duplo grau respeita, de qualquer modo, ao reexame do pronunciamento final que julga o mérito. A proibição pura e simples da reapreciação das decisões interlocutórias é admissível e, na maioria dos casos, claramente desejável. Trilhou esse caminho o art. 1.015 do NCPC. 167. Forma de operação do duplo grau O princípio do duplo grau enseja nova apreciação do ato decisório por um órgão situado em nível superior da hierarquia judiciária, no chamado duplo grau vertical, ou por outro órgão da mesma hierarquia, mas de composição diversa, no chamado duplo grau horizontal.209 Exemplo dessa última espécie se localiza no art. 41 da Lei 9.099/1995. Em ambos os casos, a remessa ocorre por força da interposição de algum recurso ou de sucedâneo recursal (v.g., o reexame necessário do art. 496 do NCPC), relacionando-se com a competência de dois ou mais órgãos judiciários, em geral situados numa relação de hierarquia. Tecnicamente, no sentido próprio e estrito, o princípio do duplo grau não consiste na possibilidade sem freios de reapreciar todos os atos decisórios do órgão judiciário, sob pena de o processo jamais chegar ao seu fecho. O princípio mira o reexame necessário de uma só classe dos atos decisórios: o pronunciamento final, tradicionalmente designado de sentença. Nem mesmo de todos os provimentos assim qualificados, ao menos no sentido que lhes empresta o direito brasileiro, consoante o art. 203, § 1.º: tão só das sentenças definitivas (art. 487 do NCPC), ou seja, dos provimentos de primeiro grau que resolvem o mérito da demanda.210Embora não seja essencial à fórmula, competindo o reexame a órgão diverso daquele que já julgou a causa, de ordinário o mesmo se organizará com juízos mais antigos na magistratura, presumivelmente mais experientes. Entre nós, o órgão judiciário de primeiro
grau é ocupado por um juiz, e o órgão de segundo grau organiza-se sob forma colegiada de no mínimo três juízes (art. 941, § 2.º). O órgão fracionário funciona como o tribunal (art. 101, § 4.º, da LC 35, de 14.03.1979: “Cada câmara, turma ou seção especializada funcionará como tribunal distinto das demais (…)”). O princípio do duplo grau pressupõe uma resolução já tomada, relativamente ao mérito de uma demanda, operando no mesmo processo. É um convite ao reexame do mérito. A realidade evidenciou não ser imprescindível o órgão a quo efetivamente examinar, no todo ou em parte, o mérito, ou seja, a limitação do reexame do órgão ad quem das questões decididas no primeiro grau.211 Fórmulas diversas buscaram exprimir o duplo grau sem muito sucesso.212 A enunciação concreta do princípio, as suas principais características e as eventuais limitações, tudo depende do ordenamento positivo. De ordinário, o duplo grau subordina-se à iniciativa da parte, e, portanto, não passa de possibilidade;213 porém, na remessa oficial, ou apelação ex officio, a própria lei encarrega-se de impor o reexame. Também se diz que, de regra, o órgão ad quem poderá assumir os mesmos poderes do órgão a quo, sem embargo da circunstância de que a assunção dessa competência dependerá da iniciativa do vencido e da amplitude da apelação.214 Seja como for, no direito brasileiro o regime concreto do duplo grau observa as seguintes situações: (a) proferida sentença terminativa (art. 485 do NCPC), o órgãoad quem julga diretamente o mérito (art. 1.013, § 3.º, I, do NCPC);215 (b) examinada uma das questões do mérito (v.g., a prescrição), o órgão ad quem, rejeitando a conclusão do órgão a quo, debruça-se sobre o pedido (art. 1.013, § 1.º, do NCPC);216 (c) formulado pelo autor cúmulo eventual de pedidos, o órgão judiciário de primeiro grau acolhe o primeiro e julga prejudicado o segundo, mas o órgão ad quem rejeita o primeiro e acolhe o segundo, ou vice-versa (art. 1.013, § 3.º, III, do NCPC); (d) o órgão a quo omite o julgamento de um dos pedidos formulados na cumulação simples ou sucessiva e o órgão ad quem corrige o vício, julgando o pedido preterido (art. 1.013, § 3.º, III, do NCPC); (e) o órgão ad quem identifica infração ao princípio da congruência e, decretado o vício, passa a julgar o mérito sem tal defeito (art. 1.013, § 3.º, II, do NCPC); (f) o órgão ad quem decreta a nulidade da sentença, ante o descumprimento do art. 489, § 1.º, do NCPC e julgada a causa com a motivação adequada (art. 1.013, § 3.º, IV). Essa última possibilidade agasalha o ovo da serpente depositado no ninho da motivação: não pode o órgão de primeiro grau ignorar o art. 489, § 1.º, do NCPC porque o tribunal suprirá o defeito. Não se pode repelir, em termos categóricos, o retorno dos autos ao primeiro grau com fins pedagógicos. O sistema do duplo exame sofreu perceptível mutação no direito pátrio. É comum a defesa da recorribilidade irrestrita, estigmatizando-se, sem base constitucional firme, toda e qualquer restrição ao direito de recorrer. E a razão para tal modo de pensar inspira-se no axioma trivial: por suposto, inexiste pronunciamento satisfatório singular ou colegiado satisfatório. A disposição do art. 527, parágrafo único, do CPC/1973 suscitava críticas por essa razão. Todavia, a regra não infringia o duplo grau, mas a ele se ajustava perfeitamente: há a decisão emanada do juízo inferior, confirmada ou reformada pelo juízo superior. A avaliação do último ato singular pelo órgão
fracionário do tribunal já extrapola os fundados técnicos e políticos do duplo grau, representando um terceiro (e repetitivo) exame da mesma questão. E há dois fatores que influenciam a notória sensação de as causas prolongarem-se indefinidamente, porque submetidas a sucessivos reexames: de um lado, o quimérico objetivo de uniformizar a aplicação do direito federal, decerto tão irrealizável quanto desnecessário, que originou na CF/1988 a criação de um tribunal e recurso próprios à finalidade (art. 105, III, da CF/1988); de outro, a subsistência do controle difuso de constitucionalidade, sem embargo do controle concentrado, implicando a manutenção do tradicional recurso extraordinário (art. 102, III, da CF/1988) para afetar a última palavra ao STF. É verdade que, a rigor, tais fatores se mostram estranhos aos domínios do duplo grau;217 todavia, completam o panorama e devem ser considerados perante o todo. Nesta conjuntura, o princípio do duplo grau, embriagado pela ideologia da recorribilidade, e desviado de seus rumos por dois generosos tribunais de superposição – a última tentativa de combater os efeitos em lugar das causas reside no instituto da repercussão geral, todavia circunscrito ao extraordinário –, abdicou da sobriedade que lhe revestia a concepção originária. O aparecimento frequente e simultâneo das questões federal e constitucional nas causas mais banais, por razões diversas e típicas da organização constitucional pátria, gera um “duplo” grau exponencial: há o terceiro grau despontando no STJ, cada vez mais propenso a eliminar obstáculos ao cabimento do recurso especial (art. 105, III, da CF/1988), para todos os efeitos comportando-se como autêntico tribunal de apelação; e há o quarto grau, a cargo do STF. E, internamente ao terceiro e quarto graus, os litigantes dispõem de outros recursos – agravo interno, embargos de declaração e embargos de divergência –, encerrando um quadro altamente insatisfatório. As vicissitudes do sistema recursal brasileiro contribuem, por sem dúvida, para retardar o desfecho dos processos e violar a garantia da duração razoável do processo (art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988). No entanto, convém realçar a inocência do princípio do duplo grau, relacionado com a sentença de mérito e a apelação. Como já se assinalou, neste âmbito não se podem pregar a supressão do apelo e a eliminação do duplo grau, com o fito de ganhar tempo, mudança que suprimirá as esperanças de aperfeiçoar a decisão da causa e a fé no valor justiça.218
Capítulo 12. DIREITOS FUNDAMENTAIS RELATIVOS À EFICÁCIA DO PROCESSO SUMÁRIO: § 41.º Direito à publicidade do processo – 168. Conteúdo essencial do direito à publicidade – 169. Finalidades do direito à publicidade – § 42.º Limitações ao direito à publicidade – 170. Regime geral das limitações à publicidade – 171. Limitações ope legis à publicidade – 172. Limitações ope judicis à publicidade – 173. Limitações técnicas à publicidade – § 43.º Direito à estabilidade – 174. Finalidades do direito à estabilidade ou coisa julgada – 175. Conteúdo mínimo do direito à estabilidade ou coisa julgada – 175.1 Coisa julgada formal – 175.2 Coisa julgada material – 176. Limitações do direito fundamental à estabilidade (ou coisa julgada) – 176.1 Estabilidade da sentença executiva – 176.2 Estabilidade da sentença cautelar – 176.3
Estabilidade da sentença arbitral – 176.4 Estabilidade da sentença contumacial – 176.5 Estabilidade da sentença coletiva – 176.6 Estabilidade da sentença no mandado de segurança individual – 177. Limites temporais da coisa julgada – 178. Desconsideração da coisa julgada. § 41.º Direito à publicidade do processo 168. Essencial do direito à publicidade A parte inicial do art. 93, IX, da CF/1988 declara que “todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos”. Repete a dicção o art. 11, caput, do NCPC. É limitado o alcance desse direito fundamental processual nesses termos literais. O “julgamento”, inclusive compreendido em sentido amplo, como sinônimo de ato decisório, constitui parte diminuta, mas essencial da atividade processual. O “julgamento” tem superlativa e decisiva importância, recaindo sobre o mérito define o destino das partes. Em princípio, encerra o itinerário do processo, apresentando a prestação jurisdicional. À sociedade, em geral, e às partes interessa sem dúvida conhecer o “julgamento” – quem o faz e por quais razões –, mas importa, por igual, lançar luzes reveladoras de como o processo chegou a esse estágio. É menos obscuro o art. 5.º, LX, da CF/1988. Embora redigido indiretamente, indica como objeto da publicidade os “atos processuais”. Nesse dispositivo, e, não, naquele outro, descansa o conteúdo do direito fundamental processual à publicidade. Por força dessa extensão, todas as etapas, momentos, fases e atos do processo podem ser assistidos ou conhecidos pelas partes, os seus representantes técnicos e qualquer outra pessoa com ou sem interesse jurídico. Não é compatível com o direito fundamental restringir que o direito de consultar os autos e obter certidões se restrinja às partes e aos seus advogados nas causas em que haja segredo de justiça (art. 189, § 1.º, e art. 107, I, do NCPC). Formulado nesses termos amplíssimos, logo acodem duas ponderações. O direito fundamental processual da publicidade não se afigura absoluto. Lei em sentido formal poderá restringi-lo, legitimamente, nas condições do próprio art. 93, IX, e do art. 5.º, LX, da CF/1988 (infra, 171). Ademais, entre a proposição normativa e a prática vai enorme distância: jamais passará pela mente do escrivão (ou chefe de secretaria), auxiliar do juízo que ostenta a guarda dos autos físicos (infra, 986.1), a possibilidade de facultar às pessoas comuns do povo o acesso ao processo, ensejando-lhe pleno conhecimento do conteúdo. O direito fundamental processual à publicidade, como se fixou na análise da evolução dessas garantias entre nós (retro, 168), manifestou-se logo após a independência política. A primazia tocou à Lei de 18.09.1828, que constituiu o Supremo Tribunal de Justiça do Império. Inspirou-se na regra de caráter geral do art. 208 da Constituição francesa de 1795. O art. 13 da Lei de 1.828 prescreveu o julgamento do tribunal em relação, decidindo-se por maioria de votos, e a “portas abertas”. Ficou definitivamente banido, e sem reviravoltas, as deliberações a “portas fechadas” (ou câmara de conselho), tomadas em recinto ocupado unicamente por magistrados e sem acesso das partes, dos
advogados e do público. Para noção mais exata do contexto histórico, apenas em 1848 o célebre Statuto Albertinointroduziu garantia similar na hoje Itália.1 O conteúdo essencial da indigitada garantia não se confina à letra expressa nos dispositivos pertinentes da CF/1988 e do art. 11, caput, do NCPC. O direito à publicidade divide-se em três aspectos complementares: (a) proibição dos julgamentos secretos (o que é explícito no art. 93, IX, da CF/1988); (b) acesso aos atos processuais (v.g., às sessões de julgamento nos tribunais) e à documentação desses atos pelos advogados das partes; (c) a informação imediata de todo ato processual capaz de afetar as partes. Em primeiro lugar, o art. 93, IX, da CF/1988 pré-exclui o julgamento integralmente secreto, em câmara de conselho, expressão que traduz o sigilo da deliberação.2Esse sistema vigora em outros países, entretanto, e a causa se decide, no colegiado, de modo reservado, somente participando os magistrados e sem a presença das partes e dos seus advogados. Em França, por exemplo, a deliberação dos juízes, a teor do art. 448 do respectivo CPC, “est couvert par le secret le plus absolu”,3obrigando-se os magistrados obrigam-se a “garder religieusement le secret des délibérations”.4 Por óbvio, a formação do julgamento colegiado, mediante a troca de opiniões, não se mostra simples e desprovida de arestas e desinteligências entre os julgadores. Porém, a presença de público, assistindo o contraste dos argumentos e, assim, intimamente formando o seu próprio juízo sobre a maior ou menor força persuasiva das razões apresentadas, antes reforça do que prejudica a seriedade do ato e a legitimidade da deliberação.5 Eventuais excessos, resultantes do acirramento da discussão, a mais das vezes com apartes recíprocos ofensivos ao decoro, podem e devem ser controlados pelo presidente da sessão nos órgãos colegiados. A energia e a ascendência moral do presidente são os remédios indicados para limitar os arroubos do julgador prepotente e incomodado com a opinião divergente do colega. Essa forma de publicidade imediata,6 absoluta e externa se intensificou tanto, na época mais recente, que as sessões de julgamento do STF, a mais alta Corte do País, são transmitidas ao vivo, em canal aberto de televisão. Nenhum julgamento, no direito brasileiro, mostra-se integralmente secreto. A restrição que a lei em sentido formal pode realizar, em determinados casos, não chega a esse extremo constitucionalmente inadmissível: o art. 93, IX, da CF/1988 assegura, na pior das hipóteses, a presença dos advogados das partes (“… podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e aos seus advogados, ou somente a estes…”). O art. 11, parágrafo único do CPC, é mais abrangente na enumeração das pessoas, porque a admite “a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público”, mas deixa entrever a impossibilidade de excluir as partes do ato” Basta recordar o art. 385, § 2.º, impedindo quem ainda não depôs de assistir o depoimento pessoal alheio para realçar esse ponto. E integra o conteúdo essencial do direito à publicidade, à vista do limite máximo da restrição – a presença dos advogados das partes não pode ser restringida – o acesso a qualquer ato do procedimento.
Em princípio, o público tem direito de acesso às sessões de julgamento, nos tribunais, e as audiências, no primeiro grau, ou assistir atos que se realizam na sede do juízo (v.g., a alienação coativa de bens imóveis) ou fora dela (v.g., a inspeção judicial). O pleno exercício desse direito fundamental na sede do juízo exige prestações positivas da União ou do Estado-membro, dispondo salas com dimensões suficientes para acomodar um número razoável de pessoas. É inadmissível realizar o ato processual em ambiente tão acanhado que, na prática, restrinja-se o acesso dos interessados. Fora dessa hipótese, o impedimento físico não compromete o princípio da publicidade – as portas da sala, em todo caso, ficarão abertas ou podem ser abertas. O direito à publicidade autoriza, mas não exige a efetiva presença do público no recinto, nem a divulgação necessária do dia, hora e lugar desse acontecimento à coletividade.7 O direito fundamental se satisfaz na simples possibilidade de o interessado inteirar-se da ocorrência do ato e assisti-lo, sem qualquer impedimento em razão do fato de o ato processual não lhe respeitar direta ou indiretamente. Também integra o conteúdo essencial do direito à publicidade o irrestrito acesso aos autos confiados à guarda do escrivão. Franquear-se-á o acesso aos autos, no mínimo, aos advogados das partes, e, em geral, a qualquer pessoa comum do povo. O escrivão, sempre que solicitado verbalmente, expedirá certidão do seu conteúdo ou tramitação independentemente de despacho do juiz (art. 152, V do NCPC). O advogado tem o direito de examinar processo em que não é procurador (art. 107, I do NCPC), por simples curiosidade ou para colher subsídios para causa similar, pessoalmente ou através de estagiários. É comum, na rotina dos juízos de primeiro grau e dos tribunais, os estagiários compulsarem os autos, copiandolhes as peças com uso de scanners portáteis, atividade que não pode ser impedida, ressalva feita às causas que (excepcionalmente) tramitam em segredo de justiça.8 À efetivação prática desse aspecto essencial do direito fundamental antepõem-se entraves asfixiantes. Ressalva feita aos advogados constituídos no processo, ninguém tem acesso aos autos. O processo não é, absolutamente, de livre consulta do público em geral. A pessoa que, no balcão do cartório, solicitasse autos para exame, por qualquer motivo, receberia tratamento de insano notório ou de alguém na iminência de praticar crime grave. Caso de polícia, sem dúvida. O escrivão guarda os autos como coisa de sua exclusiva propriedade (e, não, das partes), trancado em armários ou prateleiras inacessíveis, e somente por generosa concessão permite a eles acesso aos advogados e seus prepostos. Fora daí, somente após o juiz deferir requerimento escrito, encaminhado por escrivão relutante e desconfiado com iniciativa tão exótica, a pessoa estranha ao feito terá vista dos autos do processo do seu interesse. Esse panorama sombrio – sempre há possibilidade de alguém conhecer outra pessoa que conhece o menos graduado dos servidores do ofício judicial e, graças a essa influência, ter acesso aos autos – transformar-se-á em trevas absolutas com o processo eletrônico. Então, a publicidade desaparecerá oficialmente. Somente os advogados da causa, uma vez cadastrados, e
através do manejo da senha hábil, consultarão os autos de qualquer – frise-se bem – processo em que atuam. A declaração do art. 194 do NCPC (“Os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade…”) visa ao futuro incerto, bem como os arts. 195 e 196 – neste último caso, aliás, subentendo a existência de múltiplos sistemas, todavia compatíveis, a exigir especial expertise do advogado. É escassa, ainda, a cultura do respeito aos direitos fundamentais. A tentativa de contraste com o direito de acesso, considerando a inibição de o conteúdo do processo tornar-se automaticamente público,9 não parece exata. Em primeiro lugar, na teoria – o interessado há de se deslocar até a sede do juízo – o processo escrito é amplamente público. Ademais, nos casos em que não deva ser, em virtude da preservação da intimidade, o remédio do sigilo soluciona satisfatoriamente o problema. E, por fim, o caso restrito ao pessoal forense – juiz, órgãos auxiliares e advogados – cerceia o que há de melhor no mundo virtual: a exposição irrestrita do que é público ao controle público. Afinal, a CF/1988 proclama que todo poder emana do povo. Não se cuida de aspecto secundário e burocrático. Tramitam dezenas de milhões de processos, anualmente, na Justiça Pública brasileira, e muito poucos realmente comovem a sociedade e alimentam a curiosidade alheia. Ora, o acesso aos autos integra o processo constitucionalmente justo e equilibrado, não sendo legítimo limitá-lo através de disposições legais (eficácia negativa). Assim, disposições impeditivas da consulta dos autos, no direito francês, foram derrogadas por imposição do direito comunitário europeu e a interpretação da Corte de Estrasburgo.10 Direitos fundamentais, processuais ou não, também conferem pretensões positivas – e o acesso aos autos, integrante do núcleo do direito à publicidade, não escapa da regra. Os órgãos de administração do Poder Judiciário tem o dever de tomar providências concretas tendentes a preservar o acesso aos autos físicos ou eletrônicos; por exemplo, promover o adestramento dos serventuários da justiça, conscientizando-lhes da importância de facultar os autos. Por fim, o conteúdo essencial do direito à publicidade abrange a necessidade de informar às partes, através da comunicação dos atos processuais, a prática de qualquer ato idôneo a afetar a sua esfera jurídica (publicidade interna).11 Essa publicidade se mostra imprescindível à efetiva participação das partes no contraditório, apresentando defesa ou reagindo aos atos desfavoráveis, no diálogo permanente com o órgão judiciário que enseja ao processo atingir os fins que lhe são próprios. 169. Finalidades do direito à publicidade A publicidade dos atos processuais tem dupla finalidade:12 (a) garante o controle social da atividade judiciária,13 imprimindo-lhe transparência;14 (b) preserva a imagem do próprio magistrado, isentando-o de suspeitas e evitando maledicências.15 Em caráter subsidiário, a publicidade: (a) aumenta o prestígio dos órgãos judiciários, expostos à fiscalização pública e à crítica profana (v.g., o julgamento televisado de causa de grande repercussão, em que milhões de pessoas podem aquilatar os argumentos dos advogados e dos juízes); (b) promove a pacificação social, pois incute a sensação de legitimação do ato
(v.g., apesar da tendência do público em condenar, constata-se que há dúvida razoável para absolver); (c) educa os profanos, abrindo-lhes os olhos para os ritos judiciários e as garantias que, se e quando chegar sua vez de ser julgado, também lhe protegerão contra o poder do Estado.16 Os fins do direito à publicidade não se reportam ao sistema da oralidade. O fato de os julgamentos, nas sociedades primitivas, ocorrer na presença da comunidade,17 especialmente convidada para o ato, não se harmoniza com a realidade contemporânea. Limita-se a publicidade a satisfazer o anseio popular de conhecer, diretamente (publicidade ativa), ou através da mídia (publicidade passiva) as particularidades da atuação dos agentes públicos. Em certa oportunidade, a transmissão televisiva de julgamento criminal demonstrou todo o seu valor. Tratava-se de causa criminal, julgada pelo órgão especial do TJ/RS, controvertendo-se a autoria do ato. O público assistiu, ao vivo, a emissão dos votos de vinte e cinco desembargadores, divergentes na análise da questão de fato, sob distintos fundamentos, e pode aquilatar quão difícil se mostra a formação da maioria nos julgamentos colegiados. A absolvição do réu em contraste com a opinião majoritária do público não suscitou qualquer comentário amargo ou desairoso. Legitimou-se o resultado do processo graças à transmissão ao vivo da sessão desdobrada em vários dias. Representará problema diverso o da divulgação do julgamento pela mídia. Convém que a notícia seja objetiva, redigida por pessoa habilitada a interpretar o alcance e o sentido do pronunciamento.18 § 42.º Limitações ao direito à publicidade 170. Regime geral das limitações à publicidade O art. 5.º, LX, da CF/1988 autoriza à lei impor restrições à publicidade dos atos processuais em duas circunstâncias: (a) na defesa da intimidade das partes; (b) em proveito do interesse social. Por sua vez, o art. 93, IX, da CF/1988 traduz essa restrição em termos mais práticos. Lícito à lei (federal) limitar a presença, em determinados atos, “às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. O art. 189, I a IV, do NCPC repercute o direito constitucional. Essas disposições evidenciam o conteúdo essencial do direito à publicidade: em qualquer hipótese, não se revela admissível à lei impedir a presença dos advogados das partes. Entende-se por tal o procurador habilitado a atuar na causa. Evidentemente, a lei não pode impedir a presença do juiz e dos serventuários da justiça e os particulares em colaboração com a administração da Justiça (v.g., o escrivão, o perito, o assistente social, o intérprete, e assim por diante) imprescindíveis à realização do ato processual e o Ministério Público, nos feitos em que deva intervir. Nesse sentido, a enumeração do art. 11, parágrafo único, do NCPC, é correta. É parte integrante desse conteúdo essencial a bilateralidade da restrição ope legis ou ope iudicis. Representaria grosseira e intolerável violação do direito fundamental processual impor sigilo apenas para uma das
partes. Por exceção, o conhecimento da formação do ato decisório, havendo fundado receio que seu prévio conhecimento frustre ulterior execução, pode ser interditado a uma das partes. Esse é o motivo por que a liminar inaudita altera parte revela-se constitucionalmente admissível e a audiência de justificação, na qual o juiz coletará prova sumária das razões de fato alegadas pelo autor, também se admitirá à falta de melhor solução. No entanto, a restrição cessa nesse ponto: executada a liminar, a parte tem o direito de conhecer todas as etapas de formação do ato decisório (v.g., o nome das testemunhas ouvidas na audiência de justificação), impugnar o ato, desde logo, e no momento oportuno produzir contraprova. O processo integralmente eletrônico constitui caso à parte. Os sistemas hoje praticados violam o direito fundamental processual da publicidade. Se o processo é público, qualquer pessoa, com ou sem interesse de fato na matéria do litígio, há de ter o direito de ler e acompanhar o processado pela internet. A exigência de cadastramento prévio é a única exigência admissível sem violação dos bens jurídicos tutelados nessa área. 171. Limitações ope legis à publicidade O processo correrá em segredo de justiça quando, a requerimento de qualquer das partes ou ex officio, o juiz restringir a publicidade externa. Esse ato importa em duas espécies de vedação: (a) o acesso do público, em geral, ao ato processual, a exemplo da sessão de julgamento no tribunal; e (b) o direito de qualquer pessoa comum do povo, e dos advogados que não sejam procuradores no feito, de obter certidão do processado (art. 189, § 1.º do NCPC), admitindo o terceiro com interesse jurídico, mas restrita a certidão ao dispositivo da sentença (art. 189, § 2.º do NCPC). O art. 189, I a III do NCPC estipula as hipóteses para essa medida excepcional e merecerá exame em item inserido no capítulo dedicado à forma do ato processual (infra, 1.104). Forçoso notar que essa disposição, e outras similares (art. 27 da Lei 8.069/1990), harmonizam-se às condições estabelecidas nas normas constitucionais.19 No tocante à publicidade interna, o processo que tramita em segredo de justiça exige cautelas especiais (infra, 1.104.4). Por exemplo, o art. 206 da Lei 8.069/1990 declara que, nas causas em que houver interesse da criança e do adolescente, o advogado receberá intimações pessoalmente ou através de publicação no órgão oficial, “respeitado o segredo de justiça”. Essa exigência tem duas projeções: (a) empregar-se-á iniciais (v.g. P.P.S.), em lugar do nome por extenso da parte (v.g., Pedro Paulo da Silva), preservando a identidade da pessoa que figura como parte; (b) evitar-se-á a transcrição do conteúdo do provimento, principalmente a motivação, no órgão oficial. Essa restrição sofrerá intensos desafios no processo que tramitar eletronicamente. É indispensável criar regras especiais de proteção que limitem a manipulação dos arquivos eletrônicos.20 A visualização dos documentos eletrônicos deve ser irrestrita e franqueada ao público. Este é o melhor controle social, o controle ideal da atividade judiciária e, inconscientemente, os defensores da tese oposta temem expor-lhe as
mazelas e, assim, impedir que a pressão da mídia promova alterações na atuação dos sujeitos do processo. Os arts. 93, IX, e 5.º, LV, da CF/1988 exigem, convergentemente, que lei em sentido formal estabeleça as hipóteses de restrição à publicidade. Tratase de lei federal, a exemplo do art. 189 do NCPC, pois somente à União compete, privativamente, legislar em matéria processual (art. 22, I, da CF/1988). Leis locais de organização judiciária, bem como os regimentos internos dos tribunais, não podem restringir a publicidade dos atos processuais. Disposição nesse sentido mostrar-se-á flagrantemente inconstitucional. Existem outras regras processuais que, implicitamente, restringem a publicidade interna, e, conseguintemente, a publicidade externa. Por exemplo: (a) os provimentos liminares, cautelares ou não, comportam concessão inaudita altera parte, quando verificar que a parte contrária, em geral o réu, tomando conhecimento do ato, poderá torná-lo ineficaz (art. 300, § 2.º do NCPC);21 (b) o julgamento dos embargos de declaração (art. 1.024, § 1.º do NCPC), prescindem da prévia intimação das partes, com a antecedência mínima de cinco dias, se levados à sessão subsequente, ficando automaticamente incluído na pauta, inexistindo esse julgamento. Facilmente se compreende que o conhecimento prévio da determinação de busca e apreensão de certo documento em poder da parte talvez frustre a realização da medida. Por outro lado, não é absoluta a falta de comunicação do julgamento do recurso: a lei exige que o relator apresente o recurso em mesa, na sessão subsequente à data da interposição, o que permite ao advogado antever a oportunidade do julgamento. Entende-se que, não levando o relator a julgamento o recurso na sessão subsequente propriamente dita, então deverá intimar as partes, formalidade nem sempre observada. A despeito da configuração do caso legal de restrição, cabe ao órgão judiciário repelir a imposição de segredo de justiça, objeto de postulação do interessado, havendo prejuízo ao direito à informação. Figure-se a hipótese de dissolução da sociedade conjugal de homem ou de mulher que ocupe cargo público, na qual a partilha dos bens comuns evidencie enriquecimento ilícito. O interesse social impõe que, por exceção, os aspectos patrimoniais sejam relevados ao público. Disso ocupa-se o art. 189, § 2.º do NCPC. 172. Limitações ope judicis à publicidade Fora das hipóteses legais, em princípio ao juiz não é dado restringir, por sua própria iniciativa,22 a publicidade interna ou externa dos atos processuais. Os arts. 5.º, LV, e 93, IX, da CF/1988 põe a matéria sob reserva de lei em sentido formal. No entanto, art. 189, I do NCPC é suficientemente amplo, aludindo às causas em que houver interesse público e social, entendido como o interesse social prescrito no art. 5.º, LX da CF/1988, para abranger todas as situações concebíveis. Por exemplo: (a) a inquirição em audiência do perito e dos assistentes técnicos, na ação movida por antigo paciente contra laboratório, controvertendo a eficácia ou os efeitos colaterais de certo medicamento, de uso muito comum por número expressivo de pessoas, em que a simples
divulgação da dúvida levantada induzirá a população a rejeitar o remédio com grave prejuízo à saúde pública; (b) a ação de indenização em que o autor alega a existência de defeitos intrínsecos à construção de aeronave, usada no transporte de passageiros, pode levar a acidentes fatais. Em casos tais, a divulgação da simples dúvida levantada pelo autor, objeto de investigação judicial inconclusa, trará prejuízos à paz social, dano que não será remediado por eventual juízo de improcedência final. Parece razoável conferir ao órgão judiciário o poder de limitar a publicidade em dois aspectos: (a) a forma do acesso ao público; (b) o número de espectadores; (c) a presença das partes ou de uma delas. O juiz exerce nas audiências públicas o chamado poder de polícia. É lícito, portanto, controlar o número de espectadores, haja vista a dimensão do recinto, e outras considerações de ordem prática (v.g., a ventilação do local; a existência ou não de saídas de emergência). Também se recomenda impedimento ao ingresso na sala de audiências – tratando-se de sala de sessões, no tribunal, o encargo é do presidente do órgão fracionário do tribunal – de manifestantes, portando roupas com frases ofensivas, e, principalmente, grupos antagônicos de interessados capazes de tumultuar o andamento dos trabalhos. A transmissão televisiva ou a gravação das solenidades pode ser restringida. O art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos estabelece que “o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública, ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial aos interesses da justiça”. Com efeito, a transmissão ao vivo da audiência expõe partes e testemunhas, juízes, advogados e serventuários, ao clamor popular e a pressões indevidas da mídia,23 o que é indesejável a todos os títulos. E a regra transcrita, bem como a natureza das coisas, evidencia que essa restrição depende de determinação da autoridade judiciária competente, no caso concreto, ponderando os valores consagrados na CF/1988, a exemplo do cotejo entre o direito à informação e o direito à intimidade. E, por fim, a presença de uma das partes, ou de ambas, pode constranger a coleta da prova oral – por exemplo, o depoimento de incapaz, na causa em que se controverte a sua guarda –, recomendando que o juiz ordene a sua retirada da sala, temporária ou definitivamente. O juiz não pode impedir, todavia, a presença dos advogados das partes, dos defensores públicos e do Ministério Público (art. 11, parágrafo único, do NCPC). A tanto, expressis verbis, impede o art. 93, IX, da CF/1988. 173. Limitações técnicas à publicidade A distribuição da causa, “onde houver mais de um juiz” (art. 284 do NCPC), em primeiro grau, e dos recursos ou causas, nos tribunais, é ato processual da maior transcendência, pois o seu resultado, conhecendo-se de antemão o entendimento do órgão judiciário sobre determinada matéria,
talvez defina o desfecho do processo. E há outros fatores, a exemplo da boa ou má organização do cartório, que tornam preferível certo juízo em detrimento de outro. O art. 930, caput, do NCPC exige, cuidando da distribuição no tribunal, a estrita observância do princípio da publicidade. Por óbvio, o princípio aplica-se no primeiro grau. Em quase todas as comarcas e, seguramente, em todos os tribunais brasileiros, há largos anos emprega-se para esse mister o sistema eletrônico de distribuição de processos e recursos, substituindo o sorteio manual, a cargo do diretor do foro ou do presidente do tribunal. Mas, há um problema: o sorteio manual realizava-se em momentos predeterminados, diariamente ou não, à vista do público interessado (partes ou advogados). Na via eletrônica, alimentado o sistema com os dados do registro e das distribuições anteriores, tudo se passa em ambiente hermético. Enfraquece-se, na mesma medida, o princípio da publicidade: a parte não tem como aferir, mesmo na reclamação posterior, se houve sorteio, efetivamente, ou se o serventuário encarregado alterou, conscientemente ou não, o programa e distorceu o resultado. Dizer que cumpre “ao magistrado distribuidor assegurar o respeito ao poder de fiscalização das partes e dos advogados”24 não resolve o problema. Trata-se de singular limitação técnica do direito à publicidade para a qual não há solução discernível. § 43.º Direito à estabilidade 174. Finalidades do direito à estabilidade ou coisa julgada A fragilidade física e a tardança na aquisição das plenas condições de prover a própria subsistência caracterizam a espécie humana, comparativamente às demais, inspirando no espírito do homem e da mulher dupla aspiração à segurança e à liberdade. Sem liberdade, a pessoa não se desenvolve, mas sem segurança a pessoa não sobrevive. Fenômeno cultural, a ordem jurídica é empolgada por diversos valores, ideias, projetos sociais, utopias, interesses materiais e políticos, e assim por diante, considera a segurança vital e a institui como um dos seus fundamentos mais caros. O Estado Constitucional Democrático aprimorou o direito à segurança. Emprestou-lhe feição altamente complexa. Por um lado, o conjunto da atividade estatal, fundada no princípio estruturante da dignidade da pessoa humana, subordina-se à estrita legalidade constitucional, em termos largos e profundos. Os agentes públicos submetem-se a restrições na sua atividade funcional e no seu comportamento pessoal. Para não perder de vista o órgão judiciário, que dirige o processo civil com imensos poderes, o art. 95, parágrafo único, da CF/1988 proíbe-lhe uma série de atividades, porque incompatíveis com a respectiva função estatal. De sinal contrário ao das restrições, mas com o mesmo escopo, agentes públicos usufruem de predicados que asseguram às pessoas ocupantes de órgãos estatais do maior escalão o desempenho independente das suas funções. Em relação aos juízes, além da irredutibilidade do subsídio (art. 95,
III, da CF/1988), todavia direito fundamental geral, ao menos dois predicados demonstram a estatura da função: a vitaliciedade (art. 95, I, da CF/1988) e a inamovibilidade (art. 95, II, da CF/1988). Por maior que seja a importância da educação pública, os professores, de ordinário, não ocupam cargo vitalício e, consoante o exija o interesse público, podem ser removidos de um lugar para outro. Não é o que acontece com os juízes. E a razão se baseia, evidentemente, no maior relevo social dessa última função. Por identidade de motivos, o juiz e a juíza só perdem o cargo após sentença passada em julgado e sob certas condições. E, por outro lado, a atividade estatal há de ser previsível, ensejando a confiança da sociedade, e, para essa finalidade, pauta-se pela proporcionalidade. Finalmente, os direitos adquiridos são preservados no patrimônio da pessoa, tornando-se imunes às leis supervenientes, regulados unicamente por leis anteriores ao evento ou conduta que formou certa situação de vantagem. Tudo isso garante a previsibilidade dos comportamentos sociais e preserva igualdade geral e indiscriminada, sem pejo de tratamento desigual para os desiguais. Nada disso se mostraria realizável, na vida prática, e os direitos fundamentais se transformariam em simples promessas soltas no ar, flatus vocis, se o resultado final do processo, mecanismo criado com o magno propósito de resolver os inevitáveis conflitos individuais ou transindividuais da vida social, não se encontrasse blindado a controvérsias futuras. Flagrantemente, após reconhecer o direito de alguém a certo bem da vida – os efeitos que decorrem dos elementos da ação material (infra, 228) –, formulando a regra jurídica concreta (função de cognição), e, se for o caso, depois de entregá-lo a essa pessoa mediante trabalhosas operações de campo (função de execução), é preciso garantir que esse bem não seja subtraído do patrimônio jurídico do beneficiado. Desempenha essa função, no processo civil, o instituto da coisa julgada. É a expressão característica do velho non bis in idem: ninguém deverá ser julgado duas vezes. A coisa julgada, fundada no valor e segurança e pelos motivos práticos expostos, compõe item relevante do faires Verfahren, ou giusto processo.25 O direito fundamental à estabilidade se encontra expresso no art. 5.º, XXXVI, da CF/1988, que declara o seguinte: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. O reconhecimento da estabilidade aos provimentos judiciais recua à Constituição de 1.824. O art. 179, XII, da carta imperial interditava a qualquer autoridade rever os “processos findos”. A CF/1.891 era implícita a respeito. Determinando ao STF a revisão apenas das sentenças penais condenatórias (art. 59, III, c/c art. 81), a CF/1.891 consagrava a garantia, indiretamente. Em termos categóricos, na vigência da primeira carta da República, o art. 3.º da Lei 3.071, de 01.01.1916, proclamou o direito. Logrou estatura constitucional explícita o art. 113, III, da CF/1934, cuja redação é similar à que hoje vigora.
Seguiu-se um hiato que demonstra o valor de inscrever semelhante direito no catálogo dos direitos fundamentais e imunizá-lo contra o poder constituinte derivado, como ocorre, atualmente, na CF/1988 (art. 60, § 4.º, IV). Com efeito, não repetiu a garantia a CF/1937. Ora, na vigência dessa carta outorgada, sobreveio nova Lei de Introdução ao CC de 1916 (Dec.-lei 4.657, de 04.09.1942). A redação originária art. 6.º, desse decreto, omitia referência à coisa julgada, autorizando a retroação das leis mediante disposição expressa, atingindo “situações jurídicas definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito”. Cuidava-se de tardia confirmação do infeliz Dec.-lei 1.907, de 26.12.1939, que afastou os herdeiros legítimos de Louis Joseph Paul Deleuse, tornando a herança vacante, depois jacente, a fim de que a União lhe adquirisse a propriedade.26 Restabelecida a ordem democrática, o art. 114, § 3.º, da CF/1946 também restaurou a proteção à coisa julgada, tornando incompatível com a sua vigência o art. 6.º do Dec.-lei 4.657/1942 e a odiosa possibilidade de retroação da lei nova. Esperou pela Lei 3.238/1957 a revogação formal da regra malsã, diploma que lhe deu redação harmoniosa com a disposição constitucional, repetida no art. 150, § 3.º, da CF/1967 e no art. 153, § 3.º, da CF/1969. A finalidade da garantia à estabilidade dos resultados dos processos judiciais, ou coisa julgada, não é apenas utilitária, impedindo que os processos jamais acabem. É uma garantia fundamental porque, sem ela, abrir-se-ia a possibilidade de qualquer autoridade – como dizia a Constituição de 1824 –, no exercício da sua esfera de competência legislativa, governamental e – principalmente – judiciária, subtrair os direitos de alguém, objeto de processo pretérito. 175. Conteúdo mínimo do direito à estabilidade ou coisa julgada Pôr a salvo o desfecho do processo das investidas despóticas do legislador, conforme assegura, expressis verbis, o art. 5.º, XXXVI, da CF/1988, constitui bem público inestimável. O litígio há de ter um fim justo, dissipando a incerteza, e o bem da vida outorgado a uma das partes – no mínimo, a certeza, efeito do elemento declaratório – a salvo de subtração posterior. A lei fundamental deixa de regular precisamente essa garantia. Confiou a respectiva disciplina às normas de menor hierarquia. As normas processuais, legitimamente, definem o que é e em que casos a autoridade de coisa julgada se irradia para atingir a sua finalidade.27 Os aspectos constitucionais da coisa julgada, como penhor da segurança jurídica, também envolvem os seus limites subjetivos e a influência recíproca do julgado penal e do civil sobre os mesmos fatos.28 Tal assunto delicado e complexo recebeu análise em item anterior (retro, 35). Formalmente, ademais, a proteção do instituto se limita à “lei”.29 Parece que esse viés do direito fundamental, embora útil, revela-se notoriamente insuficiente. O maior valor da coisa julgada surge como barreira à atividade ulterior do órgão judiciário. Os maiores perigos contra o desfecho do processo findo decorrem de um segundo e posterior processo, guarnecido de todas as
garantias, mas instaurado para subverter a segurança e obter pronunciamento contrário ao já decidido. Para evitar esse risco latente, opera a coisa julgada, atributo do provimento final (sentença ou acórdão) do processo. Em determinado momento, exatamente quando se esgotaram as vias de impugnação, a situação jurídica da sentença se altera radicalmente. Nessa nova condição, conforme o teor do ato, o alcance da qualidade adquirida variará em intensidade, convindo distinguir a coisa julgada “formal” da “material”. Esses dados identificam o conteúdo essencial do direito à estabilidade que acompanhará, a mais das vezes, o resultado do processo. 175.1 Coisa julgada formal – O art. 6.º, § 3.º, do Dec.-lei 4.657/1942 designa de “coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. Essa regra estabelece a equação res iudicata = sentença irrecorrível.30 Em tal sentido, incorreu em patente tautologia: sentença irrecorrível, por sua vez, implica coisa julgada. Além disso, segundo ponderável corrente, “sentença” (vera sententia) recorrível importa notória contradição, pois é sentença, por definição, o provimento de mérito contra o qual não mais se pode recorrer.31 Na realidade, a proposição desse dispositivo, quando muito, assinala o momento do trânsito em julgado. E assim se presta à fixação da ideia básica da coisa julgada formal: a sentença, esgotados os remédios recursais, transitou em julgado, e tornou-se indiscutível no próprio processo. Distanciava-se vantajosamente o preceito da cláusula final do art. 467 do CPC de 1973, respeitante à coisa julgada material, aludindo a sentença “não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. A localização dessa regra no estatuto processual rompe a orientação haurida do direito francês, que prefere situá-la nos domínios da lei civil, linha seguida pelo art. 2.909 do CC italiano de 1942.32 Como quer que seja, a cláusula final do art. 467 do CPC de 1973 deixava claro, de um lado, pressupor a eficácia material o trânsito formal em julgado; em outras palavras, a irrecorribilidade do ato. Porém, introduzia desnecessária perturbação, invocando duas classes diferentes de recursos, uma das quais, a dos recursos extraordinários, por definição interpostos após o trânsito em julgado, inexistente no direito brasileiro. Superou-se esse inconveniente no art. 502, in fine, do NCPC, mencionando com objeto a “decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. De qualquer modo, o art. 6.º, § 3.º, do Dec.-lei 4.657/1942, nesse particular em sintonia com o art. 502, in fine, do NCPC indica o momento da passagem em julgado da sentença. É um ponto relevante e, tratando-se de sentença definitiva (= decisão de mérito; entende-se por tal as decisões parciais, a teor do art. 356 do NCPC), a ele alude a parte inicial do art. 508 do NCPC: “Transitada em julgado a decisão de mérito…” O provimento final, seja qual for o seu conteúdo, transita em julgado na oportunidade em que se esgotarem as vias de impugnação ou recursos. Tal significa que tanto o provimento final (sentença ou acórdão) que não sofreu impugnação através do recurso próprio, porque o recurso é ato voluntário (art. 996, caput do NCPC: “O recurso pode ser interposto…”), quanto o que, objeto de sucessivas impugnações, sobreviveu aos ataques e inexiste outro meio para modificá-lo,
a exemplo da remessa oficial do art. 496 do NCPC,33 transitam em julgado. Desde que já não mais caiba qualquer recurso, pouco importando se houve ou não a efetiva interposição de algum recurso, o provimento final adquire uma nova qualificação jurídica: de instável, sujeito a mudanças, torna-se imutável. Lícita se afigura, nessa conjuntura, a ilação que, além do próprio provimento final (decisão parcial de mérito, sentença ou acórdão), exauridas as impugnações cabíveis todo o processo antecedente forma situação jurídica nova. “Em determinado instante”, ponderou-se com acerto, “a sentença experimenta notável modificação em sua condição jurídica: de mutável que era, faz-se imutável”.34 Basta trocar a palavra “imutável” pelo termo “indiscutível” para o trecho retratar o fenômeno. O estado que resulta da preclusão máxima,35 ou derradeira, o esgotamento das vias de impugnação, chama-se de coisa julgada formal.36 Embora antes desse momento a sentença já não comportasse modificações pelo órgão que a emitiu, salvo para corrigir erros materiais (art. 494 do NCPC), o grau de impermeabilidade a modificações dos órgãos judiciários hierarquicamente superiores é o que caracteriza a irretratabilidade. A terminologia “coisa julgada formal” recebe contestações, porque supostamente equívoca, alvitrando-se substituí-la por “preclusão”.37 A preclusão obsta a que se reabram as etapas, momentos ou fases já ultrapassadas do processo, e, por isso, atinge os provimentos intermediários ou decisões interlocutórias (infra, 1.145). Ocorre que, tratando-se do provimento final, em particular da sentença que não resolve o mérito (art. 485 do NCPC), beneficiada unicamente com esse grau de irretratabilidade, o vínculo é superior à mera preclusão das questões antecedentes à sentença. Em relação a tais questões, a preclusão não opera no plano horizontal: o juiz que, no primeiro momento, declarou o autor parte legítima, e não houve recurso, pode posteriormente extinguir o processo fundado nessa ilegitimidade (infra, 1.148.4). Ao invés, emitida sentença catalogada no art. 485 do NCPC e esgotadas as vias de impugnação, o provimento final torna-se irretratável no plano horizontal: o juiz não pode reabrir o processo, ex officio, ou a requerimento do interessado, ignorando o juízo emitido, salvo renovando o autor a demanda e, assim, inaugurando-se outro processo (art. 486, caput do NCPC). Por conseguinte, coisa julgada formal – impossibilidade de reabrir o mesmo processo – representa a nomenclatura conveniente à nova situação jurídica. Fenômeno menor, talvez, a coisa julgada formal integra o direito fundamental processual à estabilidade dos resultados do processo. Um desses resultados consiste na impossibilidade de o juiz julgar o mérito ou objeto litigioso (infra, 1.612.3). É a resposta possível do apelo à jurisdição no caso concreto, verificando-se situação prevista no art. 485 do NCPC. A coisa julgada formal obsta a que, por iniciativa do juiz ou do autor, o mesmo processo reinicie, corrigindo-se o defeito que tolheu o exame do mérito, ou não, o que nem sempre, de resto, mostrar-se-ia possível (v.g., no caso de ilegitimidade ativa).
Nada disso, porém, revela a essência da autoridade de coisa julgada. Nenhum dado, até agora, explica o porquê de a sentença irretratável obstar discussões sobre idêntico objeto litigioso em processo ulterior. Logo, resposta cabal deverá ser procurada no conteúdo do provimento. 175.2 Coisa julgada material – Cedendo, outra vez, ao irrefreável impulso de erigir definição de instituto controverso, o art. 467 do CPC de 1973 aventurou-se a definir a coisa julgada material como “a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. Retirada a disposição final, no item anterior vinculada à coisa julgada formal, o cerne da norma considera “eficácia” a coisa julgada, revestindo a sentença – bem entendido: a decisão de mérito –, e que lhe confere os predicados da imutabilidade e da indiscutibilidade ao provimento. Positivamente, o art. 467 do CPC de 1973 não consagrou conhecida tese que identifica a coisa julgada como imutabilidade dos efeitos da sentença. Não há ponto de apoio firme no dispositivo para arrancar-lhe semelhante consequência. O mesmo sucede com o art. 2.909 do CC italiano de 1942,38 fato reconhecido pelo autor da tese,39 e razão bastante para a rejeição na terra natal dessa errônea concepção.40 Efeitos são, por sua natureza, mutáveis: nada impede ao marido e à mulher reconciliarem-se após o trânsito em julgado da decisão de mérito acerca da separação, e, por óbvio, não casam de novo, mas restauram a sociedade conjugal dissolvida pelo órgão judiciário, modificando o efeito principal – estado jurídico novo – do provimento. Os exemplos multiplicar-se-iam indefinidamente. O processo legislativo fornece subsídios importantes para chegar à mesma conclusão.41 O projeto de CPC de 1973 aludia, no então art. 471, a “efeito da sentença”, mas emenda vitoriosa suprimiu tal menção. Outra emenda, dessa vez supressiva, buscou reverter o quadro, felizmente sem o menor sucesso.42 O irrefutável revés jamais esmoreceu a lavagem cerebral que, fazendo tabula rasa da lei, repetia proposição totalmente estranha ao art. 467 do CPC de 1973.43 O autor da teoria, em projeto de lei jamais adotado no país de origem, redigiu regra nos seguintes termos, estes sim coerentes: “Gli effetti della sentenza passata in giudicato sono immutabili per le parti…” (Os efeitos da sentença passada em julgado são imutáveis para as partes…).44 Não se localizava qualquer “imutabilidade dos efeitos” no art. 467 do CPC de 1973. Felizmente não se consagrou a tese errônea no direito brasileiro. Em sentido contrário, poucos se atreveram a contrariar a opinião prevalecente,45 e, por assim dizer, o equívoco passa em julgado na maioria das exposições. O art. 502 do NCPC tampouco se filiou à teoria errônea. Declara o seguinte: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. A redação é superior ao direito anterior na parte final, abstendo-se de mencionar os inexistentes “recursos extraordinários”. Por outro lado, trocou “eficácia” por “autoridade”, sem maiores consequências: a autoridade produz um vínculo e tal ocorre no plano da eficácia; e substituiu sentença por decisão para ajustarse à sistemática dos atos decisórios respeitantes ao mérito. Impõe situar a figura da “decisão de mérito” no conjunto dos atos decisórios emanados do órgão judiciário. Segundo o art. 203, caput do NCPC,
os pronunciamentos do órgão judiciário consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. A sentença constitui provimento final emanado do órgão judiciário de primeiro grau, consoante o art. 203, § 1.º, do NCPC, observados os tipos arrolados nos arts. 485 (sentença terminativa) e 487 (sentença definitiva), e, ainda, o provimento final extintivo da execução (art. 924 c/c art. 925), todos do NCPC. Todavia, a interposição da apelação, cabível contra a sentença (art. 1.009,caput do NCPC), e o efeito substitutivo agregado pelo art. 1.008 do NCPC a este recurso, quanto ao capítulo impugnado – fenômeno repetido nas etapas subsequentes, ocorrendo impugnações sucessivas –, provocará sua substituição por acórdão, de seu turno definido no art. 203 do NCPC como ato decisório colegiado emanado do tribunal. E convém não esquecer que, excepcionalmente, não haverá julgamento colegiado no tribunal, e, portanto, não se ensejará a lavratura da peça escrita que o representa – o acórdão –, porque o art. 932, IV e V do NCPC, dentre outras disposições, confere poder para o relator julgar, singularmente, os recursos nas hipóteses de aí contempladas. Não aviando o vencido o recurso próprio (agravo interno) contra tal ato, e tendo por objeto o provimento do relator o mérito (art. 485 do NCPC), forma-se a coisa julgada – no mínimo, a formal. Todavia, desapareceu a sentença propriamente dita, porque se produziu o efeito substitutivo (art. 1.008 do NCPC), e não há acórdão (art. 204 do NCPC), mas decisão singular. E há mais uma particularidade a considerar: o art. 356 do NCPC autoriza o julgamento antecipado parcial do mérito, e, nesse caso, o juiz profere decisão (art. 203, § 2.º do NCPC), atinente a parte do mérito. Em todos os casos, há um ponto comum. O provimento (sentença, decisão, acórdão ou decisão do relator) formulou a regra jurídica concreta aplicável ao caso, porque acolheu ou rejeitou o pedido (art. 487, I e II do NCPC), ou formulou-a de outra maneira, emprestando efeitos aos negócios processuais das partes (v.g., o reconhecimento do pedido, a teor do art. art. 487, III, a do NCPC). É preciso considerar o objeto do seu provimento (critério substancial) e, não, a tipologia do ato (critério formal). No que tange às resoluções tipificadas no art. 485 do NCPC (critério substancial), surgem duas dificuldades, mais aparentes do que reais, nos quais a sentença não resolve o mérito (art. 485 do NCPC) e, nada obstante, cria-se empecilho ao desenvolvimento do segundo processo (a) o art. 486, § 1.º do NCPC, ressalva a sentença extintiva do processo fundada nos incisos I (indeferimento da petição inicial), IV (ausência de pressuposto processual), VI (ausência de interesse processual e de legitimidade ad causam) e VII (existência de convenção de arbitragem ou reconhecimento da própria competência pelo tribunal arbitral), hipóteses em que a renovação da demanda dependerá da correção do vício; (b) o art. 486, § 2.º do NCPC, obsta ao autor, dando causa à extinção do processo por inércia (art. 485, III do NCPC), por três vezes consecutivas, “não poderá propor nova ação contra o réu com o mesmo objeto”. A esse último caso dá-se o nome perempção (art. 485, V do NCPC). É elucidativo o caso de a sentença extintiva fundar-se no art. 485, V do NCPC. Ao extinguir o segundo processo, versando a mesma causa, identificada por seus elementos (infra, 237), o órgão judiciário não profere outra sentença da mesma natureza e de igual teor da primeira; ao invés,
impede o curso do segundo processo, porque a causa já se encontra definitivamente julgada e blindada contra controvérsias futuras. O segundo julgamento não substitui o primeiro, ou se sobrepõe a este, limitando-se a respeitá-lo em sua autoridade. Essa impressão confirma-se no caso de o segundo processo, inadvertidamente, ter curso e nele o juiz proferir sentença de mérito, passando essa em julgado. O segundo julgamento é rescindível, por ofensa à coisa julgada (art. 966, IV do NCPC), e ineficaz, permanecendo em vigor a primeira regra jurídica concreta formulada. Logo, os empecilhos criados no art. 486 do NCPC têm outra natureza: o juiz extinguirá o processo, em razão da impossibilidade de ingressar no exame do mérito, impedido pela falta de correção do vício anterior. Cuida-se de simples reforço à necessidade de extinguir o segundo – e, na hipótese da perempção, o quarto – processo. A rigor, a própria a coisa julgada não obsta que o autor renove a demanda. A relação processual formar-se-á, de qualquer maneira, por força do exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado. Não se desconhecem casos em que, não alegando o réu a coisa julgada (art. 337, VII do NCPC), nem o juiz a reconhecendo, ex officio, há a emissão de segunda sentença na mesma causa. Pouco importa o teor coincidente ou divergente do segundo julgamento. A autoridade da coisa julgada obsta, na verdade, que o segundo julgamento da causa seja eficaz. Também surgem dificuldades suplementares no caso da sentença definitiva fundada em negócio jurídico unilateral (reconhecimento do pedido e renúncia) e bilateral (transação) prevista no art. 487, III, a, b e c do NCPC. Em casos tais, atenua-se a autoridade do art. 502 do NCPC, pois o remédio para desconstituí-la é a ação anulatória (art. 966, § 4.º do NCPC). O art. 502 do NCPC incide em erro ao colocar em relação de causa e efeito a autoridade, de um lado, e a indiscutibilidade e a imutabilidade, de outro, embora a sentença adquira tal blindagem através do trânsito em julgado.46 Na verdade, passível de censura é o adjetivo “material”, posto anteriormente à eficácia, porque revela confusão entre a res iudicata (plano da existência) e a autoridade da coisa julgada (plano da eficácia). Em outras palavras, a coisa julgada material é a eficácia que, decorrendo da imutabilidade, produz indiscutibilidade, impedindo a emissão de outro pronunciamento convergente ou divergente ao primeiro sobre idêntica pretensão processual. Ressalvando aspectos secundários e irrelevantes, a regra tem sentido preciso e nítido. Estabelece, após o trânsito em julgado, a aquisição pela resolução do mérito de autoridade particular – a indiscutibilidade no presente e no futuro. Resta esclarecer em que consiste semelhante autoridade, ou eficácia, e a esse propósito há dois termos de alternativa: (a) a eficácia emana da própria sentença; (b) a eficácia decorre da irrecorribilidade.47 Por ora, abandonando a primeira hipótese, cumpre assinalar que a segunda mostra-se insatisfatória. Em si mesma, expressa ideia inconcussa: ninguém discutirá que, tornada inimpugnável a decisão de mérito, adquirirá a autoridade de coisa julgada material; ademais, salvo engano de monta, a proposição tampouco esclarece o que seja tal “autoridade”.
Logo, a hipótese remanescente é a correta: esgotados os remédios impugnativos, a sentença assume eficácia representada por dois atributos, imutabilidade e indiscutibilidade. Então, chega-se intuitivamente à insuperável fórmula alemã:48 coisa julgada material é a força ou o efeito da declaração (Festslellungswirkung) contida na sentença.49 É única solução realmente adaptável à letra do art. 502 do NCPC. Em face dela, desaparece em sua pureza – o existem, todavia, eficácias coevas ao ato – a diferença conceptual posta à base da teoria da imutabilidade dos efeitos, que distingue estes da autoridade de coisa julgada. Não se mostra possível, à luz dos dados hauridos do ius positum, afiançar que o objeto litigioso carrega todos os efeitos que, acolhido o pedido, produzir-se-ão no plano do direito material, razão por que simplesmente cronológica a eventual vinculação dos efeitos à coisa julgada.50 E, realmente, já se acentuara a indevida importância do fator tempo quanto à identificação dos efeitos do provimento final de mérito.51 Em princípio, as eficácias são intrínsecas ao ato decisório, e os efeitos se produzem desde logo, porque virtualmente contidos no provimento final, bastando não inibi-los com a previsão de algum recurso dotado de efeito suspensivo. No entanto, inexiste argumento conceptual, exceto de lege ferenda, que impeça o art. 502 do NCPC agregar à sentença, a partir do trânsito em julgado, outra eficácia, até então desconhecida. É o caso, aparentemente, do efeito correspondente ao elemento declaratório. Se tal efeito é a certeza (infra, 231), parece natural que ele não exista antes do trânsito em julgado, porque o provimento final, antes disso, comporta modificações, e, portanto, a regra jurídica concreta nele formulado é, por definição, incerta. Cuida-se de conclusão firme, sem embargo do reexame ulterior do instituto da coisa julgada, porque fundada em sólida convicção: a eficácia da declaração (Festellungswirkung) não integra o conteúdo do objeto litigioso, e, portanto, da sentença. Ela se agrega ao ato estatal no momento em que o órgão judiciário formula a regra jurídica concreta, ou resolve o mérito (art. 269 do CPC 1973), tornando-o indiscutível em outro processo. Imprópria que seja a expressão,52 porque a regra jurídica concreta tem força maior que a da norma geral e abstrata, o art. 503, caput, do NCPC outorga “força de lei” (Rechtskraft) à (toda) sentença. Esse dado não comprova revestir-se todo o conteúdo da sentença de caráter indiscutível em processo posterior, até porque o art. 504 do NCPC institui exceções. E não é exato que haja “força de lei”, pois o vínculo opera com maior intensidade que a fidelidade da autoridade judiciária ao ordenamento jurídico (art. 8.º do NCPC). O art. 503 do NCPC regula o alcance objetivo da autoridade da coisa julgada. Da sua leitura, apesar de induzir que a eficácia da declaração não é o único elemento indiscutível,53 tampouco se infere que esse atributo recobre todo conteúdo, termo olvidado na lei, da sentença. A coisa julgada a que alude o art. 5.º, XXXVI, da CF/88, consiste na indiscutibilidade do pronunciamento, quanto ao mérito, decorrente da eficácia da declaração que surge após o trânsito em julgado. Ficam as partes subordinadas à eficácia do ato e à regra jurídica concreta por ele estabelecida. Acolhida ou não a demanda, da decisão “resultou certeza jurídica, pois a sentença, revestida da autoridade da coisa julgada, será o espelho indelével de uma intangível realidade, a verdade judicial”.54
A indiscutibilidade traduzida na autoridade da coisa julgada homenageia a segurança jurídica e somente remédio específico, sob certas condições estritas, revela-se idôneo a arredá-la. Desempenha tal nobre função, no direito brasileiro, a ação rescisória (art. 966 do NCPC). Dentre as condições para seu emprego útil avulta o prazo decadencial de dois anos (art. 975 do NCPC), que fluirá “quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial” (Súmula do STJ, n. 401), ou, conforme entendimento em contrário do STF,55 havendo recurso parcial, por capítulos autônomos. Esta é a autoridade da coisa julgada. A natureza política do instituto transparece nítida: “a partir de certo momento, justa ou injusta, correta ou incorreta, a sentença deverá se tornar indiscutível, conferindo, assim, por decorrência, estabilidade a determinada relação jurídica”.56 176. Limitações do direito fundamental à estabilidade (ou coisa julgada) A superlativa importância da coisa julgada levou ao exagero de apontar como inseparável da verdadeira e autêntica atividade jurisdicional a eficácia da declaração, por sua vez identificada, corretamente, com a coisa julgada.57 Em outras palavras, “o objeto próprio da jurisdição é a coisa julgada”, efeito que não se localiza na atividade legislativa e na administrativa, motivo por que “onde há coisa julgada, há jurisdição; onde não há coisa julgada, não existe jurisdição”.58 Esse alcance da eficácia da declaração afigura-se excessivo, definindo o conteúdo pelo efeito, e, de resto, a tônica da jurisdição reponta na palavra final do órgão judiciário. O ato jurisdicional de qualquer natureza revela-se imune a revisões por órgãos não judiciários.59 Em que pesem a possibilidade de sucessivas impugnações ao provimento judicial e, em alguns casos, a respectiva desconstituição por remédio específico, apesar de dotado da eficácia de coisa julgada, tudo se passa no âmbito de diferentes órgãos judiciários, sobrepostos por motivos hierárquicos. O ato jurisdicional dá a palavra final acerca da resolução da lide. A lei pode atenuar ou eliminar o direito fundamental à estabilidade, ou coisa julgada, em algumas situações, atendendo à ponderação de outros direitos fundamentais. É preciso investigar essas situações, repelindo os falsos casos de atenuação, e, principalmente, rejeitar o direito de o órgão judiciário, a seu critério, eliminar a coisa julgada em atenção a outros direitos fundamentais. 176.1 Estabilidade da sentença executiva – A função jurisdicional executiva ocupa-se em realizar a regra jurídica concreta, individualizada no título executivo judicial (art. 515 do NCPC) ou extrajudicial (art. 784 do NCPC) – hipótese em que ocorre antecipação da cognição –, no mundo sensível (trabalho de campo), e, não, formulá-la (trabalho de gabinete). A pretensão a executar, deduzida in simultaneo processu, como sucede na execução fundada em título judicial (art. 513 do NCPC), ou autonomamente, identifica-se através dos três elementos previstos no art. 337, § 2.º do NCPC (as partes, a causa petendi e o pedido). Por essa razão, verificando-se a coincidência temporal de dois processos com idêntica pretensão, evidentemente ocorrerá litispendência (art. 337, § 3.º do NCPC: “Há litispendência quando se repete ação, que está em curso”), cabendo ao juiz extinguir o segundo processo.
Também haverá, finda a atividade executiva, provimento final, declarando a extinção da execução (art. 925 do NCPC), indicando o art. 924 do NCPC hipóteses típicas em que se extingue a relação processual. Interessa estabelecer se tal desfecho se encontra blindado a controvérsias futuras em duplo sentido: (a) a inadmissibilidade de o exequente renovar a pretensão a executar, alegando que seu crédito não logrou satisfação cabal; e (b) a viabilidade de o executado repetir o indébito, invocando o art. 876 do CC/2002, não deduzindo oposição à pretérita execução. Se o executado embargou (art. 914 do NCPC) ou impugnou (art. 525 do NCPC), a última pretensão ficará inviabilizada. Esbarrará na autoridade de coisa julgada que revestirá o provimento que rejeitar os embargos ou a impugnação e, na pior das hipóteses, na eficácia preclusiva do art. 508 do NCPC. O preenchimento dessa condição não resolve todos os problemas. A repetição do desfalque patrimonial, fundada no art. 876 do CC/2002, pressupõe pagamento voluntário, a teor do art. 877 do CC/2002. A investigação em torno da existência, ou não, de coisa julgada no provimento final da execução centralizou-se, no direito italiano, nas consequências da falta de oposição do executado, havendo reação posterior. O processo monitório, ou procedimenti d’ingunzione, representou o primeiro campo de ensaios. Parece evidente que, vencido o termo final para o executado se opor à pretensão executória, em alguma medida deverá ocorrer preclusão: o crédito incorporado no título, no curso do procedimento in executivis, tornar-se-á indiscutível, sendo vedado ao executado promover controvérsias a seu respeito no âmbito da execução. Ao exequente, todavia, importa muito a repercussão ad extra, ou externa, do vencimento do prazo de oposição, após a emissão da sentença extintiva da execução. Tal eficácia obstará o desenvolvimento de processo autônomo com a finalidade de declarar a inexistência da dívida (oposição de mérito) ou de anular os atos executivos (oposição de forma). Em nenhuma outra situação, talvez, a importância da estabilidade dos atos intermediários, ou atos preparatórios, é tão expressiva, evidenciando que a coisa julgada protege não só o provimento final, mas o antecedente processo que a originou. Eventual propositura de ação anulatória contra os atos de alienação forçada (art. 903, § 3.º do NCPC), julgada procedente, tem potencial para, eliminados os alicerces, derrubar toda a trabalhosa construção da realização do crédito. No que tange ao processo monitório, o título executivo judicial forma-se liminarmente, cabendo ao réu o ônus de impugná-lo, sob pena de o provimento liminar consolidar-se; a inércia do réu faz o provimento transirem in rem iudicatum.60 Em geral, enxerga-se o fenômeno da preclusão pro iudicato61 ou da aquiescência.62Porém, há sólida objeção ao tratamento do monitório na seara executiva: na estrutura monitória, prepondera a função de conhecimento,63 razão pela qual, tirante características extrínsecas (v.g., o ônus de o réu “embargar” para desfazer o título liminarmente constituído), não se afigura exato o paralelo com o processo executivo. Desprezada a artificial construção fundada na premissa que a execução inicia por ação “puramente” processual e sem mérito – o mérito é a pretensão a executar –, ensejando apenas preclusão,64 a respeito da estabilidade do
provimento final nesses domínios há duas correntes: (a) a sentença do art. 925 do NCPC não exibe carga declaratória suficiente para formar a autoridade prevista no art. 502 do NCPC, pois o órgão judiciário não emite juízo, ou realiza subsunção de fatos à norma geral e abstrata, nem lhe toca convencer as partes de quem tem razão; (b) a sentença fundada no art. 924 do NCPC produz coisa julgada material, porque o juiz declara (ba) o cumprimento da obrigação (inciso II); (bb) a extinção total da dívida (inciso III); (bc) a renúncia do exequente ao crédito (inciso IV); (bd) a prescrição intercorrente (inciso V). Segundo o primeiro ponto de vista, o encerramento da execução, ou o vencimento do prazo de oposição, não inibem o executado de controverter a pretensão a executar, explicando-se o seguinte: “Concluída a execução com a entrega ao credor daquilo que lhe pertence, exclui-se definitivamente toda possibilidade de oposição. Tal não exclui, porém, que o devedor possa ainda alegar contra o credor a inexistência do crédito e, consequentemente, a ilegitimidade da execução realizada, sob condição, é claro, de que não se lhe hajam anteriormente rejeitado as alegações em seguida à oposição por ele formulada antes”.65 A invalidação da alienação coativa pode ocorrer mediante ação anulatória (art. 903, § 3.º do NCPC),66 prescindindo da mais estreita ação rescisória. Em sentido contrário, assevera-se que nos casos típicos do art. 924 do NCPC o juiz declara extinta a obrigação (v.g., ante a remissão total da dívida),67 e, nesses casos, há formação de coisa julgada.68 E, realmente, o STJ já decidiu o seguinte: “A decisão que extingue a execução pelo pagamento reveste-se de conteúdo material, sendo, portanto, atacável pela ação rescisória”.69 Por conseguinte, extinta a execução com fundamento no art. 794, I {do CPC de 1973}, o credor que deseja realizar o restante do crédito não pode, simplesmente, reiniciar a execução no mesmo juízo, devendo valer-se da ação rescisória.70 É o caso do chamado erro de cálculo, em que uma parcela a execução excluiu parcela constante na sentença exequenda.71 Chegou-se ao requinte de aplicar, literalmente, os limites objetivos da coisa julgada: extinta a execução quanto ao crédito relativo ao dano moral, é possível pleitear, em nova execução, sem a necessidade de rescindir a sentença executiva, o valor atinente à multa pecuniária (astreinte).72 A última palavra do STJ inclina-se pela (a) impossibilidade de o exequente renovar a pretensão a executar, havendo erro de cálculo motivo parcela prevista no título judicial;73 e (b) pela necessidade de rescisória.74 Admitindo-se a premissa de o processo executivo exibir objeto litigioso próprio – exclui-se, por óbvio, a tese de que a demanda executiva seja “oca”, destituída de mérito –, nas hipóteses do art. 924, II a V, do NCPC o órgão judiciário julga, realizando a subsunção da regra jurídica ao fato. Desse modo, o respectivo pronunciamento reveste-se da eficácia do art. 502 do NCPC e, a fortiori, comportará ação rescisória. À luz dessas disposições, porque o juiz extingue, de meritis, a pretensão a executar, não se concebem as controvérsias do direito português, quanto ao aparecimento do caso julgado na extinção do processo executivo.75 A mudança da lei justifica a alteração de nossa opinião a respeito do ponto. Remanescem algumas dificuldades. Em primeiro lugar, o reconhecimento da coisa julgada na sentença do art. 924, II do NCPC, deixaria sem explicação satisfatória o desfazimento da alienação forçada através de ação anulatória,
sendo firme, mas contraditória a esse respeito, a jurisprudência do STJ. E tampouco explica a renovação da execução pelo credor, que acontece com frequência, em que pese extinta a execução com este fundamento. Ademais, a admissibilidade da ação rescisória constitui dado acessório e contingente. Há sentenças que não adquirem a eficácia de coisa julgada (v.g., a sentença proferida sem a citação do réu, conforme se antevê no art. 525, § 1.º, I do NCPC), e, por razões de conveniência, nada obstante admite-se a rescisória, bem como a ação anulatória, em concursus eletivus. Rejeitava-se o aparecimento de coisa julgada porque, em todas as situações concebíveis, faltaria cognição suficiente à sua formação. O problema respeita à noção de mérito, ou ao objeto litigioso, na execução, assinalando-se o seguinte: “Na execução, o credor não pede que se declare a existência de obrigação do devedor. O que pede é precisamente isto: execução. Por isso, o mérito sobre o qual cabe ao juiz se pronunciar na execução restringe-se ao poder de executar, que, na hipótese, o juiz declarou extinto. A declaração de que o devedor satisfez a obrigação não é, de modo algum, objeto do processo de execução, não constituindo, assim, o seu ‘mérito’”.76 O obstáculo residiria na circunstância de que, na maioria dos casos, o juiz não se pronunciará “acerca da existência ou da inexistência do direito afirmado no processo de execução”,77 e sim no fato de não lhe incumbe fazê-lo. Vale o raciocínio para os demais incisos do art. 924 do NCPC, incluindo o pronunciamento que julga prescrita a pretensão derivada do crédito: nada impedia controvérsia ulterior, na via ordinária. Não cabe repetir o indébito,78 na hipótese do art. 924, II do NCPC. Essa figura pressupõe o adimplemento voluntário, que faltará no caso de atuação dos meios executórios.79 Mas, ao executado reconhecer-se-á, de toda sorte, o legítimo direito a reaver seu desfalque patrimonial provocado por execução injusta (v.g., crédito prescrito), não havendo oposto, no momento oportuno, a oposição. Endereçará essa pretensão contra o antigo exequente, inexistindo motivos para invalidar a precedente execução, atingindo terceiros (v.g., o arrematante). No respeitante à dupla execução provocada pelo credor aventureiro, revela-se inócua a alegação de eficácia de coisa julgada proveniente do primeiro processo já extinto. Rejeitar-se-á a tentativa exorbitante com fundamento no princípio ne bis in idem. O sistema processual é infenso à reiteração inútil e abusiva do que se consumou satisfatoriamente. Este obstáculo não se funda na coisa julgada, de resto instituto inaplicável à demanda executória. 176.2 Estabilidade da sentença cautelar – O art. 288 do CPC de 1939 preceituava o seguinte: “Não terão efeito de cousa julgada os despachos meramente interlocutórios e as sentenças proferidas em processos de jurisdição voluntária e graciosa, preventivos e preparatórios, e de desquite por mútuo consentimento”. O Livro V daquele estatuto, dedicado aos processos acessórios, no Título I contemplava as “medidas preventivas”, exatamente as “providências para acautelar o interesse das partes” (art. 675, caput, do CPC de 1939), pleiteadas antecedente, ou de modo preparatório (art. 677, caput, do CPC de 1939), ou incidentemente à causa principal. Era às pretensões de segurança, em que o processo assumia função predominantemente cautelar, que aludia a expressão processos “preventivos e preparatórios”, inserida no
art. 288 do CPC de 1939, como insuscetíveis de gerar provimento final com autoridade de coisa julgada. Conforme se asseverava, antes mesmo do primeiro estatuto unitário, inexiste coisa julgada nessas sentenças, porque o juiz “não se obriga a respeitá-las quando resolver definitivamente sobre o ponto principal da causa”.80 Tal modo de ver contaminou o entendimento prevalecente, na vigência do CPC de 1973, quanto à inexistência de coisa julgada na sentença cautelar. Um dos mais influentes comentadores do segundo código unitário pontificou: “Não há coisa julgada material na concessão, ou não, na medida cautelar, porque o juízo sobre a necessidade de segurança prévia não se estende à totalidade da lide, à existência ou não da relação jurídico-material e do direito subjetivo material alegado”.81 E até os autores que, corretamente, distinguiam a segurança para a execução (v.g., arresto) e a execução para a segurança (v.g., os alimentos provisionais), reservando natureza cautelar tão só ao primeiro grupo de demandas, rejeitaram a formação da coisa julgada, porque inexistiria dose suficiente de declaração no provimento.82Além de arbitrária a afirmação, no que concerne à existência da pretensão à segurança, e, não, por óbvio, da “relação jurídico-material”, inexiste argumento plausível a amparar semelhante conclusão. A cognição do juiz, no processo verdadeiramente cautelar, de ordinário não investiga a existência da “relação jurídico-material”, contentando-se com sua aparência. Essa é a característica da cognição sumária, no caso, e semelhante dado não se afigura bastante para afastar a coisa julgada.83Por outro lado, impõe-se atentar à circunstância, ao contrário do que acontece na pretensão a executar, de o juiz julga a pretensão à segurança, declarando o autor merecedor, ou não, de garantia para seu hipotético direito. E note-se: garantia ainda que o direito seja hipotético. O ulterior desaparecimento dos efeitos práticos, v.g., do arresto dos bens do réu, concedido na suposição que exista relação de crédito entre as partes, porque o juiz declarou inexistir o crédito na demanda principal, nenhum relevo especial apresenta e não tem o alcance apontado. Ocorreu, por motivo superveniente, a modificação dos efeitos do julgado, e, como já se ressaltou em linhas anteriores, a coisa julgada jamais importará, realmente, a “imutabilidade dos efeitos”. Se a mudança dos efeitos, em decorrência de juízo emitido em causa distinta, ante a diversidade dos elementos que individualizam a demanda (as partes, a causa e o pedido, a teor do art. 337, § 2.º do NCPC), significasse a inexistência de coisa julgada, e investigando o órgão judiciário a área de cognição não coberta no primeiro processo, conviria negá-la nas ações possessórias, também sujeitas a reviravolta perante o juízo petitório. Por identidade de razões, a modificação e a revogação das medidas cautelares, a qualquer tempo, a teor do art. 296, caput, do NCPC parte final, respeita aos efeitos, naturalmente modificáveis.84 Não é este o teste hábil à demonstração da inexistência de coisa julgada na sentença cautelar. Parece mais promissor submetê-la ao crivo chamada função negativa, ou seja, a impossibilidade de repetir “ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado (art. 337, § 4.º do NCPC). Rejeitada a pretensão a obter arresto, porque o autor não exibiu direito verossímil, não cabe renovar essa demanda, salvo por novo fundamento, ou seja, invocando causa de pedir diversa. É estabelecido art. 309, parágrafo único, do NCPC: “Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte
renovar o pedido, salvo sob novo fundamento”. Daí por que, sem pejo da incoerência com a negação da coisa julgada, aduziu-se o seguinte: “Logo, se o Código permite a renovação do pedido por outro fundamento, cogita, na verdade, de outra ação, de outra demanda cautelar, diversa da anterior pelo fator causal”.85 A invocação de fundamento novo, ou seja, de outra causa de pedir, elimina a identidade que se encontra à base da incidência do art. 337, § 4.º do NCPC. Em realidade, a autoridade da coisa julgada opera, no provimento final porventura emitido no procedimento cautelar antecedente, em condições idênticas às da decisão de mérito na causa principal.86 Ressalva feita à rejeição do caráter jurisdicional nas medidas cautelares, considerando-as atos de polícia judiciária (Rechtspolizei),87 a negação do fenômeno decorre de duas confusões fáceis de evitar, a saber: (a) a indevida comparação entre a pretensão à segurança e a pretensão principal, cujos elementos objetivos (causa e pedido) são distintos; (b) a indevida relação entre autoridade de coisa julgada e a “imutabilidade de efeitos”. Seja como for, a jurisprudência do STJ nega autoridade de coisa julgada à sentença cautelar,88 motivo por que contra ela não cabe a rescisória do art. 966 do NCPC.89 176.3 Estabilidade da sentença arbitral – O art. 31 da Lei 9.307/1996 declara, enfaticamente, produzir a sentença arbitral, entre as partes e seus sucessores, “os mesmos efeitos da sentença proferida” pelos órgãos judiciários. É possível interpretar a menção a “efeitos” como relativa aos que se produzem, desaparecendo o litígio, no plano substancial, correspondentes às forças da sentença (respectivamente, a certeza, o estado jurídico novo, o título executivo, o intercâmbio patrimonial e a ordem). Assim, a inclusão da sentença arbitral no catálogo do art. 515, VII do NCPC nem sequer precisaria da cláusula final do art. 31 da Lei 9.307/1996, porque o título executivo constitui, realmente, o efeito natural da condenação. E, situada a coisa julgada no plano da eficácia, a ilação retirada da regra transparece nítida. Ela promove a equiparação entre o pronunciamento judicial e o do tribunal arbitral para todos os efeitos, incluindo o de produzir a eficácia peculiar de coisa julgada.90 A esse propósito, assinalou-se: “se a coisa julgada é um efeito da sentença e a sentença arbitral produz os mesmos efeitos da sentença proferida pelo Poder Judiciário, não há dúvida de que esta também se sujeita à autoridade da coisa julgada”.91 Essa equiparação, contudo, revela-se artificial, haja vista a marcante diferença no regime de impugnação da sentença civil e da sentença arbitral. O cerne da autoridade da coisa julgada reponta na estreiteza dos meios para impugná-la. Se a sentença transitada em julgada submete-se a impugnações do vencido, a qualquer tempo e por qualquer motivo, desapareceria a respectiva autoridade. Ora, desse ponto de vista, à sentença arbitral faltará, na prática, autoridade idêntica em toda a sua extensão à da sentença civil. Esforçou-se muito o legislador para mascarar a fraqueza congênita da sentença arbitral. Não lhe convinha, considerando o objetivo político de tornar a arbitragem atraente para os desavindos, apresentá-la sob as luzes da realidade. Por isso, o art. 32 da Lei 9.307/1996 autoriza a invalidação da sentença arbitral, por vício de atividade (errores in procedendo)
independentemente de ação rescisória (art. 966 do NCPC). É verdade que, nesse caso, limita a atividade do órgão judiciário ao juízo rescindente, vez que, invalidando a sentença arbitral, juiz “determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo (art. 33, § 2.º, I e II, da Lei 9.307/1996). Tal medida preserva a autoridade do(s) árbitro(s) perante o órgão judiciário, e, de resto, aparentemente inexiste controle sobre eventuais errores in iudicando. Pois bem. No âmbito dos vícios de atividade, o art. 32, VIII do NCPC autoriza o interessado a utilizar como da causa de pedir fatos caracterizadores de infração aos princípios do art. 21, § 2.º, da Lei 9.307/1996 – contraditório, igualdade das partes, imparcialidade do árbitro e livre convencimento –, descortinando vastíssimos horizontes ao controle jurisdicional da sentença arbitral. Com efeito, a infração ao livre convencimento envolverá, necessariamente, o cotejo do material de fato e a motivação da sentença arbitral, verificando o juiz se o árbitro apreciou bem ou mal a prova. Em outras palavras, o juiz aquilatará se ocorreu, ou não, discrepância entre o pensamento do árbitro, expresso na motivação da sentença, e a realidade demonstrada pela prova. Reexaminará, em suma, eventuais erros de fato do árbitro. A inaudita possibilidade de o juiz reexaminar a justiça da sentença arbitral vai bem além do regime mais conservador da rescisória. O art. 800 do CPC de 1939 pré-excluiu a rescisão das sentenças por “má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato” e, a despeito de semelhante dispositivo não ter sido reproduzido no CPC de 1973, todavia incluindo o erro de fato como causa de rescisão, em condições análogas ao art. 966, VIII, do NCPC, os pressupostos, neste último caso, mostram-se tão rígidos que, na realidade, número inexpressivo de sentenças comportará, em tese, rescisão por erro de fato. Além desse relevante dado sistemático, a circunstância de a sentença arbitral comportar impugnação por hipotética ofensa aos direitos fundamentais processuais (art. 32, VIII, c/c art. 21, § 2.º, da Lei 9.307/1996) já demonstra que o seu regime de controle se aproxima, ou equivale, à diretriz defendida nos casos de desconsideração (ou “relativização”) da coisa julgada (infra, 178). Por conseguinte, a sentença arbitral já se encontra “relativizada” por força de lei e, nesse sentido, representa magno exemplo de atenuação da coisa julgada. Tal conclusão não é nova e fora adiantada em linhas anteriores (retro, 30). O emprego da ação anulatória, em lugar da rescisória, levanta a suspeita de relatividade na equiparação enunciada no art. 31 da Lei 9.307/1997. Nos casos em que há a eficácia da coisa julgada (art. 502 do NCPC), os vícios do processo, uma vez transitada em julgado o provimento final (sentença ou acórdão), convolam-se em motivos de rescisão, subsumidos no art. 966, V do NCPC. E a investigação dos motivos de invalidação da sentença arbitral derruba o falso liame, confirmando a suspeita inicial. O error in iudicando, decorrente da infração ao princípio do livre convencimento, pode ser deduzido na impugnação, a teor do art. 33, § 3.º, da Lei 9.307/1996 – redação do art. 1.061 do NCPC –, o que jamais aconteceria no regime pleno da coisa julgada. O fato de a sentença arbitral exibir função equivalente à sentença proferida pelo órgão judiciário, ostentando – releve-se o excesso – natureza “jurisdicional”, não lhe confere, por essa única razão, autoridade de coisa
julgada.92 Existem sentenças proferidas pelo órgão judiciário (v.g., a sentença quanto à tutela cautelar antecedente) desprovidas dessa autoridade. A sentença arbitral é mais um caso de sentença “transparente”, desprovida da autêntica coisa julgada, vez que se mostrará suscetível a ataque direto na oposição do executado. Cuida-se de outra hipótese em que admissível a querela nullitatis insanabilis, equiparável à traçada no art. 525, § 1.º, I do NCPC. 176.4 Estabilidade da sentença contumacial – Segundo o art. 525, § 1.º, I do NCPC caberá impugnação para invalidar a sentença objeto do cumprimento nos casos de “falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia”. É o caso paradigmático de vício transrescisório. Essa espécie de vício torna a sentença “transparente”, desprotegida, enfim, da estabilidade própria da autoridade de coisa julgada, mas não comporta maiores generalizações (infra, 1.255.2). A cláusula final dos dispositivos condiciona as duas proposições iniciais (inexistência e invalidade da citação inicial no processo de conhecimento). Se o processo não ocorreu à revelia, independentemente da ocorrência, ou não, do efeito material (art. 344 do NCPC), a exemplo da hipótese em que o réu compareceu espontaneamente, arguindo ou não a falta ou o vício do chamamento ao processo, não tem lugar a invocação do art. 525, § 1.º, I do NCPC.93 Não importa, ao invés, a integração da capacidade processual do revel (art. 72, II do NCPC) e a natureza, comum ou especial, do procedimento. Feita abstração à natureza do vício da sentença proferida nessas condições, que se situa no plano da validade (art. 239, caput do NCPC), divisa-se a sobrevivência da vetusta querela nullitatis insanabilis.94 Em outras palavras, não se reveste a sentença da autoridade da coisa julgada, a exigir a respectiva desconstituição através de ação rescisória (art. 966 do NCPC). O vício apresenta gravidade suficiente para repelir a eficácia do art. 502 do NCPC. Em vista disso, em concurso eletivo, o executado dispõe de três caminhos, para eliminar o efeito executivo: (a) a rescisória, fundada no art. 966, V do NCPC; (b) a ação anulatória autônoma; (c) a impugnação do art. 525, § 1.º, I do NCPC. A jurisprudência do STJ já reconheceu, em parte, o concurso, proclamando: “O réu revel pode utilizar-se da ação declaratória do art. 486 do CPC {de 1973} para discutir a falta ou irregularidade da citação inicial no processo de conhecimento”.95 O emprego desses remédios dependerá somente de juízo de oportunidade do executado e, naturalmente, que não se tenha consumado eventual prazo preclusivo, a exemplo do prazo decadencial de dois anos para a rescisória (art. 975 do NCPC). E, por outro lado, deduzida a pretensão por qualquer desses meios, fecham-se os demais (electa una via, non datur tercius ad alteram).96 Na hipótese de êxito do executado, por intermédio de qualquer desses meios, o exequente deverá reiniciar o processo, promovendo a citação válida do réu. Escapam desse regime, todavia, alguns títulos previstos no art. 515, do NCPC a saber: (a) a sentença penal condenatória (art. 515, VI do NCPC), pois não cabe ao juiz civil invalidar o processo penal, matéria posta sob reserva da revisão criminal; (b) a sentença estrangeira (art. 515, VIII do
NCPC), porquanto a existência e a validade da citação integram o juízo de delibação perante o STJ; (c) a sentença homologatória de autocomposição judicial (art. 515, II do NCPC), porque pressupõe declaração de vontade do futuro executado, motivo bastante para relevar a falta ou a inexistência da citação; (d) a sentença homologatória de autocomposição extrajudicial (art. 515, III do NCPC), porque não lhe antecede processo judicial, a exigir prévia citação para sua validade (art. 539, caput do NCPC). Por outro lado, a emissão da sentença arbitral (art. 515, VII do NCPC) pressupõe o contraditório, e, assim, a impugnação contra a sua execução poderá versar esse assunto (art. 32, VIII, c/c art. 33, § 1.º, da Lei 9.307/1996). Mas, vencido o prazo previsto no art. 33, § 1.º, da Lei 9.307/1996, que é de noventa dias, a partir do trânsito em julgado, “não caberá no cumprimento da sentença qualquer impugnação com fundamento nos vícios do art. 32 da Lei 9.307/19”,97 ou seja, haverá preclusão dos remédios para corrigir o vício da sentença. 176.5 Estabilidade da sentença coletiva – Os direitos transindividuais imprimiram alterações do maior vulto no processo civil. O regime da coisa julgada é área em que o arejamento mais transparece, consagrando soluções específicas. A peculiar estabilidade da sentença coletiva ofereceu base sólida e visível às tentativas de edificação do processo civil coletivo como ramo autônomo e de fisionomia própria no tronco comum. Opções técnicas anteriores a esse regime, como no atinente à legitimidade ativa, predeterminam modificações no instituto voltado à segurança dos direitos assegurados em provimentos judiciais. Não é, pois, inteiramente exata a afirmativa que a coisa julgada remanesceu incólume, ampliando-se a noção de parte.98 O conjunto retrata o objeto litigioso. Por assim dizer, o volume e a densidade desse objeto, ou do direito posto em causa,99 tornaram excessivamente curto (mais do que antiquado) o figurino padrão da coisa julgada. O modelo legal alterou o alcance subjetivo da coisa julgada, nos processos em que o objeto litigioso abrange direitos difusos e coletivos,100 com o fito de adaptá-lo ao objeto litigioso coletivo sem bulir com os direitos fundamentais processuais (tutela dos direitos coletivos). Também conferiu feição própria ao instituto no caso de direitos individuais homogêneos (tutela coletiva dos direitos). Partiu-se do princípio intuitivo que a regra aplicável aos litígios individuais, limitando às partes os efeitos da sentença, e, a fortiori, a própria coisa julgada, não se acomodaria adequadamente aos direitos transindividuais. O juízo favorável para um só sujeito desses interesses implicará, por natural arrastamento, juízo favorável em relação ao conjunto das pretensões, coletiva ou individualmente consideradas. Por um lado, a lei não poderia exigir que todos os sujeitos, nem sempre identificáveis e fixos, ocupassem a posição de litisconsortes ativos na demanda coletiva, objetivo tão irrealizável, quanto incômodo. E, de outro, admitindo-se a pluralidade de demandas, há que instituir-se meio de uniformização dos resultados. À luz dessas preocupações, ponderando os interesses em jogo – a posição do réu não pode ser olimpicamente ignorada, porque é parte do conjunto e titular dos mesmos direitos fundamentais da coletividade –, e
rompendo com o modelo tradicional, o vínculo da coisa julgada precisará repercutir ad extra, atingindo, individualmente, as pessoas abrigadas no interesse difuso ou no interesse coletivo tornado objeto da demanda coletiva. Essa extensão subjetiva, ope legis, não prejudica o réu vencido. Presume-se que, desafiado por demanda coletiva e ciente dos efeitos terríveis de eventual vencimento, haja exercido vigorosa e plenamente o direito fundamental processual à ampla defesa. A renovação dessa defesa nas demandas individuais mostrar-se-ia redundante e onerosa. À semelhança, portanto, do regime dos efeitos civis da sentença penal, a sentença coletiva tem o efeito anexo ou secundário (infra, 1.681) de tornar certa a reparação do dano (rectius: a concessão individual do efeito jurídico objeto da pretensão coletiva,101 que não se cinge à condenação), permitindo a qualquer pessoa, demonstrando respectiva pertinência subjetiva (ou a titularidade do interesse) liquidar e executar individualmente a sentença coletiva de procedência. Integra o grupo das sentenças de procedência (infra, 1.581.3) os pronunciamentos de mérito que, embora baseados em negócio jurídico unilateral (reconhecimento do pedido) ou bilateral (transação), hajam formulado regra jurídica concreta favorável ao interesse transindividual. A extensão subjetiva opera ope legis, mas prescinde da construção artificial e errônea da ampliação do objeto litigioso.102 Soaria insólita a afirmativa, mal comparando, de a sentença penal condenatória ampliar, retroativamente, o objeto do processo criminal, introduzindo sorrateiramente a pretensão civil à reparação do dano ou, no mínimo, a declaração da responsabilidade de reparar o dano civil. O mesmo se passa quanto aos direitos difusos e coletivos em sentido estrito. Ao contrário do que sucede em caso de procedência da pretensão coletiva, todavia, afigurar-se-ia muito pouco razoável admitir repercussão desfavorável às pessoas que não participaram do processo coletivo. A tutela dos direitos coletivos não deve se transformar em fonte de sacrifícios intoleráveis para os terceiros. Tal efeito infringiria, escancaradamente, o direito ao devido processo legal previsto no art. 5.º, LIV, da CF/1988. Embora o êxito do réu pré-exclua a renovação da demanda por outro legitimado coletivo, o vínculo da sentença coletiva de improcedência não impede iniciativas individuais. Assim, quem alega a titularidade do interesse pode pleitear o bem da vida, cabendo ao réu renovar sua eficiente defesa, almejando a reprodução do juízo anterior. E há um tempero suplementar: a sentença de improcedência fundada em insuficiência da atividade de instrução, não obsta a renovação da própria pretensão coletiva. Forma-se a coisa julgada, nessa hipótese estrita, secundum eventus litis, repelindo o entendimento tradicional que desabona semelhante técnica legislativa.103 E empresta-se particular relevância ao fundamento (motivo) do decisum. Por óbvio, o direito fundamental de acesso à justiça do terceiro, desvinculando-o do desfecho do processo no caso de improcedência da pretensão coletiva, importa sacrifício parcial, mas relevante do direito fundamental de defesa. Esse inconveniente animou a crítica que se faz à extensão subjetiva secundum eventus litis, admissível na procedência, mas vetada na improcedência da pretensão coletiva.104 Não há solução plenamente satisfatória. Desprovida a sentença coletiva de procedência da sua eficácia vinculante erga omnes, embora limitadamente ao grupo, à classe
ou a categoria no interesse coletivo, nenhuma vantagem concreta à boa administração da Justiça Pública resultaria do processo coletivo. Ele servia apenas para indenizar o chamado fluid discovery (art. 100 da Lei 8.078/1990), individualmente insignificante ou insuscetível de quantificação. A solidariedade social impôs razoável sacrifício ao réu, quiçá litigante habitual, e, portanto, agente econômico apto a considerar esse risco no cálculo da sua atividade. Chegou-se, na ponderação desses problemas e dos interesses, ao ponto de equilíbrio possível: a extensão do juízo de procedência, in utilibus, para quaisquer interessados, e a irrelevância do juízo de improcedência para terceiros, ou seja, no tocante às pessoas que não participaram do processo coletivo. Não é diferente, atualmente, a extensão subjetiva da coisa julgada, nos termos do art. 506 do NCPC. O regime da coisa julgada nas relações de consumo, que constitui a disciplina comum da matéria, esclarece muito bem essa disciplina diferenciada, passando-se do panorama geral à explicitação dos dados legislativos. É natural que, tocando os direitos difusos a pessoas indetermináveis (art. 81, parágrafo único, I, da Lei 8.078/1990), torna-se imprescindível que a coisa julgada surta efeitos erga omnes, atingindo todos os titulares do direito, independentemente da pessoa que figurou como parte; tratando-se de pessoas indeterminadas, mas determináveis (direitos coletivos), porque pertencentes a grupo, a classe ou a categoria (art. 81, parágrafo único, II, da Lei 8.078/1990), a coisa julgada surtirá efeitosultra partes, atingindo todos os integrantes do grupo, da classe ou da categoria, independentemente da pessoa que figurou como parte, mas ninguém fora dos integrantes do grupo, da classe e da categoria. O direito fundamental processual do devido processo (art. 5.º, LIV, da CF/1988) impede que alguém seja privado do seu direito sem a prévia oportunidade de defendê-lo em juízo (retro, 127). Logo, a coisa julgada não poderia repercutir adversamente na esfera de qualquer pessoa. Desse modo, o art. 103, III, da Lei 8.078/1990 estabelece que a sentença, cuidando-se de direitos individuais homogêneos, tratados coletivamente (art. 81, parágrafo único, III, da Lei 8.078/1990), surtirá efeitos erga omnes tão só no caso de procedência. Em outras palavras, julgada improcedente a demanda coletiva, resta ao titular do direito individual homogêneo, e que não figurou como parte no processo coletivo, a qualquer título, tentar melhor sorte na demanda individual (art. 103, § 2.º, da Lei 8.078/1990). Por identidade de motivos, e no mesmo sentido, declara o art. 103, § 1.º, da Lei 8.078/1990, que a coisa julgada erga omnes (direitos difusos) ou ultra partes (direitos coletivos) não prejudicará “interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe”. Enfim, a coisa julgada opera normalmente, salvo no caso de instrução insuficiente, no plano transindividual. Ela vincula o(s) réu(s) e o(s) autor(es) e os legitimados ativos concorrentes mencionados no art. 82 da Lei 8.078/1990. Entretanto, atuando as garantias processuais individualmente e distinguindose o individual do transindividual, quanto à concretização do bem da vida (v.g., o
dano de A é 100, o de B é 50), a iniciativa singular do interessado, ou seja, a pessoa lesada por infração a direito difuso e coletivo, não pode e nem deve ser restringida, apesar de obrigar o réu a se defender (com êxito) tantas vezes quantas demandas lhe forem movidas. A sentença coletiva nas relações de consumo adquirirá a autoridade de coisa julgada: (a) no juízo de procedência, envolvendo os direitos difusos e os direitos coletivos, mediante vínculo erga omnes e ultra partes, vinculando os sujeitos do processo e, ademais, aproveitando as pessoas indeterminadas e os integrantes do grupo, da categoria e da classe, que poderão liquidá-la e executá-la individualmente, sem embargo da (preferível) liquidação e execução coletiva; (b) no juízo de improcedência, envolvendo os direitos difusos e os direitos coletivos, o vínculo se forma para os sujeitos do processo, salvo se fundada em insuficiência de prova, “hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova” (art. 103, I e II, da Lei 8.078/1990), mas, nesse caso, não atinge os direitos individuais das pessoas que não figuraram no processo; (c) no juízo de procedência, tratando-se de direitos individuais homogêneos, o vínculo se formará para os sujeitos do processo e para todos os titulares do direito individual homogêneo, que poderão liquidá-la e executála em nome próprio; (d) no juízo de improcedência, tratando-se de direitos individuais homogêneos, para os sujeitos do processo, mas os titulares dos direitos individuais, que não figuraram como partes, porque não acudiram ao edital do art. 94 da Lei 8.078/1990,105 poderão deduzir autonomamente a sua pretensão.106 E, consoante o art. 104, segunda parte, da Lei 8.078/1990, pendendo ação coletiva e ação individual, os efeitos do juízo de procedência beneficiarão o autor desta se requerer a suspensão do processo no prazo de trinta dias da ciência do ajuizamento daquela. Não há, portanto, qualquer estímulo ao titular do direito individual ingressar no processo coletivo, na condição de litisconsorte, ante o risco de eventual juízo de improcedência, e mover imediatamente a ação individual, porque não se beneficiaria, então, do juízo de procedência. É preferível aguardar o desfecho do processo coletivo. Na realidade, a coisa julgada, secundum eventus litis, somente aparece no caso de instrução insuficiente.107 É o que se infere do art. 103, I e II, da Lei 8.078/1990. Trata-se de solução antiga no direito brasileiro: o art. 18 da Lei 4.717/1965 declara que a sentença proferida na ação popular ostentará “eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por insuficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. As sentenças de procedência e de improcedência, na ação popular, adquirem eficácia de coisa julgada, sendo que, no caso da improcedência, sob a condição de o juiz declarar a pretensão infundada após instrução suficiente.108 Porém, rejeitado o pedido do autor da ação popular, porque insuficiente a prova do vício do ato ou do negócio administrativo, a sentença já não se revestirá dessa autoridade, e “‘qualquer cidadão’, como diz o texto – inclusive, portanto, o mesmo que intentara a primeira ação –, fica livre de demandar a anulação ou a declaração de nulidade do ato, invocando embora igual fundamento, e eventualmente obterá êxito, se for convincente a ‘nova prova’ agora produzida”.109 Por exceção, vez que, de ordinário, os motivos da sentença, “ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva” (art. 469, I do CPC/1973), não se tornam indiscutíveis em
processo ulterior, o fundamento da sentença determinará a existência, ou não, da autoridade de coisa julgada. A atenuação da coisa julgada, no caso de o juiz não lograr convencer-se e aplicar o antigo brocardo actore non probante, reus absolvitur, serve a dois propósitos simultâneos: (a) compensa a desvantagem do autor, cuja condição social e política talvez não lhe arme dos meios hábeis para reunir a prova indispensável ao êxito da pretensão, handicap não diminuído pelo oportuno exercício dos poderes instrutórios do juiz;110 (b) evita a colusão das partes, pois “não é inconcebível que se encontre um cidadão disposto a tomar a iniciativa da instauração do processo sem a intenção sincera de conseguir resultado favorável, mas, ao contrário, unicamente para provocar, mediante demanda mal instruída e condução negligente do feito, pronunciamento judicial que declare legítimo – valendo como autêntico bill of indemnity – o ato na realidade eivado de vício”.111 O regime da coisa julgada, nas relações de consumo, incide nas ações coletivas, tout court, por força do art. 21 da Lei 7.347/1985, e no mandado de segurança coletivo, a teor do art. 22, caput, e § 1.º, da Lei 12.016/2009.112 O art. 16 da Lei 7.347/1985, na redação da Lei 9.494/1997, introduziu importante limitação. Estabelece a regra que, na ação civil pública, a respectiva sentença “fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator”. Tal dispositivo revela-se extremamente infeliz. Ela confunde jurisdição (nacional), competência (critério de fixação da causa no juízo) e limites subjetivos do provimento final com coisa julgada.113 Não há como estabelecer limites à indiscutibilidade (autoridade da coisa julgada) “se o que se tutela são direitos indivisíveis e pertencentes à coletividade, a sujeitos indeterminados”, ou a sentença é indiscutível perante todos, ou é discutível, e, nesse caso, falta-lhe a eficácia peculiar da coisa julgada.114 Não há meio concebível para confinar a coisa julgada num determinado espaço físico (comarca ou seção judiciária). Feita abstração ao problema da constitucionalidade, plausivelmente sustentada por várias razões (v.g., vedação do retrocesso social),115 resta um sentido concebível à regra, delimitando o campo de incidência. Limitará a substituição processual da pessoa que promoveu a ação coletiva, tratando-se de direitos individuais homogêneos (v.g., os danos sofridos em razão de acidente no transporte aéreo regional), às pessoas domiciliadas no âmbito da competência territorial do juízo que proferiu a decisão.116 Desse modo, apenas as pessoas domiciliadas no espaço físico da comarca ou da seção judiciária aproveitarão eventual sentença de procedência. Tal interpretação se harmoniza, sistematicamente, ao disposto no art. 2.º-A da Lei 9.494/1997. Em relação aos direitos difusos e coletivos, na melhor das hipóteses ocorrerá impossibilidade prática e lógica de aplicar a regra; por exemplo, condenada rede de supermercados a identificar a data de validade dos produtos oferecidos ao público, revela-se impossível restringir o comando da sentença aos estabelecidos situados na circunscrição territorial do órgão judiciário.117 Vale observar que o STJ inclina-se a favor da regra, sem qualquer distinção quanto à natureza do direito objeto da demanda coletiva,118 mas com um temperamento de extrema importância: a
competência territorial do órgão prolator equivale à do tribunal competente para apreciar o recurso, reconhecendo, portanto, o efeito substitutivo do julgado superior previsto no art. 1.008 do NCPC.119 Em outra oportunidade, apreciando concurso nacional e a pretensão para reserva de vagas a favor de deficientes físicos, e, portanto, tratando-se de direito coletivo indivisível, porque pertencente a certo grupo de pessoas indeterminadas, mas determináveis, reconheceu que a limitação do art. 16 da Lei 7.347/1985 não se aplica aos direitos difusos e coletivos, porque a extensão dos efeitos da sentença à todo o grupo decorre, intrinsecamente, do direito posto em causa.120 Em geral, o regime da coisa julgada na sentença coletiva atende satisfatoriamente à premente necessidade de assegurar aos titulares de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, ou seja, na tutela de direitos coletivos e na tutela coletiva de direitos, proteção jurisdicional eficaz. Não é perfeita, entretanto, assoalhando o terreno para contradição lógica de julgados. Por exemplo, A promove ação individual contra B, baseado no dano individualmente sofrido por infração a direito difuso, mas não logra êxito; posteriormente, sobrevém sentença coletiva de procedência, dotada de eficácia erga omnes, mas que não o aproveitará, conforme dispõe o art. 104, segunda parte, da Lei 8.078/1990. O resultado desconfortável não tem solução cabal e nem sequer se afigura inédito: o lesado por fato contrário a direito que incidiu, simultaneamente, numa regra penal e no art. 186 do CC/2002, que moveu ação individual julgada improcedente por sentença transitada em julgado, tampouco pode invocar a ulterior sentença penal condenatória (retro, 35). 176.6 Estabilidade da sentença no mandado de segurança individual – Depreende-se do art. 487, I do NCPC que o juízo de procedência importa o acolhimento do pedido formulado pelo autor na ação ou pelo réu na reconvenção, empregando o juiz, conforme o caso (e a bem da clareza do dispositivo), o verbo (v.g., declarar, anular, condenar) correspondente à força predominante da ação material ou objeto litigioso; a improcedência, a rejeição do pedido. Existem, porém, algumas variações terminológicas derivadas do costume, e de origem remotas, que alcançaram consagração legal. Assim, no caso do mandado de segurança, mostra-se comum o uso dos verbos denegar e conceder, respectivamente, no juízo de improcedência e de procedência. Entretanto, o verbo denegar, usado em situações heterogêneas, assume alta dose de imprecisão no dispositivo da sentença ou do acórdão. Em si mesmo, não permite distinguir nitidamente as hipóteses de rejeição do pedido formulado no mandado de segurança, porque infundada a pretensão, e de inadmissibilidade do remédio processual, porque inexiste prova préconstituída do direito posto em causa na impetração (direito líquido e certo), hipótese em que o juiz tão só declara inadequado o remédio processual utilizado. É preciso investigar os fundamentos da decisão para verificar se a denegação, no caso concreto, implicou a rejeição do pedido (art. 487, I do NCPC) ou o órgão judiciário houve por bem extinguir o processo sem resolução do mérito, porque fundado em um dos casos do art. 485 do NCPC, inclusive – e principalmente – na hipótese da ausência de “direito líquido e certo”, objeto de tutela no mandado de segurança, a teor do art. 5.º, LXIX, da CF/1988 c/c art. 1.º da Lei 12.016/2009.
A sentença que acolher ou rejeitar o pedido formulado no mandado de segurança individual, porque fundado ou infundado, revestir-se-á da eficácia de coisa julgada,121 a exemplo de qualquer outra sentença proferida em processo de rito comum ou especial. A única limitação concebível, nessa matéria, consiste no caráter sumário da cognição. O mandado de segurança somente é admissível mediante prova pré-constituída do direito alegado (“direito líquido e certo”). Por essa razão, no mandado de segurança a cognição é plena e exauriente, mas opera secundum eventus probationis, ou seja, a análise do mérito subordina-se à existência de prova documental.122 Ora, a Súmula do STF, n. 304, dispõe: “Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria”. Tal orientação refletia-se, por sua vez, na possibilidade de o impetrante reclamar, por ação própria, o direito e respectivos efeitos patrimoniais (art. 15 da Lei 1.533/1951, atualmente revogada, e no art. 16, que proclamava: “O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito)”. É flagrante que só a denegação fundada no atual art. 485 do NCPC, máxime a declaração de inadmissibilidade do remédio, por força da inexistência de prova pré-constituída (“direito líquido e certo), porque não constitui decisão de mérito,123 franqueariam o acesso do impetrante à via ordinária. Denegada a segurança, porque inexistente o direito alegado, tout court, a autoridade de coisa julgada impede a renovação da demanda, e, a fortiori, o uso de “ação própria” para pleitear o direito e respectivos efeitos patrimoniais (v.g., as vantagens pecuniárias ilegalmente cortadas de servidor público e vencidas anteriormente à impetração, não compreendidas na impetração, conforme a Súmula do STF, n. 271). Esses dados históricos explicam o disposto no art. 19 da Lei 12.016/2009, in verbis: “A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais”. O provimento final (sentença ou acórdão) que julgar o mérito, declarando inexistente o hipotético direito do impetrante, produzirá a eficácia de coisa julgada,124 impedindo o uso de ação própria. Não ficam compreendidos no âmbito de abrangência do dispositivo os provimentos fundados na falta de “direito líquido e certo”, ou seja, na inexistência de prova pré-constituída, e na tipologia do art. 485 do NCPC. É mais um caso em que a motivação da sentença interessa para determinar o alcance do dispositivo e de atenuação da coisa julgada, agora secundum eventus probationis. E, a luz do art. 6.º, § 6.º, da Lei 12.016/2009, em casos tais e ainda não implementado o prazo de cento e vinte dias, previsto no art. 23 da Lei 12.016/2009, o impetrante poderá renovar a impetração, ministrando prova documental ou erradicando o vício apontado na primeira sentença.125 É verdade que o art. 19 da Lei 12.016/2009 menciona o uso de “ação própria”, subentendendo-se excluído o mandado de segurança;126 e, de fato, impõe-se que o impetrante produza a prova préconstituída, do contrário o segundo mandado de segurança revelar-se-á tão inadmissível quanto o primeiro. 177. Limites temporais da coisa julgada Em item anterior (retro, 175.2), firmou-se a noção de coisa julgada material, com o intuito de determinar o alcance do direito fundamental à estabilidade dos pronunciamentos judiciais. É a eficácia, precisamente a
eficácia da declaração, agregada à sentença definitiva na oportunidade em que se esgotam os meios de impugnação, para torná-lo indiscutível em controvérsias futuras. Filia-se o art. 502 do NCPC à fórmula clássica alemã,127 à exceção do rebarbativo emprego da palavra “imutável” – no contexto simples sinônimo de “indiscutível” –, e que identifica o atributo da indiscutibilidade ao efeito da declaração.128 Repelida a malsã inércia repetitiva, que evoca inexistente estabilidade dos efeitos, o art. 502 do NCPC indica que, esgotadas as impugnações à sentença, o ato adquire eficácia anteriormente inexistente, tornando “certo” seu conteúdo. Ora, gerar certeza constitui a finalidade precípua da declaração e, inversamente, sem declaração inexistirá certeza. Tal maneira de encarar a coisa julgada renega distinção assente e, seja permitido afirmar, dada como transitada em julgado prematuramente. Segundo semelhante teoria, a sentença nasce com todas as suas energias, incluindo a declarativa, e todas se tornam imutáveis após o esgotamento dos recursos cabíveis. Por exemplo, um dos maiores críticos do estatuto assevera: a “sentença não produz uma declaração: contém-na, e até se pode dizer que nela consiste, exclusivamente ou não”.129A despeito da autoridade de quem o subscreve, semelhante juízo se mostra indemonstrável na prática. Em ato falho, o autor da teoria rejeitada, a da imprópria estabilidade dos efeitos, reconheceu que “a declaração sem coisa julgada parece privada de importância e não serve para nada”.130 E, de toda sorte, “a prova teria de consistir em se apontar força ou efeito declarativo que não fosse a força ou o efeito de coisa julgada”.131 Repousando em inverossímil hipótese de trabalho, a transformação da maior função do processo com função de conhecimento – a eliminação da incerteza mediante a formulação da regra jurídica concreta – em singela qualidade dos seus efeitos,132 a tese prevalecente falha em ponto capital: a sentença, na condição de ato jurídico, irradia efeitos sujeitos a modificações, no futuro, por atos dispositivos das partes, como demonstra o insuperável exemplo da reconciliação dos cônjuges após o trânsito em julgado da separação.133 Eles não casam, outra vez, mas restabelecem a sociedade conjugal “imutavelmente” desconstituída, e, com isso, modificam o efeito da constituição (estado jurídico novo). Embora a proteção outorgada pela coisa julgada, os efeitos do provimento final (sentença, acórdão e decisão singular do relator) comportam mudanças supervenientes, em decorrência dos mais diversos fatores.134 Por outro lado, nada impede que se concebam pronunciamentos eficazes, mas desprovidos do atributo da 135 indiscutibilidade, no presente e no futuro, até por que a existência da coisa julgada material se prende antes a razões de conveniência, inculcadas pela finalidade de pacificação inerente ao processo, do que a algum elemento específico da função judiciária. Em linha de pesquisa paralela, a atenção dispensada às eficácias da sentença, no âmbito da coisa julgada, recolocou na pauta da processualística brasileira o exame do respectivo conjunto. Evoluiu-se no sentido de superar a restritiva classificação das resoluções do juiz em declarativas, constitutivas e condenatórias, ampliando-a para abranger, por igual, a força executiva e a mandamental, independentemente da função (cognitiva, executiva ou cautelar) do processo. A tripartição revelava-se insuficiente e falha, em determinados casos (v.g., na sentença substitutiva do contrato definitivo, a
teor do art. 501 do NCPC), e, salvo exceções,136 os antigos defensores dessa classificação retiraram-se derrotados da cena da batalha. Foi decisivo, a esse respeito, o art. 273 do CPC de 1973, ensejando a antecipação dos “efeitos” do pedido. A análise do objeto da decisão antecipatória evidenciou a autonomia das cinco eficácias, multiplicando os exemplos,137 a ponto de renitente expositor da reforma, com manifesta má vontade – “vá lá o emprego do adjetivo”, desabafou –, reconhecer episódico “caráter mandamental” da decisão.138 Na vertente oposta, a outrora majoritária e caudalosa corrente de processualistas adeptos da classificação tripartida escusam-se na inconsistente desculpa de não se preocuparem com a exatidão de seus esquemas classificatórios.139 Pois bem: a modificação dos efeitos da sentença, por um lado defeito crítico, por outro coloca sob nova perspectiva, mais fecunda e próxima das aspirações das partes, o conjunto das eficácias sentenciais. É certo que, emitido o provimento final, cria-se situação jurídica nova, passando a existir a regra jurídica concreta para o litígio. O fator tempo assume, então, frisante importância. O processo inicia no presente, mas acabará no futuro. Quando este chegar, os efeitos do provimento final – ou, mais precisamente, os do processo –, que por si mesmo constitui fato jurídico, lato sensu,140 reportam-se a algum momento, no passado, e vão até certo ponto, no futuro.141 Esses efeitos só aparecem com a sentença e, a mais das vezes, “só assumem aspecto prático na execução, sucessiva à sentença”.142 E a irradiação dos efeitos independe da coisa julgada, ela é a própria eficácia autônoma do pronunciamento e, salvante o reforço da indiscutibilidade, nenhuma importância assume para essa finalidade. A execução provisória, encetada na pendência de “recurso desprovido de efeito suspensivo” (art. 520, caput do NCPC), demonstra quão acidental e acessória se mostra a influência da indiscutibilidade dos efeitos nesse campo. Do ponto de vista da irradiação dos efeitos no presente e no passado, o ponto de partida ideal distinguirá os efeitos do ato e os efeitos do conteúdo do ato. No tocante ao ato, o termo inicial da produção dos efeitos coincide, na generalidade dos casos, com a previsão de recurso desprovido de efeito suspensivo. Se há recurso suspensivo previsto contra o ato, a sentença nasce ineficaz, cessando a inibição no caso de não interposição ou de julgamento do recurso efetivamente interposto pelo vencido, não sendo, na sequência, cabível outro recurso suspensivo. Eventualmente, a lei submete a eficácia latente a terminus paritionis, a exemplo do prazo de trinta dias fixado para o inquilino desocupar o prédio locado (art. 63, caput, da Lei 8.245/1991), seja definitiva ou provisória a execução.143 É vedado ao locador promover a desocupação forçada antes de esgotado o prazo.144 E, por óbvio, tal prazo respeita tão só ao pronunciamento judicial, pois é estranho à relação locatícia. Por outro lado, não raro estabelece termo ou condição, implicando a cessação da eficácia do pronunciamento, verbi gratia: (a) a da sentença cautelar, se a parte não intentar a ação principal, ou deixar de executá-la no prazo de trinta dias (art. 309, I e II do NCPC), e sobrevindo extinção do processo principal com ou sem julgamento de mérito (art. 309, III do NCPC); (b) a do provimento exequível provisoriamente (art. 520, II do NCPC), sobrevindo julgamento desfavorável do recurso pendente. Passando ao exame do conteúdo, há casos em que autor procura influir no termo da relação litigiosa,145 como acontece no pedido de renovação da
locação de imóvel destinado ao comércio (art. 51 da Lei 8.245/1991), e, assim, o objeto litigioso envolve, necessariamente, dado temporal. No entanto, as eficácias da sentença, individualmente avaliadas, têm sua intrínseca dimensão no tempo. A declaração reporta-se à existência ou inexistência de relação preexistente, e, por isso, opera ex tunc,146 ou seja, retroage à época do nascimento da relação controvertida, frisante característica que lhe confere “retroatividade total”.147 Excepcionalmente, o juiz declara relação futura, maneira elíptica de aludir ao “que é presente, tal como, no futuro, produzirá, inevitavelmente, a relação jurídica de que se trata”.148 É o caso da ação em que se busca declarar quem é o beneficiário do contrato de seguro antes de se verificar o risco coberto.149 Em contrapartida, a eficácia constitutiva, em geral, é ex nunc.150 E isso, porque o estado jurídico novo surge com a sentença.151 Às vezes, porém, a eficácia é ex tunc, como ocorre na ação de resolução do negócio bilateral em virtude do inadimplemento de algum parceiro.152 Esta demanda dissolve o contrato, retroativamente, e repõe seus figurantes no estado anterior à formação do negócio jurídico, como se ele não se tivesse constituído. É mais duvidoso o efeito ex tunc atribuído à sentença de interdição.153 A circunstância de a decisão acerca da incapacidade do réu produzir seus efeitos típicos, desde logo, embora sujeita a recurso (art. 1.173 do CC/2002), não a afasta do padrão ex nunc.154 É tão só caso anômalo de apelação desprovida de efeito suspensivo. De seu turno, a eficácia condenatória retroage à data em que ocorreu a violação do direito. Portanto, é dotada de efeito ex tunc.155 Ela visa repor o patrimônio do autor no estado em que se encontrava antes do ilícito.156 Nunca se alcançaria tal salutar objetivo sem a retro-eficácia. No entanto, há regras que temperam a retroatividade máxima e o regime de contagem de juros fornece vários e heterogêneos exemplos. Os juros de mora, no caso de ilícito, fluem da data do evento (Súmula 54 do STJ). Na ação de repetição do indébito, os juros se contam do trânsito em julgado da sentença, a teor do art. 167, parágrafo único, do CTN (Súmula 188 do STJ). E, por fim, a eficácia executiva e a mandamental operam ex nunc. É próprio da natureza dos respectivos efeitos se efetivarem no cumprimento, e não antes, inovando no terreno substancial. Essas considerações preparam o terreno para chegar ao problema que realmente interessa em tópico dedicado ao direito fundamental à estabilidade: a resolução autoritária da lide, em razão de seu conteúdo, e independentemente da proteção que lhe é conferida pela eficácia da coisa julgada, não se afigura vitalícia, nem fica imune a eventos supervenientes. Sob certo aspecto, semelhante afirmativa corresponde ao mais elementar senso comum: no arquivo público jazem os bens da vida adquiridos com as galas da coisa julgada, mas que pereceram juntamente com o falecimento dos vencedores. A projeção da autoridade da coisa julgada no futuro sofreu algumas incompreensões, em virtude da falta de maior firmeza e clareza no seu autêntico conceito. Em relação à sentença que decreta a separação dos
cônjuges, o antigo desquite, costumava-se declarar o seguinte: “Esta sentença nunca passa em julgado; e podem os cônjuges reconciliar-se, e reverter à coabitação a qualquer tempo”.157 Por sua vez, no tocante à sentença proferida na ação de alimentos, porque resolução “volúvel”, tampouco adquiriria autoridade de coisa julgada, vez que “exposta a ser retratada em qualquer tempo, em que ao alimentante sobrevenha indigência, ou ao alimentário opulência”.158 Ora, o primeiro alvitre revela-se simplesmente errôneo. A circunstância de o efeito (no caso, o estado jurídico novo de separado ou de descasado) da sentença comportar modificação, no futuro, não contraria, absolutamente, a coisa julgada. É acontecimento natural e, a mais das vezes, desejável. Efeitos são, por natureza, mutáveis. Nada impede, por exemplo, que o autor da demanda de reparação de danos, após o trânsito em julgado da sentença de procedência, simplesmente perdoe o réu vencido. Dissolvido o contrato, em virtude do inadimplemento de um dos parceiros, nada impede que os figurantes do negócio restaurem o vínculo, porque do mútuo interesse. Os exemplos podem se multiplicar ao infinito. Porém, o problema concernente à sentença de alimentos suscita maiores cuidados. Flagrantemente, na ação de alimentos o órgão judiciário aprecia relação jurídica continuativa. Vale, portanto, breve digressão sobre semelhante classe de relação, tomando como paradigma o contrato. É comum classificarem-se os contratos por diversos critérios, avultando o que distingue os contratos de execução instantânea, por sua vez divididos em contratos de execução imediata (v.g., a compra e venda à vista) e em contratos de execução diferida (v.g., a compra e venda a prazo), e os contratos de duração. Neste grupo, há duas subespécies: (a) contratos de execução periódica, nos quais as prestações se repetem em determinados lapsos de tempo (v.g., a locação); e (b) contratos de execução continuada, nos quais a prestação é única e ininterrupta (v.g., o depósito). No plano do direito material, essas categorias submetem-se a regime jurídico diferente, no que tange à dissolução, e, por igual, postulando o parceiro fiel o respectivo cumprimento.159 Bem se compreende que, tratando-se de contrato de duração e pedindo o figurante o seu cumprimento, haverá condenação para o futuro, ou seja, assume relevo o fator tempo. Os efeitos da sentença subordinar-se-ão ao termo próprio de cada uma das prestações periódicas, hipótese antevista no art. 514 do NCPC. Ora, as características da relação jurídica alimentar, condicionada e variável, no sentido que a relação mesma tem seus elementos alterados segundo o curso do tempo,160 repercutem no conteúdo da sentença e na produção dos seus efeitos. Tal espécie de relação jurídica, tornandose litigiosa e objeto de julgamento, inspirou o isolamento de classe autônoma de provimentos, chamadas de sentenças “determinativas” (festsetzende Urteil), em que a atividade do juiz cingir-se-ia a alterar o conteúdo da relação jurídica preexistente.161 Em casos tais, cumpre ao órgão judiciário fixar o elemento da relação jurídica (v.g., o valor dos alimentos; o preço na compra e venda) segundo critérios de justiça e de oportunidade, qual árbitro privado.162 A lei processual brasileira não descurou desses fenômenos do direito material. Parece excessivamente óbvio que, nos contratos de execução instantânea, após o trânsito em julgado da sentença, nenhum fato superveniente se apresente idôneo, em tese, para influir sobre os elementos da relação jurídica.163 Quanto às relações de duração, porém, o quadro muda de figura, e, por isso, dispõe o art. 505, I do NCPC que nenhum juiz decidirá, outra vez, as questões relativas à mesma lide, salvo se, “tratando-se de
relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”. E o art. 15 da Lei 5.478/1968, de maneira categoria, vai além, rezando o seguinte: “A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados”. Regras diferentes na formulação, todavia visam ao mesmo escopo: eliminar, no futuro, a autoridade da coisa julgada, porque a autoridade do julgado não se coadunaria com eventos futuros. Fatos supervenientes, e as alterações de direito (v.g., negado o pedido de casamento entre pessoas do mesmo sexo, o ulterior reconhecimento da existência desse direito, legislativamente ou não, permite a renovação do pedido),164 obviamente podem ser alegados no processo ulterior sem atacar e vencer a autoridade da coisa julgada. Não assenta nessas bases precárias o funcionamento do instituto. Ele impede que o vencido obtenha “nova sentença relativamente à mesma situação de fato contemplada na outra”,165 mas não a alegação de nova situação de fato – superando, desse modo, os limites objetivos do julgado anterior (infra, 177) –, e que por essa via o vencido alcance novo pronunciamento, posto que sobre a mesma relação jurídica. Por exemplo, no ano de 1995, A é condenado a prestar x de alimentos a B, porque, naquela altura, a quantia de x atendia, de um lado, às necessidades vitais de B, e, por outro lado, correspondia a um terço da renda de A, empregado por C. Em 1997, porém, A é despedido por C, e pleiteia ao juiz que reduz os alimentos ao valor de y, pois contratado por D, recebe um salário equivalente à metade do anterior. A segunda demanda se mostraria possível declarasse, ou não, o art. 15 da Lei 5.478/1968 não transitada em julgada a sentença anterior. Ela versa situação de fato diferente, porque os fatos da vida alteraram a relação jurídica material. O que se torna impraticável, perante a coisa julgada, consiste em Aobter do juiz pronunciamento que declare que, na vigência do seu emprego em C, não deveria x mensalmente a B, mas y. Eventual pronunciamento favorável a A, nesse segundo processo, violaria a coisa julgada material, pois o órgão judiciário apreciaria, outra vez, a mesma situação de fato de uma relação jurídica sem modificações. Não é diferente, em matéria tributária, a orientação da Súmula do STF, n 239: “Decisão que declara indevida a cobrança de imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores”. Os chamados limites temporais da coisa julgada representam falso problema. Não constituem restrição ao direito fundamental à estabilidade. Em realidade, os efeitos do provimento final (sentença, acórdão ou ato singular do relator) retroagem, ou não, a algum momento passado, os efeitos irradiam-se a partir do presente, focalizando e resolvendo as questões de fato e as questões de direito relativas ao objeto litigioso em determinado momento do processo – entre nós, porque permeável o objeto litigioso aos fatos e aos direitos supervenientes (art. 493 do NCPC), o termo definitivo verifica-se no julgamento da causa –, e os lançam-se ao futuro, indefinidamente, salvo termo ou condição que lhes façam cessar. A autoridade da coisa julgada é atemporal. Ela não obsta que os efeitos do provimento final sejam modificados no futuro ou que fatos futuros sejam utilizados para obter novo pronunciamento. O direito à estabilidade, ou coisa julgada, opera em níveis
mais baixos e naturais e tão só impede que, no segundo processo, reexaminando o mesmo material de fato e de direito, o juiz revise o pronunciamento anterior, e, assim, o vencido subtraia do vencedor o bem da vida que originalmente lhe fora atribuído. 178. Desconsideração da coisa julgada A possibilidade de a coisa julgada encobrir uma resolução injusta ou ilegal do litígio é velho e insolúvel problema. Embora não seja dado ao órgão judiciário derrogar a legalidade (constitucional) na formulação da regra jurídica concreta para o litígio – juízo segundo a legalidade (infra, 946) –, substituindo a norma abstrata por outra que lhe melhor aprouver, a aplicação do direito aos casos concretos exige um hercúleo esforço hermenêutico – seleção, interpretação, valoração e integração –, cujo produto é altamente duvidoso. Nada assegura a subsunção e (aumentando os riscos) a concretização correta. A eficácia da coisa julgada, neste caso, descansa nos valores (segurança e certeza) diretores do instituto (infra, 2.130). Não se cuida de alforria prévia para descumprir a lei e apreciar mal os fatos. É mais remédio doloroso e radical para tornar irrelevantes esses defeitos, sacrificando a justiça em prol da estabilidade. E o órgão judiciário tem legitimidade constitucional, sem dúvida, para resolver os litígios e a formular a regra concreta aplicável com essa consequência. É completamente diferente a situação do provimento judicial ao formular regra jurídica concreta oposta aos direitos consagrados na Constituição. Após o trânsito em julgado, semelhante provimento provoca problema impropriamente chamado coisa julgada “inconstitucional”. Ocorrendo semelhante divergência, presumivelmente por equívoco hermenêutico, já não se poderá legitimamente invocar os valores (certeza e segurança) que norteiam o instituto e até mesmo protegem o provimento desconforme com o direito infraconstitucional (sentença injusta ou ilegal). O direito fundamental processual à estabilidade, ou coisa julgada, não exibe estatura superior à da própria Constituição, que lhe instituiu, fundamenta e imuniza contra as investidas despóticas do legislador. Feliz síntese resume o problema: “O que verdadeiramente está em causa nas decisões judiciais inconstitucionais não é a violação de uma vontade jurídica dotada de idêntica legitimidade constitucional, tal como sucede nas decisões judiciais violadoras do direito infraconstitucional: os tribunais são titulares de um poder constituído e não constituinte; o poder judicial detém uma soberania exercível nos quadros da Constituição, não podendo criar decisões sem fundamento directo ou em oposição ao preceituado na Lei Fundamental”.166 Essa ideia assoalhou a teoria da desconsideração da coisa julgada que empolgou, nos últimos tempos, setores expressivos da doutrina nacional.167 Ela é muito antiga; por exemplo, no início do século XX, a doutrina alemã advogava o sacrifício da coisa julgada por razões morais e de equidade.168 Os movimentos reformistas do último quartel do século XX, visando à “deflação” do contencioso, erigiram procedimentos sumários e que culminam com resoluções sem autoridade de coisa julgada, recebendo censura os que teimam em negar-lhes semelhante eficácia.169
O desprezo à coisa julgada, em casos tais, alimenta-se na crise que atinge a segurança jurídica. Esse valor entrou em flagrante declínio e retrocesso. As razões desse fenômeno perturbador são complexas e obscuras. O fato é que, repercutindo na coisa julgada, diz-se que a eficácia da declaração há de ceder à justiça. É emblemática a reabertura de investigações de paternidade há muito tempo julgadas, e vencido o prazo da rescisória, em virtude do advento de nova prova técnica.170 O fundamento da desconsideração se localizaria no princípio da dignidade da pessoa humana, estruturante da ordem jurídica, que asseguraria à pessoa humana a localização da respectiva identidade e origem.171 Curiosamente, a própria identidade só importa se o pai faleceu e deixou patrimônio de vulto. Parece mais palatável a modificação do valor da desapropriação, que se tornou iníquo pelo transcurso do tempo.172 Em tal hipótese, realmente, o art. 5.º, XXIV, da CF/1988, assegura, de modo direto e irretorquível, a “justa” indenização em dinheiro. Dessas hipóteses retirou-se a generalização que a coisa julgada pode ser ignorada em duas espécies de sentenças: (a) as que consagrem um comando materialmente impossível; (b) as que hajam sido proferidas em desacordo com valores humanos, éticos e políticos da Constituição, postos ao lado da coisa julgada no rol dos direitos fundamentais.173 Um dos mais graves problemas, nessa área, e ainda sem solução satisfatória, reside na emissão de pronunciamentos opostos para casos homogêneos e similares. A multiplicidade de órgãos judiciários competentes, em razão da matéria, e a independência jurídica dos magistrados, propiciam a emissão de decisões contrastantes. Em alguns casos, a reviravolta da jurisprudência produz esse resultado – a pessoa que ingressou em juízo por último, ou cujo processo demorou mais do que os congêneres, acaba colhendo a negativa para um direito que a outras pessoas foi tranquilamente reconhecido. A instituição de um remédio específico, visando à uniformização dos julgados discrepantes,174 ou, mais simplesmente, a possibilidade de extensão dos efeitos da sentença a todas as pessoas na mesma situação jurídica (v.g., tributária), conquanto individual o processo 175 paradigma, encaminhariam solução expedita para o problema. A desconsideração da coisa julgada não é isenta de graves inconvenientes. Primeiro, a renovação da controvérsia arrebata do vencedor a segurança, gerando descrédito à obra da Justiça Pública e onerando a máquina judiciária com outro litígio. Segundo, tem o potencial de subverter a hierarquia judiciária, compelindo o magistrado de primeiro grau a controlar a compatibilidade do acórdão do tribunal superior com a Constituição.176 Na realidade, o caráter absoluto emprestado à autoridade de coisa julgada sempre foi antes uma questão de fé e de consenso do que real impedimento à iniciativa da parte. Livre que é o acesso à Justiça, e a consequente formação do processo, através da demanda do autor, somente o acolhimento fatal e inexorável da respectiva preliminar (art. 337, VII do NCPC), seja por força de alegação do réu, seja através de apreciação ex officio do juiz, provocando a extinção do segundo processo (art. 485, V do NCPC), desestimulava o vencido a pôr em causa, outra vez, o mérito definitivamente julgado.
Desaparecendo essa fé, sob o pretexto de observar equivalentes direitos fundamentais, quiçá de maior altitude, não se revela difícil prever que todas as portas se escancararão às iniciativas do vencido. O vírus do relativismo contaminará, fatalmente, todo o sistema judiciário. Nenhum veto, a priori, barrará o vencido de desafiar e afrontar o resultado precedente de qualquer processo, invocando hipotética ofensa deste ou daquele valor da Constituição. A simples possibilidade de êxito do intento revisionista, sem as peias da rescisória, multiplicará os litígios, nos quais o órgão judiciário de primeiro grau decidirá, preliminarmente, se obedece, ou não, o pronunciamento transitado em julgado do seu Tribunal e até, conforme o caso, do STF. Tudo, naturalmente, justificado pelo respeito obsequioso à Constituição e baseado na volúvel livre convicção do magistrado inferior. Revela-se flagrante o risco de se perder qualquer noção de segurança e de hierarquia judiciária. Ademais, os litígios jamais acabarão, renovando-se, a todo instante, invocando o interessado este ou aquele direito fundamental. Para combater semelhante desserviço à Nação, urge a intervenção do legislador, com o fito de estabelecer, previamente, as situações em que a eficácia de coisa julgada não opera na desejável e natural extensão e o remédio adequado para retratá-la. Enquanto tal não ocorre, “quebrar” a coisa julgada, em nome de qualquer direito constitucional, e violar o regime infraconstitucional para fazê-lo (v.g., admitindo rescisória após o prazo de decadência),177 na verdade quebra a confiança do cidadão na jurisdição.178 Para essa finalidade, cumpre avaliar dois vetores autônomos: (a) da tipificação dos pronunciamentos viciados; e (b) das modalidades de controle. No que tange ao primeiro aspecto, há três espécies: (a) o pronunciamento viola diretamente regra ou princípio constitucional; (b) o pronunciamento aplica norma declarada inconstitucional; e (c) o pronunciamento recusa a aplicação de norma, sob a alegação de inconstitucionalidade, sem que haja tal vício.179 É o primeiro tipo de pronunciamento que enseja dificuldades maiores. Por exemplo, a suposta falta de observância do direito ao contraditório, ou de qualquer outro direito processual fundamental, no curso do processo, comprometeria a eficácia reconhecida no art. 502 do NCPC ao provimento final.180 O fundamento teórico utilizado, nesses casos, para fundamentar a desconsideração da coisa julgada, a da classe dos vícios transrescisórios, é altamente inconveniente por sua intrínseca indeterminação. Fora das hipóteses previstas na lei, a exemplo do art. 525, § 1.º, I do NCPC – falta ou invalidade da citação, correndo o processo à revelia –, não pode ser admitido. Tampouco convence a tese mais elaborada que visualiza a regra jurídica concreta, contida no provimento final, passível de controle difuso de constitucionalidade no segundo processo.181 Não pode o órgão judiciário de hierarquia inferior rever a regra jurídica concreta do tribunal e, se for o caso, pelo STF. A segunda hipótese se encontra prevista, no direito pátrio, no art. 525, § 12 do NCPC. A lei brasileira anterior importara, por oportuna sugestão de Ministro do STF,182 o § 79-2 da Lei do Bundesverfassungsgericht. Em síntese, o pronunciamento judicial que aplicou regra posteriormente declarada inconstitucional, no controle concentrado, permanece íntegro, mas o ato deixa
de produzir seus efeitos naturais,183 e, por conseguinte, eventual execução nele fundada se mostrará inadmissível. É a única aceitável nesses domínios. Por fim, a hipótese sob (c) se reduz, a rigor, à primeira. Os tribunais brasileiros só podem declarar a inconstitucionalidade respeitando a regra da reserva do plenário (art. 97 da CF/1988) ou full bench. Então, surgem duas variantes concebíveis: primeira, o tribunal respeitou a regra, hipótese em que o julgado não padecerá de nenhum defeito; segunda, o tribunal não respeitou a regra, e, portanto, infringiu diretamente o art. 97 da CF/1988. Residualmente, as sentenças proferidas pelo órgão judiciário de primeiro grau, e que nele transitaram em julgado, porque o vencido não interpôs o recurso próprio, afastam-se desse padrão. Também aí, porém, em tese houve violação da Constituição, porque foi mal exercido o controle de constitucionalidade. O remédio alvitrado para corrigir os vícios delineados hipóteses (a) e (c) é a querela nullitatis insanabilis, considerada, simplesmente, “a melhor técnica para se discutir se houve a garantia do processo legítimo”.184 As razões já expendidas rejeitam seu emprego fora dos casos legais (v.g., art. 525, § 1.º, I do NCPC). O enfraquecimento da coisa julgada constitui tese perigosa, e, por isso, o STF a rejeitou peremptoriamente.185 No entanto, no controle abstrato (ou concentrado) de normas, o STF admite a relativização para reconhecer inconstitucional o que se declarara anteriormente constitucional (relativização de mão única),186 a fim de preservar a supremacia da Constituição.
Título III - Institutos fundamentais do processo civil
Seção I - Poder genérico do juiz
Capítulo 13. JURISDIÇÃO SUMÁRIO: § 44.º Jurisdição contenciosa – 179. Conceito de jurisdição – 180. Funções da jurisdição – 181. Características da jurisdição – 181.1 Inércia do órgão judiciário – 181.2 Imparcialidade do órgão judiciário – 181.3 Palavra final do órgão judiciário – 182. Espécies de jurisdição – 182.1 Jurisdição civil e penal – 182.2 Jurisdição comum e especial – 182.3 Jurisdição inferior e superior – 182.4 Jurisdição contenciosa e voluntária – 183. Controle da jurisdição no processo – § 45.º Princípios da jurisdição – 184. Enumeração dos princípios da jurisdição – 185. Princípio da pré-constituição do órgão judicante (juiz natural) – 186. Princípio da inafastabilidade do controle judiciário – 187. Princípio da universabilidade do controle judiciário – 188. Princípio da inevitabilidade do controle judiciário – 189. Princípio da indelegabilidade do controle judiciário – 190. Princípio da indeclinabilidade do controle judiciário – 191. Princípio da definitividade do controle judiciário – § 46.º Jurisdição voluntária – 192. Natureza da intervenção na autonomia privada – 193. Meios de intervenção na autonomia privada – 194. Forma da intervenção na autonomia privada – 195. Objeto da intervenção na autonomia privada – 196. Classificação da intervenção na autonomia privada – § 47.º Limites da jurisdição brasileira – 197. Limites da jurisdição – 198. Princípios informativos dos limites da jurisdição – 198.1 Princípio da efetividade da jurisdição brasileira – 198.2 Princípio da submissão à jurisdição brasileira – 198.3 Princípio do amplo acesso à jurisdição brasileira – 198.4 Princípio da
inconveniência da jurisdição brasileira – 199. Espécies de limitações da jurisdição – § 48.º Jurisdição internacional exclusiva – 200. Casos de jurisdição internacional exclusiva – 201. Litígios sobre imóveis situados no território brasileiro – 201.1 Litígio sobre invalidação de patente – 201.2 Falência com bens imóveis no território nacional – 202. Partilha de imóveis situados no território brasileiro – § 49.º. Jurisdição internacional concorrente – 203. Casos de jurisdição internacional concorrente – 204. Jurisdição concorrente segundo o domicílio – 205. Jurisdição concorrente segundo o lugar do cumprimento da obrigação – 206. Jurisdição concorrente segundo o lugar do fato ou do negócio – 207. Jurisdição concorrente segundo eleição de foro – 208. Jurisdição concorrente e efeitos da litispendência – § 50.º Limites internacionais subjetivos da jurisdição brasileira – 209. Regime das imunidades jurisdicionais – 210. Imunidade pessoal à jurisdição brasileira – 211. Imunidade patrimonial à jurisdição brasileira. § 44.º Jurisdição contenciosa 179. Conceito de jurisdição O único modo civilizado para resolver os conflitos individuais e transindividuais (retro, 1), necessariamente surgidos na vida social, consiste em encarregar a solução ao Estado e fazê-lo por intermédio de um órgão específico, cercado das prerrogativas especiais da autonomia funcional e da independência jurídica e política para cumprir a sua missão (infra, 923 e 924), assegurando-lhe a função de terceiro imparcial. O modelo surgiu com a criação do Estado liberal.1 O caráter “social” do processo civil contemporâneo não alterou a função precípua e básica do órgão judicial, aumentando-lhe, ao invés, os poderes instrumentais e as metas políticas, por intermédio de movimento visando à entronização das autoridades judiciárias na cúspide do Estado Democrático Constitucional. O poder estatal de resolver os conflitos originados da vida social, tecnicamente designados de “lide” no jargão do processo civil, através de decisão autoritária, chama-se de jurisdição. O Estado ministra os meios materiais e técnicos para o desenvolvimento útil e tempestivo desse poder específico, assunto agrupado no âmbito clássico da organização judiciária (Justizverwaltung).2 No tocante ao poder de resolver a lide, não faltam definições mais ou menos similares à exposta.3Partindo-se da noção ampliada e retificada de lide (retro, 1),4 salta à vista o conflito constituir a causa da jurisdição.5 Em outras palavras, inexistissem lides e não exibissem elas elevado potencial de desagregação da vida em sociedade, não se sentiria a menor falta da atividade jurisdicional, ocupando-se o Estado de outras atividades de maior relevância (v.g., os serviços de saúde). É verdade que o processo civil assumiu, no Estado Constitucional Democrático, funções sociais de largo alcance. Feliz síntese aponta-lhe os seguintes escopos complementares e concorrentes: (a) a promoção da igualdade, mediante a atenuação das diferenças de tratamento das pessoas, em virtude de sua condição social, econômica, cultural, racial, política e religiosa; (b) a otimização do sistema jurídico, garantindo às pessoas os bens previstos na Constituição.6
À luz desses ambiciosos objetivos, especialmente do segundo, naturalmente cogita-se da suficiência do critério fundado na lide para enunciar a essência da jurisdição; porém, a realização dos direitos fundamentais sempre ocorrerá tendo como pano de fundo e causa os conflitos individuais e transindividuais. Problema diferente é da aptidão, em tese, da pessoa investida na função judicante e dos respectivos instrumentos para realizar esses objetivos políticos. Os resultados não se mostram animadores. Ao contrário, nenhum deles materializou-se na realidade social e, infelizmente, o órgão judiciário perdeu o foco na missão fundamental de resolver lides individuais rápida e eficientemente. A jurisdição constitui importante serviço público a cargo do Estado. O signo mais evidente do poder, na história da humanidade, reponta na administração da Justiça,7 mas atividade do órgão judiciário representa especialização no contexto das funções do Estado. Nessa qualificação não se menoscaba a função do juiz no mundo contemporâneo, nem se adere à concepção de jurisdição forjada em séculos passados, buscando-se somente apresentá-la na forma direta e simples pela qual o litigante visualiza o aparato judiciário. Se ela não corresponde às expectativas, ou à tarefa que a História impõe nas elucubrações filosóficas,8 é outro problema. A função judicial aqui retratada corresponde à realidade. A jurisdição é um dever do Estado, uma função estatal,9 contrapartida do veto à autotutela, e prestado através da mecânica do processo. O étimo da palavra “jurisdição” significa dizer o direito. Essa tarefa já não representa o atual conjunto de atribuições confiadas ao órgão judiciário (retro, 2).10 No entanto, o uso corrente e o vezo da tradição respaldam seu emprego. Logo acode à mente, à sua simples menção, a atividade de que se trata. Os fins da jurisdição se apresentam nítidos na estrutura estatal. O Estado obriga-se a resolver os conflitos sociais, porque proibiu a autotutela.11 Nenhum conflito, por essa razão, pode ser excluído da apreciação do órgão judiciário competente (art. 5.º, XXXV, da CF/1988).12 O direito à tutela jurídica do Estado, ou direito de acesso à Justiça é o direito fundamental processual básico (retro, 120), subjetivamente universal, objetivamente incondicionado. Dele decorrem todos os demais direitos fundamentais processuais, incluindo a cláusula geral do devido processo (art. 5.º, LIV, da CF/1988), pois sem processo não há o menor sentido de cogitar que ele seja justo e equilibrado. Fica flagrante essa situação na garantia da duração razoável (art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988): o tempo maior ou menor apurarse-á em cada processo, cuja existência pressupõe o exercício do direito à tutela jurídica ou ação. A jurisdição restaura e promove a paz social, comprometida pela lide, através da aplicação do direito objetivo – do ordenamento jurídico, segundo o art. 8.º do NCPC –, colimando a função social de promover a igualdade e a aprimorar o sistema jurídico.13 As finalidades arroladas receberam fortes impugnações. Não se mostrariam exclusivas da jurisdição. Outros órgãos públicos e privados promovem a composição da lide – e logo acode à mente a arbitragem (retro, 22) – e de modo igualmente justo, conforme ao direito,14 e no caso da arbitragem de forma razoavelmente autoritária. E se a jurisdição visasse à realização do direito objetivo, realmente, jamais confiaria aos interessados, consoante as suas vontades e conveniências, o monopólio de provocar o
órgão especialmente constituído para essa finalidade.15 Essas objeções cedem à constatação elementar que, sem lide, a atividade compositiva do Estado se torna desnecessária, e, ao fim e ao cabo, apesar da profusão dos meios alternativos de resolução dos conflitos (alternative dispute resolution), é a única socialmente eficaz. A atividade do juiz evoluiu da aplicação do direito à concretização dos direitos fundamentais (retro, 77). Resolver conflitos significa, perante os direitos transindividuais, exige visão prospectiva e, demais, resposta aos atos postulatórios além da resolução das questões de direito.16 No plano processual, a jurisdição envolve a aptidão da pessoa investida na função judicante, encarada sob dois aspectos: primeiro, a capacidade genérica de ser titular do poder jurisdicional; segundo, a capacidade de exercício, ou seja, a investidura da pessoa no órgão judicante.17 180. Funções da jurisdição As funções políticas do órgão judiciário já receberam exame (retro, 1). Mas, as atividades do órgão judiciário no processo, para efetivar os fins gerais da ordem jurídica, exprimem-se em funções específicas e instrumentais. É neste sentido que, no âmbito do direito processual, se alude às funções da jurisdição. Por óbvio, a função política da jurisdição consiste em realizar os direitos fundamentais – os valores que o Estado se obriga a respeitar na atividade estatal –,18 limitando-se a análise subsequente às funções técnicas para atingir esse elevado escopo político. A tutela jurídica através do processo visa à efetiva realização dos direitos consagrados no ordenamento jurídico.19 Conforme assinalado, em primeiro lugar vem os direitos fundamentais. Em realidade, o Estado moderno visa à transformação social, e, desse modo, a sociedade ou os grupos beneficiados pelos direitos fundamentais e outras normas da CF/1988 têm direito à “aplicação dos programas de ação conducentes a esse resultado”.20 A primeira e fundamental tarefa do órgão judiciário, no desempenho dos seus misteres, atendendo, destarte, a esse objetivo elevado, consiste no prévio reconhecimento do direito litigioso e alegado no processo. Em seguida, cumpre realizar o direito na realidade social. Eventualmente, um objetivo e outro demoram.21 Vários fatores concorrem no fenômeno. Em primeiro lugar, há necessidade de investigar os fatos – por definição, o órgão judiciário mantém equidistância das partes – antes de decidir. Ademais, a investida no mundo material, para realizar o direito, depara-se amiúde com dificuldades práticas. A demora exige, por vezes, a asseguração temporária (segurança para execução) ou a satisfação antecipada (execução para segurança) do direito. Então, os litigantes pretendem as seguintes providências do Estado no âmbito civil: (a) a formulação de uma regra concreta, que decida qual deles tem razão (função ou tutela de cognição); (b) a atuação prática deste comando vinculativo, caso o vencido não o cumpra voluntariamente (função ou tutela executiva); (c) nos casos excepcionais, a rápida e eficaz asseguração ou até a satisfação desses objetivos ou de algum direito ameaçado de perecimento (função ou tutela de urgência, chamada de provisória no art. 294 do NCPC).
Segundo a perspectiva contemporânea, em vários momentos evocadas no NCPC, tais finalidades constituem formas de intervenção judiciária, ou formas de “tutela”, calcadas em razões ontológicas. Revelar-se-iam, por isso, indiferentes às contingências de cada ordenamento jurídico.22 Também se alude, neste campo, às finalidades do “processo”,23 condicionadas à espécie de provimento requerido pelo autor, porque é o “instrumento através do qual a jurisdição atua”.24 São perspectivas que não alteram, substancialmente, o fenômeno sob exame e que aponta a inexistência de resultados unívocos no desfecho do processo. Em item precedente, examinou-se a distribuição dessa matéria na arquitetura legislativa (retro, 2). 181. Características da jurisdição São características do ato jurisdicional: (a) a inércia do órgão judiciário; (b) a resolução da lide por terceiro imparcial; (c) a insuscetibilidade da decisão autoritária à revisão por órgão que não seja judiciário. 181.1. Inércia do órgão judiciário – A jurisdição é inerte. O Estado só responde à provocação do autor, e nos limites expressos no ato inicial da parte, que é a demanda (infra, 1.490), para desincumbir-se do dever de resolver a lide. Dispõe o art. 2.º do NCPC: “O processo civil começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. E o art. 312, primeira parte, marca o começo do processo com a entrega da petição inicial no protocolo do ofício judicial, embora incompetente. A instauração do processo, ex officio, provocaria grave desconfiança quanto ao propósito de promover a paz social intrínseco à atividade prestada pelo Estado. 181.2. Imparcialidade do órgão judiciário – É empreendimento clássico distinguir os atos administrativos, legislativos e jurisdicionais.25 O objetivo final dessa árdua empresa consistiria na identificação das notas essenciais da jurisdição.26 Ora, as funções do Estado contemporâneo não se limitam a essas três atividades.27 Elas apenas galvanizam e retratam a maior parte da atividade estatal. Impõe-se descobrir e fixar um critério material nessa distinção. O critério orgânico nada esclarece a esse respeito (infra, 920). Os órgãos do Poder Judiciário administram o corpo de juízes e os serviços auxiliares, bem como legislam no concernente às suas regras internas de funcionamento (art. 96, I, a, da CF/1988). Dizer que os órgãos do art. 92 da CF/1988 exercem jurisdição declara truísmo insatisfatório, deixando sem explicação os atos há pouco mencionados. No que respeita à diferença entre legislação e jurisdição, nos sistemas jurídicos filiados à Civil Law flagra-se a antecedência lógica da lei. Os próprios órgãos judiciários são instituídos na Constituição. A investidura das pessoas que exercem jurisdição realiza-se na forma da lei. É a lei que admite (art. 3.º, § 1.º, do NCPC), tolera e traça os limites da arbitragem – e poderia, simplesmente, rejeitá-la e bani-la, negando qualquer efeito aos seus pronunciamentos, em vez de conferirlhes estatura análoga às do pronunciamento judicial (art. 31 da Lei 9.307/1996) –, equivalente à jurisdição
estatal. Neste sentido, o produto do Legislativo alicerça toda a estrutura estatal, e as respectivas funções, no Estado Constitucional Democrático. Os precedentes judiciais tendem à universalização e à obrigatoriedade, como ressalta do art. 927 do NCPC, mas produzem-se conforme à lei processual, lógica e cronologicamente precedente. Sua própria eficácia é atribuída pela lei. Exemplos da profunda ressonância do princípio da legalidade, na condição de pilar do Estado de Direito, encontram-se no rol dos direitos fundamentais, às vezes limitados por lei, principalmente no art. 5.º, XXXIX, da CF/1988 (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”). O art. 37, caput, da CF/1988, subordina a atividade da Administração estatal à prévia autorização legal. Essa regra inverte o princípio vigente na autonomia privada – “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5.º, II, da CF/1988) –, obrigando a Administração a fazer ou deixar de fazer alguma coisa por força de prévio e expresso comando legal. Embora seja provável que o Estado não ostente o monopólio legislativo – todavia, nele se inserem as regras criadas, ex novo, por órgãos judiciários, porque integrantes do aparelho estatal –, a jurisdição simplesmente revelará a pauta de conduta criada e obedecida na vida social, aplicando-a na resolução da lide. O fato denota, outra vez, a pressuposição da regra. E quando o órgão judiciário supre lacunas, ou decide por equidade, obedece à autorização legal traçada no art. 140do NCPC.28 Os predicados da abstração, da generalidade e da impessoalidade da lei, que tornam o direito previsível e igual para todos, já não ministram, em alguns casos, critério seguro e relevante para diferenciá-la do ato jurisdicional por excelência – a sentença. O processo coletivo produz disposições com alcance equivalente. O provimento judicial que proíbe fumar em recintos públicos e fechados tem esses atributos e antecedeu a legislação específica a respeito dessa política de saúde pública. O STF, que é órgão judiciário (art. 92, I, da CF/1988), no controle abstrato (ou concentrado) da constitucionalidade, emite decisões que têm eficácia perante todos, vinculando os demais órgãos judiciários e os órgãos da Administração Pública (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Não aplica o direito ao caso concreto, mas cria o direito concreto aplicável a casos futuros, inclusive através das técnicas da interpretação conforme à Constituição e da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto (art. 28 da Lei 9.868/1999). A diferenciação dos atos jurisdicionais e administrativos sempre despertou maiores controvérsias.29 Conceberam-se várias teorias a respeito.30 Nenhuma se revela plenamente satisfatória. Os traços distintivos porventura identificados – por exemplo, a promoção do bem comum, satisfazendo os interesses individuais e coletivos, por obra do ato administrativo –,31 raramente calham tão só à jurisdição ou à administração. O critério orgânico é imprestável, porque sempre houve zonas de fronteira.32 De resto, o item somente adquire importância nos sistemas jurídicos que consagram o princípio da dualidade da jurisdição, o que enseja mais problemas do que vantagens.33 Ao particular não interessa qual o órgão judiciário que
processará, julgará e, por fim, executará a causa, mas os respectivos predicados – em especial, a equidistância. A concepção de maior realce, e que angariou larga difusão no direito brasileiro,34 assenta no fato de a atividade processual atuar com o objetivo de restaurar e impor os comandos legislativos desrespeitados pelos particulares, ou pela Administração, e, assim, sub-rogar-se na conduta originária e conforme ao direito dos particulares e da Administração. Essa hipotética peculiaridade sugere que o traço básico da jurisdição avulta no caráter substitutivo.35 A ideia se difundiu no direito pátrio.36 Flagrantemente a tese é falsa. Existem situações perante as quais o órgão não se substitui ao particular no ponto de vista substancial, jurisdiciona originariamente; por exemplo, na aplicação das regras quanto à própria competência. O inconsistente caráter substitutivo da atividade jurisdicional deixa sem explicação várias tarefas transcendentes afetas ao juiz. Tampouco se pode localizar no produto eventual da função jurisdicional, que é a autoridade de coisa julgada, a respectiva essência.37 Em tal concepção, o vínculo – eficácia processual da coisa julgada – dos outros órgãos judiciários ao decidido anteriormente, impedindo-lhes de julgar outra vez e, destarte, assumir o risco de contradizer o julgado na prática, representaria corolário necessário do direito à tutela jurídica do Estado.38 Essa perspectiva troca a causa pelo efeito. É verdade que se trata de atributo dos mais distintos ou “efeito importante e característico do ato jurisdicional”.39Todavia, ele é próprio da função de conhecimento – na verdade, da regra jurídica concreta formada nessa atividade ou “trabalho de gabinete” –,40 inexistindo, segundo o entendimento largamente predominante, na função executiva e, segundo opinião majoritária, em determinadas sentenças definitivas (infra, 154). Essas decisões decorrem do exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado (ação processual). Pouco razoável vincular uma coisa à outra. A adoção da coisa julgada como critério distintivo da jurisdição implicaria o abandono da atividade instrumental mais relevante do juiz, no que tange ao mundo social, a realização forçada das regras jurídicas individualizadas, objeto da função executiva. E tal atitude constitui flagrante concessão ao paradigma racionalista,41 limitando a atividade jurisdicional ao reconhecimento de regras preexistentes (em primeiro lugar, todavia, compre-lhe atuar os direitos fundamentais) e erige a certeza como valor fundamental da ordem jurídica. Explicam-se as diferenças entre os atos administrativos e jurisdicionais de modo mais simples e direto. Os pronunciamentos do órgão judiciário pressupõem lide real ou virtual entre as partes ou entre estas e algum interesse público meta-processual que exige a interseção do juiz para entregar o bem da vida. O escopo que origina a atividade jurisdicional, que lhe dá causa, enfim, a sua razão de ser reside na resolução da lide (retro, 1). É verdade que tal ocorrerá mediante a provisão de terceiro imparcial – a célebre nota da “terzeità” –,42 e os provimentos dos órgãos jurisdicionais se mostram imunes à revisão de outro órgão estatal desprovido da função de julgar.43 Nem sequer a lei pode desautorizar e desfazer os atos judiciários (art. 5.º, XXXVI, da CF/1988).
181.3. Palavra final do órgão judiciário – O ato jurisdicional revela-se imperativo.44 Impõe imediato e incondicionado acatamento aos respectivos destinatários. Essa característica também surge nos atos administrativos,45 e na própria lei, porque toda atividade estatal exige obediência. Nem sempre o ato jurisdicional se revela “imutável e indiscutível”, ou seja, adquire a eficácia própria da coisa julgada (infra, 191). O direito fundamental à estabilidade dos resultados do processo, importante garantia contra as investidas do legislador, mediante leis retroativas, e do próprio órgão judiciário, revendo o que já fora decidido em outro processo, sofre limitações consideráveis (retro, 175). Por esse motivo, não é possível definir a essência da jurisdição por um dos seus eventuais produtos, que é a coisa julgada.46 A sentença que declara extinta a execução (art. 925 do NCPC) não inibe o desfazimento dos atos executivos, eminentemente jurisdicionais, ou do próprio processo executivo, através da via ordinária, prescindindo, portanto, do remédio instituído para desfazer a coisa julgada – a rescisória (art. 966 do NCPC). E os provimentos judiciais, em princípio revestidos da autoridade da coisa julgada (art. 502 do NCPC), talvez agasalhem vício tão grave que, malgrado a indiscutibilidade e a produção dos demais efeitos – do contrário, não comportariam execução –, podem ser desconstituídos através de impugnação (art. 525, § 1.º, I, do NCPC). Em suma, a eficácia de coisa julgada não constitui atributo inerente ao ato jurisdicional.47 Na realidade, o ato jurisdicional mostra-se imune a revisões por órgãos não judiciários.48 Em que pesem a possibilidade de sucessivas impugnações ao provimento judicial e, em alguns casos, a respectiva desconstituição por remédio específico, apesar de dotado da eficácia de coisa julgada, tudo se passa no âmbito de diferentes órgãos judiciários, sobrepostos por motivos hierárquicos. O ato jurisdicional dá a palavra final acerca da resolução da lide. A arbitragem se ressente da ausência dessa característica (retro, 30). Apesar de o art. 31 da Lei 9.307/1996 declarar que a sentença arbitral “produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário”, na verdade o interessado sempre poderá reclamar a nulidade da sentença arbitral, perante a autoridade judiciária competente, através de ação própria ou de impugnação (art. 33, § 3.º). A arbitragem não tem, portanto, a palavra final. 182. Espécies de jurisdição A atividade jurisdicional é intrinsecamente homogênea. Não importam estatura (superior ou inferior) ou espécie do órgão (comum ou especial), bem como, e principalmente, a natureza concreta do conflito. As características e a finalidade que marcam o ato jurisdicional mostram-se invariáveis em qualquer situação.49 A jurisdição se apresenta, assim, como atividade unitária e universal. A despeito de o Estado brasileiro organizar-se como Federação, e os Estados-membros encarregarem-se de prestar a Justiça Ordinária (art. 125 da CF/1988), os órgãos judiciários estruturam-se numa organização (Poder Judiciário) “eminentemente nacional, tanto na jurisdição federal, quanto nas jurisdições estaduais”.50
O princípio da unidade da jurisdição pode ser encarado sob outro prisma (retro, 32). A partir da República, os órgãos judiciários passaram a apreciar as lides entre os particulares e a Administração,51 rejeitando o modelo francês, em que há dualidade de jurisdições. O controle da Administração realiza-se, no Brasil, por intermédio da jurisdição, e, não, na esfera do contencioso administrativo. O processo “civil” investe nos “domínios do direito público, onde os princípios e os horizontes se dilatam, muito mais vastos e arejados”, que os usualmente reconhecidos no âmbito da Civil Law,52 em que a jurisdição resolve litígios entre particulares. Nada obstante o princípio da unidade, a jurisdição comporta classificação didática, segundo os seguintes critérios: (a) objeto; (b) especialidade; (c) hierarquia; (d) forma. 182.1 Jurisdição civil e penal – Os fatos jurídicos incidem, às vezes, em mais de uma regra ao mesmo tempo. Conforme o objeto da tutela, a norma classifica-se em penal ou civil, gerando pretensões diferentes: no primeiro caso, via de regra legitima-se um órgão estatal (Ministério Público) para exercer a pretensão punitiva, visando à aplicação da pena ao particular; no segundo, a pessoa é titular da pretensão, cuja natureza revela-se heterogênea (declaratória, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental). Surgem, então, duas espécies de processo: penal e civil. A relação entre os processos civil e penal é objeto de um item específico (retro, 35). Vale observar, no entanto, que nem todos os órgãos judiciários apreciam litígios penais. É tarefa, conforme a competência de jurisdição, da Justiça Militar federal (art. 124, caput, da CF/1998) e estadual (art. 125, § 4.º), da Justiça Federal (art 108, I, a, e art. 109, IV, V, VI, VII, IX e X, da CF/1988), da Justiça Eleitoral (art. 121, caput, da CF/1988, c/c art. 35, II, da Lei 4.737/1965), e, resídua e fundamentalmente, da Justiça Ordinária. A Justiça do Trabalho não ostenta jurisdicional penal. E a Justiça Militar carece de jurisdição civil. 182.2 Jurisdição comum e especial – A Constituição organizou o Poder Judiciário, instituiu os respectivos órgãos, arrolados no art. 92, e fixou-lhes as atribuições. O exame da competência formalmente afeta a cada Justiça revela que a jurisdição é especial ou comum. Limitada a alguns litígios predeterminados, consoante a natureza da lide ou a qualidade da parte, diz-se especial a jurisdição federal. Ela se subdivide nos seguintes organismos: (a) Justiça Federal em sentido estrito (arts. 106 a 110 da CF/1988); (b) Justiça do Trabalho (arts. 111 a 117 da CF/1988); (c) Justiça Eleitoral (arts. 118 a 121 da CF/1998); e (d) Justiça Militar (arts. 122 e 124 da CF/1988). Em contrapartida, a Justiça Comum, ordinária e militar (art. 125, § 5.º, da CF/1988), organizada e mantida pelos Estados-membros, atua por exclusão, processando e julgando os litígios não incluídos na esfera da jurisdição federal. 182.3 Jurisdição inferior e superior – Os órgãos judiciários estruturam-se hierarquicamente.
Em geral, o processo inicia nos órgãos de primeiro grau, mas raramente nele se encerram, porque o vencido jamais se conforma com o resultado desfavorável, consubstanciado no julgamento único. A existência de vias impugnativas do julgamento inicial, ensejando reexame por órgão judiciário superior, explica-se por razões psicológicas e por motivos políticos. A necessidade geral do duplo exame importa a sobreposição, ao menos, de dois órgãos judiciários distintos. E há causas que, considerando a qualidade da parte ou o conteúdo político, iniciam diretamente no órgão judiciário superior, subtraindo-se à competência do inferior. Os órgãos judiciários inferiores distribuem-se em juízos ou varas. Os órgãos judiciários superiores chamam-se, na organização judiciária brasileira, de tribunais (v.g., Tribunal de Justiça {TJ} ou Tribunal Regional Federal {TRF}). A jurisdição reparte-se, desse modo, em primeiro e em segundo graus, conforme a hierarquia do órgão. A desejável uniformidade no desfecho de litígios similares recomenda, com o fito de assegurar a igualdade de todos perante a lei (art. 5.º, caput, da CF/1988), a instituição de tribunais superiores. É o caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão situado na cúspide da Justiça Federal e da Justiça Comum; do Tribunal Superior do Trabalho (TST); do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Superior Tribunal Militar (TSM), respectivamente, órgãos de cúpula da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar – neste último caso, abstendo-se a lei de criar um tribunal intermediário, conforme autoriza o art. 122, II, da CF/1988, o TSM funciona como tribunal de segundo grau. A real posição dos tribunais superiores, exercendo a função desenhada na CF/1988, ou atuando como terceiro grau de jurisdição, dependerá do entendimento prevalecente quanto à admissibilidade da via recursal aberta às partes. É certo, porém, que as atribuições desses tribunais superiores ultrapassam o da simples promoção de uniformidade ao direito objetivo. Têm competência originária para processar e julgar causas (v.g., no STJ, o mandado de segurança contra ato do Ministro de Estado, a teor do art. 105, I, b, da CF/1988) e competência de tribunal de segundo grau (v.g., no STJ, o recurso ordinário, previsto no art. 105, II, da CF/1988). O Supremo Tribunal Federal (STF) ocupa posição singular na organização estatal brasileira. Formalmente, é órgão do Poder Judiciário (art. 92, I, da CF/1988), e, precipuamente, compete-lhe a guarda da Constituição (art. 102, caput, da CF/1988), exercida por intermédio do controle de constitucionalidade concentrado e difuso. Também ostenta competência originária em matéria civil (v.g., o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território, a teor do art. 102, I, e, da CF/1988) e competência recursal (v.g., recurso ordinário contra decisão denegatória de mandado de segurança de competência de tribunal superior, a teor do art. 102, II, a, da CF/1988). E cria regras jurídicas concretas, na ausência de regulamentação legislativa, através do mandado de injunção (art. 102, I, q, da CF/1988). Não se limita, portanto, às funções de corte constitucional. 182.4 Jurisdição contenciosa e voluntária – A jurisdição existe por causa e para resolver a lide. A amplitude da noção de lide definirá, ou não, toda atividade conferida aos juízes como jurisdicional.
É prevalecente o entendimento que, em alguns casos, o órgão judiciário intervém na autonomia privada dos particulares, facultativa ou obrigatoriamente, sem que haja conflito, e, conseguintemente, jurisdição no sentido próprio da palavra. Desenvolverá o juiz, em tais casos, atividade administrativa.53 As razões para o Estado limitar a autonomia privada variam muito, assim como o meio técnico da limitação. De modo geral, há interesses privados particularmente caros ao Estado (v.g., a dissolução do casamento), mostrando-se o órgão judiciário particularmente apto a supervisioná-los, prevenindo litígios e evitando que os particulares obrem com deficiências e desconformidade ao direito objetivo. Em casos tais, o Estado acomete ao órgão judiciário a tarefa de colaborar com os particulares, resguardando os interesses privados, mas atendendo o interesse público. Essa atuação inter volentes do órgão judiciário recebe a controvertida designação de jurisdição “voluntária” (infra, 192). 183. Controle da jurisdição no processo A jurisdição constitui pressuposto processual de existência do processo. A relação processual só ingressa no mundo jurídico, validamente ou não, eficazmente ou não, desenvolvendo-se perante pessoa investida na função judicante. É errônea a ideia que, proposta a demanda, o simples impulso realizado por pessoa desprovida do poder jurisdicional, ou o ulterior provimento de órgão realmente jurisdicional, assumindo os autos, revelaria que se trata de nulidade.54 Na realidade, inexiste processo, do ponto de vista jurídico. Desnecessária a rescisória para desconstituir a “sentença” porventura emitida. Os critérios de ingresso na magistratura de carreira, através de concurso público de provas e de títulos (art. 93, I, da CF/1988), nos tribunais de segundo grau (art. 93, II, e art. 94 da CF/1988; art. 115 da CF/1988, no que tange aos Tribunais Regionais do Trabalho) e nos tribunais superiores (por exemplo, no STF, art. 101 da CF/1988) são os estritamente previstos na CF/1988. A investidura merece investigação especial não só no seu primeiro degrau. Nas etapas posteriores da carreira, por razões relacionadas à função, ou não, aparecem fatos que inabilitam o magistrado, cuja apuração realiza-se em processo administrativo. É o caso do juiz colocado em disponibilidade compulsória (art. 93, VIII, da CF/1988, com a redação da EC 45/2004) ou aposentado, tendo a publicação do ato de aposentadoria passado despercebida.55 Passando à análise dos efeitos, a inexistência e a nulidade da investidura do órgão judiciário provocarão a inexistência do processo.56 E isso porque, “nada do que se faça, em semelhantes condições, existe juridicamente”.57 Assim, a jurisdição constitui um “pressuposto” – releve-se, como já explicado, o emprego da palavra tradicional – de existência.58 Em sentido contrário, invocando a teoria do “funcionário de fato”, reconhece-se a validade do processo, enquanto o título que investiu o magistrado, embora
viciado, “não for anulado e o exercício não for interrompido pela autoridade competente”.59 Tempera-se a consequência, com o inequívoco propósito de atenuar a gravidade da sanção, quiçá recusando “extrair de teorias arquitetonicamente sedutoras corolários menos convenientes” na prática,60 nos julgamentos pelo tribunal, que são colegiados, quando o vício atinge apenas um dos juízes.61 Nem sempre há maior clareza nessa matéria. É preciso realçar que a inexistência constitui categoria residual, mais um marco de referência, porque geralmente o elemento de existência é preenchido, do que um problema usual. Não comporta maiores generalizações. Assim, a chamada competência de “jurisdição”, que preside a distribuição das lides entre a Justiça Comum e a Justiça Federal, na área civil, constitui pressuposto de validade. Eventual sentença proferida por juízo absolutamente incompetente é rescindível (art. 966, II, in fine, do NCPC), por esse motivo, e, não, simplesmente passível de declaração de inexistência. Os equívocos nesse assunto, ocorrendo com certa frequência.62 A declaração da inexistência poderá ser obtida mediante simples requerimento do interessado, dirigido a órgão regular e competente para a “causa” que não existiu da realidade jurídica. § 45.º Princípios da jurisdição 184. Enumeração dos princípios da jurisdição As diretrizes ideológicas que inspiram determinados setores ou o conjunto do ordenamento jurídico recebem a designação de princípios fundamentais. Opõem-se aos princípios informativos, predominantemente técnicos, e, por isso, universais. Os princípios fundamentais, em tema de jurisdição, variam no tempo e no espaço, porque dependem das opções axiológicas do ordenamento jurídico. Essas diretrizes traduzem, atualmente, garantias ou direitos fundamentais processuais (retro, 118). Preservou-se, todavia, a terminologia tradicional – princípios – para facilitar a compreensão. Da CF/1988 extraem-se os seguintes princípios concernentes à jurisdição: (a) pré-constituição do órgão judicante; (b) inafastabilidade do controle judiciário; (c) universalidade do controle judiciário; (d) inevitabilidade do controle judiciário; (e) indelegabilidade do controle judiciário; (f) indeclinibilidade do controle judiciário; (g) definitividade da resolução judiciária. 185. Princípio da pré-constituição do órgão judicante (juiz natural) O princípio do juiz natural, ou da pré-constituição do órgão judicante, introduziu-se no direito brasileiro por força do art. 179, XI e XVII, da Constituição de 1824. A proibição do juízo de comissão – designação do juiz para apreciar certo caso específico –, “cuja escolha por si mesma já é título de suspeita”,63 representou a expressão do liberalismo no seu mais elevado grau.
O art. 5.º, XXXVII, da CF/1988 veda a instituição de juízo ou tribunal de exceção, e o art. 5.º, LIII, estabelece que ninguém será processado e julgado senão pela autoridade competente, consagrando o aludido princípio. Esse princípio apresenta variadas implicações, considerando o respectivo conteúdo. Não se trata, por óbvio, de regra de competência, mas de uma diretriz obrigatória para todas as regras de competência.64 Em primeiro lugar, só a lei pode fixar a competência do órgão judiciário. É vedado, ante o risco de manipulação, estabelecer a competência do órgão judicante através de “resoluções ou provimentos baixados pelos tribunais, salvo quando autorizados por lei”.65 Ademais, o princípio do juiz natural veda julgamento da lide por órgão instituído após a ocorrência do fato, exigindo a fixação prévia e abstrata da competência. Portanto, impede a criação, ex post facto, de algum juízo ou órgão para resolver casos concretos – juízo ou tribunal de exceção –, e a mudança discricionária do juízo competente, repassando a causa para outro juízo. Em seguida, quanto à abrangência funcional, o princípio do juiz natural envolve aspectos subjetivos, submetendo a autoridade judiciária às regras inerentes ao regime da imparcialidade (recusa do juiz impedido ou suspeito), e objetivos, neste último caso impondo distribuição racional da competência dentre vários órgãos judiciários. Por fim, o princípio só autoriza as modificações de competência previstas em lei criada anteriormente ao caso concreto. Por exemplo, o juiz da vara “x” substituirá, nas suas faltas ou impedimentos, o juiz da vara “y”. Criam-se tabelas de substituição, gerais e abstratas, com o fito de obstar a manipulação, interna corporis, no preenchimento de vagas no quadro da magistratura. Em geral, encara-se a exigência de pré-constituição objetivamente, quanto ao órgão judiciário. No entanto, desapareceria a força da garantia de imparcialidade nesse viés restritivo, impondo-se atender também à pessoa do juiz.66 Do ponto de vista das partes, com efeito, interessa mais a pessoa do julgador do que o órgão judiciário ocupado por essa pessoa. Essa perspectiva também existe em outros sistemas, aplicando o princípio ao órgão judicante, “perante o qual um caso concreto é processado e julgado, e aos juízos competentes para a decisão de um caso individual”.67 Esse alcance do princípio do juiz natural oferece algumas dificuldades. Enquanto pessoa natural, o juiz pode afastar-se da atividade jurisdicional, justificadamente, em decorrência de vários fatos – a exemplo das licenças por doença ou por férias. Em tais hipóteses, a substituição, presidida por critérios gerais e abstratos, não contraria o princípio. Impedir a movimentação natural do magistrado, nesses casos, inibiria o funcionamento pleno e regular da atividade jurisdicional, tolhendo a consecução dos fins a que se propõe tutelar o próprio princípio do juiz natural. Extrai-se daí uma diretriz elementar. As modificações da competência, na forma das leis do processo – por exemplo, a prorrogação da competência,
tornando competente o juiz inicialmente incompetente (art. 66 do NCPC); a reunião dos processos por conexão (art. 55 do NCPC) –, e as substituições do magistrado – por exemplo, por impedimento ou suspeição; por motivo de férias ou doença –, não colidem com o princípio do juiz natural.68 Em contrapartida, veda-se a designação de um determinado juiz para cuidar de um caso específico ou de um grupo de causas similares por algum ponto comum de fato ou de direito (v.g., as ações em que poupadores reclamam diferenças de rendimentos perante uma ou mais empresas de banco), porque implicaria subtrair o poder de julgar do juiz constitucionalmente competente.69 Em suma, o princípio do juiz natural impõe: (a) a prévia constituição do órgão judiciário, consoante o inderrogável modelo constitucional, por lei em sentido formal; (b) a distribuição dos processos entre os diferentes órgãos judiciários, todos eventualmente competentes em razão da matéria e do território para apreciar a lide, em tese, segundo critérios gerais, abstratos e impessoais; (c) o veto terminante à designação nominal de magistrado determinado, no âmbito específico do órgão judiciário, para processar, julgar e executar um caso específico, admitindo-se tão só as substituições previstas em lei e em decorrência de fatos genéricos. Em várias oportunidades, o STF examinou e aplicou o princípio da préconstituição do órgão judiciário. Admitiu a designação de um juiz para atuar de forma genérica em certo órgão, ante o acúmulo de feitos, mas rejeitou a distribuição dirigida a um juiz, independentemente de sorteio, porque ofensiva “aos princípios do juiz natural e da distribuição livre, que asseguram a imparcialidade do juiz e integram o justo processo da lei”.70 186. Princípio da inafastabilidade do controle judiciário A atividade jurisdicional é inafastável de acordo com o art. 5.º, XXXV, da CF/1988. Nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito individual ou transindividual (difuso ou coletivo) pode ser subtraída ao controle judiciário, quer seja singular o processo, quer seja coletivo. De um lado, a lei ou a autoridade pública não podem impedir a pessoa de ingressar em juízo, provocando a autoridade judiciária. A única exceção consta do art. 217, § 1.º, da CF/1988.71 É preciso esgotar a instância da justiça administrativa para ingressar em juízo e controverter a disciplina e o regulamento das competições desportivas. E, de outro lado, o Estado há de assegurar o acesso efetivo de todos à ordem jurídica justa, prestando-lhe assistência jurídica integral (art. 5.º, LXXIV, da CF/1988) e oferecendo a solução do caso em tempo razoável (art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988). 187. Princípio da universalidade do controle judiciário A jurisdição é universal. Ela abrange a totalidade dos litígios verificados no território do Estado e a totalidade das pessoas, nacionais ou estrangeiras, nele residentes ou domiciliadas. Desapareceram as jurisdições especiais, como a eclesiástica e a senhorial, e a interferência da nacionalidade como dado para retirar a causa do juiz natural.
Do Alvará de 04.05.1808 até 09.11.1844, quando o Ministro da Justiça declarou extinto, porquanto expirado o tratado de 17.08.1827 entre o império brasileiro e o britânico, existiu a figura do Juiz Conservador da Nação Britânica. “Não se tratava propriamente de um juiz inglês, mas de juiz nacional, escolhido pelos súditos ingleses no local da jurisdição, aprovada a escolha pelo Embaixador ou Ministro da Grã-Bretanha, e levado o nome ao Rei (ao Príncipe Regente) que poderia vetá-lo, procedendo-se, então, nova escolha”.72 Essa ingerência nos assuntos nacionais convolou-se na eleição de foro nos contratos nacionais (infra, 464.1). 188. Princípio da inevitabilidade do controle judiciário A submissão ao poder jurisdicional é inevitável no sentido que atinge todas as pessoas, nacionais ou estrangeiras, residentes e domiciliadas, ou não, no território nacional. Nenhuma autoridade pública subtrai-se à jurisdição do órgão judiciário competente. Por exemplo, a legalidade dos atos do Presidente da República submete-se, via mandado de segurança, a controle pelo STF (art. 102, I, d, da CF/1988). O conteúdo prescritivo dos provimentos judiciais se impõe por si mesmo, independentemente da aceitação das partes, ou da manifestação de vontade convergente em acatá-la nos seus efeitos. Em particular, se o autor provoca a jurisdição porque deseja, o réu suporta o litígio mesmo que não queira.73 189. Princípio da indelegabilidade do controle judiciário O poder de processar, julgar e executar se afigura indelegável, porque só pode ser exercido pela pessoa investida na função judicante na forma da Constituição. É crime exercer a função judicante sem investidura legítima,74 ou exercê-la após a perda dessa investidura. Ao juiz não se mostra lícito encarregar terceiro da própria atividade.75 É preciso exercê-la pessoalmente. Por essa razão, o art. 164 co CPC/1973, primeira parte, exige que “os despachos, decisões, sentenças e acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes”. Não excepciona esse princípio a circunstância de o magistrado confiar a algum auxiliar a realização dos atos processuais. Por exemplo, o juiz ordenará os atos executivos, mas o respectivo cumprimento incumbe aos oficiais de justiça, consoante o art. 782, caput, do NCPC. O art. 93, XIV, da CF/1988, delega para os serventuários da justiça os atos de administração e os atos de expediente. Assim, os atos de simples impulso, ou ordinatórios, a exemplo da juntada de petição e da abertura de vista às partes, incumbem ao escrivão, ou servidor da justiça, cabendo ao juiz revê-los, se necessário (art. 203, § 4.º, do NCPC), mediante reclamação da parte. O dispositivo assinala que tais atos “independem de despacho”, motivo por que não há delegação nas atribuições autônomas do serventuário.76 Às vezes, limitações territoriais põem a prática do ato processual fora do alcance material do órgão judiciário. Nessas hipóteses, devendo o ato processual realizar-se fora da base territorial do órgão judiciário (art. 217,
segunda parte, do NCPC), haverá cooperação nacional ou internacional, através de carta (de ordem, rogatória ou precatória, conforme o caso) ou de auxílio direto. O juiz não delega jurisdição, porque o outro juiz exercerá sua própria competência, na forma da lei.77 Além das cartas, o intercâmbio entre juízos efetiva-se por comunicação epistolar, chamada ofício,78 e por meio eletrônico (v.g., a comunicação da citação do executado, realizada por carta precatória, rogatória ou de ordem, por meio eletrônico pelo juízo deprecado ao juízo deprecante, a teor do art. 915, § 4.º, do NCPC). Há nítido empenho em tornar fácil e expedita a comunicação entre juízos, valendo-se de “qualquer meio idôneo” (art. 13, § 2.º, da Lei 9.099/1995), sobrelevando-se o uso da via eletrônica. É mais delicado aceitar a prática, em franca expansão, de o órgão judiciário empregar assessores para minutar os atos do seu ofício. A quantidade de feitos, bem acima do máximo constitucional (art. 93, XIII, da CF/1988), torna inviável o cumprimento literal dos prazos previstos no art. 229 do NCPC para os atos decisórios do órgão judicial. Nenhuma pessoa obra além da sua capacidade natural de trabalho. A delegação do trabalho mental é tão inevitável, quanto corriqueiro. É comum os assessores conceberem os atos decisórios, redigindo-os livremente, para ulterior conferência e assinatura do juiz. A reiterada ideia de as resoluções judiciais representarem manifestações da inteligência e da vontade do magistrado retrata simples curiosidade teórica. A desenvoltura das assessorias desconhece limites. Os assessores recebem pessoalmente os advogados, debatem os pontos controversos, e comprometem-se a emitir a decisão nesta ou naquela data. Consoante a maior ou menor responsabilidade do juiz, o assessor assinará a decisão pelo juiz, empregando a senha pessoal do magistrado. Não há solução satisfatória para essa questão, verificada tanto nos órgãos de primeiro grau, quanto nos tribunais superiores, inclusive no STF. Em princípio, não viola o princípio da indelegabilidade a preparação da minuta do ato, apesar da sensação de perda da pessoalidade. No entanto, impõe-se que o órgão judiciário leia o teor da decisão, corrigindo e emendando, e, após, assine-a de próprio punho ou eletronicamente. A falta desses atos de vontade compromete a existência da resolução judicial. 190. Princípio da indeclinabilidade do controle judiciário A jurisdição é indeclinável, porque a provocação do autor constrange o órgão judiciário a emitir uma resolução sobre a causa, haja ou não regra legal a respeito. O órgão judiciário não se exime de decidir (non liquet), alegando lacuna ou obscuridade da lei, reza o art. 140 do NCPC. Em casos tais, socorrer-se-á de outras fontes (analogia, costumes e princípios gerais) e dos recursos da hermenêutica, discriminados no art. 8.º do NCPC. É vedada a abstenção, sob pretexto de dúvida, embora casos particularmente difíceis provoquem perplexidade no espírito do juiz.
Esse princípio não assegura a análise do mérito ou resposta favorável à pretensão do autor. Não denega justiça o ato que estima inadmissível o processo, indeferindo a petição inicial, porque ilegítimas as partes ou qualquer outro motivo. O autor tem direito tão-só ao pronunciamento do juiz adequado à espécie, resolva o mérito, ou não, acolha a pretensão, ou não. Em contrapartida, o órgão judiciário superior não pode instruir o de menor hierarquia, quanto ao conteúdo do ato, ou avocar a atribuição de proferir o ato. O único meio legítimo de o órgão superior exercer jurisdição, subordinando o de menor hierarquia, reside no julgamento do recurso interposto pela parte.79 191. Princípio da definitividade do controle judiciário A maior característica da jurisdição é a palavra final (retro, 191). Esse atributo se expressa, geralmente, através da autoridade de coisa julgada. A eficácia da declaração torna imutável e indiscutível a decisão de mérito (art. 502 do NCPC). Nenhum outro ato estatal desfruta dessa peculiar qualidade. Ela se mostra indispensável para incutir segurança aos litigantes quanto à obtenção do bem da vida, em termos irreversíveis, e a realização das finalidades da ordem jurídica. Há pronunciamentos judiciais que não abrigam semelhante autoridade. Evidentemente, falta-lhes força vinculativa plena. Nada obstante, a possibilidade de a resolução ser revista pelo mesmo órgão judiciário, ou por outro, de igual ou superior hierarquia, resolvendo o mérito (v.g., a sentença que julga improcedente a ação popular por ausência de prova, a teor do art. 18 da Lei 4.717/1965) ou não (v.g., a sentença que julga inadmissível o processo, a teor do art. 486, caput, do NCPC), não empana o princípio da definitividade. O pronunciamento do órgão judiciário permanece incontrastável, no âmbito estatal, porque somente a Justiça Pública reexaminará a matéria. Ao invés, os atos administrativos, embora exauridos os recursos cabíveis, submetem-se à ulterior revisão judicial (v.g., os acórdãos do Tribunal Marítimo, a teor do art. 18 da Lei 2.180/1954). § 46.º Jurisdição voluntária 192. Natureza da intervenção na autonomia privada Segundo a opinião dominante na literatura nacional,80 a atividade desempenhada pela autoridade judiciária nos feitos englobados na rubrica “jurisdição voluntária” tem natureza administrativa. É o entendimento adotado em outros países.81 Essa concepção origina-se e floresce, compreensivelmente, nos ordenamentos que investem leigos nos órgãos encarregados de prestar semelhante serviço aos interessados.82 A este aspecto, acrescentam-se dados ideológicos,83 tendentes a toldar a clareza.84 A intervenção do órgão judiciário na autonomia privada ostenta inequívoca natureza jurisdicional.85 Duas razões concorrem nesse sentido (a) a existência de lide (v.g., na interdição),86 mas entendido o fenômeno no sentido preconizado anteriormente (retro, 1), ficando superada a objeção levantada a esse ponto específico;87 (b) a distinção entre jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária repousa na matéria,88 e, não, nas características – afinal,
aí também se verifica a palavra final do órgão judiciário. E mesmo os que a consideram atividade administrativa não deixam de reconhecer que as respectivas normas têm a natureza própria do direito público e função instrumental.89 As principais objeções à tese jurisdicional não resistem a mais breve análise:90 (a) a predominância do caráter preventivo, e, não repressivo, não serve para destituí-la da condição de jurisdição, porque a função cautelar é eminentemente preventiva; (b) a natureza constitutiva do provimento do juiz, e, não, declarativa (apesar de o órgão judiciário realizar o direito objetivo na jurisdição voluntária) encontra-se em outras resoluções contenciosas; (c) há partes no processo de jurisdição voluntária, porque há pedido e figurantes na relação processual; (d) a ausência de coisa julgada, além de mostrar-se controversa ante o disposto no art. 1.111 do CPC/1973 – embora não reproduzida em termos genéricos, a disposição imunizava o provimento aos fatos supervenientes e tal sói ocorrer a qualquer sentença transitada em julgado (infra, 194) –, verifica-se, por igual, em alguns processos de jurisdição contenciosa (v.g., na execução); (e) o órgão judiciário atua imparcialmente e tem a palavra final no assunto.91 Essa última característica – a palavra final – basta para definir como jurisdicional o conjunto de atividades desenvolvidas na rubrica da “jurisdição” voluntária.92 E convém acrescentar: nenhuma das características da jurisdição “voluntária” acomodam-se à atividade administrativa.93 193. Meios de intervenção na autonomia privada A intervenção do Estado na autonomia privada nem sempre se efetiva por intermédio do órgão judiciário. É o meio mais intenso, mas não o único. Às vezes, outros órgãos estatais, a exemplo das agências reguladoras, encarregam-se da intervenção, formulando disciplina própria e criando ambiente propício à participação dos interessados e a composição, em tese, de interesses potencialmente divergentes (v.g., entre prestadores de serviços públicos e os consumidores). A fixação dos chamados marcos regulatórios estimulam a atividade econômica das empresas privadas em serviços estatais concedidos. E há particulares em colaboração com o Poder Público, supervisionados por magistrados (v.g., o foro “extrajudicial”, integrado pelos serviços notariais e registrais, mencionados no art. 236, caput, da CF/1988), dotados de fé pública, cuja intervenção é obrigatória para constituir, extinguir, transferir, modificar ou conservar alguns atos jurídicos (v.g., os direitos reais sobre imóveis, conforme o art. 108, caput, do CC). Em relação a tais formas de intervenção, a jurisdição “voluntária” distinguese “ratione auctoritas, isto é, por estar atribuída a órgãos do poder judiciário”.94 194. Forma da intervenção na autonomia privada
À medida que confiada ao órgão judiciário, a supervisão dos negócios privados, mas relevantes ao Estado, realiza-se por intermédio das formas usuais do processo judicial. Inicia por provocação do interessado, ou do Ministério Público e da Defensoria Pública (art. 720 do NCPC), formulando o autor um pedido perante a autoridade judiciária. O princípio do contraditório preside o chamamento de “todos os interessados” (art. 721 do NCPC) e a assinação de prazo para defesa de quinze dias, equivalente ao do procedimento comum na função de conhecimento da jurisdição contenciosa (art. 335, caput, do NCPC). É amplo o acesso à prova (v.g., art. 754). O provimento do órgão judiciário não precisa atender à estrita legalidade (art. 723, parágrafo único, do NCPC). Da sentença caberá apelação (art. 724 do NCPC), incumbindo ao órgão ad quem a revisão do pronunciamento. Essas características indicam o exercício pelo interessado da pretensão à tutela jurídica do Estado. Forma-se relação processual autônoma. E há um mérito, ou objeto litigioso, não se justificando a relutância em chamá-lo pelo nome técnico,95 após aceitar sua inegável existência. O art. 723, parágrafo único, do NCPC autoriza o órgão judiciário a julgar a espécie mediante juízo de equidade. Entenda-se bem: “A faixa de arbítrio, portanto, não é quanto ao preceito legal, em si mesmo, para considerá-lo, ou não, existente, mas, sim, quanto ao modo de aplicá-lo, partindo, obrigatoriamente, de sua formulação expressa”.96 E o exemplo ministrado, nesse sentido, revela-se altamente persuasivo: se menor não “tiver 16 (dezesseis) anos completos”, a teor do art. 5.º, parágrafo único, I, do CC, o juiz nem sequer considerará o pedido de emancipação (art. 725, I, do NCPC); preenchido o requisito, examinará se convém, ou não, concedê-la, mediante exame do caso concreto – a capacidade do menor de praticar os atos da vida civil. O provimento do juiz comporta modificação, sobrevindo fatos supervenientes, e, nesse sentido, não se distingue das demais resoluções de mérito da jurisdição contenciosa. Exibe a autoridade típica dos provimentos jurisdicionais. A possibilidade de modificação, em razão de fatos supervenientes, jamais negou ou amesquinhou a autoridade da coisa julgada. 195. Objeto da intervenção na autonomia privada A administração dos interesses privados pela autoridade judiciária implica “reconhecer, verificar, autorizar, aprovar, constituir ou modificar situações jurídicas”.97 As concepções predominantes na sociedade inserem ou repelem certa matéria na órbita da jurisdição “voluntária” e estabelecem o grau da intervenção estatal. Por exemplo, o celebrante do casamento já foi o juiz de direito;98 hoje, a celebração compete ao juiz de paz (art. 98, II, da CF/1988), eleito pelo voto direto, universal e secreto, que não integra o Poder Judiciário, nem desempenha atividade jurisdicional. A separação e o divórcio, que já foram atos exclusivos do órgão judiciário – as audiências de conciliação, nas separações amigáveis, prolongavam-se na medida do empenho do juiz, sem hora definida para terminar –, podem realizar-se, sob algumas condições, sem
a intervenção judicial, perante o tabelião, conforme autoriza o art. 733 do NCPC, regra originária da Lei 11.441/2007. Formalmente, no Capítulo XV – Dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária – do Título III – Dos Procedimentos Especiais – do Livro II – Do Processo de Conhecimento e Do Cumprimento da Sentença da Parte Especial do NCPC ocupa-se da jurisdição voluntária. Observa-se, no seu conteúdo, a regulamentação de procedimentos típicos (v.g., o das alienações judiciais, nos arts. 730, abrangendo as alienações judiciais previstas na lei substantiva (v.g., da coisa comum) e simples menção à matéria (v.g., a emancipação, conforme art. 725, I), relegadas ao procedimento comum (arts. 719 a 724), aplicando subsidiariamente aos procedimentos típicos (v.g., quanto ao cabimento de apelação contra a sentença). A enumeração não se mostra exaustiva e rígida. Demonstra a indistinção da matéria, ou a inexistência de fronteira rígida, o fato de alguns procedimentos outrora regulados no CPC de 1939, e subsistentes na vigência do CPC de 1973 por força do art. 1.218 (v.g., as arribadas forçadas, previstas nos arts. 772 a 775 do CPC de 1939), passaram à órbita do procedimento comum (art. 1.046, § 3.º, do NCPC). Leis extravagantes também contemplam procedimentos de igual natureza; por exemplo: (a) a retificação, a restauração e o suprimento do registro civil, a teor dos arts. 110 a 114 da Lei 6.015/1973; (b) a aquisição do domínio por usucapião, objeto do art. 216-A da Lei 6.015/1973, a teor do art. 1.071 do NCPC. Ademais, a própria tipologia varia conforme o critério posto na raiz da distinção entre jurisdição contenciosa e voluntária. Entendendo-se integrada nessa última esfera os interesses indisponíveis ou, simplesmente, os que não se obtêm senão com a intervenção do juiz, o inventário (arts. 610 a 667 do NCPC)99 incluirse-á dentre os procedimentos de jurisdição voluntária. Por outro lado, na interdição (arts. 747 a 758 do NCPC) há lide, resultante do contraste entre a pessoa que formula o pedido (art. 747 do NCPC) e o interditando. 196. Classificação da intervenção na autonomia privada Tampouco há uniformidade no critério (material ou processual) utilizado para organizar matéria tão heterogênea.100 Identificam-se, grosso modo, quatro grupos de interesses privados afetos à essa jurisdição: (a) tutela de pessoas incertas (v.g., a posse em nome do nascituro; testamentos e codicilos; herança jacente; coisas vagas); (b) tutela de incapazes (v.g., poder familiar; busca e apreensão de incapazes; família substituta; curatela;101ausência, alienação, arrendamento e instituição de gravames sobre imóveis de incapazes; emancipação; casamento de menores); (c) tutela dos negócios privados (v.g., registros públicos; fundações; sub-rogação; casamento; alienação de imóveis do cônjuge e de bens dotais; extinção de usufruto e de fideicomisso; protestos, notificações e interpelações; separação e divórcio consensuais; afastamento voluntário do lar conjugal; alienação da coisa comum, no todo ou em parte; especialização da hipoteca legal; (d) tutela da prova (v.g., justificação; produção antecipada de prova).102
Dessa enumeração feita no direito anterior evidencia-se que a localização de tais assuntos no âmbito dos procedimentos de jurisdição voluntária é acidental e contingente, variando conforme as conveniências do legislador. Assim, a justificação da existência de fato ou relação jurídica, “sem caráter contencioso”, segundo o art. 381, § 5.º, do NCPC não se insere no catálogo do art. 725, mas localiza-se no âmbito da produção antecipada de prova. § 47.º Limites da jurisdição brasileira 197. Limites da jurisdição A jurisdição não tem limites lógicos. O espaço e o tempo nenhum relevo assumem nas atividades desenvolvidas para compor a lide.103 Em tese, a Justiça Pública de qualquer País “pode pretender julgar quaisquer causas que sejam propostas perante os seus juízes, sem se importar com a nacionalidade ou domicílio dos demandantes, a natureza do direito discutido, o local onde está o bem – objeto da demanda –, o lugar onde ocorreram os fatos que a originou, ou aquele em que vai ser executada a obrigação”.104 Em contrapartida, a jurisdição ostenta limites práticos. A atividade que visa à resolução dos litígios depende da soberania do respectivo Estado. De ordinário, a jurisdição desenvolve-se em certo território, delimitando-se, portanto, geograficamente.105 Território é, para esse fim, a área compreendida dentro das fronteiras (esboçadas ou mortas). Também se compreendem nessa noção outras projeções materiais da soberania – por exemplo, as embarcações, em águas internacionais ou estrangeiras, e as aeronaves, no espaço aéreo internacional ou alheio, que ostentem o pavilhão nacional. Em última forma, a jurisdição de cada País refletirá as balizas da respectiva autoridade, exercida dentro do território e de suas projeções físicas. Naturalmente, as pessoas, nacionais ou estrangeiras, residentes ou não no território, submetem-se à autoridade do Estado que as acolhe e recebe, e, por conseguinte, à sua jurisdição. Em que pese teoricamente ilimitada e universal a autoridade do Estado, a convivência mútua de poderes similares conduziu a limitações recíprocas na atividade jurisdicional, emanadas do direito internacional público comum e do direito internacional público convencional. O direito português reconheceu pioneiramente a personalidade processual do estrangeiro perante a Justiça Pública brasileira (Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 52).106 Tal implicava a possibilidade de litígios transnacionais. E essa espécie de litígios exige a definição dos que importam à jurisdição brasileira. Problema similar se verifica em todos os ordenamentos. É preciso identificar, em suma, qual o elemento relevante para submeter litígio com alguma espécie de conexão internacional (v.g., a nacionalidade de um dos litigantes; o lugar do contrato; e assim por diante) ao juiz brasileiro. Em primeiro lugar, à jurisdição doméstica interessa resolver os conflitos que comprometem a paz na sociedade brasileira, independentemente da nacionalidade dos litigantes. É irrelevante à Justiça Pública nacional, por exemplo, o litígio entre dois espanhóis, domiciliados na Espanha, baseado em ilícito ocorrido neste País, conquanto o órgão judiciário brasileiro esteja apto a formular a regra jurídica concreta porventura aplicável à lide.107 O provimento dado nessas circunstâncias revelar-se-ia, ademais, inexequível no território
nacional, e, portanto, inútil. O vencido e os respectivos bens estariam além do alcance da autoridade da Justiça Pública brasileira. Dificilmente a Espanha reconheceria como legítimo tal pronunciamento e admitiria sua importação na respectiva ordem interna.108 Desse modo, o critério mais elementar a reger a matéria subentende a disposição de meios idôneos pela autoridade judiciária para impor a eficácia do pronunciamento aos seus destinatários. A existência de bens no território brasileiro representa elemento essencial à efetividade da decisão, a mais das vezes, porque neles recairá a responsabilidade do vencido, direta ou indiretamente. O princípio da efetividade funda-se (ou deve se fundar) nesta adusta particularidade: não há jurisdição do juiz brasileiro para provimentos que sejam inexequíveis.109 Ademais, o envolvimento na lide de bens imóveis situados no País, porque parte da base física, ou porção do globo ocupada, e que lhe fornece recursos materiais, costuma atrair a jurisdição da autoridade nacional. Essas considerações iniciais conduzem à necessidade de desvelar os princípios que informam a distribuição das lides na jurisdição brasileira em contraste com a de outros países. 198. Princípios informativos dos limites da jurisdição O modelo constitucional de processo indica que, na regulamentação dessa matéria no CPC brasileiro, concebem quatro princípios para fixar a jurisdição brasileira: (a) princípio da efetividade; (b) princípio da submissão; (c) princípio do amplo acesso; (d) princípio da inconveniência (forum non conveniens).110 198.1. Princípio da efetividade da jurisdição brasileira – É preciso o litígio apresentar-se ao Estado brasileiro juridicamente relevante para atrair a respectiva jurisdição, e, conseguintemente, do ponto de vista do litigante a provocação à jurisdição brasileira seja útil. Em outras palavras, o requisito da utilidade na atuação da Justiça brasileira compõe o interesse processual, que o autor há de exibir ao postular perante a autoridade judiciária nacional. Tal é o fundamento do princípio da efetividade. Falta jurisdição ao juiz que, encontrando-se as partes e seus bens no estrangeiro, não tem nenhum poder material,111 objetivamente e subjetivamente. A efetividade constitui fator de inclusão e de exclusão das causas na jurisdição brasileira e oferece a base mais elementar de inspiração das regras traçadas nos arts. 21 a 23 do NCPC. À Justiça brasileira, segundo prestigiado diagnóstico,112 interessam as seguintes causas: (a) as que exigem a aplicação do direito brasileiro, independentemente do lugar em que o provimento emitido surtirá efeitos; (b) as que produzirão efeitos no território brasileiro, independentemente do direito porventura aplicável na resolução do mérito; (c) as que reclamam execução sobre pessoas ou bens no território nacional. O princípio da efetividade atua, nesses casos, como fator de inclusão da causa na jurisdição nacional. Em outro viés, o princípio da efetividade funciona como fator de exclusão da jurisdição brasileiro. Lícito ao órgão judiciário rejeitar a respectiva jurisdição, repelindo a incidência do art. 23 do NCPC, porque ao Estado brasileiro se revelam juridicamente indiferentes as seguintes causas: (a) as que sejam exequíveis no exterior e o Estado estrangeiro admita seu
internamento, nada obstante a aplicação à espécie do direito nacional; (b) as que sejam exequíveis no exterior e reclamam a aplicação do direito estrangeiro; (c) as que sejam exequíveis unicamente sobre pessoas e bens situados no estrangeiro.113 Também ficam pré-excluídas da jurisdição brasileira as causas nas quais as circunstâncias subtraem o uso de direitos processuais legítimos e reconhecidos. Dessa privação decorre flagrante infração ao direito fundamental processual devido processo (retro, 127). Por exemplo, o fato de a ação proposta no Brasil tornar impossível o chamamento ao processo, apesar de julgado em contrário,114 e por essa via o réu distribuir a responsabilidade comum no tocante aos demais obrigados solidários, flagrantemente retira vantagem processual apreciável do demandado. Não há meio para ampliar os direitos fundamentais processuais de molde a cobrir ou superar a impossibilidade do chamamento.115 Em tal contingência, cumpre ao juiz brasileiro remeter o autor à jurisdição mais favorável, extinguindo o processo inaugurado perante a Justiça brasileira. A causa somente permanecerá na jurisdição brasileira na hipótese de o juízo eventualmente competente no exterior não admitir análoga intervenção compulsória de terceiro. 198.2. Princípio da submissão à jurisdição brasileira – O princípio da submissão “significa que, em limitado número de casos, uma pessoa pode voluntariamente submeter-se à jurisdição de tribunal a que não estava sujeita, pois, se começa a aceitá-la, não pode mais pretender livrar-se dela”.116 Esse princípio pressupõe o da efetividade.117 Se a autoridade judiciária brasileira não tem nenhum poder material quanto às partes, porque estrangeiros residentes fora do território nacional, ou sobre os seus bens, situados fora do território brasileiro, parece evidente que não importará a vontade convergente dos litigantes para instituir a jurisdição brasileira. O litígio aventado não tem nenhum interesse doméstico. Fora daí, nos casos de concorrência entre a jurisdição doméstica e a estrangeira, a parte submete-se à jurisdição brasileira de duas maneiras: (a) tácita (v.g., apresentando contestação à demanda proposta no Brasil, em arguir a incompetência do juiz brasileiro); ou (b) expressa (v.g., através de cláusula de eleição do foro). É a previsão do art. 22, III, do NCPC, complementada pelo art. 25, segundo o qual não compete à autoridade judiciária brasileira processar, julgar e executar litígio submetido à cláusula de eleição de foro em contrato internacional, versando direitos e obrigações (art. 63, caput, do NCPC), mas o caráter abusivo da cláusula inserida em contrato de adesão pode ser objeto de controle, se proposta a ação no território brasileiro, ex officio (art. 63, § 3.º, do NCPC) ou a requerimento do réu (art. 63, § 4.º, do NCPC). À primeira vista, o princípio da submissão parece constituir fator de exclusão da jurisdição doméstica, impressão reforçada pela prática adotada pelo STF, então competente para conceder exequatur às cartas rogatórias, ao exigir do citando declaração expressa de recusa quanto à submissão da justiça estrangeira e consignar tal declaração na decisão concessiva do exequatur.118 Ora semelhante declaração do réu se afigura ineficaz, as mais das vezes, e na realidade o princípio da submissão é, sobretudo, fator de inclusão. A jurisdição brasileira, nos casos dos arts. 21 e 22 do NCPC, concorre com a alienígena, e o fato de ser o réu brasileiro e domiciliado no
Brasil não constituem elementos idôneos a caracterizar a jurisdição exclusiva do art. 23 do NCPC. Logo, sendo o tribunal estrangeiro competente, consoante as leis do respectivo Estado, nos casos dos arts. 21 e 22 o réu brasileiro submete-se à jurisdição estrangeira, optando por esta o seu adversário. Porém, nos casos em que a jurisdição estrangeira tornar-se-á competente no caso de submissão, a declaração do réu assume importância, desde logo lhe oferecendo proteção contra a ulterior tentativa de homologação da sentença estrangeira.119 Não é razoável, com efeito, exigir que o réu brasileiro contrate advogado no estrangeiro para subtrair-se à jurisdição alienígena. 198.3. Princípio do amplo acesso à jurisdição brasileira – É universal o direito fundamental processual de acesso à Justiça (retro, 120). Por esse motivo, a jurisdição brasileira concorrente (arts. 21 e 22 do NCPC) somente comportará exclusão, em casos concretos, inexistindo o risco de denegação de Justiça. Em estudo de alto merecimento,120 localizou-se no art. 2.º do Dec.lei 69, de 15.07.1965, que internou o Acordo de Investimentos, celebrado pelo Brasil e os Estados Unidos da América, regra explicitadora da figura da denegação de Justiça, entendida como “a inexistência de tribunais regulares, ou de vias normais de acesso à Justiça; a recusa de julgar, de parte da autoridade competente; o retardamento injustificável da decisão judicial, com violação da lei processual interna”. Essa noção pode ser estendida a outros casos e à hipótese mais radical, subentendida na “recusa de julgar”: o conflito negativo de jurisdição.121 Não existindo, portanto, outra jurisdição competente, o órgão judiciário brasileiro tem jurisdição para apreciar qualquer causa, pois a CF/1988 assegura universalmente, aos nacionais e aos estrangeiros, o acesso à Justiça. É bem de ver o caráter residual do princípio do acesso, que há de ser harmonizar com a base fundamental da efetividade. Embora ao juiz brasileiro seja lícito formular a regra jurídica concreta, aplicando ou não o direito estrangeiro ao mérito, porque se cuidará de simples trabalho de gabinete, a realização prática desse comando subordinar-se-á às contingências materiais antevistas e resolvidas pela aplicação do princípio da efetividade (v.g., a inexistência de bens do vencido no território brasileiro impedirá a execução do provimento). 198.4. Princípio da inconveniência da jurisdição brasileira – Nos casos em que há jurisdição concorrente ou cumulativa – no direito pátrio são os dos arts. 21 e 22 do NCPC, ante a cláusula do art. 23, caput, parte final –, a possibilidade de o autor optar pelo foro mais favorável recebeu o sugestivo epíteto de forum shopping.122 Por mais correta que seja essa opção, e por mais legítimo que seja o móvel do autor em ligar na jurisdição x, em lugar da jurisdição y, objetivamente a escolha pode se tornar excessivamente onerosa para outra parte ou inconveniente para a causa. Figure-se a hipótese de acidente no transporte aéreo de pessoa, ocorrido no estrangeiro, sendo também estrangeiro o transportador e o construtor da aeronave, ambos com filial no Brasil, que vitimou brasileiro, cujo descendente domiciliado no Brasil ingresso em juízo contra o construtor, alegando que o sistema de informática impediu o piloto de realizar o pouso perante certa situação de emergência, e pleiteou alimentos indenizativos. O órgão judiciário nacional tem jurisdição, a teor dos
arts. 21, I, e parágrafo único, e 22, I, a, do NCPC, mas salta à vista que a identificação do ilícito imputado ao réu dependerá da produção de prova fora do território brasileiro. Essa circunstância revela a inconveniência de a causa tramitar na Justiça brasileira, apesar da inegável competência. Essas dificuldades ensejaram, no sistema jurídico norte-americano, dois expedientes: (a) a chamada anti-suit injunction, ordem que proíbe a parte de litigar perante determinada corte ou juízo arbitral; (b) a doutrina do forum non conveniens. Segundo esse último entendimento, o órgão judiciário competente, cuidando-se de sistema judiciário distinto (v.g., da justiça federal para a justiça estadual),123 tem a faculdade de recusar-se a processar a causa (dismissed), porque outro juízo é o mais apropriado.124 É indispensável que haja, naturalmente, outra justiça igualmente competente e que o inconveniente seja suficientemente grave para o processo não alcançar os fins que lhe são próprios – e a demora, o custo e a viabilidade da prova a ser produzida no estrangeiro, no exemplo ministrado, preenchem satisfatoriamente ambos os requisitos. Outro problema consiste na admissibilidade dessa tese no direito brasileiro. Ela importa, na prática, a abstenção do juiz brasileiro de oficiar em processo para o qual tem jurisdição. E essa inequívoca denegação de Justiça fundar-se-á em razões marcadamente discricionárias. Tal fato é admitido sem rebuços na origem – “The forum non conveniens rule explicitly involves na exercise of discretion by de court” –,125 mas no direito brasileiro constitui verdadeiro anátema. Ocorreria flagrante violação do direito de acesso à Justiça.126 Além disso, militam razões técnicas pré-excluindo semelhante solução: o forum non conveniens exigiria a suspensão do processo até o autor demandar no estrangeiro e obter declaração da existência de jurisdição na matéria.127 Ora, as hipóteses de suspensão do processo são numerus clausus (infra, 1.547). Não se incluem, dentre elas, decisões sobre competência. O problema proposto na doutrina do forum non conveniens quadra-se muito bem no princípio da efetividade (retro, 198.4) e do qual parece simples subespécie. 199. Espécies de limitações da jurisdição Em atenção aos princípios informativos dessa matéria, os arts. 21 a 25 do NCPC contemplam regras a respeito dos limites da jurisdição nacional.128 Essas disposições não cuidam de competência, mas de jurisdição. A causa alheia a esse catálogo não pode ser julgada pelo órgão judiciário, porque sobre ela não tem jurisdição.129 É assunto estranho à competência. E isso, porque nenhum outro juiz doméstico caberá processá-la e julgá-la. Em outras palavras, antes de identificar o juiz competente, na ordem jurídica interna, impõe-se verificar, nos arts. 21 a 23 do NCPC, se há, ou não, jurisdição de qualquer juiz brasileiro. Por exemplo: o litígio entre um cidadão espanhol e outro francês, a respeito de contrato de locação formado na Alemanha, tendo por objeto imóvel situado na Itália, não pode ser julgado pela autoridade judiciária brasileira.130 Não concorrem os elementos dos arts. 21 a 23. A função desses dispositivos não equivale às das demais regras de
competência. Eles limitam o poder do Estado brasileiro perante os seus congêneres.131 O juiz brasileiro abster-se-á de julgar causas que não se enquadrem nos arts. 21 a 23 do NCPC.132 Faltar-lhe-á jurisdição. O controle da ausência do pressuposto processual objetivo realizar-se-á da forma usual (retro, 183). Por outro lado, o fato de o Estado brasileiro desconhecer e refugar litígios irrelevantes, ou os que a autoridade da Justiça brasileira não possa alcançar materialmente, executando o pronunciamento, importa o respeito, por identidade de razões e obediência ao princípio da igualdade entre os Estados (art. 4.º, V, da CF/1988), aos pronunciamentos estrangeiros.133 Para tal fim, a sentença estrangeira é internada, mediante juízo de delibação, a cargo do STJ, na ordem jurídica pátria. Essa possibilidade vale para as hipóteses dos arts. 21 e 22 do NCPC, nas quais a jurisdição é concorrente; porém, desaparece no caso de jurisdição exclusiva (art. 23 do NCPC): as sentenças estrangeiras proferidas nessas causas “nenhuma eficácia produzirão em território brasileiro”.134 As regras de “competência” internacional abrangem, desse ponto de vista eminentemente objetivo, duas espécies: (a) jurisdição concorrente (ou cumulativa); e (b) jurisdição exclusiva. No entanto, há que considerar outra dimensão do problema dos limites da jurisdição: o subjetivo. Parece natural que todas as pessoas, nacionais ou estrangeiras, residentes ou não no território, submetam-se à jurisdição do Estado que as acolhe e recebe, de um lado sem restrições no acesso à Justiça, e, de outro lado, sem exceções subjetivas. Tal não obsta que, por razões políticas, instituam-se imunidades pessoais. Por conseguinte, na perspectiva mais geral há duas espécies de limitações à jurisdição doméstica: (a) objetiva; (b) subjetiva. Por sua vez, objetivamente a jurisdição brasileira pode ser (a) exclusiva; ou (b) concorrente (ou cumulativa). Também se costuma distinguir duas espécies de “competência” internacional: (a) direta; e (b) indireta.135 É direta a aplicação da norma de “competência” internacional do juiz doméstico no caso de pretensão deduzida no território nacional. Além dos já mencionados arts. 21 a 23 do NCPC, também incidem dessa maneira os tratados e convenções internacionais sobre essa matéria (art. 24, caput, parte final, do NCPC), da qual o Brasil seja signatário, sendo o mais importante o Protocolo de Buenos Aires, assinado em 05.08.1994, em vigor desde 06.08.1996, e o art. 651 da CLT. E, de outro lado, aplicam-se indiretamente essas normas quando o STJ é instado a homologar sentença estrangeira, cumprindo-lhe antes de mais aquilatar se o provimento advém de juízo competente. § 48.º Jurisdição internacional exclusiva 200. Casos de jurisdição internacional exclusiva À autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra, compete processar e julgar as seguintes causas: (a) relativas a imóveis situados no Brasil (art. 23, I, do NCPC); (b) em matéria de sucessão
hereditária, o juiz brasileiro confirmar o testamento particular, e proceder ao inventário e à partilha de bens, situados no Brasil, e ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha domicílio fora do território nacional (art. 23, II, do NCPC); (c) o divórcio, a separação judicial ou a dissolução de união estável, nos casos em que houver partilha de bens no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional (art. 23, III, do NCPC). O Estado brasileiro considera que nenhuma outra jurisdição pode resolver litígios ou partilhar porções do território nacional, por ínfimas que sejam elas, sem comprometer a soberania nacional. Eventual pronunciamento estrangeiro, nos casos do art. 23 do NCPC em que a jurisdição brasileira é exclusiva, revela-se totalmente ineficaz, rejeitada a submissão da parte, expressa ou tácita, à autoridade judiciária estrangeira.136 Não cabe internar a sentença estrangeira proferida nesta matéria.137 201. Litígios sobre imóveis situados no território brasileiro O art. 23, I, do NCPC atribuindo à exclusividade à jurisdição brasileira para processar, julgar e executar “ações relativas a imóveis”. Funda-se a regra no princípio da territorialidade e, em nome da ordem pública, o Dec. 6.982, de 27.07.1878, já estabelecia que “as sentenças estrangeiras não poderiam ser executadas no Brasil quando contivessem decisão contrária às leis que regulavam a ‘organização da propriedade territorial’”.138 Logo apresenta uma dificuldade: o sentido a expressão legal. O que se preconiza é interpretação ampla e compreensiva da cláusula.139 A jurisdição brasileira exclusiva não se restringe às ações reais, a exemplo da reivindicatória e da divisória – “A exclusividade da jurisdição relativamente a bens imóveis situados no Brasil”, proclamou o STF, “afasta a homologação de sentença estrangeira a versar a divisão” –,140 abarcando, igualmente, as ações fundadas em direito pessoal que visem a imóveis (v.g., a ação despejo, a ação de resolução de promessa de compra e venda), chamadas de reipersecutórias.141 Por exemplo, inviável o registro da adjudicação de imóvel deferida por juiz estrangeiro.142 O STF negou a jurisdição brasileira, em que pese o imóvel situar-se no Brasil, no caso de controvérsia entre dois Estados estrangeiros a respeito dos efeitos da união e posterior separação entre ambos.143 Existem duas outras situações dignas de registro e exame separado no contexto do art. 23, I, do NCPC: (a) a ação de invalidade de patente; (b) a falência. 201.1. Litígio sobre invalidação de patente – O art. 57 da Lei 9.279/1996 subentende que a pretensão de invalidade de patente será obrigatoriamente ajuizada no Brasil, vez que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) intervirá, obrigatoriamente, no feito (infra, 819). No entanto, o STJ decidiu que, cuidandose de patente estrangeira internada no Brasil, segundo o regime conhecido como pipeline, a invalidação da patente originária implica a da brasileira, e, por essa razão, homologou a sentença estrangeira que decretara a invalidade.144 Logo, nesse caso – a rigor, o único que importa – a jurisdição brasileira concorre com a estrangeira.
201.2. Falência com bens imóveis no território nacional – Em matéria de falência de empresas transnacionais, concebem-se dois sistemas em tese: ou estendem-se os efeitos da sentença que decreta a falência em um dado país para outros países em que o empresário tenha filiais, sucursais ou empresas coligadas (unidade); ou restringem-se os efeitos da sentença de falência à jurisdição que a decretou, cabendo aos credores solicitar a quebra em outros países (pluralidade). Em tal assunto delicado, e de importância superlativa no ambiente de integração econômica, o diploma pioneiro (Dec. 6.982, de 27.07.1878) estabeleceu duas diretrizes fundamentais: de um lado, a jurisdição brasileira exclusiva para decretar a quebra de empresário com domicílio no território nacional; por outro, a possibilidade de internar a sentença de quebra estrangeira do empresário domiciliado no exterior. De modo similar, art. 786 do CPC de 1939 pré-excluiu a internação da sentença estrangeira que decretasse a falência de comerciante brasileiro domiciliado no Brasil; por sua vez, o art. 788 do CPC de 1939 admitiu semelhante homologação, quanto as empresários domiciliados no exterior, mas com a ressalva que a sentença não surtiria efeitos no tocante ao estabelecimento brasileiro, hipótese em que prosseguiram ações e execuções individuais. Essa regras conviveram com o art. 7.º do Dec.-lei 7.661/1945, segundo o qual tocaria ao juízo no qual o devedor tem o principal estabelecido ou a casa filial de outra situada fora do Brasil decretar a falência. Revogadas as disposições do CPC de 1939 pelo advento do CPC 1973, todavia omisso a esse propósito, e substancialmente idêntica a regra de competência interna prevista na Lei 11.101/2005, chegou-se à conclusão que, na atualidade, a jurisdição brasileira concorre com a estrangeira em tema de falência.145 O problema subsiste perante o art. 23, I, do NCPC. Ora, como a jurisdição brasileira é exclusiva quanto às pretensões envolvendo os bens situados no território nacional (art. 23, I), na verdade sobrevive, em parte, o regime do art. 788 do CPC de 1939: a sentença estrangeira de falência, todavia passível de homologação quanto a outros efeitos (v.g., a organização do quadro de credores, a arrecadação de bens móveis, e assim por diante), não produz eficácia relativamente aos bens imóveis sitos no território brasileiro. Em se tratando de empresa estrangeira, pois, sendo competente para decretar a falência o juízo do local onde estiver situada a sua filial no Brasil, a jurisdição brasileira é exclusiva,146 e não somente quanto à arrecadação, alienação e distribuição do respectivo produto aos credores do falido no exterior. É exclusiva, pois, a jurisdição brasileira para decretar a falência do empresário estrangeiro com filial (e patrimônio imobiliário) no território nacional, sendo inadmissível que a sentença estrangeira surta efeitos entre nós.147 202. Partilha de imóveis situados no território brasileiro O elemento comum do art. 23, I e II, do NCPC é a existência de bens no território nacional passíveis de partilha, em razão de sucessão hereditária ou de dissolução do casamento e da união estável.
A exclusividade da jurisdição brasileira para proceder a confirmação do testamento particular, se existente, e “ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil”, segundo o art. 23, II, prende-se ao chamado princípio da unidade sucessória. É muito difícil a aplicação rígida dessa diretriz: por um lado, é inócua quanto aos imóveis existentes no estrangeiro; de outro, leva à contradição de inviabilizar a internação das sentenças estrangeiras e da própria unidade do regime sucessório quando o inventário se processar no estrangeiro, existindo imóveis também no território nacional.148 O dispositivo explicita o art. 12, § 1.º, do Dec.-lei 4.657, de 04.09.1942 – “Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil” –, inviabilizando o entendimento intermediário, admitindo a internação da sentença estrangeira, sob a condição de prévia avaliação dos bens sitos no Brasil e o pagamento do imposto de transmissão mortis causa. O art. 23, II, do NCPC abrange a sucessão mortis causa,149 objeto de inventário, e consequente partilha de bens imóveis. São irrelevantes a nacionalidade do autor da herança, o lugar da residência e o local do óbito (no estrangeiro ou no País). Logo, a residência fora do País, aludida na regra, não tem qualquer pertinência à hipótese.150 “Não pode ser homologada sentença proferida por juiz estrangeiro em inventário e partilha de bens situados no Brasil”, esclareceu o STF, “qualquer que seja a nacionalidade, o domicílio e a residência do autor da herança”.151 O art. 23, II, do NCPC desfaz o princípio da universalidade da herança. O fato de um cidadão uruguaio ter deixado bens imóveis no Brasil e na República Oriental, tão comum na região limítrofe, constrangerá os sucessores a inventariá-los nos dois países.152 No direito anterior, entendia-se que partilha de bens em razão de separação e de divórcio, embora situados no Brasil, era possível acolher o pronunciamento estrangeiro na ordem interna.153 Em geral, há acordo dos interessados, tornando a intervenção da autoridade judiciária brasileira inútil e repetitiva. Assentou-se, nessa base, a tese que “não contraria a ordem pública a sentença estrangeira que ratifica acordo das partes acerca de imóvel localizado em território brasileiro”.154 Ela propagou-se, em seguida, aos litígios envolvendo sucessão causa mortis.155 O art. 23, III, do NCPC adotou orientação diferente. Competirá ao juiz brasileiro, segundo as regras de competência interna, processar e julgar o divórcio, a separação judicial e a dissolução de união estável, haja ou não consenso dos parceiros, preceder à partilha dos bens situados no Brasil, “ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional”. Valem, pois, as considerações feitas em relação ao inciso anterior, incluindo a consequência: o brasileiro casado com peruana, ou peruano casado com brasileira, hipótese recorrente na fronteira sul, até poderá divorciar-se no estrangeiro (o art. 961, § 5.º, do NCPC declara prescindir de homologação a sentença estrangeira de divórcio consensual), mas, havendo patrimônio imobiliário nos dois países, a partilha dos bens existentes no Brasil competirá ao juiz nacional. § 49.º Jurisdição internacional concorrente 203. Casos de jurisdição internacional concorrente
Os arts. 21e 22 do NCPC explicitam as hipóteses em que a jurisdição brasileira concorre com a estrangeira. Esses casos foram concebidos, flagrantemente, considerando a possibilidade de formular a regra jurídica concreta, ignorando ulterior execução, ressalva feita à hipótese do art. 22, I, b, do NCPC. Ora, o princípio da efetividade reclama a existência de bens no território brasileiro. O provimento emitido contra parte sem bens no Brasil – figure-se o caso de jurisdição brasileira fundada só no fato do domicílio, a teor do art. 21, I, do NCPC – mostrar-se-á inexequível sem a colaboração da autoridade judiciária estrangeira. E não se pode pressupor, sem graves riscos de frustração e de desesperança, o reconhecimento da sentença nacional no estrangeiro. O outro Estado pode conceber a causa como exclusiva da própria jurisdição e negar a internação do provimento brasileiro. É para tais casos que a doutrina do forum non conveniens se desenvolveu no direito norte-americano, convindo estabelecer que, senão com esse fundamento, no mínimo por força do princípio da efetividade seja admissível ao juiz brasileiro recusar jurisdição em casos tais. A competência interna do órgão judiciário brasileiro supre as lacunas do art. 21 do NCPC. Há outros casos (implícitos no sistema) em que se mostraria absurdo negar a jurisdição brasileira; por exemplo, a interdição e a arrecadação dos bens dos ausentes.156 204. Jurisdição concorrente segundo o domicílio A jurisdição brasileira atinge as pessoas domiciliadas no País. É irrelevante a nacionalidade da pessoa natural ou jurídica. O princípio da universalidade (retro, 187) justifica a extensão subjetiva. Logo, competirá ao órgão judiciário nacional processar e julgar causas em que o réu seja domiciliado no Brasil, independentemente da sua nacionalidade (art. 21, I, do NCPC), nada importando, ao propósito, a natureza da ação.157 O conceito de domicílio é o previsto na lei civil brasileira: lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo (art. 70 do CC).158 Essa noção, relativamente às pessoas naturais e às pessoas jurídicas, receberá análise no item dedicado à competência interna (infra, 420). Não há particularidades dignas de registro. Importa sublinhar que, à incidência do art. 21, I, do NCPC não basta a passagem eventual pelo território. Mas, o direito brasileiro admite a pluralidade de domicílios, no estrangeiro e no Brasil. O fato de o réu também ser domiciliado no estrangeiro não elimina a jurisdição brasileira. É significativo o caso do art. 75, § 2.º, do CC que fixa no “lugar do estabelecimento” sito no Brasil o domicílio da pessoa jurídica cuja administração, ou diretoria, situe-se no estrangeiro, relativamente às obrigações “contraídas por cada uma das suas agências”. E, existindo dificuldade em determinar o domicílio, servirá a residência.159 O art. 21, parágrafo único, do NCPC considera no Brasil domiciliada a pessoa jurídica estrangeira que, no território, abriu filial, sucursal ou agência. Não importam à incidência do parágrafo o fato de o negócio ter-se formado aqui, ou não, e o lugar do cumprimento da obrigação. Essas situações encontram-se cobertas no art. 21.160 O domicílio é bastante para definir a jurisdição brasileira.
O art. 22 do NCPC explicita os seguintes casos: (a) a ação de alimentos, tendo o credor domicílio ou residência no Brasil (inc. I, a), ou o devedor mantiver vínculos com o Brasil, “tais como posse e propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos” (inc. I, b), caso em que passível a obrigação de ulterior execução, em virtude dos meios executórios da desapropriação e do desconto; (b) decorrentes de relação de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil (inc. II), caso em que, ao contrário da hipótese anterior, eventual execução sofrerá as limitações intrínsecas ao princípio da responsabilidade patrimonial (art. 789 do NCPC), mas atende à aquisição de bens e serviços no comércio eletrônico; (c) as partes submetem-se, tácita ou expressamente, à jurisdição nacional (inc. III). O critério do domicílio tem larga repercussão no que tange aos litígios sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade civil e, em geral, os direitos de família. É competente a jurisdição brasileira para dissolver a sociedade conjugal, ou a união estável, domiciliado um dos figurantes no território nacional. Por igual, compete à jurisdição brasileira decidir sobre a guarda e o direito de visita do menor domiciliado no Brasil ou no caso de um dos pais aqui tiver domicílio, e sobre pretensões a alimentos. 205. Jurisdição concorrente segundo o lugar do cumprimento da obrigação Também compete à Justiça Pública brasileira processar e julgar causas que envolvam obrigação, cujo lugar de cumprimento seja no Brasil (art. 21, II, do NCPC). Por exemplo, A obriga-se perante B, ambos estrangeiros e domiciliados no exterior, a pagar certa quantia em São Paulo. É idêntica a exigência para o título executivo extrajudicial estrangeiro adquirir exequibilidade no território nacional independentemente de homologação pelo STJ (art. 784, § 3.º, do NCPC). 206. Jurisdição concorrente segundo o lugar do fato ou do negócio O art. 21, III, do NCPC contempla duas hipóteses: (a) o fato ocorreu no Brasil; por exemplo, A e B, cidadãos chilenos, domiciliados no Chile, participaram de acidente de trânsito, no qual o último sofreu graves ferimentos; (b) o ato (ou negócio) praticou-se no Brasil; por exemplo, um cidadão espanhol não logra embarcar no avião da companhia aérea brasileira, no aeroporto de Guarulhos, haja vista o overbooking; ou as partes formaram contrato no Brasil.161 O direito internacional privado disciplina o direito material aplicável a tais casos.162 Embora as regras processuais sejam nacionais, o juiz brasileiro examinará o mérito, eventualmente, de acordo com o direito estrangeiro.163 Em matéria contratual, o Protocolo de Buenos Aires, aprovado pelo Dec.lei 129, de 05.10.1995, e promulgado pelo Dec. 2.095, de 17.12.1996, estabelece para resolver contendas quanto aos contratos internacionais entre pessoas naturais e jurídicas, domiciliadas nos Países do Mercosul, é competente o órgão judicante do Estado signatário que assumir a jurisdição, admitindo-se eleição de foro. Na hipótese de inexistência de foro de eleição,
fixar-se-á a competência, à escolha do autor: (a) no lugar do comprimento da obrigação: (b) no lugar do domicílio do réu; (c) ou no lugar do domicílio ou sede do autor, pretendendo este demonstrar que cumpriu a obrigação.164 207. Jurisdição concorrente segundo eleição de foro Com relativa frequência, os figurantes de contrato internacional estipulam cláusula de eleição de foro, ou seja, pactuam que, sobrevindo litígio, obrigamse a recorrer à Justiça Pública de determinado país para dirimi-lo. Esse pacto só é admissível nos casos de jurisdição concorrente. Um dos limites naturais da autonomia privada reside na impossibilidade de “eleger ou prorrogar jurisdições estabelecidas com caráter de ordem pública”.165 O art. 25, caput, do NCPC declara não incumbir à autoridade judiciária brasileira o litígio derivado de contrato internacional em que haja cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro. O pacto de eleição de foto suscita duas ordens de problemas. Em primeiro lugar, o da derrogação da “competência” internacional, ou seja, as partes elegem jurisdição estrangeira que não se mostraria internacionalmente competente, conforme a lex fori, interessando definir se a jurisdição nacional pré-excluída reconhece, ou não, legitimidade nessa derrogação. Ademais, o da prorrogação da competência, pois as partes podem eleger a jurisdição nacional, todavia incompetente, restando definir se o juiz nacional admite a respectiva jurisdição na causa.166 Em princípio, lícito se afigura semelhante pacto nos casos jurisdição concorrente, mas não nos de jurisdição exclusiva.167 É o que estipula o art. 25, § 1.º, do NCPC. O pacto de eleição de foro não atribui ou suprime a jurisdição de um País. O ajuste das partes tem por objeto não demandar perante uma das autoridades judiciárias porventura competentes.168 É claro que a validade do pacto de eleição do foro segue os princípios gerais, mostrando-se necessário que seja específica – ou, como prefere o art. 63, § 1.º, do NCPC aluda a “determinado negócio jurídico” –, e, ainda, exiba os seguintes atributos: (a) o objeto do litígio seja disponível (v.g., não cabe nos litígios envolvendo capacidade da pessoa); (b) as declarações de vontade, originando-se não de contrato de adesão, não impliquem abuso (art. 25, § 2.º, c/c art. 63, § 3.º, ambos do NCPC). Entende-se por tal o forum non conveniens (retro, 198.4). O art. 25, caput, do NCPC admite a eleição de foro estrangeiro exclusivo no “contrato internacional”. É internacional o contrato que promova a circulação de riquezas entre nações, envolvendo o fluxo de bens, de serviços e de capitais, como se infere do art. 2.º do Dec.-lei 857/1969.169 O pacto de eleição de foro é disponível. O réu deverá alegar a incompetência do juiz nacional, a teor do art. 25, caput, parte final, do NCPC sob pena de preclusão, conforme reza o art. 63, § 4.º, do NCPC. A inércia do réu importará a prorrogação da competência (art. 65, caput, do NCPC), denotando submissão tácita à jurisdição brasileira (art. 22, III, do NCPC). Por sinal, o art. 22, III, do NCPC autoriza outra ilação. Aos figurantes de contrato internacional afigura-se admissível eleger a jurisdição brasileira (submissão expressa).
O art. 25 do NCPC repele o entendimento, formado no direito anterior, quanto à a inadmissibilidade da eleição de foro em matéria de jurisdição concorrente.170Frágil o pretexto invocado para chegar a essa conclusão: a cláusula de eleição de foro não afastaria a jurisdição brasileira nas hipóteses de concorrência.171 Por definição, a jurisdição é concorrente e nada obsta a preferência das partes pela jurisdição estrangeira. Essa orientação nacionalista – não tem impedimento a adoção contratual da jurisdição brasileira – não se harmoniza com o ambiente internacional contemporâneo do mundo dos negócios. O correto se mostraria examinar o caso concreto e verificar se o negócio jurídico impede, na prática, o acesso de um dos figurantes à Justiça eleita, hipótese em que o juiz nacional deverá assumir a competência.172 Por isso, o art. 25, § 2.º, do NCPC manda aplicar o art. 63 ao pacto de eleição de foro estrangeiro exclusivo. Se houver eleição de foro concorrente, retorna-se à disciplina dos arts. 21 e 22 do NCPC. 208. Jurisdição concorrente e efeitos da litispendência A circunstância de os arts. 21 e 22 do NCPC permitir à jurisdição brasileira concorrer com a estrangeira suscita a questão relativa à tramitação, simultânea ou não, de ação idêntica em outro País. O art. 24 do NCPC enfrentou os problemas daí originados, outorgando-lhes solução categórica, mas parcial, exigindo interpretação conjunta com o art. 963, IV, do NCPC. Concorrentes que sejam a competência das Justiças nacional e estrangeira, nenhum relevo assume a propositura de ação no estrangeiro, versando as hipóteses dos arts. 21 e 22 do NCPC: não há prevenção do juiz estrangeiro, nem sequer a identidade das demandas “induz litispendência”. Essa última expressão se revela inexata ou imperfeita. Litispendência haverá, ou não, conforme estabeleça a lex fori. O que se impede é o juiz brasileiro acolher a alegação, por qualquer das partes, da pendência de demanda no estrangeiro com a(s) mesma(s) causa(s) e o(s) mesmo(s) pedido(s), com fundamento nos arts. 337, § 3.º, do NCPC e, assim, deixar de julgar o mérito. A instauração de processo anterior, no estrangeiro, não impede a pendência de outro, embora idêntico, no Brasil. Não se revela razoável extrair do art. 24, caput, do NCPC porém, a inferência que toda e qualquer repercussão fique, peremptoriamente, excluída na Justiça brasileira. A sentença estrangeira pode transitar em julgado antes de instaurado o processo sobre a mesma lide no Brasil e, obtendo o interessado a homologação no STJ, conforme permite o art. 24, parágrafo único, do NCPC criar-se-á o impedimento decorrente da coisa julgada. Tratase de consequência direta e lógica da falta de exclusividade da Justiça brasileira na matéria dos arts. 21 e 22 do NCPC. Passando despercebida a coisa julgada, e instaurado o processo, a sentença nacional proferida em causa idêntica, mas promovida posteriormente, mostrar-se-á passível de rescisão, com base no art. 966, IV, do NCPC. E, por outro lado, inexistirá homologação no caso de jurisdição brasileira exclusiva (art. 964, caput). A homologação do STJ revela-se indispensável à produção dos efeitos próprios do julgado estrangeiro. O art. 961, caput, do NCPC, declara, de forma definitiva e irretorquível, “somente terá eficácia no Brasil após a homologação” a decisão estrangeira. E a autoridade de coisa julgada é uma das eficácias da sentença (art. 502). O STF já reconheceu a ineficácia total do
provimento anteriormente à homologação.173 Em consequência, o juiz brasileiro não poderá extinguir o processo sob seus cuidados, com fundamento no art. 485, V, do NCPC simplesmente porque se produziu a coisa julgada no estrangeiro sobre a mesma lide, haja vista a ineficácia do ato na ordem interna antes da homologação. Feito o pedido de homologação, no curso deste nada obsta que a parte instaure processo sobre a mesma lide do Brasil. O motivo reside no fato de, mostrando-se totalmente ineficaz o provimento estrangeiro antes da homologação, não induz litispendência perante a demanda nacional. Inversamente, os efeitos da pendência da ação nacional atingirão o processo de homologação. Tal fato institui óbice irremovível ao encerramento vitorioso do procedimento de internação.174 E, de fato, na pendência de processo idêntico perante o juiz brasileiro, não se tolera o pedido de homologação de sentença estrangeira, obviamente transitada em julgado, proferida entre as mesmas partes.175 À luz do direito brasileiro, neste caso, o processo pendente no Brasil tranca a importação do provimento estrangeiro.176 É fraco o argumento que a causa de pedir e o pedido, na homologação, discrepam dos elementos objetivos do processo pendente. A sentença estrangeira, uma vez internada, produzirá efeitos no processo nacional, gerando o impedimento da coisa julgada e a extinção do outro processo em curso (art. 485, V, do NCPC). É o que, justamente, a primazia da jurisdição nacional repele no caso. A jurisprudência do STF adotou entendimento oposto, admitindo a homologação.177 Mas, no STJ o assunto sofreu espetacular reviravolta, registrando-se expressivo julgado no sentido da tese aqui exposta.178 O art. 963, IV, do NCPC impede a homologação da sentença que ofender à coisa julgada brasileira, pressupondo a resolução, de meritis, do processo nacional e o esgotamento das vias recursais. Porém, não é só a autoridade de coisa julgada, mas a própria litispendência o fator do impedimento. Transitado em julgado o processo nacional, revestir-se-á de autoridade de coisa julgada, motivo bastante para impedir a homologação de pronunciamento alienígena. “A jurisprudência sedimentada do STF é no sentido de não admitir, em nome da soberania do Estado brasileiro, pedido de homologação de sentença cujo conteúdo é em tudo idêntico à decisão judicial da Justiça brasileira”.179 Não importa o conteúdo coincidente, ou não, das decisões. Feita a opção pela Justiça brasileira, em suma, tem ela primazia sobre a estrangeira, vinculando as partes ao seu desfecho, favorável ou não. Essa disciplina atrai ações conexas – v.g., à ação de alimentos, na pendência da separação entre os cônjuges. Existiriam razões ainda menores para travar demandas só aparentadas a que tramita no estrangeiro já se configurando óbice relevante à instauração de processo apesar da identidade total dos elementos (art. 337, § 2.º, do NCPC). A cláusula final do art. 24, caput (“… ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil”) respeita à litispendência, e, não, à possibilidade de internação da decisão estrangeira após o trânsito em julgado da sentença definitiva proferida no processo brasileiro.
§ 50.º Limites internacionais subjetivos da jurisdição brasileira 209. Regime das imunidades jurisdicionais A jurisdição brasileira alcança quaisquer pessoas presentes em seu território e os bens nele situados. Todavia, o direito internacional público, comum e convencional, institui exceções. Elas se chamam de imunidades. Elas surgiram por imposição de normas costumeiras para garantir a independência e a segurança dos agentes diplomáticos, baseando-se na ficção da extraterritorialidade; mas, o aumento vertiginoso de Estados e de organismos internacionais e regionais, acompanhados de um autêntico exército de servidores, imprimiu nova fisionomia ao velho instituto.180 Existem duas espécies: (a) imunidade pessoal; (b) imunidade patrimonial.181 No âmbito das imunidades pessoais, cumpre distinguir o tratamento das pessoas de direito público e das pessoas naturais. 210. Imunidade pessoal à jurisdição brasileira Em relação aos Estados estrangeiros propriamente ditos, desapareceu a antiga imunidade absoluta.182 Firmou-se, progressivamente, a admissibilidade de processar e julgar causas em que outro Estado figure como parte passiva, relativamente às obrigações civis, empresariais e laborais. A questão delicada respeita à relação trabalhista. As representações estrangeiras recrutam pessoal auxiliar no Brasil. Firmam relação de emprego com brasileiros. Nesse caso, apesar da impossibilidade de executar o julgado, o Estado estrangeiro não goza de imunidade.183 É possível o empregado demandar o Estado estrangeiro perante a Justiça do Trabalho (art. 114, I, da CF/1988: “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo…”). A imunidade do Estado estrangeiro opera plenamente tão só perante atos de império.184 O STJ negou apreciação à ação de indenização movida contra a República Federal da Alemanha, em razão do afundamento de embarcação brasileira, em 1943, nas águas nacionais, por submarino alemão.185 O ataque representou ato de guerra. E, na matéria tributária, o STF reconhece imunidade absoluta ao Estado estrangeiro.186 Nenhuma das pessoas de direito público interno dotadas da capacidade para tributar legitima-se a impor tributos diretos ao Estado estrangeiro. Em contrapartida, prevista a reciprocidade em tratado ou existindo promessa de reciprocidade, o Estado estrangeiro poderá homologar a decisão estrangeira para fins de execução fiscal (art. 961, § 4.º, do NCPC). No tocante ao pessoal diplomático, ou seja, aos embaixadores e outros dignitários do Estado estrangeiro, incluídos na lista diplomática, há imunidade civil (e, a fortiori, penal). O privilégio estende-se aos familiares do diplomata. O pessoal subalterno goza de imunidade quanto aos atos de ofício. No que tange à execução, apresentam-se invioláveis o local da missão diplomática e o da residência do pessoal do quadro diplomático,187 bem como os bens, inclusive arquivos e documentos, localizados nesses lugares.188 O cônsul e o pessoal consular só têm imunidade em virtude de atos de ofício, mas os respectivos familiares não se beneficiam desse privilégio. É digna de registro
decisão da Corte Internacional de Justiça, de 14.02.2002, que definiu, sob certas condições, a imunidade do representante do Estado estrangeiro.189 O Estado estrangeiro, o pessoal diplomático e o consular podem renunciar à imunidade. Nada impede o embaixador de demandar perante a autoridade judiciária brasileira, voluntariamente submetendo-se à jurisdição estrangeira (princípio da submissão).190 Em tal hipótese, subentende-se que o embaixador pode ser demandado, no mesmo processo, graças à reconvenção do réu. Figurando o Estado estrangeiro como parte principal em processo perante a Justiça brasileira o respectivo regime processual é o comum. Por óbvio, aplica-se a lei processual brasileira, e, em particular, não desfruta essa pessoa jurídica das prerrogativas outorgadas à Fazenda Pública nacional.191 211. Imunidade patrimonial à jurisdição brasileira É perante o delicado problema do recrutamento de pessoal para trabalhar na representação diplomática estrangeira que surge com mais intensidade a imunidade patrimonial do Estado estrangeiro. O STJ reconhece a imunidade patrimonial contra a execução.192 Realmente, a Convenção sobre Relações Diplomáticas, de 18.04.1961, consoante o art. 22 do Dec. 54.435, de 08.06.1965, e a Convenção sobre Relações Consulares, de 24.04.1963, de acordo com o art. 31 do Dec. 61.078, de 26.06.1967, ambas de Viena, estabelecem a inviolabilidade física do local da missão diplomática, bem como dos bens nela localizadas, bem como do local residencial do pessoal integrante do quadro diplomático, administrativo e técnico. Em tal hipótese, o credor deverá postular a realização do crédito perante a justiça do Estado estrangeiro.
Capítulo 14. COOPERAÇÃO INTERNACIONAL SUMÁRIO: § 51. Cooperação internacional geral – 212. Fundamentos e objeto da cooperação jurídica internacional – 213. Processo de homologação da sentença estrangeira – 213.1. Objeto da homologação – 213.2. Competência para a homologação – 213.3. Legitimidade no processo de homologação – 214. Procedimento da homologação da sentença estrangeira – 215. Efeitos da homologação da sentença estrangeira – § 52. Cooperação internacional especial – 216. Formas da cooperação internacional especial – 217. Objeto da cooperação internacional especial – 218. Meios da cooperação internacional especial – 218.1. Cooperação através de carta rogatória – 218.2. Cooperação através de auxílio direto – 219. Carta rogatória ativa – 220. Carta rogatória passiva. § 51.º Cooperação internacional geral 212. Fundamentos e objeto da cooperação jurídica internacional O mundo contemporâneo apresenta várias e impactantes facetas. A eficiência dos meios de comunicação facilitou o contato das pessoas naturais e jurídicas, domiciliadas em Países diferentes e de nacionalidades heterogêneas. Relações outrora lentas e difíceis tornaram-se instantâneas. Os efeitos dessa rede mundial de relações intersubjetivas não se restringem, absolutamente, ao território de um país. A globalização exige o
reconhecimento recíproco dos negócios privados, seja qual for o lugar da contratação, a uniformidade de tratamento jurídico, e, principalmente, a colaboração entre jurisdições e as autoridades administrativas de países diferentes. A este fenômeno dá-se o nome de cooperação jurídica internacional.1 É objeto constante de tratados e, atualmente, tornou-se expressão corrente na chamada comunidade internacional, estreitamente relacionadas por intermédio de convenções bilaterais e multilaterais. A cooperação jurídica internacional fundar-se-á, reza o art. 26, caput, em tratado do qual o Brasil figura como parte. Esse dispositivo arrola os requisitos que emprestam conformidade do negócio ou, na sua falta, da cláusula de reciprocidade à ordem constitucional brasileira, objetivo expresso no art. 25, § 3.º, indicandose, então, o seguinte: (a) respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente (inciso I), ou seja, a observância do conjunto de disposições que lhe conferem a feição geralmente aceita (v.g., o direito de ser citado, a oportunidade de ser ouvido pelo juiz natural e a motivação da decisão); (b) a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados (inciso II); (c) a publicidade processual, exceto nos casos de segredo de justiça, consoante as previsões da lei brasileira e da lei do Estado requerente (inciso III); (d) a existência de autoridade central para recepção e transmissão de pedidos de cooperação (inciso IV), funcionando o Ministério da Justiça, na ausência de outra designação convencional, como autoridade central (art. 26, § 4.º); (e) espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras. Na falta de tratado, a cooperação assentará com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática (art. 26, § 1.º), exceto no caso de homologação de sentença estrangeira (art. 26, § 2.º), caso em que se subordina à iniciativa da parte por via de ação (art. 960, caput). O exequatur às cartas rogatórias, portanto, baseia-se em tratado, assegurada a reciprocidade. Essas disposições não respeitam ao direito processual, mas ao direito internacional, e não deveriam constar no NCPC, mas em diploma específico. É significativo o caso do auxílio direto. Segundo o art. 28, cabe essa modalidade cooperativa quando a medida proveniente de autoridade jurisdicional estrangeira não depender de juízo de delibação. Ora, nesse caso o assunto é administrativo e, salvo quando houver necessidade de medida judicial (art. 33), não importa à autoridade judiciária. Ao processo civil interessa o objeto da cooperação, no caso da necessidade juízo de delibação, e o respectivo modus operandi. A localização dessa matéria no estatuto processual, presumivelmente no interesse do Ministério da Justiça, revela os efeitos colaterais de elaborar uma lei geral no regime democrático, promovendo concessões a interesses heterogêneos. É a velha prática do rider passando da lei orçamentária à lei processual. O único benefício consiste em conferir ares de atualização e de inserção internacional do país. O art. 27 explicita o objeto da cooperação jurídica internacional. Nem sempre envolverá decisão judiciária. São os seguintes atos: (a) citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial (inciso I); (b) colheita de provas (v.g., a oitiva de testemunha) e a obtenção de informações (v.g., a movimentação financeira de pessoas jurídicas e de pessoas naturais), no inciso II; (c) a homologação e cumprimento de decisão (inciso III); (d)
concessão de medida judicial de urgência (inciso IV); (e) assistência jurídica internacional (inciso V); e (f) qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não defesa na lei brasileira (inciso VI), a exemplo da prisão por dívida não alimentar. Desse amplíssimo e variado objeto, o que mais sobressai, porque a origem da cooperação, é a homologação e o cumprimento de decisão judicial (art. 27, III). Convém notar a ausência de qualquer qualificativo à palavra “decisão”. Pode ser de autoridade administrativa (art. 32), mas a judicial vem antes das demais. Da rejeição mais radical ao provimento judiciário estrangeiro, arrancando da necessidade de instaurar novo processo perante a Justiça Pública nacional, porque recusada qualquer equiparação do provimento judiciário alienígena ao nacional, rebaixado aquele à qualidade de presunção (relativa) do direito,2 evoluiu-se nos rumos da aceitação do pronunciamento proferido alhures, mediante algum ato formal na ordem jurídica própria.3 Não se desconhece a importação automática.4 Filiou-se o sistema jurídico brasileiro, na lei em que a República institucionalizou a Justiça Federal (art. 12, § 4.º, da Lei 221, de 20.11.1894), ao sistema da delibação. O STF, e, a partir da EC 45/2004, o STJ, a teor do art. 105, I, i, da CF/1988, procede à homologação da sentença estrangeira – e, atualmente, também a concessão de exequatur às cartas rogatórias –,5 e de outras resoluções judiciais, para o ato surtir efeitos no Brasil, a requerimento do interessado e em processo autônomo. Esse modelo discrepa dos que vicejam nas regiões econômica e juridicamente integradas, como a Comunidade Europeia, mas parece preferível na conjuntura brasileira.6 A pretensão à delibação pressupõe que a sentença estrangeira seja idônea a surtir efeitos no Brasil.7 A verificação atém-se aos aspectos formais do ato. O STJ não perscruta o mérito, buscando errores in iudicando. Realiza o controle da compatibilidade do provimento alienígena com a ordem jurídica pátria. Empregará, para tanto, alguns conceitos jurídicos indeterminados (infra, 214). Não há a menor possibilidade de homologação de provimentos estrangeiros, incidenter tantum, no direito brasileiro. É apenas o STJ competente, principaliter, para emprestar eficácia aos atos da jurisdição alienígena. 213. Processo de homologação da sentença estrangeira Os arts. 960 a 965 do NCPC dispõem acerca do processo de homologação dos pronunciamentos jurisdicionais estrangeiros e da concessão de exequatur às cartas rogatórias passivas. Em ambos os casos, há ação (= pretensão à tutela jurídica do Estado brasileiro), instaurando litígio perante o STJ, embora seu objeto seja restrito à matéria do art. 963, sendo vedado o reexame do mérito, ou seja, da justiça ou da injustiça da decisão estrangeira (v.g., art. 36, § 2.º). O uso da expressão corrente “sentença estrangeira”, posto na rubrica deste item, justifica-se no uso similar do art. 105, I, l, da CF/1988.
O procedimento do juízo de delibação seguirá as disposições dos tratados em vigor no Brasil, o Capítulo VI do Título I – Da Ordem dos Processos e Dos Processos de Competência Originária dos Tribunais – do Livro III da Parte Especial do NCPC e o regimento do STJ (art. 960, § 3.º, do NCPC). Localizam-se essas normas, atualmente, nos arts. 216-A a 216-N do RISTJ. Admite-se a possibilidade de o tratado dispensar o juízo de delibação, sem bulir com o art. 105, I, i, da CF/1988, conforme a respectiva natureza, pois ingressam na ordem jurídica nacional na qualidade de emenda constitucional (art. 5.º, § 3.º, da CF/1988). 213.1 Objeto da homologação – Segundo o art. 105, I, i, da CF/1988, incumbe ao STJ homologar “sentenças estrangeiras”. O art. 960, caput, do NCPC, alude à “decisão estrangeira”. Desapareceu a menção a “tribunal” e trocou-se “sentença” por “decisão”, porque (a) decisões interlocutórias podem ser cumpridas no Brasil através de carta rogatória (art. 960, § 1.º), incluindo as decisões concessivas de medidas de urgência (art. 962); e (b) a palavra decisão abrange, no direito brasileiro, os pronunciamentos do primeiro grau (sentenças) e do segundo (acórdãos), a teor dos arts. 203, § 1.º e 204 do NCPC. São três as noções relevantes para a fixação do objeto da homologação. É preciso que se apresente ao STJ decisão, eventualmente decisão judicial definitiva (art. 961, § 1.º), proferida no exterior, e emitida por autoridade judiciária ou por outra autoridade, mas que, no Brasil, apresentaria natureza jurisdicional. Entende-se como sentença o provimento que, independentemente da forma, das características intrínsecas e da designação recebida no País de origem, preencha o gabarito legal de sentença no Brasil. A tipologia do ato, no âmbito processual civil, localiza-se nos arts. 485 e 487. Em princípio, os interessados almejam introduzir, entre nós, o provimento de mérito (art. 487) – a decisão judicial definitiva, mencionada no art. 961, § 1), seja qual for a sua eficácia (declaratória, constitutiva, condenatória, executiva ou mandamental). Por óbvio, o internamento da sentença condenatória (art. 515, VIII) – retorna-se, aí, à nomenclatura estrita “sentença”, evidenciando a falta de harmonia das partes do NCPC –, visando à execução forçada sobre bens situados no território nacional, representa a hipótese mais interessante e comum. Não se exclui, em termos definitivos, a homologação de decisões alheias ao mérito. Pode existir interesse em executar algum capítulo acessório dessas sentenças, a exemplo da condenação em honorários advocatícios e da imposição de sanções pecuniárias, ou internar a própria formulação da regra jurídica concreta (sentença declaratória), extraindo efeitos do estado jurídico novo (v.g., a sentença concessiva de divórcio litigioso). Um caso singular é o das sentenças declaratórias (em geral, e tecnicamente, constitutivas) do estado das pessoas. O art. 15, parágrafo único, do Dec.-lei 4.657, de 04.09.1942 (LINDB) dispensava de homologação provimentos dessa natureza. Ora, o art. 105, I, i, da CF/1988 não ressalva essa espécie de provimento. Logo, a sentença proferida em investigação de
paternidade, paradigma da classe mencionada na LINDB, submeter-se-á ao crivo do STJ, revogada aquela disposição em contrário.8 Oportunamente, a Lei 12.036, de 01.10.2009, revogou o parágrafo. A regra provocava impressão de incoerência, ao exigir a homologação da sentença que haja imposto alguma prestação ao réu e dispensá-la na hipótese versada, que é de capital relevo na vida das partes.9 O art. 961, § 5.º, do NCPC, retornou ao assunto, rezando: “A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça”. Incumbirá ao juiz nacional examinar a respectiva validade, em caráter incidental ou principal, suscitada essa questão em causa pendente (art. 961, § 5.º). A sentença de divórcio litigioso depende de homologação do STJ. Nada importa a função do processo (de conhecimento ou outra espécie) em que é dada a sentença. O art. 961, § 4.º, admite o internamento da pretensão a executar de natureza fiscal, consoante previsão em tratado ou em promessa de reciprocidade. E a sentença ou decisão cautelar é homologável como qualquer outra. O arresto talvez precise ser executado no Brasil e, para tal finalidade, dependerá de homologação (art. 962, caput). Em tal caso, cuidando-se de decisão, e, não, de sentença, conforme a lei brasileira, o cumprimento realizar-se-á por carta rogatória (art. 962, § 1), vedado o reexame do mérito (urgência), a teor do art. 962, § 3.º salvo quando desnecessário o juízo de delibação, caso em que ao juiz competente para a execução tocará a análise da validade (art. 962, § 4.º) ou seja, da existência dos requisitos do art. 963 do NCPC. Esses requisitos compõem o mérito do juízo de delibação e a eles remete, na carga rogatória, o art. 36, § 1.º. E há um requisito suplementar, somado aos do art. 963, cuidando-se de decisão inaudita altera parte: a garantia do contraditório em momento ulterior no processo estrangeiro (art. 962, § 2.º). A origem do pronunciamento exige interpretação larga, abrangendo órgãos de primeiro e de segundo grau, singulares e colegiados. Em muitos ordenamentos, o tribunal designa órgão judiciário de primeiro grau e compõese de dois ou mais juízes. É indispensável tão só que o provimento seja proferido por autoridade judicante. Essa condição dependerá da lex fori, representando questão intrínseca processo de homologação (art. 963, I). Comportam homologação as decisões proferidas por órgão administrativo, mas revestidas de conteúdo sentencial. É preciso que sejam dotadas da característica jurisdicional – a da “palavra final” (retro, 191).10 Estabelece o art. 216-A do RISTJ, in verbis: “Serão homologados os provimentos não judiciais que, pela lei brasileira, tiverem natureza de sentença”. E reza o art. 961, § 1.º: “É passível de homologação a decisão judicial definitiva, bem como a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional”. O divórcio decretado no Japão, registrado perante “autoridade administrativa, independentemente de manifestação judicial”,11fornece um bom exemplo. Em que pese a doutrina prevalecente negar-lhes natureza jurisdicional, os provimentos da jurisdição voluntária mostram-se homologáveis (v.g., a adoção).12 As sentenças arbitrais sujeitam-se, igualmente, à homologação pelo STJ (art. 35 da Lei 9.307/1996). O art. 960, § 3.º, do NCPC declara: “A
homologação de decisão arbitral estrangeira obedecerá ao disposto em tratado e em lei, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições deste Capítulo”. Essas decisões não apresentam a mesma eficácia das decisões arbitrais brasileiras.13 O procedimento e os requisitos, neste caso, constam dos arts. 37 a 39 da Lei 9.307/1996. Figuram dentre os requisitos do procedimento perante o STJ: (a) a homologação pela autoridade judicial estrangeira, nos casos em que a lex fori exige semelhante formalidade para a produção dos efeitos do ato;14 e (b) a prova da convenção de arbitragem (art. 37, II, da Lei 9.307/1996), com o fito de aferir a competência do órgão prolator. A Convenção de Nova Iorque, internada no Brasil pelo Dec. 4.311/2002, apenas impede que se criem maiores dificuldades à homologação da sentença arbitral que as erigidas para outros provimentos. Em tal sentido, não se mostra incompatível com o procedimento de homologação.15 Por óbvio, nada obsta que as pessoas vinculadas à sentença arbitral estrangeira cumpram o decisum voluntariamente. Para esse feito, aliás, nenhuma sentença que independa da intervenção de autoridade estatal (v.g., a sentença de divórcio) necessita de homologação. O cumprimento espontâneo é a regra. No que tange às sentenças proferidas nos Países do Mercosul, o Protocolo de Las Leñas (“Protocolo de cooperação e assistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa”) não afetou a necessidade de homologação. Todavia, a importação do ato ocorrerá mediante carta rogatória, passando-se oexequatur independentemente de maiores formalidades.16 Entre nós, vigoram dois sistemas paralelos para homologar as sentenças arbitrais: o que decorre da Lei 9.307/1996 e, originando-se o provimento dos Países do Mercosul, o do mencionado Protocolo.17 Estrangeiro é o órgão judiciário instituído e mantido por outro Estado ou organização supranacional.18 O lugar em que esse órgão judiciário profere a decisão, no Brasil ou no exterior, é irrelevante. O provimento emanado de autoridade judiciária nacional no território alheio, na improvável hipótese de a soberania nacional projetar-se, através da força militar, em outros lugares, dispensará homologação.19 Ressalva-se, porém, a sentença arbitral. Esse ato é considerado estrangeiro (art. 34, parágrafo único, da Lei 9.307/1996) desde que proferido “fora do território nacional” – embora as partes sejam brasileiras, o contrato haja sido celebrado no Brasil, aqui deva ser cumprido e os árbitros tenham nacionalidade brasileira.20 213.2 Competência para a homologação – O requisito da competência para a homologação da resolução judicial estrangeira é de sumo relevo, porque alguns ordenamentos jurídicos atribuem-na a vários órgãos diferentes. A tradição brasileira encarrega um tribunal superior para o juízo de delibação. Eventual execução realizar-se-á perante o juízo federal de primeiro grau (art. 109, X, da CF/1988). A partir da EC 45/2004, que destituiu o STF dessa atribuição, compete ao STJ homologar as sentenças estrangeiras. Trilhando caminho já percorrido pelo STF, apoiado na EC n.º 7, de 13.4.1977, na ER nº 1, de 25.11.1981, a disciplina vigente permite ao Presidente decidir singularmente, salvo havendo
contestação, caso em que ocorrerá distribuição no âmbito da Corte Especial do STJ (art. 216-K, caput, do RISTJ). 213.3 Legitimidade no processo de homologação – À homologação das decisões estrangeiras (sentenças e interlocutórias), legitimam-se as pessoas perante as quais o ato surtiria efeitos na ordem jurídica pátria. As partes do processo originário e os terceiros entram nessa categoria. A qualidade de vencedor ou vencido, no processo alienígena, não interfere com a legitimidade, nem sequer elimina o eventual interesse.21 O vencido no processo de divórcio, ocorrido no estrangeiro, talvez nutra a expectativa de internar a sentença para casar outra vez no Brasil. Legitimando-se vários interessados, podem demandar em conjunto, ou isoladamente (ninguém é obrigado a litigar); mas, pleiteando a providência dois ou mais legitimados, o provimento decidirá de modo uniforme para todos os autores, denotando o caráter unitário, apesar de facultativo, do litisconsórcio. É especial o regime da sentença estrangeira que condena à prestação alimentar. Segundo a Convenção de Nova Iorque, aprovada pelo Dec.Legislativo n.º 10, de 13.11.1958, e promulgada pelo Dec. 56.826, de 02.09.1965, o Estado contratante designará uma “instituição intermediária” – figura assaz curiosa – para assegurarlhe o cumprimento, inclusive a execução forçada. O art. 26, caput, parte final, da Lei 5.478/1968, atribuiu à Procuradoria-Geral da República legitimidade para pleitear a homologação. É hipótese de auxílio direto, a teor do art. 33, parágrafo único, do NCPC, c/c art. 28. Passivamente, legitimam-se as pessoas perante as quais o autor almeja a produção dos efeitos próprios da sentença estrangeira. Desnecessária a participação de todas as partes originárias. Por exemplo, A obteve a condenação de B, C e D, no estrangeiro, mas pretende executar o provimento perante B, porque este possui bens no território nacional. 214. Procedimento da homologação da sentença estrangeira O processo de homologação tem natureza jurisdicional.22 Ele visa a conferir à decisão alienígena a equivalente força de ato jurisdicional emitido no Brasil. Tem o interessado pretensão à atividade do STJ, acolhendo ou rejeitando o pedido.23 O legitimado exercerá ação (art. 960, caput) e o processo tem natureza contenciosa (art. 36, caput). O procedimento da homologação encontra-se regulado, na forma do art. 960, § 2.º, com as devidas adaptações, no RISTJ. O processo de homologação inicia através de petição inicial, guarnecida dos requisitos do art. 319, e instruída com os documentos indispensáveis (art. 320), dentre os quais avulta a “cópia autenticada da decisão homologanda”, traduzida e chancelada pela autoridade consular (art. 216-C do RISTJ). O réu é citado para contestar no prazo de quinze dias (art. 216-H do RISTJ). A matéria de defesa restringe-se à autenticidade dos documentos, a inteligência da decisão e os requisitos regimentais. A justiça da decisão não
pode ser objeto de contestação.24 Todavia, o réu poderá arguir questões relativas à admissibilidade do procedimento (v.g., a ilegitimidade do autor), e, principalmente, a incompatibilidade do ato com a ordem jurídica própria (v.g., o julgado versou causa de competência exclusiva do juiz brasileiro, a teor do art. 23 do NCPC c/c art. 964, caput, e parágrafo único, do NCPC, aplicandose a disposição ao exequatur). O art. 15, a até d, e o art. 17 do Dec.-lei 4.657, de 04.09.1942 (Lei de Introdução do Código Civil), estabelecia os requisitos, amiúde enfrentados,25 e que constituem matéria de defesa, a saber: (a) incompetência do órgão judiciário que proferiu a sentença estrangeira; (b) a falta de citação ou ter-se verificado, legalmente, revelia; (c) falta de trânsito em julgado ou de condições de exequibilidade no País de origem; (d) falta de tradução por intérprete autorizado; (e) ofensa à soberania nacional, a ordem pública e aos bons costumes. À guisa de exemplo, o STJ proclamou: “a homologação de sentença estrangeira reclama prova da citação válida da parte requerida, seja no território prolator da decisão homologanda, seja no Brasil, mediante carta precatória”.26 É concebível maior generalização: o STJ curará do “modo de ser” do processo estrangeiro,27 ou seja, a observância dos direitos fundamentais processuais. O art. 963 arrola o objeto do juízo de delibação, permitindo a controvérsia sobre as seguintes questões: (a) ato proferido pela autoridade competente (inciso I); (b) existência de citação, ainda que revel o réu (inciso II); (c) ser eficaz no país em que foi proferida (inciso III); (d) não ofender a coisa julgada brasileira (inciso IV), dispositivo anteriormente analisado (retro, 108); (e) tradução de todas as peças, salvo disposição em contrário de tratado (inciso V); (f) harmonização com a ordem pública brasileira (inciso VI). Encontra-se revogado, pois, o art. 15 e 17 do Dec.-lei 4.657, de 04.09.1942, no que incompatíveis, esclarecendo o art. 963, parágrafo único, no que tange às carta rogatórias, a aplicação do art. 962, § 2.º (diferimento do contraditório). De seu turno, os artigos 38 e 39 da Lei 9.307/1996 estipulam a defesa de mérito e processual cabível na homologação da sentença arbitral.28 Essas disposições encontram-se ressalvadas no art. 960, § 3.º, do NCPC (“… obedecerá ao disposto em tratado e em lei (…).” Apresentada a contestação, desloca-se a competência, distribuindo-se o feito na Corte Especial (art. 216-K, caput, do RISTJ). O Ministério Público intervém, obrigatoriamente, emitindo parecer em dez dias, mas poderá contestar o pedido (art. 216-L do RISTJ). Não oferecida contestação, incumbe ao presidente do STJ julgar o pedido. É admissível tutela de urgência no curso do processo de homologação, segundo o art. 961, § 3.º, recepcionando o art. 216-G do RISTJ, e permitindo atos de execução (v.g., a constrição de ativo financeiro). Da decisão do presidente cabe agravo interno (art. 216-M do RISTJ). Do acórdão da Corte Especial cabem tão só embargos de declaração e recurso extraordinário, com fundamento no art. 102, III, a e b, da CF/1988, para o STF.29 O provimento homologatório da decisão estrangeira tem força constitutiva, porque gera estado jurídico novo (a importação do provimento alienígena), e adquire autoridade de coisa julgada.
Já o provimento que rejeita o pedido de homologação, seja qual for o motivo, inclusive a falta de prova de algum dos requisitos porventura cabíveis, declara a inexistência do direito (força declarativa), e, igualmente, faz coisa julgada. Fica obstada a renovação do mesmo pedido. Regra expressa, no sentido contrário, há somente para a sentença arbitral, rejeitada a homologação por “vícios formais” (art. 40 da Lei 9.307/1996). Além desse caso, vale a diretriz geral: a improcedência fundada em falta de prova faz coisa julgada contra o autor. Convém ressalvar, nesse regime, a hipótese de fato superveniente, cuja verificação, obviamente, altera a causa de pedir. O mais óbvio é o do trânsito em julgado da sentença estrangeira posteriormente à rejeição do primeiro pedido de homologação. Em tal hipótese, não há qualquer óbice à renovação do pedido, como sucederia, mutatis mutandis, em qualquer outro processo nacional.30 O art. 961, § 2.º, declara passível a homologação parcial da decisão estrangeira. Em primeiro lugar, a extensão da decisão estrangeira pode ser mais ampla do que o pedido formulado. Assim, a sentença de divórcio pode conter extensa regulação dos direitos e dos deveres dos pais, mas o Ministério Público Federal, legitimado ativo nos termos do art. 26, caput, parte final, da Lei 5.478/1968, pode pleitear a internação apenas do capítulo relativo aos alimentos.31 Ademais, o STJ pode se ater a partes da decisão estrangeira, porque desconhece o teor de outras disposições.32 Os precedentes do STJ invocados respeitam ao divórcio consensual, doravante dispensado de homologação (art. 961, § 5.º), mas a inteligência do conteúdo da decisão poderá ser aventada perante o juízo da execução. À vista da condição de autêntico provimento jurisdicional, o julgamento de mérito da homologação pode ser rescindido nas hipóteses legais (art. 966), conforme decidiu o STF.33 Não se aplica, nesse caso específico, o art. 966, § 4.º: inexiste negócio jurídico como fundamento da atividade homologatória. A corte constitucional admite o cabimento, em tese, do recurso extraordinário interposto contra acórdão do STJ no processo de homologação.34 215. Efeitos da homologação da sentença estrangeira Em seguida à homologação pelo STJ, a sentença estrangeira passa a produzir os efeitos próprios, sejam os principais, sejam os secundários, e no todo ou em parte (art. 961, caput, do NCPC). Em vão se invocará, portanto, a autoridade da sentença antes desse marco, em processo já pendente na justiça brasileira ou instaurado com propósito de extrair-lhe certa eficácia, total ou parcial. Anteriormente à homologação, a sentença estrangeira nada representa na ordem jurídica brasileira – ao menos, como ato judicial. Não significa a regra, porém, o desprovimento de quaisquer efeitos jurídicos do ato antes do juízo de delibação. Em primeiro lugar, o fato de existir o provimento estrangeiro gera o direito à homologação; ademais, pode servir de prova da própria emissão ou de algum fato relevante, ocorrido no processo estrangeiro, para o deslinde do processo nacional, a exemplo do comparecimento de alguma pessoa em audiência no estrangeiro, provando o
local da residência e seu estado de saúde.35 Introduzida em processo pendente no Brasil, com os requisitos próprios do documento estrangeiro, prova a sua própria emissão e pendência da causa no estrangeiro nesta altura. Dependendo a causa sob julgamento na justiça brasileiro da lex fori, mostra-se inviável invocar o julgado estrangeiro que declarou a inconstitucionalidade de alguma regra.36 Após a respectiva homologação, a sentença estrangeira adquirirá, entre nós, a eficácia que lhe é intrínseca no ordenamento estrangeiro.37 O provimento homologatório tem força constitutiva.38 A importação abrange toda a eficácia compatível com o ordenamento nacional. O STJ rejeitará os que não forem aceitáveis, homologando o ato em parte. Assim, a sentença declaratória vale como preceito; a constitutiva, introduz o estado jurídico novo; e a condenatória, outorga título executivo judicial (art. 515, VIII).39 É de se descartar que a homologação só produza o efeito da condenação,40 que é a constituição do título: o art. 961 emprega a palavra eficácia no sentido largo do termo. A homologação não concerne “à produção de eficácia da decisão estrangeira, mas só à sua importação”.41 A execução da sentença estrangeira, far-se-á “perante o juízo federal competente, a requerimento da parte, conforme as normas estabelecidas para o cumprimento de decisão nacional” (art. 965, caput). A petição inicial seguirá o disposto no art. 522, aplicável por analogia, apesar do caráter definitivo da execução, sobressaindo-se a exigência de cópia autêntica da “decisão homologatória” (rectius: decisão do Presidente do STJ ou acórdão da Corte Especial) e do exequatur, conforme o caso (art. 965, parágrafo único). § 52.º Cooperação internacional especial 216. Formas da cooperação internacional especial A globalização das relações sociais e econômicas repercutiu na atividade jurisdicional dos Estados. Exigiu novas formas de cooperação entre juízos nacionais distintos, mais expeditas e adequadas à velocidade dos meios de comunicação contemporâneos, com o fito de prestar jurisdição conforme os respectivos modelos constitucionais. E, por igual, potencializou a cooperação entre as atividades administrativas. A fonte do dever de cooperar é dupla: (a) voluntária, decorrendo das regras do direito interno e de eventual rogo diplomático, acompanhado, ou não (há países que não rogam, e, sim, mandam), da promessa de reciprocidade; e (b) obrigacional, assumida em tratados ou convenções internacionais. O Brasil obrigou-se a cooperar nas seguintes matérias, dentre outras, mediante tratados, convenções e acordos: (a) a Convenção sobre Aspectos Civis de Sequestros Internacionais de Crianças, de 25.10.1980 (Dec. 3.413, de 14.04.2000); (b) Convenção de Nova Iorque sobre alimentos, de 20.06.1956 (Dec. 56.826, de 02.09.1965); (c) Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias, de 30.01.1975 (Dec. 1.899, 09.05.1996); (d)
Protocolo de Las Leñas sobre Cooperação e Assistência Jurisdicional em matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, de 27.06.1992 (Dec. 2.067, de 12.11.1996). Existem, ademais, acordos bilaterais firmados com diversos países. O objetivo dessas disposições reside na simplificação das formalidades necessárias à prática de atos processuais emanados da jurisdição estrangeira. A progressiva integração econômica e política também acentua a cooperação entre órgãos judiciais de diferentes países e, em matéria de produção da prova, a União Europeia deu passo decisivo com o Regulamento 1.206 de 28.05.2001.42 Em relação à forma propriamente dita, a cooperação veicula-se: (a) por auxílio direto, nos casos em que, originando-se de autoridade judicial ou administrativa, inexista necessidade de juízo de delibação (art. 28 do NCPC); ou (b) através de carta rogatória, entre órgão jurisdicional brasileiro e órgão jurisdicional estrangeiro, havendo necessidade de cumprimento no território brasileiro. Podem ser objeto de carta rogatória a citação, a intimação, a notificação judicial, a produção de prova, a obtenção de informações e o cumprimento de decisão interlocutória, a exemplo da medida de urgência. Compete ao STJ emitir o exequatur, em procedimento de jurisdição contenciosa, assegurando os direitos fundamentais processuais das partes (art. 36, caput). Em tal hipótese, a cognição respeita aos requisitos para o provimento estrangeiro surtir efeitos no território nacional (art. 36, § 1.º), vedado o reexame da justiça da decisão (error in iudicando), a teor do art. 36, § 2.º. Essas modalidades serão analisadas mais adiante (infra, 218). 217. Objeto da cooperação internacional especial O art. 27 do NCPC arrola o objeto genérico da cooperação internacional. E a análise da disciplina do auxílio direto (artigo 30) e da carta rogatória permite identificar mais claramente o objeto de um e outro meio, evidenciando as diferenças. É objeto de auxílio direto, segundo o art. 30 do NCPC: (a) obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico, ou seja, a respeito do teor e vigência do direito comum brasileiro, a sua interpretação e aplicação, mediante parecer, e sobre processos administrativos (v.g., investigação fiscal) e jurisdicionais findos ou pendentes (inciso I); (b) a produção de prova, salvo nos casos em que, para uso em processo pendente no estrangeiro, a prática do ato seja de competência da autoridade judiciária (inciso II); (c) qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira, a exemplo da comprovação da existência de patrimônio imobiliário (inciso III). E, por sua vez, podem constituir objeto de carta rogatória a intimação, a notificação judicial, a produção de prova, a obtenção de informações e o cumprimento de decisão interlocutória, a exemplo da medida de urgência. Logo se percebe que, em determinados casos, especialmente no tocante à produção de prova, talvez haja intervenção da autoridade judiciária. Figurese o caso de a autoridade administrativa estrangeira pretender a audiência de testemunha. Se a testemunha dispõe-se a depor voluntariamente, a
autoridade central indicada no tratado ou, na sua falta, o Ministério da Justiça (art. 26, § 1.º), tomará as providências necessárias à coleta do depoimento (art. 32), documentando o ato; do contrário, recusando-se a testemunha, ou não comparecendo, a Advocacia Geral da União requererá a produção dessa prova, na forma do art. 33 c/c art. 381 do NCPC. Em geral, a cooperação envolve a prática de atos processuais oriundos da jurisdição estrangeira no território nacional; portanto, através de carta rogatória. Talvez seja desvanecedor e estimulante receber pedido de informações “sobre o ordenamento jurídico” brasileiro, o teor, a vigência, a interpretação e a aplicação de determinada regra, ou conjunto de normas (art. 30, I), objeto de erudito parecer de jurisconsulto do Ministério da Justiça, e aí há os de grande quilate, mas essa atividade não tem a menor importância no processo civil. A cooperação internacional relevante, nessa perspectiva, abrange os atos de comunicação processual (infra, 1.191), a exemplo da citação e da intimação, e a produção de prova. Não há limitação quanto à espécie de prova. A prova pode consistir em perícia, inquirição de partes e de testemunhas, e inspeção judicial. É preciso, naturalmente, admissibilidade do meio de prova à luz do direito pátrio, pré-excluindo meios ilícitos (art. 369); do contrário, almejando a autoridade estrangeira a produção de prova ilegal, incidirá a proibição constante no art. 26, § 3.º, do NCPC. É aplicável, na produção da prova, a lei processual civil comum ou especial brasileira. No entanto, a natureza das normas acerca de prova representa assunto assaz controvertido e para o qual ainda não se firmou entendimento satisfatório. Em linhas gerais, recai na competência da lex fori: (a) a admissibilidade do meio de prova; (b) a eficácia do meio de prova; (c) a produção do meio de prova; (d) a iniciativa quanto à determinação do meio de prova; (e) a necessidade da prova; e (f) a avaliação da prova.43 O ônus da prova e as presunções ligam-se ao direito material e o direito porventura aplicável deve ser apurado segundo as normas de direito internacional privado. 218. Meios da cooperação internacional especial À luz dos dados coligidos quanto ao objeto, são dois os meios para obter (atitude ativa) ou prestar (atitude passiva) cooperação internacional (a) carga rogatória; (b) auxílio direto. 218.1. Cooperação através de carta rogatória – A modalidade comum de as autoridades judiciárias nacionais cooperarem entre si, na consecução dos objetivos intrínsecos à atividade jurisdicional, reside na expedição de carga rogatória (art. 40). Também chamada de comissão rogatória,44 trata-se da precatória da comunidade dos Estados.45 A carta rogatória instrumento empregado pelo juiz nacional para solicitar a um juiz estrangeiro, territorialmente competente, o cumprimento de ato que deva realizar-se fora do território do País. Se expedida a carta por órgão judiciário brasileiro ao estrangeiro, cuidar-se-á de rogatória ativa; se recebida do estrangeiro pelo STJ, que é o tribunal competente para a concessão
do exequatur (art. 105, I, i, da CF/1988) – juízo de admissibilidade –, quando necessário, tratar-se-á de rogatória passiva.46Este sentido de carta rogatória – solicitação do juiz de um País para o juiz de outro País cumprir a sua decisão, realizando ato processual, revela-se unívoca. À semelhança do que ocorre no caso de homologação de sentença estrangeira, a carta rogatória assenta no princípio da territorialidade da jurisdição. É diretriz universal que a autoridade do órgão judiciário decorre da soberania do Estado que o investiu na função judicante. Desse modo, a eficácia natural dos provimentos de certa autoridade judicial limita-se ao território do respectivo Estado. A extensão dessa eficácia ao território estrangeiro, seja qual for este, necessitará da cooperação de órgão judiciário equivalente ao nacional. E como semelhante necessidade mostra-se recíproca, bem se compreende que, no plano das relações internacionais, estabeleçam-se bases contratuais para a cooperação mútua entre Estados. Em geral, os Estados firmam tratados, assegurando o cumprimento dessas solicitações.47É de competência do Presidente da República (art. 84, VIII, da CF/1988) “celebrar tratados, convenções e atos internacionais”. Mas, no esquema constitucional vigente, incumbe ao STJ a concessão de exequatur às cartas rogatórias passivas. O exequatur nada mais é do que o “cumpra-se”, emitido pelo STJ, após juízo de delibação. No sistema em vigor, o STJ concede o exequatur em processo contraditório, assegurando a participação dos interessados. A exigência do “cumpra-se” advém do art. 12, § 4.º, da Lei 221, de 20.11.1894,48 concedido por ato de governo, a cargo do Ministro da Justiça, e, a partir da CF/1937, passou à competência privativa do presidente do STF. A última forma consiste na competência originária do STJ. A concessão do exequatur tem limitações quanto à natureza do ato objeto da solicitação. Não se admitia, entre nós, o cumprimento de rogatória visando à execução, no território nacional, de provimento judicial estrangeiro. O óbice atingia medidas cautelares constritivas.49 É lição tradicional: “Os atos executórios não pertencem ao seu âmbito. As diligências abrangem, portanto, quaisquer atos desprovidos de caráter executório, como citações, intimações, notificações, inquirições, exames de livros, avaliações, vistorias, tudo, enfim, de interesse para a justiça estrangeira”.50 O objeto da carta rogatória ampliou-se em duplo sentido. Por um lado, abrange decisões interlocutórias que devam ser executada no Brasil, em especial a decisão estrangeira concessiva de medida de urgência (art. 962, caput), constritiva ou não, através de carta rogatória (art. 962, § 1.º). Em se tratando de medida inaudita altera parte, a lei estrangeira há de garantir a audiência da parte posteriormente (art. 962, § 2.º), como acontece entre nós, tratando de contraditório diferido em razão da urgência (retro, 133). O juízo de urgência compete unicamente à autoridade judiciária estrangeira (art. 962, § 3.º). Não é possível negar o exequatur a pretexto da inexistência de urgência. Nos casos em que inexiste a necessidade do juízo de delibação (v.g., a sentença de divórcio consensual, a teor do art. 961, § 4.º), todavia, o juízo federal competente (art. 965, caput) examinará a validade da medida, expressis verbis, no que tange à previsão do contraditório, à motivação e ao respeito dos direitos fundamentais processuais.
E, por outro lado, o objeto da carta rogatória passiva ampliou-se, pois as sentenças provenientes dos Países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), nos termos do Protocolo de Las Leñas, aprovado pelo Dec.legislativo 55, de 28.04.1995, podem ser objeto de carta (no caso, rogatória), passíveis de internamento imediato (art. 8.º do Protocolo). Dispensar-se-á, então, o procedimento de homologação no STJ (retro, 214), sem dúvida mais rígido e demorado. Do mesmo modo, o Protocolo de Ouro Preto, aprovado pelo Dec.-legislativo 192, de 15.12.1995, e promulgado pelo Dec. 2.626, de 15.06.1998, concernente às medidas cautelares, e, na verdade, contemplando medidas de toda natureza, principalmente constritivas, autoriza a execução desses atos no Brasil após o exequatur do STJ, na forma do art. 962. 218.2. Cooperação através de auxílio direto – O mecanismo intrínseco à carta rogatória, admissível mediante exequatur, dificulta sobremodo a prática de atos processuais no território brasileiro. Em matéria de prova, as dificuldades aumentam exponencialmente e, por esse motivo, cuidando-se da pré-constituição de prova concebe-se o chamado auxílio direto, recorrendo-se à autoridade central prevista no tratado, ou na sua falta, ao Ministério da Justiça (art. 26, § 1.º). Esse meio desembaçara a cooperação nos casos em que inexista a necessidade de exequatur (art. 37). À semelhança da carta rogatória, concebem-se duas modalidades de auxílio direto: (a) passivo, oriundo de órgão estrangeiro; (b) ativo, oriundo de autoridade nacional. O auxílio direto passivo tem cabimento nos casos em que, apesar de a solicitação se originar de autoridade judiciária estrangeira, inexistir a necessidade de juízo de delibação. Logo acode à mente os acordos formulados no âmbito do Mercosul. Em tal hipótese, tendo por objeto os atos mencionados no art. 30, o órgão estrangeiro encaminhará o pedido à autoridade central, assegurando a clareza e a autenticidade do pedido (art. 29). Não basta pedir informações genéricas sobre a possibilidade de resolver contratos, fundada no art. 30, I, exigindo-se, a bem da clareza, a indicação de que espécie de contrato se trata, pois nem todos ingressam no campo de incidência do art. 475 do CC, e todos os pormenores possíveis. Eventuais dificuldades serão resolvidas diretamente pelas autoridades centrais (art. 31). O pedido também deverá ser instruído e na língua portuguesa. Para esse efeito, o art. 41 considera autêntico o pedido encaminhado pela autoridade central ou por via diplomática, dispensando-se, então, quaisquer outras formalidades (juramento e autenticação). Se, porém, o Estado estrangeiro exige tais formalidades, em nome do princípio da reciprocidade (art. 41, parágrafo único), a autoridade central brasileira também poderá exigi-las. Pode haver necessidade de medida judicial. Figure-se o caso da tomada de depoimento de testemunha já ministrado. Compete à Advocacia Geral da União pleitear a medida cabível (art. 33), salvo quando a autoridade central for o Ministério Público (art. 33, parágrafo único), competindo à Justiça Federal, precisamente ao juízo federal do foro do luar em que deva ser executada a medida (v.g., domicílio da testemunha), o pedido de auxílio direto passivo. Do contrário, a própria autoridade central prestará a cooperação cabível (art. 32). Por sua vez, o auxílio direto ativo, ou seja, oriundo da autoridade (administrativa ou judicial) competente deverá ser encaminhado à autoridade central, estipulada no tratado ou, na sua falta, ao Ministério da Justiça (art. 26,
§ 4.º), para ulterior envio à autoridade correspondente no Estado estrangeiro (art. 37). Esse pedido deverá ser acompanhado da prova documental pertinente e tradução para a língua oficial do Estado requerido (art. 38). Em caso de manifesta infração à ordem pública (art. 963, VI), o pedido poderá ser recusado (art. 39). 219. Carta rogatória ativa Chama-se de rogatória ativa a carta expedida por autoridade judiciária brasileira para a autoridade estrangeira. O cumprimento desse rogo à autoridade judiciária estrangeira assenta no princípio da solidariedade. A todos os Estados interessa que a Justiça Pública se efetive, independentemente das fronteiras nacionais, de maneira rápida e simples. Todavia, o cumprimento da comissão só revela-se obrigatório em decorrência de regra convencional. O panorama se alterou neste ponto. Realmente, o fenômeno econômico, financeiro social e cultural da globalização, fomentado pelos meios de comunicação de massa, ensejou, no plano internacional, a multiplicação de acordos bilaterais e multilaterais do Brasil com outros Estados, instituindo outras formas de cooperação entre as autoridades públicas, principalmente no combate sem quartel aos crimes financeiros. De modo mais geral, antigamente as preocupações de cada Estado se concentravam na formulação da regra jurídica concreta e da sua realização efetiva no âmbito do respectivo território. A globalização das relações econômicas obrigou-os a se ocuparem com a circulação recíproca dessas decisões, e, consequentemente, a uniformidade das bases materiais e processuais dos próprios atos judiciais.51 Explicam-se, assim, os movimentos políticos em prol da integração jurídica, estampados no Protocolo de Las Leñas. No plano civil, sobressai a carta rogatória, afetada unicamente aos domínios judiciários. Segundo o art. 26, caput, essa modalidade de cooperação dependerá do que for estabelecido em tratado, figurando o Brasil como signatário. Os requisitos da carta rogatória ativa constam do art. 260 e 261. No entanto, concebe-se a recusa em colaborar de determinado País, categoricamente, repelindo a comissão da autoridade judiciária brasileira. Em tal hipótese, obviamente inviável expedir a rogatória. Tratando das comunicações dos atos processuais, o art. 256, § 1.º, considera lugar inacessível o País que refuta a cooperação, ensejando a citação por edital do réu ou do interessado (infra, 1.212.2). Por identidade de razões, caberá a intimação por edital das partes e dos terceiros, nessas condições (infra, 1.212). Entre as disposições que obrigam o Brasil, no plano internacional, avulta o Código Bustamante, internado pelo Dec. 18.871, de 13.08.1929, cujos artigos 388 a 393, regulam a expedição das cartas rogatórias. Os requisitos da carta são os dos artigos 261 e 262. O STJ já estimou, por exemplo, obrigatório o traslado da procuração.52 Se o Estado destinatário tem exigência peculiar, quanto à forma, constante ou não de acordo bilateral ou multilateral, deve ser
atendida.53 O documento do juiz brasileiro receberá tradução na língua do destinatário (art. 38). A tradição consagrava a via diplomática nesses domínios. O juiz enviava a carta ao Ministério da Justiça, que a repassava ao Ministério das Relações Exteriores e este, por sua vez, à representação brasileira no exterior. Esses trâmites remontam ao Império.54 Os acordos bilaterais e multilaterais podem admitir a remessa direta, ou seja, de juiz para juiz. Ora, essa modalidade implicaria a óbvia dificuldade de o juiz nacional identificar nítida e seguramente o seu congênere no País destinatário (infra, 200). A organização judiciária e a competência interna tendem a apresentarem-se altamente complexas. Para resolver essa dificuldade, surgiu a figura da autoridade central, que receberá o pedido da autoridade judiciária e o encaminhará ao Estado requerido (art. 37). Os signatários do tratado convencionam, de regra, autoridade central encarregada de receber e encaminhar a carta rogatória. Assim, o juiz brasileiro de qualquer hierarquia envia a carga rogatória, expedida conforme aos requisitos legais, para o Ministério da Justiça (art. 26, § 1.º), que a envia à autoridade que ocupa idêntica função no País de destino, que fica responsável pelo cumprimento. 220. Carta rogatória passiva No que tange às rogatórias originadas do estrangeiro, chamadas de passivas, o sistema jurídico brasileiro cedo as recepcionou, prestando colaboração sem restrições de vulto. Inicialmente, eram recebidas diretamente pelo juiz competente. A Circular do Ministério da Justiça, de 14.11.1865, especificou a matéria admissível, excluindo atos executórios. Desde a Lei 221/1894, porém, a carta rogatória oriunda do estrangeiro submete-se ao regime do exequatur (retro, 214). A carta rogatória passiva sem exequatur não se cumpre. É competente para o ato o STJ (art. 105, I, i, da CF/1988). As regras procedimentais do exequatur localizam-se nos tratados, nos arts. 36, 963 e 962, § 2.º, do NCPC, por força do parágrafo único do art. 963, e no RISTJ. É competência do presidente do STJ a concessão do exequatur (art. 216-O do RISTJ), da qual cabe agravo regimental. Ocorrendo impugnação, nas cartas decisórias, distribuir-se-á o feito no âmbito da Corte Especial (art. 216-T do RISTJ). A concessão do exequatur, havendo impugnação, realiza-se em procedimento governado pelo contraditório. Esse procedimento tem caráter contencioso, versará a observância dos requisitos dos artigos 963 e 962, § 2.º, e não permite reexame do mérito. O RISTJ restringe o objeto da controvérsia à autenticidade dos documentos, à inteligência da decisão, cujo cumprimento a autoridade estrangeira rogou, e à observância dos requisitos da própria resolução, dentre os quais avulta a compatibilidade do ato com a ordem pública brasileira, e, naturalmente, as hipóteses de competência exclusiva da Justiça brasileira (retro, 212). Por exemplo, o STJ deliberou que, embora faltando versão para a língua portuguesa, releva-se a exigência, não havendo prejuízo à compreensão do objeto da rogatória.55 É possível exigir a complementação, por via diplomática, a fim de conferir autenticidade ao pedido.56 Há intervenção do Ministério Público e ao revel ou incapaz dar-se-á curador especial. Recusado o exequatur, restitui-se a carta; concedido, envia-
se ao juiz federal competente, cuja atividade fica restrita ao cumprimento material do ato. Dispõe o art. 12, § 2.º, da Lei de Introdução (Dec.-lei 4.657/1942), in verbis: “A autoridade judiciária brasileira cumprirá concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas (…)” Depois de cumprida, inclusive inaudita altera parte, o presidente do STJ, pagas as despesas processuais e no prazo de dez dias, enviará a carta ao Ministério da Justiça ou ao Ministério das Relações Exteriores para restituição (art. 216-X do RISTJ). A competência para cumprir a diligência objeto da rogatória, após a concessão do exequatur, é do juiz federal territorialmente competente (art. 109, X, da CF/1988 c/c art. 965 do NCPC), respeitada, neste ato, a lei brasileira (locus regit actum), a teor do art. 12, § 2.º, da Lei de Introdução (Dec.-lei 4.657/1942, com a ementa da Lei 12.376/2010).57
Seção II - Poder de iniciativa do autor
Capítulo 15. DA AÇÃO SUMÁRIO: § 53.º Teoria geral da ação – 221. Questão de ordem: a natureza jurídica do processo – 222. Teorias da ação – 222.1. Concepção inicial de ação – 222.2. Primeira teoria autonomista: a teoria concreta do direito de agir – 222.3. Segunda teoria autonomista: a teoria abstrata da ação – 222.4. Síntese inviável: a teoria eclética da ação – 222.5. Balanço final das teorias da ação – 223. Natureza da ação – § 54.º Condições da ação – 224. Subsistência das condições da ação – 225. Espécies de condições da ação – 225.1. Possibilidade jurídica – 225.1.1. Conceito de possibilidade jurídica do pedido – 225.1.2. Classificação da possibilidade jurídica do pedido – 225.2. Legitimidade das partes – 225.3. Interesse processual – 225.3.1. Designação apropriada do interesse processual – 225.3.2. Função do interesse processual – 225.3.3. Caracterização do interesse processual – 225.3.4. Definição de interesse processual – 225.3.5. Aplicações do interesse processual – 225.3.6. Momento da caracterização do interesse processual – 225.3.7. Consequências do interesse processual – 226. Momento e forma do controle das condições da ação – 226.1. Surgimento posterior das condições da ação – 226.2. Desaparecimento posterior das condições da ação – § 55.º Classificação das ações – 227. Objeto da classificação das ações – 227.1. Equivalência da classificação das ações e das sentenças – 227.2. Critérios de classificação das ações – 227.3. Funções do processo e classificação das ações – 228. Eficácia principal e eficácias secundárias da ação – 229. Satisfação decorrente da eficácia da sentença – § 56.º Força das ações – 230. Classificação segundo as eficácias da ação material – 231. Ação declarativa – 232. Ação constitutiva – 233. Ação condenatória – 234. Ação mandamental – 235. Ação executiva. § 53.º Teoria geral da ação 221. Questão de ordem: a natureza jurídica do processo
A pedra fundamental na edificação do processo civil moderno assenta na teoria do processo como relação jurídica. Essa relação exibe natureza pública, os seus sujeitos são as partes e o Estado, e desenvolve-se progressivamente, por intermédio da cooperação das partes com o órgão judiciário (art. 6.º) – formando, por força da natureza das coisas, autêntica comunidade de trabalho –, subordinandose aos resultados da atividade comum.1 Recebeu a relação processual no art. 238 do NCPC e, desse modo, parte-se desse princípio. Essa constatação do liame de natureza pública permitiu distinguir, de um lado, os “pressupostos” – na verdade, os elementos de existência, os requisitos de validade e os fatores de eficácia – de constituição da relação material, posta em causa, e os “pressupostos” da relação processual, em que aquela é introduzida por iniciativa do autor,2 transformandose, destarte, no objeto litigioso. A relação de continente (processo) e de conteúdo (mérito) indica que o órgão judiciário examinará e resolverá duas espécies de questões, percorrendo o seguinte itinerário: (a) as concernentes à admissibilidade, envolvendo o próprio processo; (b) vencida a primeira etapa, as relativas ao mérito ou objeto litigioso (res in iudicium deducta). Os dois grupos de questões situam-se em dois planos diferentes.3 Logicamente, o juízo de admissibilidade precede ao juízo de mérito e, em princípio, inútil prover sobre o mérito quando a pretensão do autor é inadmissível (v.g., o réu é parte passiva ilegítima). Do ponto de vista dos fins próprios da jurisdição, o juízo de mérito afigura-se preferível e, sob determinadas condições, a técnica legislativa pode autorizar a respectiva emissão, em que pese a inadmissibilidade (art. 488). Tal não significa, apesar de inferir-se do art. 4.º do NCPC, as parte terem direito ao julgamento de mérito. O autor e o réu têm direito a um juízo conforme ao direito e, em muitas situações, o autor recolherá juízo de inadmissibilidade (v.g., propôs ação com o mesmo objeto contra o réu sem corrigir o defeito que provocou a anterior extinção, a teor do art. 486, § 1.º). A teoria do processo como relação jurídica abriu caminho à teoria da ação como direito público. Esta noção fundamental corresponde à visão germânica (Klage), e, não, à da actio romana, endereçada contra o adversário.4 Formando o processo, as partes dialogam, por intermédio dos representantes técnicos, com o órgão judiciário.5 E só a intervenção do Estado permite ao autor alcançar o efeito jurídico, vantagem, benefício, utilidade, proveito ou bem da vida perante o réu. Portanto, a relação processual constitui a premissa fundamental das teorias da ação, objeto do item subsequente. 222. Teorias da ação O processo civil moderno nasceu convulsionado por debates e visões diferentes a respeito dos seus institutos fundamentais. Talvez o primeiro tema controverso de vulto, e sem dúvida o de maior relevo metodológico, haja sido a ação. Localizada em “encruzilhada primordial”,6 reunindo o ponto de contato do processo e do direito material, consumiu parte considerável das energias criadoras da ciência do processo.7 A esse propósito, as mais variadas e engenhosas teorias situaram o assunto no “domínio dos mistérios inacessíveis à compreensão do homem comum e, mais do que isso, a do próprio homem de ciência”.8 É injusto alegar que esse vigoroso empenho seria
empregado com maior proveito em outros sítios mais decisivos: tudo no seu tempo, não se começam as fundações sem a sondagem do terreno. É quase impossível, a esta altura, reproduzir passo por passo essas teses.9 Elas compõem frondosa “árvore genealógica”.10 Um diagnóstico pessimista estimou que o número excessivo de opiniões contrastantes e complementares redundou em babélica confusão.11 Esse desacerto não impedirá, todavia, a formulação de um conceito universal – na medida em que, é claro, os conceitos universais sejam toleráveis.12 O resumo das principais linhas de desenvolvimento do problema, informando seus desdobramentos, acompanhada da crítica quanto aos seus efeitos deformadores, preparam as premissas da solução correta. Também é preciso ter em mente, na exposição subsequente, que esse passo hoje natural e bem desenvolvido da ciência processual madura representou, naquela conjuntura, um passo audacioso, mas incompleto, antes de se formar o quadro definitivo. Por fim, convém realçar que o direito à tutela jurídica do Estado, ao qual corresponde ação, como poder autônomo de acudir ao órgão judiciário, atualmente constitui um direito fundamental:13 o direito de acesso à Justiça. Ele se encontra inscrito no art. 5.º, XXV, da CF/1988. Integra, ademais, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10.12.1948, cujo art. 8.º assegura a toda pessoa o direito de reclamar os direitos fundamentais perante a autoridade judiciária nacional competente,14 e obriga o Brasil, signatário do pacto, internacionalmente. Não se pode perder de vista essa imprescindível perspectiva do acesso aos tribunais.15 Pode parecer, à primeira vista, inútil estudar a ação, inventariando as linhas fundamentais do processo. Exposição dessa ordem, subjugada pelas análises constitucionais preponderantes nessa área do direito, talvez passe por anacrônica. Tal entendimento representaria trágico e grave engano. Não se formou, absolutamente, consenso em torno do ponto fundamental – a existência, ou não, de “condições” da ação, cuja eventual ausência não ensejaria a formação do processo, e – difícil acreditar, mas essa é a conclusão explícita do protagonista da tese – nem pronunciamento do juiz revestido de natureza jurisdicional. Por outro lado, o reexame dos fundamentos básicos do processo civil, a visita às noções de pretensão e ação (infra, 227), afigura-se tarefa essencial para evitar erros e explicações superficiais de certas mudanças legislativas. Exemplo frisante decorre do mecanismo de reação do executado contra a pretensão a executar deduzida, in simultaneo processu, regime instituído por alteração legislativa no CPC de 1973. Dizer que a reação do executado contra a execução ilegal ou injusta fundada em sentença civil, prevista no art. 525 do NCPC, retrata “incidente” do processo, não é errado, mas insatisfatório. Equivale à afirmação de quem observa um bode e, realizando exames prolongados e reflexões profundas, identifica um animal. Esse juízo não esclarece, evidentemente, a espécie do animal, do mesmo modo que o rótulo de incidente não aponta o que interessa: a impugnação envolve ponto, questão ou causa incidental? Da resposta a esse quesito fundamental
decorrem expressivas consequências, explicando se o executado deduz, ou não, pretensão autônoma in simultaneo processu, ou seja, se é “ação” ou não. Nenhum esforço no estudo dos fundamentos do processo civil, reproduzindo os fundamentos que edificaram o paradigma até hoje vigorante, mostrar-se-á vão e fastidioso. 222.1. Concepção inicial de ação – A construção dogmática do processo civil arrancou de conceito uniforme de ação, hoje considerado “impuro16 desenvolvido para explicar a instauração do processo perante o órgão judicial. Essa concepção primitiva inspirou-se na conhecida passagem do Digesto – nihil aliud este actio quam ius quod sibi debeatur in iudicio persequendi.17 A ação era o próprio direito subjetivo material, posto em movimento pelo seu titular, ao afirmá-lo em juízo como violado pelo réu. Representava a “reação que a força do direito opõe à ação contrária de terceiro”, a busca pelo equilíbrio, quebrado pela violação do direito subjetivo.18 Fez-se célebre a expressiva imagem segundo a qual ação “é o direito em estado de guerra, em vez do estado de paz”.19 Variante dessa concepção considerava a ação direito diferente, mas acessório do direito que por intermédio do processo o autor deduzia a em juízo.20 A afirmativa é correta na órbita da defesa privada. Em semelhante contexto, o direito exercido pelo respectivo titular ostenta aptidão suficiente para se impor perante adversário através da força. Não se harmoniza, porém, com o modelo constitucional da Justiça Pública, nem retrata o que acontece quando alguém acode à via judiciária, porque impedido de realizar o alegado direito privadamente. Não se afigura razoável misturar o processo e o direito (material) porventura alegado pelo autor. Esse direito, cuja existência o processo se encarrega de apurar, realiza-se fora do processo, inexistindo litígio; ao invés, instalado o litígio, no processo transforma-se em hipótese de trabalho, chamada de objeto litigioso ou de mérito. Não pode se confundir legitimamente com o próprio processo. E a “força” restauradora da integridade originária do direito subjetivo é fenômeno verificado no direito material, e, não, no processo. A visão primitiva da ação nunca explicou a demanda julgada improcedente. Se a ação toca ao titular do direito subjetivo material, e origina o processo, o juízo de improcedência mostra-se inconcebível. A inexistência do direito implicaria a da ação e, conseguintemente, a do processo – que serviu, ao menos, para declarar inexistente o direito. Na verdade, a simples possibilidade da emissão da sentença de improcedência já demonstra a autonomia da ação em relação ao direito subjetivo alegado e descrito pelo autor na petição inicial.21 Objeção de peso também decorre da ação declaratória negativa (art. 19, I). Em tal classe de demanda, o objeto litigioso consiste na afirmativa do autor que nenhuma relação jurídica vincula-o ao réu. Nada obstante, existirá “ação”, forma-se o processo, e, eventualmente, o órgão judiciário acolherá o pedido, declarando a inexistência do direito do qual se jacta o réu. A pretensão à
declaração da inexistência de relação jurídica, e, conseguintemente, de direito subjetivo do réu perante o autor, demonstra, satisfatoriamente, o caráter irreal da tese: há ação e processo, mas o autor não alega apenas que o réu não tem direito subjetivo algum, salvo o direito (material) de reconhecer a inexistência de direitos e deveres entre as partes no plano substancial. Em sentido oposto, mas igualmente inadmissível, rejeita-se a existência de autênticos direitos subjetivos fora e antes do processo. É a chamada teoria unitária do ordenamento jurídico. Só através da “ação” os direitos passam a ser reconhecidos e incontroversos.22 Despreza-se a efetivação normal dos direitos subjetivos, mediante o cumprimento espontâneo do dever jurídico que neles incumbe ao sujeito passivo. O direito substancial preexiste ao processo, cumprindo distinguir o momento da incidência (plano do direito material) do momento da aplicação da norma (plano do direito processual).23 E, quanto aos direitos tornados litigiosos, em decorrência do descumprimento daquele dever, e transformados em objeto do processo, a tese incorre nas dificuldades apontadas.24 Essas críticas levaram à superação da teoria prestigiada pelos civilistas franceses,25 e pelos alemães na primeira metade do século XIX,26 relevadas exceções tardias.27 Logo se percebeu a necessidade de romper a ligação umbilical entre “ação” e direito subjetivo material, identificando-se o objeto litigioso (ou mérito) em termos autônomos. É completamente diversa a perspectiva adotada, hoje, na doutrina francesa, que outrora encampou essa teoria. Entre o direito subjetivo e a “ação” medram profundas diferenças, explica um renomado autor, mas não convém exagerar a independência recíproca, porque se identificam alguns liames entre os dois fenômenos.28 Existem direitos sem ação (rectius: pretensão), como no caso da obrigação natural. Inversamente, há ação desacompanhada de direito material, quando o juiz rejeita o pedido do autor. Nesta última hipótese, estima-se “ação” o poder capaz de compelir o órgão judiciário a julgar, “abstração feita ao fato de ela estar fundada ou não no direito”.29 Entretanto, laços flagrantes retiram da ação o caráter de “poder objetivo, abstrato e impessoal”: em geral, a designação da ação evoca critérios relacionados ao direito subjetivo exposto (v.g., ação real imobiliária ou mobiliária); e, não ostentando o juiz a qualidade de um órgão de consulta em tese, mas de julgador dos casos concretos ou causas, a alegação de um direito, real ou imaginário, fundamenta a ação, elemento indispensável ao seu exercício. Essas considerações se reforçaram com o advento do chamado Nouveau Code de Procédure Civile francês, atualmente Code de Procédure Civile. O respectivo art. 30 apresenta definição explícita de ação. Segundo o dispositivo, a ação é o direito do autor de uma pretensão de vê-la julgada fundada ou não pelo órgão judiciário, e, para o réu, o direito de controverter a pretensão. À vista do texto, ponderou-se que grande parte das escaramuças judiciárias situa-se na periferia do mérito, e, nada obstante, controvérsias desse quilate apresentam considerável interesse prático para os litigantes.30 É desnecessário, ademais, atribuir a ação ao réu. O direito de defesa, de per si, já assegura ao réu o direito de impugnar a pretensão do autor.31 Enfim, o direito de provocar o órgão judiciário, conferido a toda pessoa, representa poder impessoal, objetivo e permanente.32
No entanto, a separação dos planos do direito processual e material, exigiu a consumação de várias etapas preliminares. 222.2. Primeira teoria autonomista: a teoria concreta do direito de agir – A construção dogmática do processo civil moderno, em mais de um ponto relevante, provocou calorosas discussões. E uma das mais notáveis polêmicas, e decisiva para atribuir foros de dignidade ao direito processual,33 envolveu a exata compreensão da actio romana. Segundo a primeira opinião, a actio era o próprio direito material, certificado pelo pretor,34 e não um novo direito, surgido da violação daquele, e designado, equivocadamente, Klagerecht. Da violação do direito subjetivo nasce a inclinação de sujeitar ao interesse próprio o interesse alheio, ou seja, a pretensão (Anspruch). A essa tese, a opinião contrária opôs a categoria recentemente admitida dos direitos subjetivos públicos. A Klagerecht, ou direito de demandar, representava o direito de obter tutela jurídica perante o Estado, e, portanto, direito diverso do direito material, seja quanto ao sujeito passivo, aqui o Estado, seja quanto ao conteúdo.35 O relator do debate deu-o por infrutífero e inconclusivo.36 Das questões ventiladas, porém, duas se incorporaram ao pensamento processual dominante, e, até hoje, revelam-se fundamentais à ação: a da pretensão (Anspruch) e a do direito público de demandar (Klagerecht). Faltou tão só distinguir os planos do direito material e processual, evidenciado mais tarde, através da identificação nítida da relação processual. A partir das premissas lançadas nesse debate, o assunto atingiu patamar superior. A existência de uma pretensão de tutela jurídica (Rechtsschutzanspruch) tornou-se nítida.37 Por tal se entende pretensão do autor, e a oposta do réu, perante o órgão judiciário, visando à obtenção de tutela do próprio interesse.38 Não é, porém, o objeto do processo. A proposição evidenciou o direito subjetivo perante Estado de acudir à via judicial, preexistente ao processo,39 desfazendo o impróprio elo entre a pretensão da tutela jurídica e o direito subjetivo material. Não se retornará, no itinerário subsequente, a esse nível inferior do raciocínio, ao menos em tal assunto. Segundo a teoria, o direito de acudir ao Estado, para resolver a lide, não pressupõe o direito material, como se percebe na ação declaratória negativa, pois nela o objetivo do autor não se cifra à realização de um direito subjetivo.40 Dita pretensão se satisfaz com a sentença favorável, ato que compete ao juiz, mas o direito material, por vezes, ficará insatisfeito, ante o “esgotamento ou insuficiência dos meios tutelares”.41 E ao adversário cabe tão só tolerar a pretensão do autor.42 Não se olvidou de refutar, na mesma oportunidade, errônea “teoria nova”, por esse motivo qualificada de “estéril do ponto de vista científico”,43 segundo a qual há um direito público “abstrato” de demandar, beneficiando inclusive a quem não é titular de qualquer direito substancial. Este direito de acionar eficazmente constitui uma simples faculdade, e, não, o exercício de um direito e, muito menos, o de um direito a uma sentença de conteúdo determinado.
O mérito principal da teoria “concreta”, ora sob exame, e predominante até o segundo quartel do século passado, residiu na cuidadosa separação da pretensão à tutela jurídica, dirigida contra o Estado, e a pretensão do autor contra o réu.44 Curiosamente, a teoria recebeu crítica neste ponto, rejeitando a existência de pretensão contra o Estado, porque inexistiria conflito entre as partes e o órgão judiciário.45 A objeção é improcedente. O Estado intervém para resolver o conflito das partes, porque veta a autotutela. A teoria “concreta” incidiu no exagero de relacionar a ação à busca de uma sentença de conteúdo determinado, favorável ao autor. É pouco razoável entender satisfeita a pretensão à tutela jurídica só quando o autor logra êxito. Admitindo-se semelhante entendimento, a ação dependeria do reconhecimento, a posteriori, de um direito do autor perante o réu. Então, existiria o processo com ação, na sentença de procedência, e o processo sem ação, verificando-se a improcedência. Não se explica, na última hipótese, por que se formaria o processo, independentemente do resultado do processo. A lógica recomendaria, considerando a posição do Estado, aceitar a emissão de sentença a favor ou contra o autor como resposta satisfatória à ação.46 Enfim, a prolação da sentença justa. Eis o ponto frágil da teoria. Ao órgão judiciário incumbe resolver a controvérsia de acordo com o direito, e, não, a favor do autor. O que ambas as partes exibem, no litígio, é a pretensão de que a causa seja resolvida conforme ao direito, naturalmente cada qual entendendo desse gabarito a sentença favorável ao próprio interesse.47 Uma variante dessa concepção, embora mais enevoada e tortuosa, surgiu sob a claridade ofuscante e os ares cristalinos da península itálica. Embora admitindo a classe dos direitos subjetivos públicos, e o fato que, na ausência do Estado, ignorar-se-ia a ação, em virtude da inexistência do órgão encarregado de resolver os litígios, e destinatário da demanda do autor, ponderou-se que a ação busca produzir efeitos perante o réu.48 Desse modo, a ação consistiria no poder jurídico atribuído ao autor para o fim de atuar a vontade concreta da lei perante o réu. Esse poder denota a natureza da ação. É direito potestativo,49 porque o réu suporta, simplesmente, os efeitos do seu exercício. A tese recebeu, a rigor, uma única adesão.50 E nem sequer era inédita. A importância da célebre prelação, realizada em Bolonha, em 1903, localiza-se antes no método e no marco de criação de uma escola no que tange aos estudos processuais.51 Ao menos, segundo os áulicos do autor, pois tudo indica tratar-se de mistificação.52 No tocante à concepção inicial, a diferença é mais terminológica do que substancial.53 E, com efeito, a norma jurídica recebe a designação de “vontade abstrata da lei”, transformada, mediante a incidência do fato, na “vontade concreta da lei”. Ora, visando a ação atuar a vontade concreta da lei, em última análise realizará o direito subjetivo material. No caso de improcedência, a vontade concreta da lei realizou-se a favor do réu, o qual, conseguintemente, exerceu a ação.54 O caráter artificial dessa construção, erguida com materiais incompatíveis e de qualidade inferior, levou à sua ruína. O réu não age, mas reage ao autor. As posições originárias da pessoa que toma a iniciativa de formar o processo, distinta da pessoa que se submete ao processo, embora não o queira, jamais se mostrarão equivalentes e simétricas. De outro lado, a proibição da justiça de mão própria obriga o Estado a decidir o conflito, ou seja, a prestar
jurisdição, dever correspondente ao direito de acudir ao órgão judiciário. Por conseguinte, trata-se de um direito perante o Estado, e, não, “em face” do réu. No entanto, há alguns ganhos significativos nessa variante. Primeiro, a função pública do processo – instrumento estatal destinado à resolução das lides –, recebeu o devido destaque. Segundo, ocorreu separação nítida entre pressupostos processuais, relacionados ao processo, e condições da ação. Nenhuma originalidade cercava essa última classe de questões àquela altura. Exemplificativamente, o pensamento anterior já reconhecia que a falta de capacidade para conduzir o processo, ou legitimidade, gerava a “carência” de ação, justamente porque a ação emanava do direito subjetivo alegado pelo autor.55 Na versão aprimorada da teoria “concreta”, entre as condições da ação e os pressupostos processuais existiria “a mesma diferença” da ação em contraste com a relação processual, ou seja, os pressupostos deveriam “existir independentemente da existência” das condições.56 O atendimento dos pressupostos autoriza, assim, a emissão da sentença de mérito, desfavorável ou favorável ao autor; porém, configuradas as condições da ação, o juiz emitirá sentença favorável ao autor.57 A função das “condições” da ação receberá tratamento específico adiante (infra, 224). É prematuro aprofundar o estudo dessas condições no momento, valendo tão só o registro. Desaparecido o adepto isolado, e sem embargo da larga influência intelectual do seu autor em outros domínios, um dos pater fundadores da processualística italiana,58 a variante concretista sucumbiu ao esquecimento.59 Ela figura nas exposições didáticas como etapa histórica superada. 222.3. Segunda teoria autonomista: a teoria abstrata da ação – À teoria há pouco exposta, precedeu a tese que, para agir em juízo, basta afirmar um direito na convicção que ele exista, almejando uma sentença conforme as disposições legais. Não obsta a formação do processo a efetiva existência os fatos alegados pelo autor.60 É comum, realmente, alguém demandar sem um direito, razão pela qual colherá juízo de improcedência. Em tal caso, forma-se o processo, porque há ação, a qual, afirma-se “com deliberado exagero, é o direito dos que têm razão e, ainda, dos que não têm razão”.61 Essa convincente noção explica, sem impugnações maiores, a demanda julgada improcedente. E resiste às precedentes objeções, bem como a quaisquer outras porventura assacadas. O exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado forma a relação processual, entre o autor e o Estado. Libertado esse direito da órbita de atração do direito subjetivo material, e, ao mesmo tempo, rejeitando-se a pretensão a uma sentença favorável, desembocar-se-ia de modo fatal e inexorável nessa teoria, chamada de “abstrata”. Ela recebeu esse cognome porque separa o direito ao processo do hipotético direito alegado pelo autor perante o réu, e, assim, a formação do processo prescinde da situação material trazida ao processo.62 Em outras palavras, a ação que origina o processo, que estabelece o vínculo de direito público do autor com o Estado, emana do direito subjetivo público de obter a
tutela estatal do Estado, seja fundada, ou não, a pretensão deduzida. Também se forma o processo no caso de o órgão judiciário indeferir, liminarmente, a petição inicial (art. 330), ato decisório que, por definição, extingue o processo (art. 316 c/c art. 485, I). Na atividade do juiz, indeferindo a petição inicial, há “exercício de um dever que deriva institucionalmente da função jurisdicional”.63 A alcunha com a qual se revestiu semelhante compreensão do fenômeno processual presta-se a equívocos e fomenta várias maquinações contrárias. Na realidade, o adjetivo abstrato não se opõe ao concreto, “no sentido de intangível, incorpóreo, impalpável, ideal ou imaterial, mas sim com a significação de que foiseparado da situação de fato, ou conteúdo das várias espécies de ação, então admitidas”.64 Separado, mas não desconexo, pois não há processo oco ou vazio de conteúdo – o objeto litigioso, ou pretensão processual, ocupa o seu devido lugar. A dimensão universal e ilimitada do direito à tutela jurídica pareceu excessiva no viés conservador do pensamento jurídico. A esse propósito, escreveu-se francamente: “repugna pensar que toda a complexa, custosa e delicada organização judiciária, instituição fundamental do Estado moderno, não tenha por fim declarar e garantir os direitos substanciais dos particulares, mas a declaração da possibilidade de obter tal declaração” (do direito substancial).65 Nessa linha de raciocínio, o agir em juízo só pode tocar aos que postulam interesses legítimos, embora não seja possível, a priori, estabelecer se a demanda é fundada ou não.66 O direito previsto no art. 5.º, XXXV, da CF/1988 – subespécie do direito de petição –,67 restaria inconfundível com a ação. O respectivo exercício criará uma relação no plano do direito constitucional, não no processual E, na conjuntura anterior à Lei 6.515/1977 que introduziu o divórcio, invocava-se o exemplo do pedido de divórcio a vínculo, então proibido na ordem jurídica brasileira. Este pedido em juízo jamais expressaria a “ação”, originando relação processual, na verdade “amparada pelas abstrações do direito constitucional, mas ilegítima segundo os preceitos do direito judiciário”.68 A tentativa de valorizar a ação importa, na verdade, uma duplicação inútil do problema.69 É inegável que tanto a pretensão inadmissível, a priori, quanto a pretensão procedente, a posteriori, tramitam em relação processual com idênticos predicados, variando unicamente o desfecho, e expressam o “exercício de direito de ação do sujeito e de atividade jurisdicional do órgão, em tudo semelhantes”.70 Às condições da ação, na teoria abstrata, reserva-se função assaz restrita. Verificada a presença dos pressupostos processuais, o juiz proveria “em sentido favorável ou contrário a quem o provocou”;71 configuradas as condições da ação, o autor destrinçaria o caminho que conduz à pronúncia de mérito. As condições situam-se no mérito ou representam pressupostos de existência e de admissibilidade da pretensão perante o réu.72 Mas, ninguém “carece” de ação. Vedá-la a alguém implicaria obstruir direito fundamental processual de acesso à Justiça. Daí por que a falta das “condições” não obsta o “próprio e verdadeiro direito de agir em juízo”.73
Consoante os postulados da teoria abstrata, a “ação” é o direito à atividade jurisdicional, alheio às injunções do objeto do processo, seja qual for a natureza e o teor do pronunciamento do órgão judiciário.74 222.4. Síntese inviável: a teoria eclética da ação – A liberalidade intrínseca teoria “abstrata” sugeriu a busca da síntese. Designa-se “eclética” a teoria que explica a ação, todavia distinta do direito alegado pelo autor, contrapondo ao poder geral, permanente e incondicionado de estimular a jurisdição (principal característica da teoria abstrata), a exigência da presença de alguns pressupostos de legitimidade para seu efetivo exercício,75 sem perder – a incoerência é flagrante – a autonomia relativamente ao direito material.76 Ao que consta, Galeno Lacerda empregou, pioneiramente, a palavra “eclética” na tese.77 As “condições” da ação retratariam os requisitos mínimos necessários ao juiz examinar o mérito em qualquer sentido. Logo, nesse raciocínio a ação é direito à sentença de mérito. Faltando uma das condições, o juiz proferirá juízo de “carência”.78 Explicitamente, o CPC de 1973 adotou essa orientação. O art. 267, VI, do CPC de 1973 estipulava como causa de extinção do processo, sem julgamento do mérito, a ausência de qualquer das condições da ação, aludindo à possibilidade jurídica, à legitimidade das partes e ao interesse processual. O art. 3.º do CPC de 1973 exigia, para demandar, interesse e legitimidade. No art. 301, X, do CPC de 1973 previa, antes de discutir o mérito, da alegação de “carência de ação” pelo réu. Outros dispositivos aludem a essas condições (art. 295, II e III, e parágrafo único, III, do CPC de 1973). Tão nítida opção do estatuto processual por teoria que, à semelhança das outras, talvez comporte falsificações, representando degrau transitório superado para alcançar o andar superior,79 despertou severas e compreensíveis censuras.80 A atitude do principal formulador da teoria eclética revelava o açodamento do estatuto processual. Em virtude de fato fortuito, qual a adoção do divórcio a vínculo, proscreveu da classe das condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, um dos motivos da “carência de ação”.81 A inconstância no pensamento não depõe a favor da firmeza das convicções. Fundamentalmente, as consequências dessa teoria geram perplexidade, resvalando no disparate: no juízo de carência, emitido no processo, inexistiriam ação, processo e jurisdição. Sem as condições da ação, escreveu-se com rara franqueza, “as partes não devem ter direito à jurisdição, a um provimento jurisdicional que possa vir a assenhorá-las do bem da vida postulado”.82 É uma conclusão inaceitável.83 No mínimo, o réu adquiriu um bem da vida: livrou-se da pretensão inadmissível do autor. E, deixada sem explicação a natureza do processo sem ação, nenhuma classificação nas funções do Estado lhe serve: o provimento do juiz não é legislativo, “nem seria adequado considerá-lo administrativo”.84 O poder de o juiz pronunciar-se sobre matéria alheia ao mérito, verificando a concorrência de pressupostos processuais,85 demonstra a inexatidão dessa construção. Um simples exemplo de impossibilidade jurídica se afigura suficiente para evidenciar a fragilidade da teoria. O autor A propõe ação de usucapião e
declina, na inicial, um tempo de posse insuficiente para se consumar a prescrição aquisitiva. Ao primeiro contato com a inicial, caberia ao órgão judiciário rejeitá-la, proclamando juízo de “carência”, em decorrência da impossibilidade jurídica do pedido. Ao invés, alegando A, por precaução ou malícia, posse pelo tempo necessário à aquisição, mas apurado o equívoco após a investigação probatória, o autor colheria juízo de 86 improcedência. Flagrantemente, a única diferença entre os dois provimentos, cujo conteúdo é idêntico, respeita ao grau de cognição, no último caso mais completa e profunda. Além disto, conforme os rigores da teoria, no primeiro caso o processo se formou sem ação, nem sequer jurisdicional é atividade do juiz. A causa talvez seja submetida à análise de tribunal superior, e, sempre, sem ação nem jurisdição.87 Os postulados da teoria eclética conduzem ao verdadeiro absurdo retratado no exemplo anterior. Em ambos os casos, na verdade, há julgamento do mérito.88 As condições da ação localizam-se no mérito – apesar da disposição legal em contrário.89 Realmente, se a possibilidade jurídica a ser investigada é a do pedido, que integra o mérito, fica difícil situar questão dessa natureza em outro sítio.90 E, por essa razão, a par das evidências gritantes hauridas da realidade, os provimentos do juiz que concluam não concorrerem as “condições” da ação, na espécie sob julgamento, têm natureza jurisdicional.91 É no processo que o juiz decide neste ou naquele sentido. O processo se desenvolveu e o órgão judiciário tomou partido.92 A ação e a jurisdição “são conceitos correlativos, inexplicáveis, na atualidade, um sem o outro”.93 O máximo que se pode dizer é que, na falta dessas “condições”, o juiz não se pronunciou sobre (todo) o mérito, mas pronunciouse conforme ao direito, esbarrando em questão prévia que lhe impede de prosseguir. De qualquer modo, o autor exercitou a ação,94 obtendo pronunciamento conforme o direito objetivo da autoridade judiciária. Também exercitará ação no caso do o juízo declarar inadmissível a pretensão deduzida por força de outra questão (v.g., a preexistência de coisa julgada). Declarar o autor carecedor da ação que provocou esse pronunciamento, formado o processo, é altamente impróprio: por definição, inexistirá “carência de ação”.95 Do contrário, teria razão a tese que admite o “direito à ação” após a decisão de saneamento, oportunidade em que o órgão judicial rejeita impedimento ao prosseguimento do processo.96 Parece inútil negar o caráter pré-processual da pretensão à tutela jurídica do Estado. O que se pode admitir, e com certa liberalidade, recai no destaque do grupo de questões reunidas sob o rótulo de “condições” da ação auxilia a ordenação das matérias controversas no julgamento do mérito.97 Era preciso enquadrar sistematicamente as respeitando a opção legislativa (infra, 224).
condições
da
ação,
O NCPC é mais discreto, mas não se livrou por inteiro das condições da ação. O interesse processual – designação correta – e a legitimidade da parte ensejam a emissão de sentença terminativa (art. 485, VI), ou seja, não há resolução prévia. Ao menos o interesse processual, integrante da causa petendi, não constitui pressuposto processual, matéria arrumada nos incisos IV e V do art. 485. E não se pode descartar definitivamente a mal vista figura da impossibilidade do pedido. Existem casos residuais em que a pretensão é veda, a priori, no ordenamento; por exemplo, pretendendo o atleta profissional a revisão da pena administrativa antes do esgotamento da instância
desportiva, conforme o art. 217, § 1.º, da CF/1988. O arranjo sistemático dessas questões prévias numa classe autônoma, diferente do mérito propriamente dito, subsiste no NCPC. 222.5. Balanço final das teorias da ação – Chegado tal estágio, expostas as principais teorias, cumpre alinhar uma conclusão. A diferença entre processo (continente) e mérito (conteúdo) revela-se definitiva e irrevogável. A falta dessa distinção fundamental semeia os desencontros nesse assunto.98 A atividade do órgão judiciário, no processo, envolverá a emissão de dois juízos distintos: o juízo de admissibilidade, pelo qual declara que é possível, ou não, resolver o conflito, consubstanciado na pretensão deduzida pelo autor; e o juízo de mérito. Logo, tertius non datur: quaisquer “condições” da ação situam-se num ou noutro grupo de questões.99 A formação do processo, iniciada pela ação do autor, não se subordina a qualquer fato posterior ocorrido no curso do processo – e, muito menos, e virtude do conteúdo da resposta do órgão judiciário. Em particular, o juízo de procedência ou de improcedência do pedido não cria a ação, cujo exercício permitiu sua emissão. A objetividade da vida judiciária revela que existe um poder de propor demandas, haja ou não direito material.100 O direito de acesso à Justiça não comporta maiores limitações, devendo a lei infraconstitucional receber interpretação que não lhe restrinja o alcance.101 O poder intrínseco ao direito à tutela jurídica do Estado há de receber prioridade sobre a atividade por ele em seguida provocada. Esse viés permite situar as partes no centro do processo, posição humanista, política e existencial perante o fenômeno jurídico.102 Também o juízo de inadmissibilidade, subentendido como conforme ao direito, e, portanto, a única reposta jurisdicional satisfatória neste caso – o direito do autor é à prestação “duma atividade, justa e tão relevante quanto possível, no sentido da composição dum litígio” –,103 dar-se-á no processo e em decorrência da sua anterior instauração através da ação.104 Por esse motivo curial, a expressão “carência” de ação revelava-se tão imprópria – a técnica legislativa do direito anterior ao menos afastou o uso promíscuo, que era lamentado no direito anterior –,105 justificando a tenaz oposição e o repúdio generalizado. É impossível estimar alguém “carecedor” de algo que, justamente, permitiu ao órgão judiciário emitir semelhante veredicto. A teoria eclética da ação mostra-se inaceitável.106 Tal concepção deixa sem a menor explicação dois pontos capitais: (a) a existência de ação, implicitamente negada, na hipótese de “carência”; (b) a natureza da atividade do órgão judiciário, nessas mesmas circunstâncias. Esses problemas inexistem, simplesmente, na teoria abstrata, que é a única correspondente à realidade. A aplicação da teoria adotada pelo CPC de 1973 de modo a não divergir da opção técnica do legislador – premissa defendida com vigor e coerência –107 significa apenas que, em princípio, inexistirá autoridade de coisa julgada nos pronunciamentos respeitantes à ausência de legitimidade, de interesse ou de possibilidade jurídica do pedido. É indiferente, então, localizar as “condições” da ação no plano da admissibilidade ou do mérito, mas parece preferível situá-la naquele,108 como condições de inserção da pretensão processual, a fim de não generalizar a autoridade de coisa julgada no respectivo pronunciamento.
Resta, porém, precisar a natureza jurídica da ação. 223. Natureza da ação A razão pela qual a teoria abstrata ajusta-se à realidade repousa em dois fatores: (a) na separação entre o plano material e o processual, tornando este imune às vicissitudes daquele, ou seja, do mérito, em embargo de o acolhimento do pedido produzir perante o vencido a força e os efeitos do direito material porventura alegado,109 o que não implica a inexistência de um liame de adequação entre o processo e o direito material; (b) a ação é o ato de pleitear a tutela jurídica do Estado, havendo lide, correspondendo ao direito previsto no art. 5.º, XXXV, da CF/1988, ou seja, a ação é o exercício desse direito.110 Ocorrem fenômenos, no plano do direito material, regulados pelo direito, que evidenciam esse segundo aspecto.111 Em primeiro lugar, a incidência dos fatos relevantes ao direito na norma, encaixando-se nos elementos do suporte de fato (Tatbestand), gera o direito subjetivo, que é uma situação de vantagem – “o que, para alguém, determinadamente, dessa ocorrência emana, de vantajoso” –,112 e “limitação à esfera de atividade de outro, ou de outros possíveis sujeitos direito”.113 O direito subjetivo cria, para seu titular, alguns poderes (v.g., o poder de alienar e de dispor, inerentes ao domínio, a teor do art. 1.228, caput, do CC). O direito subjetivo nasce imediatamente exigível ou, violado pelo sujeito passivo, adquire pretensão (art. 189 do CC). É a essa posição dinâmica, que tem por fito a satisfação, que alude o § 194, I, do CC alemão (Anspruch).114 Do direito subjetivo a pretensão distingue-se, porque há direitos inexigíveis, desprovidos de pretensão no momento ou definitivamente (v.g., a dívida proveniente de jogo ou aposta, a teor do art. 814, primeira parte, do CC). O exercício da pretensão, às vezes limitado (v.g., nas relações de consumo, o fornecedor não pode vexar o consumidor), todavia, por atos de premência do sujeito passivo, não ingressa na sua esfera jurídica. Entretanto, descumprido o dever que corresponde a tal pessoa, perante o titular do direito subjetivo, há um terceiro estágio no plano do direito material – a ação.115Nascerá a ação, em proveito do titular do direito, quando o sujeito passivo não satisfaz seu dever jurídico ou mediante a interrupção da conduta que satisfaz a pretensão mediante atos positivos ou negativos.116 A ação significa a realização do próprio direito, perante o sujeito passivo, contra e independentemente da sua vontade.117 Naturalmente, esses atos caracterizam a justiça de mão própria, ou justiça privada, proibida no ordenamento jurídico, substituída pela Justiça Pública. Somente em caráter excepcional, e sob rigorosas condições, a ordem jurídica tolera essa ação decorrente do direito material, como sucede no art. 1.201, § 1.º, do CC, que reza: o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo”. O veto à justiça privada, descumprido o dever jurídico, enseja o conflito de interesses ou lide. Essa é a causa da formação do processo por iniciativa de um dos litigantes.118 Passa-se ao plano do direito processual.
Em virtude da proibição da justiça privada, o Estado atribui a todos, pessoas naturais e jurídicas, incluindo entes sem personalidade, nacionais ou estrangeiros, o direito à tutela jurídica. Esse direito constitui um estado, ou situação vantajosa, mas estática, um ter direito subjetivo público, e, não, ainda, iniciativa ou “agir” em juízo. A pretensão à tutela jurídica se exerce através da ação que corresponde àquele direito fundamental, colocando o Estado no dever de prestar jurisdição.119 O ato de pleitear a tutela jurídica mediante sentença é a demanda ou “ação” processual.120 É o ato inicial, mas não o único. O autor continua agindo no curso do processo, buscando o bem da vida pretendido.121 A partir do momento inicial, além do impulso das partes, também o órgão judiciário dirige o processo (art. 2.º), conforme o direito, para alcançar a solução prometida pelo ordenamento jurídico. Não é, propriamente, a “solução integral do mérito”, acenada no art. 4.º do NCPC, mas à solução conforme ao direito – eventualmente, o juízo de inadmissibilidade da pretensão deduzida pelo autor. Também o réu chamado em juízo exerce pretensão à tutela jurídica. Não raro o réu reage contra a pretensão do autor, contestando o pedido. A direção do processo pelo órgão instituído pelo Estado assegura-lhe resultado favorável, conquanto permaneça inerte, porque a demanda revela-se inadmissível (art. 330) ou, no alvitre do órgão judiciário, manifestamente improcedente (art. 332). Mas, o réu não age, porque não tomou a iniciativa de provocar a jurisdição, e, sim, reage à demanda do autor.122 Essa concepção revela-se plenamente satisfatória e, até hoje, não se logrou substituí-la por modelo mais eficiente e adequado. Em particular, o fato de a demanda se mostrar uniforme, porque corresponde ao mesmo direito, exercido por pessoas diferentes, não impressiona ou perturba o quadro traçado. O autor veicula, no processo, a pretensão que pensa lhe corresponder no plano do direito material.123 Por óbvio, ela se transforma, neste momento, na pretensão processual (prozessualer Anspruch), ou objeto do processo, também designado de objeto litigioso (Streitegegenstand), a respeito do qual a processualística alemã cunhou inúmeras teorias.124 Ora, os efeitos que o autor pretende perante o réu só podem ser, apesar do selo público do ato estatal, na força e efeitos do direito material. O processo serve ao direito material, e, não, a si próprio.125 Nem sequer existiria razão plausível para o Estado intervir na esfera dos particulares, ou enfrentar o conflito entre a administração e os particulares, inexistissem conflitos – a lide é a causa da jurisdição. É preciso, através do processo, restaurar o direito e constranger o sujeito passivo do direito material a cumprir os deveres que lhe tocam. A força e os efeitos da resolução jamais se mostrarão, portanto, uniformes. Não se produzem perante o Estado, mas perante o réu. § 54.º Condições da ação 224. Subsistência das condições da ação A função originária das condições da ação era a de preencher as condições necessárias para o juiz declarar a existência e atuar a “vontade
concreta da lei” invocada pelo autor, ou seja, pronunciamento favorável. Para essa finalidade, mostrar-se-ia imprescindível a reunião simultânea de três condições: (a) a existência de uma “vontade da lei”, assegurando ao autor um bem e obrigando o réu a alguma prestação; (b) a qualidade, vale dizer, a identidade do autor com a pessoa favorecida pela vontade da lei e do réu com o obrigado; (c) o interesse em conseguir “o bem por obra dos órgãos públicos”.126 Ora, a simples troca do enunciado “vontade concreta da lei” por “direito subjetivo material”, expressão mais usual, revela a coerência da tese, a despeito da sua falsidade flagrante: existindo o direito, tocará ao juiz, realmente, acolher o pedido. Em contrapartida, inexistindo a “vontade concreta da lei”, “a absolvição do réu é completa de definitiva: é o máximo que se concede ao réu”.127 É diferente, todavia, o papel reservado às condições da ação no seio da teoria eclética. O ponto de partida dessa teoria avulta no fato de o poder de provocar a jurisdição, incluído no rol dos direitos fundamentais, e realmente genérico, indeterminado e inconsumível,128 não obrigar o Estado a prestar jurisdição.129 O órgão judiciário somente responderá, prestando jurisdição, à pessoa que, alegando algum direito passível de tutela, invocar e descrever “situação determinada e concreta”.130 A autêntica ação se expressa por um elo entre o ato de provocação do órgão estatal e essa situação concreta.131 Esse vínculo particular assenta condições da ação, encaradas como “as condições para que, legitimamente, se possa exigir, na espécie, o provimento jurisdicional”.132 Em outras palavras, faltando, em certo caso, “as condições da ação ou mesmo uma delas (interesse e legitimação para agir) dizemos que ocorre “carência de ação” – expressão altamente imprópria –, devendo o juiz negar o julgamento de mérito e então declarar inadmissível o pedido. A ação, como direito ao processo e ao julgamento do mérito, não garante um resultado favorável no processo: esse resultado depende da convicção que o juiz formar sobre a procedência da demanda proposta”.133 Fica subentendida nessa passagem consequência extraordinária e insólita: na ausência das condições, inexiste ação, processo e atividade jurisdicional.134Nenhuma explicação recebe, nessas circunstâncias, a causa e a natureza da atividade desenvolvida pelo órgão judiciário, talvez por demorados e custosos anos, eventualmente em vários graus de jurisdição. Chega-se à conclusão surreal: nada de relevante aconteceu para o direito processual. Não se presuma que esse modo de visualizar o fenômeno processual seja característico da doutrina peninsular. O interesse e a legitimidade apresentamse, consoante o art. 31 do Nouveau Code de Procédure Civile, como condições da existência da ação, mas com valor heterogêneo.135 A teoria eclética identificou, originariamente, três condições da ação: (a) o interesse processual; (b) a legitimação para agir; e (c) a possibilidade jurídica do pedido.136
O art. 267, VI, do CPC de 1973 mencionava, explicitamente, a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual, cuja ausência provocaria a extinção do processo sem resolução de mérito.137 O art. 3.º do CPC de 1973 contenta-se com o interesse e a legitimidade. Repete-o, aliás, o art. 17 do NCPC. Ao réu incumbia o ônus de alegar a questão preliminar relativa à “carência” de ação. À enunciação dessas três condições, no texto do art. 267, VI, do CPC de 1973, antecedia o pronome “qualquer”, significando, como já visto na passagem transcrita, a necessidade da configuração das três condições, simultaneamente, para o autor superar a barreira íngreme e espinhosa da “carência” de ação. A falta de uma só já implicava a extinção do processo. Não era possível outorgar a qualquer outra questão, além dessas três, o tratamento próprio das condições da ação.138 Os graves inconvenientes já delineados só aumentariam de vulto. Fato digno de registro, outra vez, é a abrupta eliminação, quase concomitantemente à sua consagração legislativa no art. 267, VI, do CPC de 1973, porque desaparecido seu melhor exemplo – a proibição do divórcio –, da infeliz possibilidade do pedido, por ato de império intelectual do criador, dissolvida no campo mais flexível e neutro do interesse.139 Em substância, as condições da ação conservaram, no curso de notável evolução de quarenta anos, o feitio originário, salvo o insofrido sepultamento precoce de uma delas. As três situações descritas no art. 267, VI, do CPC de 1973 comungavam o fato de todas juntas mostrarem-se indispensáveis para configurar a ação.140 E, nessa linha de pensamento, a ação é o direito à resolução do mérito, ao processo e à jurisdição. A ação é o “direito de obter o julgamento da lide deduzida no processo”,141 e, a contrario sensu, impedido o juiz de julgar a lide, inexistiria ação. Logo, as condições localizavam-se aquém do mérito.142 É preciso entender que, ausente uma das condições, seja tal circunstância apurada à primeira vista, avaliando as alegações do autor, seja após a instrução da causa e o esclarecimento do contexto probatório, ou juiz emitiria juízo de “carência”, declarando a inexistência da ação.143 Esse era o aspecto passível de crítica. Simplesmente inexiste “carência” de ação no caso da falta de uma “condição”.144 Firmada uma posição no CPC de 1973, porém, cumpria aplicá-la, respeitadas as discordâncias teóricas.145 Por exemplo, constitui requisito genérico da rescisória a existência de decisão de mérito transitada em julgado, e, portanto, somente provimentos acomodados ao atual art. 487 – ressalvando-se, na sistemática vigente, os casos do inciso III – em tese mostrar-se-iam passíveis de rescisão, jamais a decisão fundada na falta de interesse processual ou legitimidade.146 Desse modo, sem alterar os elementos objetivos, lícito ao auto renovar a demanda em casos tais, porque desprovida a sentença da coisa julgada material.147 Também se assinalava que, relativamente a impossibilidade do pedido, a superveniência de lei nova (v.g., admitindo o divórcio) autoriza a renovação da mesma demanda.148 Em tal hipótese, porém, a causa de pedir é distinta, e, de toda sorte, não se resolve o problema gerado pela legitimidade e pelo interesse processual. É essa fidelidade ao sistema legal que a aplicação da errônea teoria encampada no CPC de 1973 exigia do seu aplicador e intérprete. Na
realidade, a operação lógica do julgar, ao decretar a “carência” de ação, não discrepava da que rejeitasse a pretensão processual tal como formulada.149 A “possibilidade” do pedido integra o mérito.150 Todavia, para quaisquer efeitos práticos, em princípio considerava-se não julgado o mérito. As condições da ação configuravam-se dessa maneira quanto à pretensão a executar e no tocante à pretensão à segurança (cautelar). Nesta última seara, investiga-se a legitimidade, o interesse (erradicação do prejuízo) e na possibilidade do pedido (falta de proibição da medida de urgência).151 Lícito conjeturar, porque eliminada a alegação de carência no rol das questões prévias do art. 337 do NCPC – não, porém, a “ausência de legitimidade ou de interesse processual”, objeto do inciso XI –, a respeito da subsistência dessa matéria no terceiro código unitário. Ora, o interesse processual e a legitimidade expressam os requisitos da inserção da pretensão processual (ou mérito) no processo.152 A falta de uma condição impede a análise concludente dessa pretensão. Realmente, o itinerário do juiz, cujo destino final máximo é o acolhimento ou não do pedido (art. 487, I), passa por algumas questões que, suscitadas ou não pelas partes, surgem em seu espírito, erigindo-se como obstáculos a serem superados pela pretensão do autor. Às vezes, essas questões mostram-se flagrantes, indicando a inviabilidade do prosseguimento do processo. Tal acontece em duas situações: (a) os fatos narrados na inicial desautorizam, desde logo, a análise e o acolhimento do pedido, a atribuição do bem da vida pretendido ao autor (v.g., o avô pretende impugnar a paternidade do neto); (b) nenhum fato, narrado e provado, autoriza a análise e o acolhimento do pedido, abstratamente vetado no ordenamento jurídico. Nesses casos, evidenciada a inutilidade do prosseguimento do processo, que jamais chegará a resultado útil, o juiz abstém-se de julgar o pedido perante improcedência macroscópica.153 O juízo de improcedência, no qual o órgão judiciário rejeita, positivamente, o pedido formulado pelo autor (art. 487, I) fica reservado à hipótese de o fato narrado e provado desautorizar a atribuição do bem da vida ao autor.154 Um exemplo curioso, tirado dos repertórios de jurisprudência, ilustra a função básica das condições da ação no processo e na resolução do juiz. Os netos de suposto filho natural, mas pré-morto, pleitearam a declaração de relação avoenga contra os netos reconhecidos do avô comum. O juiz de primeiro grau extinguiu a ação, fundado na causa equivalente ao art. 485, VI, do CPC, sob o fundamento que a investigação de paternidade é personalíssima, legitimando-se, assim, tão só os filhos do suposto pai, e, não, os respectivos netos. O órgão fracionário do tribunal proveu a apelação, ordenando o prosseguimento do processo, mas os embargos infringentes restauraram a sentença de primeiro grau. Interposto o recurso especial, o STJ proveu para admitir a legitimidade dos netos.155
O problema da legitimidade do neto para obter declaração a respeito da existência de parentesco apresentou-se ao órgão judiciário, no caso, como uma questão prévia, cuja resolução se mostrava indispensável, antes de investigar o efetivo parentesco. Os fatos narrados pelo autor desautorizavam, no alvitre do órgão judiciário de primeiro grau, em tese a atribuição do bem da vida. A proximidade entre a legitimidade ativa e a possibilidade do pedido não é casual, porque esta subsidia aquela.156 Mas, aqui, interessa o efeito. Decidida desfavoravelmente ao autor, em tese, semelhante questão, o ato decisório dispensou a etapa subsequente, precipitando a extinção do processo. Esse pronunciamento, por definição, passou ao largo da questão central do mérito – o pré-morto era, ou não, filho do avô comum –, e não produziu coisa julgada material – o art. 486, caput, explicitamente autoriza o autor a renovar o pedido no caso de extinção do processo com base no art. 485, VI, corrigindo – o que é impossível – o vício anterior. Ninguém se surpreenderá, porém, com a admissão da ação rescisória proposta contra o julgado mencionado, todavia julgada improcedente.157 Em virtude dessa função das condições da ação, ou seja, da legitimidade e do interesse processual no NCPC, a cognição do órgão judiciário, no direito brasileiro, permanece englobando três grupos de questões, distribuídos em círculos concêntricos: os pressupostos processuais, as condições da ação, e, finalmente, ao mérito.158 A sentença fundada na ausência dos pressupostos processuais (art. 485, IV, V e VII) e das condições da ação (art. 485, VI), não ingressa no mérito. Essa particularidade repercute no efeito devolutivo da apelação. Decidindo o juiz nesse âmbito, a apelação do vencido, embora a causa se exibisse madura para o julgamento do mérito, não ensejava ao tribunal resolver, originariamente, o mérito. Essa segunda função das condições da ação, simultânea à de precipitar a extinção do processo, sem a eficácia da coisa julgada material (art. 485), tornou-se relativa já no direito anterior e o art. 1.013, § 3.º, I, deixa claro que, encontrando-se o processo em condições de imediato julgamento, ou seja, inexistindo a necessidade de dilação probatória, o tribunal “decidirá desde logo o mérito”. Em outras palavras, o tribunal não se limita a percorrer o caminho já trilhado no primeiro grau, revisando o resultado (v.g., afastando o juízo de inadmissibilidade), mas irá além do ponto em que o juiz estancou sua marcha, enfrentando o inexplorado terreno do acolhimento, ou não, do pedido.159 Embora os pressupostos processuais e as condições da ação integrem o juízo de admissibilidade, há inobscurecível diferença entre os dois grupos de questões. Quando o juiz decide com fundamento no art. 485, VI, já pisou no mérito (v.g., o interesse processual é elemento da causa petendi), o que não acontece nos pressupostos processuais (v.g., a objeção de coisa julgada, causa de sentença terminativa, a teor do ar. 485, V, in fine, por definição impede o juiz de reapreciar o mérito). É o motivo por que parece prematuro o réquiem às condições da ação no NCPC. 225. Espécies de condições da ação
Eram três as condições da ação no direito anterior: (a) possibilidade do pedido; (b) legitimidade das partes; (c) interesse processual. É preciso definir o alcance de cada uma dessas questões, ensejando a correta do art. 485, VI, e, ademais, verificar se há matéria acomodada na rubrica da eliminada “possibilidade do pedido”. Deposita-se sobre o órgão judiciário a árdua tarefa de individualizar o ato decisório na hipótese extintiva do processo no rol do art. 485 com exatidão e clareza. Representará erro técnico – na verdade, mais cobrado nos concursos públicos do que nos tribunais –, reconhecendo o juiz a ilegitimidade ativa, por exemplo, invocar no dispositivo da sentença (art. 489, III) o inciso primeiro do art. 487 em lugar do inciso sexto do art. 485. A autoridade da coisa julgada recobrirá, ou não, o dispositivo nos termos em que lançado pelo órgão judiciário. Em princípio, e no plano teórico, as condições da ação tem identidade precisa e inconfundível. A possibilidade jurídica do pedido consiste na ausência de proibição, em abstrato, ao pedido no ordenamento jurídico.160 Legitimidade, ou capacidade para conduzir o processo, significa a “pertinência subjetiva” das partes, ou seja, do autor e do réu, e a titularidade ativa e passiva de uma situação legitimadora, objeto de previsão legal.161 E o interesse processual, no início “utilidade e necessidade de conseguir o recebimento” do pedido,162 denota o proveito entre a “afirmada lesão de um direito e o provimento jurisdicional” reclamado.163 Essas noções, filiadas à corrente de pensamento que erige as condições à condição de filtro da atividade jurisdicional, reclamam explicações. 225.1. Possibilidade jurídica – Não se pode encarar a possibilidade jurídica sem o respectivo objeto. É a previsão, em tese, do pedido formulado no ordenamento jurídico. O defeito flagrado pelo órgão judiciário pode se situar na causa de pedir, mas afetará o pedido, impedindo o prosseguimento útil do processo. 225.1.1. Conceito de possibilidade jurídica do pedido – O conceito original de possibilidade, enfatizando a vedação do pedido, e que ainda repercute na doutrina nacional,164 revela-se incompatível com o direito brasileiro. Consoante tradição que remonta às Ordenações Afonsinas (Livro I, Título VIII), no direito brasileiro o órgão judiciário tem permissão para, inexistindo normas legais aplicáveis ao litígio, recorrer aos expedientes hermenêuticos cabíveis para colmatar a lacuna (infra, 946.1). A lacuna não exime o juiz de sentenciar (art. 140, caput). Por óbvio, esse não é o único método oferecido pela hermenêutica contemporânea ao órgão judiciário, mas evidencia que a possibilidade jurídica, na sua formulação originária, cuja ênfase recai no aspecto negativo, não se harmoniza com o sistema nacional. A esse propósito, observou-se, no direito anterior, que “o envio do juiz aos costumes, à analogia e aos princípios gerais do direito nada mais é do que a recomendação de que proceda como, em idêntica situação, faria o próprio legislador, que se vale das mesmas fontes, pois as leis não são obras e invenção”.165
O requisito consistirá, então, na vedação explícita da pretensão do autor. Insere-se como tal a hipótese de a lei atribuir, taxativamente, determinados efeitos jurídicos à situação de fato: nenhum outro poderá ser pedido pelo autor.166 Expressivo julgado do STJ consagrou esse entendimento no direito anterior: “A possibilidade jurídica do pedido, uma das condições da ação, cuja ausência enseja a extinção do processo sem julgamento do mérito, abrange não apenas a previsão da pretensão do autor, mas antes que a mesma não se encontre ‘vetada’ pela ordem jurídica (princípio da liberdade jurídica)”.167 Não se cuida, ao contrário do que sucede com a legitimidade e o interesse (art. 3.º), de condição bilateral, porque a impossibilidade recai sobre o pedido, e, portanto, afeta o autor. Se o réu formula pedido, então abandona a posição de réu, e os limites da defesa passiva, e passa a autor, adotando defesa ativa (contra-ataque). Por fim, a palavra “impossibilidade” revela-se imprópria para retratar a classe de questões inserida na rubrica. Nenhum pedido é impossível de ser formulado, mas de ser acolhido.168 225.1.2. Classificação da possibilidade jurídica do pedido – A análise dos exemplos dessa classe de questões submetidas à cognição do órgão judiciário revela a existência de impossibilidades explícitas e implícitas, relativas e absolutas. Embora escassos, porque nada, exceto o que a CF/1988 veda, é impossível, há casos explícitos de impossibilidade. Por exemplo, o pedido de suspensão de pena disciplinar imposta a atleta pela Justiça Desportiva, sem o prévio esgotamento dessa instância administrativa (art. 217, § 1.º, da CF/1988), é expressamente estatuído. A impetração de mandado de segurança nas hipóteses do art. 5.º da Lei 12.016/2009 também ilustra a impossibilidade.169 Implícita, ao invés, é a impossibilidade resultante do pedido do titular de cargo em comissão de obter sua estabilidade. A nulidade do casamento, fundada em incompatibilidade de gênios, é outro caso.170 A impossibilidade do pedido, sem embargo do seu caráter explícito ou implícito, divide-se em duas espécies: (a) absoluta; (b) relativa. Declarada inconstitucional a prisão do depositário (Súmula Vinculante do STF, n.º 25), objetivamente impossível semelhante medida; porém, a impossibilidade de prender o devedor por dívida é relativa, no direito brasileiro, porque cabível a do devedor de alimentos (art. 528, § 3.º).171 Embora o mérito seja julgado,172 no direito anterior o relevo prático consistia na inexistência da coisa julgada. Mas, há casos em que é inviável essa consequência, como na cobrança de dívida de jogo.173 Em tal situação, há direito sem pretensão (art. 814, primeira parte, do CC), e, não, impossibilidade – o crédito pode ser objeto de repetição. O vencedor de licitação pública que almeja obrigar o Estado a contratar ou a retomada do imóvel para uso de parente espiritual constituem casos de mérito julgado.174 Banida a possibilidade jurídica da lei processual, conforme sugestão formulada no direito anterior e acolhida no NCPC,175 o destaque desse assunto justifica-se pela simplicidade da operação mental do órgão judiciário.
225.2. Legitimidade das partes – É preciso legitimidade, reza o art. 17, para postular em juízo. A falta de legitimidade das partes ensejará a emissão de sentença sem resolução do mérito (art. 485, VI). E a ilegitimidade manifesta autoriza o juiz a indeferir a petição inicial (art. 330, II, c/c art. 485, I). Logo se percebe que se trata de um atributo agregado à parte. O ponto de partida natural para elucidar a noção de legitimidade é o sujeito beneficiado por essa qualidade eventual. A respeito da noção de parte, a primeira convergência consiste na sua pertinência unicamente processual.176 Não há uma definição legal de “parte”, e, de resto, a palavra em si tem várias acepções.177 Em processo civil, considera-se parte a pessoa que ocupa a posição de autor ou de réu na relação processual. É simples constatação objetiva dos figurantes do processo. Não importam quais sejam os titulares da relação substantiva, transformada em objeto do processo, ou os sujeitos da lide (parte em sentido substancial), mas as pessoas participantes (o autor, porque tomou a iniciativa de demandar) e designadas no processo (réus e intervenientes). Daí a formulação do conceito clássico e universal, segundo o qual autor é quem pede a tutela jurídica do Estado, e réu é a pessoa perante a qual essa tutela é pedida.178 São partes as pessoas que, promovendo ou não atos processuais, todavia subordinam-se à autoridade (coisa julgada material) dos provimentos do juiz.179 A participação efetiva no processo não se revela essencial à figura da parte. Chamado a juízo, o revel não participa, mas é parte. O réu ainda não citado, porque o juiz indeferiu a petição inicial e o autor apelou (art. 331) é parte – o chamamento ocorrerá se o juiz não retratar a sentença terminativa (art. 331, § 1.º). Legitimidade constitui conceito mais exigente. Reclama a correspondência entre a parte, que é o figurante no processo, e a pessoa que, segundo a previsão legal, tem capacidade para conduzir o processo 180 (Prozessfürungsbefugnis). Tratase de comparar a pessoa que ocupa a posição de parte, em determinado processo, e a pessoa que, consoante os esquemas abstratos traçados na lei, revelam-se habilitadas a reclamar ou a defender em juízo o direito substancial.181 Nada impede que esses esquemas sejam elásticos para ensejar uma maior tutela jurisdicional.182 O legitimado talvez não seja o titular da relação jurídica material. Existem casos, estipulados na lei (art. 18, caput), em que ocorre uma verdadeira ruptura entre a pessoa capaz a conduzir o processo e o titular dessa relação, separando-se, radicalmente, os planos do direito processual e do direito material.183 Nos casos de substituição processual, realmente, o substituto exerce sua “própria ação”,184 mas não é o titular do direito substancial posto em causa. Em casos tais, a legitimidade é um aspecto prévio ao mérito. Fato relevante é que o réu, para forrar-se ao processo em razão da ilegitimidade, legitima-se a alegar a própria ilegitimidade, arguindo a questão prévia na contestação (art. 337, XI), ou propondo ação para essa finalidade, como sucede com a oposição à pretensão a executar. Um dos motivos da
impugnação ao cumprimento da sentença é a ilegitimidade das partes (art. 525, § 1.º, II). É excessivo exigir do réu o predicado da “legitimidade” para contestar, conforme se infere do art. 16. A possibilidade de reagir à demanda, através da contestação, resulta do simples chamamento a juízo, ainda que seja apenas para alegar sua própria ilegitimidade (art. 337, XI). O autor demandou porque quis, o réu há de reagir à demanda ainda que não queira. Por outro lado, nenhum terceiro poderá contestar a demanda não figurando como réu na petição inicial. As modalidades de intervenção dos terceiros são estritas. Esta é a razão pela qual, verificando o juiz a ausência de parte obrigatória, limita-se a ordenar ao autor que manifeste sua vontade de trazer o preterido ao processo, promovendo sua citação (art. 115, parágrafo único). Conforme já se assinalou, “o juiz não cita ninguém, mas cria para o autor o ônus de fazê-lo, sem o qual ele não julgará o mérito” (rectius: sem o atendimento da sua determinação e a citação dos litisconsortes preteridos).185 Como quer que seja, a teor do art. 16, a legitimidade concerne às duas partes, porque elas praticam os atos postulatórios.186 O desenvolvimento ulterior do processo depende de o autor e o réu exibirem idêntica capacidade para conduzir o processo,187 obviamente em posições invertidas. O juiz poderá extinguir o processo, na forma do art. 485, VI, verificando ou a ilegitimidade ativa ou a ilegitimidade passiva (e, mais raramente, ambas, a chamada ilegitimidade recíproca).188 A casuística da ilegitimidade se mostra amplíssima e inexaurível. Calha, porém, uma observação: a ilegitimidade manifesta que autoriza o indeferimento da petição inicial (art. 330, II) é a do autor, porque a do réu, inicialmente indicado, pode ser corrigida na emenda à inicial (art. 321, caput), mediante a simples troca de réu e a indicação da pessoa correta. Posteriormente, por iniciativa do réu na contestação, o vício também comportará correção (arts. 338 e 339), procedendo-se ao câmbio de réu, suportando o autor os ônus da sucumbência (art. 338, parágrafo único). Ao pronunciar-se sobre a legitimidade, o órgão judicial examina uma questão prévia ao mérito. Por exemplo, se A pretende declarar a inexistência de relação avoenga perante B, e o órgão judicial entende que não lhe cabe postular provimento desse teor, porque implicaria negar a paternidade de C, que é seu filho, seguramente não se manifesta acerca da questão de fato capital – B é, ou não, neto de A, porque filho de C. Em outras palavras, não se pronuncia sobre o mérito;189a rigor, não se pronuncia sobre todo o mérito. 225.3. Interesse processual – As partes necessitam de interesse (e legitimidade) para praticar atos postulatórios, segundo o art. 16 do NCPC. A simplicidade dessa proposição normativa afigura-se enganosa. O dispositivo suscita problemas teóricos de primeira grandeza. 225.3.1. Designação apropriada do interesse processual – O art. 16 do NCPC alude, tout court, a “interesse”. Os art. 337, XI, e 485, VI, adjetivam esse interesse, presumivelmente para separá-lo do interesse substancial (v.g., o interesse do proprietário de exercer os poderes intrínsecos ao domínio),
chamando-o de interesse processual. Esta é terminologia correta da categoria.190 A expressão “interesse de agir” (interesse ad agire) origina-se do direito italiano.191 Não tem pertinência no direito brasileiro, pois os textos legislativos não a empregam. Nada obstante seu uso corrente,192 presta-se a equívocos, convindo evitá-la a bem da precisão. 225.3.2. Função do interesse processual – Depreende-se do art. 16 do CPC que o interesse erige-se, outra vez, condição bilateral da ação correspondente ao direito à tutela jurídica: a falta de interesse do autor ou do réu provocará a extinção do processo sem resolução do mérito. O órgão judiciário não chegará a julgar todo o mérito, outorgando o bem da vida almejado pelo autor. E, aí, a função emprestada ao interesse processual já exige o primeiro reparo, pois não condiciona, absolutamente, a ação. Segundo a teoria eclética, sem interesse processual inexistirá ação, acompanhando a fórmula francesa: “Pas d’intérêt, pás d’action”.193 Não é o que ocorre na realidade. Formou-se a relação processual, porque o autor exerceu, legítima e eficazmente, a pretensão à tutela jurídica do Estado, a qual corresponde ação, e o pronunciamento do órgão judiciário que repelir a pretensão do autor perante o réu, porque inadmissível ou infundada (julgamento prévio de mérito), assumirá irretorquível natureza jurisdicional. A falta de interesse impede o julgamento de (todo) mérito. Nada mais. É mais consentâneo localizar o interesse no conjunto das condições que habilitam a prestar tutela jurisdicional.194 Por outro lado, a bilateralidade imposta ao interesse processual no art. 16 do CPC não é bem exata. Enquanto o autor agiu em juízo porque quis, o réu assumirá o ônus de reagir, embora não o queira, porque a iniciativa do autor arrasta-o compulsoriamente para o processo. O interesse em contestar decorre simplesmente da posição de parte passiva. A bilateralidade a que alude o art. 16 respeita à legitimidade (ordinária ou extraordinária) e, não, ao interesse processual. O réu sempre ostentará um interesse: o interesse de preservar o status quo, ou negar o bem da vida pretendido pelo autor, independentemente dessa situação de fato ou de direito corresponder, ou não, ao direito. 225.3.3.Caracterização do interesse processual – O art. 2.º do CPC de 1939 reclamava, para funções similares, “legítimo interesse, econômico ou moral”.195Fórmula analítica, ecoava o art. 76 do CC de 1917, todavia regra sem correspondência no CC em vigor, e, assim, suprimiu-se a possível relação desses predicados com a teoria civilista da ação (retro, 221.1).196 À luz desse texto, a doutrina brasileira invocava dois vetores excludentes para elucidar interesse do autor: (a) a necessidade da tutela judiciária;197 ou, inversamente, (b) a utilidade que resultaria da postulação em juízo.198 Essa última concepção parece mais liberal, pois “tudo que é necessário é útil, mas nem tudo que é útil é necessário”.199 O elemento utilidade inserido no conceito de interesse processual, conforme a amplitude conferida ao que seja ou não útil à composição da lide, paradoxalmente restringiria o ingresso em juízo. Ao reclamar do futuro
pronunciamento judicial a aptidão para extinguir a lide,200 porquanto apenas pronunciamentos desse teor se mostram efetivamente úteis aos escopos da jurisdição, a utilidade delimitaria e condicionaria as opões do autor na escolha do meio de tutela. Por exemplo, violado o direito, semelhante entendimento impediria o autor de pedir simplesmente a declaração da relação jurídica, em lugar da condenação, desde logo, do réu. É que, havendo violação do direito, só a condenação, que pressupõe a declaração, encerraria o litígio;201 ao contrário, a declaração importaria, no caso de recalcitrância do vencido, a eventual instauração de um segundo processo. Por óbvio, constitui demasia emprestar essa função à utilidade e, de resto, o resultado não se harmoniza com a sistemática legal. E, realmente, o art. 20 autorizou o pedido de simples declaração, embora já ocorrida a violação do direito, razão por que o autor tem interesse processual em casos tais. Reproduzida do direito anterior, a disposição encerra as divergências a respeito do tópico.202 E dela se infere, ainda, nítida opção pela corrente que identifica o interesse à necessidade da via judicial para obter certo bem da vida. Era o que preconizava o autor do anteprojeto que gerou o CPC de 1973.203 Não se mostra lícito pré-excluir o interesse a determinada providência judicial ainda que ostente menor importância ou alcance mais reduzido que outra qualquer.204Não se cuida, evidentemente, de exceção à regra geral, conforme alguns preconizam,205 mas de solução explícita a um problema concreto, apesar de criticável.206 Evoluiu a doutrina contemporânea, como sói ocorrer nas crises mais agudas, no rumo de noção sincrética de interesse processual. De acordo com essa proposição, o interesse processual pretende-se tanto à necessidade do processo, sem o qual o autor não logrará o bem da vida pretendido, quanto à aptidão do provimento pleiteado para concedê-lo.207 Não raro se alude à adequação, mas com a ressalva que a via inadequada demonstra a inutilidade do provimento.208 É uma solução bem flexível. E adaptável, ainda, à causa de pedir “aberta”.209 Leva na devida consideração o bem da vida almejado e não se sobrepõe às opções da parte. O interesse se baseia nas peculiaridades do direito material.210 Todavia, não se refere ao bem da vida pretendido pelo autor, mas à providência jurisdicional empregada para atingi-lo.211 Por exemplo, o autor pode pretender certeza quanto à existência do seu crédito e sua exequibilidade – efeito da declaração –, porque antecipa a controvérsia do réu a respeito desses pontos, e, mesmo já dispondo de título executivo extrajudicial, optar pela condenação do réu (art. 785),212 abrindo espaço à plena defesa do réu. Em todos esses casos, há o proveito, a utilidade e a vantagem próprios do interesse processual.213 O provimento judicial melhorará a situação jurídica do demandante. 225.3.4. Definição de interesse processual – O interesse processual traduz a oportunidade atual e concreta de o autor formular a pretensão processual perante a autoridade judiciária e, no caso de acolhimento do pedido, obter a vantagem, o proveito ou a utilidade que lhe corresponde no plano substancial. 225.3.5. Aplicações do interesse processual – A pretensão à declaração produziu problema clássico na aplicação do interesse processual. Ela põe à
prova a noção corrente dessa questão prévia como oportunidade de postular em juízo. À luz do disposto no art. 16 do NCPC, mostra-se desnecessário criar ou configurar uma noção de interesse privativa da ação declaratória.214 Cumpre “identificar, em cada caso, a existência do interesse processual tout court”.215 Não é satisfatório relacionar a declaração com o estado de dúvida, ou de incerteza, da pessoa que ingressa em juízo.216 Essa criticável orientação surgiu na doutrina italiana,217 não sem contestações.218 E isso, porque jamais se cuidará de um dado objetivo, haurido do objeto litigioso, mas subjetivo, e o estado de espírito do autor não constitui elemento idôneo a substituir a noção unívoca de interesse processual.219 Atenta contra a boa lógica aludir a “dúvida objetiva” e a outras expressões análogas. O autor procura, através da declaração, o efeito jurídico da certeza perante o adversário, outorgada pela autoridade de coisa julgada, e, não, eliminar o seu próprio estado psicológico.220 A certeza constitui, de per si, “uma vantagem e também um bem digno de tutela pelo direito”.221 Nessas condições, concebe-se o pedido de declaração anterior ao nascimento da relação jurídica,222 ou sobre os efeitos presentes de relação jurídica pretérita,223mostrando-se útil ou necessário esse efeito no caso concreto. Relativamente à relação jurídica futura, a hipotética controvérsia há de situar em momento não muito distante.224 Entendimento haurido do § 256 da ZPO alemã, significa que, se há interesse, ele é imediato. A esse propósito, convence a seguinte ponderação: “ou a declaração já interessa ao autor, e neste caso obviamente lhe interessa desde logo, tão cedo quanto possível, ou ainda não lhe interessa, embora possa vir a interessar-lhe, eventualmente, algum dia, e neste caso o que o falta, o que inexiste (ao menos por ora), não é o requisito do interesse numa declaração imediata, senão que, pura e simplesmente, o interesse na declaração”.225 O princípio da economia funciona na espécie, porque inadmissível alguém deduzir em juízo demanda inútil,226 perseguindo utopias.227 Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença”.228 Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro.229 É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ,230 que assentou: “Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto”. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual.231 Também as ações constitutivas necessárias provocam alguma tensão no quesito do interesse. Nessas situações, a exemplo da interdição da pessoa, o bem da vida escapa à autonomia privada dos interessados. Só a autoridade
judiciária pode criar o estado jurídico novo que deflui da perda da capacidade civil. O componente da necessidade encontra-se sempre subentendido no socorro à via judicial.232 225.3.6. Momento da caracterização do interesse processual – O art. 15 do NCPC, explicitando a necessidade de interesse processual na prática dos atos postulatórios, incluindo os principais (petição inicial e contestação), também assinala o momento da respectiva caracterização. E, realmente, faltando interesse processual ao autor, a demanda nem sequer ultrapassará o juízo de admissibilidade, cabendo ao juiz indeferir a petição inicial, a teor do art. 330, III (infra, 1.536.3). Desse modo, não há dúvida em que momento, etapa ou fase processual o juiz avaliará a existência, ou não, do interesse processual do autor: ao primeiro contato com a inicial. Não é exato que o interesse processual só deva existir na sentença.233 Representa flagrante contradição admitir que o processo se desenvolva até a oportunidade de o juiz julgar a causa sem “condição” imprescindível à própria constituição legítima da relação processual. Felizmente, o art. 330, III, preservou a coerência do sistema. Acontece o (a) desaparecimento do interesse processual – tópico amplamente tratado na doutrina alemã sob a designação de Erledigung der Hauptsache -,234esvaziando a pretensão processual; e o (b) surgimento do interesse em ocasiões posteriores às previstas no art. 16 do NCPC. O art. 493 autoriza o juiz a conhecer, ex officio, os fatos supervenientes. Tais fatos talvez respeitem ao interesse processual, implicando o respectivo desaparecimento ou nascimento. Ora, no caso de nascimento ulterior do interesse processual, embora seja possível recepcioná-lo, na verdade ocorreu descuido do órgão judiciário no controle desse tópico. Não cabe generalizar e transformar a desatenção em regra. A simples possibilidade de o interesse processual surgir no curso do processo já revela, entretanto, que não constitui “condição” da ação que toca ao direito de tutela jurídica do Estado, e, conseguintemente, da instauração do processo e do exercício da atividade jurisdicional.235 225.3.7. Consequências do interesse processual – O interesse processual integra a causa de pedir (infra, 247.3), É uma questão do mérito, mas não todo o mérito. O sistema da lei processual qualificou, nada obstante, o pronunciamento judicial fundado na falta de interesse como hipótese de emissão de sentença terminativa (art. 485, VI). O juiz ingressa no mérito, mas encerra seu juízo nessa questão prévia, deixando de examinar o restante do objeto litigioso, impedido de conceder o autor o bem da vida pretendido. Por exemplo, A deduz pretensão condenatória contra B antes de a dívida se tornar exigível, e, por essa razão, o juiz extingue o processo. Em tal contingência, o órgão judiciário nada dispõe quanto à existência da dívida, porque desnecessário, limitando-se a proclamar que ela é (ainda) inexigível. E o autor precipitado, desde que tornada exigível a mesma dúvida, poderá pleitear outra vez o crédito. A extinção do processo sem resolução do mérito, ante a falta de interesse processual, encampa solução pragmática. Ela dissipa a dúvida do autor quanto à possibilidade de renovação da demanda nos casos de emissão de
sentença terminativa (art. 486, caput), uma vez sobrevindo a oportunidade adequada para postular em juízo. É evidente que, perante o fato superveniente, a causa de pedir jamais se mostraria idêntica à primeira, desaparecendo, assim, eventual óbice proveniente da autoridade da coisa julgada. Porém, ao explicitar que o não julga o mérito, ao reconhecer a inexistência do interesse processual, em lugar da solução tecnicamente escorreita, mas complexa e menos compreensível, a lei optou por cercear controvérsias estéreis, declarando que o julgamento não versou o mérito. Também se percebe que a correção do vício, exigida no art. 486, § 1.º, incluindo o caso do art. 485, VI, ou é impossível (v.g., no caso da objeção de coisa julgada), ou é redundante, porque o vencimento da dívida, no caso da pretensão a executar, altera a causa petendi. Por outro lado, presente o interesse processual, o juiz habilita-se a proferir sentença de mérito, acolhendo ou rejeitando o pedido do autor ou o do réu, ou reconhecendo, de ofício ou a pedido das partes, a ocorrência prescrição ou decadência (art. 487, I e II). 226. Momento e forma do controle das condições da ação A alegação da ausência de uma, ou de todas as condições da ação, darse-á na contestação. Em tal, essas matérias aproveitam o réu. O princípio da eventualidade, segundo o qual incumbe ao réu expor todas as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor (art. 336), e a previsão do art. 337, XI, obrigam o réu a se manifestar na defesa. Deixando de fazê-lo nessa primeira oportunidade, perante o órgão judiciário de primeiro grau, o réu responderá pela prática de atos supérfluos.236 Porém, não há preclusão. O art. 342, II, permite a arguição, a qualquer tempo, a matéria que competir ao juiz conhecer ex officio. Tratando-se da falta de condição da ação, conforme assinalado, a pena para alegação tardia consiste na responsabilidade pelas despesas geradas pelo retardamento. Resulta dos arts. 337, § 6.º, e 485, § 3.º, a possibilidade de o juiz controlar, ex officio, as condições da ação (legitimidade e interesse jurídico). A possibilidade jurídica do pedido integra o julgamento e não exige destaque a respeito. A alegação das partes é supletiva ao controle oficial. Esse poder do órgão judiciário suscita dois pontos: (a) o momento do exame judicial; e (b) as condições da verificação oficial. As disposições referidas autorizam o controle oficial “em qualquer tempo e grau de jurisdição”. E acrescenta o art. 485, § 5.º: “enquanto não ocorrer o trânsito em julgado”. Essa fórmula significa que as questões atinentes à possibilidade jurídica (mais raramente), à legitimidade das partes (mais frequentemente) e ao interesse, caso não sejam percebidas de saída, ou corretamente resolvidas no primeiro momento, comportam controle ulterior, na sentença ou na apelação aviada contra tal ato decisório.237 Não há, absolutamente inexiste preclusão desses poderes do órgão judiciário. Concebe-se que, admitida a inicial provisoriamente, a resposta do réu e o diálogo posterior das partes – o autor há de ser ouvido, previamente, acerca da arguição, no prazo de quinze dias, a teor do art. 351 – provoquem, enfim, a resolução extintiva do juiz (art. 354, caput). Por sinal, o art. 351, in fine, contempla a produção de prova acerca de todas as questões preliminares arguidas, na forma do art. 337. A necessidade de instrução probatória, quanto
à legitimidade, por exemplo, não fica peremptoriamente excluída; em geral, porém, cuida-se de fato assente. Convém ao órgão judiciário realizar o controle, em que pesem as árduas condições do seu trabalho diuturno, ante a quantidade de feitos levados à sua apreciação na maioria das varas, desde o primeiro momento. Em tal contingência, o órgão judiciário avaliará tais questões como apresentadas pelo autor na inicial (in status assertionis). Nada obstante, a questão pode surgir posteriormente. Por exemplo, lícito se afigura ao réu inovar na apelação e o órgão ad quem, reconhecendo sua ilegitimidade, prover o recurso com base neste fundamento. Também se insere no efeito devolutivo da apelação, aviada contra sentença de meritis, a problemática das condições da ação. O provimento de primeiro grau pode ser mantido, desprovendo o tribunal a apelação, baseado nessa questão, logicamente antecedente às demais questões de fundo. O entendimento prevalecente pré-exclui esse exame, originariamente, no recurso extraordinário e no especial,238 por falta de prequestionamento. 226.1. Surgimento posterior das condições da ação – É possível as condições da ação, eventualmente ausentes no momento da formação do processo, surgirem no curso do processo, verificando o juiz o respectivo preenchimento por ocasião do julgamento do mérito.239 O processo civil brasileiro, de acordo com o art. 493, não é infenso ao direito e aos fatos supervenientes, conhecíveis de ofício após prévio debate (art. 493, parágrafo único). Por exemplo, na ação em que o participante A controverte a legalidade da prova X do concurso público realizado pelo réu B, na qual foi reprovado, mas participa da prova Y por força de tutela provisória, o réu alega reprovação nesta etapa ou o órgão judiciário verifica tal fato, consultando a lista dos habilitados na prova Y. O assunto merecerá maiores desenvolvimentos no item próprio (infra, 1.618). Por enquanto, impede ressaltar a influência do princípio da economia nessa disposição,240 relativamente às condições da ação. Eventual sentença terminativa, apesar da superveniência do fato caracterizador do interesse processual, por exemplo, só constrangeria o autor a renovar o pedido, num segundo processo (art. 486, caput, e § 1.º), implicando perda de tempo, acréscimo de despesas e – do ponto de vista da administração da justiça – a duplicação desnecessária de processos.241 O interesse não é a única condição da ação que se convola no curso do processo. Também a legitimidade242 e a impossibilidade do pedido sujeitam-se a esse regime. Exemplo eloquente, neste último caso, resultou do advento da Lei 7.250/1984, permitido o reconhecimento do filho havido fora do matrimônio pelo cônjuge separado de fato há mais de cinco anos, questão hoje superada pelo princípio da igualdade da filiação (art. 227, § 6.º, da CF/1988). O STJ recepcionou o direito superveniente e ordenou a averbação do registro.243 Em outro caso, considerando a incidência da lei nova nas relações continuativas, o STJ recepcionou a redução do prazo de cinco anos para o locador rever o valor do aluguel, constante do art. 49, § 5.º, da Lei 6.649/1979, transformado em três anos pelo art. 17, § 1.º, da Lei 8.178/1991, pois, rejeitada a demanda,
poderia o autor “ajuizar outra com pedido idêntico e com idêntica fundamentação”.244 226.2. Desaparecimento posterior das condições da ação – Posteriormente à formação do processo, o interesse processual pode desaparecer, o que acontece com frequência. Às vezes, a recepção do fato superveniente constitui imperativo da natureza das coisas.245 Por exemplo, a morte do cônjuge, no curso do processo de separação, fato que rompe o vínculo matrimonial e, de resto, a ação se mostra intransmissível. O fato e o direito superveniente nem sempre favorecem ao autor. O art. 493 admite a alegação e a recepção fatos modificativos e extintivos. O evento mais típico do fenômeno da cessação da lide, amenizando a insensibilidade original do processo aos acontecimentos desfavoráveis ao autor, consiste no desaparecimento do interesse processual. Em tal hipótese, diz-se que o processo perdeu o objeto ou, mais simplesmente – no jargão nacional – encontra-se “prejudicado”. Em tal caso, a análise do mérito transformar-se-ia em simples resposta teórica,246 sem relevo prático. Por exemplo, impetrado mandado de segurança para suspender a licitação, a administração decide revogar o edital, encerrando o certame. A prestação judicial reclamada tornouse inútil. Essa questão assumiu proporções espetaculares com a possibilidade de o órgão judiciário conceder tutela provisória antecipada Ocorrida lesão irreparável, que o autor buscava erradicar, ou satisfeito o direito posto em causa, por intermédio do cumprimento espontâneo da decisão antecipatória, poder-se-ia imaginar eliminado o interesse no julgamento do mérito. Todavia, nesses casos a declaração ou não do direito litigioso apresenta consequências práticas relevantes, como o dever de indenizar (art. 302, caput). Por exemplo, a nomeação e posse no cargo do candidato, reprovado em etapa do concurso, por força de liminar, não implica a extinção do processo, sob o fundamento do desaparecimento do interesse, porque só a resolução da legalidade do exame confere certeza e o direito à investidura no cargo.247 § 55.º Classificação das ações 227. Objeto da classificação das ações Por intermédio do processo, o autor almeja alcançar determinado bem da vida (ou proveito, ou vantagem ou benefício), assegurado pela ordem jurídica, que o veto à justiça privada (ou autotutela) impediu-o de empalmar diretamente. Para tal finalidade, o provimento judicial, ao acolher o seu pedido, produzirá alguns efeitos perante o réu, consoante o direito material alegado, revestindo-os, ademais, da autoridade do Estado. Um dos aspectos mais frisantes dessa autoridade é a eficácia de coisa julgada (retro, 175.2). É evidente, por um lado, que a pretensão do autor, trazida do direito material para o processo, haja vista a lide, transfigura-se em realidade distinta. A doutrina alemã designa a pretensão inserida no processo de prozessualer Anspruch, que constitui o objeto sobre o qual versa o litígio das partes, ou objeto litigioso (Streitgegenstand), noções perfeitamente intercambiáveis.248 A noção de objeto litigioso, ou de mérito, constitui o
“verdadeiro centro ao qual converge a disciplina de inúmeros institutos processuais” – cumulação de ações, modificação da demanda, coisa julgada e litispendência –,249 e ensejou, na doutrina alemã, várias teorias. Essa discrepância entre a hipotética incidência, no plano processual, e a futura aplicação, no plano processual, desde logo transfigurados os eventos e as condutas (fatos jurídicos alegados) na pretensão processual deduzida pelo autor, imprimiu sua marca, acudindo à imaginação da doutrina e do legislador. Parece natural distinguir (a) o objeto material (sachlicher Streitgegenstand) do processo, ou mérito, e (b) o objeto formal (prozessualer 250 Streitgegenstand). Essas duas esferas de cognição do órgão judicial abrangem questões de natureza distinta e, ademais, reguladas por princípios antagônicos, pois o objeto material subordina-se à iniciativa das partes (princípio dispositivo) e o objeto formal à apreciação, ex officio, do juiz (princípio inquisitório). O objeto formal reúne o conjunto de questões versadas sob o rótulo de condições da ação (retro, 224) e de pressupostos processuais (retro, 97). Um dado legislativo expressivo conforma a distinção. O sistema processual brasileiro distingue o conteúdo da sentença, ou a resposta do órgão judiciário à pretensão do autor, enunciado os casos em que há resolução do mérito ou não. No primeiro caso, previsto no art. 487, há sentença definitiva; no segundo, contemplado no art. 485, sentença terminativa (infra, 1.581.1). O conteúdo da resolução judicial estabelece os casos em que a sentença adquirirá a autoridade de coisa julgada (art. 502). A unificação do recurso próprio contra ambas as espécies de sentença (a apelação, a teor do art. 1.009, caput), no direito anterior, repeliu outra possível utilidade dessa técnica legislativa. No sistema recursal do CPC de 1939, o recurso próprio contra sentenças terminativas era o agravo de petição, gerando controvérsias em determinadas situações (v.g., nas condições da ação, porque autorizada doutrina as situava no mérito),251 cabendo apelação contra as sentenças definitivas. A unificação do recurso resolveu a área de indefinição. No entanto, há outro efeito dessa sistemática: a extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 316 c/c art. 485) separou, ademais, o objeto processual do objeto material.252 O direito brasileiro optou pela noção de ação como objeto (material) do processo, consoante se observa no art. 337, § 2.º, do CPC. Tal regra separa, pertinentemente, determinado processo dos seus congêneres, utilizando os três elementos (as partes, a causa e o pedido). A irretorquível, flexível e convidativa opção legislativa torna desinteressantes divagações acerca do mérito ou objeto litigioso (Streitgegenstand). Em sistemas jurídicos permeados pela ação, facilmente compreende-se a constituição do objeto litigioso.253 Inexistem, entre nós, as imprecisões, de lege lata, em torno do conceito de pretensão (Anspruch) e da sua transfiguração no plano processual (prozessualer Anspruch). Ao contrário, o objeto material do processo é precisamente indicado no art. 337, § 2.º, restando individualizar esses elementos, no item concernente à identificação das ações (infra, 327). Todavia, antes de identificar a ação por seus elementos, impõe-se classificá-la.
227.1. Equivalência da classificação das ações e das sentenças – É indiferente classificar ações ou sentenças. O conteúdo da demanda corresponderá, ante o princípio da congruência, ou o da adstrição do juiz à ação da parte, ao da sentença de procedência. Do ponto de mista material, com efeito, os limites instituídos pela demanda do autor obrigam o órgão judiciário, que se encontra impedido de proferir um provimento além, aquém ou fora do mérito, conforme estipulam os arts. 141 e 492, caput. E isto se deve a outro princípio, o da demanda, expresso no art. 2.º, que atribui ao autor a iniciativa de formar o processo, e, conseguintemente, o de delimitar o mérito, eventualmente aumentado pelo réu através da defesa de mérito indireta (exceção e objeção substanciais) e da formulação de pedido próprio (reconvenção). Ao se classificar ações e sentenças troca-se, simplesmente, de ângulo: cuidando das espécies de ação, sopesa-se o conteúdo da demanda no seu início; aludindo à classificação das sentenças, avalia-se o acolhimento da demanda, o término da função processual. Esse duplo aspecto da questão traz uma consequência expressiva. Na abertura do processo, ponderar-se-á a ação alegada; ao final, surgirá a ação acolhida, declarado existente o direito do autor. A classificação das sentenças abrangerá as ações deduzidas e procedentes. É curial que, no juízo de improcedência, não competia ao autor nenhum direito, e, logo, ação (= pretensão processual).254 A sentença de improcedência exibirá sempre natureza declaratória da inexistência do direito alegado pelo autor.255 227.2. Critérios de classificação das ações – As ações alegadas pelo autor no processo comportam classificação por inúmeros e discrepantes critérios. Não há vantagens em substituir “ação” por “razão” para essa finalidade.256 Os antigos representantes da melhor cepa da processualística lusobrasileira, já advertindo a utilidade de conhecer as “não menos pelos nomes que pelos efeitos”,257 reunidas em base objetiva, subjetiva ou formal, as ações se dividiam em reais (in rem) e pessoais (in personam),258 mistas, penais, reipersecutórias, (in) transmissíveis, (im)prescritíveis, sumárias e 259 260 ordinárias. A enumeração mantémse em outros ordenamentos. Evolução natural, provocada pelos estudos pioneiros no terreno da ciência processual na primeira metade do século passado, paulatinamente divulgados e aceitos, consagrou a classificação fundada na eficácia do ato jurisdicional; todavia, não sem resistências serôdias e dignas de registro.261 Em contrapartida, incorreu-se no exagero de reputá-la “a única classificação legítima e importante”.262 Do primitivo agrupamento das ações em declaratórias e condenatórias, passou-se, graças à identificação dos direitos formativos, à classe das constitutivas.263 Posteriormente, a ação mandamental surgiu como natural emanação dos poderes de imperium do órgão judiciário, à qual se juntou a ação executiva. Nada obstante semelhante repartição, inspirada na “espécie e natureza” da tutela prestada pelo órgão jurisdicional,264 os outros critérios classificatórios, baseados em particularidades outras do objeto litigioso, permaneceram incólumes e valiosos. O art. 46, caput, emprega a natureza
pessoal da pretensão, a fim de fixar a competência no território, e o faz fitando a conveniência das partes. O prazo de prescrição das ações pessoais e reais varia, e, portanto, interessa distingui-las para esse efeito.265 Tampouco se excluem, a priori, outros dados (v.g., direitos potestativos e direitos à prestação).266 É atitude própria à racionalidade da pessoa humana forjar distinções. Essas variações, todavia, hoje em nada auxiliam à exata compreensão da matéria.267 Elevada a tema central do processo civil, até a parte final do século XX, a teoria das ações ensejou, realmente, a radical “mudança de tratamento dado ao processo”,268 derrotando o método gasto dos antigos processualistas. Também não se deve olvidar que o festejado sistema enaltece, e a todos põe de sobreaviso quanto a desvios e incorreções de rumo, a correspondência imprescindível do binômio direito material e processo, que governa a efetividade do controle judiciário e da realização do direito objetivo. E, de fato, a classificação considera dados hauridos do direito material – da “ação” material, portanto: o agir que o veto à autotutela impôs que o titular do direito veiculasse no processo.269 É preciso evitar a tentação de reduzir o fenômeno jurídico ao processo, olvidando que ele serve ao direito material. 227.3. Funções do processo e classificação das ações – A classificação das ações pela força e pelos efeitos explica a função instrumental de cada processo. Não é nessa função, porém, que repousa o critério da força e dos efeitos. Há casos em que predomina a função de conhecimento, porque do órgão judiciário o autor almeja, fundamentalmente, a formulação da regra jurídica concreta, e o provimento já lhe entrega o efeito pretendido. Em outros casos, porém, a pretensão do autor exige a realização de atos materiais, conformando o mundo real à regra jurídica concreta, quer para satisfazer o direito reconhecido no provimento, quer para assegurá-lo. Constituirá erro, do ponto de vista dessa classificação, misturar funções do processo (cognição, execução e cautelar) com a ação. Não há ações de “cognição”,270 mas cognição e execução, ou simples segurança, conforme a força e efeito da ação deduzida no processo. 228. Eficácia principal e eficácias secundárias da ação Nenhuma ação nasce pura no plano da eficácia. Na realidade, trata-se de um conjunto de eficácias, de peso discrepante. A classificação segundo a eficácia considera, em primeiro lugar, a eficácia principal, sem embargo da presença de outras eficácias no mesmo ato, que para efeitos classificatórios decompõe-se com a luz no espectro. Essa perspectiva revolucionária rompeu com os critérios de gênero e de espécie.271 Ensejou a quantificação das ações, distribuindo valor a cada eficácia, numa constante de força quinze.272 Esse último aspecto até hoje é de difícil compreensão.273 Nem por isso é menos real.274 A contribuição desse último subsídio à ciência do processo é bem maior do que o do simples alargamento da fenomenologia das ações. O efeito mandamental e o executivo despertaram maior celeuma, mas eram
conhecidas, porque derivadas do dinamismo do direito material, bastando enunciá-las claramente. A existência de mais de uma eficácia no mesmo provimento é um achado de alto merecimento e crédito. Tão cediça se tornou a combinação de eficácias, surtindo efeitos diferentes, que poucos se forram de adotá-la. Embora apegados à vencida divisão simples dos julgamentos em declaratórios e constitutivos, os doutrinadores franceses identificam na sentença duplo efeito, “porque o juiz deve constatar a existência da pressuposição da norma aplicável à situação de fato que lhe é submetida (qualificação), e depois lhe aplicar o efeito jurídico (sanção)”, variando, todavia, a importância do elemento declaratório e do constitutivo conforme cada hipótese.275 Fácil é decompor a sentença de despejo, por exemplo, e comprovar, na prática, a asserção básica. Ela comanda, preponderantemente, a restituição do bem locado (eficácia principal: executiva); dissolve o contrato (eficácia imediata: constitutiva); declara o direito do autor à retomada do bem objeto da locação (eficácia mediata: declarativa); e, averbado o contrato no cartapácio real, manda cancelar o registro (eficácia mandamental). Mais difícil se revela em todos os casos localizar as cinco eficácias. Nesse ponto, há um certo pendor a modelos algébricos, todavia prescindíveis sem a perda da essência do fenômeno da multiplicidade de efeitos.276 O óbice não invalida, porém, a tese central: dentro do mesmo provimento convivem mais de uma eficácia. Tais considerações permitem avaliar, na sequência, as classes de ações do ponto de vista da satisfação que, porventura, conferem ao seu titular. 229. Satisfação decorrente da eficácia da sentença A classificação das ações e das sentenças abrange cinco classes autônomas: declarativa, condenatória, constitutiva, executiva e mandamental. Essa classificação não usufrui de aceitação e prestígio universais. Largamente, prepondera a estreita e indébita limitação das eficácias sentenciais às três primeiras.277 Nada obstante, o quíntuplo desdobramento da fenomenologia das eficácias identificáveis nos provimentos jurisdicionais corresponde ao estágio atual do processo civil. Exceção feita à hipótese de se pretender confundir função e estrutura no contexto da atividade jurisdicional, as ações executivas e mandamentais, outrora renegadas, lograram o sólido reconhecimento de sua autonomia. A classificação que distingue cinco forças diferentes no provimento judicial se impôs no plano legislativo com o advento do art. 14, V, do CPC de 1973.278 Limitando-se às categorias tradicionais a força da sentença, graves consequências se produzem, distorcendo o âmbito exato da função executiva. Por exemplo, reputada condenatória a ação de imissão de posse, a adequação prática ao comando sentencial se subordinaria ao modelo comum, mas a pretensão a executar nasceria do efeito (executivo) da condenação; no entanto, a carga da imissão de posse já é executiva (o ato executivo recai sobre bem integrante do patrimônio do vitorioso). Por essa razão, os atos de cumprimento da regra jurídica concreta, resultante da sentença, já se exauriam dentro da própria relação processual pendente. E isso, antes e
independentemente da reforma atinente ao cumprimento da sentença, prescindindo do ajuizamento de nova demanda.279 É digno de registro que, no direito anterior, o cumprimento da sentença proferida na imissão da posse reduzir-se-ia, segundo a concepção então dominante, à fórmula da condenação, “quer se trate de ação real ou pessoal, de ação petitória ou possessória”.280 Felizmente, o infausto e errôneo alvitre não empolgou a jurisprudência pátria. A evolução legislativa ulterior autorizou a execução das decisões judiciais, independentemente do conteúdo, in simultaneo processu. É o sistema preconizado no art. 513, caput, do NCPC. Qualquer que seja o momento da execução, porém, antecipada ou diferida, o meio executório – desapossamento e coerção patrimonial – mostrarse-á idêntico e suscitará, por conseguinte, análogos problemas na sua realização prática, nos casos versados, e independentemente da natureza do título executivo. Em realidade, a classificação quíntupla das forças sentenciais resolve de modo conveniente e seguro o delicado problema da natureza das ações. Ordinariamente, identificar a carga de certa sentença constitui tarefa penosa e perturbadora para os mais atilados espíritos. Os dissabores dessa empreitada, às vezes inevitável,281dissipam-se através da disciplina aqui defendida. Feitas essas considerações, abre-se caminho para inquérito doravante realizado. Quer sejam cinco, quer se limitem às três eficácias tradicionais, impende estabelecer qual grau de satisfação do interesse trazido a juízo obterá o demandante com cada eficácia possível do pronunciamento. É preciso reter que “toda sentença exige alguma forma de cumprimento, ou não é uma sentença”.282 A questão proposta assume maior importância, como se percebe na doutrina alemã recente,283 para quadrar o âmbito de aplicação do art. 513, caput. E, posta a questão nesses termos, é totalmente inexato afirmar que a execução, in simultaneo processu, alterou o esquema classificatório. Ele jamais se baseou na necessidade, ou não, de execução autônoma.284 § 56.º Força das ações 230. Classificação segundo as eficácias da ação material De acordo com a eficácia da pretensão deduzida no processo, que se origina da ação material, impedida de realizar-se no plano do direito material, em razão do veto à justiça privada, há cinco classes autônomas: (a) declarativa; (b) constitutiva; (c) condenatória; (d) executiva; (e) mandamental. É preciso ter em mente que na sentença coexistirão, com importância diferente, essas forças, uma das quais surge como predominante. O exame e a reunião das ações, consoante a eficácia, põe em relevo o objeto litigioso, ou mérito, e reproduz a exata “efetividade” do provimento jurisdicional.
Com efeito, vinculando a demanda, perante o réu, a alegada ação material do autor, a classificação que leva em conta o seu conteúdo, ou objeto litigioso inserido no processo, é tão material quanto a que separa as ações em reais e pessoais. A sentença de procedência, acolhendo o pedido formulado, produzirá a eficácia ínsita à ação material, ou seja, o ato estatal concederá ao autor a vantagem, o proveito ou utilidade que, originariamente, o titular do direito obteria por intermédio do agir privado. O fundamento dessa classificação repousa, firmemente, no direito material.285 Essa premissa já se encontrava posta nas construções iniciais, cogitando dos efeitos da sentença de procedência (v.g., o estado jurídico novo proveniente da ação de separação) no plano substancial. A ação de direito material constitui o indispensável liame entre processo e direito material. O autor deduz a ação material no processo, almejando determinados efeitos perante o réu, e essa contingência a transforma na pretensão processual, ou objeto litigioso, exigindo que os atos seriais do procedimento se adaptem às suas forças específicas. A ação de direito material “recupera o direito material em suas características e necessidades, impõe sua realização pelo modo como ele se manifesta dinamicamente, na realidade, fundamentando e legitimando democraticamente a construção de tutelas diferenciadas para diferentes direitos”,286 o que decorre, por si só, da exata identificação das forças de cada ação material. 231. Ação declarativa Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC.287 Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, “o modo de ser de uma relação jurídica”. Na ação declarativa, ignora-se “outra eficácia relevante que a de coisa julgada material”.288 Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza.289 O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença. Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo.290 O provimento declaratório tem nítido caráter “prescritivo”.291 A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, “independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar”.292
Como se infere do exemplo, a prescrição de conduta independe de qualquer realização do comando da sentença no mundo real. Da sentença declaratória, portanto, não nasce efeito executivo.293 Talvez melhor se explicasse a particularidade considerando que o modelo de adequação, porventura originado da certeza obtida, decorre “apenas da palavra do juiz”.294 Então, reforça-se a ideia inconcussa de que “nada há para executar após a sentença, quanto ao objeto específico da decisão”.295 Por óbvio, caberá execução do capítulo acessório da sucumbência.296 “Objeto específico” do pronunciamento, no caso, respeita ao capítulo principal ou mérito. O art. 515 preservou o princípio do título, que é efeito da condenação, e outorga ao vencedor a pretensão a executar, mas a redação do primeiro inciso dessa regra abandonou a tradicional menção à sentença condenatória. O art. 515, I, empregou a fórmula “decisões… que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa”.297 É errôneo o entendimento, infelizmente disseminado, que a eficácia declarativa passou a outorgar pretensão a executar. Em primeiro lugar, a palavra “condenação” e seus cognatos aparecem em outras disposições (v.g., art. 81, caput; art. 82, § 2.º; art. 85, caput, e § 4.º {“condenação principal”}; art. 128, parágrafo único; art. 129, parágrafo único; art. 323; art. 324, III; art. 492, caput; art. 495; art. 496, § 3.º), quer relativamente às sanções processuais e à sucumbência, quer no tocante ao capítulo principal da sentença. É prematuro o sepultamento, de lege lata, dessa classe de sentenças. Por outro lado, a inclusão, no art. 515, I, das obrigações de fazer e de não fazer enfraquece a tese segundo a qual, envolvendo o objeto do processo tais prestações, a execução prescindiria de título.298 Eis um ponto positivo, se há algo nele digno de realce, da novel disposição. O procedimento da execução do pronunciamento com semelhante conteúdo observará, doravante, o procedimento respectivo do cumprimento da sentença, mas fundar-se-á em título judicial. Volvendo à dicção legal, o art. 515, I, não conferiu pretensão a executar à declaração. Se o provimento reconhece a existência de obrigação a cargo do vencido, e, não, simplesmente, a respectiva responsabilidade, vai bem além da simples declaração (art. 20), e, desde logo, condena o vencido.299 Por conseguinte, a declaração, enquanto declaração – o provimento talvez exiba outra eficácia mediata –, porque confere simples certeza, prescinde de execução ou de cumprimento. O ato do juiz, em si mesmo, já entrega o bem da vida ao vitorioso. O equívoco, nesta matéria, consiste em ignorar a pluralidade de eficácias no mesmo provimento, conduzindo o intérprete em alguns casos, a exemplo, da sentença proferida na desapropriação, a seguir pistas falsas. E há mais um dado relevante. Além da falsidade ou da autenticidade de documentos, hoje se admite a possibilidade da declaração de fatos jurídicos.300 Em tal hipótese, absurdo o nascimento de pretensão a executar. 232. Ação constitutiva
A ação constitutiva implica mudança (criação, modificação ou extinção) na relação jurídica.301 Essa ação provém da eficácia inovadora existente em certos direitos subjetivos.302 Por exemplo: (a) a separação dos cônjuges, haja vista grave infração aos deveres conjugais, que torne insuportável a vida em comum (art. 1.572, caput, do CC); (b) a resolução de negócio jurídico bilateral, em face de inadimplemento imputável a um dos figurantes (art. 475 do CC); (c) a anulação de negócio jurídico, que versou objeto impossível (arts. 166, II, e 182 do CC). Em tais hipóteses, o efeito principal da sentença de procedência é um estado jurídico novo. Em algum ponto, mudou “por mínimo que seja, o mundo jurídico”.303 O exemplo da invalidação do negócio jurídico suscita consideração de importância. No direito romano, em que o ato jurídico era essencial formal, o que não fora feito, ou seja, não ingressava no mundo jurídico, era nullus – condição que precisava ser declarada. A evolução posterior separou, nitidamente, o inexistente do nulo. Não é possível, por exigência lógica elementar, classificar o nulo como não sendo e tratá-lo como ser. Assim, declara-se o inexistente (ou o existente); desconstitui-se o ato ou o negócio jurídico viciado, ou seja, relativa ou absolutamente nulo. Representará erro grosseiro, nesta linha de raciocínio, pleitear do órgão judiciário a “declaração da nulidade”. Valha o exemplo da emissão de declaração de vontade escorreita de vício (v.g., coação): “Ou ela foi feita, ou não foi feita. Não se pode dizer que a declaração de vontade pelo que estava coagido, ou ameaçado, não foi feita; foi-o, embora atingida pelo defeito. Defeito não é falta. O que falta não foi feito. O que foi feito, mas tem defeito, existe. O que não foi feito não existe, e, pois, não pode ter defeito. O que foi feito, para que falte, há, primeiro, de ser desfeito”.304 No tocante à satisfação do vitorioso, claro está que o estado novo se incorpora, de logo, ao mundo jurídico, e de nenhuma complementação prática ulterior carece a eficácia constitutiva. O termo inicial do prazo de divórcio é a data da sentença de separação. Neste momento, senão antes (v.g., precedendo à separação ordem judicial para o afastamento do cônjuge), sucede a mudança do estado civil, que carece de qualquer ato externo ao provimento judicial (v.g., da averbação e do registro civil do ato). Enfim, posteriormente à eficácia constitutiva, é desnecessário o “desenvolvimento de qualquer atividade material”, operando a eficácia, positiva ou negativa, como “uma manifestação de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos”.305 Lição que ecoou na doutrina brasileira, localizando no provimento constitutivo “toda a sua eficácia, independentemente de outro processo ou de outra via executória”.306 Impõese sublinhar essa diretriz no retorno ao estado anterior próprio das pretensões desconstitutivas. Em casos tais, obrigados os figurantes do negócio jurídico a restituírem as prestações porventura feitas, e havendo inadimplemento, ensejar-se-á execução forçada, pleiteando a prestação in natura ou o seu equivalente pecuniário. Tal pretensão decorre do efeito condenatório mediato, e, não, da força constitutiva.307 Eis o ponto: a sentença é um feixe de eficácias.
233. Ação condenatória No âmbito das três eficácias tradicionais, a condenatória suscita maiores controvérsias. Existem Há divergências profundas em torno da antiga fórmula (condemnatio) dos pretores romanos. Tentando explicá-la, já se incorreu em petição de princípio, asseverando: “a ação de condenação tem como conteúdo obter decisão 308 condenatória”. Em outra passagem, emitiu-se lacônico e definitivo enunciado: “condenar” alguém significa reprová-lo, “ordenar que sofra”.309 Outra é a opinião prevalecente no direito pátrio. O elemento condenatório resultaria da soma de duas declarações independentes. Essas parcelas do todo, como deflui do art. 20 do NCPC, mostrar-se-iam fracionáveis em juízos autônomos. Segundo tal raciocínio, num primeiro momento o juiz declara o direito posto em causa e, na sequência, impõe ao vencido “a sanção estabelecida na lei para o ato ilícito”.310 Tratar-se-ia, pois, de dois elementos declaratórios discerníveis pelo objeto. Fórmula mais elaborada define a sentença condenatória como preparatória da execução, “porque ela limita-se a declarar a existência de uma violação a alguma obrigação ou dever jurídicos e a necessidade de se aplicar a sanção daí decorrente”.311 Essa concepção vingou no art. 515, I, segundo o qual constitui título executivo judicial a sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação a cargo do réu. Por óbvio, se a resolução judicial reconheceu a existência de obrigação, impôs a prestação ao vencido, e, portanto, não é “meramente” (como antiga se rotulava o provimento) declarativa.312 Em outras palavras, na situação antevista no art. 515, I, o provimento foi além da declaração da simples responsabilidade (art. 20). Não é necessário defender que a lei processual modificou as forças e os pesos da ação material.313 Ela não chegou a tanto. No entanto, essa teoria não resiste à análise mais atenta. A crítica à teoria da sanção aponta o seguinte: (a) em alguns casos, há condenação sem ilícito, a exemplo da imposição ao vencido dos encargos financeiros do processo (art. 85);314 (b) há sanções materializadas por outra eficácia (v.g., a decretação da nulidade, a teor do art. 166 do CC); (c) nada explica o porquê de a agregação à sentença de um segundo elemento declaratório, sem o qual o provimento se limita à pura declaração,315 conferir pretensão a executar ao vencedor. E, de fato, neste último sentido, o STJ decidiu que a primeira declaração vale como preceito na subsequente ação condenatória.316 Conseguintemente, o traço constante e imutável do elemento condenatório há de ser buscado noutra particularidade; Fixou-se a doutrina, de modo algo paradoxal, mesmo sem decifrar o quid específico da condenação, no interior da sentença, ou localizando-o na surpreendente “declaração” da sanção, na tipicidade do efeito. A eficácia é condenatória porque autoriza ao vencedor executar o vencido.317 Este efeito, havido por único e primordial, expressar-se-ia no surgimento do título executivo (Vollstreckungstitel).318
Logo se percebe o muito de precário e de insatisfatório contido em semelhante alvitre. É inútil identificar a essência a partir do efeito. Essa empresa se mostrará ainda mais infrutífera quando pouco acrescenta e nada esclarece quanto à identidade da condenação. Fica-se na periferia do problema Ademais, a correlação obrigatória e artificial entre o elemento condenatório e a execução põe à mostra, dramaticamente, o traçado artificial e arbitrário das fronteiras usuais impostas à função executiva. Em alguns casos, simplesmente não há meio executório hábil para realizar a condenação,319 ou, simplesmente, razões superiores determinam a eliminação do meio executório, como acontece na execução contra a Fazenda Pública, na qual a expropriação fica pré-excluída pelo regime peculiar dos bens públicos, insuscetíveis de 320 constrição. Logicamente, os adeptos da teoria da sanção, desaparecido o efeito (execução), não consideram tais provimentos condenatórios.321 Essa conclusão recebeu o diagnóstico rude, mas exato, de absurda, originária da “influência maléfica de escritores italianos”.322 Embora propenso às definições, o CPC de 1973 absteve-se de ingressar no tema árduo.323 O art. 495, caput, do NCPC, reproduzindo o direito anterior, apresenta débil pista, relacionando uma coisa e outra na fórmula – “sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação em dinheiro”; em seguida, porém, o vestígio já fraco se exaure e desaparece. Entretanto, o silêncio legal não significa, ponderou-se em face de lacuna mais grave,324 que a eficácia condenatória seja construção artificial e aberrante. Entre nós, o art. 515, I consagrou, ao contrário do omisso e genérico art. 464 do CPC italiano,325 a teoria da sanção. Em vão, portanto, movimentou-se o legislador no sentido de erradicar a sentença condenatória. “A imaginar-se que algum golpe se tramava, para… condenar à morte a sentença condenatória, felizmente o golpe malogrou”.326 E, de fato, copiosos dispositivos aludem à “condenação” e seus cognatos no NCPC (v.g., art. 81,caput; art. 82, § 2.º; art. 85, caput, e § 4.º, III, “condenação principal”; art. 128, parágrafo único; art. 129, parágrafo único; art. 323; art. 324, III; art. 492, caput; art. 495; art. 496, § 3.º). Também art. 520, § 2.º, alude a “sentença condenatória”. Nenhum desses dispositivos é incompatível com a nova redação do art. 515, I. Realmente, consoante a teoria da sanção, o art. 515, I, adotou modo analítico de definir a condenação. Se o órgão judiciário “declara” que A deve x a B, não se cingiu a declarar B responsável perante A, mas condenou (reprovou, ordenou) o réu a prestar ao autor. Deu um passo adiante da simples declaração.327 E, mais uma vez, vale recordar a possibilidade de o pedido do autor limitar-se à declaração, embora violado o direito (art. 20), ficando o juiz adstrito a julgar a lide nesses limites (art. 141). Em diversas situações, ao autor pode interessar apenas declarar a responsabilidade do réu.328 Equiparar as duas situações subtrai do autor o direito de pleitear a providência que lhe convém, desinteressado da (talvez impossível por razões práticas) futura execução. Os dispositivos invocados, sem dúvida, confortam a fugidia entidade “condenação”, de resto entroncada no tráfico e no uso dos operadores.
Explica-se de forma mais simples e direta a figura da condenação no direito germânico. A estrutura da condenação se formaria, além da declaração da existência da responsabilidade, por intermédio de “uma ordem de prestar dirigida ao réu (“… und einen Leistungsbefehl an den Beklagten…”).329 Apesar das críticas recebidas no seu próprio ambiente cultural,330 logrou aceitação geral; por exemplo, em obra recente afirma-se que a condenação “enthält zweierlei: Es stellt das Recht des Klägers gegen den Beklagten fest und befiehlt diesen, na den Kläger zu lestein” (envolve duas espécies: declara o direito do autor perante o réu e ordena que preste algo ao autor).331 E, mais adiante, acrescenta-se que, mediante a sentença de declaração, o autor obtém tão só a existência do efeito jurídico alegado, mas não o direito de executar.332 É teoria acolhida em outras legislações, objeto de previsão específica no art. 5.1 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola de 2000.333 Outra possibilidade consiste em considerar a pretensão a condenação uma forma mutilada de pretensão a executar. É que, do ponto de vista do autor, a exemplo da pessoa que sofreu um dano proveniente de ilícito praticado pelo réu, não basta (ordinariamente) a simples declaração da responsabilidade do réu e, a fortiori, a condenação deste a prestar-lhe a quantia necessária à reparação, pois o seu objetivo é obter a reparação mesma. No entanto, opção política do legislador separou as atividades tendentes a formular a regra jurídica concreta e a realizá-la, no mundo real, e, desse modo, mutilou a pretensão a executar.334 É de bem ver que a sentença condenatória origina outra pretensão, passível da prescrição prevista no art. 525, § 1.º, VII, e essa pretensão é a pretensão a executar, que surge íntegra. Esse fato demonstra que, havendo mutilação anterior, o resultado dessa amputação criou realidade autônoma, que é o elemento condenatório, cuja natureza há de ser investigada e precisada. A eficácia condenatória opera efeitos no mundo jurídico. Essa trivial constatação agarra-se ao senso comum. Ela decorre da circunstância, bastante acentuada pela inevitável e necessária comparação com as eficácias anteriores, de que há direitos cuja atuação exige atos práticos. O bem da vida almejado na demanda não é obtido através da simples emissão do pronunciamento judicial.335 É preciso que o vencido cumpra o julgado (“execução” voluntária) ou, então, o vencedor promova a execução “forçada”.336 Embora não seja a única força sentencial a exigir projeção no mundo dos fatos, e por este motivo delimitar seu campo de incidência continuaria imperioso, deixando a questão maior da sua individualidade aberta a posteriores estudos, a carga executiva é insuficiente para que as operações práticas se deem dentro da mesma relação processual. O efeito executivo que a acompanha originará outra pretensão, agora executiva, propícia à efetivação do “programa” condenatório. No entanto, parece arbitrário restringir semelhante escopo às prestações pecuniárias.337 E há um dado decisivo para demonstrar o surgimento, após a emissão do pronunciamento de que cogita o art. 515, I, de uma nova pretensão – a pretensão a executar –, evidenciando, por outro lado, a existência de cumulação ulterior de ações no chamado “cumprimento” da sentença. O objeto da prescrição é a pretensão (art. 189 do CC). Ora, o art. 525, § 1.º, VII, autoriza o executado a oporse alegando a prescrição superveniente à
sentença. Logo, o provimento judicial provoca o aparecimento de nova pretensão, a qual comportará encobrimento pelo decurso de tempo idêntico conferido à pretensão originária (Súmula do STF, n.º 150). Esse dado revela a insuficiência das concepções que vislumbram no cumprimento simples “incidente”, abdicando de explicação mais abrangente e completa do fenômeno. A falta de cumprimento espontâneo do pronunciamento judicial, caracterizando o inadimplemento, já indica a necessidade de o vitorioso agir perante o vencido.338 No cotejo das soluções aventadas, e no estágio atual alcançado pela ciência do processo, a incapacidade de a condenação satisfazer o demandante no mesmo processo, provocando o nascimento da pretensão a executar, é o ponto máximo alcançável na busca da identidade desta eficácia. 234. Ação mandamental Foi graças a cuidadoso exame empírico das eficácias, ação por ação, injustamente averbado de pouco feliz,339 que se isolou a eficácia mandamental, objeto dos cuidados e atenções do legislador, cuja preponderância no pronunciamento do juiz tipifica a quarta e autônoma classe de sentenças do regime classificatório até aqui seguido. O provimento desse teor contém a declaração do direito e a ordem, proferida pelo juiz, dirigida a alguma autoridade340 ou a algum particular (parte e terceiro) Exemplo de ação mandamental é o embargo oferecido por terceiro a ato judicial.341 A ação cautelar constitui outro bom exemplo da classe.342 Nesta última, aliás, servindo de paradigma o arresto, avulta a possibilidade de algum particular erigir-se em sujeito passivo da ordem.343 Os exemplos ilustram o alto grau de força estatal impregnado no mandado do juiz. A existência de remédios do alcance dos embargos de terceiro e do arresto somente se explica pelo veto à autotutela e o corolário da imprescindível mediação do terceiro imparcial, que, dotado de jurisdictio para resolver a lide, igualmente possui dose legítima de imperium para resguardar o prestígio de sua função e efetivar seus comandos.344 Enquanto no projeto de adequação fática derivado da eficácia condenatória o juiz irá se sub-rogar ao que o obrigado não cumpriu, em que pese pudesse fazê-lo, na execução do mandado há “ato que só o juiz pode praticar por sua estatalidade”.345 Essa é a razão básica pela qual o desacato à ordem do juiz importa terapia diferente da ordinária, empregada para debelar rebeldias à reprovação emanada do elemento condenatório. Eventual afronta ao imperium do órgão judicial, utilizado porque o comportamento exigido do demandado é infungível, só pode provocar a privação da liberdade. O contempt of court contrapõe-se, exatamente, à desobediência do particular,346 não se mostrando o ordenamento pátrio, destarte, inteiramente infenso à medida. A Equity desenvolveu o remédio da injunction, nas espécies permanente e interlocutória, para reprimir desobediências.347 Na doutrina norte-americana, a esse propósito, assinala-se que “contempt was the normal procedure for enforcing decrees issued by the equity courts”.348 Ora, o conteúdo do provimento mandamental reside na ordem em si, emanada do órgão judiciário, e, não, dos mecanismos de coerção (multa e prisão) porventura utilizados na respectiva execução.349 A prisão por desacato (contempt)
constitui o meio utilizado para pressionar o destinatário da ordem a cumpri-la, mas sua admissibilidade não condiciona a existência da força mandamental no provimento. Exemplo expressivo da repressão à rebeldia contra ordem judicial, amiúde posta em dúvida,350 localiza-se no art. 22, parágrafo único, da Lei 5.478, de 25.07.1968. A regra tipifica como crime a recusa ou o descumprimento da ordem de desconto em folha (art. 529), tutelando, repressivamente, a eficácia mandamental imediata da sentença condenatória a prestar alimentos. Fácil se revela, destarte, partindo das distinções procedidas, acentuar a flagrante heterogeneidade dos efeitos que decorrem da ordem de arresto (eficácia mandamental) e da condenação a prestar fato fungível (eficácia condenatória): nesta, o empreendimento executório visará a transformação física descumprida pelo obrigado e, contudo, realizável contra e independentemente de sua vontade; naquela, a atividade executiva, congenitamente estatal, alterará o mundo fático em área na qual só o próprio indivíduo, e ninguém mais, poderia atuar eficazmente. A essência da eficácia mandamental repousa no conteúdo da ação. Elemento independente, o mandado (ou ordem), incrustado no núcleo de eficácias da sentença, irradia efeitos bem discerníveis no campo executivo: primeiro, a já realçada estatalidade imanente, tutelada através de medida coercitiva contra a pessoa do sujeito passivo, embora nem sempre através da repressão penal, motivo por que esse dado é acidental, e, não, acidental;351 ademais, o ato executivo ocorre ulteriormente ao provimento, porém dentro da mesma estrutura (“processo”).352 É o caso do acolhimento do pedido formulado em mandado de segurança.353 Também a eficácia mandamental, portanto, carece de operações práticas para alcançar ao demandante vitorioso o bem da vida. A terapia inerente ao provimento mandamental, anteriormente ignorada ou rejeitada, adquiriu singular relevo, a partir dos arts. 16 e 17 da Lei 10.259/2001. De acordo com os dois últimos artigos, a atividade executiva, na execução perante o Juizado Especial Federal, qualquer que seja a natureza da prestação (pecuniária,faciendi ou entrega de coisa), cingir-se-á à emissão de ordem por meio de ofício. Este regime constitui radical e alvissareira mudança na técnica legislativa. De ordinário, a atividade executiva exigia, nessas prestações, o emprego de técnicas sub-rogatórias. A partir dessas mudanças, ao menos no prisma estrutural, tudo se passará no âmbito da relação processual originária, reprimindo a desobediência através de multa (art. 77, IV, e § 2.º). Porém, as peculiares condições que apontam a possibilidade de êxito da nova disciplina, na execução por menor quantia contra a Fazenda Pública – solvabilidade, obediência ao princípio da legalidade e receio do servidor ou dos agentes públicos em incorrerem na multa354 –, não se reproduzem entre os particulares. Este assunto receberá considerações no campo próprio. Em alguns casos, o objetivo do autor é a simples segurança do direito litigioso, e a eficácia sob exame, haja vista a origem estatal do mandado, não o satisfaz (exemplo: arresto, que apenas assegura a futura realização do
crédito em dinheiro), conquanto se materialize a garantia mediante operações físicas ou executivas. 235. Ação executiva A força executiva “retira valor que está no patrimônio do demandado, ou dos demandados, e põe-no no patrimônio do demandante”.355 A força executiva se divide em duas espécies: (a) imediata; (b) mediata. Ela é imediata (eficácia), quando a incursão na esfera jurídica do vencido mira algum bem previamente identificado, que lá se encontra de maneira já reconhecida como ilegítima no pronunciamento judicial, porque integra o patrimônio do vencedor, e, portanto, dispensará a instituição de novo processo para reavê-lo. Por outro lado, a força executiva é diferida (efeito), quando a penetração executiva precisará atingir algum bem integrante da esfera patrimonial e jurídica legítima do vencido. Neste último caso, surge a necessidade de controlar de maneira plena a atuação do meio executório, porque aos meios executórios caberá respeitar o princípio da responsabilidade patrimonial (art. 789 do NCPC e art. 391 do CC). Em outras palavras: na ação que nasce com força executiva (eficácia imediata), o ato de cumprimento recairá sobre bem que integra o patrimônio do vencedor (v.g., na ação de despejo a posse, senão o domínio mesmo, pertence ao locador); na ação que nasce com simples efeito executivo (eficácia mediata ou diferida), o ato executivo recairá sobre bem integrante do patrimônio do… vencido.356 Representam a primeira espécie de ações executivas, e a única que merece o rótulo de “executiva”, as ações de depósito, a de reivindicação de bens imóveis e imóveis, a de despejo, a de imissão na posse, a de petição de herança, a de nunciação de obra nova, e as ações possessórias, além de outras, máxime se o direito alegado na demanda, ou seja, o objeto litigioso – considerado, neste passo, a partir de critério distinto – se revela real. As ações de carga executiva podem ser (a) pessoais e (b) reais.357 E, com efeito, à primeira vista mostra-se impróprio baralhar duas classificações, baseadas em critérios diferentes – a das eficácias e a da natureza real ou pessoal do direito –, a fim de confundi-las e, ato contínuo, considerar a força executiva exclusiva do direito real.358 Ora, o direito à retomada da coisa locada é pessoal e, no entanto, executiva a respectiva ação.359 Exemplo ainda mais expressivo se encontra na sentença do art. 466-B, por sem dúvida executiva.360 É erro comum, na doutrina italiana, considerá-la constitutiva.361 A atividade executiva, neste caso, esgota-se na própria sentença,362 fenômeno inexplicável a partir da enumeração de apenas três classes de provimentos (declaratório, constitutivo e condenatório).363 Por óbvio, existindo o registro do pré-contrato, a pretensão do art. 501 é real, porque o registro outorga o direito real de aquisição (art. 1.225, VII, do CC). Essa redução da área coberta pela eficácia executiva, cujo propósito evidente consiste em salvar a honra da tutela executiva dos direitos reais,
possui a consequência colateral e indesejável de desamparar direitos pessoais muito necessitados de análogo tratamento. Erro dos mais graves (e provável causa das profundas desilusões futuras dos seus defensores), em que incorre os neófitos na classificação quíntupla das ações, consiste na afirmativa que a execução, in simultaneo processu, transformou todas as condenações em provimentos executivos lato sensu. Em primeiro lugar, o esquema já não serve para todos os provimentos arrolados no art. 515. Tratando-se, por exemplo, de sentença penal condenatória (art. 515, VI), forma-se novo processo, como se deduz do art. 515, § 1.º. Fundamentalmente, a objeção é a seguinte: uma sentença não exibe força executiva senão em virtude do direito material posto em causa. A circunstância de os atos se realizarem no mesmo processo é irrelevante.364 Trata-se de área reservada, legitimamente, à técnica do processo, mas não toca o problema básico da execução, nem altera o direito material objeto da provisão judicial. Quando os atos de execução, por força do direito material, realizam-se no patrimônio do vencido, e, não, buscam recupera bens que integram o patrimônio do vencedor, a sentença tem natureza condenatória (efeito executivo diferido). E, neste último caso, a atividade executiva se governa pelo princípio da responsabilidade patrimonial (art. 391 do CC). A nota específica da força executiva não reside na circunstância de entregar o bem da vida independentemente da abertura de nova fase (ou relação) processual.365 Em razão do princípio da responsabilidade patrimonial, haverá casos em que o pronunciamento se mostrará inexequível, porque o vencido não dispõe de patrimônio apto a satisfazer a condenação. Nesse caso, o meio executório disponível – expropriação (art. 824) – mostrar-se-á inoperante. As regras processuais são impotentes, realmente, para alterar a realidade econômica e social; no caso, porém, nem sequer mudaram o direito material. Resulta nítido do exposto, todavia, que a satisfação do autor vitorioso, semelhantemente ao que ocorre na eficácia mandamental e na condenatória, não decorre do juízo positivo acerca da sua razão e consequente procedência da demanda ajuizada – no que se chamou de total dispensa da atividade executiva.366 Ela depende da prática de atos materiais tendentes a outorgar ao vitorioso o bem da vida. É nesta ação, afinal, que preponderam atos executivos e satisfativos.
Seção III - Individualização do objeto
Capítulo 16. OBJETO DO PROCESSO SUMÁRIO: § 57.º Elementos da ação – 236. Conceito de objeto litigioso – 237. Efeitos da tríplice identidade – 238. Individualização da demanda coletiva – § 58.º Identificação das partes – 239. Noção de parte no processo civil – 240. Relevância processual da noção de parte – 241. Qualidade jurídica da noção de parte – 242. Pluralidade de partes e cumulação de ações – § 59.º Identificação da causa de pedir – 243. Conceito de causa de pedir – 244. Individualização e substancialização da causa de pedir – § 60.º Composição
da causa de pedir – 245. Componentes da causa de pedir – 246. Fundamento legal – 247. Fatos constitutivos – 247.1. Fatos principais – 247.2. Fatos secundários – 247.3. Fatos relativos ao interesse – 248. Fundamentos jurídicos – § 61.º Espécies de causa de pedir – 249. Causa remota e próxima – 250. Causa ativa e passiva – 251. Causa simples, composta e complexa – 252. Causa fechada e aberta – 253. Causa de pedir na pretensão a executar – 254. Causa de pedir na pretensão à segurança – § 62.º Identificação do pedido – 255. Conceito de pedido – 256. Classificação do pedido – 256.1. Pedido mediato e imediato – 256.2. Pedido material e processual – 257. Individualização do pedido – 258. Requisitos do pedido – 258.1. Certeza do pedido – 258.2. Determinação do pedido – 258.3. Congruência do pedido – 258.4. Consequências da falta de requisitos – 259. Interpretação do pedido – § 63.º Espécies de pedido – 260. Pedido único e múltiplo – 261. Pedido determinado e genérico – 261.1. Pedido genérico perante universalidades – 261.2. Pedido genérico perante consequências futuras dos ilícitos – 261.3. Pedido genérico perante dependência da contribuição do réu – 261.4. Pedido genérico perante situações plurais e transindividuais – 262. Pedido certo e implícito – 262.1. Despesas processuais e honorários advocatícios – 262.2. Juros moratórios – 262.3. Correção monetária – 262.4. Prestações vincendas – 263. Pedido fixo e alternativo – 264. Pedido simples e cominatório – 265. Pedido divisível e indivisível – 266. Pedido na execução. § 57.º Elementos da ação 236. Conceito de objeto litigioso Formado o processo, mediante o exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado (ou ação processual), nele o autor deduz certa pretensão (ou ação material) perante o réu. Ninguém se abala a provocar a autoridade judiciária senão para obter um benefício, proveito ou vantagem (ou efeito da ação material). A identificação dessa pretensão constitui tema central do processo civil e, sem dúvida, questão das mais difíceis e polêmicas.1 Logo se destacou da equivalente ação de direito material, recebendo o epíteto próprio de pretensão processual (prozessualer Anspruch), porque descansa na afirmativa unilateral do autor de que é titular de um dado direito, e, nessa qualidade, representa simples hipótese de trabalho para o órgão judicial, cuja existência o próprio processo encarregar-se-á de apurar. É preciso, de resto, individualizar a pretensão processual por algum critério seguro, distinguindo-a das congêneres, a fim de atender vários objetivos. Em primeiro lugar, a individualização da pretensão do autor determina, em virtude do princípio da congruência (arts. 141 e 492, caput, do NCPC), os limites do futuro julgamento. Ademais, interessa impedir a renovação da demanda já rejeitada, de meritis, em oportunidade anterior, resguardando a paz jurídica do réu, e a este de contestar relevantemente o bem da vida outorgado ao autor. O desfecho do processo originário encontra-se protegido, para esses fins, pela autoridade da coisa julgada. Tampouco a tramitação de dois processos idênticos, simultaneamente, pode ter curso livre. O obstáculo evita o desperdício de atividade processual, ínsito à duplicação de processos idênticos, e a constrangedora emissão de pronunciamentos discrepantes, a respeito do mesmo litígio, por dois órgãos judiciários distintos (pouco provável
a emissão de decisões antagônicas pelo mesmo órgão judicial). Subsidiariamente, a individualização da pretensão permite regular a cumulação de duas ou mais pretensões, no mesmo processo, e controlar o momento, a extensão e os efeitos de eventual modificação do objeto litigioso na pendência do processo. O direito brasileiro adotou, explicitamente, um critério para predeterminar o campo de incidência da coisa julgada e da litispendência. Por analogia, o mesmo critério regulará os demais aspectos, a exemplo da cumulação de ações.2 A lei consagrou a teoria dos três elementos – partes, causa de pedir e pedido (eadem personae, eadem res e eadem causa petendi) -, conclamando a comparação desses dados, coligidos de dois processos distintos, por partes e órgão judiciário. Essa teoria adquiriu feição autônoma na segunda metade do século XIX.3 O art. 337, § 2.º, do NCPC reza que “uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”. Esses três elementos, apurados na “essência da ação”,4 definem o problema sobre o qual a doutrina alemã edificou as teorias acerca do objeto litigioso. A primeira consequência do critério legal reside no fato de a causa de pedir (causa petendi) constituir elemento autônomo, indispensável para individualizar a demanda, equiparando-se em importância ao pedido.5 Em última análise, objetivamente, a lei brasileira optou pela concepção binária (Zweigliedriger Streitgegenstand) – causa de pedir mais pedido –, rejeitando a unitária (Eingliedriger Streitgegenstand),6 que só emprega o pedido, eventualmente interpretado ou esclarecido pela causa, que teve escassa repercussão fora do país de origem.7 Essa última teoria repercutiu entre nós, tão intensa, quanto improcedentemente.8 E a razão bastante para rejeitá-la é simples e decisiva: outro é o critério legal (art. 337, § 2.º). Formalmente, integram o objeto litigioso o pedido e a causa pedir. Assim, imperam dois elementos objetivos (zweigliedrige Streitgegenstandsbegriff).9Também a doutrina germânica emprega essa fórmula.10 A partir da opção legislativa, a questão abandonou o plano da especulação teórica e ingressou no da proposição legislativa. É impróprio evocar a “teoria” dos três elementos, como se houvesse opção para rejeitá-la. E, de resto, as vantagens mostram-se flagrantes. A individualização da demanda se torna mais estreita, e, conseguintemente, mais delimitado o campo de incidência da coisa julgada e preciso o regime da cumulação de ações. As dificuldades decorrem, basicamente, da definição do fato constitutivo, elemento essencial da causa de pedir. No item próprio (infra, 247), surgirão os problemas relativos ao ponto, ministrando-se as respectivas soluções. Por isso, não se mostra necessário cotejar os resultados concretos da teoria binária perante situações similares hipoteticamente governadas pela teoria unitária. A individualização da ação, a partir dos três elementos, considera a ação efetivamente proposta ou demanda.11 Às vezes, com o mesmo sentido, aludese a “elementos da causa”, porque o “direito de ação é único, variando apenas as lides deduzidas em juízo (isto é, as causas)”,12 ou a elementos da pretensão.13
Essas divergências revelam a importância do rigor conceitual. Os elementos respeitam à ação de direito material, ou seja, ao objeto litigioso (mérito, lide ou pretensão processual), ao conteúdo do processo, e, não, ao remédio jurídico processual ou à “ação” do direito à tutela jurídica. Esta veicula, indiferente e universalmente, quaisquer ações e pretensões de direito material. Em outras palavras, o mérito “consiste na declaração sobre a existência ou a inexistência e a força eficacial da ação de que se diz titular o autor, em correlação com a negativa do réu, oposta em sua defesa e/ou exceção”, motivo por que a ação material configura o objeto litigioso.14 Tal não significa que esses elementos não se apurem no processo, segundo a afirmação (Behauptung) do autor.15 O critério eleito pelo CPC de 1973 não escapou à crítica dos primeiros comentadores do diploma. A escolha foi averbada de arcaica, porque as deficiências reais ou hipotéticas da tríplice identidade levaram à sua rejeição nas legislações modernas.16 Em uma raríssima defesa explícita, o autor do anteprojeto replicou, lembrando que a teoria das três eadem goza de aceitação de estatutos processuais modernos, como o de Portugal (art. 498) e o da Cidade do Vaticano (art. 306, § 2.º), e a chancela da maioria dos processualistas.17 Não há por que discordar do criador do segundo código. A tríplice identidade é critério útil e proveitoso.18 Eis a razão por que o NCPC encampou a diretriz legislativa. A substituição da regra expressa do art. 337, § 2.º, do NCPC por uma das teorias do objeto litigioso, especialmente do agrado da processualística alemã, não parece vantajosa. Reina desentendimento quanto à sua perfeita caracterização naquele ordenamento.19 A escolha do legislador pátrio parece adequada. Não convém importar a cizânia. A longevidade dessa teoria constitui “índice seguro da sua correspondência a uma necessidade e, pois, possivelmente a uma verdade científica”.20 É digno de nota que um raríssimo levantamento empírico apurou que, para efeitos de correlação (ou congruência) entre o objeto litigioso e a resposta do órgão judiciário (infra, 1.597), no ato decisório final (sentença), o STJ considera a causa petendi indispensável. “Esse entendimento foi sustentado em demandas indenizatórias, ações individuais fundadas em direito contratual e responsabilidade civil, ações relacionadas ao direito administrativo, direito previdenciário, direito tributário, direito de família, e nas ações coletivas pesquisadas”.21 Os elementos objetivos (causa de pedir e pedido) apuram-se no processo conforme as alegações do autor. Integrando, por suposto, a ação material, originam-se da relação substantiva trazida à apreciação judicial.22 Em última análise, a pretensão processual é a afirmação (Behauptung) de um direito pelo autor (e, convém acrescentar, próprio ou alheio), justificativa hábil para reclamar certo efeito jurídico consubstanciado no pedido, ou seja, algum proveito, vantagem, utilidade, benefício ou bem da vida – certeza, estado jurídico novo, título, intercâmbio patrimonial e ordem –, e que individualiza o objeto litigioso, permitindo diferenciá-lo dos congêneres.23 Os elementos objetivos da pretensão processual (causa petendi mais pedido) individualizar-se-ão in status assertionis. Revela-se impossível, a priori, considerar tais elementos existentes – e, a fortiori, defini-los antes da
estabilização final do objeto litigioso (infra, 1.821.2) –, de modo indiscutível e definitivo, exceto no caso de o processo já se revestir da autoridade da coisa julgada. Fora daí, reconhecer a veracidade das alegações de fato expostas na causa petendi significaria, em última análise, tomar como presente, no início do processo, a pretensão exercida pelo autor contra o autor. Retornarse-ia, então, aos postulados inaceitáveis de uma teoria concreta da ação (retro, 222.2). Por conseguinte, a avaliação dos elementos considera as alegações do autor,24 ou seja, atém-se “à simples possibilidade de existência do direito substantivo, a um direito meramente hipotético”.25 Esta medida das afirmações do autor, constantes da demanda, in status assertionis, explica perfeitamente, à luz da teoria abstrata, a função das “condições” da ação, e não pode ser obliterada também quanto à aferição dos elementos. 237. Efeitos da tríplice identidade Uma ação é idêntica à outra, segundo o art. 337, § 2.º, do NCPC existindo rigorosa igualdade dos três elementos.26 A tríplice identidade confere importância equivalente à causa de pedir e ao pedido. A equivalência implícita entre causa e pedido no art. 337, § 2.º, do NCPC robustece o entendimento que, abstraída a dimensão subjetiva, o objeto do processo se forma através desses dois elementos (causa e pedido), e, não, apenas com o pedido. A troca do verbo “ter”, empregado no texto anterior, pelo verbo “possuir” não tem reflexo relevante. É inaceitável, entre nós, conceituar o objeto litigioso como o pedido imediato e mediato formulado pelo autor, servindo a causa tão só para esclarecer-lhe o alcance e o sentido.27 Trata-se de simples submissão a uma das concepções alemãs, nem sequer a prevalecente a respeito da pretensão processual (Streitgegenstand).28 A tese não condiz com o art. 337, § 2.º, do NCPC. A questão da relevância dos fatos na determinação do objeto do processo, que é o ponto de dissenso da processualística alemã, encontra um conceito – o de causa de pedir – que lhe calha perfeitamente.29 Também no direito espanhol a causa integra o objeto do processo. Ela é importante para individualizar o objeto litigioso, porque o mesmo pedido pode se fundar em duas ou mais causas, não se logrando distinguir, na ausência, processos que tenham causas diferentes, mas idêntico pedido.30 O primeiro efeito da regra prevista no art. 337, § 2.º, do NCPC decorre da eventual mudança de um dos elementos. Discrepando um só deles, distinguirse-á, de uma vez por todas, uma ação da outra. Por isso, o STJ proclamou o seguinte: “Ainda que ocorra identidade de partes e de pedido, não havendo em relação à causa de pedir, inatendível é a arguição de coisa julgada”.31 Por outro lado, duplicado um só desses elementos, no mesmo processo, haverá cumulação de ações. Logo, a cumulação ocorre através das partes (cumulação subjetiva), da causa de pedir e do pedido (cumulação objetiva). Não é por outro motivo que se destaca, repetidamente, a importância da individualização, operação que se espraia em vários rumos: alteração da demanda, litispendência, coisa julgada, e, por fim, o cúmulo de ações.32
A tríplice identidade não explica todos os fenômenos envolvidos pelo objeto litigioso. O direito brasileiro ignora, ao contrário da visão prevalecente no direito germânico,33 disciplina uniforme aplicável àqueles institutos processuais. Em particular, o réu contribui na ampliação do objeto litigioso, por intermédio da defesa ativa (infra, 313.3), caso em que haverá cumulação superveniente de pretensões, e, ademais, através de exceções e objeções substanciais (infra, 313.2.3), constrangendo o órgão judicial a resolvê-las no dispositivo da sentença definitiva. Por força de disposição legal explícita, a autoridade de coisa julgada recai sobre as “questões decididas”, não importando quem (autor e réu) as suscitou nos atos postulatórios principais (petição inicial e contestação). A autoridade de coisa julgada recobrirá extensão maior do que a individualizada no objeto litigioso por outro motivo. O intento de empregar o processo uma única vez, embora a lide não seja integralmente reproduzida no processo, e, assim, extinguir de vez o conflito entre as partes, inspirou o art. 508 do NCPC. Esse dispositivo conferiu eficácia preclusiva à coisa julgada, desprendendo-a das raias da tríplice identidade. Problema diverso consiste no alcance dessa discrepância (infra, 2.144). Em princípio, a fim de preservar a paz jurídica do réu e impedir o autor de deduzir sucessivas pretensões contra o réu, almejando idêntico efeito jurídico, além da causa de pedir efetivamente invocada, a eficácia preclusiva da coisa julgada há de abranger quaisquer outras causas de pedir que, na altura da propositura, amparariam o pedido formulado, mas foram omitidas na petição inicial. Não é a opinião prevalecente na doutrina brasileira. Esta prefere gravar o réu, entendendo insuscetíveis de alegação em ulterior processo as exceções substanciais (v.g., prescrição) e as objeções substanciais (v.g., compensação) também omitidas e não julgadas. Por exemplo, A propôs ação de separação contra o marido B, alegando adultério com C. No curso deste processo, nada impede que A pleiteie a separação com base no adultério de B com D. Porém, transitada em julgado a sentença de improcedência no primeiro processo, não poderá mover a segunda ação de separação, embora seja diferente a causa de pedir, porque atingida pela eficácia preclusiva prevista no art. 508 do NCPC. E, por outro lado, na ação de cobrança movida por A contra B, abstendo-se o réu B de alegar, v.g., a prescrição, opportuno tempore, não mais poderá invocá-la na oposição contra a pretensão a executar. A defesa do vencido só comporta a alegação das exceções e das objeções substanciais supervenientes à sentença. Essa peculiaridade abriu espaço à construção de uma teoria segundo a qual há dois objetos do processo: o primeiro, ou (a) objeto atual, consubstanciado fundamentalmente nos elementos objetivos, e que se presta a resolver o problema de competência, o procedimento adequado, a cumulação de ações e a modificação da demanda;34 o segundo, ou (b) objeto virtual, apresenta função transcendente, aplicando-se à litispendência e à coisa julgada.35 Essa duplicação revela-se desnecessária. E o motivo é simples. Só a coisa julgada tem extensão maior, comparativamente ao objeto litigioso, independentemente do alcance real da diferença, por força do art. 508 do NCPC.
Como quer que seja, tributando fidelidade à definição de objeto litigioso expressa no art. 337, § 2.º, do NCPC e desconsiderando a coisa julgada, aliás instituto de controle e de aplicação assaz difíceis na época contemporânea, os elementos da ação mostram-se essenciais na resolução das demais transformações da causa, e, sem dúvida, da própria coisa julgada. A hipótese básica sobre a qual recai a autoridade da coisa julgada é a reprodução de demanda idêntica à julgada (art. 337, § 4.º, do NCPC) ou função negativa (infra, 2.148). É verdade que essa autoridade vai além, incluindo a função positiva (infra, 2.149); porém, subsiste inegável sua aplicação no caso de tríplice identidade. 238. Individualização da demanda coletiva A irrupção dos direitos transindividuais, nas subespécies de direito difuso e direito coletivo, ocorreu no final da década de setenta do século passado. São interesses sobressalentes e insuscetíveis de fruição exclusiva.36 A Lei 6.513/1977 alterou o art. 1.º, § 1.º, da Lei 4.717/1965, inserindo na noção de patrimônio público “os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico”, e, assim, autorizou a proteção dos direitos correlatos a esses bens, de natureza difusa, por via de ação popular.37 Em seguida, a Lei 7.347/1985 introduziu, no direito processual brasileiro, remédio designado de “ação civil pública”. Tal remédio tem a finalidade precípua de proteger o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a ordem econômica, a economia popular, à ordem urbanística e qualquer outro interesse difuso ou coletivo (art. 1.º da Lei 7.347/1985). Esse notabilíssimo e então inovador mecanismo recebeu manejo inábil e ineficiente nos primeiros tempos de vigência e aplicação. A inexperiência dos legitimados ativos (especialmente do Ministério Público) e do órgão judiciário, e, ainda, as aspirações políticas sôfregas e contraditórias da época, somadas a injunções técnicas, comprometeram o uso correto e efetivo do instrumento. Até hoje busca-se, sem resultados dignos de confiança, e significativamente frutíferos, a teoria geral do processo coletivo, movimento muito semelhante ao que empolgou a nascente ciência processual no século dezenove. Um dos pontos que mais se ressentiu da falta de lucidez reponta na indistinção entre os direitos coletivos, ou transindividuais, e a defesa coletiva dos direitos, hipótese em que a lei apenas conferiu tratamento coletivo a direitos individuais homogêneos.38 Como quer que seja, há outro aspecto específico e que interessa à individualização da pretensão processual e à teoria da tríplice identidade. A legislação que sobreveio à Lei 7.347/1985 formou um conjunto normativo bem avançado, mas obscuro e contraditório, turvado por incertezas que só enorme desperdício de tempo e esforços, paulatinamente, harmonizaram uma interpretação unívoca. Edificou-se essa experiência, “por assim dizer, no varejo, na lida diária dos casos concretos, resolvidos à luz de textos diversos”.39 Inevitavelmente, ocorreu sobreposição e concorrência entre remédios processuais diferentes, todavia veículos hábeis para deduzir a mesma pretensão, objetivamente, variando apenas o legitimado ativo. Essa particularidade provocou tensões na teoria da tríplice identidade. No entanto, inexiste razão concreta para refugar a tese centenária nesse ambiente renovado e desafiador.
É preciso recordar, a esse propósito, que o nomem juris porventura outorgado à demanda (v.g., ação civil pública) mostra-se irrelevante à respectiva individualização.40 São esses elementos objetivos, recolhidos da demanda efetivamente deduzida, que também definem o objeto litigioso no processo coletivo. A designação “ação civil pública” mostra-se imprestável para essa finalidade. Representa apenas o rótulo da pretensão processual em determinados casos. Essa forma de designação também recebe o epíteto mais proveitoso de remédio jurídico processual. “A ‘ação’, no sentido de direito processual, ou remédio jurídico processual, é meio instrumental, que o direito formal põe a serviço de pessoas que estejam em determinadas situações para que, com o uso dele, possam suscitar a decisão, isto é, a entrega da prestação jurisdicional”.41 Assim, soará tão impróprio e estranho proclamar que o epíteto “ação civil pública” já identifica a pretensão processual, além da generalidade da proposição, em dado processo coletivo, quanto concluir que duas ações de consignação em pagamento, entre as mesmas partes, mostram-se, por essa única razão, necessariamente idênticas. O atropelo na modernização do processo civil brasileiro erigiu diferentes e concorrentes remédios para tutela dos direitos transindividuais. Figure-se a hipótese de a empresa pública A dispensar a licitação, ilegalmente, e contratar a empresa privada B, invocando a notória especialização desta e a singularidade do objeto contratual. Em tese, há dois remédios concorrentes para debelar o hipotético vício do contrato e corrigir a ilegalidade da atuação administrativa. Legitima-se qualquer cidadão, nesta contingência, a controverter a nulidade do contrato, haja vista a ilegalidade da dispensa de licitação, a teor do art. 4.º, III, a, da Lei 4.717/1965, presumindo-se a lesividade, ínsita ao ato em si, porque infringiu à moralidade administrativa.42 Em tal hipótese, o autor da ação popular pleiteará a invalidação do contrato (pedido principal de força constitutiva negativa) e a condenação da ré B à restituição dos valores recebidos em decorrência do contrato nulo (pedido sucessivo de força condenatória). E, sem embargo, o Ministério Público legitima-se a propor a ação civil pública (art. 1.º da Lei 7.347/1985), invocando a mesma causa e formulando os mesmos pedidos. Em vão se tentou extremar ambos os remédios, porque a identidade acaba por surgir flagrante nesses casos.43 A teoria da tríplice identidade resolve, satisfatoriamente, o problema da individualização da pretensão processual coletiva. As class actions compartilham os mesmos inconvenientes, quanto à auctoristas rei iudicate, dos que se verificam nos processo sem a individualização das partes em sentido material.44 Em particular, a caracterização dos elementos objetivos (causa de pedir e pedido) é a mesma, merecendo destaque – calha aqui tão só invocar a qualidade jurídica da parte (infra, 241) – o elemento subjetivo.45 Problema mesmo haverá na hipótese de explícita modificação legislativa autorizar o órgão judiciário, ex officio, no curso da demanda, conhecer de fatos não alegados pelo autor (modificação da causa petendi) e, no julgamento, prover como entender mais oportuno e necessário à proteção do bem jurídico (quebra do princípio da congruência entre o pedido imediato e o pronunciamento final). Esse inaudito poder do juiz desafiará a mentalidade processual clássica há muito transformada em dogma e, principalmente, os
direitos fundamentais processuais. Por enquanto, o entendimento é de lege ferenda,46 embora a jurisprudência já se incline neste sentido.47 Por exemplo, movida ação civil pública para recompor dano ambiental, o STJ estima que inexiste julgamento extra petita se o órgão judiciário explicita, no dispositivo da sentença, as medidas “necessárias e alternativas” para o fiel cumprimento do objetivo inicial.48 § 58.º Identificação das partes 239. Noção de parte em processo civil O conceito de parte tem extraordinária importância no processo. A despeito dos diversos significados da palavra “parte”,49 a lei processual não se forra de empregá-la em copiosos dispositivos. O assunto “partes” receberá análise no capítulo próprio, mas já foi bosquejado no item dedicado às condições da ação (retro, 225.2). Por enquanto, impõe-se fixar que se trata de noção integrante unicamente dos domínios do direito processual.50 E, por outro lado, trata-se de dado inconfundível com o da titularidade da relação jurídica de direito material, porventura retratada no processo,51 e, nessa condição, tornada objeto do processo. Realmente, pode acontecer de a parte não ser o titular do direito posto em causa no processo. Para a finalidade desse item, autor é a pessoa que age, réu a pessoa que reage à demanda.52 240. Relevância processual da noção de parte O art. 337, § 2.º, do NCPC alude às partes no sentido processual. Contenta-se com as pessoas que figuram, nominalmente, nos polos ativo e passivo da relação processual. E isso, porque “alguém pode ser parte, estar em juízo e, todavia, não possuir a qualidade de parte legítima ad causam.”53 Legitimidade, com efeito, é um conceito mais exigente. A legitimidade apurarse-á através de juízo de equivalência entre a pessoa que figura no processo e a que, consoante alguma situação legitimadora,54 nele deveria figurar. Em outras palavras, parte constitui uma situação aferida na relação processual; parte legítima, na relação jurídica substancial. No que tange à individualização da demanda, interessa tão só a noção processual de parte, independentemente da legitimidade.55 Em realidade, a correspondência, ou não, da titularidade do direito material, que enseja a ação respectiva, afigura-se irrelevante para distinguir uma ação da outra. Por exemplo, se A ajuíza uma ação de despejo por falta de pagamento contra B, alegando ser o locador do imóvel utilizado por este último, e B ajuíza outra ação, com a mesma causa de pedir e o mesmo objeto, dizendo que, ao invés de A, C ostenta a situação de locador daquele imóvel, não há identidade de partes. A razão é simples: A e B, simplesmente, não constituem idêntica pessoa, e basta inversão de suas posições processuais para eliminar a tríplice identidade. Imaginar-se-á, talvez, que, como locador do imóvel, a sentença reconhecerá A ou C, ressalvada a hipótese de que nenhum deles, na verdade, ocupe esta condição, mas sim um terceiro chamado D. No entanto, juízo desse teor dependerá do desfecho do
processo, ou seja, da razão de A ou de B, e a identificação da ação material deve ser aferida no início do processo e não no seu fim. A titularidade (efetiva) do direito material (alegado) não interfere em nada com a identificação dessas ações. A hipotética titularidade da ação material, ao invés, serve à identificação mencionada. Existe um ponto de contato entre o demandante (= autor da ação processual) e o suposto titular do direito subjetivo exposto na inicial. Toda pessoa, porque provocou a atividade jurisdicional do Estado, é titular do direito à tutela jurídica, ou seja, da ação processual. Não é disto, todavia, que se cuida no caso. Este mesmo autor, alegando algum direito material, dele se supõe titular, para fins de identificação da demanda. Não lhe cabendo, na verdade, tal direito, cumpre admitir que ele, considerado in status assertionis, jamais foi ou se tornará igual ao direito efetivamente atribuído ao verdadeiro locador. Em outras palavras, o falso credor figura como sujeito do processo (“parte” processual), e da lide tal qual exposta na petição inicial, na mesma situação que ocuparia o verdadeiro credor. Ele não é sujeito na relação entre o verdadeiro credor e o devedor, quiçá também litigiosa. Porém, esta outra se releva irrelevante no processo instaurado pelo falso credor, porque, alterado um dos sujeitos, modificar-se-á o próprio litígio. A conclusão é intuitiva: “a questão da legitimidade para a causa (legitimatio ad causam), definida como a pertinência ao autor (legitimação ativa) e ao réu (legitimação passiva) real e efetiva da relação jurídica afirmada como existente, é questão de mérito e a sentença que declarar inexistente a legitimidade do falso credor decidirá, com força de coisa julgada, sua pretensão face ao réu”.56 Esse exemplo comprova o princípio segundo o qual os elementos da ação (material) se individualizam na demanda, acompanhando apenas as alegações do autor. No caso, quanto à noção de parte, parece suficiente identificar o autor e o réu da relação processual pendente. Essas pessoas, conforme o natural desdobramento da tese, confundem-se com os titulares (hipotéticos) da relação material. 241. Qualidade jurídica da noção de parte Deve-se aquilatar a pessoa que figura como parte do ponto de vista jurídico, e, não, físico ou nominal.57 Realmente, uma mesma pessoa pode se colocar em dois processos, regulados pela mesma causa de pedir e pedido, mas de acordo com qualidades diferentes.58Em tais casos, não opera a tríplice identidade do art. 337, § 2.º, do NCPC. Os casos de legitimidade extraordinária, ou de substituição processual, oferecem base sólida para essa afirmativa.59 Há ações que competem tanto ao substituído, quanto ao substituto. Por exemplo, o art. 527 do CCom, em vigor segundo o art. 2.045 do CC, autoriza o capitão do navio, embora não seja o dono da embarcação, requerer o arresto da mercadoria em garantia do pagamento do frete.60 Obtendo o proprietário idêntica medida, as duas ações se identificam integralmente, apesar da diversidade nominal dos respectivos
autores. O Ministério Público pode reclamar a reparação civil defluente do ilícito penal (art. 68 c/c art. 64, caput, do CPP), quando a vítima for pobre; porém, pleiteando essa vítima diretamente seu direito em juízo, quiçá com o benefício da gratuidade, as duas ações mostrar-se-ão idênticas, embora diferentes nominalmente os respectivos autores. A segunda há de ser extinta, porque haverá litispendência (art. 337, § 3.º, do NCPC) ou coisa julgada (art. 337, § 4.º, do NCPC). A bem da clareza, o art. 337 do NCPC versou as situações em parágrafos distintos As hipóteses de legitimidade ordinária concorrente também demonstram o relevo da qualidade da parte. Dois ou mais credores solidários não podem, separadamente, pleitear a realização do mesmo crédito, por inteiro, contra o obrigado. Por óbvio, o devedor não se obriga a adimplir a mesma dívida duas vezes. 242. Pluralidade de partes e cumulação de ações Facilmente se configuram, na prática, processos habitados nos polos da relação processual por vários autores, ou vários réus, e, mesmo, por diversos autores e réus. Essa multiplicidade de partes se designa de litisconsórcio ativo, passivo ou recíproco.61 Exigida, no art. 337, § 2.º, do NCPC a identidade de partes, cabe indagar, agora, se a presença de mais de um autor, ou de um réu, implica respectivamente a existência de mais de uma ação. A resposta positiva imediata ao quesito, aparentemente natural, situa-se bem longe da unanimidade. O litisconsórcio pode ser distinguido do concurso de ações, ou seja, da existência de mais de uma pretensão com base no esquema de fato previsto em certa norma (v.g., ao comprador da coisa afetada por vício oculto socorre pretensão para pedir abatimento do preço e pretensão para pedir o desfazimento do negócio), cabendo ao autor escolher uma delas, e da cumulação de ações (v.g., a pretensão para cobrar obrigação solidária, movida por mais de um credor contra vários devedores, hipótese em que há litisconsórcio e um só pedido).62 À vista desses casos, apresenta-se a seguinte conclusão: “sempre que houver pluralidade de autores ou réus, haverá litisconsórcio, haja ou não concurso ou cumulação de ações”.63 Em sentido oposto, insiste-se que “a diversidade dos sujeitos produz diversidade de ações, mesmo quando é devida por diversos ou a diversos a mesma coisa, ou quando se pretende, em relação a diversos, o mesmo efeito jurídico.”64 Exemplo do primeiro caso é a obrigação solidária; do segundo, a ação para impugnar a deliberação da assembleia geral de uma companhia.65 Em tais domínios afloram, repentinamente, os agudos problemas de litisconsórcio, exigindo algumas distinções. Uma delas recai sempre na ação. Investigam-se os elementos da ação material, correspondente ao titular do direito subjetivo, afirmada na demanda, e que constitui o objeto do processo, e, por isso, “processual”. Examinam-se os elementos no início, ou no curso do processo, mas antes da sentença. Por outro lado, a efetiva existência do direito se atrela ao resultado do processo, precisamente ao juízo de procedência. A esse âmbito mostra-se estranha, portanto, a ação correspondente ao direito à tutela jurídica do Estado, poder atribuível a quem demanda em juízo. A pluralidade de autores, ou de réus, no processo,
obviamente importa a cumulação de pretensões à tutela jurídica do Estado. Mas, o feliz alvitre não resolve, tout court, o ponto fundamental: a correspondente cumulação de ações materiais. A partir desses dados, fica evidente a inexatidão da diferença entre cúmulo de demandas e de ações, eventualmente mencionada.66 Na cumulação de ações, segundo semelhante orientação, é preciso ter em mente a peculiar definição de “ação” processual na teoria eclética (retro, 222.3), aqui, todavia, rejeitada. Por sua vez, a demanda significa o exercício concreto da ação processual, ou seja, o ato de quem age em juízo.67 É o veículo e, simultaneamente, a individualização da ação material. Na demanda, estimamse os elementos (objetivos e subjetivos) e recolhem-se os dados que individualizarão o objeto do processo (ação material). Só há sentido em cogitar da pluralidade de demandas, por conseguinte, entendendo-se por “demanda”, para todos os efeitos, a ação material (objeto litigioso). A solução do problema respeitante à existência, ou não, de cumulação de ações, figurando no processo mais de um autor ou mais de um réu, ou pluralidade de autores e de réus, exige a sumária distinção entre os regimes e as espécies de litisconsórcio. Concebe-se o litisconsórcio como (a) necessário ou (b) facultativo: no primeiro, mais de uma pessoa, obrigatoriamente, deve vir a juízo para alcançar o bem da vida; na segunda espécie, embora o direito seja comum a mais de uma pessoa, cabe a qualquer uma, isoladamente, litigar em juízo.68 No tocante aos regimes do litisconsórcio, há (a) o comum, no qual as partes se consideram independentes uma das outras; e há (b) o especial ou unitário, quando o objeto do processo se ostenta inconsútil em relação aos seus sujeitos, motivo por que a sentença decidirá “o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes” (art. 116 do NCPC).69 Por conseguinte, tratando-se de litisconsórcio facultativo, quer ativo, quer passivo, haverá cumulação de ações.70 Já no litisconsórcio necessário existe ação única.71 Tocando o direito material a mais de uma pessoa, devendo os respectivos titulares efetivá-lo em conjunto, a demanda proposta com semelhante escopo agasalha somente uma ação. O objeto litigioso é único E a conclusão permanece válida para o litisconsórcio passivo ou misto. Neste sentido, explicitamente, dispôs o art. 35 do NCPC português de 2013: “No caso de litisconsórcio necessário, há uma única ação com pluralidade de sujeitos; no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes”. O regime unitário ou simples do litisconsórcio também apresenta implicações no tema. No litisconsórcio simultaneamente necessário e unitário, somente há uma ação. Tratando-se, ao invés, de litisconsórcio facultativo e unitário (v.g., a ação popular proposta por mais de um cidadão), o problema toma vulto. Para alguns, situando na base do regime unitário uma relação jurídica inconsútil, e nada obstante a complexidade subjetiva do processo inexistirá cúmulo de demandas (rectius: ações). Ao invés, há “concurso” subjetivo de ações (processuais), porque idênticos os elementos objetivos (causa e pedido), variando os legitimados, de modo que “uma só das ações
concorrentes pode ser exercida, como podem duas conjuntamente, três ou mais (litisconsórcio facultativo), mas havendo exercício conjunto de ações, ele se dará através de uma só demanda (unidade formal e jurídica)”.72 No que se relaciona à ação material, ou objeto do processo, vez que se despreza a cumulação de ações processuais, a tese nega o cúmulo. O tema é difícil, porque o próprio litisconsórcio facultativo unitário apresenta problemas autônomos. Tomando-se por inconsútil o objeto do processo, ainda que várias pessoas possam, ou não, persegui-lo em juízo, se no caso concreto elas propõem a demanda em conjunto, parece que a solução não deve ser idêntica à do litisconsórcio obrigatório. Face à unidade do objeto litigioso, parece relevante, na hipótese, o caráter facultativo. Por outro lado, ao se acreditar no art. 337, § 2.º, do NCPC contemplando a diversidade de parte ao lado da causa de pedir e do pedido (objeto), idênticos ou não, como dado suficiente à diferenciação da ação, ter-se-ia de algum modo que ignorar a regra. Ora, a objeção deduzida do art. 337, § 2.º, do NCPC já se encontra excepcionada. Nas hipóteses de litisconsórcio necessário há cúmulo subjetivo e, todavia, não existe cumulação de ações. Na realidade, um dos elementos catalogados no artigo em referência – as partes – não apresenta o mesmo relevo, ou peso, na individualização do objeto litigioso. Embora com mais de um autor, ou mais de um réu, descaracteriza-se a pluralidade de ações (objetos litigiosos) em alguns casos. Assim, no litisconsórcio facultativo e unitário, não existirá ação material única. Exemplos dessa espécie de cumulação: (a) ação “pauliana”, proposta por dois ou mais credores; (b) a ação revocatória, no juízo falimentar, proposta por vários credores; (c) ação de dois ou mais herdeiros para provar a autenticidade do testamento, ou acionados pelo herdeiro legítimo na ação de nulidade deste testamento, e assim por diante.73 Tais hipóteses não configuram “concurso” de ações. Na verdade, concorrer significa juntar-se a alguém numa ação, cooperar segundo o léxico. E quem cumula com outrem ações, sem dúvida coopera tanto quanto quem não cumula nada e, não obstante, figura como parte no processo. Reserva-se a expressão “concurso” às ações materiais que mutuamente se repelem, a exemplo da que pede o desfazimento do negócio e a que visa a obter o abatimento do preço (arts. 441, caput, e 442 do CC).74 Em síntese, toda vez que necessário o litisconsórcio haverá uma só ação. Mas, nas hipóteses de litisconsórcio facultativo, ao invés, existirá cumulação de ações. § 59.º Identificação da causa de pedir 243. Conceito de causa de pedir A causa de pedir é o elemento mais problemático dos que se prestam a identificar e a diferenciar as ações consoante o art. 337, § 2.º, do NCPC.75 À primeira vista, paradoxalmente, a expressão “causa de pedir” oferece razoável clareza. A própria designação desse elemento revela-lhe o sentido. É o título ou o móvel da demanda em juízo.76 Parece natural que, ao pedir a tutela
jurídica do Estado, o autor invoque a razão pela qual almeja o bem da vida perante o réu. Essa razão constitui a causa de pedir. Não se pode negligenciar a importância da causa de pedir no processo civil. O fato de o art. 337, § 2.º, do NCPC utilizar esse elemento para individualizar a pretensão processual indica que, no direito brasileiro, vigora a teoria binária do objeto litigioso (zweigliedrigen Streitgegenstandsbefriff).77 E, portanto, a causa de pedir influencia os fenômenos em que a individualização do objeto litigioso tem papel dominante: a proibição da reprodução da demanda em curso, um dos efeitos da litispendência, tão trivial que, de ordinário, com ela se confunde; a proibição da renovação de demanda já julgada (função negativa da autoridade da coisa julgada); a impossibilidade de o juízo de mérito discrepar do objeto do processo; e a cumulação de pretensões. A causa de pedir ainda funciona como fator de determinação da competência, base da capacidade de conduzir o processo,78 e parâmetro fundamental da defesa do réu (infra, 330). A exata configuração desse motivo constitui objeto de disputa entre fórmulas rivais. Elas empolgaram número significativo de adeptos, distribuídos em duas correntes antagônicas.79 Chamam-se de teorias da individualização (impropriamente designada de “individuação”) e da substancialização. Conforme a opção por uma e outra, variam as soluções dos problemas aventados e nos quais se afigura essencial a definição da causa de pedir. Felizmente, as mais recentes exposições dos prosélitos dessas teorias revelam progressiva aproximação,80 eliminando discrepâncias mais radicais. É preciso, antes de chegar a diagnóstico definitivo acerca dos méritos e deméritos de cada qual, inventariar essas concepções, perquirindo seus desacordos e apontando a solução adotada no direito brasileiro. 244. Individualização e substancialização da causa de pedir Segundo a teoria da individualização, define-se a causa de pedir através da identificação da relação jurídica da qual o autor extrai o efeito jurídico pretendido perante o réu. Por exemplo: na ação em que A reivindica perante B o bem imóvel X, basta o autor alegar o domínio sobre a coisa, pouco importando o respectivo título, seja originário (usucapião), seja derivado (compra e venda).81 Em tal hipótese, a causa de pedir abrange ambos os títulos, abstraindo, portanto, o esquema de fato que originou o alegado domínio. Fundamento da demanda, segundo a teoria da individualização, é “a relação jurídica da qual deriva a pretensão”.82 E o autor se desincumbe do ônus de expor a causa de pedir apenas alegando que é dono do imóvel. Essa noção é particularmente persuasiva nas pretensões cuja tipicidade é intensa e nítida. Determinadas pretensões nascem de regras em que os elementos de existência do direito encontram-se perfeitamente delimitados ou os respectivos esquemas de fato evocam conceitos unívocos.83 A doutrina italiana costuma distinguir direitos autodeterminados (v.g., as ações de invalidade) e de direitos heterodeterminados (v.g., as ações de prestação).84Direitos heterodeterminados subsistem, em tese, mais de uma vez entre os mesmos sujeitos. Por exemplo, A pode dever 100 a B, a título de
mútuo e dever 200 a título de compra e venda. E os direitos autodeterminados são os direitos que, ao contrário, não podem subsistir simultaneamente mais de uma vez entre os mesmos sujeitos.85 Por exemplo, A é proprietário do imóvel X, e, não, B (claro está que o imóvel X pode pertencer a C). Em linhas gerais, essa distinção retrata as características dos direitos relativos e dos direitos absolutos. Os esquemas de fato previstos nas regras que contemplam direitos relativos (v.g., o crédito) e direitos absolutos (v.g., o domínio), não se apresentam idênticos. Essa diferença do esquema normativo projeta-se na causa de pedir e, como se observou na doutrina alemã,86 aí descansa, afinal, o desacordo entre as teorias unitária e binária do objeto litigioso (infra, 236). Cuidando-se de direito autodeterminado (v.g., direitos reais; direitos da personalidade), a indicação do bem da vida já o identifica suficientemente, não sendo necessário expor o respectivo fato constitutivo; direito heterodeterminado, ao invés, necessita da indicação mais explícita do esquema de fato ou da hipótese de incidência. É um pouco mais ampla a noção defendida na doutrina francesa: existem direitos cujas hipóteses de incidência precisam ser decompostas em seus elementos de fato (v.g., a pretensão para obter a reparação de dano), a fim de receber a devida individualização, enquanto em outros a simples qualificação do direito desempenha esse papel, porque a noção jurídica é suficientemente próxima dos fatos. Considera-se, então, implícita a alegação dos fatos (v.g., a pretensão de receber o preço da compra e venda).87 Não há, pois, coincidência total com a concepção italiana. Seja como for, os esforços do autor em narrar o episódio da vida, num caso e noutro, têm ênfase diferente, admitindo-se maior concisão no concernente aos direitos autodeterminados. Em princípio, os créditos originam-se mediante múltiplos e heterogêneos fatos idôneos a preencher os elementos de incidência de várias e distintas normas. Por esse motivo, a minuciosa e exata caracterização dos fatos revela-se essencial à causa de pedir. Por exemplo, A pleiteia a condenação de B ao pagamento de 100, preço da compra e venda do bem Y, e ao pagamento de 50, valor do mútuo entre A e B, que possibilitou a este adquirir o bem Y de C. É óbvio que A necessitará indicar as origens discrepantes dos créditos que alegar ter perante B. Os fatos têm importância secundária e contingente nos direitos absolutos.88 A invocação do domínio, por si mesma, oferece motivo bastante para o autor ingressar em juízo. E isso, porque é inconcebível que duas pessoas, a um só tempo e em contraposição, sejam titulares do domínio integral sobre o mesmo bem.89 As ações constitutivas ocupam posição intermediária, entre os direitos relativos (causa heterodeterminada) e os direitos absolutos (causa autodeterminada). O direito à criação, à modificação ou à extinção de uma relação jurídica deriva de certo esquema, que reclama uma série de fatos genéricos análogos.90 Por exemplo: Apropõe ação anulatória de negócio jurídico contra B, alegando dolo. Em tal hipótese, a questão que confronta os partidários da individualização e da substancialização é a seguinte: basta a
alegação do vício? Ou é indispensável expor os fatos que caracterizam o ardil ou a artimanha, essencial a essa figura? Encara-se o problema, fundamentalmente, para identificar a existência de cumulação de ações e o alcance da posterior coisa julgada, mas há outra repercussão mais imediata: no caso de se mostrar indispensável ao autor narrar o fato que, no seu entender (v.g., o réu B, para lhe alienar o automóvel X, apresentou laudo que o veículo Y pertencente ao autor A apresenta defeitos mecânicos graves, não valendo a pena consertá-lo), configura o dolo, a falta dessa exposição implicará a inépcia da inicial, por ausência de causa de pedir (art. 330, § 1.º, I, do NCPC). A teoria da individualização considera suficiente indicar o vício (dolo) e imputá-lo ao réu. Em consequência, (a) o autor não precisa narrar o ardil que caracteriza o dolo principal; (b) a narração de mais de um ardil não significa pluralidade de causas; (c) é lícito ao juiz acolher o pedido se a prova revelar outra espécie de engodo; mas, (d) rejeitado o pedido, o autor não pode voltar a alegar dolo para invalidar o negócio de compra e venda do automóvel narrando outro ardil (v.g., o réu B, para alienar o automóvel X, apresentou suposto levantamento que demonstrava futura valorização extraordinária do bem) enquadrado na figura do dolo. A coisa julgada abrangerá quaisquer fatos que caracterizem dolo na relação das partes.91 E, para não fugir a exemplo no campo da ação constitutiva, embora comum o problema às ações executivas, se o cônjuge propõe ação de separação judicial, baseada em adultério (art. 1.573, I, do CC), porque “grave violação dos deveres do casamento” (art. 1.572, caput, do CC), narrando várias infrações do parceiro, há ação única, porque o esquema de fato é um só.92 É frisante a tendência da doutrina italiana de estimar dispensável, nas ações fundadas em direito absoluto, a cabal descrição dos fatos. E a função dos fatos, nas ações constitutivas, em proposição extensível às ações executivas da classificação quinária, sofre sensíveis temperamentos. O autor não precisará descrevê-los em pormenores. A simples indicação do direito formativo serve como causa de pedir da demanda. Por exemplo, se o autor A pretende invalidar a compra e venda do automóvel X com base em dolo, não precisa narrar o ardil, bastando que alegue que o réu B utilizou-se de artifício para induzi-lo a contratar. A narração precisa do fato que originou o alegado direito somente se mostra imprescindível nas ações baseadas em direitos relativos, de força declarativa ou condenatória. É completamente oposta a proposição básica da teoria da substancialização. A causa de pedir deriva dos fatos em que o autor baseia a pretensão deduzida em juízo.93 Não importa a natureza do direito material (relativo, absoluto ou formativo) que o autor pretende realizar perante o réu. As consequências, quanto à caracterização da causa de pedir, variam enormemente. Nas ações condenatórias, cumpre ao autor consignar os fatos apropriados à configuração do direito violado pelo réu; nas ações constitutivas e declaratórias, os fatos concretos que originam o corolário afirmado na demanda. Fundando o autor a ação condenatória no contrato de fiança firmado pelo réu e, ainda, em ato ilícito, há duas pretensões cumuladas. A pretensão à tutela jurídica é única, mas não há ação (material) única. Impende
repelir lamentável confusão entre o plano material e o processual. Superamse eventuais dificuldades mediante a correta separação entre o processo e o seu objeto. Existem duas ações (materiais) cumuladas na única pretensão à tutela jurídica do Estado veiculada. O art. 319, III, do NCPC brasileiro exige que o autor explicite, na petição inicial, “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido”. A lei brasileira adotou a teoria da substancialização.94 Em abono dessa adesão, invocou-se a desnecessária autoridade de arguto observador do direito brasileiro.95 É alvitre importante, pois os autores italianos, senão consagrando a 96 97 individualização, inclinam-se, majoritariamente, na sua direção; porém, ele não é decisivo. Importa demonstrar as superiores razões que conduziram a adoção desse modo e o fundamento (constitucional) da rejeição da teoria da individualização. Fato jurídico é o que preenche os elementos de incidência da norma.98 Integram a causa petendi o fato (ou complexo de fatos), previstos na norma e a consequência pretendida pelo autor.99 Fica de fora o fundamento legal.100 A inclusão dos fatos e dos fundamentos jurídicos nos componentes da causa de pedir tem justificativa. Eles revelariam duas faces da mesma realidade, com a única diferença de enfoque, ora fixado sobre o suporte fático (substancialização), ora nos efeitos correspondentes (individualização).101 Ora, como é dado ao órgão judiciário alterar a qualificação jurídica – naturalmente, sob certas condições e dentro de alguns limites –, o dado constante avulta no complexo de fatos. A indicação completa e precisa dos fatos se afigura fundamental para particularizar a ação. A narração de mais de um fato, suficiente de per si para originar o efeito jurídico consubstanciado no pedido, implica a existência de pluralidade de ações. E quaisquer ações, mesmo derivadas de direitos absolutos, hão de se basear em fatos.102 Na ação reivindicatória, por exemplo, o autor deve apontar o modo de aquisição do domínio.103 Fundamentando o remédio processual, concomitantemente, em testamento e usucapião, o réu enfrentará duas pretensões. Se A reivindica o imóvel X de B, alegando usucapião (título originário), mas o pedido é rejeitado (v.g., o autor não provou a posse pelo tempo adequado), o trânsito em julgado da sentença não o impedirá de renovar a pretensão, alegando a aquisição do domínio através de compra e venda (título derivado). É possível duvidar da tese que o art. 319, III, do NCPC consagrou, afinal, da teoria da substancialização.104 No entanto, é certo, rigorosamente certo que não adotou a teoria concorrente da individualização. E há uma razão fundamental e transcendente que inviabiliza a teoria da individualização. O art. 5.º, LV, da CF/1988, consagrou, com a necessária largueza, o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa. Ora, um dos aspectos relevantes do contraditório, amparando o direito de ação e o direito de defesa, consiste na possibilidade de o réu se opor aos fatos. Ficaria inviável fazê-lo no caso de o autor invocar a categoria abstrata do dolo, da coação ou do erro. Não é simples ilação retirada do ar rarefeito das elevadas altitudes constitucionais. O sistema entre nós adotado se
harmoniza com o direito fundamental processual e responde de modo mais equilibrado à ponderação dos interesses em jogo. Com efeito, o art. 341, caput, do NCPC impõe ao réu manifestar-se “precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial”, presumindo verdadeiros os fatos não impugnados. Esse ônus se contrapõe ao do autor de expor os fatos constitutivos (art. 319, III, do NCPC). Não é por outra razão que, na citação por oficial de justiça, o art. 250, II, do NCPC, exige que do mandado conste “a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial”, e, localizado o réu, incumbirá ao oficial de justiça ler-lhe o mandado (art. 251, I, do NCPC). É firme a noção, apesar de negligenciada nas exposições a respeito do tema, que (a) a identificação do autor, (b) a indicação do local do seu domicílio ou residência – exigência constante, de resto, do art. 250, I, do NCPC brasileiro –, (c) a indicação do fato que lhe é imputado e da respectiva consequência jurídica, e (d) a indicação dos meios de provar esses fatos constituem elementos essenciais para que a pessoa citada possa se defender habilmente.105 Figure-se o caso de o autor alegar dolo do réu na formação do contrato. Sem a indicação do ardil e da astúcia, torna-se impossível ao réu apresentar contestação dotada de conteúdo mínimo eficiente, que é a impugnação específica prevista no art. 341, caput, do NCPC, nem indicar meios de prova – por exemplo, as testemunhas que, presentes na celebração do ajuste, demonstrariam a boa-fé do réu. Essas são as razões que chancelaram a teoria da substancialização no art. 319, III, do NCPC. § 60.º Composição da causa de pedir 245. Componentes da causa de pedir Às partes o processo civil de viés “social” ou autoritário reservou o domínio das alegações de fato. A causa de pedir surge da alegação de fatos pelo autor na petição inicial. Por sua vez, o réu alegará fatos na impugnação indireta (infra, 331), emprestando nova versão aos articulados pelo autor, o que não modifica o objeto litigio, e na defesa de mérito indireto (infra, 339), controvertendo-se, nessa hipótese, a ocorrência, ou não, de ampliação do objeto litigioso. Em princípio, o órgão judicial não interfere nessa área: as alegações são espontâneas. Particularmente no caso do autor, lícito se afigura escolher quais fatos deseja alegar para obter o efeito jurídico pretendido perante o réu e é natural que sua opção recaia sobre os mais promissores para lograr êxito. Entretanto, a regra comporta mais de uma exceção, a saber: (a) a recepção dos fatos supervenientes, ex officio, de qualquer natureza, favoráveis ou não ao autor – é comum a recepção de fatos novos que eliminem o interesse processual (infra, 1.615); (b) a ulterior modificação do objeto litigioso, por força da intervenção do juiz em obter melhores esclarecimentos da exposição feita pelas partes (infra, 955). Essa última hipótese, como se observou no direito português, tende a beneficiar o autor em detrimento do réu.106
Seja como for, a delimitação da causa de pedir, de olhar fito no direito brasileiro, reclama dupla operação: de um lado, (a) a exclusão dos elementos estranhos aos seus domínios; e, simultaneamente, (b) a valoração dos dados que a integram segundo o art. 319, III, do NCPC. São componentes da causa de pedir: (a) os fatos constitutivos ou razões de fato; (b) os fundamentos jurídicos ou razões de direito. O fundamento legal é componente supérfluo na causa de pedir. 246. Fundamento legal O fundamento legal indicado pelo autor na petição inicial revela-se irrelevante na caracterização da causa petendi. Tampouco individualiza (= identifica) a pretensão processual. Entende-se por fundamento legal a norma jurídica (v.g., o dispositivo legal numericamente indicado na inicial, bem como o respectivo corpo legislativo), a qualificação jurídica outorgada aos fatos (v.g., a relação das partes é de locação) e o nomen iuris utilizado para designar a pretensão processual (v.g., “ação” de despejo). É comum o autor usar a palavra “rescisão” na demanda em que o autor pretende dissolver contrato, em virtude do inadimplemento imputável ao parceiro, em lugar da palavra correta “resolução”.107 Esse equívoco técnico na designação da causa da dissolução do contrato – o art. 475 do CC corrigiu a nomenclatura, usando a palavra correta – não tem qualquer relevo especial. O verbo incorreto não impedirá o julgamento do mérito e, se for o caso, o acolhimento do pedido, produzindo o efeito jurídico pretendido pelo autor, inclusive no caso de o juiz repeti-lo no dispositivo da sentença. Erros na designação da pretensão nenhuma influência exercem no acolhimento ou na rejeição do pedido. Cuida-se de mero formalismo haurido do direito comum.108 O STJ proclamou, positivamente, o seguinte: “Para a ciência processual, o rótulo que se dá à causa é irrelevante, atendendo apenas a conveniências de ordem prática”.109 A identificação do ato postulatório principal do autor, veiculado na petição inicial, decorre unicamente do seu conteúdo.110 Idêntico princípio deveria vigorar para os demais atos postulatórios, em especial a pretensão impugnativa dos atos decisórios (v.g., pedido de reconsideração em vez de embargos de declaração), mas há numerosos exemplos, na jurisprudência pátria, em sentido contrário. É mais flexível o entendimento do STJ no tocante à fungibilidade entre embargos de terceiro e embargos do executado, derivada das dificuldades de identificação de partes e de terceiros nesses domínios.111 Assim, o STJ já conheceu embargos de terceiro do sócio como embargos do executado na execução fiscal.112 O fundamento da indiferença do fundamento legal localiza-se na liberdade de o órgão judiciário qualificar juridicamente o conjunto de fatos narrados na inicial (iura novit curia) e realizar a subsunção (ou concretização) à norma que porventura entender aplicável à espécie.113 Eventual erro do autor, acompanhado pelo réu, não interfere ou condiciona a atividade do juiz, cumprindo-lhe, na decisão de saneamento e organização do processo, delimitar as questões de direito (art. 357, IV, do NCPC). E, nessas condições,
afigura-se lícito ao autor alterar, a qualquer momento, na pendência da demanda, o artigo de lei declinado na inicial, ou, mesmo, ao juiz, acolher a ação baseado em norma diversa,114 respeitado o prévio debate das partes. A esse respeito, pronunciou-se o STJ, autorizando o juiz a se valer “de regra jurídica diversa da invocada, pelo autor, na inicial”.115 Em relação à individualização da demanda, a indiferença do fundamental legal implica a existência de ação (material) única, no caso de o autor invocar, expondo certo complexo de fatos, duas ou mais regras jurídicas para designar a consequência deduzida do conjunto. O passageiro do ônibus que sofreu danos em decorrência de acidente de trânsito e, na ação de reparação, aponta tanto as regras de responsabilidade contratual, quanto extracontratual para amparar o pedido, deduz uma única pretensão contra o réu. O que importará, nesse caso, é a subsunção dos fatos narrados numa ou noutra regra, trabalho que incumbe ao órgão judiciário. Descrevendo o autor fatos diferentes, para um e outro caso, todavia, haverá duplicidade de pretensões.116 Essa independência do órgão judiciário em matéria de direito – o juiz é, por definição, o maître du droit -,117 não se afigura absoluta. Em primeiro lugar, o órgão judiciário poderá ficar vinculado ao exame dos fatos exclusivamente sob certo aspecto jurídico, nisto convindo os litigantes ou postulando neste sentido o autor. Também ficará atrelado à opinião concordante dos desavindos sobre determinada questão de direito.118 O princípio dispositivo, consagrado no art. 141, respalda a subordinação do órgão judicante nesses casos. Por exemplo, interessa ao autor A afastar a incidência de certo tributo em razão da inconstitucionalidade da regra X, e, não, em virtude da qualificação do fato gerador na regra Y, cuja alíquota é mais elevada, e, nessa contingência, pode pleitear que o juiz examine unicamente a questão constitucional e não se pronuncie sobre qualquer outra questão. E, ademais, a tradicional liberdade conferida ao órgão judiciário para (a) qualificar o material de fato, objeto do debate das partes, ignorando a errônea qualificação jurídica empreendida pelo autor; e (b) convocar a norma aplicável à causa, suprindo as deficiências que, porventura, apresente a petição inicial na lembrança dessas regras, sofre limitações em decorrência da dimensão “vertical” do princípio do contraditório. É preciso ensejar ao autor (e, na verdade, às partes) o direito de utilizar suas opiniões jurídicas, no mérito ou nas questões do processo, a fim de influir no convencimento do juiz.119 Esse é o sentido do art. 357, IV, do NCPC. Nenhuma das atividades do órgão judiciário, intrinsecamente legítimas e, principalmente, às vezes necessárias ao bom julgamento, prescinde do prévio debate das partes (contraditório).120 Não é lícito, em especial, o juiz surpreender o réu com o acolhimento do pedido com outros fundamentos jurídicos, subtraindolhe oportunidade para rebater o novo enquadramento. 247. Fatos constitutivos A demanda do autor exporá o(s) fato(s) jurídico(s) do qual decorrem a conclusão expressa no pedido (art. 330, § 1.º, III, do NCPC).
Fato constitutivo do pedido, mencionado no art. 319, III, do NCPC é o complexo de fatos (elementos) objeto de incidência na regra jurídica.121 O autor extrai o efeito jurídico pretendido após a verificação desse esquema de fato. Embora a disposição legislativa aluda a “fato”, no singular, e realmente um único fato individualizado seja suficiente à incidência (v.g., a morte), a hipótese mais comum é a de um conjunto de fatos. Em geral, portanto, o autor se constrange a expor vários fatos relacionados entre si, identificando os que têm relevo à hipótese de incidência da norma, e a narrar na petição inicial o que expressivamente se chamou de episódio da vida (Lebensachverhalt).122 Logo, o art. 319, III, do NCPC exige, na prática, a narrativa na petição do motivo pelo qual o autor pretende obter perante o réu o efeito jurídico consubstanciado no pedido. Essa narrativa constitui tarefa de enorme responsabilidade e máxima delicadeza. Ela “há de ser clara e precisa; convém, outrossim, que seja exaustiva, mas concisa; e subentende-se que há de conter a verdade dos fatos, exposto com probidade e encadeamento, tal como se passaram”.123 À construção do(s) enunciado(s) que individualizam a causa de pedir concorrem várias características, combinados entre si, e partem da premissa que, do mesmo episódio da vida, existem múltiplas descrições possivelmente verdadeiras ou falsas.124 O autor selecionará, tendo em vista os elementos de incidência da norma da qual extrai o efeito jurídico pretendido perante o réu, o que entende importante, concretamente, para persuadir o juiz que houve o preenchimento. Logo se percebe que, além do esquema de fato básico da norma (“fato constitutivo”), o episódio da vida é apresentado com suas circunstâncias (“fatos simples”), que, via de regra, o distingue dos congêneres. Ao introduzir a causa de pedir, o autor contempla certas categorias naturais e lógicas. Assim, invoca as noções de tempo (v.g., o paciente A deduz contra o médico B pretensão de reparação do dano, indicando as datas da visita ao réu, a que lhe foi ministrada a medicação prescrita e a que apareceram os primeiros sintomas colaterais) e de causa suficiente (v.g., o uso do medicamento X produziu o efeito colateral maligno Y), esta última sopesada, por vezes, mais como probabilidade. A exposição do autor pressupõe elementos culturais, ou critérios éticos, religiosos e étnicos, que influenciam na formação do enunciado ao juiz (v.g., apresentando a prescrição do medicamento como normal ou excepcional, escusável ou não, e assim por diante). A inserção social do episódio da vida tem elevado peso no enunciado (v.g., a noção de adultério assenta num contexto jurídico ou religioso particular, pois a relação sexual de pessoa casada como ser considerada como prova de amizade em outro contexto). E, desdobrando-se o evento ou a conduta que originou o litígio em vários acontecimentos, ou aspectos relevantes, as alegações assumem o nítido caráter de narrativa. Por fim, a causa de pedir ingressa no processo como enunciado linguístico. Ora, os enunciados se exprimem segundo as regras da linguagem dos atos processuais. Assim, quanto menos correta for a construção linguística, gramatical ou sintática do enunciado, mais difícil se tornará a fixação do seu significado.125 Enquanto as partes constroem os enunciados de fato que oferecem ao juiz na comunidade de trabalho formada no processo, o órgão judiciário
necessitará reconstruir a realidade,126 mediante instrumentos e procedimentos mentais que redundarão no juízo de fato – análise e resolução das questões de fato suscitadas e debatidas – expresso na motivação. A exposição do esquema de fato objeto da incidência da norma jurídica afigura-se essencial ao propósito do autor de obter certo bem da vida, proveito, vantagem ou utilidade perante o réu. E a razão é trivial: o direito assenta em fatos.127 Logo, incumbe ao autor o ônus de alegar (e, no curso do processo, havendo controvérsia, o ônus provar) o esquema de fato que preenche os elementos de incidência da norma para ter o direito que alega ter perante o adversário; e, por outro lado, a defesa do réu precisará negar a veracidade dos fatos afirmados na inicial (rectius: alegações de fato) e que originaram o direito alegado pelo autor. A causa petendi é, sobretudo, narração de realidade passada ou presente. É elemento indissociável do processo constitucionalmente justo e equilibrado. E, com efeito, a primeira e mais elementar atitude do réu consiste em refutar diretamente os fatos narrados pelo autor (rectius: as alegações de fato), impugnando a respectiva veracidade. É o conteúdo mínimo eficaz da contestação. Dá-se a ela o nome de negação simples ou rotunda;128 mera ou simples defesa.129 Réu que não contraria os fatos narrados pelo autor, e omite outra variante defensiva, na realidade não se defendeu eficientemente. Equipara-se ao revel – ao réu que não respondeu à pretensão, que não apresentou defesa. As alegações de fato do autor tornam-se incontroversas, ressalva feita às exceções dos incs. I a III do art. 341, e do seu parágrafo único (infra, 332 e 333), ou de eventual entendimento favorável ao réu do órgão judiciário, relativamente à questão de direito implicada nesses fatos, e o estado do processo produzirá o acolhimento do pedido, em julgamento antecipado, no todo (art. 355, I, do NCPC) ou em parte (art. 356, II, do NCPC). Não discrepa esse sistema dos efeitos da inexistência de defesa, traduzida na falta de comparecimento do réu ao processo. Ocorre simples alteração dos fundamentos desse tratamento assaz rigoroso, mas real e empregado na prática. As questões de fato, resultantes da impugnação do réu aos narrados pelo autor, envolvem as respostas às seguintes indagações, relevantes ao desfecho da causa: “quem, quando, o que e onde”.130 A exposição dos fatos há de ser feita com o intuito de favorecer a inteligência da categoria jurídica controvertida em função da qual se deduzem as consequências perante o réu. Por esse prisma, já se nota quão insuficiente e inexata é a teoria que negligencia os fatos, contentando-se com a invocação da relação jurídica que o autor entende decorrer do esquema de fato.131 Representará problema diverso, naturalmente, identificar os fatos que gozam de relevância, no âmbito da narrativa do autor, na individualização da causa de pedir. E, realmente, há duas espécies de fatos: (a) fatos principais; (b) fatos simples. 247.1 Fatos principais – Fatos principais são os que compõem a hipótese de incidência da norma da qual o autor retira o efeito jurídico pretendido
perante o réu. Esses fatos podem ser de duas espécies: (a) determinados (v.g., a morte, indicada no art. 1.571, I, do CC, como motivo de extinção da sociedade conjugal); e (b) indeterminados (v.g., a conduta desonrosa, prevista no art. 1.573, VI, como motivo da separação dos cônjuges). Os sucessos históricos previstos na norma provocam, às vezes, problemas de difícil resolução, no que tange à individualização da causa petendi e à sua eventual multiplicidade. É o ponto mais frágil da teoria da substancialização. Nada obstante, a opção do art. 319, III, do NCPC resiste bem a esse confronto decisivo. Três exemplos auxiliam a compreensão da dificuldade. (A) A propõe ação de “rescisão” de parceria rural contra B, fundamentada em danos à gleba arrendada pelo emprego de técnicas agrícolas inadequadas, e em danos à colheita, em virtude da utilização de sementes impróprias.132 O art. 32, IV, do Decreto 59.566/1966, permite o despejo por “dano causado à gleba arrendada ou às colheitas, provado o dolo ou culpa do arrendatário”. Cumpre decidir, nesta contingência, se o réu enfrenta uma ou duas ações cumuladas pelo autor. (B) A pleiteia o reconhecimento da paternidade perante B, alegando seu caráter homólogo (art. 1.597, III, CC). Posteriormente, a prova pericial, colhida no curso do processo, revela a condição heteróloga da fecundação, bem como o consentimento de B, então casado com a mãe de A (art. 1.597, V, do CC). A evolução da ciência tornou o fato biológico plenamente comprovável. Desapareceu a antiga impossibilidade prática,133 graças ao progresso da ciência, eliminando-se causa de desprestígio da atividade judiciária. (C) A pleiteia a separação de B, alegando que o réu violou gravemente os deveres do casamento (art. 1.572, caput, do CC), impossibilitando a comunhão de vida (art. 1.573, caput, do CC), porque B praticou adultério com C e, ademais, B costuma se embriagar indecorosamente. Esses casos têm importância distinta. No primeiro, cumpre identificar se o autor cumulou, ou não, duas pretensões perante o réu, in simultaneo processu, ficando pré-excluída, em qualquer hipótese, a invocação do dano à colheita. E, no segundo caso, importa muito a possibilidade de o juiz acolher o pedido sem infringir o princípio da congruência, desprezando a causa de pedir efetivamente alegada. Em situação similar, mas sob a vigência do CC de 1916, notável precedente decidiu que, baseada a investigação de paternidade em concubinato, não infringiria a causa de pedir julgar a ação procedente com base em relações sexuais, obviamente subentendidas na união dos pais.134 O terceiro é altamente promissor para enquadrar, de uma vez por todas, a causa de pedir. Não há soluções fáceis nesses casos extremos. Em princípio, “a circunstância de estarem os fundamentos de uma mesma demanda distribuídos por dois ou mais dispositivos legais, não implicará que existam necessariamente tantas ações quantos sejam os preceitos legais em causa”.135 Entenda-se bem: a causa de pedir se identifica com a norma que os fatos alegados preenchem suficiente e eficientemente. Essa norma pode se encontrar distribuída em vários dispositivos legais autônomos, mas complementares. É lícito, então, adiantar a seguinte conclusão: se norma,
sobre a qual incidiu o conjunto de fatos, é uma só, “a causa de pedir será uma. Se são várias, haverá pluralidade de causas de pedir e, em consequência, cumulação” (de causas).136 Em realidade, a solução se torna mais complexa à vista da disciplina da coisa julgada, em particular da eficácia preclusiva contemplada no art. 508.137 Esse dispositivo constitui uma fonte inexaurível de preocupações e cuidados. À sua luz, deve-se abandonar a ilusão que o legislador haja adotado uma noção unívoca de objeto litigioso; ou melhor, a uniformidade de aplicação do objeto litigioso nos diversos institutos (modificação da demanda, cumulação de ações, coisa julgada e litispendência) a ele relacionados. A disparidade de tratamento não é exclusiva do direito brasileiro. Em Portugal, sustenta-se a existência de duas noções diferentes de causa de pedir: a primeira, ligada a fatos concretos, no tocante à coisa julgada; a segunda, definida como categoria abstrata, regulando a alteração da demanda. Por exemplo: A propõe ação de divórcio contra B, alegando adultério. Em momento subsequente, a A se afigurará lícito trazer à apreciação do órgão judiciário outro adultério, sucedido no curso do primeiro processo. Este fato constituirá, segundo o art. 581, n.º 4, primeira parte, do NCPC português de 2013, causa de pedir autônoma, porque distintos os fatos jurídicos; porém, atendível este fato superveniente, a teor do art. 611, n.º 1, do mesmo diploma, esse segundo fato, inserido no primeiro processo, não importará modificação da demanda, pois o julgamento corresponderá ao estado de fato existente no momento do encerramento da discussão da causa. Assim, para esse, a doutrina anterior à vigência do novel diploma (os textos são correspondentes) considerava causa de pedir o esquema abstrato da “violação do dever de fidelidade conjugal”.138 Deixando à parte a autoridade da coisa julgada, governada por princípios especiais, “nem a irrelevância absoluta e nem a completa relevância” norteiam a solução das questões aventadas.139 O direito subjetivo material se origina da incidência dos fatos na norma, e, portanto, basta identificar os elementos do suporte dessa incidência. Tal alvitre precipita a solução para o primeiro exemplo (A). O dano à gleba arrendada, de um lado, e o dano à colheita, de outro, representam esquemas de fato autônomos na mesma regra jurídica. Logo, cada qual gera uma pretensão distinta. É bom recordar que o autor tem o ônus de narrar um episódio da vida (Lebenssachverhalt), porque o esquema de fato é flexível. Talvez o autor descreva um único e preciso fato – por exemplo, o parceiro deitou na terra quantidade inadequada de fertilizantes – que, a um só tempo, destruiu a safra e tornou estéril a terra. Em tal hipótese, ocorrerá incidência simultânea do mesmo fato em dois esquemas normativos distintos, subsistindo, pois, a cumulação de pretensões diferentes no mesmo processo. A vocação de o mesmo conjunto de fatos incidirem em duas normas jurídicas, independentemente, é um dos fenômenos que turvam o panorama. Realmente, duas ações constitutivas diferem caso, numa, se invoque erro e, noutra, coação. Mas se, em ambas, os fatos descritos se revelam inteiramente coincidentes, divergindo apenas a qualificação que o órgão judiciário lhes atribui, haverá pretensão única.140 A divergência em torno da fundamentação legal é irrelevante, pois o fundamento legal não integra
a causa petendi. Por óbvio, solução diversa se imporia óbvio se o complexo de fatos preenchesse, simultaneamente, a figura do dolo e do erro. Então, haveria duas pretensões. O art. 508 não combina – intencionalmente – com qualquer construção uniforme do objeto litigioso. Não há dúvida de que, no exemplo das ações fundadas em erro ou dolo, apesar de diversas, porque os fatos jurídicos ensejam direitos subjetivos ao desfazimento do negócio jurídico por dolo e por erro, a eficácia preclusiva da coisa julgada abrangerá, na aplicação mais radical, esta última (erro), mesmo expondo o autor, na inicial, unicamente a outra (dolo). O raciocínio até agora desenvolvido recebe confirmação na análise do segundo exemplo (B). Ele revela que, nas ações constitutivas e executivas, é comum o autor narrar fato que preenche a hipótese de incidência de duas regras simultaneamente ou narrar vários fatos que, isoladamente, preencheriam a mesma hipótese de incidência. A ação constitutiva individualiza-se, na demanda, pelo direito formativo e pelo fato que lhe origina. Ocorre que, a mais das vezes, cumpre separar as circunstâncias do núcleo do fato idôneo a preencher a hipótese de incidência do direito formativo. Referindo o autor o dolo como a mácula do contrato, não multiplicará a causa petendi, e nem sequer, a fortiori, alterará a causa inicialmente exposta, na proporção que alegue outras circunstâncias concorrentes à formação desse mesmo vício; ao contrário, ocorrerá modificação ou multiplicação da causa de pedir se o autor passa a narrar fatos subsumidos aos tipos da violência ou do erro.141 Vale realçar que a qualificação jurídica do fato – dolo ou erro –, outorgada pelo autor, não tem relevo.142 O que importa é a cabal caracterização do ardil ou do expediente que subtraiu a vontade real do figurante no contrato, tratando-se de dolo, a indicação da espécie de violência, cuidando-se de coação, e assim por diante. Fitando o terceiro exemplo (C), pode parecer que, alegando o autor na ação de separação (a) adultério com C e (b) embriaguez, inexiste pluralidade de pretensões, porque ambos os esquemas de fato concorrem à figura da grave violação dos deveres do casamento. E a adição de outro fato, agora o adultério de Bcom C, talvez tão-só a prova revelando o(a) parceiro(a) de B (C ou D) no ilícito, tampouco significa que houve mudança na causa petendi, e, desse modo, impossibilidade de o juiz acolher o pedido, porque provado o adultério. Porém, a questão não se afigura tão simples. Em primeiro lugar, avulta a aptidão do adultério e da embriaguez, isoladamente, ensejarem o direito subjetivo à separação. E, nesse caso, o autor deduziu duas pretensão, e, não, uma só. E, ademais, o fato apto a traduzir a hipótese de incidência do art. 1.573, I – “adultério” –, há de ser escoimado de suas circunstâncias (ou fatos secundários), a exemplo do lugar e da hora, mas sempre haverá um elemento de fato – o coito com pessoa diversa do cônjuge – sem o qual a hipótese abstrata não se constitui concretamente. Pois bem. O direito formativo à separação se encontra formulado genericamente, por intermédio da cláusula “grave violação dos deveres do casamento” (art. 1.572, caput, do CC), que torne insuportável a vida em
comum. Vários conjuntos de fatos se amoldam ao tipo genérico, revelando-se exemplificativo o rol do art. 1.573 do CC (“Podem caracterizar a impossibilidade da vida em comum…”): o adultério e a embriaguez escandalosa, ante a intensa gravidade assumida na convivência social, tradicionalmente exemplificam a quebra dos deveres impostos ao cônjuge pelo casamento. Um e outro possuem sucessos históricos próprios, inconfundíveis para o efeito de incidência na norma e não necessariamente coincidentes – sempre é possível imaginar, todavia, o adultério indecoroso do bêbado. Toda vez, porém, que o esquema de fato delinear e marcar (a) adultério e (b) embriaguez, em distintas atitudes imputáveis ao réu, em que pese a unidade do direito à separação o (“grave violação dos deveres do casamento”), o autor da demanda invoca duas ações materiais perante o réu,143 perfeitamente destacáveis uma da outra, e não pretensão única com dois fundamentos. O adultério e a embriaguez na separação pretendida por A perante B constituem duas causas de pedir, porque cada uma delas, isoladamente, funcionaria comcausa petendi hábil para o pedido. Logo, se A alegou perante B tão-só o adultério com C, lícito se afigura que deduza, paralelamente, o mesmo pedido fundado na embriaguez, e vice-versa, ou não logrando êxito no primeiro processo, utilize a embriaguez no segundo sem ferir a autoridade da coisa julgada. Em cada uma dessas causas de pedir, acodem uma série de sucessos históricos, pormenores e eventos – por exemplo, dia, hora e local do ato contrário ao direito –,144 e a demonstração do caráter insuportável da vida conjugal trazida pelo rompimento do dever conjugal. Essas circunstâncias admitem variação, adição ou alteração, até certo ponto – há um núcleo duro, pois o réu precisa conhecer a imputação contra a qual se defende –, sem importar a verdadeira modificação da causa petendi, vetada no art. 329. É particularmente instigante o núcleo duro (ou fato essencial) da causa de pedir no caso de o cônjuge imputar adultério ao outro (art. 1.573, I, do CC). Em particular, identificando A na ação de separação perante B o parceiro do ilícito como C, talvez a prova revela que o parceiro foi D ou, simplesmente, A não logre provar qualquer contato de B com C e, rejeitado o pedido, pretenda pleitear a separação, outra vez, alegando o adultério de B com D. Tudo indica que satisfaz a hipótese de incidência do art. 1.573, I, do CC o coito de B com pessoa distinta do(a) cônjuge, independentemente da sua identidade concreta (C ou D). Logo, mostra-se admissível o juiz acolher o pedido, revelando a prova que B manteve relações sexuais com D, e, não, com C, como narrara o(a) autor(a) na inicial; porém, transitada em julgada a sentença de improcedência, fundada a segurança em adultério, não poderá A renovar a demanda, alegando que o coito de B com D é causa petendi diferente do fato anteriormente alegado, o coito de B com C. Chega-se, por essa via, à formulação da questão derradeira em tema de fato principal. Se a identidade do parceiro de ilícito do cônjuge importa à individualização da causa petendi, tratando-se de adultério, não constituindo fato secundário, então o juiz acolherá o pedido independentemente de a prova revelar que o parceiro foiC, D ou E (ou todos eles), ou seja, pessoa distinta da identificada na petição inicial. Tampouco o autor necessitará, na inicial, identificar esse parceiro, cuja real identidade talvez jamais se conheça. É uma concepção vantajosa: não se pode exigir que o cônjuge fiel conheça o
parceiro do adúltero. E pode acontecer que nem o adúltero conheça a identidade do parceiro (v.g., manteve relações com garota de programa). Em contrapartida, revelando indiferente a identidade do parceiro, desde que a sua existência seja provada (v.g., através de fotografia do cônjuge no ato sexual, todavia sem a possibilidade de identificação positiva do outro ou da outra figurante), o julgamento de improcedência pré-exclui a formulação de novo pedido com base nessa causa petendi. Outra vez, e sem embargo repetição maçante, convém insistir num ponto: a eficácia preclusiva da coisa julgada, ante o disposto no art. 508, abrangerá, em princípio, todos os fatos jurídicos dedutíveis na ação de separação (adultério, embriaguez e qualquer outro apto a incidir na regra), tenham, ou não, sido deduzidos na demanda. Não ficaria completo o quadro traçado sem o exame do fato principal em outras pretensões. A ação declaratória positiva ou negativa, visando à extirpação do estado de incerteza sobre a existência ou a inexistência de relação jurídica,145 e ao reconhecimento da falsidade ou da autenticidade de documento (art. 19, I e II), presta-se à obtenção de um juízo declaratório do domínio.146 Essa pretensão, juntamente com a reivindicatória – protótipo da ação petitória e de força executiva – atrai a discórdia das teorias da individualização e da substancialização.147 Comparando os direitos absolutos e os direitos relativos, assinalou-se: “O proprietário pode reivindicar, qualquer que tenha sido o título; o credor nem sempre pode cobrar”.148 Todavia, mesmo produzindo o direito absoluto efeitos perante todos, não ficará dispensado o titular do alegado direito, “ou mais precisamente, ‘o que se pretende titular de um direito real, a propriedade’, por exemplo, de fundamentar o seu direito, para vê-lo reconhecido judicialmente, quando contestado”.149 Os fatos jurídicos relevantes à configuração do domínio (= causa da aquisição) revelam-se imprescindíveis. Assim, o autor que reivindica com fundamento em testamento e na compra e venda cumula duas ações.150 Haverá tantas causas de pedir quantos sejam os fatos hábeis à caracterização do domínio narrados na inicial.151 E não indicando o autor da reivindicatória a causa da aquisição do domínio (usucapião ou compra e venda), a petição inicial apresentará, indubitavelmente, defeito capaz de dificultar o julgamento do mérito (art. 321), ensejando a abertura de prazo para o autor corrigi-la e, não se verificando a emenda, propiciando-lhe o indeferimento liminar, porque inepta (art. 321, parágrafo único). Finalmente, as ações condenatórias reclamam a exata indicação do fato jurídico do qual nasce o alegado direito subjetivo do autor, porque a simples menção da relação jurídica se mostraria inócua à sua individualização. Explica-se: “Cada relação é suscetível de obrigações de prestações distintas. Daí a exigência de serem caracterizados o fato e a obrigação mesma”.152 E a ação mandamental, que resultará na emissão de uma ordem, também se subordina à precisa alegação dos fatos. 247.2 Fatos secundários – Acompanham os fatos principais, auxiliando sua determinação, pormenores que não se mostram essenciais à hipótese de incidência da norma (regra ou princípio). São os fatos simples ou secundários.
Os fatos simples ou secundários, ou seja, os que, de per si, não preenchem o suporte fático, mostram-se descartáveis. Por exemplo, se o adultério se consumou de manhã, ou à noite; se o dia estava ensolarado, ou chovia; se o marido embriagouse neste ou naquele restaurante, vexando o cônjuge; se o acidente que provocou danos materiais e pessoais ocorreu no início desta rua, ou no fim daquela; se numa sexta-feira, ou num sábado; tudo isto, circunstâncias da causa petendi, completa-a, esclarece-a, mas não a constitui, nem a individualiza. Os fatos secundários se distinguem dos fatos principais, porque a omissão de um fato auxiliar não torna irreconhecível e inservível a individualização da pretensão processual. Em qualquer episódio da vida narrado pelo autor sempre haverá um núcleo duro – o esquema de fato previsto na norma –, que é imodificável sem descaracterização da causa de pedir. Não é essencial à configuração do adultério, por exemplo, o dia, a hora, o local do rendez-vouz, mas o contato íntimo do cônjuge com alguém. A identificação cabal dessa pessoa até pode ser dispensada. Por exemplo, imagens e áudio, obtidos licitamente, comprovam as relações sexuais do marido com outra mulher, cuja identidade permanece ignorada, ante a recalcitrância do varão em revelar-lhe o nome e o caráter inclusivo das imagens. A falta desse dado secundário é irrelevante, inexistindo impedimento para acolher o pedido. Nem sempre se mostra fácil distinguir o fato principal dos fatos secundários, ou melhor: identificar o fato principal que empresta fisionomia própria à causa de pedir. Em determinado julgado, cujo merecimento consiste em considerar a aludida distinção (fatos principais versus fatos secundários), sustentou-se que, pleiteando Aconsignação em pagamento perante B, sem os juros compensatórios, porque B não cumprira o contrato, vez que a (a) obra não recebera licença de habitação e fora entregue em (b) desconformidade com o memorial descritivo, fato principal é o inadimplemento de B, sendo (a) e (b) fatos secundários.153 Em realidade, nessa espécie o autor cumulou duas causas pedir: fato principal do inadimplemento de B é a falta de licença de habitação (a) e a construção em desacordo com o memorial descritivo (b). É que cada um desses inadimplementos, isoladamente, funcionaria como causa petendi hábil para resolver o contrato. Sobrevindo sentença de improcedência, e tendo o autor alegado apenas um desses fatos, o autor poderia renovar o pedido fundado no outro – naturalmente, ressalvando eventual impedimento decorrente da extensão outorgada à eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 508). Fatos secundários seriam (a) os motivos por que o Município negou a licença e (b) os pormenores que estampam a divergência entre a obra projetada, segundo o memorial, e a obra efetivamente edificada. Estes é que podem variar livremente: o autor alegou que a cozinha haveria de exibir tantos metros quadrados, mas na realidade apresenta área menor; a perícia apurou que essa diferença de metragem é insignificante, mas há significativa diferença na área dos dormitórios. 247.3 Fatos relativos ao interesse – A narrativa do autor abrangerá o fato constitutivo do interesse processual.154 Esse ponto tem importância, em particular nas ações declaratórias, que, segundo o entendimento prevalecente, visam a eliminar um estado de
incerteza. Ora, a dúvida em torno da relação jurídica, ou de alguma parte integrante dela, deve ser real e concreta, e não subjetiva, porque o escopo da atividade jurisdicional não se harmoniza com o de prestar consultas ao interessado. Por isso, além de expor os fatos pertinentes à relação jurídica, cujo reconhecimento se reclama, ou não, compete ao autor historiar os fatos que determinaram, do lado do réu, a criação da dúvida ou da sua jactância, designando-se titular de um direito subjetivo frente ao autor. Em geral, o interesse não é tão peculiar, “ressalta da simples narração dos fatos”.155 Encontra-se implícito o interesse, na ação resolutória da compra e venda em virtude de inadimplemento do comprador, na própria indicação da conduta violadora dos deveres contratuais imputada a esse figurante.156 Convém ressaltar, a esse propósito, a autonomia entre o plano material e o processual. O interesse processual não se situa neste último domínio. Evidentemente, não limita ou condiciona o direito à tutela jurídica (retro, 222.5). O interesse processual é elemento neutro do objeto litigioso, pois a sua eventual variação não descaracteriza a pretensão deduzida.157 248. Fundamentos jurídicos O art. 319, III, exige, ao lado da indicação dos fatos, a dos “fundamentos jurídicos do pedido”. Por sua vez, o art. 330, § 1.º, III, considera inepta a inicial em que da narrativa dos fatos não decorra, logicamente, a conclusão externada no pedido. Entre a causa de pedir e o pedido, portanto, há de existir um vínculo lógico – compatibilidade, harmonia e consonância –, antigamente chamado de medium concludendi.158 O vício de que cogita o art. 330, § 1.º, III, consubstancia-se de duas maneiras diferentes: (a) o autor qualificou corretamente os fatos jurídicos que lhe amparam a pretensão (v.g., discerne comodato na relação jurídica exposta), mas lhes atribui consequências que, de nenhum modo, a eles se relacionam (v.g., o autor pede retribuição pecuniária pelo uso do imóvel); (b) o autor qualificou erradamente os fatos jurídicos (v.g., declara que a relação jurídica é de locação) e, por isso, pediu efeitos inconcebíveis (v.g., o pagamento dos aluguéis).159 Em tais hipóteses, embora lícito ao juiz qualificar os fatos trazidos pela parte, sem desviar-se do dever de julgar a causa dentro dos limites traçados pelo autor (art. 141), a deficiência não poderá ser suprida no julgamento do pedido. E isso, porque o pedido formulado diverge da causa de pedir, tal qual exposta. O erro na conclusão, e, conseguintemente, na identificação do efeito jurídico pretendido, inviabilizará o próprio pedido. O juiz jamais poderá condenar o réu ao pagamento de retribuição pecuniária ao autor, sendo de comodato a relação jurídica entre as partes, tendo ou não o autor acertado na qualificação jurídica do contrato. Eventualmente, o autor expõe fatos que não interessam ao direito, insuscetíveis de incidência em qualquer norma. Neste caso, o equívoco reside mais na falta de causa (art. 330, § 1.º, I) do que na conclusão inadequada.160 Os fundamentos jurídicos constituem a causa de pedir próxima.161 Segundo aguda percepção, consiste na afirmação de relação
jurídica proveniente do fato jurídico e estruturada na avocação de um direito e na atribuição de um dever ao réu.162 Em outras palavras, a causa de pedir se compõe “dos elementos de fato e de direito do suporte fático do qual deriva o direito substantivo deduzido em juízo”.163 A narrativa do autor se reparte em dois tópicos complementares: (a) a concreta exposição dos fatos jurídicos (ou, precisamente, dos elementos que compõem a norma porventura incidente no litígio); (b) e, ainda, a afirmação da sua coincidência com regras que lhes conferem os efeitos constantes do pedido.164 Assim, na demanda em que a autora A pede a separação do réu B, o ato postulatório narrará o encontro do réu B com C, no motel X, no dia Y, ipso facto caracterizando o fato jurídico (causa de pedir remota), o autor diz ter havido adultério (causa de pedir próxima), e, por isso, pleiteia a separação. Eventualmente, dos mesmos fatos o autor extrai duas conclusões diferentes. Por exemplo, dos fatos conhecidos e expostos o autor reconhece o adultério (art. 1.573, I, do CC), ou seja, a quebra do dever de fidelidade conjugal através da prática de relações sexuais com outro parceiro, e injúria grave (art. 1.573, III, in fine). Um encontro de pessoa casada, num quarto de motel, tanto caracteriza o adultério, seguindo-se o coito, quanto a referida injúria, porque rendez vous clandestino expõe o cônjuge ao ridículo. As duas situações se reduzem à causa genérica “grave violação dos deveres conjugais”, presumindo-se a “impossibilidade da comunhão de vida”. Outro exemplo de mais de um efeito jurídico localiza-se no dano à colheita e à gleba mediante o emprego inadequado do mesmo produto químico. Às vezes, por outro lado, a causa decorre da multiplicidade de fatos homogêneos, acumulados na fundamentação (v. g., a prática de vários adultérios, de diversos atos danosos à gleba e à safra, e assim por diante). Declinando o autor, simultaneamente, mais de uma causa de pedir próxima e remota, estando o fato e a consequência relacionados em cada uma, resta pouca dúvida quanto à pluralidade de causae petendi, e, conseguintemente, cumulação de pretensões (ações ou objetos litigiosos). Por exemplo: narra o autor que, utilizando certo produto, o réu causou danos à colheita, e, com outro, danos irremediáveis à gleba. Há, aqui, duas ações diferentes. A dúvida instala-se, ao invés, na pluralidade de causas remotas vinculada à unidade de causa próxima, e, também, na pluralidade de causas próximas face à unidade de causa remota. Exemplifica a primeira espécie aventada a ação de separação judicial em que o autor A narra o adultério do cônjuge B com C e com D em ocasiões distintas. E da outra o dano à gleba e à colheita em ato único. Ora, o mesmo complexo de fatos origina, às vezes, dois direitos subjetivos, e, em seguida, duas pretensões. Por outro lado, se cada adultério enseja de per si, individualmente, o direito subjetivo à separação, parece natural que, alegado mais de um, há dois direitos e, conseguintemente, o objeto litigioso se afigura complexo.
Por óbvio, também aqui cumpre distinguir entre os fatos jurídicos e os fatos simples. Os sucessos históricos que cercam a relação amorosa do cônjuge com seu parceiro, talvez incluindo relações sexuais eventuais e intermitentes, ajudam a esclarecer a quebra do dever de fidelidade, mas não constituem os atos isolados causas de pedir também independentes. A circunstância de a instrução da causa não demonstrar suficientemente todos os encontros, ou identificar precisamente o comparsa do cônjuge adúltero, não conduz à improcedência.165 O art. 487, I, alude ao acolhimento do pedido, no todo ou em parte (art. 490), e o pedido, nos casos referidos, mostra-se substancialmente único e justifica a procedência total. Realmente, almejando o autor a aquisição de um bem da vida, indiferente a ele se o alcança por este ou aquele direito subjetivo. Do ponto de vista do réu B, decretada a separação face o adultério com C, ou com D, pouco importa, haverá total sucumbência. § 61.º Espécies de causas de pedir 249. Causa remota e próxima Costuma-se distinguir (a) a causa de pedir remota e (b) a causa de pedir próxima. Os fatos jurídicos, inclusive o fato constitutivo do interesse, no seu complexo, representam a causa remota. E os fundamentos jurídicos (retro, 248) retratariam a causa próxima.166 Em linhas gerais, a distinção corresponde (a) as razões de fato e (b) as razões de direito expostas na inicial (infra, 1.497). Elas têm interesse do ponto de vista da defesa: no primeiro caso, lícito se mostra ao réu realizar impugnação de fato direta ou indireta; no segundo, impugnação de direito. 250. Causa ativa e passiva Também se concebe a distinção entre (a) causa de pedir ativa, indicada pelos fatos constitutivos do direito alegado pelo autor, e (b) causa de pedir passiva, explicitando o fato constitutivo do interesse.167 Por exemplo: “se o autor reclama a restituição da quantia emprestada, a causa petendi abrange o empréstimo, fato ‘constitutivo’ do direito alegado (aspecto ativo), e o não pagamento da dívida no vencimento, fato ‘lesivo’ do direito alegado (aspecto passivo)”.168 A causa de pedir passiva comporta variação, duplicação ou multiplicação, sem que tais vicissitudes perturbem a individualização da causa de pedir. Por exemplo, na ação de resolução de A perante B, o autor alega que o inadimplemento ocorreu na data da verificação do termo fixado para a prestação em que se dividiu o preço, e, posteriormente, invoca a interpelação feita ao parceiro, todavia desnecessária. Essa mudança na causa de pedir passiva não infringe o princípio da estabilização da demanda (art. 329). O fato constitutivo do interesse, na declaratória da existência do dever de indenizar, pleiteada na forma do art. 20, encontra-se implícito na causa
petendi ativa. Por essa razão, o isolamento desses aspectos revela-se mais do que duvidoso. 251. Causa simples, composta e complexa E, no que tange ao conteúdo, a causa de pedir se divide em três espécies: (a) simples é a causa petendi integrada por um só fato jurídico; (b) composta é a causa de pedir em que dois ou mais conjuntos de fato formam pretensão única; (c) complexa é a causa de pedir em que, do mesmo conjunto de fatos, individualizam-se duas pretensões distintas.169 Exemplos: (a) o autor A alega que a ré B manteve relações sexuais uma única vez com C (fato simples e causa de pedir única); (b) o autor A alega que a ré Bmanteve várias relações sexuais com C e com D, em dias e locais diferentes: os fatos principais são distintos, mas homogêneos, formando causa de pedir composta e única;170 (c) o autor A alega que adquiriu do réu B a coisa x com vício oculto, motivo pelo qual pleiteia o desfazimento do contrato ou o abatimento do preço: o esquema de fato é único, mas os efeitos jurídicos distintos, sendo complexa a causa petendi e que origina duas ações. 252. Causa fechada e aberta O esquema tradicional da causa de pedir, centrado no fato constitutivo (retro, 247.1), resulta na limitação do julgamento do órgão judiciário à causa de pedir efetivamente alegada. Não é possível o juiz, na ação de separação de A contra B, acolher o pedido, alegado o adultério de B com C, com base na embriaguez indecorosa de B. Essa estrutura rígida fechada se mostrou impraticável ou inconveniente no controle concentrado de constitucionalidade. Dois são os motivos principais que modificaram o modelo tradicional nessa última seara: primeiro, a norma impugnada há de se cotejada perante a Constituição como um todo, e, não, unicamente perante a norma indicada pelo autor; segundo, a norma impugnada proveio de certos fatos e prognósticos típicos do processo legislativo, cabendo à corte constitucional investigar a respectiva subsistência, razoabilidade e compatibilidade com todo o texto constitucional, haja ou não alegação do autor.171 Desse modo, diz-se que a causa de pedir nas ações atinentes ao controle concentrado de constitucionalidade é aberta (ou indeterminada). Ocorre que, a rigor, ao STF abre-se o exame livre e amplo das razões de direito alegadas pelo autor autor – em especial o parâmetro de controle da constitucionalidade porventura indicado. Essa atividade de cotejo jurídico também é ilimitada em outras situações e nos processos individuais. O STF não se encontra adstrito aos fundamentos da arguição de constitucionalidade formal ou material. É verdade que o art. 3.º, I, da Lei 8.868/1999 exige a indicação pelo autor da norma impugnada e dos “fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações”. Tal não vincula, porém, o tribunal. Em razão da referida estrutura “aberta”, no concernente aos fundamentos jurídicos, o juízo de improcedência emitido pelo STJ, rejeitando o pedido de
inconstitucionalidade, “afirma a integral constitucionalidade dos dispositivos questionados” perante toda a CF/1988.172 Essa peculiaridade da causa petenti no controle concentrado de constitucionalidade não significa, absolutamente, alteração substancial nos elementos básicos da (a) configuração do objeto litigioso; (b) poderes do órgão judiciário; e (c) princípio da congruência. Se o STF apenas tem a liberdade de escolher o fundamento jurídico, como acontece nos processos individuais, e julgará o pedido de acordo com as técnicas próprias do controle da constitucionalidade, não se desgarrou do objeto litigioso tal como configurado pelo autor. Aliás, o STF é órgão judiciário inerte, necessitando da provocação de um dos legitimados. E, por fim, os poderes do STF em casos tais são os comuns, compreendendo a direção formal e material do processo. As consultas públicas acerca do thema decidendum, através das quais recolhe as aspirações divergentes e contraditórias da sociedade pluralista, inserem-se no poder material de direção. Enfim, não corresponde à realidade que as bases do processo constitucionalmente justo e equilibrado, refletida naqueles elementos, sejam inadequadas e insatisfatórias. E, muito menos, admite que, nos processos coletivos, tout court, seja dado ao juiz modificar causa petendi e pedido.173 253. Causa de pedir na pretensão a executar A pretensão a executar se origina como efeito da condenação (retro, 233), representado pelo título executivo judicial (art. 515), ou de título executivo extrajudicial (art. 784). Não há nenhuma particularidade digna de nota quanto à causa de pedir. Compete ao exequente invocar o fato constitutivo do pedido (causa remota), que é o crédito configurado no título executivo, e o inadimplemento (causa próxima) imputável ao executado (art. 786, caput).174 A função do título executivo é a de ministrar prova pré-constituída ou prova prima facie (Anscheinsbeweis) do crédito (infra, 1.324.2). É verdade que a incerteza quanto à subsistência da causa de pedir remota se reduz significativamente na execução fundada em título judicial em comparação às demais pretensões a executar. Todavia, inexiste certeza absoluta que o crédito existe na atualidade,175 pois este pode ter desaparecido por causa superveniente (art. 525, § 1.º, VII). Por esse motivo, variável que seja o grau de credibilidade da afirmação de fato do exequente, a posição do exequente equipara-se à de qualquer autor. 254. Causa de pedir na pretensão à segurança A força da pretensão à segurança é mandamental. Nada há de peculiar na exposição da causa de pedir. É requisito indispensável da petição inicial.176 E consiste, segundo o art. 305, caput, “na exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. § 62.º Identificação do pedido 255. Conceito de pedido
À primeira vista, o pedido exibe facetas distintas. Em primeiro lugar, veicula a provocação da atividade jurisdicional do Estado, manifestando o exercício da ação processual (demanda). Ninguém, entretanto, ingressa em juízo, porque vetada a justiça autor privada,177 unicamente para explorar as virtualidades da Justiça Pública. Por intermédio da demanda, o autor pretende obter certo bem da vida do réu. Em segundo lugar, portanto, o pedido veicula a ação material perante o réu, formando o objeto litigioso. A postulação não equivale à ação nesse aspecto, porque não se pede ação, mas tem-se ação.178 O autor age perante o réu através dos órgãos do Estado. A prestação jurisdicional, ao fim e ao cabo, reproduzirá rigorosamente o agir privado, uma vez acolhido o pedido ou julgada procedente a ação. Em geral, afirma-se que o pedido transporta a pretensão.179 Ora, essa linha de raciocínio não deixa claro como a pretensão material se transforma em “processual”. A pretensão material distingue-se da pretensão deduzida do processo, e das congêneres alheias às disputas judiciais, em virtude da ocorrência da lide. Ao se designar de “pretensão processual” à pretensão material litigiosa, verificada, a cada passo, nas afirmações do autor, a transformação torna-se nítida e, dessa maneira, mais aceitável a própria noção. Evidentemente, nenhuma dessas concepções é satisfatória e precisa. Na verdade, o pedido veicula a ação material – o agir privado que, permitida a justiça privada, o autor realizada perante o réu para satisfazer sua pretensão material –, sem prejuízo do seu aspecto referido à pretensão à tutela jurídica do Estado. O pedido não predetermina isoladamente os limites objetivos da lide.180 É um dos elementos objetivos, e parte do objeto litigioso, mas não todo ele. Os lindes objetivos da “lide”, da “causa” (palavra usada em muitos dispositivos, v.g., no art. 447, § 2.º, II, mencionando o impedimento da “parte na causa”), ou – corretamente – da ação, derivam do pedido e da causa de pedir.181 O pedido é o ato pelo qual o autor formula a ação material efetivada pelo juiz, no caso de procedência, perante o réu. O autor declinará todas as consequências decorrentes da causa de pedir, especificando o que pretende do réu. Por sua vez, o réu formula pedido na reconvenção. É a essa contraposição de pedidos que alude o art. 487, I. 256. Classificação do pedido Esse duplo viés do pedido, simultaneamente (a) exercício da ação processual frente ao órgão do Estado e (b) dedução da ação material perante o réu, induziu a doutrina tradicional a distinguir a espécie de providência requerida, ou “tipo de ação”, e o bem da vida visado através da tutela pelo autor. A providência (força da ação) e o efeito jurídico situar-se-iam no plano processual.182 Consistindo a ação processual veículo neutro e universal de quaisquer direitos subjetivos, o que varia, e com ela o “tipo de ação”, ou tipo de tutela, é a ação material. A classificação das ações ou, respeitando o princípio da congruência, a classificação das sentenças (de procedência) pela força (providência) e efeitos (bem da vida) empregam dados hauridos ao plano material.183
O tipo de tutela revela claramente o agir privado, ou seja, o que o particular realizaria, no âmbito da autonomia privada e independentemente da vontade da outra pessoa, a fim de impor-lhe o a pretensão contestada e resistida, obtendo o proveito, vantagem ou utilidade que corresponde ao direito dotado de pretensão. E o bem da vida que, mediante esta ação, o particular alcançaria privadamente, constitui o outro lado do pedido. Em última análise, o bem da vida é o objeto do dever que corresponde ao direito subjetivo material, conforme a respectiva natureza (v.g., direito real, de crédito ou formativo). 256.1 Pedido mediato e imediato – Classifica-se o pedido, ou objeto, em duas espécies: (a) mediato; e (b) imediato.184 O pedido mediato é o bem da vida. Esse bem da vida é o efeito que decorre da força da ação; respectivamente, e considerando a classificação das ações segundo força e efeitos: a certeza; o estado jurídico novo; o título; o intercâmbio patrimonial; e a ordem. O pedido imediato é a providência reclamada do órgão judiciário para alcançar esse proveito, vantagem, utilidade (efeito jurídico): a declaração; a constituição; a condenação; a execução e o mandamento.185 Essas espécies de pedido (mediato e imediato) são universalmente aceitas. A lei processual não lhes faz referência expressa.186 O autor do anteprojeto do CPC de 1973 repeliu a crítica a semelhante omissão sob o fundamento que, nas ações declarativas, ocorreria justaposição dos objetos mediato e imediato,187 acompanhando tese haurida do direito italiano.188 Em tal hipótese, o art. 337, § 2.º, reprodução do direito anterior, mostrar-se-ia incompleto. Na hipótese variar o pedido mediato ou o pedido imediato, inexistiria identidade de ações.189 Exemplifica-se a hipótese com a relação entre ação declaratória e condenatória: o pedido nesta última mostra-se mais amplo que o da outra, ensejando continência (art. 56), e, não, litispendência.190 Por outro lado, a proposição ulterior da ação declaratória negativa à ação condenatória (ou executória) do credor inibe a primeira, pela mesma razão, ou seja, em virtude da maior dimensão do objeto litigioso do primeiro processo (art. 57). A tese que a alteração do pedido imediato (ou “tipo de ação”) modifica o objeto litigioso, desaparecendo, destarte, o veto à reprodução da demanda em curso, mostra-se inadequada e insuscetível a maiores generalizações. A pretensão a executar alimentos fornece exemplo dos mais significativos. Existem três providências executivas diferentes (expropriação, desconto e coerção pessoal) para realizar a prestação. Ora, parece impossível negar a identidade do objeto litigioso entre duas execuções, visando a realizar o mesmo crédito, em que pese na primeira o exequente pedir a prisão do executado, a fim de induzi-lo a pagar a dívida, e, na outra, pedir o desconto em folha. Não é razoável constranger o devedor a pagar duas vezes a mesma dívida por dois remédios diferentes, mas simultâneos. E tal significa que o “tipo de ação” não importa à caracterização da identidade do objeto litigioso.191 A identidade desaparece se o exequente pretende realizar, através da coerção pessoal, as três últimas prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso da execução (art. 528, § 7.º), e através de expropriação as prestações (art. 528, § 8.º).
E há objeção persuasiva centrada no pedido mediato – no caso de obrigações alternativas e de obrigações com prestação facultativa ou com faculdade de substituição. Desejando o autor, por exemplo, a condenação do réu, a despeito da existência de um só objeto imediato, oferece-se à escolha do réu (art. 252, caput, do Cód. Civil de 2002) uma ou outra prestação, porque, cabendo ao autor, ele desde logo efetuará um pedido fixo. Contudo, a pretensão processual é única. Desse modo, a premissa que a identificação da ação, através do pedido, implica o exame dos objetos mediato e imediato, permanece atual e vigente. Impõe-se a análise das duas facetas do pedido. 256.2 Pedido material e processual – Também se classifica o pedido em (a) material e em (b) processual.192 O pedido “material” definiria o mérito, representando o direito material deduzido na demanda; o pedido “processual” expressaria a natureza do provimento (todavia, declaratório, constitutivo ou condenatório) pleiteado ao órgão jurisdicional. Por óbvio, a classificação afigura-se incorreta e a distinção, inútil. Em primeiro lugar, a causa de pedir constitui elemento indispensável para definir o mérito ou objeto litigioso (retro, 245). Ademais, as ações declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas exibem tal força em decorrência do direito material, e, portanto, jamais constituiriam um objeto “processual”. É equívoco comum, mas real: as forças da ação localizam-se no plano material e, admitido o agir privado, revelam-se plenamente (v.g., a revogação do mandato pelo mandante, que é o agir constitutivo negativo que corresponde a um direito formativo extintivo), acrescentando-lhe o processo, na melhor das hipóteses, o vínculo processual (Festellungswirkung) que obsta a outro juízo processar e julgar idêntica causa ou contradizer o anterior provimento de mérito num processo subsequente, utilizando material nem sequer conhecido naquele processo, mas capaz de influir na conclusão,193 salvo nova causa petendi.194 257. Individualização do pedido A individualização da ação, no que concerne ao pedido, considera o pedido mediato e o imediato. Logo, deduzindo o autor mais de um pedido, quer mediato, quer imediato, em princípio haverá mais de uma ação (ou objeto litigioso). É preciso, entretanto, que a multiplicidade nesses aspectos corresponda a direitos subjetivos diversos. Concebe-se o autor pedir, no mesmo processo, duas condenações. Por exemplo, o autor A pede a condenação do réu B ao pagamento da dívida oriunda do contrato x e a derivada do contrato y. É uma forma de cumulação simples: duas pretensões processuais e, no plano material, dois direitos subjetivos litigiosos. Mas, além dessa multiplicação originária, há a superveniente. Por exemplo, o autor, na ação de cobrança dos juros da dívida, à vista da alegação do réu da inexistência do negócio jurídico principal, pede a declaração incidental da sua existência. E, de fato, “a cumulação abrange também as hipóteses em que o autor formula dois ou mais pedidos,
ou um pedido com dois ou mais objetos mediatos, para obter um único dentre eles.”195 É preciso ressalvar a multiplicidade de eficácias contidas na mesma ação material. Tal fato não importa no fenômeno correlato da multiplicação das ações. Por exemplo, a ação de despejo por falta de pagamento possui uma eficácia principal (executiva) e, ao mesmo tempo, no mínimo duas eficácias secundárias: a declaratória (direito do autor à retomada) e a constitutiva negativa (desfazimento da relação ex locato), mas a ação material se ostenta única. 258. Requisitos do pedido A formulação do pedido requer alguns predicados. O art. 319, IV, ao incluir como requisito da petição inicial apta “o pedido com as suas especificações” já deixa entrever a formalidade. Em suma, os requisitos são três: (a) certeza; (b) determinação; e (c) congruência. 258.1. Certeza do pedido – De acordo com o art. 322, caput, do CPC, a primeira qualidade do pedido apto há de ser a certeza. Em geral, o pedido certo é o pedido expresso,196 formulado com todas as especificações concebíveis. O autor precisa pedir expressamente, porque não pode pedir implicitamente. A terminologia – “pedido implícito” –, todavia empregada, revela-se imprópria, porque nos casos legais a verdade é que o pedido se mostra desnecessário. O pedido certo repercute no princípio da congruência (art. 492, caput) e define os limites objetivos da coisa julgada (art. 503, caput),197 mas, por igual, enseja ao réu defesa eficiente e obsta que o juiz se pronuncie sobre direito hipotético. Exemplo trivial esclarece a exigência. O autor alega ser vítima de ilícito, e reclama indenização. Para efetivamente obtê-la, precisará indicar a espécie de dano (v.g., dano patrimonial e dano extrapatrimonial), e em cada classe deverá especificar o efeito almejado (v.g., relativamente ao dano patrimonial: o dano emergente; ou o dano emergente mais os lucros cessantes). A doutrina germânica costuma se referir ao pedido revestido desse atributo como “ein bestimmter Antrag”.198 Por óbvio, a certeza também abrange as demais forças da ação. Assim, tratando-se de declaração da existência de relação jurídica, ou o autor deverá explicitar todos os elementos essenciais dessa relação; cuidando-se de constituição negativa, por igual, deverá expor o contrato a ser resolvido e o teor das prestações que hão de ser restituídas por força da dissolução do negócio. Em contrapartida, mostra-se intolerável o pedido obscuro, dúbio e – principalmente – vago. Particularmente, não pode o autor substituir as especificações jurídicas, no todo ou em parte, por expressões elípticas. Por exemplo, pedir a condenação do réu “no que couber”, ou, ainda, “no que reputar justo”, e outras expressões análogas, infelizmente comuns. Tampouco é lícito formular pedido condicional. Entende-se por tal o pedido que abstrai um elemento essencial do direito; por exemplo, o autor postula indenização
por dano à coisa, relegando a prova do domínio ou da posse para depois do julgamento.199 Nada obsta, porém, subordinando-se o direito controvertido a termo ou a condição – eventos futuros –, o juiz julgue o pedido (art. 492, parágrafo único). Um caso peculiar reponta no pedido do contribuinte perante o Estadomembro para obter o reconhecimento do direito a se creditar do imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS). Ele confirma a orientação aqui seguida de modo irretorquível. O STJ estimou não bastar o pedido declaratório, em tal assunto tributário, porque precisa haver condenação do réu à repetição do indevidamente recolhido, ou de compensação do crédito reconhecido com o tributo devido. Para essa finalidade, compete ao autor alegar (e provar) os bens do ativo fixo e materiais de uso e consumo adquiridos e tributados. Em seguida, acrescentou o seguinte: “como a indeterminação versa sobre o an debeatur, tratando-se de pedido incerto que impede a defesa da ré ou o próprio julgamento do mérito”, cumpre ao autor emendar a petição inicial.200 O julgado aponta as consequências perversas do pedido incerto no processo: (a) a defesa do réu fica irremediavelmente comprometida, impedida de impugnar a natureza de cada operação que, supostamente, ensejaria o creditamento do imposto; (b) o pronunciamento do juiz recairia tão-só sobre a tese jurídica, concebendo-se que, posteriormente, apure-se a inexistência de qualquer operação com direito ao creditamento do imposto. Convém realçar que se cuida, realmente, de incerteza, e, não, de iliquidez do pedido. O pedido ilíquido ou genérico se contrapõe ao pedido determinado (infra, 261). No caso, nada obsta que o autor omita, na inicial, o valor exato do seu pretenso crédito; todavia, cabe-lhe especificar as operações que o originaram precisamente. A certeza respeita, simultaneamente, aos objetos mediato e imediato do pedido.201 Tanto o bem da vida, quanto a concreta providência (“força” ou eficácia principal) pleiteada para alcançá-lo (declaração, constituição, condenação, execução ou mandamento) – idêntica ao agir que, originariamente, incumbia ao titular do direito na esfera privada, subtraído ante o veto à autotutela –, reclamam escorreita exatidão, desde que situemse, por suposto, no mesmo plano lógico. Nada impede, e, ao contrário, tudo recomenda que o autor, inseguro a respeito do acolhimento de certa providência, a fim de reintegrar-se do bem da vida almejado (objeto mediato), formule um pedido principal e outro pedido secundário, para ser apreciado no caso de rejeição do primeiro, conforme permite o art. 326,caput. Por exemplo, A adquiriu de B, através de contrato comutativo, um garanhão, destinado a aprimorar o seu plantel de animais, e, posteriormente, verificou que o animal se tornara estéril; em tal contingência, o adquirente pode pleitear o desfazimento do negócio, restituindo-se os parceiros, reciprocamente, as prestações realizadas, e, na eventualidade de o juiz reputar essa solução excessiva, o abatimento proporcional do preço, pois a esterilidade não elimina a utilidade do animal em outras funções (v.g., o de montaria da filha do adquirente). Parece evidente que ambos os pedidos se mostram certos, embora incompatíveis, salvo no caso de a respectiva cumulação ocorrer sob a forma de alternativa sucessiva (infra, 279.3).
Exceções existem à regra do pedido expresso, por conta do seu contrário, o pedido implícito, com repercussões na disciplina do cúmulo de ações, considerando a “cumulação aparente” (infra, 262). 258.2. Determinação do pedido – A redação do art. 286, caput, do CPC de 1973, exigindo que o pedido seja “certo ou determinado”, revela-se imprópria. A conjunção alternativa “ou” vale pela aditiva “e”. Os predicados da certeza e da determinação não se repelem. Ao contrário, ambas as qualidades se ostentam imprescindíveis.202 O art. 324, caput, corrigiu o defeito, rezando: “O pedido deve ser determinado”. A determinação relaciona-se aos limites qualitativos e quantitativos do pedido.203 Em princípio, revela-se indispensável o autor explicitar, integralmente, o bem da vida almejado (pedido mediato) e a providência efetivamente pleiteada (pedido imediato), determinando as respectivas extensões. Excepcionalmente, revela-se lícito ao autor deixar de explicitar o pedido mediato (bem da vida), na teoria em casos excepcionais, na prática rotineiramente (infra, 261). É o tolerado (com vista grossa) pedido genérico. Somente o pedido mediato (bem da vida) comporta a indeterminação inicial.204 Os pedidos imediatos (declaração, constituição, condenação, execução e mandamento) precisam ser determinados. Não é outra razão que o art. 798, II, a, reclama a indicação, na inicial da execução, a respectiva “espécie” – ou seja, do meio executório porventura aplicável ao objeto da execução. Nada obstante a indeterminação, o pedido há de ser formulado de tal modo que, posteriormente, comporte liquidação (art. 491, § 1.º). No dinheiro espanhol, pretensão à prestação que não possa ser liquidada por simples cálculos aritméticos, porque o autor apresentou as diretrizes essenciais do cálculo, considera-se simplesmente declaratória, pois a futura sentença de procedência mostrar-se-á inexequível.205 Por outro lado, formulado pedido determinado, em princípio ao juiz se afigura vedado proferir provimento ilíquido ou genérico (art. 491, caput), cabendo-lhe, desde logo, definir “a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso”. No entanto, a indeterminação do provimento provoca gravame tão só ao autor que formulou pedido determinado, razão pela qual só ele tem interesse em arguir o vício no recurso próprio. É o que estabeleceu a Súmula do STJ, n.º 318. A indeterminação consentida do pedido mediato mostra-se relativa. Do pedido genérico se exige “ser certo e preciso na sua generalidade. Fora daí, é vaga e inepta a petição, por se tratar de incerteza absoluta”.206 Desse modo, não basta ao autor pedir “indenização”, decorrente de ato ilícito (art. 324, § 1.º, II), ou o quinhão que lhe couber na “herança” (art. 324, § 1.º, I); cumprelhe indicar, ainda, quais os lindes dessa indenização, consoante as diretrizes do direito material (art. 402 do CC), explicitando, por exemplo, se faz jus a perdas e danos e a lucros cessantes; e de quem é a herança e qual o percentual que lhe cabe dentro do acervo hereditário; tudo na suposição, naturalmente, de que o ato ilícito e a herança, situados à base de cada
pedido, sejam identificados rigorosamente na causa petendi. Em outras palavras, impõe-se ao autor indicar, grosso modo, a grandeza do que não pode (ou não quer) desde logo determinar.207 Não é diferente o caso do pedido formulado pelo réu na reconvenção (art. 324, § 2.º). O caso da indenização do dano extrapatrimonial exibe particularidades. De ordinário, preexistindo o dano ao ingresso em juízo, nada impede o autor de estipular o valor da compensação a esse título, incluindo punitive dammages, entendendo-os necessários, a fim de punir o autor do ilícito e desestimular a reiteração da conduta. O pedido determinado é a regra.208 Comumente, o autor formula pedido genérico, a esse propósito, e o STJ estima atitude perfeitamente lícita perante a regra equivalente ao art. 324, caput, no direito anterior.209 A fixação do valor da reparação por esse dano subordina-se à equidade do órgão judiciário (juízo de equidade). Pode acontecer, porém, de o autor pleitear quantia determinada a esse título. Em tal hipótese, inexiste adstrição do juiz ao pedido, considerando-se o valor indicado, embora com ênfase, como simplesmente estimativo. Daí por que cabe recurso para majorar o valor, inclusive através de recurso adesivo,210 e inexiste sucumbência recíproca no caso de o juiz fixar valor aquém do indicado (Súmula do STJ, n.º 326). Excepcionalmente, “tendo a inicial adotado critério matemático preciso, do qual resulta valor certo quanto ao pedido de indenização por danos morais”, não pode o juiz fixar valor superior, sob pena de julgar ultra petita.211 Não é apenas nas prestações em dinheiro que a indeterminação afigurase relativa. Se o autor pretende coisa certa, precisará individualizá-la, e também as pretensões reais: a cabal individualização da coisa constitui requisito essencial da reivindicatória; almejando coisa incerta, indicará o gênero e a quantidade, realizando a individualização na petição inicial, cabendo-lhe a escolha, ou o réu realizará esse ato no prazo que o juiz lhe assinar (art. 498, parágrafo único). O autor que pretende uma conduta ou abstenção do réu, com ou sem cominação de multa, precisa identificá-la nos traços gerais.212 A falta de determinação do pedido constitui vício da petição inicial (art. 330, § 1.º, II), tornando-a inepta, salvo nos casos em que é admissível o pedido genérico (art. 324, § 1.º, I a III). Ao juiz caberá, na forma do art. 321, caput, abrir o prazo de quinze dias para o auto corrigir o ato postulatório. 258.3. Congruência do pedido – O pedido há de guardar congruência com a causa de pedir alegada.213 Em outras palavras, o efeito jurídico pretendido, ou bem da vida, precisa decorrer logicamente do(s) fato(s) constitutivo(s) alegado na inicial, e o pedido imediato há de se mostrar idôneo a outorgá-lo ao autor. A falta dessa relação tornará a inicial inepta (art. 330, § 1.º, III). Exemplos de pedidos incongruentes: (a) o autor expõe fato ilícito imputável ao réu, mas pleiteia a imissão na posse de imóvel, a título de reparação, ou a simples alteração no álbum imobiliário, com o mesmo objetivo; (b) o autor pleiteia a rescisão do julgado que homologou a renúncia feita ao direito sobre o qual fundara a ação, invocando como causa de pedir a
inconstitucionalidade da lei que estipulara base de cálculo de certas contribuições sociais.214 258.4. Consequências da falta de requisitos – Não se revela isenta de consequências radicais a elaboração de petição inicial desrespeitando os requisitos (certeza, determinação e congruência) do pedido. A petição inicial padecerá de inépcia (art. 330, I, c/c § 1.º, II e III). No entanto, o vício se mostra sanável, incumbindo ao juiz, ao primeiro contato com a inicial, assinar ao autor o prazo de quinze dias para correção (art. 321, caput). Deixando o autor escoar o prazo, ou realizando a emenda de modo insatisfatório, então caberá a extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, I). 259. Interpretação do pedido Declara o art. 322, § 2.º: “A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé”. O pedido depende do que o autor expressa na postulação. Não pode ser ampliado ou restringido, ex officio, ou através de interpretação.215 Por exemplo, pedida a indenização das férias não gozadas, por necessidade do serviço, não se inclui no pedido o respectivo adicional, omitido pleito expresso do autor a este título.216 É claro que, para individualizar o pedido, o órgão judiciário não fitará unicamente o tópico para essa finalidade reservado na petição inicial, em geral no seu fecho, mas examinará todo o conteúdo da peça.217 Eis o motivo por que o art. 322, § 2.º, alude ao “conjunto da postulação”. E, por outro lado, considerará os pedidos implícitos (art. 322, § 1.º) – haverá litispendência ou coisa julgada, conforme a hipótese, se o autor postular essas verbas numa segunda demanda.218 Em sentido contrário, porém, o STJ estimou admissível a condenação do réu a indenizar dano estético, em que pese ausência de pedido expresso a esse respeito, porque o autor não limitara o pedido de ressarcimento.219 E, ainda, em área particularmente sensível, curvou-se à troca do medicamento Y pelo medicamento X, não importando esse fato modificação do pedido, na demanda em que A pediu tratamento medido do Estadomembro B.220 Essa diretriz não se harmoniza com a boa-fé bilateral. Ocorrerá, no mínimo, modificação qualitativa (X em lugar de Y), e, eventualmente, quantitativa (X é mais caro que Y) do pedido originário. Feriu-se o princípio da demanda (art. 2.º), assentado, ainda, a ocorrência de julgamento em desacordo com o princípio da congruência: nada além, fora ou aquém do pedido (infra, 1.593). Não cabe ao juiz, atrelado à demanda, reescrever aquilo que o autor efetivamente pediu, ou extrair das entrelinhas o que, na verdade, o autor não pediu, embora pudesse tê-lo feito. O processo constitucionalmente justo e equilibrado necessita considerar também a posição do réu. Ressalvam-se os pedidos implícitos (art. 322, § 1.º), conforme já estipulava o art. 154 do CPC de 1939. Em relação aos juros moratórios, impende esclarecimento suplementar. Uma coisa é o pedido implícito. Os juros moratórios subentendem-se no pedido do principal (art. 322, § 1.º). Outra coisa é a condenação implícita, que não se mostra, via de regra, admissível. Todavia, a Sumula do STF, n.º 254, declara incluídos na condenação, ainda que omissa a esse respeito, os juros
moratórios. Por conseguinte, tais juros podem ser postulados na execução, incluindo-os o credor na planilha a que alude o art. 524. § 63.º Espécies de pedido 260. Pedido único e múltiplo O esquema mínimo, em matéria de pedido, consiste na formulação pelo autor de um pedido certo, determinado e congruente na demanda. Em tal hipótese, a inicial se encontra apta, havendo o autor atendido ao requisito do art. 319, IV, e, principalmente, os limites do futuro julgamento estão predeterminados (art. 492). Por igual, nada impede ao autor formular mais de um pedido, todos revestidos dos predicados da certeza, determinação e congruência, perante o mesmo réu ou mais de um réu. Existirão, in simultaneo processu, pedidos múltiplos. Concebem-se as seguintes combinações: (a) os dois pedidos se mostram autônomos, de modo que o juiz pode acolher tão-só um deles, ou ambos, ou rejeitar a todos (cumulação simples); (b) o juiz só aprecia o pedido subsequente, em geral acolhendo-o por simples decorrência, no caso de acolher o pedido antecedente (cumulação sucessiva); (c) o juiz só aprecia o pedido subsequente, acolhendo-o ou rejeitando-o, no caso de rejeitar o pedido antecedente (cumulação eventual). O regime dos pedidos múltiplos, ou cumulação de pedidos, receberá exame no capítulo dedicado à pluralidade de objetos litigiosos. 261. Pedido determinado e genérico O pedido determinado delimita, quantitativa e qualitativamente, o pedido mediato (bem da vida). O pedido genérico, diversamente, carece e (nos casos legais) prescinde da determinação rigorosa, precisão e exatidão rígidas no pedido mediato, limitando-se aos traços gerais (v.g., o quinhão de um terço da herança deixada pelo defunto A). A indeterminação do pedido genérico equivale, no plano obrigacional, ao das prestações genéricas, mas é mais ampla: o pedido genérico não é quantitativamente individualizado.221 O art. 324, § 1.º, autoriza o autor a formular, na demanda, pedido genérico em determinadas hipóteses. A indeterminação respeita apenas ao pedido mediato (bem da vida). No que tange ao pedido imediato, ao invés, nenhuma hesitação pode haver no espírito do autor quanto à providência judicial que, reclamada ao órgão judiciário, assegurar-lhe-á o proveito ou vantagem pretendida do réu. Estritamente, o art. 324, § 1.º, indica três hipóteses de pedido genérico. Impede, por conseguinte, a livre formulação dessa espécie de pedido, como admitia o art. 76, parágrafo único, do CPC português de 1876.222 Na prática, como também se sentiu no direito português contemporâneo,223 viceja tolerância com os pedidos indeterminados. Progressivamente, a exceção firmou-se como regra.224 O alargamento deveu-se a algumas considerações heterogêneas. É comum o autor estimar excessivamente trabalhosa a quantificação.225 Às
vezes, parece-lhe inconveniente mostrar ao réu, desde logo, a dimensão da eventual sucumbência, a fim de que não arregimente forças para resistir à pretensão. E, sobretudo, o autor teme pedir mais, sucumbindo parcialmente, ou pedir menos, e não obter tudo a que tem direito.226 O último receio configura-se na hipótese da pretensão à reparação do dano à pessoa, que impediu o lesado de exercer o seu ofício ou profissão, ou diminui-lhe a capacidade de trabalho (art. 950 do CC). É lícito pedir as despesas de tratamento, lucros cessantes e pensão “correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu”. Embora passível de quantificação uma coisa e outra, exceto as despesas de tratamento vindouras, o autor aproveita-se dessa circunstância e formula pedido genérico quanto a todos os itens, relegando à instrução da causa a apuração do percentual da perda da capacidade de trabalho. Exemplo ainda mais frisante localiza-se na reparação do dano moral (retro, 258.2). Enfim, nos casos em que, como no dano moral, toca ao juiz determinar o quanto, baseado ou não em prova pericial, tolera-se o pedido genérico.227 Em vão se propôs, entre nós, “repudiar de vez o tal pedido genérico”,228 porque ele produz duas consequências indesejáveis: (a) remete a quantificação (quantum debeatur) à liquidação (art. 491, § 1.º); (b) torna o autor negligente quanto à prova da existência do direito (an debeatur), e o juiz tentado a julgar a tese jurídica, provocando, em consequência, liquidações improcedentes, nas quais o valor é igual a zero. Infelizmente, como revelam as razoáveis exceções contempladas no art. 324, § 1.º, I a III, o pedido genérico, abstraídas as distorções, corresponde a uma real necessidade do processo constitucionalmente justo e equilibrado. Esforçou-se o legislador em conter a formulação do pedido genérico e, ainda, debelar o mal maior – a condenação genérica. Esse esforço é particularmente significativo na previsão da inépcia da petição inicial (art. 330, § 1.º, II) fora das hipóteses do art. 324, § 1.º, I a III. E o art. 491,caput, impõe ao órgão judicial, embora licitamente formulado pedido genérico (ou ilíquido), individualizar, desde logo, o objeto da prestação pecuniária, definindo “a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso”. Ressalvou duas hipóteses (art. 491, I e II): (a) a impossibilidade de determinar, de modo definitivo, o montante devido (v.g., na ação de indenização por ato ilícito, as despesas de recuperação do uso do membro); (b) a quantificação depender de prova demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença (v.g., a realização de perícia para apurar lucros cessantes, na ação em que o segurado pede a cobertura dos danos emergentes e dos lucros cessantes da seguradora). E fecha qualquer abertura ao exigir idêntica quantificação do acórdão que reformar a sentença de improcedência (art. 491, § 2.º). A proibição de o juiz condenar genericamente, no direito anterior, jamais empolgou as partes com seus nobres propósitos e, definitivamente, a Súmula do STJ, n.º 318, exigindo a iniciativa do autor para pronunciar o vício do ato decisório ilíquido, enfraqueceu-o de modo decisivo. A tese jurídica fixada
neste verbete considera o interesse do vencido desconforme ao direito, pois a iliquidez lhe favorece, como legítimo. A lei já avançara no sentido de proibir a condenação ilíquida nas causas inseridas na órbita dos Juizados Especiais da Justiça Comum (art. 52, I, da Lei 9.099/1995) Nos casos do antigo procedimento sumário, abrigados no Juizado Especial até lei ulterior (art. 1.063), em especial nas causas de acidente de trânsito (art. 275, II, d, do CPC de 1973), relativamente aos danos à pessoa, a aplicação da regra não pode ser literal e inflexível, ou o juiz correrá o risco de ficar o valor das despesas de tratamento até o fim da convalescença (art. 950 de CC) em valor inferior ao que efetivamente necessitará ou gastará o autor. O juiz proferirá, portanto, sentença em parte ilíquida.229 O inimigo figadal do pedido genérico admitia-o no tocante “aos danos futuros, consequentes ao ato”,230 como é a hipótese ventilada. Outra hipótese digna de lembrança avulta no art. 498, parágrafo único. Cuidando-se de obrigação para entrega de coisa incerta, determinada pelo gênero e pela quantidade (v.g., a entrega de cem toneladas de arroz), o autor realizará a escolha na petição inicial ou, não lhe cabendo a concentração, o juiz fixará prazo para a entrega individualizada. Fórmula mais promissora localiza-se no art. 50 da Lei 10.931/2004, reproduzida no art. 330, § 2.º. Segundo a regra, o autor deverá “discriminar na petição inicial” as obrigações dos contratos de empréstimo, de financiamento e de alienação de bens que pretende controverter em juízo, “quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia”. Por exemplo, na ação em que o autor A pede a revisão do contrato bancário X firmado com a empresa de banco B, não se cuidando da invalidação do negócio, in totum, todavia concebível (v.g., fundada na alegação de que o gerente coagiu o cliente a consolidar as dívidas pendentes em negócio mais desvantajoso), o autor deverá especificar a cláusula controvertida (v.g., a cláusula Y, que estipulou a taxa de juros compensatórios), de maneira clara (v.g., numericamente, pois os contratos bancários dividem-se em itens e subitens), e apresentar planilha, apontando o valor da dívida no caso de acolhimento do pedido de invalidade da cláusula Y. Em caso de cumulação eventual (v.g., o autor A pede a invalidação, in totum, e subsidiariamente a invalidação da cláusula Y do contrato firmado com B), o pedido subsequente governa-se por esta regra. Essa importante limitação ao pedido genérico propagou-se aos meios de reação do executado contra a execução injusta, deduzindo como causa de pedir o excesso de execução (artigos 525, § 1.º, V, e art. 917, III, primeira parte, c/c art. 917, § 2.º, I). É o que estabelecem convergentemente o art. 525, § 4.º, quanto à impugnação, e art. 917, § 3.º, relativamente aos embargos. E assim ocorre, mutatis mutandis, na impugnação à execução contra a Fazenda Pública com análogo fundamento (art. 535, § 2.º). O art. 330, § 2.º, exige (a) discriminação da obrigação contratual controvertida e (b) a quantificação do valor incontroverso. Essa disposição aplica-se às ações cujo causa de pedir seja contrato de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens (v.g., arrendamento mercantil) de qualquer natureza.
Excederam-se o 330, § 3.º, c/c art. 1.055 ao exigir que, na pendência da causa, o valor incontroverso seja adimplido pelo autor no tempo e no modo contratados (v.g., desconto em folha de pagamento), bem como dos tributos (v.g., IPVA do veículo), das multas e das taxas incidentes sobre os bens vinculados e de outros encargos, salvo concessão de tutela provisória. É simples exortação ao adimplemento, subentendendo, porém, a inexistência de mora quanto ao objeto da controvérsia. A única consequência admissível do inadimplemento é a mora do autor, obrigado no contrato, e cujos efeitos comportam a iniciativa cabível do credor (v.g., a busca e apreensão do bem arrendado). O art. 330, § 1.º não resolveu situação das mais triviais: a impossibilidade de o autor quantificar a parte incontroversa. Em tal hipótese, no mínimo abrem-se dois termos de alternativa: ou (a) o órgão judicial admite o pedido genérico; ou (b) lança mão do art. 524, § 2.º e § 3.º, in fine, fixando prazo para o fornecimento dos elementos hábeis ou ordenando ao contador que apure a parte controversa, como incidente prévio à admissibilidade da petição inicial. Não parece razoável indeferir a petição inicial ou promover a apuração no curso do processo.231 Tais considerações permitem examinar as hipóteses de pedido genérico, contempladas no art. 324, § 1.º, que reclamam interpretação restrita,232 a despeito de a prática consagrar flexibilidade e tolerância. E, de resto, há outras hipóteses implícitas no sistema. 261.1. Pedido genérico perante universalidades – Chama-se de universal à pretensão que, embora o bem da vida se reparta em múltiplos objetos, revela-se unitária,233 porque almeja, no todo ou em parte, uma universalidade. A pretensão dessa natureza abarcará todos os bens, indistintamente, que compõem a universalidade. Por igual, no direito português anterior ao NCPC de 2013,234 essa modalidade de pedido poder ser formulada perante as universalidades de fato (v.g., rebanhos, bibliotecas especializadas ou não) e de direito (v.g., a herança). O art. 324, § 1.º, I, tem idêntico alcance no direito pátrio.235 261.2. Pedido genérico perante consequências futuras dos ilícitos – É particularmente delicado o problema atinente às consequências de ilícitos relativos e absolutos, no campo do pedido, na hipótese de o dano não se consumar instantaneamente ou os seus efeitos se prolongarem no tempo. Em tal caso, o art. 324, § 1.º, II, autoriza o autor a formular pedido genérico “quando não for possível determinar, de modo definitivo, as consequências do ato ou do fato”. O art. 324, § 1.º, II, ordinariamente se aplica ao dano à pessoa, ou seja, a “ofensa à saúde”, como reza o art. 949 do CC, definitiva ou temporária. Ora, não se pode pré-excluir a incidência da regra em outras situações, a exemplo do uso nocivo da propriedade, do dano em direitos da personalidade, principalmente a intelectual (v.g., o plágio de obra musical), e assim por diante.236 O dever de indenizar deriva de atos lícitos (v.g., art. 929 do CC) – daí a supressão do “ilícito” após “fato” no art. 324, § 1.º, II, do NCPC –, subordinando-se a incidência do dispositivo, na verdade, à existência de efeitos persistentes e duradouros do evento.237
A hipótese clássica da “ofensa à saúde” presta-se para delimitar e esclarecer o alcance da regra. Por exemplo, o odontologista A é vítima de acidente de trânsito, em que quebra um dos ossos do braço, impossibilitandoo de atender os seus clientes. Em razão do evento ilícito, ficou hospitalizado por alguns dias e sofreu cirurgia para reconstituir os ossos quebrados. Desejando obter reparação do dano contra o réu B, imediatamente, inclusive para compensar a paralisia temporária da atividade profissional, o autor A poderá quantificar alguns aspectos do pedido. Assim, o valor das despesas médicas e hospitalares já realizadas é conhecido, bem como o valor dos lucros cessantes até o fim presumido da convalescença, pois ninguém melhor do que vítima pode medir o que deixará de ganhar com sua profissão nos meses subsequentes, incluindo os de baixo e alto rendimento. Não raro os lesados preferem formular pedido genérico quanto a essas rubricas, mas o pedido líquido se afigura possível. Tudo muda de figura no tocante às despesas que o autor A realizará até sua definitiva recuperação; por exemplo: (a) o custo da nova cirurgia para extrair a placa metálica colocada no braço; (b) o custo das sessões de fisioterapia, cujo número e valor unitário não se pode saber com segurança no presente, e que se prolongarão, indefinidamente, até a recuperação cabal do membro afetado. É pouco razoável exigir-lhe o arbitramento de valores, baseado na média do mercado, das despesas feitas ou de qualquer outro critério. O autor não controla a variação natural dos preços. E o próprio tratamento pode sofrer mudanças conforme a evolução do quadro clínico. Nesta conjuntura, para evitar a terrível alternativa de pedir de menos ou pedir demais, socorre ao autor A o disposto no art. 324, § 1.º, II. De resto, inexiste regra nítida que estabeleça as hipóteses em que o autor encontra-se impossibilitado de mensurar as consequências financeiras dos ilícitos. O dano de consumação instantânea (v.g., a perda de algum órgão) tem, às vezes, efeitos diferidos. É claro que o art. 324, § 1.º, II, só incide na hipótese de autor não querer ou não puder aguardar as consequências definitivas do ilícito.238 Optando o autor, no exemplo ministrado, por guardar a recuperação definitiva do membro e o reinício da atividade profissional, cumpre-lhe formular pedido determinado (líquido). 261.3. Pedido genérico perante dependência da contribuição do réu – Não é das mais felizes a redação do art. 324, § 1.º, III, do CPC. A regra permite o pedido genérico na hipótese de o valor da condenação “depender de ato que deva ser praticado pelo réu”. A fórmula verbal mostra-se desencorajadora em mais de um sentido. Em geral, indica-se tão-só um caso de aplicação da regra: a prestação de contas,239 hipótese indicada, explicitamente, no art. 556, n.º 1, c, do CPC português adversativamente a “outro ato que deva ser praticado pelo réu”. No entanto, na ação em que o autor exige contas do réu tem por fito “aclarar qual o estado, em determinado momento, das relações contrapostas de débito e crédito entre os interessados, de tal modo que só depois de prestadas se saberá quem há de pagar e quem tem a receber”.240 Por conseguinte, o “saldo apurável é mero acaso que independe de pedido
condenatório”,241 inserindo-se na classe dos efeitos secundários, ou anexos, do provimento judicial. A situação mais adequada à incidência do art. 324, § 1.º, III, parece situarse no âmbito das prestações de fazer fungíveis ou infungíveis. É lícito, pleiteando o autor a prestação em natura, não explicitar as providências que assegurem resultado prático equivalente ao do adimplemento (art. 497, caput), ou o valor da prestação pecuniária equivalente, no caso de impossibilidade (art. 499). 261.4. Pedido genérico perante situações plurais e transindividuais – O pedido genérico é admissível nas ações coletivas. Em relação aos direitos individuais homogêneos, ou plurais, como definidos no art. 81, parágrafo único, III, da Lei 8.078/1990 – tutela coletiva de direitos –, parece flagrante que o autor da ação coletiva não pode individualizar o dano, por exemplo, sofrido por cada consumidor em razão de vício de produto vendido a número determinado de pessoas. Daí a necessidade de formular pedido genérico, pois o pronunciamento que o acolher mostrar-se-á, necessariamente, genérico.242 A futura liquidação enfrentará duas complicações adicionais: (a) a individualização dos beneficiários da sentença coletiva; (b) a quantificação do benefício econômico de cada qual. O problema só aumenta de grau perante direitos transindividuais – difusos e coletivos. A impossibilidade de o autor da ação coletiva formular pedido determinado é palmar. 262. Pedido certo e implícito O pedido certo ou expresso é a regra. Além disso, repele interpretação ampliativa, apesar de considerar o conjunto da postulação, haja vista a necessidade de estipular limites rígidos ao futuro julgamento (art. 492). É uma das facetas da congruência (infra, 1.593). Porém, o art. 322, § 1.º, aponta exceções, ensejando o chamado pedido implícito, de caráter excepcional, gerando a impropriamente chamada cumulação aparente de pedidos. Relevada a designação enganosa, os pedidos implícitos não provocam, absolutamente, cumulação de objetos litigiosos.243 Existe um só direito subjetivo, e, portanto, corresponde-lhe apenas uma ação material, formando pretensão processual (ou objeto litigioso) único. O chamado pedido implícito é, na realidade, pedido inexistente – pedido a lei dispensa o autor de formular, porque desnecessário, embora constitua complemento quantitativo do bem da vida pleiteado. O provimento que, condenando o réu ao pagamento do principal, não contemplasse os juros moratórios, por exemplo, revelar-se-ia necessariamente incompleto ou parcial, ensejando ao autor formular pedido autônomo a respeito dos juros em processo subsequente. Por exceção, as verbas da sucumbência podem ser pleiteadas posteriormente, a teor do art. 85, § 18, contradizendo a Súmula do STJ, n.º 453, fixada no direito anterior. Inconfundíveis se mostram, entretanto, pedido implícito e condenação implícita. Esta não se respalda em preceito legal. O vitorioso só poderá
executar as verbas explicitamente contempladas no título judicial, inclusive aquelas incluídas no pedido implícito.244 E, de fato, seja qual for o provimento exequível, impõe-se que exiba condenação expressa, quer no capítulo principal, quer no capítulo acessório da sucumbência. Nenhum provimento judicial assume força executiva sem disposição inequívoca de condenação do vencido. Omitida a condenação em honorários advocatícios, por exemplo, e não corrigida a omissão através do recurso próprio, desaparece a possibilidade de o vencedor executar o vencido neste tópico. Segundo o art. 85, § 18, caberá ação autônoma “para sua definição e cobrança” (rectius: execução). No que tange ao capítulo principal, convém acentuar que tal condenação subordina-se à formulação de pedido expresso. Por essa razão, reclamando servidor público da supressão de certa vantagem funcional, mediante a impetração de mandado de segurança – nesse caso, além da força mandamental, acrescenta-se a condenatória –, a concessão do remédio somente “assegura” (releve-se o verbo) de vencimentos e de vantagens pecuniárias “que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial” (art. 14, § 4.º, da Lei 12.016/2009) quando houver condenação explícita. Existe, porém, uma exceção: a Súmula do STF, n.º 254, incluiu na condenação, implicitamente, os juros moratórios. 262.1. Despesas processuais e honorários advocatícios – Necessitando o autor ingressar em juízo para obter o bem da vida (pedido mediato), a fim de realizar direitos anteriormente sustentados privadamente, realiza despesas que, normalmente, incumbe-lhe antecipar (art. 82), atendendo o elevado custo da própria prestação de tutela jurídica, e suporta a contratação de advogado, porque desprovido de capacidade postulatória (infra, 1.016). Não obterá, portanto, o benefício econômico que lhe outorgaria o adimplemento sem o devido ressarcimento dessas verbas, atendendo à máxima que “a necessidade de servir-se do processo para obter razão não deve reverter em dano a quem tem razão”.245 Por óbvio, o inverso também se revela verdadeiro: sucumbindo o autor, o réu realizou, injustamente, despesas que lhe devem ser ressarcidas. Encontra-se o princípio da sucumbência expresso no art. 85, caput, primeira parte, do CPC, decorrendo do fato objetivo da derrota no processo. Deflui da regra, em virtude do verbo imperativo, a desnecessidade de pedido expresso quanto às despesas processuais e aos honorários advocatícios, que o juiz imporá de ofício na sentença (art. 322, § 1.º).246 Era a interpretação dominante do art. 64 do CPC de 1939, na redação emprestada pela Lei 4.632, de 18.05.1965, e consubstanciada na Súmula do STF, n.º 256: “É dispensável pedido expresso para condenação do réu em honorários, com fundamento nos artigos 63 ou 64 do Código de Processo Civil”. Eventual pedido no tocante ao percentual dos honorários, ou de certa despesa extraprocessual (v.g., o valor dos honorários de expert para elaborar o parecer a que alude o art. 472), não vincula o juiz, nem acarreta a sucumbência parcial do postulante, no caso de rejeição. Tal não obsta, entretanto, de a parte recorrer do provimento. O interesse em recorrer assenta na obtenção de posição mais favorável e o reclamo de um percentual maior
de honorários, ou do reembolso de certa despesa, leva à caracterização desse interesse. Dispensado que seja o pedido, a disposição das despesas e dos honorários no capítulo acessório da sucumbência da sentença há de ser expresso. Não há condenação implícita. É o que se subentende do art. 85, § 18. Não podem os honorários omitidos na sentença, pedidos ou não, serem cobrados na execução da sentença omissa, porque inexiste condenação implícita. 262.2. Juros moratórios – Segundo o art. 322, § 1.º, “no principal” compreendem-se os juros legais. Interpreta-se “principal” como a quantia pleiteada em caráter principal nas dívidas em dinheiro ou em dinheiro convertidas. E consideram-se juros legais os que se originam da própria lei, em razão do inadimplemento relativo (mora), a despeito de não terem sido convencionados (art. 406 do CC). Assim, os juros convencionais, ou compensatórios, situam-se fora do âmbito do preceito e reclamam pedido expresso, sob pena de o juiz julgar ultra petita.247 A taxa dos juros legais é a estipulada por lei. O art. 404 do CC, que os aumentou, devendo ser fixados “segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (art. 406 do CC), justamente para tornar onerosa a disputa em juízo, incide a partir da vigência da lei civil. Também se mostra passível de fixação o termo inicial. É o convencional, havendo previsão no negócio das partes, ou contam-se a partir da citação inicial (art. 405 do CC). Esse tema merecerá outras considerações nos efeitos da propositura da demanda (infra, 1.528). O termo inicial dos juros moratórios subordina-se à disciplina da lei material. Segundo explicitou a Súmula do STJ, n.º 426, os juros moratórios fluirão, na ação de cobrança do seguro obrigatório DPVAT, da citação do réu. E, conforme o art. 85, § 16, fixados os honorários sucumbenciais em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir do trânsito em julgado. 262.3. Correção monetária – A manutenção do equilíbrio das prestações pecuniárias, eventualmente sujeita à corrosão inflacionária, recebeu tratamento adequado com o instituto da correção monetária, prevista na Lei 6.899, de 08.04.1981, à época em que a desvalorização atingia índices avassaladores. De acordo com o art. 404, caput, do Cód. Civil de 2002, toda prestação pecuniária inadimplida será paga “com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos”. Disposição em contrário, constante do art. 2.º, § 1.º, da Lei 10.192/2002, vedando o reajuste monetário com periodicidade inferior a um ano, jamais repercutiu nos provimentos judiciais. A correção monetária constitui, na opinião geral, pedido implícito.248 Nem sequer representaria pedido autônomo, pois a verba integra o principal.249 É o que estabelece o art. 322, § 1.º, do NCPC. Esse item acessório rende controvérsias a respeito do índice efetivamente aplicável, ou seja, o que melhor retrata a desvalorização da moeda. Não há diretriz geral. A alteração do índice previsto no pronunciamento do primeiro
grau, independentemente de recurso, a exemplo da adoção da taxa SELIC, não constituireformatio in pejus.250 262.4. Prestações vincendas – O art. 323 estabelece que, pedido o cumprimento de obrigação cujo objeto é em prestações sucessivas (v.g., as despesas de condomínio),251 mostra-se desnecessário o autor a pedir as vincendas, todas e cada qual, expressamente. Uma vez persistindo o inadimplemento do réu, no curso do processo, dispõe ainda o artigo que a sentença disporá a respeito dessas prestações, incluindo-as no comando sentencial enquanto durar a obrigação. Por óbvio, as prestações vencidas até a propositura da ação dependem de pedido.252 Foi o que decidiu, com acerto, o STJ: “As prestações vincendas (periódicas) consideram-se implícitas no pedido, devendo ser incluídas na condenação, se não pagas, enquanto durar a obrigação”.253 Aliás, o inadimplemento do réu é um dos elementos da causa de pedir, retratando o fato constitutivo do interesse de agir. O art. 323 permite que a sentença, nada obstante pelas regras ordinárias inexistir interesse, condene o réu nas prestações que se vencerão, mesmo após a formulação da regra jurídica concreta. Presume que, ocorrendo o inadimplemento das prestações vencidas na oportunidade da formulação do pedido, o inadimplemento abrangerá as prestações subsequentes e vincendas. Todavia, a efetivação dos créditos assim escalonados dependerá, posteriormente, da exigibilidade,254 ou seja, do vencimento do termo. 263. Pedido fixo e alternativo Nas obrigações alternativas ou disjuntivas, o obrigado solve, após a escolha, que lhe cabe salvo estipulação em contrário (art. 252, caput, do CC), mediante de prestações distintas, mas juridicamente equivalentes (plures sunt in obligatione, una autem in solutione). Opõem-se a esse tipo as obrigações cumulativas. Elas exigem do obrigado várias prestações conjuntamente. Por exemplo, A obriga-se perante B a entregar um quadro ou seu equivalente em dinheiro. Deduzindo o credor pretensão em juízo, formulará perante o réu pedido alternativo, previsto no art. 325. Em geral, o pedido é fixo, pois só há um objeto mediato (bem da vida) almejado; no pedido alternativo, ao invés, o autor pleiteia dois objetos mediatos distintos.255 Além das obrigações disjuntivas, o art. 325 abriga no seu campo de incidência as obrigações facultativas e com faculdade de substituição (facultas alternativa).256Embora obrigado a uma prestação determinada, revela-se lícito, nas obrigações facultativas, ao obrigado solver prestando outra, independentemente da objeção do credor. As hipóteses de facultas alternativa se mostram comuns. Basta imaginar alguém, em compromisso de compra e venda, depois de pagar o sinal, obrigado à sub-rogação na dívida hipotecária do proprietário do imóvel. Nada impede pague a dívida hipotecária, pois não logrou assumi-la no prazo e nas condições originárias, liberando o imóvel. A prestação do obrigado é diferente da acordada, mas não há como o credor objetar ao adimplemento. Enfim, prevista prestação suplementar, cabível perante circunstâncias determinadas, há obrigação facultativa.257
Dependerá a admissibilidade do pedido alternativo da natureza substancial da obrigação. Inexiste cúmulo de pedidos no pedido alternativo. O direito subjetivo se revela único, e se satisfaz, por igual, com apenas uma prestação. A alternativa se configura somente no objeto mediato do pedido. Na realidade, há pedido único.258 E único se mostrará o pedido na hipótese de impossibilidade de o obrigado prestar um dos objetos mediatos, ou ambos, hipótese em que surge a prestação pecuniária substitutiva. Às vezes, ventila-se a questão das obrigações que se resolvem em alternativa.259 Por exemplo, A obrigou-se a prestar a B um quadro, mas não cumpriu a obrigação. Em tal conjuntura, concebe-se o autor formular o pedido em alternativa, pleiteando o quadro ou o equivalente pecuniário, amparandose no art. 326, parágrafo único. Cabendo a escolha ao autor, consoante o avençado no negócio jurídico, e realizando-a na inicial, formulará pedido fixo, e não alternativo. No entanto, faculta-se ao autor, embora lhe caiba a escolha, nada obstante formular o pedido alternativo, diferindo a escolha para a fase de execução, a teor do art. 800, § 2.º, c/c art. 513,caput.260 Controverteu-se a condição do juízo de procedência, competindo a escolha ao réu e omitindo o autor o respectivo pedido alternativo.261 Ficou superado o problema. O art. 325, parágrafo único, determina que, na hipótese, o juiz assegurará a escolha do devedor, proferindo a sentença, naturalmente, no sentido desta.262Incide a regra, ainda, no caso de revelia. 264. Pedido simples e cominatório Da realização das prestações de fazer, em natura, ocupava-se, no direito imediatamente anterior, a ação monitória, cuja ascendência remontava à antiga “ação de embargos à primeira”.263 Era remédio específico – a própria designação legal, “Da ação cominatória para prestação de fato ou abstenção de ato”, já revelava seu objeto –, e dotado de rito autônomo, previsto nos artigos 302 a 310 do CPC de 1939. Caracterizava esse remédio duas notas frisantes: a emissão liminar de mandado, também designado de preceito, monitório ou ordem,264 determinando o juiz que o réu se abstivesse de certa conduta, ou praticasse tal ou qual ato; e a inversão do contraditório, na medida em que o desfazimento da cominação dependeria do êxito da defesa. Omitida a defesa em tempo hábil, como efeito, sucedida a estabilidade do provimento inicial imposto ao réu. A eficácia proeminente da ação, o preceito, jamais funcionou a contento. A jurisprudência pouco arejada acomodou a pretensão peculiar, lentamente, ao valo comum das pretensões jungidas ao procedimento ordinário e genérico. Ela perdeu, em decorrência, as características que lhe emprestam fisionomia própria. O preceito passou a imperar após o trânsito em julgado da sentença definitiva. Bem se compreende que, no CPC de 1973, facilitada a emissão da sentença de mérito, mediante a técnica do julgamento antecipado, o velho remédio monitório perdeu seus atrativos, contido pela ideologia que a execução realiza tão-só créditos e implica agressão patrimonial.265 A antiga e respeitável cominatória desapareceu na sua especialidade.
Porém, a técnica processual não elimina a ação material, e, portanto, subsistiu a pretensão,266 veiculada através do pedido cominatório. É no direito material que se há de perscrutar a pretensão que dá azo a essa espécie de pedido. Diz-se cominatório o pedido porque nele há ordem (preceito) dirigida ao réu, cujo descumprimento acarretará a imposição de multa pecuniária. O seu inverso é o pedido simples. Exemplos de pretensões afeitas à cominação localizam-se no art. 1.425, I e IV, do CC; no art. 333, III, do CC; no art. 826 do CC (ação do credor para obter reforço ou substituição de garantia fidejussória ou real); no art. 1.280 do CC (ação do proprietário ou do possuidor para lograr a demolição, reparação ou caução por dano iminente do prédio vizinho), além de quaisquer outras obrigações compatíveis ao preceito, estipuladas pelas partes no âmbito da autonomia privada. Na realidade, a cominação de multa pecuniária não é parte do pedido, mas meio executório. Eis a razão por que o NCPC não se ocupou do pedido, mas do julgamento da ação cujo objeto seja prestação de fazer ou de não fazer, caso em que, acolhido o pedido, o juiz “concederá a tutela específica ou determinará as providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente” (art. 497, caput). Por exemplo, nos casos em que o autor pleiteia: (a) a prática de algum ato (v.g., deixar o réu de vender produtos similares aos criados pelo autor); (b) tolerar alguma atividade (v.g., permita ao autor visitar o imóvel alugado, para vistoriá-lo ou apresentá-lo a possíveis compradores); (c) prestar ato (v.g., construa o muro a que se obrigara). O art. 497, parágrafo único, esclarece que, visando o pedido a inibir a prática, a reiteração ou a continuação do ilícito, ou sua remoção, afigura-se irrelevante a demonstração da a ocorrência do dano ou a existência de culpa em sentido lato. É o fundamento das chamadas pretensões inibitórias. Não é diferente a pretensão para entrega de coisa (v.g., forneça os equipamentos necessários à ampliação da planta industrial do autor), objeto do art. 498, caput. Em todas essas hipóteses, o conteúdo da sentença de procedência contemplará as providências adequadas, competindo ao juiz da execução adotá-las, segundo a enumeração do art. 536, § 1.º. Por exemplo, para assegurar o direito de o autor vistoriar o imóvel, o juiz poderá ordenar a remoção do inquilino. Essa disciplina não reviveu a cominatória em sua plenitude. O rito da pretensão processual é o comum. Não há sentença liminar, nem sequer inversão do contraditório.267 O juiz assina prazo de cumprimento para o réu, findo o qual passa a incidir a multa, estipulada a favor do autor, ou adotará as medidas do art. 536, § 1.º. A multa pecuniária assumiu, definitivamente, a natureza e a função de astreinte. O valor não se relaciona com a pretensão, devendo ser idôneo, considerando as condições econômicas e financeiras do réu, para tornar excessivamente custosa a resistência à ordem do juiz. Tal sanção pecuniária apresenta flagrante ponto fraco, e, portanto, a terapia outorgada às prestações de fazer, de não fazer e de entrega de coisa, e, genericamente, às ordens judiciais, comportam insucesso: as multas de valor elevado, ou não, jamais persuadem o réu desprovido de patrimônio. O aspecto mais saliente da técnica cominatória, na disciplina vigente, avulta na circunstância que a preceituação subtraiu-se ao poder de disposição das partes. O meio executório da astreinte pode ser aplicado ex officio, em
todo o seu amplíssimo campo de atuação, conforme se infere da disposição explícita do art. 536, § 1.º. Não há adstrição do juiz ao preceito em si, nem sequer a necessidade de reclamá-lo na petição inicial, e ao valor porventura indicado na petição inicial, como já se sustentava perante a redação originária do segundo código unitário.268 Eventual pedido cominatório não implica cúmulo de pretensões.269 A ele o autor pode acrescentar, sucessiva e subsidiariamente, o pedido simples de condenação em perdas e danos. 265. Pedido divisível e indivisível Segundo reza o art. 490, ao juiz se mostra lícito acolher os pedidos das partes (do autor, formulado na petição inicial; do réu, formulado em reconvenção) todo ou em parte. Essa possibilidade pressupõe a divisibilidade do pedido. No entanto, tratando-se de pretensão à prestação indivisível, semelhante desfecho revela-se fora de propósito: para o autor, é tudo ou nada. Idêntico fenômeno sucede em alguns direitos formativos. Por exemplo, A pede separação de B, por tal ou qual motivo: o juiz acolherá ou rejeitará o pedido, pois não pode separar A e B em parte, nem prover de modo diferente ao pleiteado (v.g., concedendo a separação de corpos). Em outras hipóteses, como as de dissolução dos negócios jurídicos, concebe-se o acolhimento parcial do pedido, erradicando a parte viciada e preservando a parte hígida do negócio. Disso resulta que o pedido em si não é propriamente divisível ou indivisível; “o que é divisível ou indivisível é o objeto do direito material subjetivo das partes, o dever, a obrigação, o pedido”.270 O art. 328 não se ocupa do pedido indivisível propriamente dito. Ocupa-se do recebimento da parte proporcional do crédito, originário de obrigação indivisível, pelo credor que não ingressou em juízo. O art. 328 situa-se na seção “do pedido” de modo inadequado, reproduzindo defeito do direito anterior. Na realidade, o pedido formulado por dois ou mais credores, em litisconsórcio ativo, ou por um só credor, relativamente à obrigação indivisível, não escapa ao figurino geral. Revestir-se-á dos requisitos próprios do pedido único e simples – certeza, determinação e congruência –, e nenhuma menção especial merece na formação do processo. Eventual dificuldade, identificando a divisibilidade, ou não, da pretensão, surgirá no julgamento, havendo litisconsórcio. E, de fato, depreende-se do art. 260, caput, primeira parte, do CC – “Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira” – cuidar-se de litisconsórcio ativo facultativo.271 O art. 328 não regula o pedido de obrigação indivisível. Disciplina a repartição de despesas entre os litisconsortes, impondo ao omisso, preservado seu direito ao crédito, o gravame da divisão das despesas processuais, já incluídos os honorários de advogado, na proporção que lhe competir sobre o resultado final da ação. Não opera a regra, haja vista semelhante finalidade precípua, no âmbito do pedido e do próprio processo. Ao contrário, visa ao credor que não participou do processo. Em última análise, o art. 328 é regra de direito material, complementar à do art. 261 do
CC. Esta ressalva o direito dos demais credores de exigirem do que recebeu o total da dívida a parte que lhes caiba; aquela, distribui o custo do processo de modo equânime, sujeitando todos às despesas efetuadas em proveito da coletividade. E, de resto, o art. 328 não incide no caso de todos os credores, conjuntamente, ingressarem em juízo,272 como já se entendia perante o art. 156 do CPC de 1939.273 Ocioso frisar que o art. 328 tampouco respeita à problemática dos pedidos cumulados,274 porque versa a situação oposta, a falta de exercício de pretensão por um ou mais credores no mesmo processo. A importância da divisibilidade do objeto litigioso, e, conseguintemente, a possibilidade de o juiz acolher o pedido tem parte, cotejada com o teor da defesa do réu, reside no julgamento parcial do mérito (art. 356, I). 266. Pedido na execução A pretensão a executar é deduzida, in simultaneo processu, ou autonomamente, mediante a iniciativa da parte. É o que declaram, convergentemente, os artigos 513, § 1.º, e 798, caput. Em tal iniciativa, concernente ao princípio dispositivo ou da demanda, o autor formulará o pedido com suas especificações. Por um lado, o exequente indicará o bem da vida, ou pedido genérico, segundo o direito reconhecido no título executivo (corpus, genus e facere). Em princípio, o pedido mediato é sempre determinado, ou líquido, porque os predicados da certeza, da liquidez e da exigibilidade (art. 786) hão de se fazer presentes para presidir o próprio nascimento da pretensão a executar. Existe, porém, uma exceção: a prestação para entrega de coisa, pois a individualização ocorrerá no curso da execução (artigos 811 a 813), ressalva feita à execução fundada em título judicial, porque a individualização ocorrerá na petição inicial ou no curso do processo (art. 498, parágrafo único). É inexato que seja vedado, em termos peremptórios, o pedido genérico na execução.275 E, de outro lado, compete ao exequente explicitar a espécie de execução, “quando por mais de um modo pode ser efetivada” (art. 798, II, a). O pedido imediato relaciona-se com os poderes executivos do juiz, especialmente a disciplina dos meios executórios – os meios técnicos predispostos na lei que realizam o direito reconhecido no título executivo judicial ou extrajudicial. Sucede que, às vezes, o mesmo direito comporta realização por mais de um meio. Por exemplo, o crédito alimentar pode ser executado mediante expropriação, desconto ou coerção pessoal (prisão). Eis o motivo por que o art. 798, II, a, exige a explicitação do pedido imediato. Ele varia conforme o meio executório. Por exemplo, na execução de dívida em dinheiro, basta ao exequente pleitear a expropriação dos bens do executado suficientes à satisfação do crédito (art. 824). O ato executivo concreto que conduzirá a essa satisfação, considerando as opções do art. 825, dependerá da natureza do bem passível de constrição e do impulso oficial do órgão judiciário.
Capítulo 17. PLURALIDADE DE OBJETOS DO PROCESSO
SUMÁRIO: § 64.º Cumulação originária de ações – 267. Conceito de cumulação originária de ações – 268. Espécies de cumulação originária de ações – § 65.º Cumulação originária subjetiva – 269. Conceito de cumulação originária subjetiva – 270. Espécies de cumulação originária subjetiva – 271. Requisitos da cumulação originária subjetiva – 271.1. Identidade de procedimento na cumulação subjetiva – 271.2. Identidade de competência na cumulação subjetiva – 271.2.1. Competência da cumulação subjetiva no caso de comunhão – 271.2.2. Competência da cumulação subjetiva no caso de conexão – 271.2.3. Competência da cumulação subjetiva nos demais casos de litisconsórcio – 271.3. Compatibilidade das ações na cumulação subjetiva – 271.4. Restrições à formação do litisconsórcio – § 66.º Cumulação de causas de pedir – 272. Conceito de cumulação de causas de pedir – 273. Espécies de cumulação de causas de pedir – 273.1. Cumulação simples de causas – 273.2. Cumulação sucessiva de causas – 274. Concurso de normas – 275. Requisitos da cumulação de causas – 275.1. Conexão subjetiva na cumulação de causas – 275.2. Conexão objetiva na cumulação de causas – 275.3. Adequação do procedimento e competência na cumulação de causas – 275.4. Indicação implícita da cumulação de causas – 276. Restrições à cumulação de causas de pedir – § 67.º Cumulação de pedidos originária – 277. Conceito de cumulação de pedidos originária – 278. Classificação da cumulação de pedidos originária – 279. Espécies de cumulação de pedidos originária – 279.1. Cumulação de pedidos simples – 279.2. Cumulação de pedidos sucessiva – 279.3. Cumulação de pedidos eventual – 280. Requisitos da cumulação de pedidos originária – 280.1. Conexão subjetiva na cumulação de pedidos – 280.2. Compatibilidade das ações no cúmulo de pedidos – 280.3. Competência comum na cumulação de pedidos – 280.4. Adequação do procedimento na cumulação de pedidos – 281. Controle da cumulação originária de ações – 281.1. Iniciativa do controle da cumulação de ações – 281.2. Momento do controle da cumulação de ações – 281.3. Efeitos da cumulação indevida de ações – 281.3.1. Efeitos da indevida cumulação subjetiva – 281.3.2. Efeitos da indevida cumulação causal – 281.3.3. Efeitos da indevida cumulação de pedidos – § 68.º Cumulação sucessiva de ações – 282. Espécies de cumulação sucessiva – 283. Redução do objeto litigioso – 284. Cumulação de medida de urgência cautelar – § 69.º Modificação da demanda – 285. Conceito de modificação da demanda – 286. Fundamento da modificação da demanda – 287. Espécies de modificação da demanda – 287.1. Modificação simples e cumulativa – 287.2. Modificação unilateral e bilateral – 288. Causas da modificação da demanda – 289. Requisitos da modificação da demanda – 289.1. Termo final da modificação unilateral – 289.2. Consentimento do réu na modificação bilateral – 289.3. Termo final da modificação bilateral – 290. Forma da modificação da demanda – 291. Efeitos da modificação da demanda – § 70.º Declaração incidente – 292. Subsistência e fundamento da declaração incidente – 293. Conceito e espécies de questões prejudiciais – 294. Natureza da declaração incidente – 295. Finalidades da declaração incidente – 296. Objeto da declaração incidental – 297. Pressupostos da declaração incidental – 297.1. Legitimidade na declaração incidental – 297.2. Interesse na declaração incidental – 297.3. Identidade de procedimentos das ações subordinada e subordinante – 297.4. Competência na declaração incidental – 298. Revelia como pressuposto da declaração incidental – 299. Casos de inadmissibilidade da declaração incidental – 300. Controle da admissibilidade da declaração incidental – § 71.º Reunião de processos – 301. Cumulação de ações por reunião de processos
– 302. Conceito de conexão – 303. Espécies de conexão – 304. Obrigatoriedade da reunião de processos – 305. Oportunidade da reunião de processos – 306. Casos de reunião de processos – 307. Efeitos da reunião de processos. § 64.º Cumulação originária de ações 267. Conceito de cumulação originária de ações A pluralidade de um dos elementos previstos no art. 337, § 2.º, determina, em princípio, a pluralidade de objetos litigiosos ou cumulação de “ações” (pretensões processuais). Costuma-se distinguir, a esse respeito, ação, pretensão, demanda e pedido;1 o rigor terminológico é importante, e, aqui, “ação” vale por objeto litigioso (Streitgegenstand) ou pretensão processual (prozessualer Anspruch). Assim, a cumulação originária de pretensões processuais, ou de ações materiais, decorre da multiplicação de um dos três elementos – partes, causa de pedir e pedido. É originária a cumulação delineada pela pluralidade de um desses elementos na petição inicial. Para esse efeito, a contribuição do réu se mostra irrelevante, exceto formulando reconvenção; mas, nesse caso haverá cumulação superveniente ou sucessiva. O processo cumulativo necessita de disciplina própria, conforme a respectiva espécie, e apresenta inúmeras dificuldades no que tange à técnica do julgamento do mérito, a distribuição das despesas do processo, e o efeito devolutivo da apelação. Por exemplo, formulando o autor dois pedidos, um em caráter principal, o outro subsidiário, ensejando que o juiz somente examine este na hipótese de rejeição daquele, na chamada cumulação eventual (infra, 279.3), a teor do art. 326, caput, do NCPC, surgirá ao menos dois problemas no caso de o juiz efetivamente rejeitar o pedido antecedente e acolher o pedido subsequente, a saber: (a) a existência de decaimento parcial do autor, com o fito de atribuir-lhe, em parte, os ônus da sucumbência; (b) a possibilidade de o autor recorrer, postulando o acolhimento do pedido principal, e, faltando essa iniciativa, a do órgão ad quem apreciar o pedido rejeitado, no caso de prover a apelação do réu quanto ao pedido secundário. Por outro lado, acolhido o pedido principal, há outra questão: a possibilidade de o órgão ad quem, provendo a apelação do réu quanto a esse pedido, estimar devolvido o conhecimento do segundo pedido, e passar a julgá-lo diretamente, havendo sido produzidas provas suficientes para tal juízo. O exemplo ministrado, focalizando uma das espécies de cumulação de pedidos, demonstra a relevância prática do regime peculiar do processo cumulativo. 268. Espécies de cumulação originária de ações A cumulação originária de pretensões processuais, ou de ações (materiais), pode ser classificada sob diferentes critérios. À primeira vista, existindo um elemento subjetivo (partes) e dois objetivos (causa de pedir e pedido), concebem-se duas espécies de pluralidade: (a) cumulação subjetiva, que ocorre tão só no litisconsórcio facultativo (simples e
unitário), motivo pelo qual nem sempre a pluralidade de partes (litisconsórcio) implica a cumulação de pretensões; e (b) cumulação objetiva, haja vista a pluralidade de causas ou de pedidos. Do ponto de vista topológico, a cumulação divide-se em duas espécies: (a) inicial (ou originária); (b) sucessiva (ou superveniente). Logo se percebeu, na monografia precursora no direito brasileiro, não importar ao cúmulo “que juntos venham os pedidos na petição inicial ou em outros atos posteriores do processo”2 A cumulação inicial resulta do exercício de várias pretensões, no mesmo processo, quer por mais de um autor, cada qual deduzindo sua ação própria, quer porque o autor único expõe duas ou mais causas ou formula mais de um pedido perante o mesmo réu, ou perante diferentes réus. Essa designação (cumulação originária) considera o ponto de referência. O objeto do processo evidencia-se complexo, ou múltiplo, desde a formação do processo (art. 312, primeira parte).3 O cúmulo inicial abrange o litisconsórcio ativo e passivo. Existindo cumulação subjetiva, porque facultativo o litisconsórcio, haverá cumulação objetiva por decorrência: os diferentes autores propõem cada qual a sua ação ou o mesmo autor propõe uma ação contra cada réu.4 O cúmulo objetivo inicial, figurando apenas uma parte de cada lado, é bilateral; mas, coexistindo com o litisconsórcio, o cúmulo se chama de plurilateral.5 O cúmulo inicial também pode se originar pelo ingresso provocado de terceiro, como acontece na denunciação da lide formulada pelo autor (art. 126).6 A cumulação sucessiva engloba inúmeras situações, nas quais, posteriormente à sua formação, o objeto do processo se torna complexo ou múltiplo. Ela se forma por duas vias: (a) inserção de nova ação no processo pendente; (b) reunião de processos. O primeiro grupo abrange: (aa) a modificação de demanda, através do aditamento da inicial (art. 329), por iniciativa do autor; (ab) a reconvenção (art. 343), promovida pelo réu; e (ac) algumas modalidades de intervenção de terceiro (v.g., denunciação da lide) em que a iniciativa espontânea ou provocada traduz o exercício de pretensão. E o autor ou o réu podem pedir a declaração incidente da questão prejudicial.7 Esses comportamentos das partes ou de terceiro tornam o objeto do processo complexo, introduzindo nova “ação” ou pretensão no processo pendente. A segunda forma de cumulação superveniente consiste na reunião dos processos, que permanecem autônomos, mas o vínculo entre os respectivos objetos litigiosos, designado de conexão (art. 55), recomenda a instrução e o julgamento conjuntos. Resultando a reunião do litisconsórcio, todavia, nem sempre haverá cumulação.8 Existem outros motivos, sempre fundados no liame entre os objetos litigiosos, que levam à reunião, como a acessoriedade (art. 61) e a prejudicialidade (v.g., embargos do executado, a teor do art. 914, § 1.º). Parecem evidentes as finalidades de a lei autorizar a cumulação de ações (ou pretensões). Em graus variáveis, a economia, a celeridade e a eliminação do risco de provimentos contraditórios justificam o cúmulo.9
§ 65.º Cumulação originária subjetiva 269. Conceito de cumulação originária subjetiva O litisconsórcio facultativo, ou seja, a demanda conjunta proposta, voluntariamente, por mais de uma pessoa, ou contra mais de uma pessoa, implica a existência de múltiplas ações materiais, ou de objetos litigiosos, e, conseguintemente, de vários pedidos. O mesmo não sucede, como já delineado, no litisconsórcio necessário. Repeliu-se, por força dessa delimitação, a confusão entre o cúmulo subjetivo, de extensão menor, e a pluralidade de partes. A despeito de figurarem duas ou mais pessoas num dos polos da relação processual, no litisconsórcio necessário o objeto litigioso é único, e, no caso do regime especial, ou litisconsórcio unitário, ainda há de ser resolvido uniformemente para os litisconsortes (infra, 580.3). Resta definir, porém, as formas como se apresenta a cumulação subjetiva na demanda. Para essa finalidade, os laços que permitem o litisconsórcio, arrolados no art. 113, constituem condição necessária, mas insuficiente. Esse ponto específico receberá exame no capítulo dedicado ao litisconsórcio (infra, 586). Necessário se mostra saber qual o objetivo, a finalidade que cada ação persegue, uma relativamente à outra, ou seja – vez que a única distinção recai nos sujeitos –, as posições de cada qual no papel de parte. Exemplos significativos ilustram tal aspecto: (a) a demanda de fiadores diferentes para reaver do afiançado comum o que honraram perante credor, hipótese de comunhão (art. 113, I); (b) a demanda da mãe e do filho contra o pai, a primeira buscando repartir as despesas do parto, a segunda pleiteando alimentos, hipótese abrigada no art. 113, II. Flagrantemente, as situações não se mostram idênticas. Os fiadores buscam resultado autônomo, reintegrando o seu patrimônio desfalcado. Mas, no segundo exemplo, existe uma relação de interdependência tal que, improcedente a primeira, porque o réu não teve filhos, requisito indispensável à imposição das despesas originadas no parto, seguir-se-á, inevitavelmente, a improcedência da segunda. Por conseguinte, concebe-se a cumulação simples e sucessiva. Os casos não esgotam a fenomenologia da cumulação subjetiva, pois há o litisconsórcio alternativo. 270. Espécies de cumulação originária subjetiva Há três modalidades de cumulação subjetiva, correspondendo às espécies de litisconsórcio facultativo: (a) simples; (b) sucessiva; e (c) alternativa. A esse propósito, é preciso consultar o capítulo próprio (infra, 581). 271. Requisitos da cumulação subjetiva originária Os requisitos de admissibilidade da cumulação subjetiva envolvem, naturalmente, os da própria demanda conjunta, tratando-se de litisconsórcio facultativo. Há três requisitos positivos: (a) identidade de procedimento; (b) identidade de competência; e (c) compatibilidade das ações. E há um requisito negativo: a restrição à formação do litisconsórcio (art. 113, § 1.º).
271.1. Identidade de procedimento – O cúmulo subjetivo expressa, basicamente, a existência de múltiplos objetos litigiosos. Ora, a unidade formal se afigura essencial à própria formação do litisconsórcio.10 Por isso, as ações cumuladas, através dos sujeitos, devem se sujeitar a um procedimento único. Esse requisito não recebera, até tempos mais recentes, a devida atenção.11 O núcleo do problema reside na diversidade de procedimentos do litisconsórcio autorizado no art. 113. Por exemplo: (a) duas ações condenatórias, conexas pela causa de pedir (art. 113, II), cujos pedidos mediatos, todavia, apresentam valores diferentes, de modo que uma das pretensões à condenação cabe no procedimento do Juizado Especial da Justiça Comum; (b) as ações da mãe, para obter reembolso das despesas do parto, cumulada com a do filho, para obter alimentos, esta última jungida ao rito especial da Lei 5.478/1968. O art. 327, § 2.º, incide nesses casos por analogia. Essa regra estabelece, no processo cumulativo, a preferência do rito comum,12 sem prejuízo do emprego das técnicas diferenciadas do procedimento especial É possível cumular as ações no rito comum. Rejeitar essa hipótese significaria proibir o litisconsórcio, e, conseguintemente, ofensa aos princípios da economia e da não contradição que chancelam a demanda conjunta.13 E, de resto, no primeiro exemplo ao autor é dado abster-se de demandar perante o Juizado Especial No entanto, as ações jungidas a procedimento especial admitem cúmulo com outras, no âmbito do procedimento comum. E duas ações de rito especial (v.g., a de prestação de contas e a de consignação em pagamento) não comportam cumulação. Nenhum procedimento, incluindo o comum, harmoniza-se com a especialidade da estrutura e da função do direito material de cada uma delas. Tal proposição é rigorosamente exata e aplicável à cumulação subjetiva simples. Mas, tratando-se de cumulação sucessiva ou eventual, concebe-se o cúmulo, porque a ação sucessiva ou subordinada se acomodará ao rito da ação principal. É perfeitamente admissível, por exemplo, cumular consignação de pagamento contra o cedente do contrato de promessa de compra e venda (rito especial), e adjudicação compulsória contra o cedido (rito comum). Não há qualquer necessidade de dissimular a pretensão à consignação como depósito “cautelar” – de resto, jamais se cuidaria de pretensão à segurança (infra, 1.430): a finalidade é satisfazer o valor da prestação – ou fórmula equivalente. 271.2. Identidade de competência – É indispensável que o mesmo juízo seja competente para conhecer das ações subjetivamente cumuladas, por aplicação subsidiária do art. 327, § 1.º, II, do NCPC. Por óbvio, no litisconsórcio necessário, há causa única, e o problema, simplesmente, não aparece, cumprindo propor a ação perante o juízo competente. Tratando-se, ao invés, de litisconsórcio facultativo, tudo dependerá do liame entre as ações, consoante o art. 113. 271.2.1. Competência da cumulação subjetiva no caso de comunhão – O litisconsórcio fundado na comunhão, contemplado no art. 113, I, prende-se a
laços tão fortes entre as ações que o problema de competência se resolve facilmente. Por exemplo, litigando em conjunto uma empresa pública federal e uma sociedade de economia mista, contra o mesmo obrigado, incidirá o art. 109, I, da CF/1988, competindo à Justiça Federal processar e julgar a causa, embora a sociedade de economia mista, ordinariamente, litigue na Justiça Comum.14 Passivamente, vigora idêntica solução, assinalando-se que o art. 46, § 4.º, faculta ao autor demandar vários réus no foro do domicílio de qualquer um deles. 271.2.2. Competência da cumulação subjetiva no caso de conexão – O vínculo entre as ações, derivado da conexão (art. 113, II), que é a identidade da causa de pedir ou do pedido (art. 55, caput), mostra-se mais tênue. O art. 55, § 1.º, autoriza a reunião das ações conexas para decisão conjunta. Logo, nada impede a formação do cúmulo originário. A separação formal das ações implicaria, mais adiante, na reunião. Existindo foro de eleição, em proveito de um dos réus, já não se torna admissível o cúmulo originário. É demasiado impor aos demais réus o foro de eleição. Também não é possível reunir duas ações nos casos de competência territorial absoluta (art. 47). Por exemplo, invadido dois imóveis, situados em comarcas diferentes, pelo mesmo réu, o autor deverá propor duas ações separadas, cada qual no lugar da situação do imóvel invadido. Na competência de jurisdição, cabe distinguir entre a que se estabelece em razão das pessoas e da matéria; na primeira, vale o que se afirmou na comunhão, ou seja, não há impedimento para que os litisconsortes se reúnam na Justiça Federal; na competência definida pela matéria, ao invés, já não se mostra possível o cúmulo subjetivo.15 Em relação à competência de juízo, fica claro que a existência de varas privativas, em razão da matéria (v.g., a especializada em registros públicos) constitui óbice suficiente ao litisconsórcio. Os foros distritais, ou regionais, instituídos nas metrópoles por lei estadual, implicam competência absoluta, embora territorial sua base. Por isso, se as ações tiverem competências distintas, uma em foro regional (ou distrital) e outra no foro central, a reunião na mesma demanda se mostra incabível. Ressalvados os foros distritais, a competência rationi valori se modifica do “mais para o menos” (infra, 400). Logo, a competência superior (do juiz de direito) absorve a menor (do pretor). 271.2.3. Competência da cumulação subjetiva nos demais casos de litisconsórcio – O litisconsórcio fundado nas hipóteses previstas no art. 113, III, pressupõe relações tênues entre as ações – afinidade –, e, desse, modo, insuscetíveis de alterar a competência individual de cada ação. O art. 55, § 2.º, do NCPC admite a reunião de processos conexos, entendendo-se por tal, além da identidade de causa ou de pedido (art. 55, caput), essas outras relações (infra, 303), porque há a latente possibilidade de surgirem decisões contraditórias ou conflitantes nos processos separados. Por conseguinte, o cúmulo subjetivo originário, nos casos do art. 113, III, do NCPC, é admissível por identidade de razões. Por exemplo: A propõe ação de despejo contra B e C, relativamente a imóveis diferentes, situados na mesma
circunscrição territorial do foro regional da metrópole, pretendendo retomá-los por idêntico motivo.16 271.3. Compatibilidade das ações na cumulação subjetiva – À semelhança do que sucede com o cúmulo de pedidos, é preciso compatibilidade das ações cumuladas subjetivamente entre si. Uma ação é incompatível com a outra quando se excluem mutuamente. Por exemplo, A demanda B e C, pleiteando uma só indenização, decorrente do mesmo evento danoso, que só pode ser imputado a um ou a outro réu. Essas ações só podem ser compatibilizadas no cúmulo eventual, ou seja, contra B em primeiro lugar, passando o juiz a apreciar a ação contra C em seguida, mas na hipótese de rejeitar a responsabilidade de B. Por óbvio, há sério problema de legitimidade passiva, porque seguramente um dos réus é parte ilegítima. Em cúmulo simples, pretendendo A obter a mesma indenização tanto de B, quanto de C, há incompatibilidade. 271.4. Restrições à formação do litisconsórcio – Os princípios do contraditório e da igualdade das partes impedem, em alguns casos, a formação do litisconsórcio (infra, 583), e, conseguintemente, o cúmulo subjetivo. Exemplo de infração ao princípio do contraditório: A ingressa com ação contra B e obtém providência antecipatória, assegurando-lhe, desde logo, o bem da vida; posteriormente, C pleiteia o ingresso no processo pendente (litisconsórcio ulterior), após a resposta do réu, fundado no art. 113, II, do NCPC. A formação desse litisconsórcio é inadmissível, porque impede a resposta eficaz do réu à nova ação. Exemplo de infração ao princípio da igualdade: centenas de autores movem ações em conjunto contra o Estado-membro, cada qual pleiteando aumento no valor de vantagem pecuniária concedido por lei local a determinadas classes de servidores públicos. Neste caso, a defesa do réu sofre graves restrições, porque o prazo de resposta único impede o exame da situação individual dos autores e, conseguintemente, a impugnação do respectivo enquadramento na previsão legal. Concebe-se que, por falta dessa impugnação precisa, o aumento seja estendido a servidores não contemplados na lei local, objetivo subentendido na formação do litisconsórcio. Os fundamentos dessas restrições, que limitam o cúmulo subjetivo, receberão exame no capítulo próprio (infra, 583). § 66.º Cumulação de causas de pedir 272. Conceito de cumulação de causas de pedir A multiplicidade de causas de pedir importa cumulação de ações. A causa petendi é um dos elementos da ação. Assim, “nada mais lógico, pois, que vários litígios, mesmo com identidade de partes e de objeto, porém com diferentes causa petendi, constituam cada qual uma individualidade própria”.17
Existem causas diversas quando o autor expõe fatos capazes de individualizar mais de uma ação. Para tal arte, irrelevantes se mostram os dispositivos legais invocados, a diversidade de qualificações jurídicas emprestadas ao material de fato, os fatos relacionados à causa de pedir próxima e os fatos secundários. Interessam os fatos principais. Esses fatos se combinam de maneiras diferentes. A combinação gera duas espécies de cumulação causal. 273. Espécies de cumulação de causas de pedir Em sentido amplo, há duas modalidades de cumulação causal: ou existem duas ou mais causas amparando pedido único; ou, causas diferentes para cada pedido. 273.1. Cumulação simples de causas – O autor que expõe duas ou mais causas, mas formula pedido único, provoca a cumulação causal simples. Por óbvio, a ordenação das causas, quanto ao pedido, adquire forma subsidiária. Exemplos: (a) na eventualidade de não colher o despejo por falta de pagamento (art. 9.º, III, da Lei 8.245/1991), caberá a providência por desvio na destinação residencial do imóvel (art. 9.º, II, c.c art. 23, II, ambos da Lei 8.245/1991); (b) na hipótese de não ficar provado o adultério de B com C, o autor A alega adultério de B com D. É claro que, conforme os resultados da prova, os pedidos podem ser acolhidos pelas duas causas. Excluída uma causa, há subsidiariedade;18 acolhidas ambas, cumularam-se causas. Essas causas de pedir revelam-se, isolada ou conjuntamente, aptas à procedência do mesmo pedido É o requisito exigido nessa espécie de cumulação causal. Em virtude dessa peculiaridade, derivada da cumulação simples de causas, só a cumulação simples de pedidos corresponde à ordenação de causas. A cumulação eventual de pedidos reclama conexão (infra, 279.3). Concebe-se, de fato, a existência de duas ou mais causas para pedidos diferentes. Essa hipótese repercute na cumulação simples de pedidos. Por exemplo: Aformula dois pedidos de condenação de B em perdas e danos, um baseado no inadimplemento do preço do contrato preliminar de compra e venda do imóvel “x”, outro fundado no dano provocado ao imóvel “y”, alugado pelo réu. 273.2. Cumulação sucessiva de causas – A cumulação de causas sucessivas implica a cumulação de pedidos essa mesma forma. A procedência do segundo pedido fica subordinada ao acolhimento do pedido principal. Exemplo: A pede a resolução do contrato preliminar da compra e venda contra B, fundado na falta de pagamento do preço, e perdas e danos, porque a dissolução desse contrato o constrangerá a alienar o imóvel a outra pessoa por preço inferior. Em tal hipótese, há duas causas de pedir diferentes, uma relativa ao inadimplemento, outra concernente ao dano. O exame da segunda causa de pedir subordina-se não ao acolhimento ou à rejeição da primeira causa de pedir, mas ao acolhimento do primeiro pedido, e, conseguintemente, à constatação de que a primeira causa se mostra hábil ao seu acolhimento.
274. Concurso de normas Reunidos dois ou mais complexos de fatos para fundamentar um pedido, e mostrando-se qualquer um idôneo ao acolhimento, há cumulação causal simples. Ora, o mesmo complexo de fatos, às vezes, incide em mais de uma norma, provocando o surgimento do fenômeno do concurso de ações, no sentido de que a lei confere ao titular do direito duas pretensões diferentes.19 O exemplo clássico reside na coisa, objeto de contrato comutativo, que padece de vício oculto, tornando-a imprópria ao uso ou diminuindo-lhe o valor. Este fato jurídico incide no art. 441, caput, do CC, ensejando a ação redibitória, rejeitada a coisa pelo parceiro prejudicado, e, concomitantemente, no art. 442 do CC, este autorizando pleitear o abatimento do preço proporcional à desvalia do vício.20 O fenômeno recebe a designação de concurso de normas – a pluralidade de previsões normativas individualiza uma só pretensão.21 O concurso de ações – igualmente chamado, de modo assaz equívoco, concurso de “pretensões” –, distingue-se do concurso de normas. Neste último caso, de uma única previsão legal emergem duas ou mais ações, cabendo ao titular do direito escolher uma ou outra, cujos objetivos são distintos. Invoca-se, a título de exemplo, o concurso entre a ação acidentária e a ação de responsabilidade civil do empregador (v.g., ante a falta de fornecimento de equipamentos de proteção obrigatórios, que evitariam o acidente). É melhor o exemplo do direito de o parceiro resolver o contrato, em virtude do inadimplemento imputável ao outro figurante, ou pleitear o cumprimento do negócio (art. 475 do CC).22 Por óbvio, o bem da vida (pedido mediato) perseguido, num e noutro caso, discrepam totalmente. Também se recorda o exercício da mesma pretensão por mais de um sujeito, a exemplo do que acontece com a possibilidade de dois sócios pleitearem a anulação da mesma deliberação social em processos diferentes.23 Não há, porém, concurso nessa hipótese: a diversidade de sujeitos implica, necessariamente, a de direitos. Interessa descobrir se o concurso de normas implica cúmulo de objetos litigiosos e, por decorrência, cumulação de ações. O concurso de ações elide, preambularmente, essa possibilidade, porque toca ao autor escolher uma ou outra das pretensões. O caráter eletivo do concurso de ações pré-exclui o cúmulo causal.24 O exame atento da hipótese paradigmática, antes mencionada, resolve o problema. Identifica-se uma causa de pedir para dois pedidos diversos, que, aliás, comportam cumulação eventual. O cúmulo se produz através de efeitos jurídicos diferentes, quiçá almejados e ordenados, na demanda, pelo autor. Em princípio, a teoria da substancialização resolve satisfatoriamente a questão. A causa de pedir se revela no conjunto de fatos aptos a produzir a consequência jurídica expressa no pedido. Logo, deste ângulo pouco importa se os episódios da vida incidem, ou não, em várias normas, porque não se definem, em sua homogeneidade de fato, na condição de causa única.25 Idêntica solução aplica-se à clássica disputa entre responsabilidade contratual e extracontratual: a ação é única.26 O equacionamento dos demais aspectos se afigura assaz delicado na maioria das vezes. No caso da responsabilidade contratual e extracontratual, na realidade, cuida-se somente
de divergência no fundamento legal, circunstância incapaz, isoladamente, de duplicar a ação, na justa medida em que único o complexo de fatos. Nas ações constitutivas e executivas reponta, de vez, o teste definitivo à tese aqui esposada. Realmente, à vista do disposto no art. 32, IV, do Dec. 59.566/1966, deitando o arrendatário culposamente à terra um produto químico que, a um só tempo, provoca danos à colheita e à gleba arrendada, ter-se-á duas ações. Fácil e claramente se separam, no ato imputável ao arrendatário, ainda que único, o dano à messe e o dano à gleba, ambos com idêntico e invariável efeito jurídico. Logo, há duas ações. Na “concorrência” entre a responsabilidade contratual e a aquiliana, a partir da uniformidade do complexo de fatos, ao invés, existe apenas divergência acerca do enquadramento legal. Os fatos são idênticos numa e noutra ação. E não se configura, por igual, uma cumulação subsidiária de causas, porque inexistem dois agrupamentos de fatos. E os fatos que originaram a ação acidentária se identificam, indubitavelmente, aos da ação derivada do “direito comum”, mas os efeitos de uma e outra diferem em seus limites,27 além da diversidade de réu. E o mesmo, vale dizer, a diferença de efeitos jurídicos, acontece relativamente às ações redibitória e quanti minoris. Em síntese, o concurso de normas surge quando o complexo de fatos incide em duas ou mais regras, que a ele atribuem efeitos jurídicos diferentes, predeterminando a formulação de pedidos distintos. Mas, incidindo esse mesmo complexo em duas ou mais regras, que lhe atribuem efeito jurídico único, haverá um só pedido, fundado em várias causas de pedir,28 e, conseguintemente, cumulação de ações. A autoridade da coisa julgada interfere, outra vez, no problema exposto. Os domínios da coisa julgada se mostram mais amplos. Em todo caso, vale a pena posicioná-los. Uma só motivação da sentença, abrangendo a causa de pedir, resolve todo o concurso. Já na cumulação de ações impõem-se motivações explícitas e diferentes, quanto a cada causa de pedir exposta, ou, no mínimo, o juiz referirá a desnecessidade de examinar a segunda causa, ante o acolhimento da primeira. Em tal hipótese, ocioso acrescentar, a apelação do vencido devolverá o conhecimento integral de todas as causas ao tribunal, a teor do art. 1.013, § 2.º, do NCPC, independentemente de qualquer recurso ou manifestação do vencedor. 275. Requisitos da cumulação de causas de pedir O estatuto processual não dedicou à cumulação causal, como sucede com a cumulação de pedidos, contemplada no art. 327, disposição expressa. No entanto, o cúmulo causal deriva da própria individualização do objeto litigioso através da causa. Compreende-se que, existindo mais de uma causa, no mesmo processo, há cumulação de objetos litigiosos. Em tal hipótese, as diretrizes do art. 327 aplicam-se por analogia. 275.1. Conexão subjetiva na cumulação de causas – Duas ações são conexas quando comungam, no mínimo, e parcialmente, um dos elementos que individualizam o objeto litigioso (partes, causa e pedido). Por decorrência, a conexão subjetiva respeita a identidade de partes parcial e total. Conforme o
art. 327,caput, do NCPC o cúmulo de ações se limita ao mesmo réu. A disposição se aplica à cumulação causal. Esta espécie de cumulação pressupõe a identidade das partes.29 275.2. Conexão objetiva na cumulação de causas – O art. 327, caput, do NCPC dispensa, no respeitante ao cúmulo de pedidos, a conexão objetiva. Nenhuma relação é exigida, por identidade de motivos, entre as causas cumuladas, in simultaneo processu, podendo ser inteiramente diferentes e opostas. O cúmulo de causas é sempre subsidiário ou eventual, o que garante, de per si, a compatibilidade reclamada no art. 327, § 1.º, I, do NCPC. Por exemplo, A propõe ação de separação contra B, alegando adultério e sevícias. Essa narrativa exporá as causas em determinada ordem, tornandoas compatíveis. O órgão judiciário não fica constrangido a seguir, na sua apreciação, a ordenação de causas da inicial. Porém, escolhendo uma das causas, e tomando-a como provada, acolherá o pedido, dispensando o exame da outra. É o que deriva do art. 1.013, § 2.º, segundo o qual, baseado o pedido em mais de uma causa – ou fundamento, como reza a regra –, e acolhendo o juiz apenas uma delas, a apelação devolverá todas elas ao conhecimento do órgão ad quem, “ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro”, complementa o art. 1.013, § 1.º, do NCPC. Volvendo ao exemplo, o juiz poderá acolher o pedido com base no adultério, examinando ou não as sevícias, e a autora A não precisará recorrer, porque a apelação do seu adversário devolverá a questão das sevícias. O órgão ad quem poderá manter a sentença com base nas sevícias, e, não, do adultério. 275.3. Adequação do procedimento e competência na cumulação de causas – Os requisitos da competência e da adequação do procedimento, contemplados no art. 327, § 1.º, II e III, do NCPC não impedem a cumulação causal. Eles disciplinam o pedido, o qual define, independentemente da existência de uma ou mais causas de pedir, tanto o juízo competente para processar e julgar a demanda, quanto o rito ao qual ela se subordina. 275.4. Indicação implícita da cumulação de causas – É ônus do autor alegar o(s) fato(s) constitutivo(s), a teor do art. 319, III, do NCPC sob pena de inépcia da petição inicial (art. 330, § 1.º, I, in fine), e congruentemente com o pedido (art. 330, § 1.º, III), também sob pena de inépcia. Todavia, não há a menor necessidade de o autor, ao expor dois ou mais conjuntos de fato que ensejam a multiplicidade de causas, expressamente indicar a cumulação causal. Ela decorrerá, naturalmente, da narrativa. O juiz realizará a qualificação jurídica desses fatos, aplicando o princípio iura novit curia, delimitando eventuais questões de direito na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, IV). Não se cuidará de cumulação implícita. O autor expõe, coerente e compreensivelmente, todos os fatos jurídicos, e, portanto, a cumulação é explícita, no âmbito da narrativa (art. 319, III). 276. Restrições à cumulação de causas de pedir
A cumulação de causas sofre restrições em decorrência do caráter sumário da cognição. Em geral, a cognição do órgão judiciário é plena e completa, em tese abarcando todas as causas de pedir pertinentes ao acolhimento do pedido; mas, em outros casos, a atividade do órgão judiciário “ou não é exaustiva ou é parcial”.30 Essa limitação opera de duas maneiras básicas: ou a lei coloca fora do processo alguma questão, e, assim, encurta a cognição em extensão, tornando-a parcial (v.g., na ação cambiária, que em alguns casos só comporta as exceções cambiais, rejeitadas as do negócio subjacente); ou limita a cognição à superfície de uma ou mais questões, diminuindo-a em profundidade (v.g., a ação possessória, infensa às questões do domínio).31 Esses cortes horizontal e vertical comportam combinações e, numa visão mais refinada, só quando superficial a área cognitiva há, efetivamente, cognição sumária.32 O caráter sumário da cognição impede, senão a alegação da causa de pedir inadmissível, o julgamento da matéria excluída, naquela causa, da apreciação do órgão judiciário. Indiretamente que seja, limita o cúmulo causal. Uma das razões impeditivas da aquisição da auctoritas rei iudicate pela resolução incidente da questão prejudicial consiste, justamente, na limitação da cognição, secundum eventus probationis, impedindo o “aprofundamento da análise” (art. 503, § 2.º). Por exemplo, o autor A impetra mandado de segurança para pleitear a restauração da gratificação por risco a saúde, alegando previsão da lei específica e, caso assim não entenda, a exposição a fatores de risco a saúde, questão dependente da produção de prova pericial, inadmissível no mandado de segurança. Por óbvio, abstraindo a primeira causa de pedir, autêntica questio juris, a segunda – efetiva exposição a fatores de risco à saúde – não poderá ser julgada no mandado de segurança, haja vista a restrição probatória. § 67.º Cumulação de pedidos originária 277. Conceito de cumulação de pedidos O pedido é um dos elementos da ação. Não é o único. Não se pode reduzir o objeto litigioso, consoante a teoria da tríplice identidade, formalmente adotada na lei processual (art. 337, § 2.º, do NCPC), apenas ao pedido. Por outro lado, há requisitos expressos quanto à formulação do pedido em si, objeto de exame no capítulo próprio (retro, 258). No que concerne ao problema do cúmulo, aqui versado, interessa estabelecer a respectiva classificação, as espécies e os requisitos da cumulação de pedidos. É digno de nota que, diferentemente da cumulação subjetiva e causal, há regra específica quanto aos requisitos da cumulação de pedidos (art. 327 do NCPC). 278. Classificação da cumulação de pedidos originária Ao cumular vários pedidos, o autor visa ao acolhimento de todos, ou apenas de um só desses pedidos.
Essa particularidade permite distinguir, genericamente, duas espécies de cumulação: (a) a cumulação em sentido estrito, também designada de “própria”, abrangendo as hipóteses em que os pedidos, de ordinário, admitem a procedência simultânea; e (b) a cumulação em sentido amplo, chamada de “imprópria”, na qual o autor, por razões ditadas pela circunstância de vir realizar um direito subjetivo e obter o bem da vida através da tutela estatal, sempre cercada da álea ínsita ao processo, indica vários caminhos ao fim colimado na demanda. O cúmulo de pedidos, na primeira espécie, inclui a (aa) cumulação simples e (ab) a cumulação sucessiva; na segunda, (ba) a cumulação alternativa ou eventual. A classificação proposta, sem embargo de outras, apresenta o mérito único de guardar a coerência com a distinção entre a cumulação estrita e ampla. Mas, há outros critérios.33 É possível dividir a cumulação em condicional, na qual o autor não pede a procedência de todas as ações, mas as subsequentes condicionadas de alguma forma ao êxito da primeira, que, de seu lado, era sucessiva, eventual (ou subordinada) e alternativa; e simples. Em tal classificação, sobreleva-se o fato de que, no cúmulo eventual, o autor jamais logrará a procedência simultânea, pois a da segunda ação decorre da improcedência da primeira; no cúmulo sucessivo ocorre o contrário, ou seja, a procedência da segunda ação deriva inevitavelmente do sucesso da primeira. Também se separa as cumulações em simples, alternativa (ou eletiva) e eventual (ou subsidiária e escalonada, esta última equivalente à sucessiva).34 Essas distinções ficarão claras uma vez examinadas as espécies e fixado o conceito de cada qual.35 279. Espécies de cumulação de pedidos originária Originariamente, os pedidos podem ser cumulados de três maneiras: (a) simples; (b) sucessiva; e (c) eventual. 279.1. Cumulação de pedidos simples – O traço básico do cúmulo simples consiste na reunião, no mesmo processo, de vários objetos litigiosos autônomos.36 O autor formula vários pedidos, no mesmo processo, por razões de economia. E, constatado o cúmulo de ações totalmente independentes, que, entre si, nada ostentam de comum, salvo os sujeitos – conexão subjetiva ex vi do art. 327, caput, do NCPC –, tal espécie se chama de cumulação simples.37 Tratando-se de cumulação estrita, o autor pede a procedência simultânea das ações.38 E a autonomia implica a liberdade de o juiz julgar todas procedentes; ou, ainda, improcedentes; e uma só, ou algumas, procedentes, e as outras não; tudo de acordo com o que se apurar em torno do cabimento de cada qual.39 Exemplos de cumulação simples: (a) ações de cobrança de dívidas oriundas de contrato de mútuo e de contrato de compra e venda; (b) ações de cobrança de dívidas de mútuos diferentes; (c) ação reivindicatória em relação
a um imóvel e ação confessória quanto a outro imóvel; (d) ações reparatórias com base em eventos distintos. Em princípio, o cúmulo de ações independentes não agrava as condições do réu.40 Reunindo o autor duas ou mais ações dessa maneira, in simultaneo processu, a defesa do réu se ressentirá das dificuldades já indicadas em algumas modalidades do cúmulo subjetivo. É preciso respeitar o princípio da igualdade das partes. A cumulação de numerosos pedidos talvez comprometa “a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa”, consoante dispõe o art. 113, § 1.º, do NCPC. É um impedimento à formação do cúmulo simples. As causas de pedir se revelam diferentes no cúmulo simples de pedido. Essa espécie de cumulação assenta, via de regra, em causas desconexas.41 Nada impede, contudo, a existência da conexão e da identidade de causa, decorrendo vários efeitos jurídicos da incidência da norma ao fato. Há oportunidades, inclusive, em que ocorre um corte obrigatório na causa de pedir, determinada pela natureza sumária da cognição, e a proibição do cúmulo. É o caso da proibição do cúmulo das ações possessórias e petitória (art. 557, caput, do NCPC), regra muito antiga e controversa,42 inconfundível com a alegação de posse derivada de domínio ou de outro direito real (art. 557, parágrafo único, do NCPC). Às vezes, a causa petendi da ação reivindicatória abrangerá a da possessória, baseando-se esta última em domínio. Chama-se a tal fenômeno de continência da causa de pedir. Esse fenômeno descarta a cumulação.43 A ação de improbidade administrativa contra agentes públicos prevê várias sanções em caso de procedência, todavia ponderadas pelo órgão judiciária no caso de procedência, consoante a gravidade do ilícito e outros fatores. Cuidase de cumulação simples, fundada em idêntico fato (ou complexo de fatos) do qual decorrem vários efeitos jurídicos autônomos e cumuláveis, sem interdependência entre si.44 279.2. Cumulação de pedidos sucessiva – Concebe-se que o autor formule um pedido em caráter principal, outro em caráter subsidiário, de modo que tão só na hipótese de o órgão judiciário acolher o primeiro pedido passará a julgar o segundo. O autor pleiteia o acolhimento de ambos os pedidos, mas o segundo, em virtude da sua dependência, decorrerá do primeiro. É a chamada cumulação sucessiva de pedidos.45 É figura simétrica e oposta à cumulação eventual.46 Exemplos de cumulação sucessiva: (a) as ações de investigação de paternidade e de petição de herança; (b) as ações de investigação de paternidade e de alimentos; (c) as ações de separação judicial e de alimentos; (d) as ações de resolução de contrato e de perdas e danos; (e) as ações possessórias, reparatória e demolitória, a teor do art. 555 do NCPC. As ações cumuladas de modo sucessivo não apresentam, necessariamente, idêntica causa de pedir. Determinados cuidados se impõem na correta identificação dessa diversidade de causas. Por exemplo, na ação de resolução do contrato (art. 475 do CC), cumulada com perdas e danos, em geral se identifica causa única, de modo que, dissolvido o contrato, “o juiz passa a considerar o montante dos danos e seu montante”.47 Todavia, a resolução baseia-se no inadimplemento imputável ao outro figurante do
contrato, enquanto as perdas e danos têm cabimento, tecnicamente, quando esse inadimplemento, além de imputável, revelar-se culposo. Também a causa hábil ao reconhecimento da paternidade (v.g., a fecundação artificial homóloga, a teor do art. 1.597, III, do CC), não é idêntica à do direito à herança. A condição de herdeiro funciona como questão prejudicial relativamente ao recebimento do quinhão hereditário. Em princípio, o pedido subsequente (ou sucessivo) guarda nexo de prejudicialidade ou acessoriedade perante o pedido antecedente (ou principal). Por exemplo, na investigação de paternidade, cumulada com petição de herança, a condição de filho é questão prejudicial ao direito à herança. Caracteriza a questão prejudicial ou subordinante (infra, 293) a circunstância que, resolvida em qualquer sentido, virtualmente predeterminar a resolução da questão dependente ou subordinada, “bastando que o juiz tire as consequências lógicas de rigor”.48 Já na cumulação do pedido de cobrança do principal com o de juros compensatórios o pedido subsequente é simples acessório do pedido antecedente. Em ambos os casos, por um motivo ou outro, acolhido o pedido principal segue-se, automaticamente, o acolhimento do pedido sucessivo. O fenômeno se passa assim no plano lógico. No plano prático, o juiz não pode omitir a decisão sobre o pedido sucessivo, que constituirá capítulo autônomo da sentença (tot capita quot sententiae). Faltando disposição expressa a seu respeito, independentemente da natureza do vício que se atribua à sentença proferida nessas condições, uma coisa é seguramente certa: inexistiu julgamento e o bem da vida respectivo não foi atribuído ao vencedor. Pode acontecer, todavia, liame de outra natureza entre o pedido principal e o pedido sucessivo, pois ambos são autônomos e guardam sua própria fisionomia. O exemplo do pedido de resolução do contrato, cumulado com perdas e danos (art. 475 do CC), presta-se a demonstrá-lo. É possível o juiz acolher o pedido de resolução, dissolvendo o contrato e ordenando a restituição dos parceiros ao estado anterior, e negar o pedido de reparação de dano, porque o inadimplemento é imputável ao réu, mas não houve culpa. 279.3. Cumulação de pedidos eventual – É admissível, consoante dispõe o art. 326, o autor formular dois pedidos diferentes, inclusive incompatíveis (dado acidental), desde que o juiz só aprecie o segundo após rejeitar o primeiro. A cumulação eventual (ou subsidiária) constitui espécie simétrica, mas oposta à cumulação sucessiva de pedidos. Ela merece a designação de eventual, sem prejuízo de outras terminologias (subordinada, condicional ou subsidiária), porque o órgão judiciário examinará o segundo pedido na eventualidade de rejeitar o primeiro.49 A designação dessa espécie de cúmulo alternativo, porque os pedidos não se situam no mesmo plano, e assim, ocorreria “alternatividade por subsidiariedade” (sic),50 não é a melhor, apesar dos escrúpulos na distinção. A terminologia equívoca induz confusão com os pedidos alternativos (retro, 263). Exemplos de cumulação eventual: (a) as ações de invalidade do contrato, a primeira por simulação e a outra por fraude contra credores;51 (b) as ações em que o autor pede a condenação do devedor na obrigação específica, ou, subsidiariamente, o equivalente pecuniário; (c) as ações de complementação
de área na venda ad mensuram, ou, subsidiariamente, a redução do preço (quanti minoris), ou, ainda, a extinção do contrato (art. 500, caput, do CC); (d) a ação para restituir a coisa usurpada ou esbulhada, ou o equivalente pecuniário (art. 952, caput, do CC); (e) as ações de dissolução do contrato, ou a restituição da parte do “preço correspondente ao desfalque”, no caso de evicção parcial (art. 455 do CC); (f) as ações redibitória (art. 441, caput, do CC), ou a quanti minoris (art. 442 do CC). Em alguns casos, além da cumulação eventual, impõem-se, em relação à ação principal ou à subsidiária, o cúmulo sucessivo. Por exemplo: (a) ao lado da condenação do devedor na obrigação específica, ao autor se afigura lícito pedir perdas e danos; e (b) sem embargo da restituição da coisa usurpada ou esbulhada, perdas e danos ante sua privação. A cumulação eventual dispensa a compatibilidade substancial dos pedidos. A razão é simples. Eles não se situam, logicamente, no mesmo plano. Ao contrário, há entre os pedidos relação de exclusão.52 Por óbvio, não é lícito o autor pedir de uma única vez a dissolução do contrato, porque a coisa apresenta vício oculto, e a restituição parcial do preço, mantendo a transferência do domínio da coisa. No entanto, a incompatibilidade lógica desaparece, pedindo o autor ou uma coisa ou outra, a última só na hipótese de o órgão judicante não acolher a primeira.53 Esse fenômeno explica o concurso de ações. O direito material confere, às vezes, duas ou mais ações diversas, mas equivalentes, fundadas no mesmo esquema de fato.54 Nenhuma disposição legal específica estabelece, no cúmulo eventual, o caráter principal de um dos pedidos. O interesse do autor governa a ordenação dos pedidos. Em geral, o pedido principal corresponde a um interesse superior, nas circunstâncias do caso, e o pedido subsequente, a um interesse inferior.55 Essa cumulação apresenta um flagrante inconveniente.56 Induz a ideia que o autor não confia, em termos absolutos, no acolhimento do pedido principal,57 e, por essa razão, forrando-se à sucumbência total, formula o segundo pedido. O aspecto frágil dessa inicial suscitará a crítica do réu bem representado no processo. A cumulação eventual exibe inegáveis vantagens para o autor. Ela permite, reduzindo os riscos de derrota fragorosa e irremediável, ao autor formular pedido audacioso, em primeiro lugar, testando o convencimento do órgão judiciário, protegido pela necessidade de o juiz passar a examinar o pedido subsequente no caso de rejeição radical do pedido antecedente.58 No tocante às causas de pedir, há conexão ou, no mínimo, parcial identidade do esquema de fato.59 Os exemplos arrolados comprovam o princípio. Por outro lado, a cumulação eventual suscita dúvida quanto ao regime da repartição das despesas processuais e dos honorários. O STJ decidiu que, rejeitado o pedido antecedente, ou principal, e acolhido o pedido subsequente, ou secundário, há recíproca sucumbência, cabendo ao juiz aquilatar, no caso concreto, se houve ou não decaimento mínimo do autor, haja vista a equivalência substancial quantitativa de ambos os pedidos, e, nesse caso, atribuir a sucumbência integralmente ao réu vencido.60
280. Requisitos da cumulação de pedidos originária O art. 327 traça os requisitos da cumulação de pedidos. São quatro condições simultâneas: (a) conexão subjetiva; (b) compatibilidade recíproca dos pedidos; (c) competência comum das ações cumuladas; (d) adequação do procedimento. 280.1. Conexão subjetiva na cumulação de pedidos – A palavra conexão significa identidade total ou parcial dos elementos do objeto litigioso, como se infere do art. 55, caput, mas a noção tem conteúdo elástico. Uma de suas expressões mais significativas localiza-se na cumulação de pedidos. O art. 327, caput, admite a cumulação de pedidos, no mesmo processo, contra o mesmo réu, “ainda que entre eles não haja conexão”. A regra dispensa, aparentemente, a conexão objetiva (identidade total ou parcial dos elementos objetivos, ou seja, da causa e do pedido), mas exige conexão subjetiva – o mesmo réu em todas as ações. Em realidade, a cláusula final do art. 327, caput, revela-se imprópria e desnecessária. No tocante à disciplina anterior, a regra explicita o propósito de evitar a proliferação de processos autônomos entre as mesmas partes,61 prestando obséquio ao princípio da economia processual. Esse aspecto positivo não elimina o duplo defeito. O art. 327, caput, mostra-se impróprio, porque uma das modalidades de conexão – a única expressa, mas a de ocorrência mais rara –, consiste na identidade total de causas e de pedidos. Ora, na cumulação de pedidos, por óbvio, a regra não pretendeu declarar cabível a formulação de dois ou mais pedidos diferentes, perante o mesmo réu, porque a de dois ou mais pedidos conexos, ou seja, rigorosamente iguais, representaria rotundo absurdo. Quis a lei, mais modestamente, proclamar a desnecessidade de os pedidos exibirem a mesma causa (conexão causal), justamente para permitir a concentração de pedidos totalmente diferentes, entre as mesmas partes, num único processo. E, de resto, exigir-se-á a conexão na reconvenção (343, caput), pretendendo o réu formular dois ou mais pedidos perante o autor, a fim de não comprometer a economia, que inspira a admissibilidade da reconvenção.62 E o art. 327, caput, revela-se desnecessário, porque a cumulação subjetiva implica a objetiva e vice-versa.63 O art. 55, caput, contempla uma das modalidades de conexão, a identidade (total) de causa ou de pedido, desprezando a conexão subjetiva. Mas, autorizada a reunião dos processos assim conexos, nos termos do art. 55, § 1.º, a partir daí forma-se a conexão subjetiva. A reciprocidade desses cúmulos se diferencia quanto à topologia. O cúmulo inicial de pedidos exige conexão subjetiva. E a conexão objetiva do art. 55, caput, produz cumulação superveniente, reunindo os processos. Considerando a identidade total dos elementos objetivos (causa e pedido) também autorizar o litisconsórcio facultativo ativo (art. 113, II), que é forma de cumulação inicial, a recíproca se completa por este lado.64 A identidade de réu apurar-se-á consoante a qualidade jurídica da parte passiva (retro, 241).65 Seja como for, o requisito do art. 327, caput, harmonizase com o litisconsórcio passivo. Não há óbice algum à formulação de vários pedidos contra réus diferentes, desde que admissível o litisconsórcio passivo.
Um exemplo ilustra satisfatoriamente a combinação do cúmulo objetivo ao subjetivo. O autor A pleiteia a resolução do contrato em que figuram B e C, pedindo perdas e danos perante ambos, e, no mesmo processo, pede perdas e danos de C, baseado em outro contrato já dissolvido. O autor formula dois pedidos contra B eC, litisconsortes na forma do art. 113, I, e um pedido somente contra C, admitido o litisconsórcio, neste caso, por força do art. 113, III, do NCPC, c/c art. 475, in fine, do CC (afinidade da questão resultante do direito do parceiro lesado pleitear perdas e danos em virtude da dissolução do contrato). O objeto do processo é complexo, pois o autor deduziu três pretensões distintas, duas passivamente conexas (as de resolução e de reparação de dano perante B e C) e uma não, porque nela figura como réu apenas C. Todavia, as duas cumulações, objetiva e subjetiva, mostram-se admissíveis, a primeira amparada no art. 327, caput, a segunda no art. 113, III. 280.2. Compatibilidade das ações no cúmulo de pedidos – Dois pedidos mostram-se incompatíveis quando um exclui o outro.66 O triunfo simultâneo de ambos é impossível, porque o resultado do julgamento apresentaria invencível contradição.67 A incompatibilidade é motivo bastante para o indeferimento da petição inicial, porque inepta (art. 330, § 1.º, IV). Exemplos de pedidos incompatíveis: (a) o autor A, fundando-se no art. 519 do CC, pede a reversão do bem desapropriado, porque a Administração não lhe conferiu qualquer destino público, e, ao mesmo tempo, pede o equivalente pecuniário da coisa expropriada; (b) o autor B, que adquiriu coisa imprestável ao uso, em razão de vício oculto, não pode pedir, a um só tempo, a dissolução do contrato e o abatimento proporcional do contrato; (c) o autor C, ante o inadimplemento imputável ao outro figurante do contrato, pede a resolução e o cumprimento, simultaneamente. À toda evidência, essas situações revelam grave dúvida acerca das reais aspirações do autor. A incompatibilidade dos bens da vida almejados deita raízes no direito material.68 A cumulação de pedidos é inadmissível, nesses casos, porque o art. 327, § 1.º, I, exige a compatibilidade recíproca dos pedidos. Facilmente se percebe, porém, a forma de o autor dissipar a contradição e, ao menos em parte, apresentar pretensões concertadas e firmes perante o órgão judiciário. Os pedidos antagônicos podem ser cumulados, no mesmo processo, de forma eventual (retro, 279.3).69 Por exemplo: A, ante o inadimplemento imputável ao réu B, pede a resolução do contrato, em caráter principal; porém, na hipótese de o órgão judiciário estimar insignificante o inadimplemento, e, portanto, ainda útil a prestação de B, a condenação do réu a prestá-la, acompanhada de perdas e danos pelo cumprimento tardio. Nem sempre o antagonismo decorre do concurso de normas ou do concurso de ações (retro, 274). Às vezes, a interpretação discrepante dos dispositivos legais enseja dúvida no espírito do autor quanto à consequência jurídica assegurada, verdadeiramente, no direito material. O STF divergiu, por exemplo, quanto ao efeito da retrocessão, ora assegurando o retorno do bem ao domínio particular, ora outorgando o equivalente em dinheiro.70 Em boa hora, o art. 519 do CC dissipou a celeuma.
280.3. Competência comum na cumulação de pedidos – O art. 327, § 1.º, II, impõe, no cúmulo de pedidos, competência comum das diversas ações. É preciso respeitar as espécies de competência (retro, 275.3), e, principalmente, obedecer ao respectivo regime (competência absoluta e competência relativa). A competência absoluta oferece o maior obstáculo à cumulação de pedidos. Não importa se a competência para todas, ou apenas uma das ações, revele-se absoluta, porque uma só já tranca a tramitação conjunta. E o órgão judiciário conhecerá da questão ex officio, e deverá fazê-lo o quanto antes, para impedir o desenvolvimento inválido do processo. Por exemplo: o autor A, antigo empregado público, transposto para o regime estatutário, pleiteia duas vantagens pecuniárias (xe y), decorrentes dos regimes jurídicos diferentes, a primeira (x) de competência da Justiça do Trabalho, a segunda (y) da Justiça Comum. A diversidade de competências torna inadmissível o processamento conjunto dessas ações, e, a fortiori, o julgamento dos pedidos. No entanto, o controle do órgão judiciário, no âmbito do processo, não se oferece claramente delineado. O art. 116, segunda parte, do CPC de 1939, autorizava o órgão judiciário, antes de finda a instrução, a desmembrar as ações cumuladas, hipótese aplicável à cumulação de pedidos.71 Jamais se explicitou, convenientemente, o destino da ação desmembrada nesta contingência, nem qual das ações remanesceria no processo. Ficou subentendida a formação de autos próprios para a ação desagregada, passando a tramitar em separado, no mesmo ou no juízo eventualmente competente. E, tratando-se de vício atinente à competência, no juízo originário permaneceria a ação incluída na sua competência. O exemplo apresentado originou diversas soluções e, ao fim e ao cabo, a Súmula do STJ, n. 170, dispôs o seguinte: “Compete ao juízo onde primeiro for intentada a ação envolvendo acumulação de pedidos, trabalhista e estatutário, decidi-la nos limites da sua jurisdição, sem prejuízo do ajuizamento de nova causa, com pedido remanescente, no juízo próprio”. Por conseguinte, optou-se por diretriz profundamente diversa da prevalecente no regime pretérito. A consequência reponta na extinção parcial do processo, eliminando a ação formulada no juízo absolutamente incompetente.72 É a solução adotada no art. 45, § 2.º, relativamente a pedido sobre o qual haja interesse do sujeito federal (União, empresas públicas, autarquias, fundações ou conselhos profissionais): “ao não admitir a cumulação de pedidos em razão da incompetência para apreciar qualquer deles”, reza o parágrafo, “não examinará o mérito daquele em que exista interesse da União, de suas entidades autárquicas ou de suas empresas públicas”. É preciso realçar, a bem da clareza, que só na hipótese apontada extrai-se semelhante efeito da incompetência absoluta. Em geral, reconhecida essa incompetência (art. 64, § 3.º), há simples remessa ao órgão judiciário competente (infra, 490.3). Cumulando-se duas ações, no mesmo processo, sendo para uma delas incompetente o foro escolhido pelo autor, a arguição do vício se subordina à iniciativa do réu (art. 65). Por exemplo, A propõe ação de despejo contra B, no
foro de eleição, que é o do seu domicílio, visando a retomar o imóvel para uso de descendente, cumulada com ação, de reparação de dano moral, decorrente de ofensas lançadas pelo inquilino numa roda de amigos comuns, no lugar do domicílio do réu. O foro desta última pretensão é o do lugar do ato ilícito (art. 53, IV, a, do NCPC). Não oferecida a exceção de incompetência, ocorrerá prorrogação (art. 65), ficando resolvido o problema. Mas, oferecida e acolhida a exceção de incompetência, põe-se o dilema, concebendo-se duas soluções: (a) o desmembramento do processo, destacando-se a ação de reparação de danos, mediante a formação de autos próprios e remessa ao juízo competente (art. 64, § 3.º); (b) a extinção parcial do processo, eliminando a ação objeto da declinatória. É preferível a primeira solução. A extinção do processo não encontra amparo legal. 280.4. Adequação do procedimento na cumulação de pedidos – À guisa de remate da disciplina da cumulação de pedidos, o art. 327, § 1.º, III, exige que “seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento”; todavia, sendo diversos, lícito se afigura ao autor cumular os pedidos sob o rito comum, complementa o art. 327, § 2.º. O capítulo dedicado aos procedimentos já se ocupou do conceito (retro, 102) e da classificação dos procedimentos (retro, 105). Nada obstante o anterior tratamento sistemático, logo transparece essencial um dado à compreensão desse pressuposto do cúmulo de pedidos. A seriação dos atos processuais no procedimento observa a estrutura e a função da ação material. Às vezes, ao direito subjetivo corresponde ação típica ou específica, exigindo procedimento peculiar. Desse modo, a pretensão do mandatário de prestar contas ao mandante (art. 668 do CC), e a pretensão do obrigado de exonerar-se mediante o depósito da coisa devida (art. 334 do CC), mostram-se diferentes, e dificilmente reduzir-se-iam ao procedimento comum, adaptado (com as ressalvas adiante feitas) às ações atípicas. É impossível, em suma, reduzir a peculiaridade intrínseca da ação material, veiculada no processo e tornada objeto litigioso, a um procedimento único ou comum. O art. 327, § 1.º, III, alude a “tipo”, decerto inspirado na ideia que “cada processo especial constitui um tipo diferente, mas as várias formas de processo comum pertence ao mesmo tipo”.73 Além disso, na aplicação do art. 327, § 1.º, III, a espécie de cumulação (simples, sucessiva ou eventual) há de ser considerada. O art. 327, § 1.º, III, veta a cumulação simples de duas ações dotadas de procedimento especial, ou uma ação de rito especial com outra de rito comum, conquanto empregado para tal efeito o rito comum. As funções instrumentais do processo, mais do que a peculiaridade do procedimento, impedem a cumulação de pedidos inicial (v.g., a pretensão à declaração do direito e a pretensão a executar outra dívida). Nada obsta, entretanto, a tutela provisória de urgência antecipada, porque se trata de simples adiantamento do efeito de uma das ações propostas.74 Tampouco há embaraço à cumulação, no mesmo processo, da pretensão à segurança, seja típica (v.g., o arresto), seja atípica (v.g., a sustação do protesto) esta última.
Por outro lado, formulados pedidos sucessivos, concebe-se cumulação de ações sob o regime do procedimento especial atinente à ação principal. Por exemplo, o promissário pleiteia a consignação do saldo do preço da promessa de compra e venda, e, sucessivamente, a adjudicação do imóvel. A consignação tem rito especial, a adjudicação, anteriormente subordinada ao procedimento sumário (art. 16 do Dec.-lei 58/1937), acomoda-se ao procedimento comum (art. 1.049, parágrafo único). Não é diferente, de resto, a situação da ação de reintegração de posse, cumulada com ação de reparação de danos, explicitamente prevista no art. 555, I e II. Essa cumulação opera sem prejuízo do rito da possessória.75 Desse conjunto de situações se extrai três diretrizes da adequação procedimental exigida na cumulação de pedidos: (a) a cumulação simples de pedidos, relativos a ações jungidas a procedimento especial, ainda que sob o rito comum (art. 327, § 2.º), é inadmissível; (b) a cumulação sucessiva ou eventual de pedidos é admissível, mesmo entre ações de rito especial e de rito comum, ou entre ações em que predominam funções processuais diferentes – a cumulação sucessiva, in simultaneo processu, da pretensão a executar, após a formação do título executivo, a teor do art. 513, caput, exemplifica essa hipótese –, ficando as ações sucessivas ou subordinadas, tratando-se de cúmulo inicial de pedidos, presas ao rito da ação principal, quer seja comum, quer seja especial; (c) a cumulação simples de pedidos é sempre admissível nas ações jungidas ao procedimento comum. 281. Controle da cumulação originária de ações O controle da cumulação inicial de ações envolve três aspectos: (a) a iniciativa do controle, ex officio ou subordinada à arguição da parte; (b) momento do controle; e (c) as consequências da cumulação indevida. Essas questões pressupõem a análise de cada pressuposto em cada espécie de cumulação – a subjetiva, a de causas e a de pedidos. 281.1. Iniciativa do controle da cumulação de ações – A iniciativa de formar o processo, e, conseguintemente, determinar a extensão do seu objeto, expondo duas ou mais causas de pedir, formulando dois ou mais pedidos, e promovendo a demanda contra dois ou mais réus, é do autor ou dos autores. Tomado o passo inicial, constituída a relação processual, o art. 2.º, in fine, esclarece que o processo se desenvolve sob impulso oficial. O controle da inserção do objeto litigioso no processo insere-se, indubitavelmente, nas atribuições do órgão judiciário.76 Os requisitos que compõem a admissibilidade da cumulação de ações, nas suas diferentes modalidades, comportam controle ex officio. A iniciativa do réu é supletiva. Por exemplo, a formação do litisconsórcio facultativo,77 a adequação do procedimento,78 a compatibilidade das ações e a recusa do litisconsórcio – o caráter imperativo do art. 113, § 1.º, não enseja dúvida razoável –,79 realiza-se ex officio. O controle da competência dependerá da natureza absoluta ou relativa da regra de competência infringida. 281.2. Momento do controle da cumulação de ações – O momento do controle da cumulação de ações varia conforme seu caráter inicial ou ulterior.
Tratando-se de cumulação inicial, o primeiro contato do órgão judiciário com a inicial já permite o controle, ordenando o juiz ao autor a emenda da inicial, no prazo do art. 321, caput. Figure-se a hipótese da cumulação causal. Um pedido sem causa de pedir hábil, é uma demanda incompleta, e, portanto, a petição inicial se revela inepta. O juiz deverá indeferir, liminarmente, a petição inicial (art. 330, § 1.º, I, c/c art. 485, I).80 No que tange às restrições à cumulação causal, derivadas da cognição sumária, entende-se que o sistema geral é o mesmo, como já adiantado (retro, 276). Por outro lado, o controle da cumulação ulterior realizar-se-á na oportunidade em que a questão surgir. Por exemplo, no prazo de resposta caberá ao réu oferecer reconvenção. Colhendo a manifestação do autor, ou não, o órgão judiciário poderá repelir, incontinenti, a reconvenção. 281.3. Efeitos da indevida cumulação de ações – Os efeitos do controle, ex officio, da ilegal cumulação de ações sofrem graduações. O princípio da economia tem papel expressivo no assunto. É preciso, desde que possível, determinar o prosseguimento do processo, erradicado o vício. A extinção total do processo representará exceção. Em alguns casos, a solução radical mostrar-se-á inevitável. 281.3.1. Efeitos da indevida cumulação subjetiva – Verificando o juiz a ilegalidade da cumulação subjetiva, sempre que uma das ações for aproveitável, ocorrerá a separação da ação indevidamente cumulada, e, não, a extinção total do processo. O art. 2.º adotou o princípio da iniciativa da parte, no que tange à formação do objeto litigioso. Portanto, omitida a correção ordenada pelo juiz, haja vista a espécie de cúmulo, não restará senão a alternativa da extinção do processo. O controle da origem do litisconsórcio facultativo (art. 113) exemplifica a hipótese. Não cabe ao juiz escolher o autor ou o réu a ser preservado no processo, haja vista o princípio da iniciativa (art. 2.º), ou venceria os limites naturais da iniciativa da parte. Não corrigido, portanto, o vício da inicial, restará ao juiz extinguir o processo. Mas, tratando-se de litisconsórcio eventual, porque o autor já expôs a sua preferência na inicial, o processo prosseguirá com a ação principal, graças ao caráter subsidiário da outra. O desrespeito ao procedimento adequado a uma das ações subjetivamente cumuladas pode ser relevado. O direito anterior enunciava o princípio aplicável: o indeferimento da inicial só terá cabimento não se podendo adaptar a ação ao tipo legal. Ora, o rito especial, que retrata a estrutura e a função do direito material, impede a adaptação. Resta ao órgão judiciário, portanto, purgar do processo a ação indevidamente cumulada, salvando a ação que ao procedimento escolhido se afeiçoa. No litisconsórcio eventual, outra vez, subsistirá a ação formulada em caráter principal. Os efeitos do reconhecimento da incompetência absoluta ou relativa, concernente a uma das ações cumuladas, já recebeu análise no item dedicado ao requisito da competência na cumulação de pedidos (retro, 280.3).
Aplicam-se, aqui, as diretrizes expostas: subsistirá a ação para a qual o órgão judiciário é competente. O juiz extinguirá (competência absoluta) ou separará (competência relativa) a ação indevidamente cumulada. Relativamente à incompatibilidade entre as ações, ressalva feita ao cúmulo eventual, em que se salva a ação principal, a falta de correção da parte do defeito implicará a extinção total do processo. Por fim, na recusa do litisconsórcio (art. 113, § 1.º) inexistirá a extinção total do processo. Concebe-se o desligamento de número suficiente de autores do processo, voluntariamente, no prazo assinado pelo juiz, ou o próprio órgão judiciário poderá limitar, ex officio, o número de litisconsortes. É o que se infere do caráter imperativo da redação do art. 113, § 1.º, atribuindo ao juiz o poder de limitar a quantidade de litisconsortes. 281.3.2. Efeitos da indevida cumulação de causas – Cumpre distinguir, no tocante à ilegal cumulação de causas, a ausência de causa de pedir, ou a alegação de causa de pedir inidônea para o pedido, como ocorre nos processos de cognição sumária, em que há indeferimento da inicial, e a falta de observância dos demais requisitos. O ato do juiz que, ante a inobservância dos requisitos pertinentes, rejeita a cumulação de causas, limita-se a declarar inadmissível a ação indevidamente cumulada. Tal pronunciamento, existindo ao menos uma causa hábil para o acolhimento do pedido, ocorrerá no julgamento deste, acolhendo-o ou rejeitando-o (art. 487, I). Porém, esse julgamento não implica a emissão de qualquer juízo positivo ou negativo acerca da ação indevidamente cumulada, nem sequer opera a eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 508) nas restrições à cumulação de causas derivadas da cognição sumária. Por definição, o impedimento ao julgamento significa que o autor poderá invocar a causa preterida num segundo e ulterior processo. Por outro lado, o art. 508 não se aplica à cumulação indevida de causas, porque seu campo de incidência natural, na interpretação mais larga e rígida, abrange as causas omitidas, mas idôneas ao acolhimento do pedido, e, não, as causas alegadas, mas repelidas, porque inadmissíveis naquele processo. 281.3.3. Efeitos da indevida cumulação de pedidos – As consequências do controle, na cumulação de pedidos, variam conforme o pressuposto desobedecido. A infração à competência absoluta e relativa já recebeu exame (retro, 280.3). Do ponto de vista sistemático, é o problema mais tormentoso, mas resolvido a contento. A falta de conexão subjetiva importará extinção total do processo. O juiz não pode suplementar a iniciativa da parte, escolhendo um dos réus para permanecer no processo, em benefício do outro, excluído do processo. A incompatibilidade recíproca de pedidos importa a inépcia da inicial. O resultado é a extinção do processo, mas sem resolução do mérito (art. 330, I, e § 1.º, IV, c/c art. 485, I, do CPC).
A inadequação de procedimentos salva-se, ou não, de acordo com a diretriz já explicada. A petição inicial oferece os dois parâmetros cabíveis à adaptação: de um lado, o procedimento escolhido e no qual o autor acomodou, impropriamente que seja, o cúmulo de pedidos; de outro, a espécie de cúmulo. O juiz preservará a ação adaptada ao procedimento escolhido na cumulação simples. Na cumulação sucessiva ou eventual, na qual o pedido subordinado e o secundário acomodam-se ao rito comum ou especial do pedido principal, basta segregar a ação indevidamente cumulada, subsistindo incólume este último. Escolhido, porém, o procedimento comum para a cumulação de pedidos cujas ações sejam governadas por rito especial, a adaptação é impossível, cabendo extinguir o processo. É preciso respeitar a especialidade do procedimento, porque reflete a estrutura e a função da ação material. O único desfecho é a extinção total do processo. § 68.º Cumulação sucessiva de ações 282. Espécies de cumulação sucessiva Formada a relação processual, através da iniciativa do autor, o objeto do processo delineado na petição inicial costuma permanecer inalterado até o pronunciamento final do órgão judiciário, independentemente do seu caráter simples ou complexo. Os elementos objetivos e subjetivos também podem se alterar, no curso do processo, em decorrência de iniciativa das partes ou do órgão judiciário. Em algumas situações, o objeto do processo, inicialmente simples, torna-se complexo, evidenciando a existência da cumulação sucessiva (ou superveniente) de pretensões. Por exemplo, considerando o teor da contestação do réu, o autor pede a declaração de falsidade em caráter principal (art. 430, parágrafo único, c/c art. 19, II). E o réu formula contra o autor pedido através da reconvenção (art. 343, caput). Um caso expressivo de cumulação sucessiva de ações (ou pretensões) avulta na pretensão a executar deduzida pelo vitorioso (art. 513, caput), in simultaneo processu, processe-se nos autos originais (execução definitiva da decisão civil) ou em autos próprios (execução provisória, a teor do art. 522, parágrafo único). Não há dúvida plausível acerca do fato de o vitorioso introduzir nova pretensão e do caráter sucessivo do cúmulo. O argumento, de lege lata, é o seguinte: a prescrição extingue a pretensão, conforme dispõe o art. 189 do CC; por outro lado, cabe ao executado opor-se à pretensão a executar alegando, dentre outras exceções substanciais, a prescrição, a teor do art. 525, § 1.º, VII, desde que “superveniente à sentença”; desse modo, existindo prescrição superveniente à sentença, há pretensão superveniente à sentença, e distinta da pretensão à condenação. Figure-se o caso de o Município B cortar certa vantagem pecuniária do servidor A, por ato positivo da Administração, e, passados cinco anos – portanto, transcorrido o prazo prescricional que encobre a pretensão contra a Fazenda Pública –, A ingressa em juízo, postulando a restauração da vantagem. O pedido é acolhido e transita em julgado. O Município B não alega a prescrição, nem o juiz a pronuncia de ofício (art. 487, II), promovido prévio debate (art. 487, parágrafo único). Passados pouco mais de dois anos – o competente procurador de A aguardou, paciente e sagazmente, o vencimento do prazo da rescisória (art. 475) –, A ingressa com a execução, e o Município reage, alegando
prescrição (art. 535, VI). A respeito, decidiu o STJ: “À luz do que preceitua o art. 741, inciso VI, do Código de Processo Civil [de 1973], em se tratando de embargos do devedor opostos à execução fundada em título judicial, somente se pode discutir a prescrição superveniente à sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada”.81 Às vezes, a intervenção de terceiro introduz nova pretensão no processo pendente. Exemplo frisante é a chamamento em garantia que, segundo o entendimento prevalecente, introduz pretensão regressiva in simultaneo processu (infra, 873.1). Em outras situações, como a dos embargos do devedor (art. 914, § 1.º), dos embargos de terceiro (art. 676, caput) e da oposição ou intervenção principal (art. 683, parágrafo único), a pretensão não é deduzida no processo pendente, mas forma processo paralelo, distribuído por dependência, implicando reunião de processos (infra, 306). Não se cinge ao primeiro grau as transformações no objeto litigioso. O art. 1.014 autoriza o apelante a propor, diretamente ao tribunal, questões de fato, não propostas no juízo inferior, “se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior”. É o chamado ius novurum. Conforme o teor da questão alegada, a iniciativa do apelante introduzirá nova causa de pedir, e, portanto, alterar-se-á o objeto litigioso. As possibilidades de cumulação sucessiva, após a formação da relação processual linear ou angular, revelam-se múltiplas. Razões de conveniência remetem o exame de certas modalidades de cumulação para outros capítulos. É o caso da intervenção de terceiros, em que haja a inserção de ação (infra, 763.2);82 da execução fundada no título executivo previsto no art. 515, I; e da reconvenção. A modificação da demanda (infra, 285) e a declaração incidente (infra, 286) reclamam análise imediata. 283. Redução do objeto litigioso Fenômeno contrário à cumulação sucessiva, nada impede a superveniente redução do objeto litigioso, unilateral (até a citação do réu) e bilateral (até a decisão de saneamento). Existem negócios jurídicos unilaterais (desistência, renúncia) e bilaterais (transação parcial) que pré-excluem parcialmente o litígio da apreciação do órgão judiciário, excepcionalmente vinculado à vontade das partes. Em determinados casos, a redução afeta as partes. Assim, verificando o juiz a inclusão do litisconsorte facultativo no polo passivo ou ativo do processo em desacordo com os flexíveis pressupostos do art. 113, I a III, determinará o desligamento dessa parte – o ato é passível de agravo de instrumento, a teor do art. 1.015, VII –, e, conseguintemente, eliminará uma das pretensões. Em tal hipótese, desaparecerá a cumulação inicial de ações (ou pretensões). E a própria complexidade do objeto litigioso pode sofrer modificações de outra ordem. Se o número de litigantes compromete a rápida solução do litígio, ou presumivelmente dificultará a defesa, ao juiz cabe limitar o número de litisconsortes ativos ou passivos (art. 113, § 1.º). Registrados os casos, o exame respectivo ocorrerá nos sítios apropriados.
284. Cumulação de medida de urgência cautelar Até o advento da generalização da antecipação dos efeitos do pedido, prevalecia o entendimento que a pretensão à segurança processava-se de forma autônoma, inclusive quando postulada incidentalmente, formando autos próprios, e observando as disposições do procedimento próprio, complementadas, no que couber, com as disposições gerais do Livro I do CPC de 1973. Não só prevalecia o entendimento que o processo cautelar, após a concessão da liminar, ou não, deveria processar-se autonomamente, como se afirmava a impossibilidade de cumular, in simultaneo processu, a pretensão à condenação e a pretensão à segurança.83 Na execução para segurança, ou tutela provisória de urgência antecipada, inexiste cúmulo, mas adiantamento dos efeitos do pedido, ou seja, dos efeitos jurídicos da pretensão processual. Não há, nesse terreno, duplicidade de objetos litigiosos.84 É bem de ver distinção entre segurança para a execução (cautelar) e execução para a segurança (satisfativa ou antecipada) nunca se mostrou firme e incontestável, existindo áreas de indefinição, a exemplo do tratamento recebido pela sustação de protesto, ora medida de urgência cautelar, ora medida de urgência satisfativa (infra, 1.435). Essa indefinição ensejou a introdução da regra de fungibilidade. Requerida, a título de tutela antecipada (medida de urgência satisfativa), providência cautelar, “poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos” – substancialmente idênticos, apesar do fraseado distinto –, “deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”. Em tal hipótese, ocorria cumulação originária ou superveniente, conforme a hipótese, pois o mérito da medida de urgência cautelar, ou pretensão à segurança, é distinto do mérito do processo pendente. Assim, tornou admissível essa espécie de cúmulo, em geral superveniente, admitido por razões práticas no âmbito doutrinário,85 ante o aparecimento do perigo de dano iminente e irreparável. Esse assunto receberá análise no capítulo dedicado aos procedimentos da tutela de urgência (infra, 1.488). A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser pleiteada de forma antecedente ou incidental, reza o art. 294, parágrafo único. Descartada a tutela provisória antecipada, porquanto ocorrerá adiantamento dos efeitos do pedido, pré-excluindo a cumulação, a regra autoriza o autor cumular a pretensão à segurança com qualquer outra no procedimento comum. E, na execução, o art. 799, VIII, autoriza ao exequente pleitear, na petição inicial, “medidas urgentes”, regra aplicável ao cumprimento da sentença (art. 513, caput). § 69.º Modificação da demanda 285. Conceito de modificação da demanda É lícito ao autor modificar o objeto litigioso na pendência do processo. A entrega da petição inicial no ofício judicial gera o efeito da litispendência para o autor, impedindo a renovação da demanda já em curso (infra, 1.520). Porém, nada obsta a ulterior modificação dos elementos objetivos (causa petendi e pedido) do processo em curso. Essa modificação pode ser (a) unilateral, postulada até a citação do réu, ou (b) bilateral ou mediante
convenção das partes até o saneamento do processo (art. 329, I e II). Esse regime aplica-se, mutatis mutandis, ao pedido e à causa petendi da reconvenção (art. 329, parágrafo único). A regra do direito anterior aparentemente erigia veto à modificação da demanda. Tal era a doutrina clássica, defendida no direito brasileiro, entrevendo desvantagens na modificação objetiva da demanda – ou proposição de demanda nova –, ante suposta consumptio actionis realizada na propositura.86 Encampou-se a diretriz oposta. Em determinadas condições – o essencial consiste em não prejudicar os meios de defesa –, o art. 329 admite semelhante possibilidade. É bem de ver que o art. 329 ocupa-se da modificação objetiva. E, a despeito de lacônico, abrange modificações quantitativas (ampliação e redução do objeto litigioso) e qualitativas (alteração do objeto litigioso). A modificação subjetiva (sucessão das partes), igualmente demanda nova, mas sob o prisma subjetivo, tem regime próprio (infra, 562). A manutenção das mesmas partes, “salvo as substituições permitidas por lei”, refere-se a esse câmbio. O art. 329 cogita da modificação objetiva da demanda em primeiro grau. Em virtude das características do segundo grau, que não é novum iudicium, mas revisio prioris instantae, significando que o tribunal trabalhará com os mesmos materiais empregados originariamente no primeiro grau, a proposição de nova demanda na apelação dependerá da alegação (e prova) de motivo de força maior (art. 1.014). E, ainda assim, outorgando-se interpretação elástica à disposição, pois há quem exclua, categoricamente, a invocação de nova causa petendi sob seus auspícios.87 Tampouco o art. 329 regula a admissibilidade das alegações de fatos passíveis de serem conhecidos a qualquer tempo e dos pedidos que, a teor do art. 493, não dependem da iniciativa do autor (retro, 262). 286. Fundamento da modificação da demanda Razões de ordem prática e técnica apontam a necessidade de limitar temporalmente a modificação da demanda admitida no art. 329. O autor emprega largo espaço de tempo para refletir e sopesar as razões de fato que apresentará ao órgão judiciário – teoricamente, o único limite é o prazo de prescrição e de decadência –, preparando seus meios de ataque cuidadosamente. Por força do princípio da oportunidade, o autor ingressa em juízo no momento mais favorável ao próprio interesse; por exemplo, existindo dissídio da jurisprudência, o autor usufrui da prerrogativa de aguardar a consolidação do entendimento que lhe beneficia nos tribunais superiores. Ao invés, o réu recebe convocação compulsória e tem o ônus de participar do processo, ainda que não o queira, independentemente da oportunidade do litígio, dispondo de interregno fixo e limitado (quinze dias, a teor do art. 335) para reunir o material indispensável e elaborar a defesa. Parece altamente inconveniente e injusto agravá-lo com ônus, em etapa mais adiantada do itinerário do processo, de se defender contra ondas sucessivas de postulações distintas do autor. Ao perceber que a demanda inicialmente proposta é infundada, ao autor interessa corrigi-la, aproveitando o acervo
probatório. Entretanto, a modificação oportunista tem o efeito colateral de produzir no réu a sensação de injustiça e de quebra das regras do jogo. Existe o risco mais ou menos intenso de a decisão autoritária da lide perder legitimidade social. A essas persuasivas considerações, todavia, objeta-se onipresente princípio da economia.88 Por óbvio, apresenta-se a economia na visão autoritária do processo, mais importando a diminuição da atividade do órgão judiciário que a concretização dos direitos fundamentais processuais, principalmente do réu, objeto de ódio dos arautos da efetividade. O escopo do processo reside na restauração da paz social, compondo a lide, e na aplicação do direito objetivo para essa finalidade, mas de forma rápida, econômica e justa, e tanto melhor que esse objetivo seja alcançado no processo pendente em vez de outro posterior. O objeto litigioso não é algo sacrossanto que, estabilizado desde o início do processo, seja imune a modificações posteriores.89 A contraposição desses relevantes interesses forjou sagaz ponto de equilíbrio. Em vão se buscaria proibir, tout court, a modificação da demanda. Nos ordenamentos que perfilham a regra da proibição, há inúmeras exceções.90 O art. 329 alcançou, salvo engano, o ponto médio desejável. Ele não agrava o ônus de defesa do réu. Fica o autor autorizado a empreender modificação unilateral da demanda até a citação e, com o assentimento do réu, ou seja, bilateralmente, até o saneamento do processo. O aditamento do pedido (art. 329, I), que é modalidade de modificação, segue essa diretriz. Nenhuma modificação, em que pese vontade convergente das partes, admitirse-á após o término da fase de saneamento, porque aí já se encontra fixado o tema da prova (art. 357, II). O juiz obedecerá, pretendendo o autor desfigurar a demanda originária ou acrescentar-lhe outra distinta, ao princípio da congruência (infra, 1.583). É comum a modificação importar o acúmulo de causas ou de pedidos novos ao objeto litigioso originário, tornando-o objetivamente complexo. Ao acrescentar ao objeto litigioso originário elementos novos, o problema da prévia e cabal identificação da primitiva pretensão processual adquire significado decisivo. A individualização dos elementos da demanda originária permitirá estabelecer o alcance e a legalidade da modificação. No entanto, às vezes a modificação assume dimensão mais modesta, porém radical: o autor intenta a troca de causa petendi e de pedido, ou de ambos, e aditar o pedido já feito (art. 329, I), permanecendo única a pretensão processual. Essas variantes orientam imperiosa surtida nos domínios do instituto da modificação da demanda. 287. Espécies de modificação da demanda A modificação da demanda pode ser objetivamente (a) simples; e (b) cumulativa. E, do ponto de vista subjetivo, (a) unilateral; e (b) bilateral. 287.1. Modificação simples e cumulativa – A modificação constitui fenômeno assaz amplo e abrange: (a) a redução; (b) a ampliação: (c) a integração; (d) a retificação; e (e) a correção do objeto litigioso.91 Logo se percebe que, comparando o objeto litigioso originário e o objeto litigioso modificado, há “objeto alterado” e “objeto novo”.92
É simples a modificação que implique a troca da causa petendi e do pedido ou, ainda, de ambos os elementos objetivos. Na demanda em que A pede a separação de B, alegando que o réu encontrou-se no motel X com C, tornando insuportável a vida em comum, a autora altera a causa petendi, expondo o fato de B, fora de si, tê-la gravemente ferido no rosto. E, nesse último caso, contentada com a separação de fato, talvez modifique o pedido originário, pleiteando a reparação em natura (cirurgia plástica) do dano estético decorrente do espancamento. Forma de modificação por acréscimo é o aditamento (formulação de outro pedido com a mesmacausa petendi) do art. 329, I. No âmbito da modificação simples, o art. 329 regula quaisquer (a) modificações qualitativas e quantitativas do pedido; e (b) variações nos fatos principais narrados na petição inicial. Ressalva feita às razões de direito, plenamente modificáveis (iura novit curia) – e julgado do STJ reconheceu que nova qualificação jurídica dos fatos afirmados não violava a regra equivalente ao art. 329 –,93 em qualquer grau de jurisdição, e às postulações independentes da iniciativa do autor (retro, 262) e não importam modificação (v.g., a substituição do medicamento X pelo Y, no pedido que postula o fornecimento de medicamentos do Estado, havendo congruência com a doença),94 inexistem variações intrinsecamente lícitas ou ilícitas: todas são ou não são, conforme preencham os requisitos temporais (infra, 289). A modificação cumulativa decorre da superveniente cumulação de causas ou de pedidos. Concebem-se: (a) cumulação de causas, expondo o autor outra causa para subsidiar o pedido já formulado ou amparar pedido novo; (b) cumulação de pedidos, introduzindo o autor de pedido não contemplado na petição inicial, todavia congruente à causa petendi anteriormente exposta ou com causa de pedir também nova. Por exemplo: na demanda em que A pede a separação de B, alegando que o réu encontrou-se com C no motel X, a autora alega, opportuno tempore, que B a espancou gravemente, e ambos os fatos tornaram insuportável a vida em comum, mantendo o pedido de separação; ou, com ou sem a alegação da nova causa petendi, pede alimentos. Essa espécie de cumulação provoca delicado problema de individualização da demanda. Retorna-se, portanto, às dificuldades intrínsecas nessa matéria,95especialmente na identificação da causa petendi (retro, 247.1). E há acréscimo importante: nem sempre a modificação se expressa em ato postulatório inequívoco. Por exemplo, na separação movida por A contra B, em que A alega que o réu encontrou-se no motel X com C, a autora pretende que colóquio entretido com D nesse local, e, não, C, aquele provado e este sem prova hábil, não obsta o acolhimento do pedido, porque a identidade do parceiro do cônjuge adulto não se afigura essencial à configuração do fato principal exposto. Esse é o plausível problema, compatível com o tema da prova – o juiz considerou controverso o fato de B ter ingressado no motel X com C, deferindo a prova testemunhal, e só o depoimento das testemunhas revelou a identidade do parceiro D -, subjacente à modificação, no caso resolvido positivamente e sem infração ao princípio da congruência (infra, 1.593). Impende distinguir, sem qualquer exceção ao anteriormente afirmado quanto à extensão do art. 329, a modificação da demanda dos
esclarecimentos do autor no tocante aos fatos narrados. Essa explicitação da causa de pedir e do pedido, ou emendatio, não importa alteração dos fatos principais ou do bem da vida, verificada, ao invés, na modificação (mutatio).96 287.2. Modificação unilateral e bilateral – É unilateral a modificação que decorre da iniciativa exclusiva do autor. Essa modificação, via de regra, admite-se até a citação (art. 329, I). Revela arrependimento do autor, manifestado opportuno tempore, mas o móvel do ato pode não revelar a fraqueza da pretensão processual originária, devendo-se a outros fatores plausíveis que, ao fim e ao cabo, robustecem a pretensão substituta ou a pretensão cumulada à primitiva: chegada ao conhecimento do autor de fatos preexistente, cuja veracidade demonstrará facilmente, a contratação de novo advogado mais experiente, e assim por diante. Chama-se bilateral a modificação que, acertada até o saneamento do processo, descansa no consentimento do réu. É autêntico negócio jurídico processual (convenção processual). A anuência do réu é incomum. Em geral, o réu nutre a honesta expectativa de repelir a pretensão processual originária, em nada lhe aproveitando a substituição de um dos seus elementos ou acumulação superveniente, e a sucumbência do autor (art. 85) oferece-lhe, ademais, prêmio financeiro apreciável. No entanto, ao réu interessa, às vezes, não enfrentar determinada alegação de fato (v.g., a de que é impotente), desde que respeitado o direito fundamental à defesa, anuindo, portanto, à iniciativa do autor em substituí-la por outra (v.g., a de que praticou injúria grave), por sua vez fundada na hipotética maior facilidade em provar esta do que aquela. Existe uma exceção à bilateralidade da modificação da demanda após a citação: o pedido de declaração incidente da falsidade de documento (art. 430, parágrafo único, c/c art. 19, II). Em tal hipótese, a parte legitimada, manifestando-se sobre a prova documental (art. 434, caput) – portanto, após a citação, mas antes do saneamento –, talvez pleiteie a declaração da falsidade em caráter principal, a fim de recaia auctoritas rei iudicate sobre tal capítulo do dispositivo da sentença (art. 433). 288. Causas da modificação da demanda A primeira causa de modificação da demanda avulta na alteração do estado de fato.97 A pendência do processo não detém o fluxo da vida. Por exemplo, Areivindica de B a coisa móvel X, mais perdas e danos pela privação do seu uso, e, no curso do processo, evento alheio à disposição das partes arruína X. Convém que seja admissível a modificação do pedido, substituindo-se o de recuperação de coisa destruída pelo respectivo equivalente pecuniário. O art. 493 admite a recepção do fato superveniente (infra, 1.618). E, no exemplo ministrado, haveria simples modificação quantitativa do pedido, similar à do art. 323, que representa modificação admissível sem as limitações temporais do art. 329.98 Dessa hipótese se distingue o conhecimento recente do fato velho. Por exemplo, na demanda em que A pede a separação de B, fundada em injúria grave, A toma conhecimento que B cometeu adultério com C em data anterior ao ajuizamento, e pretende introduzir essa causa de pedir no processo pendente. Esse conhecimento tardio constitui causa de modificação.
Não há dúvida que as hipóteses tormentosas prendem-se a fatores em desacordo com os propósitos da admissibilidade da modificação e ao regime do art. 329. Pode acontecer de o autor, confrontado com defesa firme e convincente, chegar à conclusão que só radical mudança de rumos assegurar-lhe-á êxito no desfecho do processo. E tal situação desconfortável deriva tanto da fragilidade da exposição inicial, que urge esclarecer e aprimorar, quanto da pura e simples insubsistência dos fatos narrados. Se na demanda em que A pede a separação de B, sob a alegação de que este ingressou no motel X com C, e a contestação demonstra cabalmente que C é desenhista da fábrica D, devendo-se a visita à venda de roupas de cama para a rede hoteleira, A tem dois termos de alternativa: obtempera que a venda constitui factoide; ou, convencido da própria falta de razão, almeja trazer ao processo fato preexistente idôneo a produzir a separação, porque a vida em comum é insuportável. Nenhuma dessas situações se harmoniza com o fundamento da admissibilidade da modificação, que é o princípio da economia, e devem ser repelidas pelo juiz sem o consentimento do réu, por definição inexistente. Em outras palavras, o princípio da congruência obriga o juiz, na demanda singular e na demanda coletiva (interesses transindividuais não constituem motivo para tibieza na aplicação dos princípios, mas de aumentada rigidez), a julgar a demanda originária, desconsiderando a modificação ilícita. Como quer que seja, a admissibilidade da modificação da demanda nesses casos subordina-se aos limites temporais do art. 329. 289. Requisitos da modificação da demanda Admitida a modificação da demanda, o problema básico consiste em precisar as suas oportunidades, sem prejuízo à defesa do réu e outros efeitos colaterais nocivos. O art. 329 contempla as seguintes situações: (a) o autor pode aditar ou alterar, livremente, a causa e o pedido até a citação (inciso I); (b) citado o réu, a causa de pedir e o pedido comportam mudança com o consentimento do réu (inciso II); (c) após o saneamento do processo, não se admite a modificação bilateral (regra implícita no inciso II do art. 329). Essas proposições suscitam três problemas: o termo final da modificação unilateral, o que envolve a disciplina da modificação da demanda na revelia; a forma do consentimento do réu, na modificação bilateral admissível; e o termo final da modificação bilateral. 289.1. Termo final da modificação unilateral – O art. 329, I, admite a adição ou a alteração do pedido e da causa de pedir, “até a citação… independentemente de consentimento do réu”. A citação pré-exclui a modificação unilateral. Importa definir, por conseguinte, o momento da extinção dessa faculdade do autor. Existem duas possíveis interpretações da fórmula legal (“até a citação”): (a) a data do ato em si (v.g., a data da entrega da contrafé ao citando, a teor do art. 251, I, na citação por oficial de justiça; a data da publicação do edital no sítio do respectivo tribunal na rede mundial de computadores, na citação por edital, a
teor do art. 257, II); (b) a data em que ato de chamamento produz seu efeito típico – fluência do prazo de resposta –, demarcada no art. 231, relativamente às diferentes espécies de citação. Entre esses termos transcorrerá tempo variável (v.g., o prazo de aperfeiçoamento, na citação por edital, e certificação da data de publicação no sítio do tribunal e do CNJ, conforme o art. 257, II) e, no interregno, talvez o autor postule a modificação da demanda. Antes de responder à questão posta, urge colher subsídios em outra área, fitando o caso de fluência in albis do prazo de resposta. Omisso que seja o réu, e enquanto o juiz verifica se ocorreu, ou não, a presunção de veracidade do art. 344, ou adotará a providência preliminar do art. 348, mandando o autor especificar os meios de prova, porque não ocorreu o “efeito da revelia”, o direito anterior enfatizava o princípio aplicável ao intento de o autor aproveitarse da situação e postular a modificação da demanda: não poderá alterar o pedido, ou a causa de pedir, nada obstante a revelia. Essa regra atinente à revelia não perfilhava a orientação da regra equivalente ao art. 329, I, introduzindo, ademais, inusitada ressalva: “salvo promovendo nova citação do réu”. Ora, se a citação obsta a modificação unilateral, exigindo o consentimento do réu, e o estado do processo, na melhor das hipóteses, torna-a difícil e improvável, porque o réu não acudiu à citação, a rigor não se cogitaria de qualquer modificação: faltaria a anuência do réu. Porém, a consequência pareceu excessiva, adotando-se outra solução. Tal dispositivo comportava duas interpretações antagônicas: ou (a) é lícito ao autor alterar os elementos objetivos, fluindo o prazo de resposta sem o comparecimento do réu, ou seja, ocorrendo revelia, excepcionado, neste caso particular, o regime geral;99 ou (b) a cláusula transcrita se refere apenas ao pedido de declaração incidente.100 A acreditar-se na última orientação, a dificuldade avolumar-se-ia: no direito anterior, a declaração incidente supunha que o réu, ao contestar a ação, suscitasse questão prejudicial, provocando o pedido do autor na réplica, requisito obviamente não configurado no caso de inércia total do demandado. Era ponto assente que, ao cabimento da declaração incidente, o ponto prejudicial embutido na causa suba à estatura de questão prejudicial, mediante controvérsia encetada pela parte que a requer ou por seu adversário; “na ausência de qualquer contestação é vedado à parte aproveitar-se da prejudicialidade para requerer uma declaração”.101 A interpretação correta era diferente, retirando todas as consequências admissíveis da regra especial. O princípio da estabilidade não tem valor absoluto e universal. As interpretações expostas restringem, indevidamente, a regra. Assim, ao autor se afigura lícito, ocorrendo revelia, alterar os elementos objetivos da demanda originária, expondo outra(s) causa(s) e formulando outro(s) pedidos(s), e pleitear a declaração incidente, desde que promova nova citação do réu.102Renovar-se-á o prazo de contestação de quinze dias. Retomando o fio do problema principal, evocou-se regra hoje desaparecida para evidenciar o fundamento do regime previsto no art. 329. Ele assenta na preservação do direito de defesa. Por isso, a despeito do consentimento do réu, impende assegurar-lhe o contraditório e o prazo de quinze dias para complementar a contestação, admitida prova suplementar (art. 329, II). Ora, o exercício desse direito fundamental processual subordina-
se ao cabal conhecimento do inteiro teor da pretensão trazido com o próprio ato de citação. O objetivo dessa disposição consiste em não agravar o ônus de defesa do réu. Rejeitou-se, destarte, a noção que esse óbice prejudicaria o autor.103 Desse modo, o art. 329, I quis dizer exatamente o que preceitua: “até a citação” equivale às datas em que o réu toma (citação real) ou poderia tomar (citação ficta) ciência do inteiro teor da pretensão processual. Do contrário, modificada a demanda entre a data da citação e o termo inicial de fluência do prazo, haveria de se reabrir o prazo de resposta, perdendo-se tempo e atividade processual. Não se revela razoável olvidar que nada obriga o réu a retirar os autos em carga para responder, inteirando-se da modificação entrementes introduzida, hipóteses que tampouco traria certeza de o ato postulatório do autor se encontrar juntado aos autos. Tal o entendimento do STJ: “… a alteração do pedido, mesmo após a confecção do mandado de citação, mas antes da citação, tem validade e deve ser observada pelo juiz”.104 Recolher-se-á, por óbvio, o mandado expedido e, se cumprido no interregno, renovar-se-á a citação. Em caso de litisconsórcio passivo, tolerase a modificação antes do último chamamento.105 Não importa ao art. 329, I, a atitude ulterior do réu, permanecendo inerte. Realizada a citação, é defeso ao autor aditar ou alterar os elementos objetivos da demanda. E, intervindo o revel no processo, após o prazo de contestação, mas antes do saneamento, exigir-se-á o respectivo consentimento (art. 329, II). 289.2. Consentimento do réu na modificação bilateral – Feita a citação, a modificação dos elementos objetivos dependerá do consentimento do réu. Impende ressalvar, como já assinalado, o pedido de declaração de falsidade de documento público ou particular (art. 430, parágrafo único, c/c art, 19, II), ocorrido após a citação, precisamente na oportunidade assinada às partes para se manifestarem sobre a prova documental do adversário (art. 434, caput), e independente da anuência da contraparte. Essa proposição implícita no art. 329, II, demonstra que ao juiz não é dado modificar a demanda originária ex officio. Em primeiro lugar, a construção do objeto litigioso constitui matéria posta sob a exclusiva iniciativa das partes, porque integra o núcleo do processo civil constitucionalmente justo e equilibrado, e só o autor, até a citação, e a convenção das partes, após o chamamento réu, permitem a modificação. Ademais, abstraída as razões de princípio, a mais das vezes o réu recusa seu assentimento, porque vislumbra sucesso na meta de repelir a pretensão processual originária, e ao juiz não cabe defraudar essa legítima expectativa.106 Assim, na demanda em que A pede a separação de B, alegando que o réu ingressou no motel X com C, almejando entreter relações sexuais, mas confrontado com a convincente contestação de B, explicando a ida ao motel X como atividade estritamente profissional, A não pode trocar a causa petendi pela embriaguez contumaz e escandalosa do réu, sem o consentimento deste, por mais econômica que pareça a solução. O consentimento exigido no art. 329, II, assumirá duas formas: (a) expresso; ou (b) tácito.
Postulando o autor a modificação de forma inequívoca, o juiz mandará intimar o réu para se manifestar no prazo de cinco dias, a teor do art. 218, § 3.º, findo o qual concebem três situações: (a) aceitação; (b) recusa; e (c) omissão. Variam as consequências de cada hipótese. Em caso de aceitação, modifica-se a pretensão processual originária, reabrindo-se o prazo de contestação, ao menos no tocante ao objeto da modificação. Se a modificação formar processo cumulativo, incumbe ao juiz realizar o controle dos respectivos pressupostos (retro, 281). Recusado o consentimento, o juiz não admitirá a modificação, proferindo decisão interlocutória, e julgará a causa originária. No direito alemão, o caso é de sentença parcial de mérito (Zwischenurteil).107 À primeira vista, fluindo o prazo, in albis, e exigindo o art. 329, II, o consentimento do réu, a falta de manifestação traduziria discordância, cabendo ao juiz rejeitar a modificação ex officio.108 Em outras palavras, o consentimento precisa ser expresso.109 Tal o entendimento prevalecente no STJ.110 O comportamento omissivo não se harmoniza com os deveres de cooperação (art. 6.º) e de probidade (art. 5.º). Não é legítimo retirar efeitos favoráveis à parte que abstém de atender à determinação do juiz. E, de resto, a admissão do consentimento tácito mostrar-se-á inevitável em duas hipóteses: (a) oferecendo o réu, desde logo, contestação à demanda nova, conforme reconheceu julgado do STJ;111 (b) a assunção pelo réu, sem protesto em contrário, do debate em torno da demanda nova, deduzida dissimuladamente pelo autor. As hipóteses de aceitação tácita da modificação promovida pelo autor no objeto litigioso originário são as mais comuns. O debate se transforma e envolve questões não alegadas anteriormente. 289.3. Termo final da modificação bilateral – O termo final da modificação da demanda bilateral é o saneamento do processo (art. 329, II). Entende-se por tal a emissão da decisão prevista no art. 357. No curso das providências preliminares dos arts. 347 a 353, anteriores à decisão de saneamento e de organização do processo, ainda é possível a modificação bilateral.112 Considera-se esse marco excessivamente rígido, vez que os princípios da eventualidade – inexistente, em todo o caso, quanto ao autor (infra, 1.497) – e da congruência (infra, 1.583), bem como a preclusão, “visam a assegurar a amplitude da defesa e o normal desenvolvimento do processo”.113 E ministrouse exemplo de mandado de segurança, no qual o impetrante introduziu causa de pedir clandestina, e concedido por este fundamento, mas salvou-se a sentença definitiva da fatal invalidade pela abertura de prazo para a autoridade coatora debater a causa petendi. Ora, o mandado de segurança é o único remédio que comporta essa solução, a priori, porque reclama prova pré-constituída (retro, 45.1), inexistindo fase de instrução. Não corresponde às injunções usais do procedimento comum. Com efeito, a grande maioria dos litígios exige a produção de prova, haja vista a existência de alegações de fato controvertidas, cuja veracidade o juiz
necessita apurar para construir seu convencimento, e nesse caso o art. 329, II, traça a última ocasião propícia à modificação da demanda sem desperdício de atividade processual ou infração aos direitos fundamentais processuais do réu. É a oportunidade em que o órgão judiciário, emitindo duplo juízo positivo, quanto à admissibilidade da pretensão processual e à validade do processo, considera necessário seu prosseguimento, fixando o tema da prova (infra, 1.309) e deferindo os meios propostos (infra, 1.342), a teor do art. 357, II, e, ainda, delimita as questões de direito idôneas a influir no julgamento do mérito (art. 357, IV). Eventual modificação superveniente à decisão de saneamento e organização do processo provocaria mais desvantagens que benefícios. Relevado o aspecto político – o princípio dispositivo e a correlata congruência integram o núcleo do processo constitucionalmente justo e equilibrado –, o juiz que tolerasse a modificação da demanda após a produção da prova, abrindo prazo formal de defesa, ou colocaria o réu perante fato consumado – a prova revelou, na demanda em que A pleiteia a separação de B, que o réu não entreteve relações sexuais com C (fato alegado), mas espancou a autora (fato não alegado) – ou importaria repetir as provas já produzidas. Essa última perspectiva desanima o mais crédulo dos otimistas. A índole autoritária do entendimento aqui criticado parece evidente: justiça a qualquer preço, principalmente por conta do réu. 290. Forma da modificação da demanda O autor precisará incorporar a modificação da causa de pedir ou do pedido em ato postulatório específico. Antes da citação do réu, enquanto cabível a modificação unilateral, tal ato assumirá a forma clássica de emenda à petição inicial; posteriormente, sem perder essa natureza, o autor endereçará petição ao juiz, requerendo a intimação do réu para se manifestar no prazo de cinco dias. Essa petição exporá a causa petendi inovadora e formulará o pedido cabível. Os requisitos desse ato postulatório fundamental são os do art. 319, aqui aplicáveis por analogia. Em qualquer momento, a partir do termo inicial da modificação unilateral (retro, 289.1), e até o termo final da modificação bilateral (retro, 289.3), lícito se afigura ao autor propor a demanda; porém, o procedimento comum indica determinados atos postulatórios, a exemplo da réplica (artigos 350 e 351), e não há dúvida que o autor talvez os aproveite para propor demanda nova. Representaria suprema ingenuidade, todavia, não imaginar modificações sutis, diluídas e insinuadas, por exemplo, na especificação da prova, e, ao fim ao cabo, ressurgentes na oportunidade do julgamento. O problema fundamental implicado nessa última possibilidade consiste na infração aos direitos fundamentais processuais da defesa e do contraditório. O réu se defende contra fatos e uma coisa é negar o ingresso no motel X com C, o que significaria adultério, e outra bem, bem diversa, é negar o ingresso no motel X com D, fato que tem explicação plausível e inocente. À negativa rotunda da admissibilidade da proposição de nova demanda nessa forma difusa, obtempera-se que, amiúde, o réu assume o debate, oferecendo impugnação de fato, direta ou indireta, e impugnação de direito às alegações do autor. Forçoso notar que a situação é assaz comum e, sem
embargo da fragilização dos requisitos formais do art. 319, há que ser aceita como natural – ao menos, respeitada a preclusão elástica do art. 329, e, principalmente, o termo final da decisão de saneamento. 291. Efeitos da modificação da demanda Deferida a proposição de demanda nova, porque admissível, o juiz abrirá prazo para o réu apresentar resposta e, como já assinalado, incidirá o art. 335. O princípio da congruência passa a seguir a régua da demanda nova. Em caso de troca lícita da demanda originária por outra, inexistindo cumulação, mas modificada a causa petendi ou o pedido, o julgamento recairá sobre a pretensão processual subsistente no momento do julgamento, ou seja, sobre a demanda substituta. É o objeto litigioso que resultou da modificação unilateral ou bilateral – neste último caso, o consenso das partes vincula o juiz. Nenhuma decisão recairá sobre a pretensão substituída. Por exemplo, na demanda em que A pediu a separação de B, fundado no adultério do réu com C, mas substituída causa petendi originária pela injúria grave cometida por B, cumpre ao juiz manifestar-se motivadamente (art. 489, § 1.º) sobre a veracidade, ou não, da alegação de injúria grave, abstraindo o suposto adultério. Na verdade, não é mais possível o juiz examinar o adultério, porque matéria estranha ao processo. E, inversamente, indeferida a modificação, o órgão judiciário julgará a demanda originária, “sem se pronunciar sobre pretensão deduzida ex novo após a angularização da relação processual”.114 Por outro lado, provocando a modificação da demanda o surgimento de processo objetivamente complexo (cumulação de causas ou de pedidos), o julgamento observará as regras próprias à espécie de cúmulo resultante da iniciativa do autor. § 70.º Declaração incidente 292. Subsistência e fundamento da declaração incidente A pretensão à declaração incidente da questão prejudicial não desapareceu, in totum, na vigência do NCPC. Em primeiro lugar, os artigos 5.º, 325 e 470 do CPC de 1973 subsistem em vigor nos feitos pendentes, pois o art. 503, § 1.º, objeto de análise do capítulo da coisa julgada, aplicar-se-á somente aos processos iniciados após a vigência do NCPC, a teor do seu art. 1.054. É razão bastante para examinar a matéria neste parágrafo. Ademais, o art. 430, parágrafo único, c/c art. 19, II, autoriza a parte legitimada, impugnando a prova documental produzida pela contraparte (art. 434, caput), a pleitear a declaração incidente de falsidade do documento público ou do documento privado em caráter incidental, a fim de que sobre a resolução tomada recaia a auctoritas rei iudicate (art. 433). Essa última disposição suscita uma curiosa, mas pertinente questão: se o pedido de declaração incidente é desnecessário – na verdade, inexiste interesse processual –, porque a autoridade de coisa julgada recairá, em princípio, sobre a resolução da questão prejudicial, nas mesmas condições em que cabível a ação declaratória incidental (art. 503, § 1.º), não fica claro, absolutamente, o motivo por que o art. 430, parágrafo único, autoriza a
formulação de pedido principal de falsidade do documento. É questão prejudicial análoga a qualquer outra. E se o pedido de declaração incidental revela-se admissível na hipótese do art. 430, parágrafo único, talvez o seja em outras situações, no mínimo convergindo as partes em ampliar o objeto litigioso bilateralmente (art. 329, II, c/c parágrafo único), cumulando o autor a pretensão à declaração supervenientemente ou o réu pedindo declaração incidente na reconvenção. Em princípio, inexiste interesse processual em pleitear declaração incidente: a autoridade da coisa julgada recobrirá a questão prejudicial, haja ou não pedido a respeito, ou simplesmente será inadmissível, por força das restrições do art. 503, § 1.º, III, e § 2.º. O art. 430, parágrafo único, constitui exceção a essa regra. Lícito conjecturar duas razões autônomas para tal: (a) falta de harmonia entre as partes do NCPC, porque redigidas por pessoas diferentes, falhando a comissão de sistematização; (b) indevida concessão à eficácia erga omnes à declaração da falsidade do documento – na verdade, a arguição de falsidade desconstitui a força probante, ou fé, na causa –, porque o pronunciamento jamais atingirá terceiros, ante o art. 506. Como quer que seja, o regime da declaração incidente no NCPC reclama análise retrospectiva dos dados legislativos do direito anterior, começando pelos limites objetivos da coisa julgada no sistema do CPC de 1939. Dá-se o nome de coisa julgada material à autoridade que torna o provimento final de mérito (art. 487), não pendendo recurso, imutável e indiscutível em outro processo (art. 502). À exceção do uso redundante do adjetivo “imutável” no texto legal, os trâmites legislativos do projeto da lei que redundou no CPC de 1973 revelam a consagração, na regra equivalente ao art. 502, da clássica concepção alemã a respeito da coisa julgada material.115 A autoridade da coisa julgada resulta da indiscutibilidade proveniente da eficácia da declaração,116 gerada no momento do esgotamento das vias recursais. Neste sentido, arrola-se a coisa julgada como um dos efeitos da sentença de mérito,117 e, por sem dúvida, o efeito de maior magnitude e alcance.118 O fundamento da coisa julgada entronca-se no valor da segurança jurídica. Por razões eminentemente pragmáticas, o instituto erradica e combate a incerteza que resultaria de contestações ulteriores ao desfecho do processo,119 outorgando certo bem da vida ao vitorioso. Evitam-se, na prática, situações indefinidas.120 A coisa julgada material tem a finalidade de impedir o reexame pelo órgão judiciário, em qualquer processo subsequente – a coisa julgada formal já veta outro julgamento no mesmo processo – do objeto litigioso, ou mérito, decidido no primeiro, e, principalmente, a emissão de outro pronunciamento a respeito do mérito, pouco importando se no mesmo ou em sentido contrário ao anterior.121 Por exemplo, a coisa julgada obsta que o autor, derrotado no primeiro processo, renove a mesma pretensão; inversamente, o vencido não poderá pleitear provimento que, no todo ou em parte, contrarie o direito objeto de pronunciamento transitado em julgado.122 Para alcançar esses fins, a autoridade de coisa julgada pressupõe a identidade das partes e do objeto litigioso. Por óbvio, modificadas as partes ou alterado o mérito, o juiz apreciará a causa sem as amarras do caso julgado. Assim, a definição dos elementos objetivos da demanda (causa de pedir e
pedido), e, a fortiori, o papel dos limites objetivos da coisa julgada, limitados, ou não, a tais elementos, tem por escopo estabelecer a identidade ou a diversidade do objeto litigioso. Conforme já se assinalou (retro, 326), a teoria dos três elementos – partes, causa de pedir e pedido –, a teor do art. 337, § 2.º, erige as bases dessa identificação. E complementa o art. 337, § 4.º, “Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado” (rectius: da qual não caiba mais recurso). A aparente simplicidade desse sistema, sumariamente descrito, fica comprometida perante as controvérsias que medram na doutrina, guardando ou não rigorosa fidelidade às disposições legais. O dissídio envolve tanto à noção de objeto litigioso – e, neste ponto, há evidente excesso, pois a lei brasileira realizou nítida opção legislativa pelo emprego simultâneo da causa e do pedido –,123 quanto à natureza das questões que, integrando o mérito, se submeterão ao atributo da indiscutibilidade. O CPC de 1973 pretendeu evitar as deformações doutrinárias, ministrando soluções “em termos peremptórios, enfáticos e até redundantes”.124Assumiu atitude “definida e corajosa”.125 Em seus elevados propósitos, o CPC de 1973 adotou dupla diretriz. Fixou, positivamente, o campo de incidência da coisa julgada e, no assaz louvável esforço de dissipar dúvidas e inibir divergências, também dispôs, negativamente, o âmbito em que ficaria excluída a eficácia de coisa julgada. No tocante ao primeiro aspecto, partindo do princípio que o provimento final julgará o mérito nos limites definidos pelas partes, porque eventuais discrepânciasultra, infra ou extra petita constituem causas de invalidade (infra, 1.597), e, após o trânsito em julgado, de rescisão do provimento, a indiscutibilidade, ou “força de lei” (Rechtskraft), recobrirá os “limites da lide e das questões decididas” (art. 468 do CPC de 1973). As “questões decididas”, ou pontos controversos de fato e de direito, são as questões que as partes suscitaram e discutiram no processo. Em síntese larga, “a coisa julgada se estende ao objeto do processo, identificado através dos três notórios elementos das partes, do petitum e da causa petendi”.126 Não discrepa substancialmente, acrescente-se logo, o art. 503, caput, do NCPC. O regime do CPC de 1973 suscitava dúvida quanto à aquisição da autoridade de coisa julgada a respeito das questões suscitadas pelo réu na defesa de mérito indireta, ou seja, relativamente às exceções (v.g., prescrição) e às objeções (v.g., pagamento) substanciais. A autoridade da coisa julgada recairá sobre o dispositivo do provimento (infra, 1.123.4).127 O dispositivo do provimento final não é, necessariamente, a frase final do ato decisório,128 ou o que consta, formalmente, na parte própria (art. 489, III, do NCPC). Entende-se por dispositivo as resoluções tomadas pelo órgão judiciário para outorgar, ou não, o bem da vida ao autor, independentemente da sua localização formal no provimento. Eis o motivo por que, a teor do art. 489, § 3.º, do NCPC, a decisão deverá ser “interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”. Não se limitou à demarcação do terreno, traçando linhas divisórias nítidas no art. 468 do CPC de 1973, no qual a autoridade da coisa julgada projeta seu império. Dessa área extraiu o segundo código unitário, ainda, o que lhe
pareceu supérfluo ou indigno de proteção, dedicando a esta tarefa o art. 469 do CPC de 1973. A indiscutibilidade do provimento não atingirá, em primeiro lugar, os motivos do pronunciamento – os fundamentos utilizados pelo juiz para acolher ou rejeitar o pedido –, eventualmente imprescindíveis para “determinar o alcance da parte dispositiva da sentença” (art. 469, I, do CPC de 1973). O raciocínio errôneo do juiz pode levar à solução correta e, a todos os títulos, não convém promover discussões estéreis neste campo. Em seguida, não se revelará indiscutível a verdade dos fatos, “estabelecida como fundamento da sentença” (art. 469, II, do CPC de 1973). Duas considerações autônomas eliminaram a indiscutibilidade neste ponto: (a) o processo funciona como simples mecanismo reprodutor da realidade, suscetível a deficiências de elaboração e de percepção do material de fato; (b) à segurança jurídica basta a indiscutibilidade da atribuição do efeito jurídico ao vitorioso. Por conseguinte, os fatos podem ser encarados e avaliados diferentemente em outro processo. E, por fim, no tocante à declaração incidente, também não recairá a autoridade sobre a questão prejudicial (art. 469, III, do CPC de 1973), resolvida incidentemente para chegar ao juízo de improcedência ou de procedência. Todavia, às partes pode interessar que haja autoridade de coisa julgada sobre a questão prejudicial. Por exemplo, A pede alimentos de B, alegando a condição de filho, e B contesta, suscitando, dentre outras questões relativas à pretensão alimentar, a sua qualidade de pai de A. A relação de filiação é questão prejudicial ao acolhimento do pedido de A, porque a resolução negativa do órgão judiciário, a esse respeito, pré-exclui o acolhimento do pedido. Eventualmente, interessará a A, desde logo, dissipar essa incômoda controvérsia, estabelecendo, de uma vez por todas, certeza quanto à filiação. Em tal hipótese, o art. 470 do CPC de 1973 permite que pleiteie a declaração incidente. É a declaratória incidental, contemplada no art. 5.º, do CPC de 1973 o instrumento posto à disposição das partes para declarar a existência ou inexistência da relação jurídica prejudicial, e, conseguintemente, alargar os limites objetivos da coisa julgada, com as finalidades já explicadas, que de ordinário não a abrangeriam.129A declaração recairá sobre a prejudicial, e, não, sobre as condições de admissibilidade do pedido.130 Segundo o STJ, realçando o ponto, os “limites objetivos da coisa julgada não abrangem os motivos da decisão nem questões prejudiciais, salvo, quanto a estas, a propositura da ação declaratória incidental”.131 A extensão do julgado à prejudicial dependerá do pedido neste sentido de alguma das partes. Em última análise, a declaração incidente põe fecho à intrincada sistemática da coisa julgada, suprimindo o dissídio quanto à extensão da auctoritas rei iudicatae às prejudiciais, na sua falta, que lavrou sob o império do art. 287, parágrafo único, do CPC de 1939.132 Existem vozes estimando inconstitucional a resolução dessas questões sem a autoridade de coisa julgada.133 Entre nós, encarregada a lei infraconstitucional de identificar
casos em que há, ou não, semelhante autoridade, cuida-se de problema de política legislativa. É diferente o regime imprimido à matéria no NCPC, aplicável, por força da regra transitória do art. 1.054, aos feitos iniciados após a respectiva vigência. Recairá a autoridade da coisa julgada sobre a questão prejudicial decidida expressa e incidentemente no processo (art. 503, § 1.º). É preciso, entretanto, (a) da resolução tomada a esse respeito depender o julgamento do mérito (v.g., na ação em que A pede alimentos de B, dizendo-se filho natural, o réu B controverteu a paternidade, e o juiz reconheceu a filiação); (b) haver debate das partes acerca da questão prejudicial, porque suscitada na defesa, razão por que não cabe no caso de revelia do réu; (c) a competência do juízo em razão da matéria e da pessoa; e (d) a inexistência de restrições ao conhecimento da questão prejudicial, a exemplo da cogniçãosecundum eventus probationis (v.g., B impetra mandado de segurança contra desconto em folha a favor de A, controvertendo a filiação, não comportando o remédio a produção de prova a respeito). Essas restrições do art. 503, §§ 1.º e 2.º, do NCPC são as mesmas que, mutatis mutandis, condicionam o pedido de declaração incidente no CPC de 1973. O regime do art. 503, § 1.º, do NCPC promoveu profunda alteração no regime da questão prejudicial no que tange à coisa julgada. Enquanto vigorou o CPC de 1973, raramente as partes aproveitavam as oportunidades para propor a ação declaratória incidental, mecanismo complexo, preferindo debater livremente a prejudicial. 293. Conceito e espécies de questões prejudiciais Ao cabimento da declaração incidente para os efeitos do art. 1.054 do NCPC, interessa fixar o conceito de questão prejudicial. Entre nós, a questão prejudicial recebeu estudo do maior merecimento.134 O caráter prejudicial se caracteriza em virtude do nexo de dependência lógica entre duas questões. Define-se como prejudicial a questão cuja solução predetermina o sentido da resolução subsequente da questão prejudicada. Por exemplo, na ação de despejo por falta de pagamento, o juiz conhecerá da existência da locação, talvez controvertida pelo réu. A solução que o órgão judiciário porventura outorgue ao problema condiciona, logicamente, o acolhimento do pedido do hipotético locador. Reconhecendo relação jurídica distinta da locação entre as partes (v.g., comodato), fatalmente desestimará o pedido do autor. Na questão prejudicial suscetível à declaração incidente conjugam-se três elementos: (a) anterioridade lógica; (b) necessariedade; e (c) autonomia.135 À vista dessas características, a questão prejudicial se distingue da questão preliminar, ambas integrantes do gênero das questões prévias – problemas que se antepõem ao raciocínio judicial para seguir adiante no seu julgamento. A solução da questão preliminar torna dispensável ou impossível a solução das questões subsequentes.136Em certo sentido, a própria coisa julgada (art. 337, VII) funciona como questão preliminar, obstruindo o novo julgamento do mérito da segunda demanda. Já a questão prejudicial condiciona em certo sentido a solução das questões de mérito.
As questões prejudiciais classificam-se consoante critérios distintos.137 Em relação à origem, a prejudicialidade pode ser (a) homogênea ou (b) heterogênea. No que tange aos efeitos no curso do procedimento, porque há questões que implicam, ou não, a suspensão do processo, (a) obrigatória ou (b) facultativa. A influência da prejudicial sobre a questão prejudicada pode ser (a) total ou (b) parcial. E, ainda, conforme se depreende do art. 313, V, a, há duas espécies de questões prejudiciais: (a) externas, constituindo a existência ou inexistência de relação jurídica “objeto principal de outro processo pendente”; e (b) internas (v.g., a declaração do estado da pessoa, passíveis de solução in simultaneo processu).138 Essas situações se combinam em várias hipóteses. Por exemplo: A pretende condenar B a pagar determinada quantia, mas o réu contesta, alegando compensação, em razão de crédito de igual valor, e o autor replica, apontando a invalidade do negócio jurídico que ensejaria o suposto contracrédito: a solução conferida à invalidade subordinará, totalmente, o acolhimento do pedido de A.139 Nesta hipótese, há prejudicialidade interna e total. Se o valor do contracrédito alegado pelo réu fosse inferior à quantia pretendida pelo autor, a prejudicialidade se revelaria parcial. É heterogênea a prejudicial que, por sua natureza, não se inclui na competência ratione materiae do órgão encarregado de julgar a questão prejudicada. Exemplo de questão prejudicial heterogênea, e, simultaneamente, externa, avulta na existência fato típico penal que condicione o julgamento da causa civil (art. 315). O Ministério Público imputou ao réu B, no processo criminal, o crime de bigamia. O reconhecimento desse crime, no juízo criminal, condicionará o julgamento da ação de nulidade, fundada no mesmo fato, movida por A, a segunda esposa, contra o marido B. A rigor, somente a prejudicial externa pode ser heterogênea.140 O regime verbal do art. 315, caput, indica a facultatividade da suspensão do processo civil no caso de prejudicialidade heterogênea externa, como no direito anterior. Na melhor das hipóteses, há obrigatoriedade relativa, pois a suspensão do processo se subordina a limites temporais predeterminados art. 315, § 2.º. Vencido o prazo máximo de suspensão do processo, em virtude da prejudicialidade externa, o juiz julgará a causa condicionada “sem esperar a solução da causa condicionante”.141 A respeito, há julgado do STJ: “A suspensão do feito civil, quando em curso ação penal versando sobre o mesmo substrato fático, encerra mera faculdade, segundo critério de conveniência, havendo meios processuais que asseguram a possibilidade de, caso proclamado, em sede criminal, juízo de certeza quanto à autoria e à materialidade, fazê-lo prevalecer sobre eventual pronunciamento decisório conflitante proferido na esfera cível”.142 294. Natureza da declaração incidente A pretensão à declaração exercida no processo pendente, pelo autor ou pelo réu, constitui ação de caráter incidente, visando à formação de coisa julgada material sobre a questão prejudicial controvertida.143 O juiz conhecerá e decidirá a questão prejudicial, de toda maneira, inexistindo a iniciativa de alguma das partes neste sentido.144 No entanto, o pronunciamento tomado a
respeito, nesta hipótese, jamais se revestirá de indiscutibilidade no presente e no futuro. Constituindo a questão prejudicial objeto de processo autônomo – prejudicialidade externa (art. 313, V, a) –, e prosseguindo a causa condicionada após o termo legal de suspensão, a formação da autoridade da coisa julgada revelar-se-ia inadmissível. Eventual ação declaratória incidental se identificaria, integralmente, com o objeto do outro processo, gerando o obstáculo da litispendência. O pedido de declaração incidente representará pretensão nova, tornando o objeto do processo complexo.145 E isso, porque “é pedido novo, veiculado por outra ação, esta de natureza declaratória, em princípio proponível separadamente, mas que se vem a processar nos mesmos autos da anteriormente ajuizada”.146 Ao invés, inexistindo pedido de declaração incidente da questão prejudicial, mas controvertendo as partes semelhante objeto (v.g., na ação em que A pede alimentos de B, fundado na paternidade, o réu alega que A não é seu filho), a prejudicial ingressa como defesa mérito indireta, ampliando o objeto litigioso,147 e a decisão a seu respeito, sob certas condições, revestirse-á da auctoritas rei iudacate. 295. Finalidades da declaração incidente Por intermédio da pretensão à declaração prevista nos artigos 5.º e 470 do CPC de 1973, produz-se expressiva economia na atividade jurisdicional fatalmente desenvolvida. É certo que o autor poderia cumular, originariamente, o pedido de declaração da relação jurídica na qual esteia o pedido principal, e deixou de fazê-lo, porque lhe pareceu inconcebível controvérsia idônea nessa seara. A declaração incidente remedeia a omissão. Realmente, se na ação de despejo o réu controvertesse a existência da locação, e a controvérsia a respeito ficasse resolvida sem eficácia de coisa julgada, ocorreria o aumento do “passivo processual sem um correspondente acréscimo de resultado”.148 Eis o motivo por que, pedida a declaração incidente, há economia, senão de atividade processual, ao menos nos resultados dessa atividade. E, de outro lado, remetida tal questão a processos posteriores, facilmente se conceberia a emissão de pronunciamento conflitante com a resolução antes tomada,149 afetando o prestígio da Justiça pública.150 A declaração incidental evita o risco de embaraçosos provimentos contraditórios. É a finalidade frisante da ação declaratória incidental. 296. Objeto da declaração incidente No tocante ao objeto, o art. 5.º do CPC de 1973 estabelece que a declaração incidente versará sobre a existência ou inexistência de relação jurídica. Desse ponto de vista, a par do caráter prejudicial assumido por essa questão no processo pendente, o objeto da ação declaratória incidental não se diferencia do objeto virtualmente admissível na declaratória principal,151 atualmente previsto no art. 19, I, do NCPC.
Não convém tolerar e agasalhar, contravindo a natureza da força declaratória, pedidos estranhos ao âmbito da declaração em sentido estrito. Por exemplo, os pedidos de invalidação, que “não podem ser perseguidos por intermédio da ação declaratória incidental, justamente porque não se trata de provimento meramente declaratório, e, sim, constitutivo”.152 A esse respeito, impõe-se distinguir nitidamente os planos da existência, da validade e da eficácia. Não se declara o nulo: invalida-se o nulo, desconstituindo o ato ou o negócio jurídico (infra, 1.244). É peculiar o caso da investigação de paternidade. Em princípio, a pretensão constitui o estado de filiação, e, portanto, não pode ser considerada pretensão à declaração. Na realidade, trata-se de pretensão à constituição. Entretanto, o art. 265, IV, c, do CPC de 1973 expressamente aludia à declaração incidente da “questão de estado”, e, portanto, existia autorização legal para veicular, sob o rótulo da declaração, pretensão constitutiva.153 A declaração incidente da falsidade ou da autenticidade de documento (art. 19, II) submete-se ao regime especial do art. 430, parágrafo único, c/c art. 433 do NCPC, como já se entendia no direito anterior.154 Em relação à prejudicialidade, urge introduzir outra distinção, envolvendo o ponto, a questão e a causa prejudicial.155 É ponto prejudicial o antecedente lógico do pronunciamento que não se transformou em questão, pois não há controvérsia das partes. A questão prejudicial representa o antecedente lógico controvertido e, por esse motivo, passível de resolução incidenter tantum. E, por fim, a causa prejudicial é a que, surgindo antes ou depois do processo em que se controverte a causa prejudicada, há que ser resolvida antecedentemente, em caráter incidental ou principal. Por esse motivo, “a prejudicial, se controversa, é questão prejudicial, a qual poderá tornar-se uma lide, transformando-se em causa prejudicial”.156 É preciso, então, que a questão prejudicial seja autônoma, quer dizer, passível de se tornar objeto de declaração autônoma.157 Impende que o ser ou o não ser da relação se torne litigioso. Ora, a controvérsia dependerá da iniciativa do réu, na sua contestação.158 Existem vários caminhos para o réu controverter o ponto prejudicial, transformando-o em questão prejudicial: negando a existência da relação jurídica, estendendo a controvérsia sobre toda a relação, se o autor se limitara a um dos seus elementos, ou, ainda que sem negar a relação em si, opõe ao autor outro direito incompatível com aquele.159Dependendo o aparecimento da questão prejudicial, que dá azo à declaração incidente, do comportamento do réu, o revel, cuja omissão torna os fatos presumivelmente verdadeiros e nada controverte, não tem direito a pedir a declaração incidente, intervindo no processo. O art. 503, § 1.º, II, do NCPC pré-exclui aauctoritas rei iudicate sobre a resolução da prejudicial no caso de revelia, porque a inércia do réu impede o surgimento de controvérsia, e, portanto, inexistirá o contraditório essencial à força vinculativa da resolução de mérito. Por outro lado, a redação do art. 5.º do CPC de 1973 sugere que a controvérsia há de surgir, necessariamente, após a instauração do processo. Entretanto, exige-se apenas não constituir a questão prejudicial objeto de outro processo; do contrário, ocioso frisar, existiria litispendência.160 Pouco importa que, previamente ao processo, as partes hajam ou não controvertido
a existência ou a inexistência da relação jurídica, exigindo a regra que voltem a controvertê-la no litígio pendente.161 297. Pressupostos da declaração incidente Estabelecida a diferença entre o juízo de admissibilidade, integrado pelo conjunto de questões relativas aos pressupostos processuais e às condições da ação, há aspectos específicos na declaração incidente, agrupados sob o título de pressupostos específicos,162 a saber: (a) existência de questão prejudicial externa; (b) a legitimidade das partes, consoante o critério comum, de modo que os hipotéticos figurantes sejam, também, as partes da causa prejudicada; (c) o interesse processual na declaração incidente; e (d) a identidade de procedimento das ações subordinada e subordinante. A organização dos requisitos no campo da admissibilidade é coerente com o sistema processual,163 mas discrepa do esquema dominante.164 No entanto, parece imperioso acrescentar ao rol o requisito da competência, que torna inadmissível a declaração incidente. Os limites da cognição da causa prejudicada, também invocado como requisito,165 de ordinário não obstam à declaração incidente. Por exemplo, via de regra sumária, a ação cambial comporta a pretensão do réu a declarar a inexistência da relação cambiária, hipótese em que a cognição é ampla. O pressuposto do aparecimento de questão prejudicial, em dado processo, já recebeu exame no item precedente (retro, 293). Do mesmo modo, a diferença entre as questões prejudicial e preliminar já recebeu exame. Vale realçar que as questões preliminares não comportam declaração incidente.166 Por exemplo, não cabe declaração incidente sobre a legitimidade da parte.167 Passa-se, então, à análise dos demais requisitos. 297.1 Legitimidade na declaração incidente – O art. 325 do CPC de 1973 atribuiu ao autor, expressamente, a legitimidade para pedir a declaração incidente, controvertendo o réu “o direito que constitui o fundamento do pedido”, ou seja, outra relação jurídica que não seja objeto da declaração relativa ao pedido originário.168Por sua vez, o art. 5.º do CPC de 1973 alude a “qualquer das partes”, redação repetida, em termos, pelo art. 470 do mesmo diploma, que prevê a possibilidade de “a parte o requerer”, realizando remissão aos dispositivos antes citados. É fora de dúvida, assim, legitimarem-se, ativamente, tanto o réu, quanto o autor para propor a ação declaratória incidental.169 Inversamente, a parte perante a qual o adversário pediu a declaração incidental legitima-se a ocupar o polo passivo. Em outras palavras, na “declarativa incidental somente podem ser partes as pessoas que o são no litígio pendente”.170 A oportunidade para fazê-lo variará consoante a posição ocupada no processo. Esta faculdade se estende aos litisconsortes.171 É vedado ao assistente propor ação declaratória incidental, porque seu direito próprio não é objeto da causa prejudicada, embora também possa atuar como assistente na declaratória incidental.172 A exclusão do assistente do rol dos legitimados ativos revela a exigência de que o autor e o réu na ação declaratória incidental sejam as partes legítimas da ação subordinada. O terceiro não pode propor declaração incidente, no processo pendente, “nem contra terceiro pode propô-la qualquer
das partes”.173 Por óbvio, mostra-se totalmente desnecessário figurarem as partes legítimas para pleitear a declaração incidente como os titulares da relação jurídica material condicionante. É possível que, nesta, figure terceiro. Basta que a questão se torne prejudicial entre as partes do processo em que se pede a declaração para torná-la admissível entre tais pessoas. Perante o terceiro não prevalecerá, evidentemente, a eficácia de coisa julgada, nem, a fortiori, o teor da resolução tomada. Rejeita-se, impropriamente, a legitimidade do substituto processual.174 No entanto, a verdade é outra: impõe-se que subsista sua capacidade de conduzir o processo, ativa ou passivamente, também no referente à questão prejudicial objeto da declaração incidente. É evidente que, preenchido tal requisito, não há obstáculo à pretensão do substituto. 297.2. Interesse na declaração incidente – O interesse processual para obter a declaração incidente da questão prejudicial não é diferente do interesse geral à declaração autônoma. E também compartilha da natureza de elemento da causa de pedir. À configuração do interesse, impõe-se que a existência ou a inexistência da relação jurídica, tornada questão prejudicial pela atividade do réu, se torne litigiosa, como quer o art. 5.º do CPC de 1973. A controvérsia provocada pelo réu, embora requisito necessário, já não se revela inteiramente suficiente para induzir a utilidade da declaração incidente, e, conseguintemente, formar o interesse processual. Relacionando-se ela à extensão da autoridade de coisa julgada, por motivos de economia e de conveniência, há que se mostrar necessária a declaração para uso futuro nas relações das partes.175 Em outras palavras, influenciando a questão prejudicial exclusivamente a questão prejudicada deduzida como objeto principal do processo pendente, e a nenhum outro litígio virtual, então “a resolução incidenter tantum da prejudicial basta plenamente às partes”.176 Nem sempre revela-se fácil visualizar os outros litígios acerca da relação jurídica declarada, e, por tal motivo, indiscutível no futuro, tornando útil a extensão da coisa julgada à questão prejudicial. Se o locador pretende retomar o imóvel, ante a falta de pagamento dos aluguéis, e cumula tal pedido com o de condenação do inquilino ao pagamento dos aluguéis e acessórios (art. 62, I, da Lei 8.245/1991), em princípio o juízo de procedência, resolvendo a locação, não projeta nenhuma lide futura, ainda que o réu controverta a natureza da relação entretida com o autor. Ao invés, omitindo o locador o pedido de cobrança dos aluguéis, a pretensão à futura cobrança dos aluguéis preenche, plenamente, o interesse processual exigido para obter coisa julgada. Na futura ação de cobrança dos aluguéis, a existência da locação ficará subtraída a controvérsias relevantes, porque protegida pela coisa julgada. Por igual, na hipótese inicialmente formulada, a declaração incidente poderá se mostrar útil e necessária na futura pretensão à reparação dos danos ao prédio, desocupado em desacordo com as estipulações contratuais. 297.3. Identidade de procedimentos das ações subordinada e subordinante – A circunstância de o art. 325 do CPC de 1973 situar-se no contexto do antigo rito “ordinário” não constitui óbice à sua extensão a outros ritos, em particular aos procedimentos especiais, ante a aplicação subsidiária daquele procedimento. A admissibilidade da declaração incidente reclama apenas o fato de a contestação do réu provocar o surgimento da questão
prejudicial.177 E, de resto, o óbice decorrente da incompatibilidade de procedimentos desaparece, nos procedimentos especiais, tão logo passem ao procedimento comum.178 Por razões diversas, em alguns procedimentos veda-se a declaração incidente. Assim, a lei excluía a declaração incidente no procedimento sumário (art. 280 do CPC de 1973), homenageando a concentração dos atos e a celeridade do rito; a natureza da função processual, como ocorre no processo de execução, às vezes se revela incompatível com o aparecimento da coisa julgada e, conseguintemente, do cabimento da declaração incidente; na ação declaratória principal, sua própria natureza (actio duplex) pré-exclui a necessidade de aumentar o âmbito da coisa julgada.179 Controverte-se a admissibilidade da declaração incidente na execução não embargada. Em sentido positivo, manifestou-se o STJ por uma das suas turmas de direito privado: “Consoante a melhor doutrina, admissível a ação declaratória incidental nos autos de execução, seja pelos fundamentos que a sustentam, seja por dar maior celeridade à solução dos litígios, propiciando, ainda, ao executado o exercício pleno de sua defesa, mormente quando não se trate, como no caso, de desconstituição do título, mas, tão só, de aplicação de benefício ao devedor apreciável pela via incidental”.180 Em sentido oposto, a mesma turma assentou o seguinte posteriormente: “Merece (sic) mantida a decisão da instância ordinária que deu pela carência de ação do devedor que, executado, simplesmente promovera declaratória incidental”.181 E a outra turma da mesma seção do STJ estabeleceu: “Descabe a utilização da ação declaratória incidental em substituição aos embargos do devedor”.182 Na verdade, como não há eficácia de coisa julgada no provimento que põe termo à execução, esta é a única solução aceitável. 297.4. Competência na declaração incidente – O art. 470 do CPC de 1973 exige que, para a declaração incidente, seja o juiz da causa prejudicada competente em razão da matéria. Atendido semelhante requisito, o art. 109 do CPC de 1973 prorroga a competência do juiz da causa prejudicada para julgar a ação declaratória incidental. Ora, não é admissível prorrogação da competência absoluta. Por conseguinte, aplica-se à declaração incidente pleiteada pelo autor o regime geral da cumulação de pedidos – idêntico ao do art. 327, § 1.º, II, do NCPC –, e, à pedida pelo réu, a disciplina da reconvenção.183 O juiz incompetente, ratione materiae, deve rejeitar liminarmente a ação declaratória incidental. Em tal hipótese, a questão prejudicial somente receberá soluçãoincidenter tantum, desprovida da eficácia de coisa julgada.184 Por exemplo, postulando o autor a entrega de determinada coisa móvel, que se encontra na posse da ré em razão da morte do vendedor, não se revelará admissível, ainda que controvertido o domínio pela demanda, a declaração incidente do seu domínio parcial, em decorrência da união estável mantida com o vendedor, não cabe no processo, porque competente é o juiz de família. Essa hipótese é estimada paradigmática da incompetência em razão da matéria.185 Uma das razões pelas quais não recobrirá a coisa julgada a resolução, incidenter tantum, da questão prejudicial, na sistemática do NCPC,
consiste na falta de competência em razão da matéria ou em razão da pessoa (art. 503, § 1.º, III). O exemplo ministrado aplica-se a esse dispositivo. 298. Revelia como pressuposto da declaração incidente O interesse processual à declaração incidente deriva da controvérsia suscitada pelo réu a respeito da existência ou inexistência de relação jurídica (art. 5.º do CPC de 1973). O revel não suscita controvérsia, porque permanece inerte, somente cabendo, na hipótese de intervenção ulterior, suscitar questões acerca de matéria que ao juiz é dado conhecer ex officio. Logo, a revelia do réu torna impossível ao autor e ao réu propor a declaratória incidental e, assim, aumentar a área abrangida pela autoridade da coisa julgada. Não haveria oportunidade para tal, a mais das vezes, porque a revelia abrevia o procedimento, precipitando o julgamento do mérito. E mesmo no caso de não operar o efeito material da revelia, faltaria interesse ao autor, instado a se manifestar sobre a prova, ante a inexistência de controvérsia. Há somente ponto prejudicial (retro, 293), e, não, a indispensável “questão” prejudicial. É a intuitiva diretriz aplicável à generalidade dos casos. Essas razões subsistem na sistemática do NCPC. A aquisição da autoridade de coisa julgada pela resolução incidental da questão prejudicial subordina-se ao prévio debate das partes, exercitando plenamente o contraditório, e, portanto, não cabe “no caso de revelia” (art. 503, § 1.º, II, in fine, do NCPC). O art. 321 do CPC de 1973 provoca alguma perplexidade. Em princípio, leitura açodada induz a nítida impressão de que a regra autoriza o autor a requerer a declaração incidente, sem embargo da revelia do réu, desde que promova nova citação, entendimento esposado em doutrina.186 Na realidade, essa tese, restringindo a referência da regra à ampliação do pedido originário formulado pelo autor,187 acaba por afrontar à lei.188 O art. 321 do CPC de 1973 complementa o sentido das disposições concernentes à estabilidade da demanda. É vedada a alteração dos elementos objetivos após o saneamento do processo, razão pela qual o art. 321 do CPC de 1973 acrescenta que, ocorrendo revelia, admite-se a mudança da causa e do pedido, e, por igual, a postulação da declaratória incidental, promovida nova citação do réu. De resto, o preceito tem plena aplicação nas hipóteses de o curador do revel, citado por edital ou com hora certa, ou o litisconsorte do revel,189 controverterem a existência ou a inexistência da relação jurídica subordinante ao julgamento da lide (art. 5.º do CPC de 1973). Em síntese, “não é a ocorrência da revelia que afasta a possibilidade da ação declaratória incidental, mas, sim, a inexistência de controvérsia sobre a questão prejudicial”.190 299. Casos de inadmissibilidade da declaração incidente O art. 280 do CPC de 1973 retirava das causas subordinadas ao procedimento sumário, seja em razão do valor, seja em razão da matéria, a possibilidade de as partes requererem a declaração incidente. Nada de intrínseco à natureza das demandas justifica a regra. O legislador estimulou e
enalteceu a concentração dos atos e a celeridade desse rito, revelando, indiretamente, o escasso caráter prático, para dizer o mínimo, do instituto da declaração incidente no direito anterior. A finalidade da declaração incidente exclui seu emprego no processo de execução do Livro II. Esta incompatibilidade congênita não decorre, propriamente, da diversidade de procedimentos. A neutralidade procedimental da declaratória incidental permite acomodá-la a quaisquer ritos, nos quais a atividade defensiva do réu provoque o aparecimento de questão prejudicial e, por consequência, a necessidade de o juiz resolvê-la. O motivo é mais profundo e fundamental: o provimento final da execução carece da eficácia de coisa julgada.191 Se o desfecho do processo executivo jamais se tornará indiscutível, em virtude da ausência da eficácia declaratória relevante, representaria flagrante absurdo enxertar no seu objeto a pretensão a declarar, para aumentar o círculo de incidência do que jamais existirá. Pouca dúvida resta que o legislador concebeu e calibrou a declaração incidente para o processo de conhecimento. Entretanto, também há cognição e – a despeito da quase geral rejeição – e coisa julgada na jurisdição de urgência (retro, 176.2).192 Controverte-se, nada obstante, a admissibilidade da declaração incidente no processo com função cautelar.193 É imprópria a declaração incidente, no processo cautelar, porque a cognição sumária desenvolvida pelo juiz jamais descerá ao nível da existência ou da inexistência da relação jurídica porventura litigiosa, permanecendo no patamar da aparência. Logo, a introdução do pedido de declaração incidente ampliaria os limites naturais dessa espécie de processo. Daí não se conclui que todo processo sumário fica imune à declaratória incidental. Nada obsta que, na ação cambial, também sumária em algumas hipóteses, as partes reclamem a declaração da existência ou da inexistência da relação cambiária. O art. 503, § 2.º, pré-exclui a aquisição da autoridade de coisa julgada pela declaração incidente da questão prejudicial na tutela provisória de urgência cautelar do art. 305 do NCPC por esse motivo. Em princípio, a natureza da ação declaratória principal (actio duplex) repele a necessidade de outra declaração, embora incidente. As partes não precisam aumentar o âmbito da coisa julgada. A autoridade do julgado envolverá toda a relação jurídica controvertida. Porém, concebe-se o aparecimento de questão prejudicial na hipótese de o autor pleitear declaração parcial da relação. Neste último caso, eventualmente surgirá interesse de estender a autoridade da coisa julgada a toda relação, abrindo azo à declaração incidente. 300. Controle da admissibilidade da declaração incidente À semelhança de qualquer outra pretensão deduzida incidentalmente, o juiz examinará, de ofício, o cabimento da declaração incidental. O ato que admitir a petição inicial comportava o recurso de agravo – todavia, no NCPC, limitado às hipóteses do art. 1.015, nenhuma das quais versando o caso de uma das partes, malgrado o art. 503, § 1.º, do NCPC, pretender declaração incidente. E o ato que rejeitar a petição inicial, também renderia o mesmo recurso: não há como admitir a tramitação da apelação nos próprios autos, o que acarretaria a suspensão indevida do processo.
A eficácia retardada do regime da declaração incidente, por força do art. 1.054, após a vigência do NCPC, suscita a questão da subsistência, ou não, do recurso de agravo de instrumento para essas hipóteses, à margem da enumeração do art. 1.015 do NCPC. Parece razoável admitir que, mantido transitoriamente o regime dos artigos 5.º, 325 e 470 do CPC de 1973, subsistam todos meios de ataque e de defesa do direito anterior, incluindo as vias de impugnação. § 71.º Reunião de processos 301. Cumulação sucessiva por força da reunião dos processos A pluralidade de objetos litigiosos ocorre em três situações claramente diferentes e discerníveis na prática. Em primeiro lugar, na (a) cumulação originária, autor encarrega-se de multiplicar os elementos objetivos do processo, alegando duas ou mais causas de pedir, ou formulando dois ou mais pedidos, ou demandando duas ou mais pessoas facultativamente. Ademais, verifica-se na (b) cumulação sucessiva, mediante a qual o autor (v.g., deduzindo pretensão a executar após obter sentença de procedência) e o réu (v.g., reconvindo contra o autor) inserem, in simultaneo processu, nova preensão no processo pendente. E, por fim, a pluralidade deriva da (c) reunião de processos, supervenientemente à respectiva formação, ex officio ou a requerimento de uma das partes, a teor do art. 55, § 1.º. Chamada antigamente de acumulación de autos,194 e hoje conhecida como acumulación de procesos (art. 74 da Ley de Enjuiciamiento Civil)195 no direito espanhol, a reunião de processos pressupõe a existência de dois ou mais processos formados separadamente, contendo pretensões processuais que comportariam reunião, in simultaneo processu, porque relacionadas por elemento objetivo comum. Dá-se o nome de conexão a esse vínculo entre os objetos litigiosos. O art. 55,caput, do NCPC repetiu o direito anterior e atreveu-se à seguinte definição: “Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir”. O acerto ou desacerto dessa proposição legislativa, bem como a respectiva suficiência, receberá análise no item subsequente. Vale observar, entrementes, a troca de “objeto” por “pedido”, comparativamente ao direito anterior O propósito da reunião das “ações conexas para decisão conjunta” (art. 55, § 1.º), prevista para os casos de conexão e de continência (art. 57, in fine), afigura-se relativamente nítido. Ao tramitarem separadamente processos assim ligados, surge o ponderável risco de os respectivos juízos emitirem decisões virtual ou praticamente contraditórias,196 risco entrevisto no art. 55, § 3.º. Por essa razão, o art. 54 autoriza a modificação da competência por força de conexão ou de continência – modalidade de conexão – entre os processos, reunindo-os para processamento, julgamento e execução conjunta (art. 55, § 1.º). Essa disposição funda no vínculo entre as pretensões processuais, cuja intensidade exige o tratamento conjunto, a fim de arredar o risco de provimentos contraditórios. O elevado intuito de impedir a prolação de atos decisórios contrastantes não constitui o único fundamento discernível do instituto da conexão, lato sensu, como fator de prorrogação da competência do juízo prevento. Trata-se da razão prevalecente, porque de ordem pública.197 O prestígio da Justiça
Pública ficaria seriamente abalado com a emissão de decisões conflitantes na teoria ou na prática. Mas, em decorrência da reunião dos processos, a par de assegurar coerência aos pronunciamentos judiciais, surge a real possibilidade de economizar atividade processual, praticando atos comuns. O regime da modificação da competência do art. 58, parcialmente rígido – há casos de obrigatoriedade na reunião e, na continência, de extinção da ação contida superveniente (art. 57) – torna a economia processual como simples efeito da junção, e, subsidiariamente, dado a ser ponderado pelo juiz, nos casos de reunião facultativa (ou discricionária).198 O cotejo desses fundamentos, talvez objeto de mútua exclusão em casos concretos, revela que a razão de ordem pública sempre deverá imperar sobre o apreciável produto da economia.199 O fundamento da harmonia dos julgados tem exceções por outras disposições explícitas. É expressivo o regime do nexo de prejudicialidade, caso evidente de conexão: o art. 313, § 4.º, fixa o prazo máximo de um ano para a causa condicionada aguardar o julgamento da causa condicionante, no caso de prejudicial externa, a teor do art. 313, V, a, findo o qual o juízo daquela julgará a questão prejudicial livremente. Diz-se que, nesse caso, o conflito é lógico, e não prático, porque na causa subordinada a resolução sobre a questão prejudicial não adquirirá, de regra, autoridade de coisa julgada (art. 503, § 1.º, III). Nessas condições, o sistema assumiu, conscientemente, o risco de confronto teórico dos pronunciamentos, na esperança de que os litigantes compreendam a situação. Deixa expressa a finalidade da reunião dos processos, evidenciando a preponderância do fundamento, o art. 57, in fine, do NCPC (“… as ações serão necessariamente reunidas”). Formalmente, a regra cuida da continência, e, nesse caso, parece fora de dúvida que o julgamento simultâneo é o único modo de garantir uniformidade; porém, aplica-se a todos os casos de conexão. Por outro lado, a análise dos efeitos da reunião confirma as reflexões até agora realizadas. Determinada a reunião, materialmente há o apensamento dos autos.200Não há, absolutamente, fusão. Logo, o juiz oficiará em ambos os processos, conforme a hipótese – talvez haja incidente específico (v.g., impugnação ao valor da causa) num deles, e realizará atos conjuntos (v.g., coleta da prova), sempre que possível e recomendável. O fato de as relações processuais subsistirem autonomamente realça o objetivo central de impedir julgamentos contraditórios. Por essa relevante razão, corretamente a Súmula do STJ, n.º 235 – “A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado” –, reproduzida no art. 55, § 1.º, do NCPC, releva a reunião quando o julgamento conjunto já não cabe mais. É dado suficiente para demonstrar que a economia de atividades processuais, embora consequência apreciável da reunião, conforme a natureza do vínculo, não passa de produto acidental e contingente dessa junção. Nada obstante, é comum a atitude de localizar outros fundamentos e outras finalidades à reunião dos processos. Assim, (a) também se evocam dois outros possíveis fundamentos: a necessidade de promover a pacificação total das partes, reunindo e resolvendo todos os litígios que lhe trazem insatisfação para julgamento conjunto; e (b) a asseguração da eficácia do provimento, muito sentida nos casos de prejudicialidade.201 São aspectos
secundários, todavia, incapazes de conferir razão autônoma para a prorrogação de competência (art. 58). Fora da enunciação da necessidade de certo vínculo entre os objetos litigiosos, não parece possível agrupar as hipóteses de reunião numa categoria comum, firmando conceito unitário do instituto.202 É o maior problema, de iure conditio, da conexão. A despeito da imprecisão do teor do vínculo, e da variedade dos objetivos, ora relacionado à segurança (receio de contradição e conflito), ora baseado na economia (receio de desperdício de atividade), uma coisa é certa no tratamento do instituto da conexão: feita a reunião no mesmo juízo, configurase espécie de cumulação de pretensões processuais, supervenientemente à formação dos respectivos processos. Cada pretensão tramitará em relação processual autônoma – os processos e os respectivos objetos litigiosos, decididamente, não se fundem num só processo, com pluralidade de objetos –, dado que permite distinguir a reunião de processos da cumulação superveniente in sumultaneo processu. E, por não se fundirem as pretensões processuais, a partir da reunião, num processo único, na prática haverá simples apensamento dos respectivos autos.203 O juiz oficiará num e noutro processo, conforme a hipótese, e realizará atos únicos (v.g., a produção da prova testemunhal) sempre que possível. Em geral, a reunião de processos recebe tratamento legislativo no capítulo da competência. Realmente, a conexão (no mais amplo sentido) constitui causa legal de modificação da competência (infra, 463). Porém, essa maneira de encarar o assunto confunde o efeito (modificação da competência) com a causa (vínculo entre os elementos objetivos). Portanto, não é a melhor posição sistemática do tema. O esclarecimento dessa hipótese de modificação da competência pressupõe a investigação dos elementos da ação (partes, causa e pedido), a teor do art. 337, § 2.º, do NCPC, especificamente dos elos entretidos por tais elementos perante dois ou mais processos. Encarrega-se a própria lei de resolver o problema de competência, às vezes, exigindo a distribuição por dependência (infra, 463) da pretensão subsequente conexa. É o que acontece com os embargos do devedor (art. 914, § 1.º, c/c art. 55, § 2.º, todavia de alcance mais largo, abrangendo as ações preexistentes à execução). Entre a pretensão a executar do credor e a pretensão do devedor de oposição à execução injusta ou ilegal há um patente nexo prejudicial, motivo bastante para a previsão específica. No entanto, há outras hipóteses indeterminadas, porque assentadas em vínculos menos evidentes, e que acabam por produzir a reunião dos processos no juízo prevento. É o que se passa a examinar. 302. Conceito de conexão As ações individualizam-se no direito pátrio através da clássica teoria dos três elementos – as partes, a causa e o pedido –, conforme estabelece o art. 337, § 2.º, do CPC. Tal é o campo de investigação dos vínculos idôneos a promover a reunião de processos autônomos. É um dos temas mais complexos do processo civil.204Esses laços agrupam-se sob o rótulo genérico e algo equívoco de conexão.205 Preocupa há muito a influência dos laços entre
duas ou mais demandas no julgamento de uma sobre as demais,206 convindo reunir os processos para debelar semelhante risco. Os liames tratados sob o título de conexão pressupõem a existência de elementos em comum, entre dois ou mais processos, tanto que comparados os respectivos objetos litigiosos, nada obstante a diversidade de outros tantos elementos. Vínculos que, na atualidade, envolvem autoridades judiciárias e árbitros e autoridades judiciárias de diferentes países.207 A despeito da analogia, os elementos discrepantes repelem a identidade das duas pretensões.208 E, de fato, se todos os elementos das causas são comuns, as demandas revelar-se-iam idênticas – e já não se pode falar de conexão, mas de litispendência; ao invés, se os elementos ostentam-se integralmente diferentes, inexistem vínculos discerníveis e relevantes nas causas – e, simplesmente, inexiste conexão. Em certo sentido, a coincidência total das partes, da causa e do pedido em dois processos separados, ou litispendência (art. 337, § 3.º) – na verdade, um dos efeitos da litispendência: a repetição da ação em curso –, representa a expressão máxima da conexão.209 Em tal conjuntura, o risco de pronunciamentos divergentes imprime efeito mais radical ao fenômeno. A litispendência exige a extinção da segunda demanda, porque inadmissível o convívio de dois processos idênticos e duas sentenças, convergentes ou divergentes, sobre o mesmo objeto litigioso. Portanto, oferece escasso proveito para explicar o liame que autoriza a reunião dos processos. Forçosamente, a conexão é um vínculo menor do que a identidade total de partes, de causas e de pedidos entre duas demandas. Costuma-se analisar o problema da conexão considerando as relações lógicas, seguindo antiga doutrina italiana,210 identificando-se três espécies: (a) identidade; (b) diversidade; e (c) analogia.211 Essa última palavra, “aplicada às causas conexas, pode efetivamente acarretar confusão”, replicou antiga monografia no direito pátrio.212 O art. 55, caput, adiantou definição da conexão – “Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir” – , na qual omitiu qualquer menção às partes. Do eloquente silêncio da regra extrai-se a conclusão que a coincidência de ambas, ou a de apenas só uma das partes, comparando duas causas, nenhum relevo assume na problemática da conexão. A mera identidade das partes, embora total, não se afigura motivo bastante para tornar as demandas conexas.213 Logo, da análise acurada dos elementos objetivos (causa de pedir e pedido) resultarão os liames que geram o fenômeno da conexão. Em seguida, surge a continência no cenário, situação designada de “litispendência parcial”.214 A continência configura-se, segundo o art. 56, existindo identidade de partes e de causa entre as ações, todavia, “o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais”. A separação da continência e da conexão, no estatuto processual brasileiro, seguiu os passos do CPC italiano em vigor, por sua vez baseado no melhor aviso doutrinário. Verificar-se-ia a continência, segundo semelhante concepção, quando uma causa contém, compreende ou envolve a outra, no
todo ou em parte, de modo atual ou virtual, no mesmo sentido ou em sentido oposto, por força das alegações do autor e das alegações do réu.215 Em que pese a diferença, a continência não deixa de ser espécie de conexão, o regime da prorrogação da competência (art. 58), que lhes é parcialmente comum, torna no direito brasileiro imune a maiores investigações, como já se sustentava ao tempo do CPC de 1939.216 Ora, o art. 56 contemplou apenas uma das situações imaginadas para a continência: a relação quantitativa entre os pedidos. Por exemplo, o credor pleiteia o pagamento de todo o valor do mútuo numa ação e, noutra ação, quer a condenação do réu numa das prestações desse mesmo contrato.217 Seja qual for o alcance da figura, a continência insere-se no gênero “conexão” objetiva.218 Essa figura denota identidade total das causas de pedir e parcial dos pedidos, sob a forma de continente e conteúdo. Não exige exame particular, dissolvendo-se no gênero, salvo quanto à diferença dos respectivos efeitos em contraste com um dos efeitos processuais da litispendência, que é a proibição de renovar demanda em curso. Eis o motivo por que o art. 57 determina a extinção da demanda contida superveniente. Pois bem. O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro,219 porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum,220 e feita em sentido oposto à do CPC de 1939,221 em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55,caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior.222 Retira-se, daí, segura conclusão. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”.223 Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.224 Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o
locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.225 Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos.226 O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”.227 Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes”.228 Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes,229 rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido.230 303. Espécies de conexão Embora nexos da natureza há pouco examinada, inclusive a conexão subjetiva na cumulação simples de pedidos, autorizem algumas espécies de processo cumulativo, e, no caso de separação formal dessas pretensões em dois processos, por opção da parte, recomendem a modificação da competência de um deles, o problema não se esgota nesse campo. Existem laços bem mais remotos e frágeis, alheios àqueles elementos, que permitem ou exigem a presença de mais de uma ação, in simultaneo processu, ou a reunião desses processos, uma vez propostos autonomamente. Por esse motivo, pesquisando os laços que abonam a admissibilidade da reconvenção, afirmou-se não empregar o CPC de 1973 “sempre no mesmo sentido a palavra ‘conexão’”.231 Exemplos colhidos em copiosa jurisprudência e a valoração dos interesses em jogo conduziram à ampliação do cabimento da reconvenção. A par da tradicional identidade parcial ou total da causa e do pedido nas ações originária e reconvencional, admite-se a reconvenção, por conexão, nas hipóteses de comunhão ou de
entrelaçamento de questões relevantes, com atividade instrutória comum, à formação do convencimento do juiz, e de “inter-relação lógica entre os julgamentos, com perigo de contradição nesse plano, se decididas separadamente as lides”.232 Invoca-se, neste contexto, uma “conexão instrumental”,233 locução utilizada há muito tempo.234 Explica-se, na linha ampliativa, o emprego da palavra “conexão”, convenientemente acompanhada do adjetivo “imprópria”, ou típica, para situações assaz heterogêneas, distinguindo-a da “conexão própria”, ou atípica, na qual ocorreria “coincidência de duas ou mais lides, porque dos elementos constitutivos do litígio um ou dois são idênticos ou comuns”.235 Essa flexível perspectiva, sem embargo da crítica que se mostraria inútil,236 abrange: (a) conexão recíproca quando, ocupando os elementos comuns posições invertidas, o nexo estabelece-se “através da possibilidade de se modificar ou excluir, com a ação do réu, o pedido do autor” – por exemplo, A pede a condenação de B, em razão de acidente de trânsito, e B, de seu turno, pede a condenação de A, em decorrência do mesmo evento, em processos distintos –, hipótese também verificada na reconvenção; (b) conexão por prejudicialidade, em que uma das causas subordina, logicamente, a outra; (c) conexão por acessoriedade, ou dependência, prevista no art. 61, relacionando, por exemplo, a competência para julgar a pretensão cautelar e a principal, ou os embargos opostos à execução (art. 55, § 2.º, I) ou, ainda, as execuções fundadas no mesmo título executivo (art. 55, § 2.º, II); (d) conexão sucessiva, que previne a competência do mesmo juízo para processar e julgar, no mesmo ou em outro processo, a pretensão subsequente, como no caso do art. 516, II;237 e, por fim, (e) conexão por extensão subjetiva, presente em todas as modalidades de intervenção de terceiros.238 É evidente abster-se o rol de enunciar o traço comum a tais figuras e, “de qualquer modo, fica fora de dúvida de que ele não consiste na coincidência entre um ou dois dos elementos clássicos”.239 À vista da profunda heterogeneidade das hipóteses, estudo dedicado à análise dessa problemática acaba identificando a essência do fenômeno (conexão) com seu efeito, que é a possibilidade da demanda conjunta, considerando-os perfeitamente coincidentes no plano prático.240 Ora, isto nada auxilia a exata compreensão do fenômeno. A simplificação suscita crítica análoga àquela oposta ao critério fundado no perigo de resoluções contraditórias, porquanto a conexão “existe ou não existe, perdura ou não perdura, independentemente da existência ou inexistência desse risco”.241 É preferível, então, partindo da arguta observação que, na conexão, há parentesco entre as causas,242 empregar a noção de questão, utilizada no direito brasileiro em várias oportunidades, a exemplo dos limites objetivos da coisa julgada.243 Questão é o ponto duvidoso, a dúvida acerca das razões alegadas pelas partes.244 Na verdade, as partes não duvidam, mas afirmam suas razões, que se tornam duvidosas no espírito do juiz, o que as transforma em questões.245 A questão não constitui elemento da lide, e, sim, sua causa, fundando-se a conexão na exigência de resolução de questões comuns ou idênticas. Daí por que a conexão pode referir-se a uma ou a todas as questões, à questão principal ou a questões secundárias, de fato ou de direito, gerando liames de variados graus. Quando há simples coincidência de questões, a conexão é imprópria; verificando-se, ao invés, causalidade entre as questões (interdependência), a conexão é própria, ocorrendo em relações
derivadas do mesmo fato (conexão causal) ou visando a idêntico efeito (conexão final).246 E, considerando os elementos da lide, surge a (a) conexão material, por sua vez dividida nas seguintes subespécies: (aa) conexão pessoal, ou subjetiva, quando há identidade de uma das partes; (ab) conexão real, que reside na identidade do bem disputado; e (ac) conexão causal, decorrente da identidade da pretensão deduzida). E, por outro lado, há (b) a conexão instrumental, na qual os mesmos instrumentos servem à composição da lide. Em tal órbita, gravitam as seguintes subespécies: (ba) conexão final, quando utilizado idêntico bem para tal arte, o que ocorreria na expropriação, explicando o fenômeno do concurso especial de credores (art. 908); e (bb) a conexão material, derivada do emprego do mesmo material de direito ou de fato (razões e provas), de seu turno subdividida: (bba) conexão em decorrência do objeto, calcada no fato jurídico; e (bbb) conexão em decorrência do título, fundada nos fundamentos jurídicos alegados.247 Em que pesem as críticas, essa sistematização exibe o inegável mérito de justificar, arredado o biombo que dissimularia a realidade multiforme da conexão,248 a integralidade do tormentoso fenômeno da conexão. No âmbito do processo, a conexão exprime imperiosa relação entre ações distintas, que pode ser concebida de duas formas: (a) genética, atrelando-se àqueles três elementos que as identificam em juízo; ou (b) finalística, atendendo a nexos ainda mais remotos e a finalidades equivalentes.249 É verdade que os tipos de relação se mostram heterogêneos. Assim, se a resolução de alguma questão, vertida em processo independente, condiciona o teor de questão diversa e objeto de outro processo, há conexão,250 cujo efeito é a suspensão da causa prejudicada.251 E há acessoriedade, que é forma especial de conexão pela causa,252 quando uma ação se acha, relativamente a outra, numa posição secundária; por exemplo, as ações de cobrança do principal e dos juros.253 Em síntese, os artigos 55, caput, e 57, não esgotam, absolutamente, a problemática da conexão. A reunião dos processos se impõe em todos os casos em que haja um liame relevante entre as causas e o risco antevisto no art. 55, § 3.º. 304. Obrigatoriedade da reunião dos processos É digno de registro que as fórmulas verbais empregadas no art. 102 do CPC de 1973 (“… poderá modificar-se…”) e no art. 105 do CPC de 1973 (“… pode ordenar…”) indicam a facultatividade da reunião dos processos. O art. 148 do CPC de 1939, ao invés, utilizava forma verbal imperativa. Retornou à imperatividade o art. 55, § 1.º (“… serão reunidos…”), o art. 55, § 3.º (“Serão reunidos….”), e, com maior ênfase, o art. 57, in fine (“… as ações serão necessariamente reunidas”) do NCPC. Essa sutil diferença suscita o problema de entender a reunião dos processos conexos como simples faculdade, a critério do juiz, ou obrigatória. A esse respeito, dividiam-se as opiniões no direito anterior. A interpretação gramatical dos artigos 102 e 105 do CPC de 1973, e a noção ampla de conexão, há pouco adotada, abrangendo laços tênues entre as demandas,
recomendam certa liberdade para o juiz, à luz do caso concreto, reunir ou não os processos.254 O sistema processual convive e tolera, em alguma medida, o risco de pronunciamentos contraditórios em causas conexas (v.g., o julgamento da causa subordinada, após o vencimento do prazo máximo de suspensão previsto no art. 313, § 4.º, sem o julgamento da causa subordinante), o desperdício da atividade processual ou qualquer outro dado que se situe à base da prorrogação da competência. Implicitamente, a orientação encampada pela Súmula do STJ, n.º 235 – “A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado” –, reproduzida no art. 55, § 1.º, in fine, revela que, impossibilitado o fim primordial da reunião (julgamento conjunto), o risco de contradição é assumido. Nada assegura o órgão judiciário, no segundo processo, adotar o entendimento já esposado no processo precedentemente decidido. Por outro lado, a obrigatoriedade da reunião ensejaria, em algumas situações, real impedimento à marcha normal de um dos processos. Por exemplo, tramitando em juízos diferentes, por força do domicílio do autor, várias ações de reparação de dano, decorrentes do mesmo acidente de trânsito, naturalmente conexas, a reunião mais tumultuaria do que auxiliaria a emissão de pronunciamento de sentido convergente.255 E, ademais, remeteria alguns litigantes a litigar fora do seu domicílio, dificultando o acesso à Justiça.256 Um dos casos em que não se admite a reunião dos processos, porque produziria resultados indesejáveis, avulta no chamamento em garantia. Segundo a opinião prevalecente, a denunciação introduz pretensão regressiva, in simultaneo processu, mas tal inserção mostrar-se-á inadmissível na hipótese de introduzir “fundamento jurídico novo”, como sucede no caso da garantia imprópria. É completamente diferente o regime da denunciação no entendimento minoritário esposa no direito anterior. Feita a denunciação, o denunciado pode tomar três atitudes: (a) admitir a responsabilidade, aderindo como litisconsorte ao denunciante contra o adversário comum; (b) recusar a responsabilidade que o denunciante lhe atribuiu; e (c) permanecer inerte. O incidente da denunciação esgotar-se-ia na ciência que é feita ao denunciado, preservando a pretensão regressiva, nas duas últimas hipóteses (recusa e inércia). O denunciante prosseguiria na defesa da causa até o final, hipótese em que, restando vencido, exerceria a pretensão regressiva, assegurada pela notícia da lide. Assim, a controvérsia paralela entre denunciante e denunciado permaneceria estranha ao processo pendente. Entretanto, nada impede que o denunciante promova, desde logo, mas autonomamente, a conexa pretensão regressivain eventum (infra, 873.2). Então, surgiria outra razão bastante para justificar a recusa do juiz em reunir os processos: evitar que a instrução da demanda conexa trave, obliquamente, o desenvolvimento da demanda principal, prejudicando o adversário do denunciante. Essas considerações recomendam o caráter facultativo da prorrogação da competência. Em sentido contrário, é preciso considerar a conexão, e, a fortiori, a continência, que é uma das modalidades mais intensas, uma questão
preliminar (art. 337, VIII), de ordinário arguida na contestação do réu, e matéria de ordem pública, podendo dela o órgão judiciário conhecer, ex officio, a qualquer tempo, a teor do art. 337, § 5.º.257 Parece incongruente outorgar liberdade para o juiz, nada obstante apurados os pressupostos da conexão na espécie, reunir ou não os processos, consoante fatores indefinidos e o seu volúvel convencimento. Em situações idênticas, o juízo X reuniria os processos, mas o juiz Y, bem ao contrário, deixaria de fazêlo. A jurisprudência do STJ inclinava-se no sentido do caráter facultativo da reunião. O juiz avaliará a conveniência do ato.258 Ao invés, o caráter imperativo do art. 55, §§ 1.º e 3.º, bem como o do art. 57, denotado pelo emprego do advérbio “necessariamente”, demonstram a opção legislativa pela obrigatoriedade. Em tal assunto, porém, divisa-se a necessidade de um meio termo. A conexão própria – identidade de causa ou identidade de pedido – torna obrigatória a junção dos processos.259 Nesses casos, a intensidade do vínculo torna a possibilidade de decisões conflitantes irremediável,260 não só no plano lógico, caso em que a convivência se mostraria concebível, conquanto incômoda, mas fundamentalmente no plano prático. Era o entendimento da doutrina italiana anterior ao vigente CPC peninsular.261 Um exemplo ilustra bem o caso. O sócio A pleiteia a invalidação da decisão da assembleia geral da companhia B, com fundamento na causa de pedir x, enquanto o sócio C pleiteia a invalidação com base na causa de pedir y. Deduzidas essas pretensões, in simultaneo processu, o litisconsórcio entre A e C submete-se ao regime especial: o juiz não pode deixar de acolher ou de rejeitar o pedido senão uniformemente para os litisconsortes. À base do regime especial, ou do litisconsórcio unitário (infra, 580.3), situa-se relação jurídica substancial em que duas ou mais pessoas ocupam posições jurídicas individuais de tal sorte que, litigando-se em juízo, “o resultado a que se visa no feito não pode às vezes deixar de produzir-se a um só tempo e de modo igual para todos os titulares situados no mesmo lado”.262 É o caso típico de A e de C, que almejam, por motivos distintos, desfazer a decisão da assembleia geral da companhia B. Eles se encontram vinculados, conjuntamente, à decisão da mesma assembleia e objetivam o mesmo bem da vida, ou seja, a dissolução do ato. Reunidas as pretensões de A e C no mesmo processo, tem-se cumulação causal – A invoca a causa petendi x, C a causa y – e identidade de pedidos – os litisconsortes pretendem idêntico efeito jurídico perante o réu B. Poder-seia supor que, à vista da diversidade das causas de pedir, ao juiz se mostraria lícito acolher a pretensão de A e rejeitar a pretensão de C, e vice-versa, subtraindo o litisconsórcio ativo do regime especial. Essa cogitação, todavia, não retrata realidade. Ao acolher o pedido de anulação, seja qual for a causa petendi que subsidiará esse desfecho (x ou y), o juiz necessariamente dissolverá a resolução da assembleia geral para A e C. Não lhe é dado, porque só A alegou a causa petendi x, e unicamente nela se baseou o juízo de procedência, desfazer a decisão para A e negar o desfazimento para C. Do mesmo modo, rejeitando o pedido, porque nenhuma das causas de pedir
ensejaria a pretendida invalidação, o juiz declara a subsistência da decisão da assembleia tanto para A, quanto para C. Em virtude da circunstância de a pretensão de A à invalidação da decisão da assembleia geral da companhia B, fundada na causa de pedir x, necessariamente atingir C, haja ele intentado, ou não, ação autônoma para o mesmo fim, é que, deduzindo C pretensão à invalidação, com a mesma ou com diversa causa de pedir, a conexão decorrente da identidade do pedido exige a reunião dos processos no mesmo juízo. É caso de reunião obrigatória, porque inexorável a repercussão recíproca das pretensões de A e C. Convém recordar a facultatividade do litisconsórcio ativo em casos tais, apesar do regime unitário, caso haja demanda conjunta (art. 116). Dir-se-á que, deduzida autonomamente a pretensão de A à invalidação da decisão da assembleia geral da companhia B, mas julgada improcedente, semelhante desfecho não vincula C, que permaneceu alheio ao processo entre A e B, conforme dispõe o art. 508 do NCPC. A construção dos limites subjetivos da coisa julgada assenta em alvitre doutrinário muito acatado.263 Encanta pelo maior dos atributos da ciência: simplicidade. Parte da ideia que os efeitos naturais (ou próprios) do provimento judicial operam erga omnes, porque manifestação da autoridade estatal perante todos. Assim, os titulares de relação jurídica incompatível com a decisão necessitam ingressar em juízo para subtraírem-se ao comando sentencial (infra, 760). O vínculo em que se traduz a auctoritas rei iudicate, proibindo o julgamento sobre a mesma res deducta (função negativa) ou a emissão de provimento que contrarie o anterior (função positiva), todavia, atingirá somente as partes. Elas é que ficam vinculadas pelo trânsito em julgado e, caso queiram desvincular-se, mister lançar mão da rescisória (art. 966). Volvendo à hipótese de trabalho, transitada em julgado a sentença de improcedência no litígio entre A e B, o resultado não vincula C, que pode ingressar em juízo, outra vez, alegando a mesma causa de pedir de A (x) ou outra distinta (y). Claro está que o problema se torna mais agudo no caso de C invocar a mesma causa de pedir (x). Ao invés, transitado em julgado a sentença de procedência no litígio entre A e B, C é atingido pelo efeito constitutivo do provimento, que anulou a decisão da assembleia geral. Faltarlhe-á, por conseguinte, interesse processual na obtenção de provimento do mesmo alcance.264 O bem da vida já lhe foi alcançado pelos esforços de A. Não é a auctoritas rei iudicate que lhe impede de pleitear a reapreciação da questão decidida, mas a inutilidade de trilhar caminho já percorrido vitoriosamente. Essa engenhosa explicação revela-se insuficiente, porque parcial. Comporta falsificação, e, destarte, não resolve satisfatoriamente o problema. Ela somente explica a posição de C no caso deste pleitear o mesmo resultado almejado por A, ou seja, a invalidação da decisão da assembleia geral da companhia B. Pode acontecer de interessar a C o contrário: a declaração da validade da decisão, contestando a sentença de procedência emitida a favor de A.
Então, o quadro se modifica radicalmente. O óbvio impedimento para o juiz reexaminar a questão da invalidade e emitir sentença favorável à C somente pode resultar do vínculo da coisa julgada. Admitindo-se que a pretensão de C seja admissível, o juiz a acolha, declarando válido o ato jurídico, surgiria situação paradoxal: a mesma decisão da assembleia seria inválida para A e válida para C. Desse modo, consagrar-se-ia mais que conflito entre coisas julgadas, solução inconcebível e impraticável, considerando a natureza da relação jurídica entretida por A, B e C. Tal resultado se reproduziria, igualmente, no caso de rejeição da pretensão de A. A toda evidência, ao menos perante A e B ficará indiscutível que a decisão da assembleia geral revela-se válida, restando imune a posteriores ataques de A pelo mesmo motivo inicialmente alegado. Deduzida idêntica pretensão por C, e admitindo-se que não se encontre vinculado à resolução anterior emitida entre A e B, concebe-se que o juiz acolha o pedido, invalidando a decisão da assembleia. Ocorreria, então, fatal conflito prático entre coisas julgadas: o que é válido para A seria inválido para B.265 A extensão da eficácia da coisa julgada para além das partes, contrariando o art. 508, tem expressiva manifestação no art. 18 da Lei 4.717/1965, segundo o qual a coisa julgada “terá eficácia (…) erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. Rejeitado o pedido, porque inexistente o suposto vício do ato ou do negócio jurídico impugnado, poupa-se o réu de novos ataques pela reiteração do mesmo pedido por outras pessoas. É o regime que, na falta de norma particular para outras situações, há de ser aplicado à auctoritas rei iudicate para evitar a heterogeneidade de soluções para titulares da mesma relação jurídica que se inserem de forma uniforme na situação global. Os instigantes problemas que o litisconsórcio unitário provoca no terreno entram aqui a título de esclarecimento. Não é imprescindível lançar a barra tão longe para justificar a conclusão no tema agora examinado É obrigatória a reunião dos processos, em decorrência da identidade dos pedidos das ações propostas separadamente, porque a sentença proferida no litígio entre A e B repercutirá na esfera jurídica de C, titular da mesma posição jurídica de A. Assim, necessidade de julgamento conjunto, garantindo uniformidade de tratamento à relação jurídica entre A, B e C, constitui medida imperiosa. Logo, a reunião dos processos, por força da conexão própria (art. 55, § 1.º) é obrigatória. A jurisprudência do STJ já estimou que é obrigatória a reunião no caso de identidade de causas.266 Por igual, entende obrigatória a reunião da execução com eventual ação anulatória tendo por objeto o título executivo.267 Facultativa que seja a reunião dos processos nos casos de conexão instrumental, nos quais a contradição dos pronunciamentos ou é lógica ou inexistente, apesar da dicção imperativa do art. 55, § 3.º, surgem importantes consequências. Em que pese configurar-se conexão, a falta de julgamento conjunto das pretensões não importa nulidade nos atos decisórios, e, portanto, inviável rescindir o julgado por esse fundamento. Ademais, caberá
ao juiz sopesar a conveniência da reunião. Assim, correndo uma das ações conexas em foro especial, a exemplo do foro alimentando, em princípio inadmissível a reunião em outro foro, porque prejudicaria a parte beneficiada com a prerrogativa de demandar no foro do seu domicílio. E, finalmente, a reunião dos processos não pode comprometer a rápida solução de um dos litígios, como fatalmente ocorreria na concentração, no mesmo juízo, de várias ações conexas, porque baseadas no mesmo acidente de trânsito. 305. Oportunidade da reunião dos processos É ônus do réu a alegação da conexão, provocando a modificação da competência, na contestação (art. 337, VIII), em virtude do princípio da eventualidade (art. 336). Não há, porém, preclusão.268 Feita a alegação posteriormente, o réu responderá pelo ato protelatório 269 praticado, reconhecida a hipótese de o órgão judiciário conhecer da questão, ex officio, a qualquer tempo (art. 337, § 5.º). Às vezes, mostrar-se-á inoportuna a reunião dos processos, apesar de alegada no momento propício. Em primeiro lugar, julgado um dos processos, no primeiro grau, desaparece a finalidade da regra, porque inevitável, haja vista a independência jurídica do órgão judiciário, o eventual e indesejado efeito da prolação de provimentos contraditórios. Neste sentido firmou-se a jurisprudência do STJ, expressa na Súmula n.º 235, reproduzindo a diretriz o art. 55, § 1.º, in fine. Ademais, o estágio adiantado de um dos processos, concluso para sentença, torna pouco recomendável reuni-los: em lugar da abreviação da atividade processual, resultante da economia do processamento conjunto, impor-se-ia elastério odioso às partes, na véspera do julgamento.270 É bem de ver, nesse último caso, que a finalidade preponderante do instituto consiste no julgamento conjunto das causas conexas. É o que revela a cláusula final do art. 57, in fine, que não se cinge à continência. Assim, sempre que não houver perda excessiva de tempo, a reunião se impõe como medida obrigatória. Em síntese, a fase processual dos processos conexos predetermina a possibilidade da reunião. 306. Casos de reunião dos processos Além dos artigos 55 e 57, relativos à conexão e à continência, respectivamente, e cujo valor é relativo – a continência é uma das hipóteses de conexão, e esta, por sua vez, abrange situações diversas das definidas no primeiro dispositivo –, os artigos 55, § 2.º, e 61 ocupam-se de outras modalidades de conexão. O juízo da causa principal atrai as demandas acessórias. É o nexo que se estabelece ente a pretensão à segurança antecedente e a futura ação principal, resolvido pelo cúmulo in simultaneo processu. O juízo da execução, por igual, atrai a oposição do executado (art. 917, § 1.º) e a oposição do terceiro (art. 676, caput), e, de modo mais geral, quaisquer ações relativas ao título extrajudicial, a teor do art. 55, § 2.º, I. Assinale-se a impropriedade gritante dessa regra no atinente à expressão “ação de conhecimento”. Em geral, autos próprios formam-se para as ações acessórias supervenientes, distribuídas por dependência. Execuções fundadas no mesmo título, mas
propostas separadamente (v.g., o exequente A demanda o devedor B e o avalista C em processos autônomos), reúnem no juízo prevento (art. 55, § 2.º, II, c/c 58). Prevento é o juízo que registrou a primeira causa ou, havendo dois ou mais juízos competentes, ocorreu a primeira distribuição (art. 59). Consideram-se acessórias, para os efeitos do artigo 61, a declaração incidente de falsidade de documento (art. 430, parágrafo único, c/c art. 19, II), as ações de garantia superveniente (v.g., na hipótese do art. 125, § 1.º, do NCPC c/c art. 88 da Lei 8.078/1990) e as que respeitam à intervenção de terceiros. Nesta última hipótese, engloba-se a denunciação da lide, o chamamento ao processo e a oposição (art. 683, parágrafo único). O vínculo entre a causa principal e tais pretensões é variado.271 Na intervenção principal, ou oposição, há identidade do pedido mediato (o bem da vida), a par do caráter prejudicial que o provimento exarado nesta demanda provocará na resolução da causa principal. No que tange à declaração incidente, o art. 470 do CPC de 1973 é expresso ao exigir que o juiz seja competente, em razão da matéria, para declarar a existência da questão prejudicial. A regra é aplicável aos processos formados anteriormente à vigência do NCPC (art. 1.054) É inadmissível, por exemplo, o autor pretender a declaração de existência de união estável na demanda em que, reivindicando o domínio de bem móvel, o réu imputa o domínio à companheira, existindo vara privativa dos feitos de família. Esse mesmo impedimento decorre do art. 503, § 1.º, III, do NCPC, acrescentando a competência em razão da pessoa, mirando o art. 109, I, da CF/1988. É peculiar o caso da denunciação da lide. Consoante o elastério maior ou menor outorgado ao art. 125, II, o liame é tênue, e, em casos tais, há conexão atípica ou imprópria. Segundo o entendimento minoritário, não admitindo a inserção, in simultaneo processu, da pretensão regressiva pelo denunciante, a este se facultaria o ajuizamento da ação in eventum de forma autônoma,272 reunindo-se os processos conexos, conforme a oportunidade e o estágio do processo principal. 307. Efeitos da reunião de processos A modificação da competência, em decorrência do reconhecimento da conexão lato sensu pelo órgão judiciário, ex officio ou a requerimento da parte, importa o deslocamento da atribuição de processar e julgar certa causa de um juízo para outro, por vezes de uma para outra comarca.273 Por óbvio, não é caso de extinção do processo em virtude de conexão própria ou imprópria.274 A remessa dos autos em si é ato material, mas o ofício da distribuição realizará as anotações devidas nos registros. Porém, o art. 57 inovou, relativamente à continência. Sobrevindo a ação contida (v.g., a declaração da inexistência da dívida) à ação continente (v.g., a pretensão à cobrança da dívida), a ação contida será extinta sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, X. Ao invés, sobrevindo a ação continente, os processos serão necessariamente reunidos. É caso, portanto, de reunião obrigatória. As ações conexas propostas em separado reunir-se-ão no juízo prevento (infra, 463). Segundo explicita a Súmula do STJ, n.º 489, tramitando ações
civis públicas na Justiça Comum e na Justiça Federal, o reconhecimento da continência importará processamento conjunto nesta última. O ato decisório que ordena a reunião, ou rejeita a existência de conexão, constitui decisão interlocutória (art. 203, § 2.º), mas não é passível de recurso autônomo, em virtude da exemplificação do art. 1.015 do CPC. É nula a sentença proferida num dos processos sem o exame da arguição da parte, requerendo, oportuna e fundamentadamente, o julgamento conjunto.275 Ocorrendo a reunião, materialmente há o apensamento dos autos.276 O juiz oficiará em ambos os processos, conforme a hipótese – talvez haja incidente específico (v.g., impugnação ao valor da causa) num deles, e realizará atos conjuntos (v.g., coleta da prova), sempre que possível e recomendável. Fusão dos objetos litigiosos, correndo doravante as demandas distintas em simultaneo processu, como reflexo da flexibilização procedimental – tese que infringe os direitos fundamentais processuais, e, ademais, deposita confiança excessiva no tirocínio do órgão judiciário assoberbado com milhares de processos –, não se revela aceitável e possível.277 É verdade que, de toda sorte, respeitar-se-á a atividade instrutória já desenvolvida. Porém, ao juiz brasileiro não é dado o poder de modificar, ex officio, o objeto litigioso, cuja configuração integra o domínio das partes, como corolário da autonomia privada. Do contrário, o processo civil ultrapassaria os limites do modelo autoritário (retro, 80) e ingressaria no perigoso terreno do modelo totalitário (retro, 79). Esta feição insinuante mostra-se incompatível com o Estado Constitucional Democrático. Ninguém adere expressamente, mas o modelo tem suas atrações ocultas para alguns espíritos. O art. 55, § 3.º estabelece a finalidade precípua da modificação da competência: o julgamento conjunto dos processos conexos para evitar decisões contraditórias ou conflitantes. As demais atividades processuais serão conjuntas na medida do possível, mas não constitui o objetivo fundamental. Por essa curial razão, corretamente a do STJ, n.º 235 – “A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado” – releva a reunião quando o julgamento conjunto já não exibe utilidade para arredar o risco combatido, regra adotada no art. 55, § 1.º, in fine. Não é indispensável, por óbvio, sentença única do ponto de vista formal. Às vezes, os sistemas de informática, baseados no número de cada processo, até impedem a elaboração da sentença numa peça única. O que mais importa é o julgamento, ao mesmo tempo, das causas. E, de resto, nem sempre há necessidade de julgamento conjunto, como sucederá no caso de conexão da ação anulatória e da execução (art. 55, § 2.º, I), porque nesta inexiste julgamento em sentido próprio do termo.278 Se o órgão judiciário, ao fim e ao cabo, julga uma das causas, preterindo a(s) outra(s), e, assim, obstando os fins colimados na prorrogação da competência, interessa definir a validade desse ato decisório. A possibilidade de o órgão judiciário decidir a respeito da necessidade e da conveniência de reunir os processos implica, por inferência, a de julgar separadamente os processos efetivamente reunidos, por identidade de motivos, sem que se cogite de nulidade do ato.279 É necessariamente diferente o caso da continência do art. 57, porque, aí, a reunião afigura-se peremptória.
Seção IV - Do poder de reação do réu
Capítulo 18. DA DEFESA SUMÁRIO: § 72.º Do direito de defesa no processo civil – 308. Fundamento constitucional da defesa – 309. Características da defesa no processo civil – 310. Natureza da defesa – 311. Princípios da defesa no processo civil – 311.1. Princípio da concentração da defesa – 311.2. Princípio da eventualidade na defesa – 311.3. Princípio da amplitude da defesa – § 73.º Espécies da defesa no processo – 312. Classificação dos fatos jurídicos na lei processual – 312.1. Fatos constitutivos – 312.2. Fatos extintivos – 312.3. Fatos modificativos – 312.4. Fatos impeditivos – 313. Categorias de defesa no processo civil – 313.1. Defesa processual – 313.1.1. Defesa processual peremptória – 313.1.2. Defesa processual dilatória – 313.1.3. Exceções processuais e objeções processuais – 313.2. Defesa de mérito – 313.2.1. Defesa de mérito direta – 313.2.2. Defesa de mérito indireta – 313.2.3. Exceções substanciais e objeções substanciais – 313.3. Defesa ativa: reconvenção – 314. Estrutura da defesa do réu no processo civil. § 72.º Do direito de defesa no processo civil 308. Fundamento constitucional do direito de defesa Formada a relação processual entre o autor e o Estado, através do protocolo da petição inicial, ocorrendo distribuição onde houver dois ou mais órgãos judiciários, o vínculo completar-se-á com a citação do réu. O processo nem sempre chega a esse estágio inicial, em ângulo, vinculando, num dos lados, o autor ao Estado, e, no outro lado, o Estado ao réu. A demanda do autor às vezes esbarra no juízo preliminar negativo de admissibilidade, colhendo indeferimento liminar (art. 330). Só a posterior interposição de apelação pelo autor, mantido ou não o provimento, constrangerá o juiz a chamar o réu, no mínimo para responder ao apelo (art. 331, § 1.º). Nada obstante, no interregno constitui-se a relação processual, embora sem a participação do réu. Também se concebe o julgamento prévio do mérito (art. 332) com regime análogo. Não se verificando as situações precedentes (art. 239, caput: “… ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido”), o juiz admitirá a inicial, em termos, e ordenará a citação do réu, designando a audiência de conciliação e de mediação (art. 334, caput). A citação subsequente ao juízo provisório acerca da admissibilidade da demanda tem por função chamar o réu a juízo (ius vocatio), inteirando-lhe do conteúdo da pretensão do autor (editio actionis) e ensejando a oportunidade reagir à pretensão. O réu assume tal posição no processo compulsoriamente, independentemente do seu consentimento. A condição de réu decorre da indicação do autor na petição inicial. À diferença de outros sistemas processuais, inexiste a necessidade de mútuo comparecimento em juízo: a demanda do autor já traduz comparecimento perante a autoridade judiciária, e o réu assume tal qualidade porque a demanda lhe é endereçada. Entretanto, o efetivo ingresso do réu na relação processual pendente – e a possibilidade de desenvolver a atividade
processual em proveito próprio – defluirá da citação (art. 238) ou, atento à previsível iniciativa do autor, de eventual comparecimento espontâneo (art. 239, § 1.º). A desnecessidade de as partes comparecerem em juízo, em solenidade especial e para essa finalidade destinada, formalmente constituindo-se partes do processo, tem enorme relevância teórica, pois inspira determinadas construções no sentido de que o processo se forma com o chamamento do réu. Nada mais falso. O processo forma-se, embora com lado único, tão só com a entrega da petição inicial no ofício judicial competente (art. 312). A defesa corresponde, tanto que chamado o réu a juízo, a um imperativo da pessoa humana. O instinto leva toda pessoa a reagir, protegendo a própria sobrevivência. Do ponto de vista jurídico, e no processo civil, a defesa retrata a legítima reação do demandado à pretensão do autor.1 O réu submete-se aos efeitos do processo compulsoriamente, mas reage pela defesa, imprimindo ao procedimento caráter contraditório (audiatur et altera parte). É inegável o paralelo entre ação e defesa. Ao ataque do autor, decorrente da demanda, contrapõe-se o direito de o réu se defender.2 A apresentação de defesa significa que o réu, em vez de quedar inerte ou de reconhecer a pretensão do autor, expressa ou tacitamente, contradiz e objeta. A defesa é a declaração de vontade do réu de se opor à pretensão do autor.3 E vai além, pois integra a organização dos atos seriais do procedimento, como relação obrigatória entre cada uma das partes, de um lado, e o órgão judiciário, de outro.4 O réu tem o ônus, e, não, o dever de contradizer a pretensão do autor no processo civil.5 O normal é que se defenda.6 No interregno aberto para defesa, porém, concebem-se outras atitudes do réu,7 cujas consequências variarão conforme a hipótese: (a) permanecer inerte, o que o torna revel (infra, 1.759); (b) reconhecer o pedido formulado (infra, 1.762); (c) deduzir, de seu turno, a sua própria pretensão perante o autor, reconvindo (infra, 1.742). A reconvenção constitui modalidade de reação altamente qualificada do réu. O réu não reage, mas também age contra o autor, tornando complexo o objeto litigioso, porque o amplia: haverá duas pretensões sob o julgamento do juiz, a do autor e a do réu. E, no que interessa à questão em exame, o teor da virtual contraposição dessa iniciativa do réu e a pretensão do autor transforma a reconvenção em meio de defesa, no sentido elástico, conquanto de forma indireta: o contra-ataque pode eliminar o movimento inicial do autor. É a chamada defesa ativa, baseada no princípio de que o ataque veicular a melhor defesa imaginável. Formalmente, o autor demanda na petição inicial. Essa peça contém a exposição da causa e do pedido e através dela o autor declara vontade, motivadamente, reclamando a entrega de determinada prestação jurisdicional.8 Em contrapartida, o réu defender-se-á através da contestação. A contestação representa, no NCPC, o veículo natural da defesa do réu. Esse meio engloba na mesma peça: (a) a reconvenção (defesa ativa), que funciona como defesa indireta, à medida que a pretensão assim deduzida pelo réu, in simultaneo processu, contrapõe-se à pretensão do autor; e (b) a
defesa passiva processual e de mérito, direta e indireta, exceção feita à exceção de impedimento ou de suspeição, objeto de incidente específico (art. 145, caput). Os meios de defesa típicos (há outras vias concorrentes) compreendem, portanto, a contestação e a reconvenção. A contestação é a via principal da resposta do réu à demanda, em virtude de seus efeitos e flexibilidade para abrigar variados meios de defesa, representando, em consequência, o mecanismo mais afinado com o direito de defesa. Não há, todavia, noção muito clara do que se entende por contestação. É o veículo de meios de defesa heterogêneos, mas não se confunde com qualquer intervenção defensiva, nem com o meio adequado para repelir a pretensão do autor, porque infundada.9Resgatando o sentido que o processo da extraordinaria cognitio outorgava à expressão contradictio adjecta,10 na verdade a contestação é a contrariedade do réu à pretensão do autor. A defesa constitui direito fundamental previsto na CF/1988. É também um direito que o Brasil se obrigou a respeitar, no plano internacional, em razão de tratados introduzidos na ordem interna. Por exemplo, a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), ou Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, no seu art. 8.º, primeira alínea, prescreve o seguinte: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. O fundamento do direito de defesa relaciona-se com os fins do processo. O processo civil tem função instrumental, destinando-se a realizar o direito objetivo, compondo a lide, e essa finalidade pública exige que sejam obedecidas algumas condições substanciais. Empregam-se designações variadas para o conjunto dessas condições, convoladas em garantias processuais, e não é incomum localizar referências a giusto processo, faires Verfahren ou due process of law. O acesso à Justiça Pública, assegurado no art. 5.º, XXXV, da CF/1988, também beneficia o réu. É destinatário dessas garantias, integrada na fórmula do due process of law, explicitamente formulada no art. 5.º, LIV, da CF/1988. O due process of law originou-se da Magna Charta (1215), cujo Capítulo 39 aludia, contudo, à lei da terra (legem terrae); na verdade o Statute of Westminster of the Liberties of London (1354) utilizou a expressão pela vez primeira.11 A evolução posterior, já no direito norte-americano, seguiu dois rumos paralelos, de um lado limitando o legislador, e, de outro, impondo garantias mínimas ao julgamento justo (fair trail), dentre os quais o direito à citação adequada, a oportunidade de defender-se e a submissão das provas ao contraditório.12 É simples emanação dessa cláusula a asseguração aos litigantes, em especial o réu, do contraditório e da ampla defesa, “com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5.º, LV, da CF/1988). São as bases constitucionais do direito de defesa. Não se revela isenta de dificuldades concretas a garantia constitucional da defesa. Há um desequilíbrio básico entre autor que age e réu que reage. E a técnica do processo mostra-se incapaz de solucioná-lo satisfatoriamente.
O agudo problema enfrentado pelo réu consiste no fato de a lei conformar o tempo da atividade processual à razoabilidade da respectiva duração, visualizando o conjunto após a formação do processo. Para esse fim, a lei processual estabelece prazo para a defesa e utiliza o expediente da preclusão, estipulando rigorosos efeitos à sua inobservância pelo réu. E, realmente, o processo não poderia aguardar, indefinidamente, a articulação dos meios de defesa pelo réu, a ponderação meticulosa dos fatos, a elaboração da melhor tática defensiva. Em contrapartida, o autor dispõe de duas vantagens inestimáveis: um tempo mais largo e flexível para a preparação da demanda, cujo termo final localiza-se nos prazos de prescrição e de decadência previstos na lei material, os quais nem sequer existem em alguns casos. O interregno repercute na possibilidade de reunir material de fato, pesquisar o direito nacional e estrangeiro, colecionando precedentes favoráveis, e localizar os meios técnicos necessários à prova dos fatos (v.g., identificar, no universo de especialistas, o que se dispõe a emitir parecer favorável ao fato cujo conhecimento dependa da ciência ou da técnica), tudo com calma e atenção. Além disso, respeitados os interstícios da lei material, o autor escolhe a melhor oportunidade para ingressar em juízo, talvez a mais inoportuna para o réu, considerando o cenário econômico, social e até jurídico – por exemplo, o autor aguarda que a jurisprudência se firme e a tese jurídica que lhe favoreça receba o beneplácito dos tribunais superiores. É preciso ter em mente, nesta matéria, as imperfeições humanas do direito e do processo, tão naturais, quanto insupríveis na prática. O máximo a que se pode chegar consiste em não permitir restrições excessivas à defesa. A CF/1988 quer “ampla” a defesa; portanto, só admite e tolera limitações intrínsecas à posição de réu. 309. Características da defesa no processo civil É indispensável ao processo constitucionalmente justo e equilibrado assegurar a defesa do réu. Cuida-se de direito fundamental processual. Faltando habilitação técnica ao réu, não lhe cabe apresentar a defesa pessoalmente. É preciso constituir procurador para produzi-la em termos juridicamente eficazes (infra, 1.016). Os imperativos constitucionais indicaram ao legislador, em algumas situações, a necessidade de outorgar defesa técnica ao réu inerte, integrando a capacidade processual, ou de suprir as deficiências da defesa imperfeita e insuficiente. São exceções em reforço à diretriz principal, baseada na autonomia privada: o réu delibera, livremente, se quer ou não se defender no processo civil. A defesa é um ônus para o réu,13 jamais um dever. É lícito permanecer inerte ou não constituir procurador para oferecer defesa no prazo hábil. Deixando de se defender, o réu tornar-se-á revel; deixando de se defender eficientemente (v.g., a contestação se ressente do seu conteúdo mínimo; infra, 330.1),14 na prática a sua posição equivale à do revel. E, nessas situações incômodas, correrá o risco de o juiz emitir sentença a ele desfavorável. Resta-lhe a esperança de o contrário resultar da prova trazida pelo autor (v.g., a prova documental contradiz as alegações de fato do autor, hipótese aventada no art. 345, IV) e do entendimento do órgão judiciário acerca do efeito jurídico alegado pelo autor.
A defesa do réu não sofre limitações ou injunções em virtude da procedência, embora evidente, da pretensão do autor. Em outras palavras, o direito de o réu se defender não se subordina ao desfecho do processo. A defesa socorre inclusive o réu que não tem razão.15 Na pior das hipóteses, ao juiz caberá adiantar os efeitos do pedido, mediante tutela provisória fundada na evidência (art. 311). Porém, malgrado o adiantamento liminar (art. 311, parágrafo único), o réu tem o direito de atuar no processo, propondo meios de prova, recorrendo dos pronunciamentos desfavoráveis e tomando iniciativas diversas, nas mais adversas causas. Pouco importa o desconforto provocado pelos fatos a ele opostos, talvez vexatórios, e que, à primeira vista, retiram-lhe as esperanças de êxito. Essas condições tornam árdua a atividade do respectivo procurador, geram antipatia e pressão públicas, tornam o juiz mais impermeável aos argumentos do réu. Nada obstante, subsistirá incólume o direito de o réu influir no convencimento do órgão judiciário com todos os meios predispostos em lei. Em qualquer circunstância, o processo civil, revestindo-se dos predicados da justiça e do equilíbrio garantidos constitucional, manterá feição marcadamente dialética. “À tese do pedido se contrapõe a antítese da contestação, e à pretensão do autor a resistência do réu, sendo que esta pode ser virtual ou explícita, conforme a posição que este assuma em consequência da propositura da ação”.16 A defesa do réu influencia e, às vezes, modifica o objeto do processo. Em princípio, o mérito (ou objeto litigioso) define-se na demanda e decorre, unicamente, da iniciativa do autor.17 Não é, porém, inteiramente desprezível a contribuição do réu nesses domínios. É predominante a ideia que defesa do réu alarga a área de cognição do órgão judiciário, mas não modifica o mérito. Ensina-se, a esse propósito, o seguinte: “A atitude do réu é para esse efeito sem consequências. O máximo que ele pode fazer é contestar o pedido do autor, sem alterar-lhe os limites; e, por outro lado, a alegação de fatos e questões novas, embora estenda a matéria lógica a ser examinada, não modifica a identidade e os limites do pedido”.18 A defesa do réu, afirma-se igualmente, “não pode fazer com que o processo tenha uma dimensão maior, menor ou distinta da que o autor originariamente deu-lhe com a formulação de sua declaração inicial”, mas define as linhas da controvérsia.19 Em tais termos, excessivamente genéricos e radicais, a tese não corresponde à realidade. O mérito não se cinge ao pedido. Envolve, em condição equivalente, a causa de pedir (retro, 326). Eis a razão por que até a processualística germânica inclinou-se a favor da teoria dos dois elementos (zweigliedrigen Streitegegenstandsbegriff).20 Entre nós, esta é a única concepção admissível de acordo com o critério legal, que emprega a causa de pedir (art. 337, § 2.º). A contraposição à pretensão do autor em decorrência da reconvenção, modalidade de resposta à pretensão do autor e forma de defesa, in casu ativa, sem dúvida ampliará o objeto do processo, tornando-o complexo. O réu contra-ataca a pretensão originária do autor formulando pedido para obter bem da vida (infra, 1.742). A defesa do réu contra as alegações de fato do autor não raro apresenta versão diferente dos fatos articulados na petição inicial. Por exemplo, na ação em que A pede a separação de B, porque o réu encontrou-se com C no motel Y no dia X, talvez o réu alegue que compareceu com C, figurinista da fábrica D, no motel Y, para angariar pedido de roupas de cama, encarregada C da confecção do logotipo
das peças, e, não, para manter relações sexuais (impugnação de fato indireta). Percebe-se sem a menor dificuldade que essa defesa ampliará o tema da prova (infra, 1.309). E essa ampliação deve-se à correlata modificação do objeto litigioso. E, por fim, o ponto de maior delicadeza, mas igualmente seguro: o oferecimento de exceção substancial (v.g., a prescrição) alarga o objeto do processo.21 Esta iniciativa introduzirá questão de mérito (art. 487, II), cuja resolução revestir-se-á da autoridade da coisa julgada. Em tal hipótese, o mérito se dilatou, o iudiciumabrangerá questões não propostas na inicial. O réu tem irretorquível direito de obter uma decisão do juiz acerca da exceção substancial, rejeitando-a ou acolhendo-a, e, portanto, modificou – em parte – o objeto litigioso. Em extenso estudo acerca da compensação, não se chegou a outra conclusão: dilata-se o objeto litigioso e, de resto, a autoridade da coisa julgada recairá sobre a decisão a esse respeito.22 O direito positivo brasileiro consagra o entendimento expressamente. O art. 503, caput, declara de forma irretorquível revestir-se de indiscutibilidade a resolução da questão principal, encerrando a controvérsia. Convém recordar, ao propósito, a imperiosa necessidade de encarar o processo na perspectiva do réu. É verdade que, rejeitada a defesa de mérito indireta, ou não apresentada essa classe de defesa, o autor obterá o mesmo bem da vida objeto do pedido mediato. Porém, acolhida a defesa indireta de mérito (v.g., a prescrição), além de o réu obter esse desfecho por razões estranhas à petição inicial, e, portanto, à defesa de mérito direta, alheias ao controle do autor, este não obterá o bem da vida por razão substancialmente diversa. Assim, acolhida a prescrição, subsiste o direito, ainda passível de alegação como matéria de defesa. 310. Natureza jurídica da defesa Reveladas as bases constitucionais da defesa, parece que se trata de direito subjetivo público tão irremovível quanto o da pretensão à tutela jurídica do Estado que socorre o autor, revestido das mesmas características: autônomo e incondicionado.23 É abstrato, no sentido que serve ao réu sem razão, e incondicionado, porque o réu legitima-se a contestar tão só em virtude dessa condição que lhe é criada pelo autor. Por isso, o réu legitima-se a alegar a própria ilegitimidade na contestação (art. 337, XI). A defesa constitui atividade complexa e desenvolvida no curso do procedimento. Essa atividade se traduz na possibilidade de produzir prova (defesa ativa: defender-se provando), de impugnar as resoluções judiciais desfavoráveis e de influir no convencimento do órgão judiciário.24 A ampla defesa (art. 5.º, LV, da CF/1988) não se confunde com o contraditório, que é o seu instrumento técnico.25 O contraditório revela-se essencial à ampla defesa, permitindo às partes (e não só ao réu) participar do processo, segundo o esquema informação e reação. Esse elemento sugere que o contraditório é bilateral, enquanto a ampla defesa tutela o réu,26 preferencialmente, ou governa a amplitude da reação.27 É fundamental, portanto, entender que, através do contraditório, a defesa efetiva-se no concurso do procedimento, em ambos os graus de
jurisdição.28 Por isso, não abrir prazo para responder ao recurso infringe à ampla defesa. 311. Princípios da defesa no processo civil O exame das disposições básicas consagradas à defesa no NCPC, relativamente ao procedimento comum [Capítulo VI – Da Contestação – do Título I – Do Procedimento Comum – do Livro I da Parte Especial, regras subsidiárias aos procedimentos especiais (de jurisdição contenciosa ou voluntária) e ao processo de execução (art. 318, parágrafo único)], conduz à identificação de três princípios: (a) concentração; (b) eventualidade; (c) amplitude. 311.1. Princípio da concentração da defesa – O art. 336 impõe ao réu alegar, na contestação, “toda a matéria da defesa”, indicando os respectivos meios de prova. Em outras palavras, o réu tem o dever (e, não, o ônus) de alegar as várias espécies de defesa (infra, 313),29 de modo simultâneo e cumulativo, na primeira oportunidade para contradizer a pretensão do autor. É vedado fazê-lo por etapas, sucessivamente, surpreendendo o autor a cada passo com matéria nova e exigindo do juiz atenção para pontos anteriormente omitidos. A regra obriga o réu a agir de boa-fé – princípio muito caro ao processo civil autoritário e proclamado no art. 5.º do NCPC – e a pôr todas as suas cartas na mesa desde logo.30 É possível designar a essa diretriz de princípio da defesa global.31 O princípio da concentração envolve outro aspecto bem ressaltado pelo autor do anteprojeto que resultou no CPC de 1973 e aplicável ao NCPC. O réu tem o dever de alegar as questões preliminares do art. 337, na mesma oportunidade, “tendo em vista, de modo particular, a fase seguinte, que é a do julgamento conforme o estado do processo”.32 Essa etapa do procedimento comum abrange a adoção de providências preliminares, tendentes a respeitar o princípio do contraditório e, assim, mais uma vez concentrar todas as questões, e, em seguida, a extinção do processo sem resolução do mérito, no todo ou em parte, prosseguindo apenas o processo em que seja necessária ou útil a instrução, objeto da decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357). Se for inútil a fase em que predominará a atividade de instrução, o juiz conhecerá diretamente do pedido, no todo ou em parte, a teor dos artigos 355 e 356. O princípio da concentração propicia a fixação, de uma vez por todas, da matéria em debate, e assegura a tramitação do processo sem sobressaltos e reviravoltas. O juiz estabelecerá o objeto da prova, ou as questões de fato objeto da instrução (art. 357, II), cotejando as alegações do autor e do réu. Não se mostraria concebível essa ordenação na hipótese de o réu alegar questões de fato novas a qualquer momento. Também delimitará as questões de direito por idêntica razão (art. 357, IV). Logo se percebe a utilidade da concentração e os bons serviços que presta à economia e à racionalidade. Esse princípio não impede: (a) a alegação de fundamentos de direito novos, quanto ao mérito, ou não, ante o princípio iura novit curia, desde que haja debate (infra, 335); (b) a alegação posterior da matéria de ordem pública, que ao juiz seja dado conhecer ex officio, em especial a da defesa processual; (c) a alegação de fatos novos, quer os fatos antigos (anteriores à
contestação), de conhecimento recente ou não, quer os fatos supervenientes (art. 393). Essas hipóteses encontram-se abrigadas no art. 342, cuja análise ocorrerá em item específico (infra, 338). Eventualmente, o juiz considerará o retardamento da alegação defensiva atitude protelatória, implicando “resistência injustificada ao andamento do processo” (art. 80, IV), aplicando a sanção pecuniária do art. 81. Fora desses casos excepcionais, a inobservância do princípio da concentração implicará a irrelevância dos fatos antigos e conhecidos, mas não alegados na contestação, no julgamento da causa, e o indeferimento dos meios de prova tendentes a demonstrá-los. 311.2. Princípio da eventualidade na defesa – Não se costuma distinguir o princípio da concentração do princípio da eventualidade.33 Esse último se mostraria mais abrangente do ponto de vista objetivo e subjetivo. Objetivamente, a eventualidade importa a necessidade de se produzir, de uma só vez, todas as alegações da demanda e da defesa, e indicar todos os meios de prova; subjetivamente, a eventualidade alcançaria o autor,34 o réu e o próprio órgão judiciário, no que tange aos seus atos decisórios.35 Essa concepção larga e abrangente não obtém, em geral, adesão na doutrina pátria. Em relação aos meios de prova, pondera-se que a omissão do autor, omitindo a respectiva indicação na petição inicial (art. 319, VI), constitui simples irregularidade, porque não impede o órgão judiciário de ordenar a produção da prova necessária, ex officio, após fixar o tema da prova (art. 357, II), e o autor a requeira posteriormente, considerando os termos da defesa do réu. As hipóteses em que o legislador endurece a proposição dos meios de prova atenderiam, precipuamente, a oralidade.36 E, por outro lado, a opinião prevalecente hostiliza a incidência desse princípio no tocante à petição inicial do autor (e, a fortiori, nas resoluções do órgão judiciário). Para o autor, a petição inicial significaria a necessidade da narração completa dos fatos principais e dos fatos relativos ao interesse (causa de pedir remota e próxima).37 Também importaria a impossibilidade de o autor alterar o objeto do processo após o marco final do art. 329, II.38 Ora, há outro viés concebível: o dever de expor todas as causas de pedir conhecidas e aptas a basear o pedido, como fica subentendido no art. 508. Entretanto, a aplicação rigorosa da eventualidade ao autor, nos termos preconizados no art. 508 (eficácia preclusiva da coisa julgada), apesar de estritamente conforme à regra,39 representaria autêntica heresia num sistema condescendente ao encaminhamento da pretensão à sentença de mérito e pouco inclinado à rigidez preclusiva. Em que pesem eventuais objeções, o princípio da eventualidade exige e autoriza que o réu, ao concentrar a defesa na contestação (art. 336), deduza matérias de índole heterogênea, e até incompatíveis entre si, na mesma peça, estruturadas de modo que a subsequente seja considerada na eventualidade da rejeição da anterior. Fez-se célebre a enunciação do caráter contraditório da defesa, pretendendo-se respeitar a eventualidade e evitar a preclusão, através do exemplo da contestação do réu à pretensão do autor de cobrar o
valor do mútuo, em que a contrariedade é assim expressa: primeiro, não é verdade que recebi dinheiro proveniente de mútuo; segundo, já devolvi o dinheiro; terceiro, havia-o recebido a título de doação; quarto, já prescreveu.40 As vantagens da eventualidade superam os seus inconvenientes e exageros. A alegação de fatos a qualquer tempo, e a proposição dos meios de prova inopinadamente, dissolveria as fases do procedimento e provocariam elastério intolerável ao processo. Esses efeitos negativos mostram-se mais relevantes do que as eventuais dificuldades de preparar a demanda e a defesa, compreendendo com nitidez os fatos que compõem a causa e a prova necessária para obter o sucesso. Na verdade, o princípio da eventualidade harmoniza-se com o procedimento dividido por fases progressivas, repudiando procedimentos elásticos.41 Parece pouco provável, valendo-se as partes de procedimento ad hoc ou convencional (retro, 106.2), previsto no art. 190, inclinarem-se os litigantes a favor de esquema diferente. Em suma, no direito brasileiro, cabe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, suscitando questões incompatíveis entre si, a fim de que a subsequente seja apreciada após a rejeição da antecedente – por exemplo, rejeitada a nulidade da citação, incumbe ao réu impugnar precisamente os fatos principais alegados pelo autor –, e, simultaneamente, deduzir a reconvenção,42 formalmente em peça única (art. 343, caput: “Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção…). É mais flexível a exceção de impedimento e de suspeição, porque a causa da recusa da pessoa investida na função judicante sobrevém, às vezes, ao prazo de contestação (art. 355), e, por esse motivo, o prazo de quinze dias contar-se-á da ciência do motivo da recusa (art. 145, caput). Em linhas gerais, a defesa, no processo civil, segue a regra da eventualidade. 311.3. Princípio da amplitude da defesa – O art. 5.º, LV, da CF/1988 erige a garantia da defesa “ampla”. Entende-se por tal a defesa completa ou abrangente, e, não, a defesa ilimitada.43 O adjetivo “amplo” não pré-exclui a adequação e a pertinência da defesa na causa. Em alguns casos, a lei limita a cognição do órgão judiciário a determinadas matérias. Essas limitações impostas pelo caráter sumário da cognição – por exemplo, na pretensão de renovar a locação forçadamente, constante do art. 72 da Lei 8.245/1991; na oposição à pretensão a executar fundada em título judicial, a teor do art. 525, § 1.º – não infringem o preceito constitucional.44 § 73.º Espécies de defesa no processo civil 312. Classificação dos fatos jurídicos na lei processual Fatos jurídicos são os que interessam ao direito, porque objeto de previsão normativa. A transcendência jurídica dos fatos, recolhidos no âmbito dos eventos, originários da órbita física ou animal, e das condutas, resultantes das ações e das omissões humanas, decorre do suporte fático. Tal fórmula assinala a previsão, na norma jurídica, de certa hipótese de fato, obediente a juízo valorativo da sua relevância, no tocante ao acontecimento eleito, à
disciplina da sociedade. A incidência da norma nessa hipótese de fato, suficientemente, transforma as condutas e os eventos em fatos jurídicos. Os fatos desprovidos de qualquer valor, segundo o conjunto normativo, permanecem alheios ao mundo jurídico. Os fatos jurídicos organizam-se em classes consoante diretrizes heterogêneas. A lei processual, considerando o modo como as partes alegam os fatos no processo, e a eficácia que produzem no decisum do órgão judiciário, classifica-os em quatro categorias: (a) constitutivos; (b) impeditivos; (c) modificativos; (d) extintivos. É preciso compreender essas classes para organizar o modo pelo qual a defesa do réu articula-se no processo. 312.1. Fatos constitutivos – O art. 319, III, impõe ao autor o ônus de explicitar na inicial o fato que fundamenta o pedido. Na verdade, trata-se do complexo de fatos, objeto de incidência na norma jurídica,45 e do qual o autor extrai o efeito jurídico pretendido. A despeito de a regra aludir a “fato”, na realidade o autor expõe vários fatos relacionados e concatenados entre si, formando o chamado episódio da vida (Lebensvorgang).46 Em tal complexo de fatos, como já se explicou de olhar fito na causa de pedir (retro, 247), cumpre distinguir duas espécies: (a) os fatos principais, que integram o esquema de fato previsto na norma; e (b) os fatos simples, ou secundários, que acompanham os fatos principais, auxiliando sua determinação, mas não preenchem isoladamente o suporte fático. Por exemplo, na ação de separação movida por A contra B, alegando adultério do marido, o fato principal consistirá no contato sexual com a parceira C, mas a autora, narrando o episódio, inevitavelmente acrescentará outros elementos, como o local do encontro, o dia, a hora, e o vexame produzido pela quebra do dever de fidelidade. Os fatos simples são descartáveis. Se a prova revelar que o encontro ocorreu no motel Y, em vez do motel X, como alegou a autora, tal pormenor não impedirá o acolhimento do pedido. Os fatos constitutivos são os que compõem o esquema de fato previsto na norma jurídica que produz efeito jurídico favorável ao autor. E além da nítida distinção entre fatos principais e fatos simples (infra, 1.307.1.1), há outras espécies: (a) fatos internos e externos (infra, 1.307.1.2); e (b) fatos positivos e negativos (infra, 1.307.1.3). Essas classes receberão análise no capítulo da prova. O autor alega os fatos constitutivos do seu direito e, conseguintemente, extrai-lhes o efeito jurídico adequado à hipótese. Porém, defendendo-se o réu através da invocação de direito próprio, ao apresentar exceção (ius excepcionis), também lhe competirá alegar (e provar) os fatos constitutivos desse direito. 312.2. Fatos extintivos – Os fatos que, de qualquer forma, atacam e extinguem o direito, a pretensão e a ação constituem fatos extintivos. Por exemplo, a exceção de prescrição extingue – na verdade, encobre a eficácia – , a pretensão substancial do autor, a teor do art. 189 do CC.
Não só as exceções substanciais peremptórias (infra, 313.2.2), como a prescrição, produzem tal efeito, decisiva à entrada do fato na categoria extintiva. A alegação de outros fatos, sem caráter de exceção substancial, também levam a efeito similar. Por exemplo, o autor alega que o réu lhe deve o valor mutuado, obtemperando o réu com o pagamento.47 O pagamento não é exceção, mas fato extintivo, que alguns entendem caber no título de objeção.48 Tampouco a compensação é exceção, apesar da necessidade de alegação, e, muito menos, fato modificativo.49 É exercício de direito formativo extintivo.50 A própria extinção do negócio jurídico, do qual o autor extrai efeitos jurídicos, em virtude de distrato, denúncia, implemento da causa resolutória expressa, representa fato extintivo. Por exemplo, o autor reclama a entrega do bem locado, o réu opõe à pretensão o fato de já ter desocupado o imóvel.51 A parte que alega nulidade “não excepciona: defende-se; contraria”.52 Não há, entre nós, exceptio doli. Também a alegação de anulabilidade é defesa, jamais exceção, representando fato extintivo da pretensão do autor.53 Não é incomum, porém, incluir-se as causas de nulidade e anulabilidade entre os fatos impeditivos. E isso, porque a sua pronúncia impediria a produção dos efeitos jurídicos próprios do negócio.54 312.3. Fatos modificativos – Os fatos modificativos alteram os fatos alegados pela outra parte e as respectivas consequências jurídicas. Por exemplo, na ação de reparação de dano movida por A contra B, o réu aponta a participação do autor A no resultado, a conhecida concorrência de culpas, e, assim, altera a extensão da sua responsabilidade. Na ação de cobrança de aluguéis, a alegação do réu que o valor sofreu revisão, é fato modificativo. 312.4. Fatos impeditivos – A alegação dos fatos impeditivos obsta que a pretensão seja acolhida nos termos pretendidos. A falta de implemento do termo ou da condição (v.g., o locador alega que não está obrigado a entregar o bem locado antes do implemento da condição suspensiva convencionada no contrato),55 que se ajustou, constitui fato que impede o acolhimento da pretensão, por ora, e não exceção substancial. Nesta última área, todavia, localiza-se o exemplo mais sugestivo. Excepcionando o réu, no contrato bilateral, o inadimplemento do autor, como autoriza o art. 476 do CC, resultando de contrato bilateral de prestações recíprocas, simultâneas ou sucessivas, cujo acolhimento o juiz estime cabível, modifica o conteúdo do decisum, obstando que o pedido do autor seja acolhido da forma original. Razões de conveniência, em tal hipótese, recomendaram tratamento similar ao da exceção de retenção: o juiz condena ambos os figurantes do negócio jurídico a prestarem simultaneamente (infra, 345). 313. Categorias de defesa no processo civil Em item anterior (retro, 89), assentou-se a ideia que o exercício da pretensão à tutela jurídica do Estado gera uma relação jurídica, que é o processo, entre a parte que toma a iniciativa (ou demandante) e o Estado, relação que assume feição completa com o chamamento do réu (ou demandado), atenda ele, ou não, à citação, comparecendo em juízo. Essa relação se desenvolve progressivamente, por intermédio da cooperação das partes (art. 6.º), ficando subordinados aos resultados da atividade comum.56 À
semelhança de qualquer outra, a relação jurídica processual tem seus elementos de existência, requisitos de validade e fatores de eficácia agrupados, desde a obra pioneira, na classe dos pressupostos processuais (retro, 92). E, assim, tal relação distingue-se do objeto do processo, que é o seu conteúdo, ou mérito, resultante das alegações contraditórias das partes.57 Tal esquema de continente (processo) e de conteúdo (mérito) indica que a atividade do órgão judiciário envolverá duas espécies de questões, cabendolhe percorrer o seguinte itinerário: primeiro, enfrentará as questões atinentes ao próprio processo; segundo, e vencida a primeira etapa, acerca do objeto litigioso, ou mérito (res in iudicium deducta). Tais questões situam-se em dois planos diferentes.58 É possível distinguir, portanto, entre (a) o juízo de admissibilidade e (b) o juízo de mérito. Do ponto de vista do autor, impõe vencer a primeira barreira, preenchendo todos os pressupostos processuais, para propiciar o julgamento do mérito, favoravelmente ou não. O art. 488 recomenda ao juiz decidir o mérito a favor da parte (rectius: do réu, porque o juízo de inadmissibilidade desfavorece só ao autor) a quem beneficiária a emissão da sentença terminativa, fundada nas hipóteses do art. 485. Ora, abstraindo-se a desnecessária sobrecarga de trabalho do órgão judiciário, dado nada desprezível perante o direito fundamental processual à duração razoável do processo, esse juízo teórico é inútil ou supérfluo. Se o autor A demandou a prestação do seguro contra o estipulante B, em vez da seguradora C, o único resultado concebível, vencida a possibilidade de correção do polo passivo (artigos 338 e 339), é a extinção do processo, por força da ilegitimidade passiva (art. 485, VI). Do ponto de vista do réu, a quem beneficiará a sentença terminativa, revela-se inútil a declaração que, de toda sorte, o autor não teria direito à prestação. Em algumas situações, o exame hipotético do mérito é inadmissível: se há coisa julgada (art. 485, V), o vínculo impede o juiz de reexaminar a causa no mesmo sentido da decisão anterior. Volvendo à defesa do réu, o duplo enfoque – admissibilidade e mérito –, já agora na perspectiva do réu, atrai a defesa para dois alvos diferentes, mas concorrentes: atingido um deles, o réu alcançará o sucesso, livrando-se do processo, embora variem os efeitos da decisão. É lícito ao réu atacar, simultaneamente, a regularidade do próprio processo, suscitando as mal afamadas questões processuais – a problemática dos pressupostos processuais e condições da ação –, sob o ângulo que lhe favoreça, e, na sequência, enfrentar o mérito. Essa distinção prende-se à defesa passiva no sentido estrito. Há outras modalidades defensivas, inseridas no âmbito da resposta do réu: a reconvenção, a exceção de impedimento e de suspeição e outras variantes (v.g., a impugnação ao valor da causa),59 a serem oportunamente examinadas no contexto do procedimento comum (infra, 1.730). O fato de o réu promover a intervenção de terceiro (v.g., chamamento em garantia), formalmente, na oportunidade da defesa, não transforma essa iniciativa em defesa, mas meio oblíquo de atrair outro adversário para o autor, tornando árduo o caminho a percorrer para o acolhimento da pretensão processual. Nada obstante, conforme a hipótese, o chamamento de terceiro enfraquece defesa, em vez de robustecê-la, porque revela intenção de o réu forrar-se aos riscos de sucumbência perante o autor.
Os meios de defesa classificam-se de várias maneiras.60 Aqui, seguindo entendimento haurido de outros ordenamentos, distinguem-se: (a) defesa processual; e (b) defesa de mérito. A primeira subdivide-se em (a) peremptória; (b) dilatória. A defesa de mérito subdivide-se em (a) direta e (b) indireta. Em relação à iniciativa, distingue-se duas espécies: (a) a exceção, matéria subordinada à iniciativa da parte, envolvendo matéria processual ou de mérito; e (b) a objeção, matéria (processual e substancial) conhecível ex officio. 313.1. Defesa processual – O objeto da defesa processual abrange a matéria relativa aos pressupostos processuais e às condições de ação. Essa designação padece de certa impropriedade. Em alguns casos, a exemplo da rescisória, fundada na infração à regra de competência absoluta (art. 966, II), e da impugnação, em que o embargante pleiteie a invalidação do precedente processo, porque citado invalidamente (art. 525, § 1.º, I), questões processuais integram o mérito. Por esse motivo, chama-se a essa modalidade de resistência de “defesa contra a admissibilidade”.61 Em relação ao mérito, ou objeto litigioso, a defesa contra o processo assume inequívoco caráter preliminar. É defesa preliminar, porque a sua análise antecede, lógica e cronologicamente, a do mérito. É, por igual, defesa indireta: o seu acolhimento, em geral, obsta que o juiz resolva mérito, ou seja, a realização plena dos fins próprios do processo, até mesmo a favor do réu. Eis por que o êxito da defesa contra o processo, nessas hipóteses radicais (defesa processual peremptória), constituirá relevante vitória tática – o réu escapa do julgamento de mérito –, mas provisória: na maioria das vezes, mostra-se lícito o autor renovar a demanda (art. 486, caput), corrigindo o defeito. A defesa processual repele a investida do adversário, mas não o bate definitivamente. 313.1.1. Defesa processual peremptória – A classificação de defesa processual sempre como indireta suscita controvérsia, baseada em outro aspecto, até agora negligenciado. No âmbito da defesa contra o processo, há questões que, no caso de acolhimento, conduzem à sua extinção (v.g., a alegação de coisa julgada, a teor do art. 337, VII). Diz-se que a defesa processual desse teor revela-se peremptória, porque o seu acolhimento ensejará a extinção do processo sem resolução do mérito.62 E, sob outro prisma, a defesa processual peremptória representa ataque direto, impedindo o exame do mérito,63 induzindo vitória tática do réu. Todavia, essa defesa ladeia o mérito, evita a sua análise, e permanece indireta sob este ângulo.64 Uma ulterior distinção identifica duas subespécies: (a) a defesa relativamente peremptória, que leva à extinção do processo, mas não impede a renovação da demanda (v.g., a inépcia da petição inicial) e o julgamento do mérito em outro processo; e (b) a defesa processual absolutamente peremptória, que pré-exclui a renovação da demanda em outro processo. O art. 486, caput, estabelece que a extinção do processo, baseada na defesa processual, não obsta que o autor renove a ação, salvo corrigindo o defeito,
nos casos dos incisos I (inépcia da petição inicial), IV (ausência de pressuposto processual), VI (falta de interesse processual ou de legitimidade) e VII (convenção de arbitragem ou reconhecimento da competência do tribunal arbitral) do art. 485. É uma consequência lógica. Na prática, porém, cuida-se de obstáculo mais imaginário do que real. Nada impede, a rigor, a renovação do processo. Eventual iniciativa do autor em provocar o órgão judiciário, outra vez, mostra-se incontrolável a priori. Desrespeitando o autor o preceito do art. 486, § 1.º, outra extinção com o mesmo fundamento mostrarse-á inevitável, incidindo o demandante recalcitrante no tipo do art. 80, I, e na sanção correspondente à má-fé (infra, 607). As defesas processuais peremptórias, no sistema jurídico brasileiro, nem sempre resultam na extinção do processo. O art. 282, § 2.º incorpora regra de elevado alcance prático. Os vícios da relação processual – por exemplo, a incapacidade processual do autor, arrolada no art. 337, IX, como matéria de defesa do réu –, em benefício de quem os aproveite, não impedem a resolução favorável de mérito. Essa peculiaridade não elimina a utilidade da categoria, calcada nos seus efeitos usuais. 313.1.2. Defesa processual dilatória – Há questões processuais cujo acolhimento enseja tão só mudança ou desvios de rumos do processo. Por exemplo, a arguição da incompetência absoluta e relativa (art. 337, II), a conexão (art. 337, VIII) implicam a troca de órgão judiciário ou a reunião de processos; as exceções de impedimento (art. 144) e de suspeição (art. 145) visam à pessoa do juiz, modificando, na melhor das hipóteses, o oficiante do processo. Nenhuma dessas alegações do réu implicará a emissão de sentença terminativa (art. 485). Chama-se de dilatória, atendendo à característica de postergação lícita do processo, a essa defesa processual. Evidentemente, por sua própria natureza, essa defesa é sempre indireta. 313.1.3. Exceções processuais e objeções processuais – Às questões sobre o processo, surgidas mediante arguição do réu, e que constituem matéria de ordem pública, porque o juiz delas também conhecerá ex officio, na ausência da iniciativa das partes (art. 337, § 5.º), chamam-se de objeções. Exceções processuais respeitam a pressupostos processuais subjetivos do órgão judiciário – incompetência relativa e imparcialidade. O conhecimento dessa matéria subordina-se à iniciativa das partes (a incompetência relativa subordina-se unicamente à iniciativa do réu), sem embargo do dever de o juiz declarar-se impedido ou suspeito. O NCPC não emprega a palavra exceções para tratar essa matéria, mas não há mal algum em assim designá-las, distinguindo que exige iniciativa da parte ou iniciativa oficial. As questões arroladas no art. 337, ressalva feita à convenção de arbitragem e à incompetência relativa (art. 337, § 5.º), tratadas como preliminares ao mérito, compõem a classe das objeções. As exceções de impedimento (art. 144) e de suspeição (art. 145), processam-se como incidentes autônomos, em autos apartados, a teor do art. 146. O efeito suspensivo é ope iudicis (art. 146, § 2.º). A exceção de parcialidade (impedimento ou suspeição) pode ser empregada pelo autor
(v.g., para arguir o impedimento do juiz, logo após a distribuição da causa, ou em virtude das movimentações supervenientes e naturais do pessoal judiciário). Não se emprega a palavra “objeção”, no direito brasileiro, com sentido unívoco. É utilizada também no sentido da alegação de fatos impeditivos ou extintivos,65relativamente ao mérito. O único requisito consiste na possibilidade de a questão ser passível de controle ex officio.66 Por exemplo, a decadência prevista em lei é objeção de direito material, porque o juiz dela conhecerá de ofício, a teor do art. 210 do CC. A bem da uniformização, a palavra objeção não é utilizada no tocante à alegação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos que não sejam exceções substanciais, e, no seu lugar, quando alegados, emprega-se a palavra impugnação. Entende-se por objeções processuais as questões relativas aos pressupostos (retro, 87) e às condições da ação (retro, 225). Como quer que seja, percebe-se sem maiores entraves que a classificação das defesas processuais em exceções e em objeções assenta em critério diverso: a necessidade, ou não, da alegação da parte. O critério que distingue as defesas processuais em peremptórias e dilatórias considera os efeitos da defesa processual sobre o desfecho do processo. Outro aspecto sobressalente, para organizar o assunto, descansa na circunstância que a noção de ordem pública envolve objeções processuais (v.g., pressupostos processuais) e objeções substanciais (v.g., a decadência) e, ainda, abarca questões submetidas à iniciativa da parte (v.g., o inadimplemento da contraparte; a convenção de arbitragem) e à iniciativa do juiz (v.g., a prescrição; os pressupostos processuais). Em seu conjunto, a matéria de ordem pública é o conjunto de questões que, resolvidas pelo juiz, permite ao processo alcançar os fins que lhe são próprios.67 313.2. Defesa de mérito – O mérito forma-se, basicamente, a partir da alegação do autor na petição inicial, e envolve dois elementos: a causa de pedir e o pedido. Essa noção, objeto de extensa investigação anterior, corresponde à teoria alemã do zweigliedrigen Streitgegenstandsbegriff.68 Linhas adiante examinar-se-á a provável contribuição do réu à ampliação do thema decidendum. É preciso, de toda sorte, opor-se à pretensão processual. E o réu poderá fazê-lo impugnando, diretamente, aos fatos jurídicos que integram a causa de pedir, apresentando, ou não, sua própria versão; suscitando questões de direito, com o fito de combater os efeitos jurídicos extraídos pelo autor desse conjunto de fatos. Em tais hipóteses, o réu apresentará defesa de mérito direta. Mas, igualmente, poderá invocar um direito de sinal contrário ao invocado pelo autor, caso em que exercerá defesa de mérito indireta. 313.2.1. Defesa de mérito direta – A defesa direta de mérito consiste na impugnação do réu aos fatos e ao direito alegado pelo autor.69 O réu contraria, dessa maneira, frontalmente a pretensão processual do autor (causa de pedir e pedido). Essa impugnação cria questões de fato e questões de direito. Não constitui tarefa fácil, nem se encontra pronta e acabada a solução, diferenciar essas questões, assunto que exigirá item específico (infra, 336).
A impugnação dos fatos divide-se em duas classes: (a) direta; ou (b) indireta. A impugnação direta significa que o réu há de se manifestar precisamente, como exige o art. 341, caput, primeira parte, a respeito dos fatos narrados na petição inicial, contradizendo a respectiva veracidade, um a um, e, assim, tornando-os controversos. O âmbito exato dessa impugnação reclama ulterior distinção entre os fatos principais (ou constitutivos) e os fatos secundários ou simples (infra, 330.1). Por exemplo, na ação de separação movida por A contra B, fundada no adultério do marido, a autora alega que o encontro proibido deu-se com C, no motel y, em dia e hora indicados; o réu se defende, dizendo que jamais esteve em tal repugnante lugar, nem sequer conhece C. Indireta é a impugnação dos fatos que, admitindo a narrativa do autor, em parte, todavia imprime-lhe nova versão. Por exemplo, na ação de separação movida porA contra B, acima descrita, a defesa do réu reconhece a visita ao local, mas alega que o fez profissionalmente, na qualidade de representante comercial de empresa da confecção de roupas de cama D, acompanhando C, responsável pelo desenho das peças. Na impugnação do direito, o réu contradiz a pretensão processual do autor negando os efeitos jurídicos alegados na petição inicial. Ela assume diversas modalidades (infra, 946.3), sensibilizando o órgão judiciário aos complexos problemas na interpretação e na aplicação do direito. A impugnação do direito representa defesa de mérito que, vista isoladamente, significará frisante economia de atividade processual. Ela limpa o processo das controvérsias de fato, dispensando a produção de prova. O órgão judiciário pode conhecer diretamente do pedido, a teor do art. 355, I, e, no julgamento, apresentam-se ao seu espírito unicamente questões de direito, mais ou menos intrincadas e extensas, é verdade, quiçá fastidiosas, mas equacionáveis através da consulta à doutrina e à jurisprudência. As causas tributárias são, em geral, dessa natureza. O trabalho dos advogados das partes e do juiz, nesta área, consubstancia-se em elevados e sutis raciocínios da hermenêutica, dificilmente compreendidos pelos profanos, e até por profissionais especializados em outras áreas do saber jurídico. A ponderação dos princípios constitucionais, então, concede ao julgador a graça de transformá-lo em artífice da mais valiosa ourivesaria. Exige-lhe predicados bem maiores que os encontrados na pessoa humana comum. 313.2.2. Defesa de mérito indireta – Em lugar de se opor diretamente à pretensão processual, impugnando os fatos e o direito alegado pelo autor, o réu tem outra possibilidade: invocar contra o autor, de seu turno, um direito de sinal contrário ao alegado na petição inicial, sem formular ao órgão judiciário qualquer pedido. Essa defesa de mérito revela-se flagrantemente indireta. O réu não objeta os fatos alegados, nem controverte o direito exposto pelo autor, mas apresenta outros fatos e outro direito, ou ius excepcionis, visando a extinguir, impedir ou modificar os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor.70 É uma defesa de flanco ou colateral.71 A localização sistemática das exceções substanciais, no direito brasileiro, representa tema de alta indagação (infra,
340). A própria noção é objeto de crítica insubsistente,72 relutante em fitar o direito substancial. A apresentação da defesa de mérito indireta amplia o objeto litigioso.73 Além de julgar o direito do autor, o juiz julgará o contradireito alegado pelo réu. É sentença de mérito a que pronuncia a prescrição ou a decadência (art. 487, II). E, por ser matéria nova, urge assegurar o contraditório. O juiz mandará ouvir o autor em 15 dias, reza o art. 350, facultando-lhe a produção de prova documental. 313.2.3. Objeções substanciais e exceções substanciais – Em sentido estrito, exceção substancial é o fato extintivo, modificativo ou impeditivo subordinado à alegação do réu. As exceções substanciais inserem-se na órbita da disponibilidade da parte.74 Existem fatos que desempenham tal função, e, nada obstante, o juiz os conhecerá ex officio. Exemplos triviais são o pagamento e a compensação. Neste caso, surtindo efeitos ope legis, chamam-se de objeções substanciais. Esta distinção já se encontrava na literatura processual italiana mais antiga.75 313.3. Defesa ativa: reconvenção – Provérbio muito difundido considera o ataque a melhor defesa. Eventos militares recentes mostraram que o ataque sem aviso prévio (ou ataque preventivo) é quase fulminante. Pois bem. Integra a resposta do réu, segundo o art. 343, além da contestação, peça na qual o réu veicula a defesa processual e de mérito, nas espécies examinadas nos itens precedentes, a reconvenção. Por intermédio da reconvenção, o réu deduz, no mesmo processo, pretensão própria e autônoma perante o autor ou terceiros (infra, 1.744.3),76 mas conexa (em sentido lato) com o objeto litigioso pendente, tornando a este complexo (cumulação superveniente de pedidos). A reconvenção agasalha contundente reação do réu contra a pretensão do autor. É autêntico contra-ataque, talvez mais pujante e doloroso que a iniciativa original do autor, a este colocando em posição defensiva. Em termos genéricos, no contexto da defesa flexível, a reconvenção constitui forma de resistência contra a pretensão original. Por exemplo, A pleiteia indenização de B, em virtude do descumprimento do contrato x, e B reconvém, pleiteando a condenação de A, que não adimpliu a prestação y. Conforme a extensão do pedido reconvencional, B subtrairá, na prática, a vantagem econômica almejada por A, no todo ou em parte. Aí, restritamente, a reconvenção funciona como defesa de mérito indireta. A reconvenção revela-se inadmissível para deduzir a matéria própria da contestação.77 Admitia-se, no direito anterior, o réu abster-se de contestar e, sem embargo, oferecer reconvenção.78 A hipótese é prevista no art. 343, § 6.º, do NCPC As duas pretensões são autônomas – princípio da autonomia subentendido no art. 487, I, em que pese a unidade da relação processual – e cabe reconvir havendo conexão com os fundamentos da ação (art. 343, caput). Eventualmente, a reconvenção, nesse caso, não se mostrará admissível, baseando-se em conexão com hipotético “fundamento da defesa” (art. 343, caput), mas esse óbice particular não interfere com o pedido
reconvencional conexo com a ação principal. O art. 343 exige a simultaneidade da defesa e do contra-ataque para o juiz aquilatar esse requisito particular. Ensaiou-se, no direito anterior, a nomenclatura de contrapedido, “desde que fundado nos mesmos fatos referidos na inicial”, à iniciativa do réu de pedir na contestação. Objetivava-se frisar, na referência à contestação, o caráter interno desse pedido contrário do autor perante o réu. É preciso entender as razões históricas que levaram o legislador a esta solução técnica. O art. 315, § 2.º, do CPC de 1973, revogado pela Lei 9.245/1995, que alterou a disciplina do procedimento sumário e instituiu a regra sob foco, proibia a reconvenção nas causas submetidas ao então procedimento “sumaríssimo”. Nos casos em que admissível a reconvenção, no procedimento “ordinário”, cabia ao réu “propor ação distinta contra o autor”, possibilitando a reunião dos processos por força de conexão.79 Esse expediente generalizou nas causas versando acidentes de trânsito e obteve respaldo da jurisprudência. Estimou o legislador, na Lei 9.245/1995, inconveniente essa reunião de processos, gerando entraves significativos à marcha célere do procedimento – todavia, autêntica ilusão –, e, destarte, permitiu a formulação do contrapedido. Em tal assunto cumpria rejeitar, prontamente, a impressão que todas as causas inseridas no âmbito do antigo procedimento sumário, por força dessa possibilidade, adquiriram caráter dúplice (iudicium duplex).80 Em tais demandas, a contestação do réu já basta à obtenção do bem da vida pretendido pelo autor. Em outras palavras, ação dúplice e contrapedido não identificam, por viés diferente, idêntico fenômeno.81 Do prisma substancial, em geral o autor pede, ou age, e o réu impede, ou reage: o primeiro quer determinado bem da vida, o segundo resiste em entregá-lo. Naactio duplex, a exemplo das ações declarativas, o acolhimento da oposição do réu, impugnando os fatos constitutivos (retro, 330), por si mesmo atribui ao réu a mesma vantagem.82 Por exemplo, A pleiteia a declaração da existência de união estável com B, que nega a convivência. A sentença que rejeitar o pedido de A peranteB declara a inexistência da união estável entre as partes. Portanto, entregará ao réu, em seu proveito, a certeza jurídica pretendida, no sentido inverso, pela autora. Também na possessória o réu obterá o bem da vida por via da contestação (art. 556). Essa característica deriva do objeto do processo. Nenhuma regra processual transforma a pretensão do autor em actio duplex. Ligeiro exame das causas catalogadas no antigo procedimento sumário revelava a óbvia inexistência, dentre elas,actio duplex. Eventualmente, em razão do valor, alguma causa jungida ao procedimento sumário – de resto, banido por convenção tácita das partes em várias regiões do País – exibiria objeto litigioso com a eficácia dúplice; porém, cuidar-se-ia de dado acidental. Em realidade, ocorreria o exercício de pretensão autônoma, in simultaneo processu, nos moldes da reconvenção. É mais do que a defesa indireta de mérito, distinguindo-se da reconvenção em virtude de dois fatores: (a) a relativa falta de autonomia procedimental; (b) redução do campo de incidência.83 Enquanto admite-se reconvenção, no direito anterior e no atual
(art. 343, caput), existindo conexão com a pretensão já pendente, liame concebido em termos elásticos (v.g., basta o compartilhamento da atividade de instrução),84 o contrapedido fundava-se “nos mesmos fatos referidos na inicial”. Essa drástica redução vedava ao réu a ampliação do debate, e, conseguintemente, da cognição.85 Em síntese larga, porém exata, admitia-se o contrapedido perante identidade absoluta entre o episódio da vida (Lebensvorgang) narrado pelo autor (retro, 247.1) e a base da pretensão do réu. Essa coincidência existe nas pretensões de reparação de dano recíproco, ocorrido em acidentes de trânsito de veículos de via terrestre. Por exemplo, o autor alega que o réu desrespeitou o semáforo, mas o réu diz o contrário, cada qual pleiteando o ressarcimento do respectivo dano. Nem sempre os fatos apresentam-se de modo tão simples. Talvez o autor alegue que o réu atingiu a traseira do seu automóvel e o réu replique que o veículo do autor deu marcha à ré, para afastar-se da faixa de segurança à sua frente, e, assim, produziu-se a colisão. A rigor, os fatos narrados são diferentes, até antagônicos, mas não há dúvida que o episódio da vida é idêntico e tanto bastava à admissibilidade do contrapedido. Essa situação, haurida da experiência, inspirou o contrapedido. Ora, como oportunamente examinar-se-á com pormenores, a impugnação do réu aos fatos narrados pelo autor e que traz nova versão desses fatos, alterando-os ou invertendo-os, chamada de impugnação indireta, figura no contexto da defesa de mérito direta (infra, 331). O contrapedido simplesmente excede os limites intrínsecos dessa resistência. O réu aproveita a impugnação indireta dos fatos, ou seja, a versão dos fatos que corresponde à verdade, para formular pedido perante o autor. Por essa razão, além de representar contraataque do réu, o contrapedido exibia conteúdo defensivo indireto bem mais intenso que o da reconvenção: o respectivo acolhimento importava, ipso facto, a rejeição do pedido do autor. Tais considerações históricas servem a um propósito. A circunstância de o réu veicular seu pedido “na contestação”, como reza a parte inicial do art. 343, caput, por óbvio em capítulo específico e atendendo aos requisitos gerais do art. 319 (v.g., o pedido há de ser determinado, salvo nas hipóteses do art. 324, § 1.º, I a III, advertindo o art. 324, § 2.º, aplicar-se a regra à reconvenção), não desnatura a respectiva essência; formulação de pedido do réu perante o autor. Fora daí, o réu não pede, impede; ou seja, não age, mas reage à pretensão do autor. 314. Estrutura da defesa do réu no processo civil Formalmente, a defesa do réu, nas suas diversas modalidades estritas, mas em sentido estrito, veicular-se-á basicamente por via da contestação. Não é o único de meio de defesa à disposição do réu. A reconvenção tem função defensiva, vez que revidar o ataque pode produzir frutos melhores do que a resistência firme, mas estática. E há certa sobreposição de matérias. Assim, o impedimento do juiz pode ser objeto de exceção e, conhecível ex officio, arguido na contestação. Por fim, no prazo de resposta, há uma série de atitudes defensivas admissíveis, a exemplo da impugnação do valor da causa, em que o réu cria obstáculos ao desenvolvimento do processo, dificultando a obtenção do bem da vida pelo autor.
Nada obstante, a contestação constitui o veículo mais flexível da defesa do réu. Os aspectos formais desse ato postulatório principal receberão exame no capítulo dedicado à resposta do demandado. Interessa, entretanto, revelarlhe a estrutura ou a ordem pela qual o réu apresentará os meios de defesa ao julgamento do órgão judiciário. Algumas diretrizes governam essa matéria, trazendo à colação os princípios da estratégia. O principal é a simplicidade, pois contestações intermináveis são contraproducentes,86 cabendo ao réu distribuir harmoniosamente a matéria de defesa. É preciso ter em mente a diretriz fixada no art. 336 quanto ao princípio da concentração (retro, 311.1). Segundo esse princípio, o réu há de alegar na contestação “toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor”. Às vezes, o conjunto das alegações é contraditório (v.g., o réu alega que não recebeu a quantia mutuada e, em seguida, opõe a objeção substancial de pagamento). Explica tal circunstância o princípio da eventualidade (retro, 311.2). Parece evidente, paradoxalmente no caso de contradições, a apresentação de “toda a matéria de defesa” não se afigurar aleatória, exigindo certa ordem lógica. Enquanto há roteiro predisposto na petição inicial (art. 319), a estrutura da reconvenção subsiste nebulosa, salvo a menção genérica do art. 336. Pois bem. As alegações de fato do autor formam o objeto litigioso. E, no curso do processo, as partes realizam afirmações contraditórias, opondo-se ou não às alegações do adversário, sobre fatos ou sobre o direito porventura aplicável. Essas afirmações, havendo contradição, geram dúvida no espírito do órgão judiciário. Tal espécie de dúvida transforma as afirmações em questões de fato ou em questões de direito.87 A dúvida resulta do debate das partes através de seus procuradores técnicos.88 Na perspectiva do órgão judiciário, raciocinando para emprestar resolução racional à matéria em julgamento, o conjunto das questões suscitadas e debatidas organiza-se em determinada ordem. As questões não raro mantêm entre si liames lógicos. Dá-se o nome de questões prévias às que devem ser decididas antes das outras.89 O vínculo atua de várias maneiras, exigindo distinções ulteriores. Há questões que, conforme o sentido da resolução da primeira delas, a pronúncia judicial cria e remove obstáculo à apreciação da subsequente. A estas se designa de questões preliminares. No que tange ao mérito, como já se sublinhou, a defesa processual (peremptória ou dilatória) tem caráter preliminar. E assim são tratadas as respectivas questões no art. 337, caput. É intuitivo que, antes de apreciar o objeto litigioso, deve o órgão judiciário avaliar e resolver as questões relativas aos pressupostos processuais e às condições da ação. O art. 357, I, estabelece a melhor oportunidade para rejeitá-las: na decisão de saneamento e de organização do processo. Eventual resolução negativa, neste plano, obsta o julgamento do mérito; ao contrário, a resolução positiva permite ou autoriza a etapa seguinte. O vínculo existente entre o juízo de admissibilidade do recurso e o juízo de mérito é dessa natureza. Também no âmbito do mérito há questões que autorizam o juiz a encerrar o julgamento, em razão da sua natureza, e conforme o teor da resolução. Em casos tais, mostrar-se-ia inútil prosseguir o trabalho intelectual, passando às
questões subsequentes, pois o juiz chegou a uma solução para a causa. Por exemplo, a prescrição é questão prévia, cujo acolhimento dispensa o julgador de examinar a veracidade dos fatos alegados pelo autor e que lhe constituiriam o direito. E, por outro lado, existem questões que, antecedendo logicamente as demais, ao invés de impedirem ou autorizarem a resolução seguinte, predeterminam seu conteúdo. A tais questões dá-se, tecnicamente, o nome de questões prejudiciais (retro, 293). É a condição assumida, por exemplo, pela incapacidade do figurante B, quando controvertida, na ação em que A pleiteie a anulação do negócio jurídico; pela existência de casamento, na ação em que A pede de B a separação; e assim por diante. Por razões lógicas, considerando as espécies de defesa, e os vínculos entre as resoluções das sucessivas questões no itinerário mental do órgão judiciário, a contestação organizada de acordo com a melhor técnica processual apresentará a “matéria de defesa”, como a chama o art. 336, na seguinte ordem: (a) as objeções, primeiro dilatórias (v.g., a incompetência absoluta) e, em seguida, peremptórias (v.g., a inépcia da petição inicial), porque todas são preliminares (art. 337, caput), mas as dilatórias não extinguem o processo; (b) as questões prejudiciais, porque predeterminarão a resolução a ser tomada quanto à pretensão processual; (c) as exceções substanciais (v.g., a prescrição), porque são questões prévias e, nesta condição, preliminares da causa; (d) a impugnação dos fatos, direta ou indireta, conforme a opção do réu de tão só impugnar os fatos principais narrados pelo autor ou apresentar sua versão desses fatos, conforme o dever de veracidade (art. 77, I); (e) a reconvenção.90 Esse esquema comporta algumas variações, conforme as circunstâncias da causa, e o estilo do procurador da parte. Por exemplo: o réu pode, antes de mais nada, impugnar precisamente os fatos constitutivos, assegurando, assim, o conteúdo mínimo eficiente da contestação. De toda sorte, a ordem não deve ser tomada ao pé da letra: “ninguém rejeitará uma contestação pelo simples fato de não ter sido observada a sequência do art. 337” ou de outra matéria.91 As objeções não se subordinam ao princípio da eventualidade (art. 336). Podem ser alegadas a qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 485, § 3.º). É completamente diferente o regime da defesa de mérito direta ou indireta. Para alegá-la após a contestação, superando a preclusão, o réu precisa socorrerse das exceções do art. 341, I a III (infra, 333).
Capítulo 19. DEFESA PROCESSUAL SUMÁRIO: § 74.º Preliminares processuais dilatórias – 315. Classes de preliminares processuais dilatórias – 316. Inexistência e nulidade da citação – 316.1. Diferença entre inexistência e nulidade da citação – 316.2. Natureza do vício no processo em razão da inexistência ou da nulidade da citação – 316.3. Comparecimento espontâneo e atitudes do réu perante a citação inexistente ou nula – 317. Incompetência absoluta e relativa – 317.1. Casos de competência absoluta e relativa – 317.2. Regime de controle da competência – 317.3. Oportunidade da alegação da incompetência – 317.4. Legitimidade para arguir a incompetência – 317.5. Efeitos do reconhecimento da
incompetência – 317.5.1. Remessa do processo ao juízo competente – 317.5.2. Extinção do processo em virtude da incompetência absoluta – 318. Conexão – 318.1. Relevância da identidade parcial dos elementos objetivos do processo – 318.2. Caráter obrigatório da reunião dos processos – 318.3. Consequências da alegação de conexão na defesa do réu – 318.4. Casos de conexão inseridos no âmbito da defesa dilatória – § 75.º Preliminares processuais peremptórias – 319. Classes de preliminares processuais peremptórias – 320. Inépcia da inicial – 320.1. Defeitos abrangidos na inépcia da inicial – 320.2. Consequências da alegação dos defeitos da inicial na defesa – 321. Perempção – 322. Litispendência e coisa julgada – 322.1. Identidade de causas perante a litispendência e a coisa julgada – 322.1.1. Falta de coincidência da coisa julgada e da litispendência – 322.1.2. Relações entre declaração e condenação na litispendência e na coisa julgada – 322.1.3. Relações entre a demanda coletiva e a individual na litispendência e na coisa julgada – 322.2. Finalidade da iniciativa do réu na litispendência e na coisa julgada – 322.3. Consequências da configuração da litispendência e da coisa julgada – 323. Incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização – 324. Convenção de arbitragem – 324.1. Natureza da convenção de arbitragem – 324.2. Espécies de convenção de arbitragem – 324.2.1. Execução específica da cláusula compromissória – 324.2.2. Princípio de competência na cláusula compromissória – 324.3. Efeitos da convenção de arbitragem – 325. Ausência de legitimidade ou de interesse processual – 326. Ausência de caução ou de outro pressuposto processual objetivo – 326.1. Prestação de caução pro litis expensis – 326.2. Depósito ou pagamento da sucumbência anterior – 326.3. Impugnação ao valor da causa – 326.4. Impugnação da concessão do benefício da gratuidade. § 74.º Preliminares processuais dilatórias 315. Classes de preliminares processuais dilatórias Toda defesa processual revela-se indireta, porque tolhe o ingresso do juiz no mérito. Em alguns casos, porém, o óbice é temporário ou transitório. Eventual acolhimento da questão suscitada pelo réu imprime outra direção ao processo, e, eliminado o obstáculo, o juiz ingressará no mérito, exceto existindo outro motivo que o impeça de fazê-lo. Diz-se, então, defesa processual dilatória. O oferecimento da defesa dilata, protela, adia a decisão do mérito.1 A diretriz subjacente à classificação reside no efeito produzido pela defesa sobre o processo. É intuitivo, por outro lado, ao réu competir a alegação dessa matéria antes de quaisquer outras. Portanto, assumem a condição de objeções – o juiz poderá conhecê-las ex officio – preliminares na contestação. A análise do catálogo do art. 337 indica a existência de três questões que entram na classe das preliminares dilatórias: (a) inexistência ou nulidade da citação; (b) incompetência; e (c) conexão. Os esforços tendentes a erradicar os incidentes autônomos, retirando-lhes efeito suspensivo ope legis – a exceção de impedimento e de suspeição da pessoa investida na função judicante, por exemplo, suspenderá o processo ope judicis, a teor do art. 146, § 2.º –, arrastou para o catálogo do art. 337 as matérias ausentes da regra equivalente do direito anterior: (a) a
incompetência relativa (inciso II); (b) a incorreção do valor da causa (inciso III); e (c) indevida concessão do benefício da gratuidade (art. 337, XIII). Ressalva feita à incompetência relativa, exceção processual dilatória, as demais são objeções virtualmente peremptórias. Abstendo-se o autor de recolher as despesas dispensadas, porque revogado o benefício da gratuidade, o processo será extinto sem resolução do mérito (art. 102, parágrafo único). Não é outro o destino do processo no qual, corrigido o valor da causa, o autor não complementar as custas iniciais (art. 293, in fine). 316. Inexistência ou nulidade da citação A primeira preliminar dilatória é a inexistente ou nulidade da citação (art. 337, I). 316.1. Diferença entre inexistência e nulidade da citação – Entende-se por inexistência da citação, para os efeitos do art. 337, I, do CPC, o ato de chamamento do réu a juízo que, na ausência dos seus elementos, não se revela idôneo a ingressar no mundo jurídico. Equivale, na prática, à falta de citação.2 Por exemplo, A propôs ação de reparação de danos contra B, o oficial de justiça certificou que o réu se encontra em lugar ignorado; então, o autor requer a citação por edital (art. 256, II), o juiz defere tal meio de citação, mas o escrivão não expede o edital e, nada obstante, certifica que ocorreu a citação e o réu permaneceu inerte. O chamamento do réu, faltando elemento de existência – expedição do edital –, inexiste na hipótese. É nula a citação por edital, no exemplo ministrado, se no edital expedido faltar algum dos requisitos (v.g., a certidão do oficial de justiça, indicando a localização incerta do réu) ou a sua publicação descumprir os o art. 257 (v.g., publicação na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal). Em tal contingência, o ato de chamamento ingressou no mundo jurídico, mas deficientemente. A decretação do vício, repetindo-se o ato processual, neste caso, subordinar-se-á ao fato de o ato revelar-se inidôneo à sua finalidade e, conseguintemente, causar prejuízo ao réu (art. 282, § 1.º). A falta ou a invalidade da citação, seja qual for o meio de chamamento efetivamente empregado (art. 256), frequentemente induz revelia do réu, hipótese em que o vício assume proporções magnas. O processo em que houve citação nula, ou ela nem sequer ocorreu, e o réu tornou-se revel, jamais se revestirá da autoridade de coisa julgada (art. 502). Tais defeitos podem ser alegados na impugnação (art. 525, § 1.º, I) à pretensão a executar ou por ação autônoma, independentemente de rescisória com fundamento no art. 966, V. 316.2. Natureza do vício no processo em razão da inexistência ou da nulidade da citação – Controverte-se a natureza do vício que, a partir da inexistência ou invalidade da citação, contamina todo o processo, chegando ao ponto de negar-lhe a autoridade de coisa julgada. Localizando-se a coisa julgada no plano da eficácia, como resulta do art. 502, traduzindo o vínculo a impedir a reapreciação do mérito no mesmo ou em sentido divergente – eficácia processual da coisa julgada –, a primeira impressão é de que tudo se passa nesse plano. A oposição do executado declara a inexistência da sentença exequenda, pressupondo-se a “declaração
de ineficácia da própria citação (foi, porém não valeu, nem teve efeitos)”.3 A gravidade do defeito sugeriu a radicalização da inexistência,4 tese acolhida pelo STF, em julgamento do qual participou o autor do anteprojeto do CPC de 1973.5 Nada disto, porém, condiz com a realidade. O próprio exemplo da sentença condenatória passível de execução, contra a qual o executado opõe-se por intermédio da impugnação (art. 525, § 1.º, I), demonstra de forma categórica que o provimento, malgrado o vício da citação, produz efeitos – o vitorioso adquire pretensão a executar e, abandonando o terreno das conjecturas, investe contra o vencido. O que inexiste, ou não surte efeitos, jamais executar-se-ia como sucede com a sentença proferida contra o revel que não foi citado ou foi citado nulamente. Na verdade, a citação é pressuposto de validade do processo, como declara o art. 239, caput(“Para a validade do processo é indispensável…”).6 Exemplar o diagnóstico feito no direito anterior: “O déficit de que padece o processo onde não se fez citação hábil, diz respeito à validade, não à existência, sem embargo do volume e da autoridade das opiniões em contrário”.7 Em consequência, no art. 525, § 1.º, e no art. 535, I, sobrevive, no direito pátrio, a antiga e venerável querela nullitatis insanabilis,8 remédio desenvolvido, entre os romanos, para combater sentenças desprovidas da autoridade de coisa julgada. Nada obsta o emprego, em lugar da oposição à pretensão a executar, de ação autônoma com a finalidade de pronunciar o vício da citação, ou declarar-lhe a inexistência, principalmente nos casos em que o provimento ostenta força diferente da condenação, não se abrindo oportunidade para a oposição via impugnação. A esse respeito, o STJ proclamou no direito anterior: “O réu revel pode utilizar-se da ação declaratória [rectius: anulatória] do art. 486 do CPC [de 1973] para discutir a falta ou irregularidade da citação inicial no processo de conhecimento”.9 A rescisória, com fundamento no art. 966, V, a despeito de desnecessária, também pode ser empregada com sucesso.10 Esses remédios não comportam uso concorrente ou sucessivo. Entre eles, estabelece-se o chamado concursus eletivus: o emprego de um deles, préexclui os demais. Ocorreria, de fato, litispendência (uso simultâneo) ou coisa julgada (uso sucessivo), haja vista a identidade dos três elementos – partes, causa e pedido (art. 337, § 2.º). Esse regime é particular à inexistência ou nulidade da citação. Defeitos igualmente graves, como a incompetência absoluta, não podem ser alegados após o trânsito em julgado, porque casos de rescisão.11 316.3. Comparecimento espontâneo e atitudes do réu perante a citação inexistente ou nula – A nulidade da citação pode ser sanada, e a inexistência da citação suprida, mediante o comparecimento espontâneo do réu (art. 239, § 1.º). No primeiro caso, diz-se que o ato, apesar do seu ingresso deficiente no mundo jurídico, produziu seus efeitos típicos, alcançando a finalidade precípua de chamar o réu a juízo; no segundo, é como se tivesse ocorrido o que, na realidade, não ocorreu. Configurada a nulidade da citação, do réu concebem-se três atitudes: (a) o réu comparece, espontaneamente, e somente alega a nulidade; (b) o réu
comparece, alega a nulidade, preliminarmente (art. 337, I), e contesta, vez que o prazo de contestação fluirá da data do comparecimento (art. 239, § 1.º); (c) o réu comparece, nada alega a respeito do vício verificado na citação, participa da audiência de conciliação e de mediação (art. 334) e contesta (art. 335). Nas duas primeiras situações, a segunda prevista no art. 337, I, o órgão judiciário examinará a ocorrência, ou não, do vício, e do seu pronunciamento surgem dois termos de alternativa. Em primeiro lugar, talvez o juiz reconheça a existência do vício. Então, decretará a invalidade do ato, entendendo, todavia, suprido o vício pelo comparecimento espontâneo, estabelecendo o art. 239, § 1.º, a fluência do prazo de contestação a partir da data do ingresso no processo. Em última análise, considera-se feita a citação nesta última data. E inexistirá a necessidade de renovar o ato, propriamente, porque o réu compareceu, afinal, na verdade aplicando-se o art. 239, § 1.º. Porém, determinada a renovação da citação, por algum motivo, o prazo fluirá conforme o disposto no art. 335, como entendia-se no direito anterior.12 Diversamente, dando o juiz a citação por válida, a condição do réu dependerá da atitude tomada no ato comparecimento. Se absteve-se de contestar, o processo prosseguirá com o réu presente, mas revel.13 É por esse motivo, evitando-lhe as nefastas consequências da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (art. 344), a previsão da alegação do vício como objeção dilatória (art. 337, I), sugerindo ao réu, em obséquio ao princípio da eventualidade (art. 336), responda no momento em que ingressar no processo. É a útil e prudente recomendação que se fazia ao réu no âmbito doutrinário,14 no direito anterior, e doravante imperativo da fluência do prazo de contestação na data do comparecimento espontâneo. É bem de ver que, comparecendo antes da audiência de conciliação e de mediação (art. 334), na realidade o prazo fluirá consoante o art. 335. A decisão tomada pelo juiz, reconhecendo ou não a nulidade da citação, não comporta agravo de instrumento. No direito anterior, decretada a nulidade pelo tribunal, através desse recurso, o prazo para responder (se resposta já não houve) fluiria da data em que, retornados os autos à origem, realizar-se a intimação do réu.15 Na terceira situação, em que o réu ignora, olimpicamente, o vício da citação, nenhum pronunciamento específico reclama-se do órgão judiciário. O comparecimento espontâneo sanou o vício ou supriu a falta do ato. É irrelevante, na espécie do art. 337, I, o comparecimento do réu ocorrer antes ou após o término do prazo de resposta aberto com a citação nula. Por óbvio, ingressando no processo dentro desse prazo, “despicienda será a arguição” da nulidade,16 porque o ato não provocou prejuízo à defesa. É comum, então, o silêncio do réu a esse respeito. Entretanto, nada impede de fazê-lo, esgotando a matéria de defesa. Ingressando, posteriormente a esse prazo, para arguir o vício, respondendo ou não, “o prazo de resposta só será devolvido se a alegada nulidade for acolhida”.17 Rejeitada a nulidade, ocorreu preclusão e os meios de resposta porventura apresentados ficam sem efeito,
no que tange à matéria disponível e subordinada à iniciativa da parte, como estabelece o art. 239, § 2.º, I. A alegação de nulidade, e, a fortiori, a da inexistência, mostra-se meramente supletiva. Decidiu o STJ no direito anterior: “O exame da anomalia na citação independe de provocação da parte, uma vez que ao Judiciário incumbe apreciar de ofício os pressupostos processuais e as condições da ação”.18 317. Incompetência absoluta e relativa A incompetência absoluta e relativa, prevista no art. 337, II, c/c art. 64, caput, constitui motivo de defesa processual dilatória na contestação. Duas considerações se impõem nessa matéria. O estatuto processual abstrai os problemas concernentes à investidura do homem ou da mulher no órgão judicial. Tal não significa que não existam. Embora seja incomum a tramitação do processo perante o non judex, ou usurpador em sentido lato, concebe-se a emissão de ato decisório por pessoa que já perdeu a investidura, em virtude de aposentadoria, ou, ainda, após a término da designação para o órgão judicial (iudex inhabilis). A incompetência é apenas uma das espécies de iudex inhabilis.19 O regime dos demais vícios varia muito, mas o regime equipara-se ao da competência absoluta – por exemplo, a nulidade do ato decisório –, exceto nos casos de suspeição e de impedimento. Por outro lado, o art. 337, II, incluiu a incompetência relativa como questão alegável na contestação, eliminando o incidente autônomo, e, ademais, extirpando do processo causa suspensiva ope legis (art. 313). Importa assinalar, por enquanto, pois o assunto receberá análise no item dedicado ao controle da competência, o fenômeno da prorrogação da competência, abstendo-se o réu de alegar essa exceção na contestação (art. 65). Às vezes, a escolha do autor do foro competente baseia-se em convenção prévia, ou cláusula de eleição de foro (art. 63), passível de controle, ex officio, antes da citação (art. 63, § 3.º), mas, igualmente, de alegação do réu na contestação, sob pena de preclusão (art. 63, § 4.º). 317.1. Casos de competência absoluta e relativa – Em tema de competência, a diferença entre competência absoluta e competência relativa é de capital importância. O assunto receberá análise no capítulo da competência (infra, 382). Em atenção ao disposto no art. 337, II, entrementes, alinham-se os dados básicos, definindo ambas as espécies. Em síntese, são absolutas (art. 62): (a) a competência em razão da matéria; (b) a competência em razão da pessoa; (c) a competência em razão da função (ou hierárquica); e (d) a competência da situação do imóvel, a teor do art. 47, caput, incluindo a ação possessória imobiliária (art. 47, § 2.º), salvo nos casos do art. 47, § 1.º, envolvendo propriedade (v.g., na ação reivindicatória), vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, podendo o autor optar, nesses casos, pelo foro do domicílio do réu ou pelo foro de eleição. É relativa a competência em razão do valor e do território (art. 63, caput) Essas espécies, conforme assinalado, receberão minucioso exame no capítulo da competência.
O regime do controle da competência absoluta e relativa discrepa no que tange à iniciativa. A competência absoluta pode ser controlada ex officio, em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 64, § 1.º). Por sua vez, a competência relativa subordina-se à iniciativa exclusiva da parte, prorrogandose a competência do juízo incompetente no caso de inércia do réu na contestação (art. 65, caput), tornado competente. Existindo cláusula de eleição de foro, a preclusão é mencionada,expressis verbis, no art. 63, § 4.º. Importa examinar, por seu relevo, a competência absoluta. 317.2. Regime de controle da competência – Na competência absoluta, o juiz declarar-se-á incompetente, ex officio, a qualquer tempo (art. 64, § 1.º), não se admitindo foro de eleição (art. 62), todavia preservados os atos decisórios praticados pelo juízo incompetente (v.g., a concessão de tutela provisória), salvo decisão em contrário (art. 64, § 4.º). É rescindível a sentença de mérito transitada em julgado proferida por juízo absolutamente incompetente (art. 966, II). O controle da competência relativa dependerá da iniciativa do réu, na contestação, e, na falta dessa impugnação, o juiz inicialmente incompetente tornar-se-á competente, ocorrendo a prorrogação da competência (art. 65, caput), legitimando-se, por igual, o Ministério Público (art. 65, parágrafo único), nos casos de intervenção da parte coadjuvante (art. 178). É vedado o juiz conhecer de ofício da incompetência relativa (Súmula do STJ, n.º 33), ressalva feita ao controle da cláusula de eleição de foro nos contratos de adesão (art. 63, § 3.º),20 e, uma vez prorrogada a competência, nenhum vício contaminará os atos decisórios do juiz.21 A inércia do réu torna competente o juízo inicialmente incompetente. Em tese, ao menos, a justificativa para a diversidade de regimes reside no interesse público que preside a instituição das regras de competência absoluta. O ponto é bem duvidoso (infra, 379). Invoca-se, por exemplo, a impropriamente chamada “competência de jurisdição”: os litígios a respeito de relações de trabalho (art. 114 da CF/1988) ficam confiados à Justiça do Trabalho em nome da especialização. Não podem as partes bulir com esse objetivo da boa distribuição da Justiça. Então, a vontade convergente das partes não modifica essa disciplina (art. 62). Por óbvio, idêntica razão inspira o regime de conhecimento da incompetência absoluta, autorizando o juiz a declarar a própria incompetência ex officio. O juízo absolutamente incompetente tem competência, ao menos, para declarar a própria incompetência. Neste sentido, a alegação da parte, “em qualquer tempo e grau de jurisdição”, consoante dispõe o art. 64, § 1.º, revela-se meramente supletiva. O vício é tão grave que os pronunciamentos proferidos pelo juízo absolutamente incompetente tornam-se rescindíveis (art. 966, II). Eventual preservação dos atos decisórios, salvo decisão em contrário, não elimina o vício, pois caberá ao juízo competente, recebido o processo, rever o ato, mantendo-o ou invalidando-o, conforme o caso. Portanto, o juiz velará, desde o primeiro contato com a inicial, pelo controle de tão relevante pressuposto de validade da relação processual. 317.3. Oportunidade da alegação da incompetência – Segundo o art. 337, II, incumbe ao réu – e, na verdade, à parte, pois há outros interessados na
declaração da incompetência, a exemplo do Ministério Público – alegar a incompetência na contestação. Eventualmente, a alegação do réu quanto à incompetência absoluta antecederá o início da fluência do prazo da contestação. No caso de o juiz emitir decisão liminar, antecipando os efeitos do pedido, ou de natureza cautelar, cabe ao réu alegar, nas razões do agravo de instrumento, a preliminar de incompetência. Em tal contingência, o órgão ad quem, a despeito de entendê-la configurada, conhecerá do recurso e, se procedente a arguição, invalidará (ou não) o ato decisório, remetendo o processo ao órgão judiciário competente. Esse relevante aspecto revela que, nos casos de incompetência absoluta, os atos decisórios produzem-se efeitos, exigindo a invalidação. A incompetência absoluta também pode ser arguida, nesta primeira e abrupta oportunidade, aberta com a emissão de provimento liminar, mediante petição avulsa, no primeiro grau, ou diretamente no tribunal, omissa que sejam as razões do recurso interposto. O art. 64, § 1.º declara que a incompetência pode ser arguida “em qualquer tempo e grau de jurisdição”. O dispositivo explica a ausência de rigor formal em semelhante arguição, tendose em conta a gravidade do vício resultante. Não há preclusão se a parte não alegar a incompetência absoluta na primeira oportunidade formal – a contestação. Essa faculdade cessará com o trânsito em julgado da sentença de mérito, pois o vício transformar-se-á em causa de rescisão do provimento (art. 966, II). A arguição tardia só produzirá efeitos financeiros adversos (infra, 490.4). Em relação à incompetência relativa, porque disponível, o silêncio do réu no recurso interposto contra a tutela provisória, por exemplo, não implica o efeito do art. 65, caput, nem a alegação autoriza a declinação da competência (art. 64, § 3.º). A prorrogação só ocorrerá caso não seja alegada na contestação. 317.4. Legitimidade para arguir a incompetência – Em geral, os problemas de competência defluem de erro imputável ao autor (infra, 378). É o autor que indica o órgão judiciário na petição inicial (art. 319, I). Por isso, o art. 337, II, prevê a alegação desse vício pelo réu. No entanto, há casos em que o defeito verifica-se posteriormente, a exemplo da intervenção voluntária de sujeito federal no processo, sem que haja concorrência do autor para a incompetência superveniente. O art. 45 do NCPC ocupa-se desse último caso. Intervindo sujeito federal no processo pendente na Justiça Comum, exceto nos casos do art. 45, I e II, os autos serão remetidos à Justiça Federal, retornando sem a suscitação de conflito no caso de exclusão do sujeito federal (art. 45, § 3.º). Se o interesse do sujeito federal for parcial, relativamente a um dos pedidos, o juízo da Justiça Comum não admitirá a cumulação, abstendo-se de examinar o respectivo mérito, ipso facto desaparecendo o motivo para a intervenção (art. 45, § 2.º). Como quer que seja, legitima-se o próprio autor, arrependido da má escolha, ou ciente de que errara no juízo anterior sobre o problema de
competência, a arguir a incompetência posteriormente. Essa alegação acarreta-lhe, eventualmente, ônus financeiro, considerando o juiz enquadrada a conduta no art. 80, I. Existem outros figurantes na relação processual, como os intervenientes e o Ministério Público, legitimados a postular, na primeira oportunidade, a declaração da incompetência (infra, 490.2). Se o art. 65, parágrafo único, reconhece à parte coadjuvante, nos feitos em que deva intervir (art. 178), legitimidade para alegar a incompetência relativa, com mais razão terá iniciativa quanto à incompetência absoluta, desempenhando a função de fiscal da ordem jurídica. 317.5. Efeitos do reconhecimento da incompetência – O reconhecimento da incompetência absoluta, de ordinário, não implicará a extinção do processo civil comum. É expresso, a esse respeito, o art. 64, § 3.º, determinando a remessa dos autos (rectius: processo) ao juízo competente. E o mesmo acontece nos casos de incompetência relativa, incluindo a hipótese de invalidade da cláusula de eleição de foro (art. 63, § 3.º). É inexata, entretanto, a determinação que nessa hipótese os autos sejam remetidos ao foro do domicílio do réu, embora corresponda ao quod plerumque accidit. Pode acontecer infração a regra de competência absoluta (v.g., a propositura da ação possessória imobiliária no foro do domicílio do réu, contrariando o art. 47, § 2.º), por força da convenção das partes, remetendo-se o processo, nessa contingência, ao foro da situação do imóvel. 317.5.1. Remessa do processo ao juízo competente – O principal efeito do reconhecimento da incompetência alegada na contestação (art. 337, II), seja qual for a espécie, consiste na remessa do processo ao juízo competente, a teor do art. 64, § 3.º. Esse ato, de per si, não comporta agravo de instrumento (art. 1.015). Porém, há o problema da validade dos atos proferidos pelo juízo absolutamente incompetente. O órgão judiciário, ao decretar nulidades, obriga-se a indicar os atos subsequentes prejudicados pela invalidade, ordenando as providências necessárias à sua repetição ou retificação (art. 282, caput). Na hipótese de decretação da incompetência absoluta, nem toda a atividade processual ulterior ao primeiro pronunciamento do juízo incompetente acabará desperdiçada (v.g., a audiência de conciliação e de mediação do art. 334), de um lado, e nem sequer todos os atos decisórios, de outro, a começar pelo próprio pronunciamento que declara a incompetência, terminam invalidados. O art. 64, § 4.º, adotou o princípio da preservação nulo e, salvo disposição expressa em contrário do juízo incompetente, subsistirão os atos decisórios (v.g., a concessão de tutela provisória) até melhor aviso do juízo competente. Esse assunto receberá análise em item específico (infra, 490). Invalidados os atos porventura cabíveis, o órgão judiciário incompetente remeterá os autos ao juízo competente. 317.5.2. Extinção do processo em virtude da incompetência absoluta – Por exceção, a incompetência absoluta extingue o processo: nos juizados especiais, a teor do art. 51, III, da Lei 9.099/1995; na causa ajuizada no STF, a teor da interpretação prevalecente do art. 21, § 1.º, do RISTF.22
Neste último caso, o tribunal de cúpula evita resolver diretamente dúvidas de competência – o autor, sem resolver o problema de competência, ingressa diretamente no STF, para que este defina a questão e remeta o processo para o órgão competente. Segundo o STF, o art. 21, § 1.º, que permite o relator negar seguimento a recurso ou causa, quando manifesta a incompetência do tribunal, não determina que o relator indique o órgão competente, aduzindo: “Com tal entendimento, que é correntio na jurisprudência da Corte, evita-se que esta seja transformada em orientadora da parte sobre qual o Juízo competente para o exame do processo, quando é aquela é que deve saber qual deles seja, e a este cabe verificar se é mesmo o competente, encaminhando a outro o processo, quando assim lhe parecer. Se houver necessidade, será suscitado Conflito de Competência ou de Jurisdição, que pode vir a esta Corte, sob determinadas circunstâncias”.23 Em tais casos, a incompetência absoluta perde as características de objeção dilatória, assumindo função peremptória. 318. Conexão A terceira objeção dilatória prevista no catálogo do art. 337 avulta na conexão, prevista no inciso VIII do dispositivo. É um dos temas mais complexos do processo civil. Recebeu exame no tocante à reunião dos processos, uma modalidade de cumulação superveniente de pretensões, e retornará no âmbito da competência. Entende-se por conexão os laços entre causas diferentes, recolhidos dos três elementos que as identificam – partes, causa e pedido –, a teor do art. 337, § 2.º, liames que autorizam a modificação da competência em razão do valor e do território (ou de foro), a teor do art. 54 c/c art. 63, caput. Esses vínculos modificam a competência de duas maneiras diferentes: (a) o órgão judiciário que, inicialmente, não processaria e decidiria a causa, apesar de competente, passa a conhecê-la, estendendo a ela a sua competência; (b) igualmente competentes dois ou mais órgãos judiciários, segundo as regras gerais, fixa-se a competência em um deles. À primeira hipótese, designa-se de prorrogação da competência (art. 65); à segunda, de prevenção da competência (art. 59). No art. 337, VIII, a alegação de conexão tem sentido mais extenso. Ela visa “a reunião de um processo com outro em curso, para efeito de simultânea instrução e julgamento, com ou sem modificação da competência”.24 E, com efeito, os dois processos conexos tramitam, às vezes, no mesmo juízo, hipótese em que a respectiva reunião não modifica a competência. Embora, como já assinalado, a conexão seja tratada materialmente no capítulo dedicado à competência, impõe-se ministrar, por ora, os dados mínimos indispensáveis à compreensão desse fenômeno e seu relevo na defesa do réu. 318.1. Relevância da identidade parcial dos elementos objetivos do processo – As partes, a causa de pedir e o pedido prestam-se à identificação (ou individualização) das causas. É o que decorre da clássica e proveitosa teoria dos três elementos, no art. 337, § 2.º, e anteriormente examinada (retro,
236). A conexão implica reconhecer algum dado comum entre os elementos de duas causas distintas. Cumpre realizar as devidas distinções. Em primeiro lugar, a identidade completa de todos os elementos provocará litispendência ou coisa julgada, conforme o caso, a teor do art. 337, § 3.º e § 4.º. É o que se chama de conexão máxima.25 Por outro lado, se houver diversidade de todos elementos, nenhum vínculo há entre as causas, e, simplesmente, inexistirá conexão, a fortiori, desnecessário modificar a competência e reunir os processos autônomos. A lei processual menciona duas hipóteses de conexão. O art. 55, caput, reputa conexas duas ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir. Por exemplo, A reivindica o imóvel “x” perante B, e, paralelamente, C reivindica o mesmo imóvel “x” perante o réu B, existindo identidade total do pedido mediato. De toda sorte, o dado legislativo indica a irrelevância da identidade de partes. A coincidência de ambas as partes, em dois processos, ou de uma delas, nenhum relevo assume no terreno da competência. Para configurar-se a conexão é preciso algum nexo no âmbito dos elementos objetivos da causa. Ademais, acrescenta o art. 56, há continência quando, verificando-se identidade de partes e de causa, “o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o de outras”. Uma das causas contém, compreende ou envolve a outra, no todo ou em parte, de modo atual ou virtual, no mesmo sentido ou em sentido oposto, por força das alegações do autor e do réu. Por exemplo, o credor A pleiteia numa ação todo o valor do mútuo e, em outra, uma das prestações a cargo do devedor B, relativa a esse mesmo contrato. É um caso de conexão mais amplo que o do art. 55, caput. Essa relação entre as causas continente e contida recebeu solução inovadora no art. 47. Sobrevindo a causa contida à causa continente preexistente, o juiz extinguirá a segunda ação sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, X; do contrário, as causas serão “necessariamente reunidas”. Logo, a alegação do art. 337, VIII, assume feição peremptória, sobrevindo a causa contida. Entretanto, as hipóteses contempladas nos artigos 55, caput, e 56 não esgotam as relações entre as causas. Existem outros laços, mais tênues, previstos no art. 113, e que autorizam duas ou mais pessoas a litigarem em conjunto, ou o réu a reconvir, na forma do art. 343.26 O traço comum desses vínculos consiste na conveniência, senão na necessidade de reunir as causas para instrução e julgamento conjunto, impedindo, na medida do possível, a superveniência de julgamentos conflitantes. Eventual contraste da resolução tomada ensejaria constrangimentos e dificuldades. A essa hipótese alude o art. 55, § 3.º, introduzindo terceira hipótese de conexão, entendendo-se a cláusula final (“… mesmo sem conexão entre eles”) como alusiva ao art. 55, caput. A busca de um critério seguro para agrupar essas hipóteses heterogêneas resulta no uso da noção de questão. A questão é o ponto de fato ou de direito tornado duvidoso no espírito do juiz em virtude da alegação das partes. É nesse sentido que o art. 489, II, emprega a palavra questão, determinando que o juiz analise (e resolva) as questões de fato e as questões de direito.
Convém notar que há outro sentido para “questão” no art. 503, caput. Então – e na opinião prevalecente do direito anterior –, a palavra assumirá o sentido de pedido; assim, na demanda em que A pleiteia a resolução do contrato firmado por B, em razão do inadimplemento do réu, e a condenação deste em perdas e danos, o juiz resolverá duas “questões”: a da resolução do contrato e a das perdas e danos. Volvendo à disciplina da conexão, o liame juridicamente relevante fundase na exigência de resolução uniforme para questões comuns ou idênticas, surgidas em processos autônomos. A conexão se refere a uma ou a todas as questões, à questão principal ou a questões secundárias, de fato ou de direito, gerando liames de graus variados entre pretensões distintas. Existindo simples coincidência de questões, diz-se imprópria a conexão; ao invés, a interdependência das questões provoca a conexão própria, subdividida em duas espécies: (a) ocorrendo quanto aos fatos, há conexão causal; (b) ocorrendo quanto aos efeitos jurídicos, conexão final.27 Por esse critério, vínculos entre os elementos da lide permitem identificar duas espécies de conexão: (a) material; (b) instrumental. A conexão material, por sua vez, divide-se em três tipos: (a) pessoal ou subjetiva, que é a identidade de uma das partes, e, como já visto, irrelevante no direito brasileiro; (b) real, que é a identidade do objeto mediato; (c) causal, que é a identidade da pretensão processual. A conexão instrumental decorre do emprego pelo órgão judiciário de idênticos instrumentos para compor a lide. Ela pode ser concebida de dois modos: (a) final, quando utilizado idêntico bem, a exemplo da penhora do mesmo bem por dois credores diferentes (art. 908); e (b) instrutória, derivada do uso das mesmas provas. 318.2. Caráter obrigatório da reunião dos processos – As formas verbais empregadas nos artigos 55, § 1.º, e 57, in fine, indicam que a reunião dos processos, no caso de conexão, é obrigatória.28 O ponto já recebeu análise alhures, verificando-se que, no caso de conexão própria, a reunião dos processos se afigura obrigatória, porque inevitável a contradição prática dos julgamentos proferidos em processos formalmente autônomos e separados, flagrante no caso de continência (art. 57). O julgamento conjunto de causas conexas, existindo entre elas vínculos frágeis, em alguns casos mais prejudicará do que auxiliará a efetividade e celeridade da prestação jurisdicional. O sistema processual tolera algum grau de contradição, subentendido na Súmula n.º 235 do STJ: “A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”. Reproduziu-a, por sinal, o art. 55, § 1.º, in fine. E a tanto não impede o fato de a conexão representar matéria de ordem pública, competindo ao réu alegá-la na defesa (art. 337, VIII), e ao órgão judiciário, caso omisso o réu, conhecê-la ex officio (art. 337, § 5.º). O entendimento prevalecente no direito anterior autorizava o juiz, ao julgar a alegação do réu, avaliar a conveniência da reunião dos processos.29 Não há a menor dúvida quanto à subsistência desse poder no caso do art. 55, § 3.º, ou seja, na conexão imprópria. Dessa faculdade resultam importantes consequências. Primeira, verificada a conexão do art. 55, § 3.º, mas não reunidos os processos, inexistirá nulidade nos atos decisórios, e, portanto, inviável rescindir o julgado por esse fundamento.30 Segunda, correndo uma das ações conexas em foro especial, a
exemplo do foro do alimentando, em princípio inadmissível a reunião em outro foro, porque prejudicaria a parte beneficiada com a prerrogativa de demandar no foro do seu domicílio. Terceira, a reunião dos processos não pode comprometer a rápida solução de um dos litígios, como fatalmente ocorreria na concentração, no mesmo juízo, de várias ações conexas; por exemplo, duas ou mais ações baseadas no mesmo acidente de trânsito. 318.3. Consequências da alegação de conexão na defesa do réu – A alegação da conexão pelo réu, na defesa (art. 337, VIII), provoca resolução do órgão judiciário acerca da oportunidade, ou não, de reunir os processos. Porém, inexistirá preclusão.31 Feita a alegação em momento ulterior, por petição avulsa, a única sanção concebível é sanção pecuniária pelo retardamento.32 A reunião constitui faculdade do órgão judiciário. Apesar de comprovada a ocorrência de conexão, inclusive nas modalidades mais próximas (artigos 55, caput, e 56), não se revela imperioso o acolhimento da defesa. O juiz rejeitará a alegação do réu nos seguintes casos: (a) já ter sido julgado o processo conexo (Súmula do STJ, n.º 325), a teor do art. 55, § 1.º, in fine; (b) o estágio processual avançado do processo conexo, pronto para ser julgado, não recomenda a junção. A modificação da competência, em virtude do reconhecimento da conexão pelo órgão judiciário, ex officio ou a requerimento da parte, importa o deslocamento da atribuição de processar e julgar certa causa de um juízo para outro, por vezes de uma para outra comarca.33 As ações conexas, mas propostas em separado – do contrário, o interesse de o réu alegar a matéria do art. 337, VIII, nem sequer se configuraria –, reunir-se-ão no juízo prevento (infra, 465.2). A remessa dos autos em si é ato material. Mas, antes de o escrivão praticá-lo, o ofício da distribuição realizará as anotações devidas nos registros do juízo. Evidentemente, a conexão jamais implicará a extinção do processo em que se alegou a existência de vínculo relevante.34 A conexão é defesa processual dilatória, salvo no caso especial do art. 57 anteriormente explicado. O ato decisório que ordena a reunião, ou rejeita a existência de conexão, não comporta agravo de instrumento, ficando o reexame da questão postergado à arguição nas razões ou nas contrarrazões da apelação. Porém, nesse caso é duvidoso o interesse: um dos processos já foi julgado e, se havia risco de decisões conflitantes, já se consumou. É nula a sentença proferida num dos processos sem o exame da arguição da parte, requerendo, oportuna e fundamentadamente, o julgamento conjunto.35 O vício pode ser alegado em embargos de declaração ou diretamente na apelação. Materialmente, a reunião dos processos conexos far-se-á mediante o apensamento dos autos. O art. 58 esclarece a finalidade da prorrogação da competência: o julgamento conjunto dos processos conexos. Não é indispensável, por óbvio, sentença única do ponto de vista formal. Às vezes, os sistemas de informática, baseados no número de cada processo, até
impedem a elaboração da sentença numa peça única. Todavia, a regra expõe o que mais importa: o julgamento, ao mesmo tempo, das causas. E, de resto, nem sempre há necessidade de julgamento conjunto, como sucederá no caso de conexão da ação anulatória e da execução, porque nesta inexiste julgamento em sentido próprio do termo.36 Mas, talvez o órgão judiciário julgue uma das causas, preterindo a(s) outra(s), sem analisar a defesa do réu. Os fins da prorrogação da competência ficam obstados. Interessa tão só definir a validade do ato decisório proferido nessas condições. A possibilidade de o órgão judiciário decidir a respeito da necessidade e da conveniência de reunir os processos implica, por inferência, a de julgar separadamente os processos efetivamente reunidos, por identidade de motivos, sem que se cogite de nulidade do ato.37 Finalmente, modificam-se pela conexão somente as competências em razão do valor e do território (art. 63, caput). É o que declara o art. 66, dizendo modificar-se a competência nos casos de competência relativa. 318.4 Casos de conexão inseridos no âmbito da defesa dilatória – Os artigos 55, caput, e § 3.º, e 56, relativos à conexão e à continência, respectivamente, e cujo valor é relativo – a continência é uma das hipóteses de conexão, e esta, por sua vez, abrange situações diversas das definidas no primeiro dispositivo –, inserem-se no campo de incidência da defesa prevista no art. 337, VIII. Porém, o art. 61 ocupa-se de outras modalidades de conexão. O juízo da causa principal atrai as demandas acessórias. É o nexo que se estabelece, nos termos do art. 299, caput, entre a pretensão à segurança antecedente e a ação principal, resolvido pelo exercício desta in simultaneo processu. O juízo da execução, por igual, atrai a oposição do executado (art. 917, § 1.º), os embargos de terceiro (art. 676, caput) e a oposição (art. 683, parágrafo único). Em geral, autos próprios se formam para as ações acessórias, distribuídas por dependência, como declaram, expressamente, esses dispositivos. Desrespeitada a regra do art. 61, incumbe ao réu arguir a matéria na sua defesa, invocando o art. 337, VIII. É competente o juízo da causa principal para a reconvenção, a declaração incidente (v.g., a pretensão à declaração da falsidade, a teor do art. 430, parágrafo único, c/c art. 19, II), as ações de garantia (v.g., art. 125, § 1.º) e as que respeitam à intervenção de terceiros. O exercício de pretensões dessa natureza, in simultaneo processu, justifica-se pela conexão, variando o grau de relação dos elementos objetivos. A elas não se aplica, de qualquer modo, o art. 337, VIII, quando processarem-se no mesmo processo. Já a ação de garantia regressiva, mas autônoma, entra na órbita do art. 55, § 3.º. § 75.º Preliminares processuais peremptórias 319. Classes de preliminares processuais peremptórias O art. 337 contempla várias objeções peremptórias. O acolhimento dessa defesa do réu importará a extinção do processo sem resolução do mérito (art.
485). Literalmente, jamais ocorrerá a “extinção”, pois o processo talvez prossiga para o vitorioso realizar o capítulo acessório da sucumbência (infra, 1.590). O êxito do réu não impedirá o autor de renovar a demanda (art. 486, caput), em alguns casos após a correção do vício precedente, representando, sobretudo, uma vitória transitória, mas real e concreta. As objeções peremptórias são as seguintes: (a) inépcia da inicial; (b) perempção; (c) litispendência e coisa julgada; (d) incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização; (e) convenção de arbitragem; (f) a ausência de legitimidade e de interesse processual; (g) falta de caução ou de outro pressuposto processual objetivo extrínseco. Virtualmente peremptórios são os incidentes autônomos concentrados na contestação: (a) incorreção do valor da causa; (b) indevida concessão do benefício da gratuidade. Conforme o comportamento ulterior do autor, deixando de recolher as despesas processuais, num caso e noutro, haverá extinção do processo sem resolução do mérito (v.g., no caso da gratuidade, o art. 102, parágrafo único). 320. Inépcia da inicial O art. 319 estabelece os requisitos gerais da petição inicial. E existem requisitos especiais (v.g., a prestação de caução). Uma vez preenchidos os requisitos obrigatórios ou facultativos inerentes à petição inicial, ato pelo qual o autor demanda perante o órgão judiciário, dizse que a petição inicial é apta. O processo iniciará validamente. Ao contrário, carecendo a petição inicial dos requisitos legais, nas situações típicas versadas no art. 330 – por exemplo, faltou a exposição da causa de pedir –, cumprirá ao órgão judiciário, de regra, assinar ao autor o prazo de quinze dias para corrigi-la (art. 321, caput). O art. 321 consagra o salutar princípio do aproveitamento da petição inicial. Redigido em termos largos e generosos – a fórmula “defeitos e irregularidades capazes de dificultar o exame do mérito” ultrapassa os requisitos dos artigos 319 e 320 –, apanhando qualquer situação. É mais proveitoso, em termos de economia, e pedagogicamente, propiciar ao autor oportunidade para corrigir o defeito da petição inicial, prosseguindo o processo iniciado, em vez de brindá-lo com o abrupto indeferimento liminar. “As regras processuais foram concebidas”, proclamou o STJ, “como instrumento para viabilizar o julgamento do mérito e resolver o litígio”.38Avulta que os mais graves defeitos, às vezes, têm explicação simples e fácil emenda. Por exemplo, a falta de causa de pedir talvez se explique no fato de o advogado do autor, ao recolher as páginas da futura inicial da impressora e montar a peça, olvidou a inserção de uma das páginas, justamente a que indicava a causa de pedir. Os defeitos da inicial, à luz dos casos de indeferimento da petição inicial (art. 330), salvo exceções (v.g., a manifesta ilegitimidade ativa;39 e a impossibilidade do pedido), comportam plena erradicação. O juiz indicará, abrindo o prazo do art. 321, caput, o defeito porventura divisado na inicial. A falta de emenda, no prazo, ou a resistência do autor, implicam o indeferimento da inicial (art. 321, parágrafo único), extinguindo o juiz o processo sem resolução do mérito (art. 485, I). Todavia, o prazo de quinze dias não se revela peremptório. O juiz o ampliará em caso de
necessidade.40 Por exemplo, a localização do documento indispensável (art. 320), a exemplo da certidão do álbum imobiliário, às vezes reclama mais tempo. 320.1. Defeitos abrangidos na inépcia da inicial – O art. 337, IV, limitou a defesa do réu à inépcia da petição inicial. Rigorosamente, a regra contempla os defeitos do art. 330, cuja gravidade mostra-se manifesta, deixando em aberto os demais defeitos. Embora outros defeitos estejam contemplados nas demais hipóteses do art. 337, a exemplo da ilegitimidade das partes (art. 330, II) e da falta de interesse processual (art. 330, III), inseridos na rubrica do art. 337, XI, há os que escapam a essas previsões, a saber: (a) a inadequação do procedimento; (b) ausência da declaração do domicílio em que a parte (art. 77, V) ou seu advogado receberá as intimações (art. 106, I); e (c) o puro e simples descumprimento dos requisitos gerais e específicos da inicial (artigos 319 e 320). Nada obstante, o campo de incidência do art. 337, IV, abrange quaisquer hipóteses que conduzam ao indeferimento da petição inicial (art. 330), haja ou não a inépcia prevista nos parágrafos primeiro e segundo do art. 330.41 320.2. Consequências da alegação dos defeitos da inicial na defesa – O sistema processual tolera a correção dos defeitos da inicial após o prazo assinado pelo juiz para a correção (art. 321, caput).42 No direito anterior, apresentada a defesa, com fundamento no art. 337, IV, e no momento oportuno,43 o réu ostentaria direito à extinção do processo, permanecendo o vício, controvertendo-se a possibilidade da correção. O STJ decidiu que, feita a alegação pelo réu, já não pode a inicial salvarse, porque o réu estaria fornecendo subsídios em proveito do autor.44 O princípio da estabilidade da demanda (art. 329, I), que impede a alteração da causa de pedir e do pedido, feita a citação, sem o consentimento do réu,45 cuja recusa se subentende na contestação, impedindo ao autor corrijir os defeitos do art. 330, §§ 1.º e 2.º. A pretexto de corrigir a inicial, nesses casos, acontece de o autor modificar a causa de pedir, o que é categoricamente vedado nessa fase.46 Porém, o entendimento briga com o art. 352, segundo o qual o juiz fixará para corrigir defeitos sanáveis. O art. 351 também possibilita ao autor a produção de prova, para se contrapor à alegação do réu, e pode ser entendida como autorização, por exemplo, para a juntada do documento necessário (art. 320), suprindo por essa via, ao menos, semelhante defeito. E, sobretudo, no processo civil autoritário, atento ao direito de as partes obterem decisão de mérito em prazo razoável (art. 4.º), cumpre ao juiz determinar quaisquer providências tendentes a superar a barreira dos pressupostos processuais, promovendo o saneamento de vícios (art. 139, IX). A forma de conciliar essas proposições legislativas consiste em distinguir os vícios da petição inicial. Os que respeitarem aos respectivos requisitos, classe em que se incluem as hipóteses de inépcia (art. 330, § 1.º e § 2.º)47 e a produção dos documentos indispensáveis (art. 320), ou em que o autor descumpriu a oportunidade de corrigi-los, não podem ser sanados, na forma do art. 352.
Por outro lado, a inépcia da petição inicial constitui matéria de ordem pública. À boa e constitucionalmente equilibrada prestação jurisdicional interessa a aptidão da inicial, condição necessária ao desenvolvimento ulterior do processo. Logo, inexiste preclusão. É lícito o réu alegar o defeito a qualquer tempo e o tribunal pronunciá-lo a qualquer momento.48 321. Perempção Uma das causas de extinção do processo, sem resolução do mérito, reside no abandono unilateral da causa (art. 485, III). O autor omite a prática de atos e diligências que lhe incumbe por mais de trinta dias. É obrigatória, para fluir o prazo de trinta dias e caracterizar o abandono, a prévia intimação do autor (art. 485, § 1.º). Descumprido o prazo aberto com essa intimação específica, o juiz extinguirá o processo e condenará o autor nas despesas e nos honorários (art. 485, § 2.º, segunda parte, c/c art. 92). Se o autor, por três vezes consecutivas, der causa à extinção do processo, fundado no abandono, o art. 486, § 3.º, declara ocorrer perempção. Esse é feitio que, no direito brasileiro, assumiu o tradicional instituto da perempção, respeitante à absolvição de toda a causa, originária das Ordenações Filipinas (Livro 3, Título 20, §§ 17 a 22).49 Neste particular, o art. 268, parágrafo único, acolheu a lição que três circunduções da citação por inércia do autor, e que o juiz materialmente não pode suprir, apesar do seu poder de iniciativa (art. 2.º, parte final), visa coibir a má-fé processual.50 Em outros países, a perempção significa a conclusão antecipada do processo, em virtude do transcurso do prazo hábil sem atividade processual idônea das partes para dar-lhe impulso.51 O réu alegará a perempção, a teor do art. 37, V, como objeção peremptória. Vale recordar que a perempção não obsta, propriamente, que se forme novo processo, e, portanto, não extingue a ação correspondente à pretensão de tutela jurídica do Estado. Extingue, na verdade, a pretensão substancial. O direito em si, como ressalva o art. 486, § 3.º, admite alegação como matéria de defesa. 322. Litispendência e coisa julgada A individualização das ações (ou pretensões processuais), através dos seus elementos subjetivos e objetivos (art. 337, § 2.º), tem significativa aplicação no território da litispendência e da coisa julgada (retro, 237). Para esse efeito, o art. 337 define tanto a litispendência (rectius: um dos seus efeitos peculiares: a proibição da renovação da demanda pendente), quanto a coisa julgada. Litispendência é a repetição da ação em curso; coisa julgada, a repetição da ação já julgada, no mérito, por sentença transitada em julgado, ou seja, da qual não caiba mais recurso. A autoridade de coisa julgada gera para todos os demais órgãos judiciários um vínculo especial, traduzido na impossibilidade de julgar, outra vez, no mesmo ou em sentido diverso, a causa objeto de sentença de mérito passada em julgado – chamada de eficácia processual (infra, 2.132.1). O objetivo desses dois institutos mostra-se flagrante. Cumpre evitar a emissão de pronunciamentos contraditórios, ensejando o intrigante, vistoso e
molesto problema de qual deles prevalecerá, regulando a lide, ocorrendo o julgamento de duas ações idênticas; e, por igual, obstar o desperdício de atividade das partes e do juiz, inutilmente (ou, ao menos, ineficazmente) desenvolvida no segundo processo. À vista do art. 337, § 5.º, desapareceu a antiga controvérsia acerca do conhecimento da coisa julgada, ex officio, entendimento vigorosamente sustentado na literatura alemã mais antiga.52 É tarefa do órgão judiciário, existindo elementos que lhe possibilitem certificar-se do julgado anterior, conhecer dessa matéria por sua própria iniciativa. 322.1. Identidade das causas perante a coisa julgada – A caracterização da identidade absoluta das ações, que é o fundamento da defesa processual do réu baseada nos incisos VI e VII do art. 337, pressupõe a investigação dos elementos subjetivos e objetivos das demandas. No tocante à coisa julgada, alude-se a limites subjetivos e objetivos. É assunto delicado, núcleo de antigos e persistentes esforços da processualística de todos os tempos e quadrantes, objeto de exame no capítulo próprio. Litispendência e coisa julgada são efeitos, em princípio, da total identidade entre os elementos objetivos e subjetivos entre dois processos. Ao propósito, já se destacou o critério legal da tríplice identidade (retro, 236), inclusive na demanda cujo objeto envolva interesses transindividuais (retro, 238), esmiuçando-se, no capítulo próprio, os três elementos – partes, causa petendi e pedido. Ocioso voltar ao assunto, exceto quanto a um tópico. Ao deliberar acerca da objeção processual, o órgão judicial empreenderá necessariamente análise comparativa entre os elementos da causa anterior ou da causa pendente e, aí, surge questão relevante, relativamente à coisa julgada. Não bastará a análise dos elementos objetivos da demanda proposta. Entre nós, a coisa julgada abrange também as questões (principais) decididas (infra, 2.142). Por esse motivo, importa comparar a segunda demanda com a sentença definitiva transitada em julgado.53 E não é de se descartar, ainda, a existência dos vícios extra, infra e ultra petita no julgado. Rescindível que seja a sentença viciada, enquanto as partes não tomarem essa iniciativa, surtirá os efeitos que lhe são próprios, impedindo o reexame inclusive das deliberações viciadas. Assentado esse ponto, e rememorando que a objeção de litispendência também receberá análise no capítulo da sentença terminativa (infra, 1.612.2), cumpre realçar três pontos de sumo relevo nesse contexto. 322.1.1. Falta de coincidência da coisa julgada e da litispendência – No direito brasileiro, a teoria do objeto litigioso não se aplica, uniformemente, na litispendência (rectius: o efeito da litispendência de proibir a renovação do processo em curso, em nome da economia e da coerência no desfecho) e na coisa julgada. A litispendência impede, simplesmente, a repetição da ação em curso. Ao contrário do que se imagina, o fenômeno ocorre e tem explicação trivial, acontecendo de o autor ajuizar duas demandas iguais contra o mesmo réu. Por exemplo, o servidor público, subtraída certa vantagem pecuniária pela Administração, constitui o advogado do sindicato para mover ação contra a
pessoa jurídica de direito público. Em seguida, por outro motivo, procura outro advogado, deixando de ministrar informações acerca da pendência do primeiro litígio, e nova demanda ingressa em juízo, pleiteando a mesma vantagem pecuniária. Não denunciando o sistema de informática a existência da primeira demanda, tramitando em juízo diverso, acabam ambas prosseguindo simultaneamente. O réu, então, escuda-se no art. 337, VI, e alega litispendência, visando à extinção do segundo processo. A eficácia de coisa julgada, apesar de recair sobre o mesmo objeto litigioso, formalmente, porque a exigência da tríplice identidade (art. 337, § 2.º), assumirá dimensões mais amplas e drásticas. Inspira-lhe, sobretudo, o elevado propósito de assegurar a segurança jurídica do vitorioso. A quase nada se reduziria o proveito do processo, realmente, se ao vencido se mostrasse lícito questioná-lo em outro processo, direta ou indiretamente, e por essa via atormentar o vitorioso. Toda ordem jurídica saudável confere os bens da vida em caráter definitivo ao vencedor da pugna judicial. Esse objetivo préexclui a emissão de ulterior pronunciamento contrário às questões declaradas na sentença anterior e, por essa razão, recobertas com a autoridade da coisa julgada.54 Exemplo coligido da jurisprudência ilustra a ampliação dos limites objetivos da causa por força do trânsito em julgado. Em outras palavras, a eficácia da coisa julgada vai além da simples repetição da ação anteriormente julgada. No primeiro processo, A pleiteou a pronúncia da ilegalidade da prova da capacitação física, na qual foi reprovado, e, afastado esse juízo negativo, pediu seja declarada sua aprovação no concurso, permitindo-se a investidura no cargo público. A sentença de mérito desfavorável a A, neste processo, transitou em julgado. Em seguida, A ingressa com outra demanda, alegando que, em ações similares, outros candidatos obtiveram êxito nas suas pretensões, e, assim, o princípio constitucional da isonomia exige que seja declarado aprovado no concurso. Na segunda demanda, Amodificou o fato principal, transmudado da reprovação na prova física ao êxito judicial de outros candidatos também reprovados, e os fundamentos jurídicos, inexistindo identidade de elementos.55 Todavia, mostra-se inegável que o acolhimento da segunda pretensão geraria frontal contrariedade com o primeiro julgado. Também procede a aguda observação que tal candidato, na comparação com os vitoriosos no concurso, que se submeteram à prova de capacitação física e lograram sucesso, exibiria o estranho poder de subtrair-se ao insucesso da prova, no seu caso, com base no princípio da legalidade, e, em seguida, subtrair-se à autoridade da coisa julgada, todavia fundada no mesmo princípio.56 322.1.2. Relações entre declaração e condenação na litispendência e na coisa julgada – As relações entre a pretensão à declaração e a pretensão à condenação têm singular relevo no âmbito dos incisos VI e VII do art. 337. Os elementos subjetivos e objetivos dessas pretensões mostram-se muito similares. No tocante à declaratória, importa decidir duas hipóteses: na pendência de ação declaratória negativa, a admissibilidade de o respectivo réu propor ação de força condenatória ou executiva, ou, ao invés, a inibição dessa iniciativa por força da litispendência; e, ainda, a possibilidade dessas demandas tramitarem simultaneamente.57
A pendência da ação declaratória não veda, em razão da diversidade de pedidos imediatos, a propositura da ação condenatória.58 A discrepância neste elemento elimina a tríplice identidade prevista no art. 337, § 2.º, para induzir litispendência. Neste sentido, decidiu o STJ: “… produzindo sentença de natureza declaratória, a ação de consignação em pagamento não induz litispendência em relação a ações cuja tutela é mais abrangente, v.g., as ações constitutivas e condenatórias”.59 O que se configura, e pode ser alegado com fundamento no art. 337, V, é a continência, a teor do art. 56. O objeto da condenação revela-se mais amplo, impondo a reunião das demandas para julgamento conjunto (art. 57, in fine). Impossível que seja a reunião, o pedido declaratório configura causa prejudicial externa, ensejando a suspensão da causa condicionada, a teor do art. 313, V, a. A propositura de ação declaratória pelo devedor não impede o credor de executar o título, conforme reza o art. 784, § 1.º,60 e de a execução, na falta de oportuna oposição, prosseguir até a cabal satisfação do credor. Foi o que decidiu o STJ: “O ajuizamento de ação declaratória não impede se intente a execução, com base nos títulos nela questionados”.61 Restará ao executado, no caso de lograr êxito total ou parcial na declaratória, julgada posteriormente, recuperar seu desfalque patrimonial apoiado no art. 776 do NCPC. Porém, reunir-se-ão as duas ações (art. 55, § 2.º, I), no juízo prevento (art. 58). Mas, pendendo ação condenatória movida pelo credor desaparecerá o interesse de o devedor propor ação declaratória negativa, pois o objeto litigioso da primeira abrange o da segunda e a improcedência daquela concederá ao réu o bem da vida pretendido na declaratória.62 Por essa razão, sobrevindo a ação contida à ação continente, o art. 57 determina a extinção da segunda sem resolução do mérito, enquadrando-se o ato no art. 485, X. 322.1.3. Relações entre a demanda coletiva e a individual na litispendência e na coisa julgada – A irrupção dos interesses transindividuais (difusos e coletivos) introduziu arranjo peculiar no âmbito das relações da demanda coletiva e eventual demanda individual. A disciplina do assunto localiza-se nos artigos 81, 103 e 104 da Lei 8.078/1990, conforme deflui do art. 21 da Lei 7.347/1985, mas reclama dois esclarecimentos preliminares. Em primeiro lugar, a clássica diretriz da tríplice identidade – partes, causa de pedir e pedido –, consagrada no art. 337, § 2.º, presta-se admiravelmente para elucidar as relações entre a demanda coletiva e demandas individuais (retro, 238). As dificuldades porventura sentidas na individualização da pretensão processual deduzida no processo coletivo não diferem, substancialmente, das que surgem e renovam-se nas demandas individuais. Em geral, derivam da errônea ou deficiente compreensão dos elementos da individualização; por exemplo, entre a demanda coletiva (A), movida pelo Ministério Público em defesa do bem difuso X, e a demanda coletiva (B), movida pelo colegitimado A contra o mesmo réu, também em defesa do bem difuso X, mas em juízos diferentes, haverá litispendência, porque idênticos os três elementos (partes, causa e pedido), ou continência, conforme o teor do pedido. A qualidade jurídica do Ministério Público e do colegitimado A, obviamente pessoas distintas, afigura-se a mesma no âmbito da capacidade para conduzir o processo (infra, 556). Tal basta para configurar identidade total de partes entre (A) e (B).
E cumpre distinguir entre tutela dos direitos coletivos, em que o objeto do processo envolve interesses difusos e coletivos, e tutela coletiva de direitos,63 na qual o objeto litigioso da demanda coletiva abrange pluralidade de direitos individuais, divisíveis e cujos titulares são identificáveis, senão já identificados. Em relação à demanda coletiva propriamente dita, envolvendo interesses difusos e coletivos (tutela de direitos coletivos), a primeira parte art. 104 da Lei 8.078/1990 declara que a pendência da ação coletiva não induz litispendência em confronto à(s) ação(ões) individual(ais). Não é admissível negar (ou subtrair) o direito à tutela jurídica de cada pessoa individualmente atingida pela lesão ao bem difuso ou coletivo. E a exclusão da litispendência nesse paralelo, ao fim e ao cabo, resulta de simples e direta aplicação da teoria da tríplice identidade. No mínimo, pendendo a demanda coletiva e a individual, partes e pedido serão diferentes, avultando a diferença flagrante desse último: na ação coletiva, o legitimado pleiteia a reparação em natura ou, se for o caso, o equivalente pecuniário do bem difuso ou coletivo indivisivelmente; na ação individual, a reparação do dano individual decorrente da lesão do bem difuso ou coletivo.64 O mérito inconteste da primeira parte do art. 104 da Lei 8.078/1990, apesar do equívoco na remissão, consiste em dissipar dúvidas.65 Pendendo a ação coletiva na oportunidade do ajuizamento da ação individual, ou sobrevindo demanda coletiva à individual, o art. 104, segunda parte, da Lei 8.078/1990 declara que “os efeitos da coisa julgada” (rectius: da sentença coletiva, pois a coisa julgada é vínculo que torna o provimento indiscutível), erga omnes ouultra partes, conforme se trate, respectivamente, de interesse difuso e coletivo, “não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida a suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva”. Essa disposição suscita questões relevantes e delicadas na prática. Logo salta à vista que a suspensão da demanda individual não é automática.66 É ato postulatório dispositivo do autor. O juiz não pode decretar a suspensão ex officio. Requerida e deferida pelo juiz suspensão da ação individual, expressando autêntico right to opt in, o regime da superveniência da sentença coletiva não discrepa do que governa a relação entre a ação penal e ação civil de reparação ex delictio, conforme anteriormente explicado (retro, 32), e pelas mesmas razões: a sentença de improcedência, qualquer que seja o fundamento, não prejudica a pretensão individual, porque ninguém será privado do seu direito sem a oportunidade de defendê-lo em juízo (art. 5.º, LIV, da CF/1988 c/c art. 103, § 1.º, da Lei 8.078/1990); a sentença de procedência beneficiará o autor da ação individual, extensão in utilibusprevista no art. 103, § 3.º, da Lei 8.078/1990. Por outro lado, ciente o autor da ação individual da pendência do processo coletivo e, nada obstante, abstendo-se de requerer a suspensão no prazo preclusivo de trinta dias do art. 104, segunda parte, da Lei 8.078/1990, no legítimo exercício do right to opt out – há autores coletivos simplesmente inconfiáveis –, tal não impede que a sentença de procedência coletiva seja acolhida como fato superveniente (art. 493). Não sendo este o caso, o autor ficará vinculado ao desfecho da sua própria ação individual, sofrendo os
efeitos de eventual sentença desfavorável.67 À semelhança do que acontece, outra vez, no âmbito das relações entre ação penal e ação civil de reparação de dano ex delictio, sobrevindo sentença coletiva de procedência a esse desfecho individualmente desfavorável, resta ao vencido tentar se desvincular da coisa julgada através de ação rescisória. É mais problemático o regime no caso de autor da ação individual não ter conhecimento da pendência do processo coletivo. Por óbvio, o desconhecimento deve-se preponderantemente à omissão do réu, à infração do dever de informar que decorre da boa-fé objetiva no processo civil. O réu não pode ignorar a situação – afinal, responde tanto à demanda coletiva, quanto à demanda individual. Essa peculiaridade induz os espíritos mais voluntariosos e intervencionistas a reclamar tratamento privilegiado ao autor da ação individual, desvinculando-o de eventual sentença desfavorável; contudo, consequência dessa magnitude necessitaria de regra expressa, simplesmente inexistente. O que o juiz pode e, provavelmente, deve fazer é aplicar a devida sanção ao réu que infringiu o dever de informar (infra, 610.5). O fato é que o autor da ação individual não requereu a suspensão do processo e, destarte, não se beneficiará dos efeitos da eventual sentença de procedência coletiva. Restando vencido na ação individual, resultado divergente da procedência da demanda coletiva, resta-lhe um caminho a trilhar: a rescisão (art. 966) da sentença individual desfavorável, invocando a coisa julgada coletiva. Vencido in albis, e por qualquer motivo, o prazo da rescisória, o ordenamento jurídico pátrio não lhe oferece o único remédio cabível – a uniformização da coisa julgada. Ficará vinculado irremediavelmente ao desfecho da ação individual. A demanda coletiva cujo objeto envolva direitos individuais homogêneos (tutela coletiva de direitos), ou seja, direitos divisíveis e individualizáveis, cuja titularidade toca a pessoas diferentes abrange o conjunto das pretensões individuais. A rigor, pendendo demanda coletiva, mas sobrevindo a ação individual, haverá litispendência: a qualidade jurídica do autor coletivo é a mesma do titular da pretensão individual. Tal a presumível razão de a parte inicial do art. 104 da Lei 8.078/1990 realizar remissão somente aos incisos I (interesses difusos) e II (interesses coletivos) do art. 81, parágrafo único, da mesma lei, omitindo alusão ao inciso III (direitos individuais homogêneos). Inclina-se a doutrina brasileira, porém, a compreender no art. 104 também o inciso III do art. 81, parágrafo único, da Lei 8.078/1990, preservando a iniciativa individual.68 Essa posição repercutiu no STJ.69 Em tal hipótese, inexistirá litispendência, entendendo-se, por exceção, diferentes as partes ativas na demanda coletiva e na demanda individual. Claro está que, sobrevindo demanda coletiva à demanda individual, o problema simplificase: o processo coletivo não abrangerá o que é objeto litigioso na ação individual, a cujo desfecho se vinculará o respectivo autor. Embora seja aplicável a primeira parte do art. 104 da Lei 8.078/1990, não há dúvida que, por ostentar-se mais amplo e compreensivo de todas as pretensões individuais, o objeto da demanda coletiva abrange o da demanda individual, fenômeno conhecido como continência, a teor do art. 56 do NCPC (retro, 302). Mas, a reunião dos processos para julgamento conjunto, ou a extinção da ação contida (art. 67), em algumas situações mostrar-se-ia inaceitável (extinção) ou impraticável (reunião), implicando a reunião de milhares de processo no mesmo juízo. E, por outro lado, lançar-se-ia a barra
muito longe em pregar a suspensão da demanda individual, representando a demanda coletiva causa prejudicial (art. 313, V, a). Evidentemente, na demanda coletiva não se controverte a premissa da condenação individual, mas esta própria. À falta de disciplina mais clara, invoca-se o art. 104 da Lei 8.078/1990 na sua inteireza. Esplêndido julgado do STJ resumiu o regime do seguinte modo: “Ao contrário do que ocorre com os direitos transindividuais, invariavelmente tutelados por regime de substituição processual (em ação civil pública ou ação popular), os direitos individuais homogêneos podem ser tutelados tanto por ação coletiva (proposta por substituto processual), quanto por ação individual (proposta pelo próprio titular do direito, a quem é facultado vincular-se ou não à ação coletiva). Do sistema da tutela coletiva, disciplinado na Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC, nomeadamente em seus artigos 103, III, combinado com os §§ 2.º e 3.º, e 104), resulta (a) que a ação individual pode ter curso independente da ação coletiva; (b) que a ação individual só se suspende por iniciativa do autor; e (c) que, não havendo pedido de suspensão, a ação individual não sofre efeito algum do resultado da ação coletiva, ainda que julgada procedente. Se a própria lei admite a convivência autônoma e harmônica das duas formas de tutela, fica afasta a possibilidade de decisões antagônicas e, portanto, o conflito”.70 O único reparo respeita à indiferença da ação individual, não requerida a suspensão, à influência da sentença de procedência da demanda coletiva. Não obsta que esse provimento seja recepcionado, a teor do art. 493, e inspire análogo juízo de procedência individual. À luz dessas considerações, o critério da tríplice identidade (art. 337, § 2.º) sobrevive ao seu teste mais árduo, obtendo láurea. 322.2. Finalidade da iniciativa do réu na litispendência e na coisa julgada – Os objetivos buscados pelo veto instituído no art. 337, § 3.º e § 4.º, interessam, sobremaneira, à ordem pública. É assunto que o órgão judiciário deve controlar ex officio, a qualquer tempo e grau de jurisdição. A iniciativa do réu exibe notório caráter supletivo. Existem razões relevantes para confiar ao réu a responsabilidade exclusiva de suscitar a questão dos incisos VI e VII do art. 337. Raramente o juiz do segundo processo conhecerá, senão a existência de outra lide pendente, o que os dados do sistema de informática talvez lhe propiciem, a ocorrência de coisa julgada anterior. E a indispensável comparação dos elementos objetivos, em ambos os processos, exigirá a produção de prova documental. Em particular, cópias da inicial, do provimento de mérito e, se for esse o caso, da certidão do trânsito em julgado se afiguram indispensáveis à emissão de juízo seguro a respeito da propalada identidade total. Embora não se excluam diligências oficiais, encarregando-se o escrivão de carrear tais provas aos autos, não há outro remédio, em geral: a tarefa precípua do réu consiste em fornecer ao órgão judiciário tais comprovantes. 322.3. Consequências da configuração da litispendência e da coisa julgada – O acolhimento da alegação do réu implicará, fatalmente, a extinção do segundo processo idêntico ao primeiro. No que tange à litispendência, o dado cronológico apura-se pela data do protocolo da petição inicial: a partir daí, relativamente ao autor, já se configura a litispendência (infra, 466).
É questão das mais tormentosas a condição jurídica do provimento de mérito emitido em contraste com a coisa julgada. O lamentável conflito, resultante ou não da falta de oportuna alegação da litispendência, encontrando-se a primeira demanda em tramitação na oportunidade em que o réu contestou o segundo, resolve-se em favor a ineficácia do segundo pronunciamento (infra, 2.148.6),71 enquanto não for rescindido com fundamento no art. 966, IV. Dispõe, neste sentido, o art. 625, n.º 1, do NCPC português de 2013, que reza: “Havendo duas pretensões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”. Não há influência, de resto, na falta de alegação da coisa julgada, e da rejeição explícita dessa defesa processual, na ulterior rescindibilidade do provimento emitido em contraste com o julgado anterior. A omissão do réu não cria obstáculo para que ele mesmo pleiteie a rescisão posteriormente.72 323. Incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização O art. 337, IX, autoriza o réu alegar, como matéria de defesa, defeitos relativos à capacidade processual e à capacidade postulatória do autor. Esses vícios abrangem os pressupostos processuais subjetivos do autor. E as formas de suprimento dos defeitos receberão exame no tópico próprio (infra, 550 e 1.040), constante do capítulo dedicado às partes. É digno de registro, a esta altura, as consequências da falta do suprimento desses vícios, relativamente o autor. Regula o problema o art. 76, § 1.º, I. O juiz assinará prazo razoável para a erradicação do defeito (v.g., a designação de curador para o autor incapaz; a obtenção da vênia conjugal; a constituição de procurador), suspendendo o processo para essa finalidade. A fixação de prazo revela-se essencial. À sua falta, mesmo desatendida sua ordem, o juiz não poderá aplicar o art. 76, § 1.º.73 Deixando o autor de cumprir, tempestivamente, a determinação judicial, reza o dispositivo, o juiz extinguirá o processo. Evidentemente, a providência revela-se insuficiente quanto aos atos pretéritos e, fitando essa particularidade, o direito anterior previa a invalidação dos atos. O juiz decretará a invalidade dos atos praticados (v.g., a concessão de tutela provisória) e extinguirá o processo, através de julgamento conforme o estado do processo (art. 354), em virtude da falta de pressuposto processual, tornada irreversível ante a inércia do autor no prazo assinado, quiçá na decisão do art. 352.74 O ato do juiz que, preso à literalidade do dispositivo, decreta a invalidade do processo, de toda sorte reconhece a falta de pressuposto processual, implicando a extinção do processo, motivo por que caberá apelação.75 324. Convenção de arbitragem A convenção de arbitragem, mencionada no art. 337, X, é gênero que, segundo o art. 3.º, in fine, da Lei 9.307/1996, divide-se em duas espécies: (a) o compromisso arbitral; (b) a cláusula compromissória (pactum de compromittendo). A Lei 9.307/1996 pressurosamente definiu as duas figuras.76
324.1. Natureza da convenção de arbitragem – A convenção de arbitragem é negócio jurídico entre partes capazes (retro, 23), cujo objeto virtual são os direitos passíveis de transação (retro, 25). Este negócio jurídico constitui, conforme a opinião prevalecente, contrato processual (Prozessvertrag),77 porque surte efeitos unicamente no plano processual, ou seja, como mecanismo de solução do litígio preexistente ou superveniente. Essa categoria – negócio jurídico processual – é controvertida, mas aqui aceita (infra, 1.087). 324.2 Espécies de convenção de arbitragem – Conforme se assinalou na abertura, a convenção de arbitragem mencionada no art. 337, X, compreende duas espécies: (a) a cláusula compromissória, ou compromisso arbitral; (b) o compromisso. O compromisso arbitral é o negócio jurídico pelo qual as partes obrigam-se a submeter à arbitragem de certo litígio determinado e preexistente (art. 9.º da Lei 9.307/1996). Por sua vez, a cláusula compromissória é o pacto (ou, atendendo à terminologia do art. 337, X, a convenção) através da qual as partes se comprometem a submeter eventuais litígios à arbitragem (art. 4.º, caput, da Lei 9.307/1996). “Muitas vezes as partes incluem, nos seus contratos, uma cláusula, comprometendo-se a submeter as controvérsias, que surgirem entre elas, à decisão dos árbitros. É a cláusula compromissória, que ainda não é o compromisso, mas a obrigação de o celebrar. É o pactum de compromittendo”.78 A cláusula compromissória tem duas espécies: (a) completa, caso em que o ajuste ministra todos os elementos necessários à instituição da arbitragem, conforme o art. 5.º da Lei 9.307/1996; ou (b) incompleta (vazia). É dessa última configuração a cláusula, usualmente inserta nos contratos, ou objeto de negócio autônomo, em que os figurantes declaram que, surgindo controvérsias na interpretação ou na execução do contrato, submeterão o litígio à arbitragem. Caracteriza a cláusula compromissória vazia a submissão de litígios eventuais, não especificados e não surgidos, sem a indicação de árbitros à arbitragem. Essa noção se localizava no art. 9.º do Decreto 3.900, de 26.06.1867, uma das fontes históricas da arbitragem no Brasil. Ora, a cláusula compromissória vazia, por sua natureza, suscita o problema da execução específica, ou seja, a possibilidade de um dos figurantes no pacto, sobrevindo o conflito, arrastar o outro, todavia recalcitrante, à instituição da arbitragem. 324.2.1. Execução específica da cláusula compromissória – Sob a vigência do CPC de 1939, prevista a possibilidade de um dos figurantes obter sentença substitutiva da vontade do outro nas “promessas de contratar”, o art. 1.006, § 2.º, do CPC de 1939, reclamava, contudo, o preenchimento pelo contrato preliminar das condições de validade do contrato primitivo. Essa situação seria deveras excepcional perante a cláusula compromissória, designando as partes, contemporaneamente à formação do contrato, desde logo o objeto do futuro litígio. A essa razão se acrescentava a concepção clássica, diretamente haurida da literalidade do art. 880 do CC de
1916, segundo a qual as obrigações de fazer infungíveis, a exemplo da declaração de vontade de firmar o compromisso, em caso de inadimplemento outorgariam somente pretensão a perdas e danos. As duas razões repeliam, convergentemente, a obtenção de sentença que surtisse os próprios efeitos do contrato definitivo ou compromisso. O STF teve oportunidade de perfilhar esse entendimento.79 Em que pese redação substancialmente distinta da expressa no art. 639 do CPC de 1973, fonte revogada da previsão da sentença substitutiva da vontade, mas disposição reproduzida no art. 501 do NCPC, porque trocou a radical exigência do preenchimento dos requisitos do contrato definitivo pelo conceito juridicamente indeterminado “sendo isso possível”, mais elástico, a antiga e rígida linha tradicional subsistiu em voga na vigência do segundo código unitário.80 Fundamentava-se o alvitre na impossibilidade de o órgão judiciário, conquanto cabível a substituição da vontade do figurante em formar o contrato definitivo, substituir-lhe a vontade quanto ao conteúdo deste último.81 O STF reconheceu esse obstáculo.82 O problema não assumiu proporções maiores, gerando reações mais intensas, porque ordinariamente os contratantes tudo ajustam no contrato preliminar, objeto da pretensão do art. 501 do NCPC. A promessa de compra e venda de bem imóvel já traz todos os elementos essenciais do contrato definitivo (os contratantes, o preço e o objeto). E as estipulações que faltarem no pré-contrato se incorporam a ele mediante os termos do contrato-padrão (art. 27 da Lei 6.766/1979). Em muitas situações, todavia, o conteúdo do contrato definitivo é indeterminado, no todo ou em parte, e o problema aventado, de regra latente, surge na sua plenitude desconfortável. Figure-se o caso de pré-contrato de distribuição (art. 710 do CC), visando à venda de bens de consumo duráveis por conta de empresa estrangeira, em que os parceiros nada dispõem acerca dos investimentos e da participação dos futuros distribuidores, vez que ignoravam a zona que o distribuído lhes confiaria, o preço e o volume dos bens postos à disposição. Se o contrato preliminar já contém todos os elementos do contrato definitivo, o provimento judicial calcado no art. 501 revelar-se-ia supérfluo,83 porquanto, na realidade, os contratantes já haviam formado o contrato definitivo. Implicitamente que seja, portanto, a pretensão do art. 501 autoriza o juiz a completar e fechar o conteúdo do futuro contrato, valendo-se, para essa finalidade, do debate das partes. Resolveu problema em termos definitivos, no caso específico da cláusula compromissória, o art. 7.º da Lei 9.307/1996. Um dos figurantes poderá citar o outro, que recalcitra, para lavrar o compromisso, e, assim, dar início à solução do litígio por via de arbitragem. O STF reconheceu, incidentalmente, a constitucionalidade dessa disposição.84 A partir daí, a controvérsia se aquietou definitivamente, auxiliada por atmosfera altamente favorável à difusão da arbitragem. 324.2.2. Princípio de competência na cláusula compromissória – O regime do CPC de 1939 suscitava dúvidas no concernente aos efeitos processuais da cláusula compromissória, acudindo o recalcitrante à via judiciária e submetendo o litígio à Justiça Pública.
Em princípio, a convenção de arbitragem, nas suas duas espécies, surtirá dois efeitos: (a) negativo, impedindo a resolução da lide perante o órgão judiciário; (b) positivo, obrigando os figurantes do negócio jurídico a resolver a lide na arbitragem.85 O primeiro problema do efeito negativo consiste na possibilidade de o réu trancar a admissibilidade da pretensão da contraparte, alegando a existência de cláusula compromissória como objeção. Em outros ordenamentos, como o francês86 e o italiano,87 cláusula compromissória e compromisso equivaliam-se como objeção hábil para retirar o feito da apreciação do juiz; entre nós, ao contrário, negava-se tal efeito ao pactum de compromittendo.88 Para esse efeito, no direito anterior a regra predecessora do art. 337, X, sofreu alteração legislativa, passando a permitir a alegação da “convenção de arbitragem”, fórmula que abrange as duas espécies – o compromisso propriamente dito e a cláusula compromissória. O STJ decidiu, corretamente, a modificação autoriza a invocação da cláusula compromissória.89 Pode acontecer de o autor, confrontado pela cláusula compromissória – hipótese mais comum, mas o raciocínio não se altera no caso do compromisso arbitral –, no prazo de réplica (art. 351), alegar a inexistência, a invalidade ou a ineficácia, incluindo aí a abrangência subjetiva (v.g., a cláusula não alcança o réu) e objetiva (v.g., a cláusula não compreende o litígio) da cláusula compromissória. Essa réplica trará à tona delicadíssimo problema de política legislativa. A correta dimensão das relações entre o órgão judiciário e o tribunal arbitral e o futuro da arbitragem passam por esse problema. Dá-se o nome de princípio de competência ou – segundo a fórmula alemã – Kompetenz-Kompetenz ao regime das relações entre o tribunal arbitral e os órgãos jurisdicionais estatais. Ou, em outras palavras, a competência para determinar a competência de apreciar incidentalmente, ou em caráter princípio, a cláusula de arbitragem. É digno de registro que os cultivadores da arbitragem inculcam a teoria do caráter jurisdicional da arbitragem,90 e, portanto, encaram esse fenômeno como conflito de jurisdição. Essa tese parece excessivamente radical. Em nosso sistema processual, malgrado o disposto no art. 31 da Lei 9.307/1996, o controle judiciário,a posteriori, afigurase mais ampla do que o sustentado por essa linha doutrinária (retro, 30). Seja como for, a nomenclatura tradicional é aceita sem maiores inconvenientes.91 O problema decorre da circunstância de o poder de julgar dos árbitros proceder da convenção de arbitragem, em geral da cláusula compromissória, e não parece lógico constituir-se o tribunal arbitral apenas para reconhecer não dispor concretamente desse poder. Nada obstante, poderosas razões jurídicas e práticas indicam que a firmeza da instituição arbitral, em dado ordenamento jurídico, reclama esse entendimento.92 A esse propósito, desenvolveram-se três sistemas, em sentido largo e desprezados os pormenores: (a) o sistema da competência concorrente de árbitros e juízes (v.g., no direito norte-americano); (b) o sistema da competência prioritária incondicionada do tribunal arbitral (v.g., os artigos 1.456 e 1.466 do Code de Procédure Civile francês); e (c) sistema da competência prioritária condicionada do tribunal arbitral (v.g., a lei modelo da UNCITRAL).93 A opção brasileira resulta de interpretação sistemática.
É indubitável que, a teor do art. 8.º, parágrafo único, da Lei 9.307/1996, conferiu ao tribunal arbitral o poder de conhecer a inexistência, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, em geral, e da cláusula compromissória, em particular. À primeira vista, porém, não declara a exclusividade dessa competência, ou seja, o órgão judiciário não fica impedido de examinar questões, incidentalmente, nem se infere do art. 337, X, levantada a objeção processual peremptória, seguir-se extinção automática e fatal. No entanto, a análise compreensiva de outras disposições já conduzia à convicção que tal é o regime brasileiro. O art. 32, I, da Lei 9.307/1996 aponta como nula a sentença arbitral se “for nula a convenção de arbitragem”; por sua vez, o art. 32, IV, da Lei 9.307/1996, comina idêntica nulidade se “for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem” – claramente, problema de eficácia ou de sentença inutiler data -, o remédio para decretar essas invalidades é a ação anulatória do art. 33,caput, da Lei 9.307/1996, ou a impugnação hoje prevista no art. 525, § 1.º (art. 33, § 3.º), ambas exercitáveis a posteriori. E avulta que, a teor do art. 20, caput, da Lei 9.307/1997, se o figurante almeja “arguir questões relativas à… nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem”, há de fazê-lo “na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem”, ou seja, nas alegações iniciais, simultânea ou sucessiva às da contraparte. Por conseguinte, não cabe o controle judiciário prévio da existência, validade e eficácia da cláusula compromissória, mas unicamente o controle ulterior. Esse entendimento reforça o efeito positivo da convenção de arbitragem: quem se obriga à arbitragem não pode acudir, sob qualquer pretexto, à autoridade judiciária para evitá-la. Em notável precedente, o STJ adotou a tese e assentou o seguinte: “Nos termos do artigo 8.º, parágrafo único, da Lei de Arbitragem a alegação de nulidade da cláusula arbitral instituída em Acordo Judicial homologado e, bem assim, do contrato que a contém, deve ser submetida, em primeiro lugar, à decisão do próprio árbitro, inadmissível a judicialização prematura pela via oblíqua do retorno ao Juízo”.94 Levantada objeção do art. 337, X, pelo réu, impende ao juiz extinguir automaticamente o processo, na forma do art. 485, VII. Por essa razão, inseriu-se no inciso VII do art. 485 do NCPC a hipótese: “… ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência” 324.3. Efeitos da convenção de arbitragem – A convenção de arbitragem, nas suas duas espécies, oferece ao réu a objeção processual peremptória do art. 337, X. Fatalmente, a alegação provocará a emissão de sentença terminativa (art. 485, VII). Controverte-se a natureza dessa defesa peculiar, pré-excluindo o litígio da autoridade judiciária. Há os que preferem designá-la de impedimento processual,95acompanhando a fórmula alemã de exceção de impedimento processual (prozesshindernden Eirede).96 Existe diferença entre as espécies: no caso de cláusula compromissória vazia, lícito se afigura ao réu deduzir o direito que resulta do pré-contrato através de reconvenção, havendo resistência do autor estampada na iniciativa de acudir à via judicial, objetivando a instituição da arbitragem.97
Nem o compromisso, nem a cláusula compromissória comportam conhecimento ex officio do juiz (art. 337, § 5.º). Essa regra suprimiu o defeito da regra predecessora, a qual aludia nominalmente apenas ao compromisso arbitral, porque a então superveniente Lei 9.307/1996 manteve a redação originária, em flagrante lapso, não significava que o juiz conhecerá de ofício da existência da cláusula compromissória, embora não possa apreciar, prima facie, dos problemas a ela atinentes. O art. 337, § 6.º, dispôs expressamente acerca da inércia do réu. Ela implica renúncia a via arbitral e aceitação da Justiça Pública. A interpretação sistemática dos dispositivos do segundo código unitário conduzia a esse mesmo entendimento.98 Pode acontecer de autor, manifestando-se no prazo do art. 351, primeira parte, replicar com a nulidade da convenção de arbitragem. Por exemplo, o autor alega que se trata de contrato de adesão e inexistiu a aposição de visto específico na cláusula, infringindo, pois, o art. 4.º, § 2.º, da Lei 9.307/1996. Ora, o princípio de competência, examinado no âmbito da cláusula compromissória, pré-exclui o exame incidental dessa matéria pelo juiz estatal, restando-lhe, nessa conjuntura, remeter as partes à via arbitral para dirimir o ponto.99 O oferecimento da defesa processual, com fundamento no art. 337, X, implicará a emissão de sentença terminativa (art. 485, VII, c/c art. 354, caput). 325. Ausência de legitimidade ou de interesse processual Uma das expressões mais infelizes do CPC de 1973 localizava-se no revogado art. 301, X: “carência” de ação. Era empregada na linguagem forense, para retratar julgamentos distintos da rejeição do pedido, englobados na sentença de improcedência,100 e seu sentido era e é obscuro e impróprio, em má hora introduzido na lei. Entende-se por tal o juízo a respeito das condições da ação, cujo papel, na órbita da teoria eclética, recebeu exame anterior (retro, 225). Impõe-se reproduzir, no essencial, os dados então coligidos. Em tal linha de raciocínio, o direito fundamental de provocar o pronunciamento do órgão judiciário (Rechtschutzanspruch) constitui poder genérico, indeterminado e inconsumível, mas seu exercício não obriga o juiz a prestar jurisdição propriamente dita.101 Essa resposta só é dada à pessoa que, alegando algum direito passível de tutela, invocar e descrever “situação determinada e concreta”.102 O autor dispõe da autêntica ação (o agir que corresponde ao direito fundamental processual de acesso à Justiça) quando e se demonstrar um elo entre o ato de provocação do órgão estatal e essa situação concreta.103 Esse vínculo particular assentaria nas condições da ação, encaradas como “as condições para que, legitimamente, se possa exigir, na espécie, o provimento jurisdicional”.104 Faltando, em certo caso, “as condições da ação ou mesmo uma delas (interesse e legitimação para agir) dizemos que ocorre carência de ação, devendo o juiz negar o julgamento de mérito e então declarar inadmissível o pedido. A ação, como direito ao processo e ao julgamento do mérito, não
garante um resultado favorável no processo: esse resultado depende da convicção que o juiz formar sobre a procedência da demanda proposta”.105 A extraordinária consequência dessa teoria encontra-se subentendida: na ausência das condições, inexiste ação, processo e atividade jurisdicional.106 Nenhuma explicação recebe a causa e a natureza da atividade desenvolvida pelo órgão judiciário, talvez por demorados e custosos anos, eventualmente em vários graus de jurisdição, quando, no final, reconhece a inexistência de uma das condições da ação e emite juízo de “carência”. O surreal é que nada de relevante aconteceu para o direito processual. Todavia, é inegável que o autor forçou o órgão judiciário a pronunciar-se, porque acionou, formou o processo, pouco importando o conteúdo do pronunciamento judicial. A teoria eclética identificou, originariamente, três condições da ação: (a) o interesse processual; (b) a legitimação para agir; e (c) a possibilidade jurídica do pedido.107 Dessas condições, banida a possibilidade jurídica do pedido, sobrevieram a legitimidade das partes e o interesse processual nos artigos 337, XI, cuja ausência provocará a extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, VI).108 O art. 17 também contenta-se com o interesse e a legitimidade. E o réu tem o ônus de alegar a questão preliminar relativa à a tal matéria. À enumeração das três condições originárias antecedia, no direito anterior, o pronome “qualquer”. Significava essa fórmula a imperiosa necessidade de se configurarem as três condições, simultaneamente, para o autor superar a barreira íngreme e espinhosa da admissibilidade da pretensão processual. A falta de uma só já implicava a extinção do processo. Não era possível outorgar a qualquer outra questão, além dessas três, o tratamento próprio das condições da ação.109 Os graves inconvenientes já delineados só aumentariam de vulto. Convém recordar que o formulador da teoria, abalado com o desaparecimento do caso mais conspícuo de “impossibilidade” do pedido – o da proibição do divórcio – aboliu essa categoria, infelizmente sem a devida repercussão no CPC brasileiro de 1973. Fora daí, a condições da ação conservaram, no curso de notável evolução de quarenta anos, o feitio originário. As três situações comungavam o efeito de todas juntas mostrarem-se indispensáveis à existência da ação.110 E, nessa linha de pensamento, a ação era o direito à resolução do mérito, ao processo e à jurisdição. A ação é o “direito de obter o julgamento da lide deduzida no processo”,111 e, a contrario sensu, impedido o juiz de julgar a lide, inexistirá ação. Logo, as condições localizam-se em ponto anterior ao mérito propriamente dito.112 É preciso entender que, ausente uma das condições, seja tal circunstância apurada à primeira vista, avaliando as alegações do autor, seja após a instrução da causa e o esclarecimento do contexto probatório, ou juiz emitirá juízo de admissibilidade.113 Na realidade, sob o rótulo de “condições” da ação agrupam-se questões que, realmente, surgem no espírito do juiz, provocadas ou não pelo réu. Todavia, inexiste “carência” de ação. Faltam, isto sim, pressupostos para o juiz examinar o mérito.114 Esse é o modo de conciliar as disposições
legislativas com a realidade. Firmada uma posição no CPC de 1973, cumpria aplicá-la, respeitadas as discordâncias teóricas.115 A legitimidade e o interesse processual expressam, atualmente, os requisitos da inserção da pretensão processual (ou mérito) no processo.116 A respectiva ausência impede a análise concludente dessa pretensão. Realmente, o itinerário do juiz, cujo destino final máximo é o acolhimento ou não dos pedidos formulados pelo autor e pelo réu, na reconvenção, passa por algumas questões que, suscitadas ou não pelas partes, surgem em seu espírito, erigindo-se como obstáculos a serem superados pela pretensão do autor. Às vezes, essas questões mostram-se flagrantes, indicando a inviabilidade do prosseguimento do processo. Tal acontece em duas situações: (a) os fatos narrados na inicial desautorizam, desde logo, a análise e o acolhimento do pedido, a atribuição do bem da vida pretendido ao autor (v.g., o avô pretende impugnar a paternidade do neto); (b) nenhum fato, narrado e provado, autoriza a análise e o acolhimento do pedido, abstratamente vetado no ordenamento jurídico. Nesses casos, evidenciada a inutilidade do prosseguimento do processo, que jamais chegará a resultado útil, o juiz proferirá o juízo de inadmissibilidade – na verdade, abstém-se de julgar o pedido perante improcedência macroscópica.117 O juízo de improcedência, no qual o órgão judiciário rejeita, positivamente, o pedido formulado (art. 487, I) fica reservado à hipótese de o fato narrado e provado desautorizar a atribuição do bem da vida ao autor.118 Em oportunidade anterior (retro, 225), ilustrou-se essa situação com um exemplo tirado da jurisprudência. Ele põe à mostra a função básica das condições da ação no processo e na resolução do juiz. Os netos de suposto filho natural, mas pré-morto, propuseram ação declaratória de relação avoenga, contra os netos reconhecidos do avô comum. O juiz de primeiro grau extinguiu a ação, sob o fundamento que a investigação de paternidade é personalíssima, legitimando-se, assim, tão só os filhos do suposto pai, e, não, os respectivos netos. O órgão fracionário do tribunal proveu a apelação, ordenando o prosseguimento do processo, mas os embargos infringentes restauraram a sentença de primeiro grau. Interposto o recurso especial, o STJ proveu para admitir a legitimidade dos netos.119 O problema da legitimidade do neto para obter declaração a respeito da existência de parentesco apresentou-se ao órgão judiciário, no caso, como uma questão prévia, cuja resolução se mostrava indispensável, antes de investigar o efetivo parentesco. Os fatos narrados pelo autor desautorizavam, no alvitre do órgão judiciário de primeiro grau, em tese, a atribuição do bem da vida. E, decidida desfavoravelmente ao autor essa questão, o ato decisório dispensou a etapa subsequente – o parentesco à luz da genética –, precipitando a extinção do processo. Por definição, esse pronunciamento não tocou a questão central do mérito – o pré-morto era, ou não, filho do avô comum –, e, no sistema do NCPC, não
produzirá coisa julgada material – o art. 486, caput, explicitamente autoriza o autor a renovar o pedido no caso de extinção do processo com base no art. 485, VI, corrigido o defeito (art. 486, § 1.º) – nesses casos, claramente impossível. Ninguém se surpreenderá, porém, com o fato de o STJ admitir a ação rescisória proposta contra o julgado mencionado, todavia julgada improcedente.120 Em suma, a cognição do órgão judiciário abrange, no direito brasileiro, três classes de questões: os pressupostos processuais, as condições da ação e o mérito. Nos dois primeiros casos, extinto o processo por falta de pressuposto processual ou condição da ação, inexistirá julgamento do mérito, e, portanto, o provimento não se revestirá da autoridade de coisa julgada. As espécies de condições da ação já receberam exame com pormenores no capítulo da ação (retro, 225). A ausência dessas condições é objeto de defesa processual peremptória do réu, cuja alegação é supletiva à atuação oficial. O assunto pode ser conhecido, ex officio, sem provocação do réu, a teor dos arts. 337, § 5.º, e 485, § 3.º. Também naquele capítulo examinou-se, com largueza, o surgimento dessas condições posterior à formação do processo (retro, 226.1) e o desaparecimento superveniente (retro, 226.2). Resta recordar a subsistência residual de casos de “impossibilidade”, a priori, a exemplo do reexame judicial das penas impostas na justiça administrativa, a teor do art. 217, § 1.º, da CF/1988 (retro, 127). 326. Ausência de caução ou de outro pressuposto processual objetivo A relação processual tem seus elementos de existência, pressupostos de validade e fatores de eficácia. As questões relativas a tais elementos, pressupostos e fatores agrupam-se sob a designação imprópria de “pressupostos processuais” (retro, 97). E as questões surgidas neste âmbito classificam-se, segundo outro critério, de um lado em (a) pressupostos subjetivos, relativos ao órgão judiciário e às partes, e, de outro, em (b) pressupostos objetivos, por sua vez divididos em (ba) intrínsecos ou (bb) extrínsecos ao processo em que se origina a questão.121 Figuram, dentre os pressupostos objetivos extrínsecos, por exemplo: (a) a cautio pro litis expensis, prevista no art. 83; (b) o prévio pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios do processo anterior, pretendendo o autor renovar a pretensão extinta sem resolução do mérito (art. 486, caput, e § 2.º, c/c art. 92). É a essas questões que alude o art. 337, XII. Explicitamente, a regra aponta a caução ou “outra prestação que a lei exige como preliminar”. Logo acode o exemplo da caução do art. 83 e a prestação do art. 486, § 2.º. A importância daqueles dois primeiros requisitos exige exame autônomo. Também se mencionava, no direito anterior, a ausência de preparo que provoca o cancelamento da distribuição.122 Atualmente, o assunto é objeto do art. 290, ocorrendo o cancelamento após a intimação do autor para realizar o ato em quinze dias. Por óbvio, extingue-se o processo, com fundamento no art. 485, X, e, se for o caso, é matéria de contestação.
A falta de pagamento das despesas processuais enseja a extinção do processo, igualmente com fundamento no art. 485, X, em duas outras situações: (a) após a correção do valor da causa, ex officio ou a requerimento do réu, seguindo-se a inércia do autor em pagar as despesas processuais já vencidas; e (b) após a revogação do benefício da gratuidade ao autor, não recolhendo o autor as despesas de cujo adiantamento fora dispensado, no prazo fixado pelo juiz, conforme prevê o art. 102, parágrafo único. A incorreção do valor da causa (art. 337, III) e a indevida concessão do benefício da gratuidade (art. 337, XIII) passaram a integrar o conteúdo da contestação do réu. Objetivou o NCPC eliminar incidentes autônomos a esse respeito, concentrando a matéria na defesa do réu. Impende recordar, todavia, incumbir ao autor impugnar a concessão da gratuidade ao réu na réplica ou, se for o caso de concessão em estágio posterior, ou nas contrarrazões ao recurso (art. 110). Não se eliminou, totalmente, o incidente, mas negou-se autonomia: a matéria comporta alegação por petição simples, nos próprios autos, no prazo de quinze dias, e sem suspensão do processo. Como quer que seja, tais matérias respeitam a pressupostos processuais e objetivos, razão para reuni-las nesse item. 326.1. Prestação de caução pro litis expensis – Um dos riscos financeiros do processo reside no dever de pagar ao adversário as despesas do processo e os honorários advocatícios em caso de derrota. O art. 83 exige do autor brasileiro ou estrangeiro, residindo fora do território nacional ou deixando de nele residir no curso do processo, a prestação de caução, assegurando o pagamento desse risco financeiro do processo, não dispondo de patrimônio imobiliário no Brasil. O art. 83 constitui norma tradicional no direito brasileiro. Era prevista nas Ordenações Filipinas (Livro 3, Título 20, § 6.º). Posteriormente, o art. 10 da Lei de 29.11.1832 – as célebres “disposições provisórias acerca da administração da Justiça Civil” que acompanharam Código de Processo Criminal do Império – aboliu a “fiança às custas”, embora a contrapartida, tornando-se vencido e descumprindo a obrigação de pagá-las, consistisse na prisão do autor vencido (“Ficam abolidos os juramentos de calúnia… assim como a fiança às custas, ficando o autor vencido obrigado a pagá-las da cadeia quando o não faça vinte e quatro horas depois de requerido por elas”). A regra originou-se, no direito francês, em lei de 1557 (cautio judicatum solvi).123 Após reviravoltas legislativas, incorporou-se ao art. 67 do CPC de 1939, para adquirir a consistência melhorada do art. 835 do CPC de 1973, passando deste para o art. 83 do NCPC. Encarado como obstáculo ao ingresso em juízo, porque institui prestação indispensável ao desenvolvimento do processo, não padece de inconstitucionalidade.124Primeiro, trata igualmente o autor estrangeiro e nacional. Segundo, pode ser estendida, por analogia, ao réu que tomar a iniciativa de veicular pretensão, em igualdade de condições. Terceiro, em casos extremos, à pessoa natural e jurídica, nacional ou estrangeira, mostrase lícito, pretendendo forrar-se aos riscos da sucumbência, pleitear e obter o benefício da gratuidade, que a todos é concedido. A cauzione per le spese no direito italiano sofreu restrições análogas sem maior sucesso.125
A caução do art. 83 não tem natureza cautelar. De um lado, o receio de dano revela-se eventual, porque o autor pode lograr êxito na pretensão, a par de a parte exibir patrimônio mobiliário no território nacional; de outro, o juiz não avalia a verossimilhança do direito, bastando os fatos objetivos descritos na regra: a residência no exterior, ou a ausência no curso do processo, e a inexistência de bens imóveis. A caução erige pressuposto processual para o futuro processo. Deixando o autor de prestá-la, quando exigível, incumbe ao réu alegar o fato na defesa (art. 337, XII), e o juiz, ao acolhê-la, extinguirá o processo sem resolução de mérito (art. 485, IV). Em tal perspectiva, a prestação de caução constitui ônus atribuído ao autor. A caução não é exigível, ainda que o autor tenha domicílio no exterior, ou se ausente do território nacional na pendência da demanda, existindo bens imóveis. Não interessa, portanto, a pujança do patrimônio mobiliário, a exemplo de ativos financeiros. Eles servem apenas para definir a modalidade da caução. Por óbvio, impõe-se que tais imóveis sejam penhoráreis, exibindo valor suficiente para, no caso da sucumbência, satisfazer o valor das despesas processuais e dos honorários advocatícios. Não se cogita de bens livres e desembargados. O único bem imóvel do autor pode encontrar-se gravado com hipoteca, e, nada obstante, detraído o valor do gravame real, restar saldo suficiente. É autor, para os fins do art. 83, a pessoa natural e jurídica, nacional ou estrangeira, e que toma a iniciativa de veicular pretensão em juízo. Ficam dispensados o cidadão ou o residente permanente e a pessoa jurídica sediada no Mercosul, por força do Protocolo de Las Leñas, incorporado ao direito brasileiro pelo Decreto Legislativo 55, de 19.04.1995, e promulgado pelo Dec. 2.067, de 12.11.1996.126 É a ressalva do art. 83, § 1.º, I, do NCPC. A iniciativa de ingressar em juízo pela pessoa abrangida no art. 83 provocará a necessidade de o réu, desejando defender-se, realizar despesas no curso da demanda. Tais despesas, no caso de vitória do réu, hão de ser reembolsadas. Para tal efeito, inexistindo patrimônio imobiliário no Brasil, o autor constituirá a garantia. O terceiro que opõe embargos de terceiro, ou propõe oposição, é autor. Deverá prestar caução, nas condições do art. 83. Embora configurados os pressupostos do artigo antecedente, o art. 83 dispensa a caução em duas hipóteses. Na execução fundada em título judicial ou extrajudicial, o art. 83, § 1.º, II, dispensa a caução, porque o exequente exibirá crédito certo e líquido, e a penhora abrangerá as despesas e os honorários Porém, figurando como executado alguém nas condições do art. 83, caput, já mostrar-se-á necessária a caução, porque a penhora não abrange as despesas e os honorários da oposição. Dispensa-se a caução na reconvenção e, a fortiori, na reconvenção da reconvenção, segundo o art. 83, § 1.º, III, porque a iniciativa da parte contrária
ensejou esse contra-ataque. Não parece legítimo, portanto, imputar ao reconvinte o ônus de prestar caução. A caução não se mostra exigível nas intervenções de terceiro provocadas pela parte contrária (v.g., na denunciação da lide), por identidade de motivos. Porém, nas intervenções voluntárias, inclusive na hipótese do recurso de terceiro prejudicado, que é uma assistência tardia, a eventual sucumbência exigirá a caução, atendidos os pressupostos do art. 83. O art. 83, § 2.º, disciplina a pretensão de reforço da garantia, justificando o interessado o pedido “com a indicação da depreciação do bem dado em garantia e a importância do reforço que pretende obter”. Não está claro se o órgão judiciário resolverá tais magnas questões incidentalmente ou através de remédio próprio. Ao nosso ver, a última via parece mais adequada, a par de coerente com os esforços tendentes a eliminar os incidentes autônomos, expungindo da tramitação do feito essa discussão colateral. É situação peculiar, diferente da tutela provisória antecedente, mas inexiste dúvida que semelhante medida pode ser reclamada incidentemente (art. 294, parágrafo único), incidindo a dispensa do pagamento de custas (art. 295). 326.2. Depósito ou pagamento da sucumbência anterior – O art. 486, § 1.º, exige que o autor, renovando demanda anteriormente extinta sem resolução do mérito, comprove o pagamento ou o depósito dos ônus da sucumbência, sem o que a inicial “não será despachada”. A prova do depósito ou pagamento transforma-se, pois, em documento indispensável, a teor do art. 320, acompanhando obrigatoriamente a inicial. Esse dispositivo aplica-se à segunda causa idêntica, no que tange aos seus elementos: partes, causa e pedido (art. 337, § 2.º). Não tem incidência nos casos em que autor modificar a causa ou o pedido. Uma das hipóteses em que o juiz extinguirá o processo, após prévia intimação do autor, reside no abandono da causa (art. 485, III), hipótese em que, conforme o art. 485, § 2.º, o autor responderá integralmente pelas despesas processuais e honorários de advogado. De seu turno, o art. 92 contempla idêntica sanção à do art. 486, § 2.º, generalizando a exigência para quaisquer casos de extinção sem resolução do mérito. Evidentemente, o art. 92 revela-se supérfluo, pois o art. 486, § 2.º, cuida de todas as hipóteses do art. 485. E introduz, ainda, exigência de o réu ter provocado a extinção, sabido que o assunto é também confiado à atuação ex officiodo juiz. Em tal hipótese, subsiste a exigência do pagamento ou do depósito. A falta dessa prestação traduz defeito suprível. Apesar de o art. 486, § 2.º, impedir o órgão judiciário de despachar a inicial, há que se entender o obstáculo nos seus devidos termos. É lícito ao juiz, como sói ocorrer quanto aos pressupostos processuais, assinar ao autor o prazo de quinze dias para corrigir o vício (art. 321,caput).127 Em geral, faltar-lhe-á o conhecimento do processo anterior; dai, a previsão da matéria no art. 337, XII. Deixando o autor, em tal oportunidade, de pagar os valores devidos, diretamente à parte, ou depositá-los no juízo em que tramitou o processo anterior, a fim de que sejam levantados pelos interessados, então caberá o indeferimento da inicial (art. 330, IV) e a extinção do processo (art. 485, I). O alcance real da
expressão “não despachará”, portanto, é no sentido de vetar a ulterior tramitação do processo sem o preenchimento do pressuposto. 326.3. Impugnação ao valor da causa – A impugnação ao valor da causa sofreu notável simplificação, eliminando o incidente autônomo e passando a integrar o conteúdo da contestação (art. 337, III). Segundo o art. 293, compete ao réu alegar a matéria em preliminar, sob pena de preclusão, decidindo o juiz a respeito e, acolhida a objeção, determinará a complementação das custas. Fica subentendido que assinará para esse efeito o prazo do art. 352. O ato do juiz não comporta agravo autônomo. Findo o interregno sem a correção do vício, o juiz extinguirá o processo, com fundamento no art. 485, X. 326.4. Impugnação da concessão do benefício da gratuidade – A concessão do benefício da gratuidade a uma das partes provoca grave desequilíbrio nos riscos financeiros do processo. É um poderoso estímulo às aventuras judiciárias, beneficiando unicamente o autor, pois só o réu assumirá os riscos do insucesso. Ao mesmo tempo, das despesas do processo constituem empecilho relevante ao acesso pleno à Justiça, e, por esse motivo, sem embargo desse desequilíbrio desvantajoso, os ordenamentos jurídicos contemporâneos modernizaram os mecanismos de assistência judiciária. A institucionalização da Defensoria Pública, na CF/1988, representou a viragem decisiva nesse assunto. Faltava atualizar a Lei 1.060/1950. O NCPC disciplina o benefício da gratuidade, prestado pela advocacia privada, nos artigos 98 a 102, revogando parcialmente, no art. 1.072, III, dispositivos da vetusta Lei 1.060/1950. A objeção da indevida concessão do benefício da gratuidade, prevista no art. 337, XIII, respeita unicamente ao benefício concedido ao autor. A concessão desse benefício ao réu e aos intervenientes, ou a concessão no curso do processo (v.g., a parte não dispõe de recursos para depositar os honorários do perito, deferida a prova pericial na decisão de saneamento e de organização do processo, a teor do art. 357, II), receberá impugnação por petição simples, sem suspensão do processo, apresentada no prazo de quinze dias da intimação ou ciência do ato do juiz. Não tem cabimento a preliminar do art. 337, XIII, no caso de o autor representar-se por órgão da Defensoria Pública. Em tal hipótese, ocorreu verificação prévia da situação do vulnerável. A Defensoria Pública tem a prerrogativa de realizar esse exame, prestando assistência judiciária unicamente aos que demonstrarem insuficiência de recursos. Ao invés, o juiz concederá benefício da gratuidade à pessoal natural com base na presunção de veracidade da sua alegação (art. 99, § 3.º), embora deva indeferir o pedido existindo indícios em contrário, facultando ao interessado a comprovação da situação (art. 99, § 2.º). Formulada a objeção do art. 337, XIII, o órgão judiciário tomará a providência preliminar do art. 351, facultando ao autor a prova da sua condição financeira. Acolhida a alegação, fixará o prazo do art. 352 para o recolhimento das despesas. Esse ato, excepcionalmente, comporta agravo de instrumento (art. 1.015, X). Por sinal, a redação desse dispositivo permite a
interposição do agravo de instrumento diretamente pelo réu, uma vez concedido o benefício requerido na petição inicial (art. 99, caput). Vencido o autor nessa matéria, porque sobreveio o trânsito em julgado (rectius: preclusão), reza o art. 102, a autor deverá recolher as despesas dispensadas, incluindo as relativas ao agravo de instrumento, e, não o fazendo, o juiz extinguirá o processo sem resolução de mérito (art. 102, parágrafo único). A sentença terminativa fundar-se-á no art. 485, X.
Capítulo 20. DEFESA DE MÉRITO SUMÁRIO: § 76.º Defesa direta de mérito no processo civil – 327. Espécies de defesa direta de mérito – 328. Características da defesa de mérito direta – § 77.º Impugnação dos fatos – 329. Conceito de impugnação dos fatos – 330. Impugnação direta do fato constitutivo – 330.1. Fundamento da manifestação precisa – 330.2. Natureza da manifestação precisa – 330.3. Finalidade da manifestação precisa – 330.4. Requisitos da manifestação precisa – 330.5. Efeitos da manifestação precisa – 331. Impugnação indireta do fato constitutivo – 332. Exceções subjetivas à impugnação específica – 332.1. Isenção do advogado dativo do ônus da impugnação específica – 332.2. Isenção do curador especial do ônus de impugnação – 332.3. Isenção do Defensor Público do ônus da impugnação específica – 333. Exceções objetivas à impugnação específica – 333.1. Fatos insuscetíveis de confissão – 333.2. Fatos dependentes da prova documental – 333.3. Fatos em contradição ao conjunto da defesa – 333.4. Fatos comuns no litisconsórcio unitário – 334. Consequências da falta de impugnação dos fatos – § 78.º Impugnação do direito – 335. Conceito de impugnação do direito – 336. Diferença entre questões de direito e questões de fato – 337. Modalidades de impugnação do direito – 338. Consequências da falta de impugnação do direito – § 79.º Defesa indireta de mérito no processo civil – 339. Exceção como meio de defesa de mérito – 340. Natureza da exceção substancial – 341. Espécies de exceções substanciais – 341.1. Exceções autônomas e dependentes – 341.2. Exceções pessoais e impessoais – 341.3. Exceções dilatórias e peremptórias – 342. Principais exceções substanciais – 343. Ônus de alegar e ônus de provar a exceção substancial – 344. Efeitos do oferecimento da exceção substancial – 344.1. Omissão do autor quanto à exceção substancial – 344.2. Impugnação do autor à exceção substancial – 344.3. Reconhecimento da exceção substancial pelo autor – 344.4. Consequências do desrespeito ao contraditório – 345. Julgamento da exceção substancial. § 76.º Defesa direta de mérito no processo civil 327. Espécies de defesa direta de mérito À pretensão deduzida pelo autor na petição inicial, formada pela causa de pedir e pelo pedido, predeterminando o mérito, o réu pode opor defesa direta. Essa espécie de defesa é típica da contestação. E assumirá duas linhas básicas, paralelas e concorrentes. Primeira: o réu rejeita a ocorrência do fato constitutivo alegado pelo autor (art. 319, III), apresentando, ou não, versão própria do episódio da vida narrado na inicial, ou das suas variantes, neste ou naquele ponto, observando escrupulosamente – é o que se espera – o dever de veracidade (art. 77, I). Segunda: o réu admite a veracidade do fato
constitutivo alegado pelo autor, explícita ou implicitamente, mas nega que produza efeitos jurídicos, ou alega que tais efeitos são diferentes dos sustentados autor, a fim de amparar o pedido. Em nosso sistema jurídico, a inadmissibilidade do pedido, em si, porque vetado na ordem jurídica – improcedência prima facie -, constituía matéria de defesa processual. A eliminação desse tópico no art. 485, VI, reconduz o assunto aos domínios do mérito. Esse é o sítio natural dos provimentos que, à primeira vista, rejeitam o pedido (art. 332). As facetas da defesa de mérito – impugnação dos fatos e impugnação do direito – devem ser empregadas pelo réu seriamente, haja vista o princípio da probidade (art. 5.º). Eventual abuso, ou porque a impugnação dos fatos não se reveste de idoneidade, ou porque a impugnação do direito reproduz teses jurídicas já vencidas, enseja a aplicação do art. 311, I, e a possibilidade de o juiz antecipar os efeitos do pedido (infra, 1.468.1). 328. Características da defesa de mérito direta É flagrante que, na impugnação de fato direta ou indireta, a atitude do réu suscita dúvida quanto à alegação de fato do autor. A defesa provocará, então, e tecnicamente, o surgimento de questão de fato. A controvérsia sobre o fato constitutivo exigirá a produção de prova, não bastando para dirimi-la, desde logo, a prova documental já produzida (art. 434, caput). Se a impugnação não for razoável, possibilita-se ao órgão judiciário a concessão de tutela provisória, baseado na evidência (art. 311, IV). Na impugnação de direito, ao invés, a defesa recai em matéria jurídica. Formam-se questões de direito, independentes de prova, e, inexistindo simultâneas questões de fato, imediatamente resolvidas pelo órgão judiciário no julgamento antecipado (art. 355, I). Em qualquer desses casos, o réu impugna o pedido do autor (art. 336). O acolhimento da defesa ensejará, conseguintemente, a rejeição desse pedido (art. 487, I). Por essa razão, diz-se que a defesa direta de mérito sempre exibirá caráter peremptório, impedindo a procedência do pedido, “tornando, dessa maneira, de todo irrealizável, a pretensão do autor”.1 E, sem dúvida, imprime sentido dialético ao processo – “o processo governa o seu movimento dialético pela audiência das partes” –,2 porque o réu, à síntese da pretensão do autor, opõe a sua antítese. O réu exerce pretensão à tutela jurídica do Estado por intermédio da defesa direta de mérito. Mas, o réu não age, ele reage à pretensão do autor. Nada pede ao órgão judiciário:3 o bem da vida, de que trata o processo, continua o mesmo. A apresentação da resistência, na forma mais simples, e que consiste na impugnação precisa do fato constitutivo (infra, 330.1), já garante ao réu, sem qualquer pedido particular na contestação, semelhante resultado – respeitado, é claro, o livre convencimento do órgão judiciário. O juiz tem o dever de extinguir o processo ou desestimar o pedido ainda que o réu seja revel ou não alegue defesa que ao juiz seja dado conhecer de ofício.4 É comum, nada obstante, o réu encerrar a contestação pleiteando ao juiz a improcedência da ação. Essa declaração de vontade mostra-se supérflua. Ela nada acrescenta de concreto ao que se encontra subentendido nos
termos intrínsecos da defesa. O réu nem sequer precisa pedir a condenação do autor nos ônus da sucumbência (art. 85).5 § 77.º Impugnação dos fatos 329. Conceito da impugnação dos fatos A primeira e mais elementar atitude do réu consiste na refutação direta dos fatos narrados pelo autor, impugnando a respectiva veracidade. É o conteúdo mínimo (ou essencial) da contestação eficiente.6 Dá-se a ela o nome de negação simples ou rotunda.7 Variantes aceitáveis e comuns são defesa simples ou mera defesa.8 Réu que não contraria os fatos narrados pelo autor, omitindo qualquer variante defensiva, na realidade não se defendeu eficientemente. Equipara-se ao revel – ao réu que não respondeu à pretensão, ou seja, não apresentou defesa. As alegações de fato do autor tornam-se incontroversas. Prescindirão de prova (art. 374, II). Ressalva feita às exceções dos incisos I a III do art. 341, e do seu parágrafo único (infra, 330.3), ou de eventual entendimento favorável ao réu do órgão judiciário, relativamente à questão de direito implicada nesses fatos, tal estado do processo produzirá o acolhimento do pedido, no todo (art. 355, I) ou em parte (art. 356, I). Não discrepa, na prática, esse sistema dos efeitos da inexistência de defesa, traduzida na falta de comparecimento do réu ao processo. Ocorre simples alteração dos fundamentos desse tratamento assaz rigoroso. As questões de fato, resultantes da impugnação do réu aos fatos narrados pelo autor, envolvem as respostas às seguintes indagações, relevantes ao desfecho da causa: “quem, quando, o que e onde”.9 Não se afigura tão simples o réu contrariar, direta e frontalmente, os fatos narrados pelo autor, exigindo-se alguns requisitos. E, ademais, nem sempre há explicação plausível para os fatos articulados na inicial ou a prova documental não autoriza a negação específica. Então, o réu recorre à impugnação indireta. 330. Impugnação direta do fato constitutivo Ocupou-se a lei em regular o conteúdo mínimo da contestação. O art. 341, caput, primeira parte, do CPC, declara que compete ao réu “manifestarse precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial”. É disposição assaz relevante: pesa sobre o réu o ônus de evitar que as alegações de fato do autor prescindam de prova (art. 374, II), tornando-se incontroversas e possibilitando o julgamento parcial do mérito (art. 356, I), e o dever de esclarecer o juiz sobre material de fato consoante a verdade (art. 77, I). Disposições do mesmo alcance localizam-se nas leis processuais tanto na Common Law, a exemplo da Federal Rules of Civil Procedure norteamericana,10quanto na Civil Law, como o art. 405.2 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola.11 E a mesma construção se chega perante regras de redação menos precisa no direito italiano.12 Disposição que, nos países da Civil Law, originou-se do antigo direito germânico.13
330.1. Fundamento da manifestação precisa – O ônus da manifestação precisa descansa no dever de probidade processual: a boa-fé exigida pela lei processual (art. 5.º) à prática dos atos processuais constrange o réu duplamente: (a) admitir as alegações de fato que, segundo a prudência média, não pode ignorar que sejam verdadeiras; e (b) discutir as alegações de fato do autor a cujo respeito não tem certeza da veracidade ou da falsidade.14 Eventos e condutas comportam, todavia, inúmeras versões, obedecendo a múltiplos e heterogêneos fatores (v.g., a capacidade de intelecção do sujeito); portanto, os limites do esclarecimento que o réu se encontra constrangido ao juiz, na manifestação cogitada no art. 341, caput, primeira parte, são elásticos. Tal circunstância explicava a falta de maior rigor na repressão à impugnação direta inverossímil. À luz dos princípios, entretanto, o réu que negar a veracidade da alegação de fato do autor, em que pese consciente que ela corresponde à realidade adversa, com o propósito de forrar-se à consequência do art. 374, II, infringirá os incisos II e III do art. 77, expondo-se, ademais, à concessão de tutela provisória favorável ao autor, baseada na evidência (art. 311, IV). 330.2. Natureza da manifestação precisa – Objeto de controvérsia na doutrina germânica, a tendência predominante visualiza o Erklärungspflicht previsto no § 138, II, da ZPO – regra similar ao art. 341, caput, primeira parte, do NCPC brasileiro –, como indica própria a designação da figura, antes um dever (Pflicht) que um ônus (Last). É problemática a junção do dever de veracidade à manifestação precisa. O réu pode impugnar a alegação de fato quando acredita que não seja verdadeira, mas não pode, sem infringir o art. 77, I, constranger o autor a produzir prova da alegação que sabe verdadeira.15 Entre nós, a manifestação precisa é essencialmente ônus. A falta impugnação torna as alegações de fato do autor presumidamente verdadeiras. Fatos incontroversos e presumivelmente verazes independem de prova (art. 374, II), e, como dito, podem ensejar o julgamento parcial do mérito (art. 356, I) ou o julgamento total (art. 355, I), conforme respeitem ao todo ou a parte do objeto litigioso. 330.3. Finalidade da manifestação precisa – O objetivo explícito do ônus da manifestação precisa, obrigando o réu à impugnação direta para a contestação exibir conteúdo mínimo eficiente, reside em excluir a possibilidade da contestação genérica.16 Também se chama, na linguagem forense, contestação por negação geral.17 É a negativa em bloco que o réu deduz contra a pretensão. Espelhou-se o legislador brasileiro no art. 490, n.º 1, do CPC português de 1961, hoje constante do art. 574, n.º 1, do NCPC português de 2013. Em tais domínios, entende-se direta a impugnação na qual o réu contradiz a veracidade dos fatos articulados pelo autor.18 Assim, o réu toma posição definida perante os fatos articulados pelo autor, como almejam as disposições portuguesas. Não se infere legitimamente do veto à contestação genérica a necessidade de versão distinta e alternativa do episódio da vida apresentado
na petição inicial.19 A justificação desse entendimento há de se evidenciar nos requisitos da impugnação direta. 330.4. Requisitos da manifestação precisa – Não se entenderá exatamente o alcance da exigência do art. 341, caput, primeira parte, sem recorrer à composição da causa petendi. E nada melhor a esse propósito que trazer à colação duas hipóteses de trabalho: (a) A move ação de reparação de danos contra B, narrando que o veículo do réu atingiu a traseira do seu veículo, parado no semáforo; na contestação, o réu nega que fato tenha ocorrido; (b) A move ação de separação contra o marido B, alegando adultério com C e a impossibilidade da subsistência da comunhão de vida, mas o marido B nega, na contestação, a ocorrência de relações sexuais com a pessoa C. Ora, causa de pedir traduz narrativa composta por fatos de natureza e relevo desiguais (retro, 247). Costuma-se distinguir, na exposição do autor: (a) os fatos simples (ou secundários); e (b) os fatos constitutivos (ou principais). Na ação de separação movida pela mulher A contra o marido B, fundada no adultério, a narrativa congruente com o pedido identificará a parceira do cônjuge C, se possível, bem como o dia, a hora e o lugar do encontro íntimo, enfim todas as circunstâncias tendentes à exata configuração dessa grave violação dos deveres conjugais. E, para produzir-se o efeito jurídico – dissolução da sociedade conjugal –, a lei material exige que o ilícito torne insuportável a vida em comum. O fato constitutivo do direito à separação, juridicamente relevante, consiste na relação sexual com outra pessoa e a impossibilidade de a mulher tolerar a quebra da fidelidade. Os demais fatos – dia, hora e lugar – servem ao esclarecimento do fato constitutivo, emprestamlhe cores individuais, mas não alteram o essencial. À luz do art. 341, caput, primeira parte, c/c art. 356, I e II, essa distinção é relevante em dois sentidos: de um lado, interessa definir se o réu se desincumbe do ônus negando o contato íntimo com a parceira indicada na inicial; de outro, se o ônus recai também sobre os fatos simples ou secundários. Convém realçar, desde logo, que a refutação do fato principal implica a de todos os fatos simples narrados. Se não aconteceu o adultério, não importa se o réu conhece, ou não, a parceira, e se esteve no lugar indicado na inicial no dia e hora precisados. A negação desses fatos resulta, necessariamente, da negação do fato principal.20 E é claro que essa negativa se traduz na afirmativa oposta, a de que não ocorreu o adultério.21 É tênue a fronteira, no caso de o réu B simplesmente negar o adultério com C, entre a impugnação específica e a negativa geral. Não parece correto, todavia, identificar como equivalentes as seguintes atitudes do réu: (a) afirmar que os fatos narrados não se mostram verdadeiros; e (b) afirmar que não ocorreu o adultério. A primeira alegação é insuficiente, porque genérica; a segunda, porque precisa, bastante para repelir o pedido e instaurar dúvida razoável no espírito do órgão judiciário. Enfim, não exprime corretamente o alcance do ônus afirmar que não basta o réu “dizer que os fatos alegados pelo autor não são verdadeiros ou que eles não ocorreram”;22 na realidade, a última afirmativa, lançada a respeito do fato constitutivo, impugna-o com a mínima precisão indispensável. A impugnação precisa, emprestando relevância à contestação, “cumpre-se com a pura e simples negação do fato”.23
Esse entendimento confirma-se por outra via. A exigência de o réu impugnar precisamente os fatos narrados pelo autor não significa que precise conhecê-los. Parece lícito, e mesmo indispensável em muitas ocasiões, o réu declarar que ignora completamente o fato narrado (v.g., o autor A alega que o cachorro C do réu B lhe mordeu a perna, aproveitando-se do espaço existente nas grades), como reza o art. 574, n.º 3, do NCPC português de 2013, exceto quando se tratar (não é o caso do exemplo) de fato pessoal que o réu não pode ignorar. Não incidirá o réu, nesta conjuntura, nas consequências do art. 341, caput, segunda parte – presunção de veracidade –, ressalva feita aos fatos que, por sua natureza estritamente pessoal, não lhe seja lícito ignorar (v.g., a propriedade do cachorro C).24 Na ação de cobrança de quantia objeto de mútuo, alegar o réu que não recebeu o dinheiro, porque fato que lhe respeita pessoalmente, significa admitir o empréstimo; alegar que não sabe se o terceiro recebeu o dinheiro, implica impugnação.25 Nenhum relevo especial decorre da falta de impugnação específica dos fatos simples, secundários ou auxiliares.26 A impugnação do núcleo fundamental da causa de pedir, que é o fato constitutivo – no exemplo ministrado, relações sexuais com de B com C -, obriga ao autor prová-lo e às suas circunstâncias (art. 373, I). Não cabe, aí, a inversão do art. 373, § 1.º, porque obrigaria o réu a prova impossível (probatio diabolica), incidindo a ressalva do art. 373, § 2.º. Eventual discrepância (v.g., a prova demonstra que o adultério ocorreu em outro lugar ou em outro dia, em circunstâncias diferentes das narradas) não impedirá o acolhimento do pedido. Eis a razão pela qual a variação dos fatos simples não importa mudança na causa de pedir. Portanto, a impugnação específica dos fatos, um a um, tem por objeto unicamente os fatos principais. Em certa ocasião, o STJ defendeu, corretamente, a premissa que há fatos principais e fatos secundários na causa de pedir, mas concedeu a estes o excessivo elastério de estimá-los “acontecimentos produzidos pela dinâmica social, dos quais é possível extrair uma consequência jurídica”.27 Fatos dos quais se extraem consequências jurídicas não são fatos auxiliares, ou secundários, mas fatos geradores de direitos. No caso, a causa de pedir da consignação da dívida sem os juros não residia na genérica falta de cumprimento do contrato, mas em dois inadimplementos específicos (a falta da licença de habitação e a construção do imóvel em desacordo com o memorial descritivo), cada qual idôneo, de per si, para amparar o pedido. Tratava-se, em suma, de cumulação de causas, inexistindo impugnação específica de um dos fatos principais – no sistema atual, causa hábil à concessão de tutela provisória (art. 311, I). Assim, não se afiguram corretas as conclusões que (a) a prova do fato secundário fornece indício bastante da veracidade da alegação do fato principal, e (b) a falta de impugnação de uma das causas de pedir, ante a incidência do art. 341, caput, segunda parte, leva à presunção que todas as alegações do autor são verídicas, ensejando o acolhimento total do pedido. Fato secundário, no sentido próprio, jamais provará, indiretamente, o fato principal. Por exemplo, a esposa que consegue provar a presença do marido no motel, no dia e hora alegados, apresenta indício, mas não prova cabal que ocorreu adultério, pois a regra de experiência – ninguém vai a motel sozinho – não autoriza semelhante inferência. O adultério exige a participação de outra pessoa e o contato sexual entre elas. A visita solitária ao motel, mas
presenciada pelos amigos do casal, pode constituir outra infração aos deveres conjugais (injúria grave), conforme os costumes correntes, jamais adultério. Não se esgotam aí as peculiaridades da manifestação precisa. Pouco adiantará a defesa rotunda se o réu não contraditar a prova documental produzida pelo autor. Os documentos se dividem em duas categorias fundamentais: (a) documentos públicos; e (b) documentos particulares.28 Varia a fé, eficácia ou força probante de cada espécie. Os documentos públicos fazem prova da respectiva formação (v.g., data e autoria) e dos fatos que o oficial público (escrivão, no documento público judicial; tabelião, no documento público notarial; e servidor público civil ou militar, no documento público administrativo) declara que se passaram na sua presença. É ainda mais rigorosa a fé da escritura pública, subespécie de documento público notarial: o art. 215, caput, do CC, declara que faz prova plena, ou seja, não admite contraprova. Relativamente aos documentos particulares, dizem-se autênticos quando a respectiva autoria é certa, ministrando o art. 410 regras para apurá-la, existindo dúvida; porém, havendo reconhecimento de firma por autenticidade (art. 411, I), o documento particular considera-se autêntico. Os documentos particulares autênticos permitem presumir a veracidade das manifestações de vontade do signatário (art. 408, caput), incumbindo à contraparte o ônus de impugnar-lhes a veracidade; mas, contendo declarações de ciência, o ônus de provar a veracidade toca a quem produziu o documento (art. 408, parágrafo único). Ora, o réu também precisa enfrentar a prova documental de forma hábil e eficiente, suscitando dúvida razoável. Do contrário, eventual controvérsia sobre as alegações de fato do autor, de acordo com o art. 341, caput, mostrar-se-ia inútil, porque o juiz consideraria os fatos controvertidos documentalmente provados, precipitando o julgamento na forma do art. 355, I, ou do art. 356, I, conforme o caso. Nessa contingência, o réu necessitará de reação particularmente qualificada para inibir a fé dos documentos públicos: a arguição de falsidade, na forma do art. 427, caput, e parágrafo único, I e II. E, no caso do documento particular, conforme o art. 438, caput, o réu necessitará tomar duas atitudes: (a) negar-lhe a autenticidade, ou seja, impugnar a assinatura, casos em que cessa automaticamente a fé do documento “enquanto não se comprovar sua veracidade” (art. 428, I); (b) negar-lhe a veracidade do contexto (art. 436, IV), ou seja, negar a veracidade das manifestações de vontade, eventualmente invocando vício da vontade, e das declarações de ciência. No caso particular da alegação que o autor preencheu abusivamente o documento autêntico, mas assinado em branco, também cessará a fé do documento particular, incontinenti, como preconiza o art. 428, II, e parágrafo único. Eis as consequências nada desprezíveis do ônus de as partes produzirem a prova documental juntamente com seus atos postulatórios principais – a petição inicial e a contestação, a teor do art. 434, caput. A ausência de dúvida razoável ensejará tutela provisória (art. 311, IV) e a de controvérsia o julgamento antecipado do mérito, no todo (art. 355, I) ou em parte (art. 356, I). 330.5. Efeitos da manifestação precisa – Feita a impugnação direta, nos termos art. 341, caput, primeira parte, o processo passará a agasalhar ao menos uma questão de fato: a alegação do autor tornou-se controvertida e necessitará de prova. Se o réu impugna a prova documental produzida pelo
autor, pré-exclui a abreviação do procedimento, a teor dos artigos 355, I, e 356, I e II, no todo ou em parte. 331. Impugnação indireta do fato constitutivo Objetivando contradizer os fatos invocados pelo autor, frequentemente o réu elabora versão própria de tais fatos. Trata-se de impugnação indireta do fato constitutivo. A alegação do réu infirma os fatos do autor, apresentando um quadro de fatos que lhe é favorável. Em mais de um aspecto, naturalmente, o réu admitirá um ou mais fatos simples, mas a mudança de perspectiva, ou a distorção dos fatos, apresenta um quadro que lhe favorável. A impugnação indireta é a “mais corrente e normal, pois raro será o caso de a contraparte deixará de justificar a sua negativa, opondo aos fatos respectivos outros fatos distintos que se lhe contraponham ou infirmem”.29 Às vezes, também se designa a contrariedade ao efeito jurídico alegado pelo réu de impugnação indireta.30 Essa defesa não constitui controvérsia sobre fatos, mas enuncia a tese que “está errado o tratamento jurídico a que o autor submeteu os fatos articulados”.31 Exemplos de impugnação indireta, mediante versão oposta à do autor: (a) na ação de separação, fundada em adultério, o réu B admite que, no dia e hora alegados, compareceu no motel, acompanhado por C, mas lá se encontrava para negociar as roupas de cama confeccionadas por D, do qual C é figurinista; (b) na ação de reparação de dano, o réu B alega que atingiu a traseira do veículo do autor A, a despeito de trafegar na velocidade permitida e guardar a distância regulamentar, porque ocorreu parada abrupta diante do sinal favorável. Frequentemente, a impugnação indireta se traduz na alegação de álibi. Por exemplo, o marido alega que não cometeu adultério, porque no dia e hora alegados encontrava-se em outro sítio, na presença de pessoas insuspeitas (v.g., da sogra e dos cunhados). A apresentação de versão diferente dos fatos atende ao ônus do art. 341, caput, primeira parte, porque a versão do réu elide a versão do autor. Uma delas não condiz com a verdade. Caberá à prova, cujo ônus incumbe ao autor (art. 373, I), definir qual delas é exata. No entanto, como adverte a jurisprudência do STJ, “admitindo o réu que efetivamente se verificaram os fatos alegados, mas de forma diversa do apresentado pelo autor, cumpre-lhe explicitar como teriam ocorrido, não bastando para atender o art. 302 do CPC {de 1973} a genérica afirmação de que se passaram de modo diferente”.32 Por sinal, este é caso de inversão do ônus da prova (art. 373, § 1.º), pois é mais fácil ao réu B provar que se encontrava na companhia da sogra e dos cunhados do que autora A provar as relações sexuais de Bcom C. Por óbvio, a correção dos fatos narrados, constante da versão do réu, há de ser congruente ao objeto do litígio. Se o réu expõe fatos sem relação com os originalmente narrados (v.g., alega que sempre atendeu, pontualmente, as despesas do casal) – fatos impertinentes –, ou expõe fatos que não exercerão influência no julgamento (v.g., a autora tomou ciência do adultério por informe verbal de um antigo namorado) – fatos irrelevantes –, “deduziu defesa absolutamente inútil”.33
Por fim, convém recordar que a impugnação indireta não afeta o ônus da prova. Apresentada pelo réu nova versão, incumbe ao autor demonstrar a veracidade da sua narrativa, a teor do art. 373, I, embora não se exclua a prova contrária do réu ou a inversão do ônus, na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III, c/c art. 373, § 1.º). 332. Exceções subjetivas à impugnação específica O art. 341, parágrafo único, isenta três sujeitos do ônus da impugnação específica: (a) o defensor público; (b) o advogado dativo; e (c) o curador especial. O fundamento da isenção reside na peculiaridade de, quanto aos fatos, realizar-se a sua exposição em juízo pelo titular da capacidade postulatória, e, não, diretamente pela parte. Em princípio, o advogado exercerá a representação técnica da parte (art. 103, caput) – por exceção, em casos raros, pessoa sem habilitação técnica habilita-se a postular em juízo (infra, 1.016) –, e, para essa finalidade, dependerá das informações, dos esclarecimentos e dos subsídios transmitidos por seu cliente. Os advogados ciosos das consequências das afirmativas inexatas quanto aos fatos costumam entrevistar seus clientes exaustivamente, gravando ou não suas declarações, conforme o grau de confiança, e, por vezes, obter assinatura nas peças em que são feitas imputações desairosas ou exponham fatos de natureza íntima. Se tal diálogo inexiste, ou presumivelmente não ocorrerá de modo sincero e frequente,34 mostrar-se-ia pouco razoável exigir que o advogado se desincumba, a contento, do ônus previsto no art. 341, caput, primeira parte. O efeito da isenção consiste em tornar eficaz a contestação genérica. Fica o autor adstrito a provar as alegações feitas, quanto aos fatos constitutivos do pedido (art. 373, I).35 O art. 341, parágrafo único, o NCPC não menciona o órgão do Ministério Público. Essa instituição atua de duas formas no processo civil: (a) parte principal; (b) parte coadjuvante. Enquanto fiscal da lei, o Ministério Público nada alega. O órgão cinge-se a opinar neste ou naquele sentido. Nenhum motivo há para impor-lhe o ônus de controverter os fatos, tarefa entregue ao domínio das partes principais. O Ministério Público que age nos casos de substituição processual (legitimidade processual) situa-se em posição análoga à do advogado dativo e à do curador especial. Por exemplo, nada assegura que o Ministério Público, propondo ação de reparação dos danos decorrentes de ilícito penal, a teor do art. 68, c/c art. 64 do CPP, mantenha-se em contato permanente com a vítima ou seus herdeiros. Foi visando a esta situação que o direito anterior isentavalhe do ônus de impugnar precisamente os fatos articulados pelo réu, nos casos cabíveis (v.g., perante a alegação da defesa indireta). A eliminação do Ministério Público do rol do art. 341, parágrafo único, prende-se à progressiva extinção desses casos de substituição de direito individual. Porém, ao admitirse semelhante pretensão (v.g., atuação em prol da criança e do adolescente), razoável aplicar-lhe a isenção.
No que tange às ações promovidas em prol de interesses coletivos e difusos (tutela dos direitos coletivos), e nas quais se legitima o Ministério Público ordinariamente, mostra-se mais difícil tolerar, sem viés corporativo, ignorância total ou parcial quanto à matéria de fato. O Ministério Público ingressa em juízo após rigorosa e exaustiva investigação desses fatos no inquérito civil.36 É dever do respectivo órgão conhecer os fatos integralmente. Se o réu, de seu turno, apresentar defesa de mérito indireta, incumbe ao Ministério Público impugnar, precisamente, tais fatos novos. Só a eventual indisponibilidade do objeto litigioso justificaria a previsão do art. 341, parágrafo único. E, ainda assim, a isenção há de ser recebida com o clássico grão de sal. Figurando como réu o Ministério Público na ação rescisória, a exemplo do caso de o condenado por improbidade administrativa pretender revisar a coisa julgada, nada exclui o ônus da impugnação dos fatos, eis que semelhante material é intrínseco à demanda anterior. 332.1. Isenção do advogado dativo do ônus da impugnação específica – O art. 341, parágrafo único, alude ao “advogado dativo” – dativo porque é dado à parte carente de representação técnica, por designação do juiz, e, não, escolhido por ela própria. É comum a designação de defensor nos casos de concessão do benefício da gratuidade, em virtude de indicação da própria parte ou da Ordem dos Advogados (art. 14, caput, e § 1.º, da Lei 1.060/1950, regra não revogada pelo art. 1.072, III, o NCPC). A progressiva, mas incipiente e nada universal instituição da Defensoria Pública, nas pequenas e grandes comarcas, eliminou a figura do advogado dativo. Essa instituição implicou a transformação dos cargos públicos com esse título em cargos de defensor público, na forma do art. 22 do ADCT da CF/1988. Fora daí, considerando que a representação técnica é voluntária no processo civil, obrigatória para o autor, mas facultativa para o réu, que pode não constituir advogado e, nem por isso, o juiz designar-lhe-á defensor, a aplicação da regra a advogados privados é escassa. A isenção do art. 341, parágrafo único, abrangerá os defensores públicos, em geral, e os advogados particulares que, voluntariamente ou não, patrocinam em juízo as causas dos necessitados.37 É interpretação consentânea com os melhores valores da CF/1988. 332.2. Isenção do curador especial do ônus de impugnação – Em todos os casos de integração da capacidade processual por curador especial, previstas no art. 72, I a II, do CPC, antevê-se a dificuldade de comunicação com o representado, que fundamenta as isenções do art. 341, parágrafo único. Do incapaz, sem representante legal; do incapaz e do seu representante, em caso de colisão de interesses; do réu preso revel, citado por hora certa ou por edital – neste último caso, impossível o contato –, não pode o curador esperar a franqueza no diálogo, tal como sucede com os advogados escolhidos voluntariamente, e, portanto, representaria excesso flagrante exigir-lhe o ônus da impugnação específica. Em tal contingência, reconheceu o STJ a possibilidade da contestação por negativa geral.38 332.3. Isenção do Defensor Público do ônus da impugnação específica – Cumpre distinguir, no tocante à isenção do órgão da Defensoria Pública, mencionado no art. 341, parágrafo único, a condição de seu ingresso no
processo civil. A Defensoria Pública atua em duas qualidades distintas: (a) parte principal, em geral como autor (v.g., movendo ação civil pública, a teor do art. 5.º, I, da Lei 7.347/1985), eventualmente como réu (v.g., na ação rescisória); (b) representante técnico a parte (art. 185), inclusive nos casos de curadoria especial (art. 72, parágrafo único). Em relação à qualidade de parte principal, a Defensoria Pública exercerá a pretensão à tutela jurídica do Estado com todos os direitos, deveres, faculdades e ônus processuais, incluindo o do art. 341, caput, primeira parte. No tocante à função de representante técnico da parte, incidirá o art. 341, parágrafo único, valendo, aqui, as considerações feitas no tocante à curadoria especial (art. 72, parágrafo único). 333. Exceções objetivas à impugnação específica O art. 341, I a III, estipula, ainda, exceções objetivas ao ônus de impugnação específica dos fatos articulados pelo autor. Em decorrência dos graves reflexos da falta dessa impugnação – examinados no item subsequente –, convém examiná-las em seus pormenores. 333.1. Fatos insuscetíveis de confissão – Há confissão, nos termos do art. 389, admitindo a parte fato contrário ao seu próprio interesse, mas favorável ao adversário. O art. 341, I, pré-exclui a presunção de veracidade dos fatos não impugnados se, a seu respeito, for inadmissível a confissão judicial ou extrajudicial. E o art. 392, caput, declara como insuscetíveis de confissão os fatos relativos a direito indisponível. O art. 213, caput, do CC exige poder de disposição do confitente, regra reproduzida no art. 392, § 1.º, o que dá no mesmo: inexiste tal poder quanto ao objeto litigioso indisponível. A inteligência do art. 392, caput, repousa na natureza da confissão. Por intermédio desse ato jurídico, a parte não tem mais interesse na produção de prova (art. 374, II), e, correlatamente, alivia o adversário do ônus de provar tal fato, em princípio: na confissão extrajudicial, a contraparte necessitará produzir prova da declaração feita fora do processo, cumprindo distinguir entre a confissão como prova e a prova da confissão.39 Em matéria indisponível, esse negócio não opera efeitos, porque inadmissível convenção que distribua o ônus da prova diferentemente do regime legal, ao arrepio do art. 373, § 3.º. A indisponibilidade do objeto litigioso afasta os atos de disposição, a confissão incluída, reforçando a necessidade da produção de fatos para que seja reconhecido pelo órgão judiciário. Em outras palavras, o art. 341, I, veda que, através da falta de impugnação do réu, indiretamente as partes disponham de direitos que a lei material subtraiu ao seu poder de disposição.40 É mais direto e exato, no ponto, o art. 345, II, que simplesmente subtrai à presunção de veracidade decorrente da revelia o litígio que versar acerca de direitos indisponíveis. São disponíveis, via de regra, os direitos patrimoniais, a cujo respeito se permite transação (art. 841 do CC). Os direitos de personalidade são, ao revés, indisponíveis (art. 11 do CC). Litígios que envolvam o estado e a capacidade da pessoa, por essa razão, exibem objeto litigioso indisponível, salvo quanto aos aspectos patrimoniais (v.g., a prestação alimentar). A natureza marcadamente pública da relação entre a Administração e os
particulares, inserida na competência da jurisdição ordinária brasileira, préexclui a disponibilidade. A Fazenda Pública não pode confessar, transigir e, a fortiori, não se submete à presunção de veracidade do art. 341, caput, primeira parte.41 Exemplos: (a) na ação de nulidade do casamento o cônjuge réu não pode confessar, porque a seu nuto não pode dissolver o vínculo, consequência direta, a fortiori, também da falta de impugnação específica dos fatos alegados pelo outro cônjuge autor; (b) na ação de repetição de indébito tributário, o fato constitutivo (pagamento do tributo) não pode ser objeto de confissão pela Fazenda Pública.42 Em suma, o art. 341, I, atende, fundamentalmente, à indisponibilidade do objeto litigioso. Entretanto, essa não é a única hipótese perante a qual a confissão não surte seus efeitos próprios. O art. 213, caput, e parágrafo único, do CC, de resto compatível com o art. 392, caput, do CPC,43 declara que a confissão da pessoa que não pode dispor do direito relativo aos fatos confessados não produzirá efeitos, e, ademais, que a confissão do representante exibirá eficácia nos limites em que este pode vincular o representado (art. 392, § 2.º). Por um lado, o art. 213, caput, do CC, pré-exclui a confissão dos incapazes, em geral, e, de outro, o parágrafo único exige que o representante haja recebido poderes especiais de confessar (art. 116 do CC), indicando o objeto. Era o entendimento prevalecente, à época da vigência do CPC de 1939,44 e sob o CPC de 1973, abrangendo, além da confissão do incapaz, a do representante da pessoa jurídica, negando-lhe tais poderes o contrato ou os estatutos.45 333.2. Fatos dependentes da prova documental – O autor produzirá com a petição inicial a prova documental (art. 434, caput). Em alguns casos, o documento integra a substância do ato ou do negócio jurídico (forma especial, ad solenitatem ou ad substantia); por exemplo: (a) a escritura pública nos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre bens imóveis acima do teto legal (art. 108, caput, do CC); (b) e a certidão pública de casado nas ações de dissolução do vínculo.46 Nenhuma outra prova pode suprir-lhe a falta (art. 406). Ora, a falta de impugnação da existência do negócio jurídico ou do casamento, na contestação, induz à presunção do art. 341, caput, segunda parte: fato não impugnado é fato provado (art. 374, III). Desse modo, a omissão do réu supriria, indiretamente, a ausência de documento substancial. Esse é o efeito vedado no art. 341, II, do CPC. Por exceção, perdido o instrumento público (v.g., incêndio na sede do tabelionato ou do registro destruiu os livros, impedindo a extração de certidão) ou o instrumento particular (v.g., roubo na residência do vendedor subtraiu-lhe as duas vias assinadas do instrumento), admite-se prova testemunhal exclusiva da preexistência do instrumento e do seu conteúdo. Não se tratará de suprir a preterição da forma ad substantia, mas de provar a perda do instrumento. 333.3. Fatos em contradição ao conjunto da defesa – Na impugnação direta, o réu contradiz o fato principal (v.g., qualquer contato com a parceira
no suposto adultério), mas não contraria, um a um, os fatos secundários. Fica subentendido que, inexistindo contato com a suposta parceira, não ocorreu o encontro no lugar, dia e hora indicados na inicial.47 O conjunto da defesa informa, por arrastamento, todos os fatos dependentes e subordinados ao fato principal. Também na impugnação indireta, na qual o réu apresenta outra versão para o conjunto de fatos articulados pelo autor, nem sempre ocorrerá a impugnação de todos os fatos. Por exemplo, na ação de reparação de danos ocorridos em acidente de trânsito, o réu alega que só colidiu na traseira do automóvel do autor, porque este parou, abruptamente, diante do semáforo favorável. O fato principal em si não é impugnado – a colisão –,48 mas suas circunstâncias se modificam, através da versão apresentada, a favor do réu. Idêntico efeito sucede no caso de o réu, admitindo explicitamente, ou não, o fato narrado na inicial, nega-lhe a qualificação jurídica que lhe atribui o autor. Por exemplo, na ação de cobrança de dívida proveniente de mútuo, o réu alega que recebeu o dinheiro em doação. Por óbvio, não precisa negar a entrega do dinheiro, que é irrelevante deste último ponto de vista, recaindo a controvérsia sobre a natureza do negócio. Há necessidade de produzir prova, que incumbe ao autor (art. 373, I), quanto à intenção dos figurantes, não bastando a prova documental. Essas são as situações previstas no art. 341, III, do NCPC. Para esse efeito, encara-se o conjunto da defesa do ponto de vista da impugnação aos fatos em si e da suscitação de questões de direito. 333.4. Fatos comuns no litisconsórcio unitário – Há outra hipótese em que o ônus da impugnação específica não prejudica o omisso: o dos fatos comuns aos litisconsortes, cujo regime seja especial ou unitário (art. 116). É o que determina o art. 345, I, relativamente à presunção de veracidade decorrente da revelia, efeito previsto no art. 344 (infra, 362). E, com efeito, no litisconsórcio unitário, o juiz decidirá a causa uniformemente, em relação aos litisconsortes. E na área do mérito é que se inscrevem os comportamentos determinantes suscetíveis de influir no modo pelo qual o juiz julgará a causa. Relativamente aos fatos comuns aos litisconsortes, o teor da contestação assume capital importância na consecução desse objetivo. Se um dos litisconsortes, na contestação autônoma apresentada, não impugna precisamente os fatos constitutivos do pedido, mas outro se desincumbe desse ônus, o art. 341, caput, segunda parte, nenhum efeito produzirá perante o omisso (art. 117, segunda parte). Tudo se passa como se todos os litisconsortes houvessem impugnado os fatos. Em outras palavras, a presunção de veracidade do art. 341, caput, segunda parte, só opera perante os litisconsortes unitários na hipótese de todos deixarem de impugnar precisamente os fatos narrados pelo autor. O princípio dessa matéria consiste na necessidade de a totalidade dos litisconsortes convergirem no comportamento que predeterminará a produção dos efeitos programados.49 Por outro lado, existindo fatos que não sejam comuns, desliga-se o litisconsórcio do regime especial, cabendo considerar os litisconsortes como
litigantes autônomos (art. 117, primeira parte), onerados com os ônus e deveres correspondentes. 334. Consequências da falta de impugnação dos fatos A alegação quanto aos fatos principais e relevantes ao acolhimento do pedido que não sejam impugnados, precisamente, na contestação do réu, nem sequer adquirem a qualidade de fatos controvertidos, transformando-se em questões de fato em sentido técnico. São fatos incontroversos, porque afirmados pelo autor e aceitos pelo réu. Por essa razão, presumem-se verdadeiros, a teor do art. 341, caput, segunda parte, c/c art. 374, III, do CPC. “Onde não haja controvérsia, com referência aos fatos pelos litigantes, a questão se reduz à mera aplicação do direito”.50 Dessa presunção decorre a desnecessidade de o autor, a quem toca o ônus de provar o fato constitutivo (art. 373, I), realizar prova ao seu respeito – exceto a documental, produzida com a inicial (art. 434, caput). E, realmente, ao menos essa prova, quando possível e pertinente, o autor já produziu na petição inicial. O art. 341, II, tornando ineficaz a falta de impugnação específica, no caso dos documentos que integrem o negócio jurídico, submetido à forma especial, realça o relevo da prova documental, às vezes indispensável à consequência da presunção de veracidade dos fatos articulados pelo autor e não impugnados pelo réu. Nesta conjuntura, socorrendo ao autor a presunção de veracidade, mostrar-se-á cabível, desde logo, o julgamento antecipado do mérito, no todo (art. 355, I) ou em parte (art. 356, I e II). O órgão judiciário conhecerá diretamente do pedido, porque se configuram as seguintes situações: (a) o mérito versa unicamente questão de direito, porque o réu só controverteu os aspectos jurídicos da pretensão, aceitando os fatos narrados na inicial; (b) o mérito envolve, além do direito, virtual questão de fato, mas a falta de impugnação dos fatos, já produzida a prova documental, implicou a desnecessidade de produzir outras provas (art. 374, III). Flagrantemente, nesses casos, a presunção do art. 341, caput, segunda parte, não assegura a automática vitória do autor. Em outras palavras, a presunção mostra-se relativa.51 Ela cede em casos não mencionados no art. 341, mas inelutáveis – o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes nos autos, ainda que não alegados pelas partes.52 Fenômeno análogo ocorre, por sinal, na revelia – e contestação despida de conteúdo mínimo equipara-se, na prática, à ausência total de defesa. E, com efeito, pode acontecer que a resolução da questão de direito desfavoreça o autor ou a prova documental infirme a versão dos fatos apresentada pelo autor na inicial (v.g., o boletim de ocorrência, assinado pelas partes, e base da ação de reparação de danos, consigna a parada abrupta do veículo do autor na frente do semáforo aberto), hipótese versada no art. 345, IV. E não bastará, por sinal, suscitar a dúvida no espírito do juiz. É preciso, ainda, que semelhante dúvida seja razoável, sob pena de antecipação dos efeitos do pedido, baseada na evidência (art. 311, IV). Entende-se por contraprova do réu, naturalmente, a prova documental. Porém, o essencial é a atitude do réu na impugnação da prova documental do autor (art. 436, II a IV),
fazendo cessar a fé do documento público ou particular. Assim, nos contratos formais, pré-excluída a prova testemunhal (art. 443), salvo começo de prova por escrito proveniente do autor, impõe-se a arguição de falsidade do documento público, quanto aos fatos passados na presença do oficial público, sobrelevando a escritura pública (art. 215 do CC). Nesse caso, nem sequer admite-se contraprova: ou o réu desconstitui a força probante, e o único meio é a arguição de falsidade (art. 430), ou sujeitarse-á ao acolhimento do pedido, no todo (art. 355, I) ou em parte (art. 356, I e II), independentemente do cumprimento do ônus do art. 341, caput, primeira parte. A contestação útil e eficiente exige essa precisão do advogado do réu. § 78.º Impugnação do direito 335. Conceito de impugnação do direito Em lugar de contradizer os fatos, mostra-se lícito o réu aceitá-los, no todo ou em parte, e impugnar os fundamentos jurídicos da pretensão deduzida pelo autor. Impugnação desse teor propicia o surgimento de questões de direito. A contestação limitada a provocar questões de direito, abstendo-se de controverter os fatos, frequentemente torna os fatos incontroversos. Em consequência, alivia o autor do ônus de produzir outras, e, assim, autoriza o julgamento antecipado do mérito. A redação do art. 355, I, é precisa: a causa madura para o julgamento é a cujo mérito envolva questão unicamente de direito, ou sendo as questões de direito e de fato, inexiste a produção de outras provas. Do ponto de vista tático, a impugnação do direito representa modalidade de defesa cuja eficiência é menor, de ordinário, que a da impugnação dos fatos. Dispensado o autor do ônus de provar o fato constitutivo do direito (art. 373, I), o réu já não contará com as naturais injunções e incertezas inerentes ao resultado da produção da prova. O autor e o próprio órgão judiciário, ex officio, ao julgar a causa, podem corrigir e modificar a qualificação jurídica dos fatos, a qualquer tempo. Se isto acontecer, a controvérsia encetada pelo réu se desvanece, esterilizada nas alturas de questão teórica.53 Em determinadas causas, a exemplo das tributárias, a impugnação de direito, densamente concatenada em várias questões de múltiplas alternativas, torna a causa difícil e trabalhosa de ser julgada, retardando seu desfecho. É um objetivo colateral digno de registro. A compreensão da defesa direta quanto ao direito pressupõe, todavia, duas questões: (a) a diferença entre questão de fato e de direito, assaz relevante na admissibilidade dos recursos extraordinário e especial, por suposto limitados às últimas; (b) as modalidades de impugnação do direito, predeterminando as espécies de questões de direito. 336. Diferença entre questões de direito e questões de fato É empreitada das mais difíceis estabelecer fronteiras retas e destrinçadas entre questões de fato e questões de direito.54 Inexistem dados legislativos, enunciados em fórmula abstrata, permitindo estremar com nitidez, do ponto
de vista lógico, tais campos imbricados num caso concreto.55 E os resultados colhidos do intenso debate doutrinário, no direito estrangeiro, dificilmente reputar-se-iam seguros e satisfatórios ou transladáveis ao direito pátrio. O tema importa sobremodo ao recurso de cassação italiano e francês, bem como à revisão germânica, meios tendentes à preservação do direito.56 A oposição entre fato e direito raramente retrata as complexas injunções da atividade judicante. Parece preferível, de um lado, admitir um grupo intermediário de questões, designadas de “mistas” (mixed questions) na doutrina norte-americana:57 há regras abertas, elásticas e pluralistas perante as quais, estabelecidos os fatos e identificada a regra aplicável, resta determinar se tais fatos satisfazem, ou não, os elementos normativos. Tais regras impedem a separação entre fato e direito. Um exemplo simples, dentre tantos, e aplicável a todos os graus de jurisdição, reside no caráter protelatório dos embargos de declaração opostos aos atos decisórios, consoante a previsão do art. 1.026, § 3.º, que é tema particularmente idôneo ao florescimento da questão mista. Evoluiu-se, assim, até uma classificação tricotômica: (a) questões de fato; (b) questões mistas; e (c) questões de direito. Por outro lado, qualquer análise sempre reterá o elemento principal da questão, fático ou jurídico, considerando, então, a predominância de um ou de outro no provimento, “porque, como se sabe, ex facto oritur jus”.58 Por essa razão, os verbetes da Súmula do STF, n.º 27959 e n.º 454,60 empregaram o adjetivo “simples” para a questão de fato inadmissível de revisão através do recurso extraordinário. Implicitamente, os verbetes reconhecem a existência, nessas questões, de dados acessórios de outra natureza. Seja como for, não se afigura apropriado deixar o ponto sem solução hábil. Um critério há de ser ministrado, sem pretensões à consagração de resposta definitiva, mas razoavelmente útil para orientar o enquadramento de certa questão numa dessas categorias, sem abandonar o terreno constitucional e evitando indébitas e infrutíferas incursões na teoria geral do direito.61 O juiz apresentará às partes os atos decisórios mais relevantes (sentença e acórdão) sob a forma de um silogismo. É o que impõe o art. 489. Esse esquema singelo e bruto jamais retratou a realidade. O raciocínio judicial que forma a decisão é muito mais tortuoso e sutil.62 Entretanto, a organização do ato dessa forma permite o controle popular do comportamento dos juízes, legitimando o sistema e a Justiça pública como serviço estatal;63 também enseja a revisão do provimento nos seus múltiplos quadrantes, todos claramente determinados; e, colateralmente, oferece algum paliativo contra hipotéticos elementos irracionais que talvez interfiram na mecânica dos julgamentos. Um dos elementos do silogismo, instrumento artificial para alcançar tais objetivos, consiste na exposição dos respectivos “fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito” (art. 489, II). Significativamente, a regra põe à frente da valoração a fixação dos fatos, cuja introdução é entregue à iniciativa exclusiva das partes, e são esclarecidos pelos meios de prova, postos também sob a iniciativa do órgão judiciário (com reduzida repercussão prática no direito brasileiro). Embora o juiz atenda aos fatos já mirando a etapa seguinte, a da escolha da norma aplicável, o art. 489, II, do
NCPC apanhou a ordem natural do raciocínio, porque somente após obter um quadro completo do material de fato o juiz ficará habilitado a aplicar o direito.64 A questão de fato (analisada na motivação) para justificar a conclusão do provimento corresponde, por conseguinte, à percepção do órgão judiciário. O objeto desse ato de inteligência não é outra coisa senão as alegações de fato das partes e circunstâncias (ou indícios) constantes dos autos. O processo mental utiliza os sentidos para recolher o material relevante – por sinal, descartar os fatos sem importância para o julgamento da causa representa tarefa que ultrapassa a percepção ou a constatação –,65 ministrado pelos meios de prova, e, assim, identificar as fontes idôneas para fixar o quadro fático da causa. A análise da questão de fato envolve as respostas às seguintes indagações, porventura importantes para o desfecho da causa: “quem, quando, o que e onde”.66 Portanto, é questão de fato a que respeita à reconstituição dos acontecimentos que importam à solução do litígio. Em tal domínio, a atividade do juiz equipara-se à do historiador. Reconstituirá, na medida do humanamente possível, o acontecido, ou seja, dos fatos que originaram o litígio, a partir dos dados coligidos no curso da instrução da causa.67 Ocorre que, para joeirar o material relevante, cotejar provas e chegar à reconstrução do acontecido, o órgão judiciário ultrapassa a simples percepção e passa a refletir e a valorar. Em outras palavras, “perceber implica, por si só, valorar e refletir”.68 A questão só pode ser encarada como predominantemente de fato, sem excluir modalidades secundárias de subsunção (reflexão), justamente por esse motivo. É, sobretudo, a ênfase da atividade mental do juiz que caracteriza a questão como de fato, ou, como assinalou julgado do STF, a “pura operação de conta, peso e medida”.69 Em seguida à questão de fato, o órgão judiciário analisará a questão de direito. Refletirá acerca da regra jurídica porventura aplicável aos fatos fixados e extrairá as respectivas consequências. Essa atividade de subsunção em sentido estrito revela-se passível de controle ulterior. A distinção entre uma e outra espécie de questão reside, também aqui, na tônica da atividade mental do órgão judiciário. Já não mais importa o fato como acontecimento histórico, por óbvio dotado de individualidade própria e passada, mas seu encaixe na norma, hipótese em que o fato transcende ao particular e passa ao universal.70 O juiz abandona o terreno da percepção, porque seguro da sua exatidão, e passa ao domínio da reflexão (juízo conceitual), considerando a norma jurídica ou conceitos jurídicos.71 Às vezes, entretanto, o fato e o direito se encontram interligados, tornando vã a tentativa de separá-los tão didaticamente. Por exemplo: a constatação do ato governamental de “interferência” na organização sindical dependerá da concepção do que seja interferência para o art. 8.º, I, da CF/1988, e, conforme a tese adotada – por exemplo, negar licença para um servidor público desempenhar mandato eletivo no sindicato, porque a categoria formadora do organismo não é integrada exclusivamente por servidores públicos –, diferente se mostrará a relevância do quadro fático. Por esse motivo, chegase à conclusão de que ou órgão judiciário define quais fatos caracterizam “interferência”, ou surgirá jurisprudência desordenada nesta questão constitucional em particular.72
337. Modalidades de impugnação do direito A impugnação do direito reveste-se de um de quatro aspectos: (a) a inconstitucionalidade da norma jurídica invocada pelo autor; (b) o erro na qualificação jurídica atribuída pelo autor aos fatos; (c) erro na interpretação da norma jurídica; (d) erro na aplicação da norma jurídica. Por óbvio, primeira modalidade assume o papel de questão de direito prejudicial às demais, inclusive antecedendo, na defesa, a análise da questão de fato. Declarada a inconstitucionalidade da norma, em princípio o órgão judiciário fica dispensado de perquirir o respectivo alcance, no caso concreto, ou definir a questão de fato, resolvendo a causa, só por essa razão, desfavoravelmente ao autor. Por exemplo, o contribuinte sujeito à incidência de determinado tributo, pleiteia-lhe a inconstitucionalidade, e, conseguintemente, a repetição do indébito. A questão de fato – pagamento do tributo – só interessa para os efeitos deste último pedido. Se o juiz reconhecer a constitucionalidade da regra tributária, rejeitará o pedido do autor incontinenti. O controle da constitucionalidade não se resume a extirpar a norma do ordenamento jurídico, ensejando essa solução fácil. Esse controle implicará, por vezes, conferir à norma interpretação conforme à Constituição, ou a declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução do texto, técnica que ganhou autonomia no âmbito da jurisprudência do STF.73 Em tais hipóteses, feito o controle da constitucionalidade, caberá ao órgão judiciário aplicar a norma no seu feitio constitucional à espécie. Evidentemente, a aplicação dependerá da análise dos fatos, controvertidos ou não pelo réu. O caráter prejudicial, no sentido que o juiz examinará, em primeiro lugar, a questão constitucional antes das demais questões de direito e de fato, não ficará, absolutamente, elidido. O segundo erro, concernente à qualificação jurídica dos fatos narrados, recebe explicação mais direta. Por exemplo, o autor alega que a ação fundase no negócio de compra e venda, mas o réu obtempera que se cuida de arrendamento, cujo regime é diferente e perante o qual não se encontra obrigado a entregar a coisa.74 Essa questão de direito não dispensa a investigação dos fatos. O juiz deverá perquirir a real natureza do negócio jurídico, eventualmente ordenando a produção de prova oral, não bastando a documental. A terceira e a quarta modalidades de impugnação do direito apresentam as complexidades inerentes à interpretação e à aplicação do direito. Não faltam escolas que se arvoram idôneas a oferecer soluções seguras e universais para os problemas de interpretação. Desta tarefa ocupa-se a hermenêutica e, segundo alvitre digno de registro, os problemas que devem ser resolvidos, em síntese larga, expressam-se nas seguintes formulações: “a) Qual o sentido da lei? b) De que maneira se pode inferir, de uma norma geral, a norma particular para a regulamentação de um caso particular? c) Qual é a lei que o intérprete deve eleger, quando mais de uma é aplicável à mesma situação particular e concreta? d) Que solução deve ser dada, quando a lei possibilita mais de uma? e) Que solução deve ser dada quando a aplicação de uma norma a um caso concreto, a qual parece inequivocamente regulá-lo, produz efeitos contrários aos fins visados por ela? f) Quando a
aplicação da norma ao caso concreto produz resultados que o juiz, em sua consciência, reputa injustos, ainda que visados pela norma, que critério deve prevalecer, o respeito à norma ou o sentimento do juiz? g) Em outras palavras, o que é mais importante, preservar a norma em nome da segurança e das relações jurídicas e da própria ordem jurídica, ou promover a justiça de situações particulares, em nome da equidade e do sentido do ‘justo’?”.75 À primeira vista, as infindáveis combinações que a contrariedade do réu à posição do autor assumem na contestação, enfocando um ou mais aspectos do direito porventura aplicável à espécie, dependem de cada caso. E convém não esquecer que a subsunção proposta pelo autor, da qual retira o efeito jurídico que ampara o pedido, pode afrontar a própria literalidade da norma (sententia contra litteram legis) ou, de modo mais sutil, infringer-lhe o espírito (sententia contra rationem legis). Seja qual for o ponto aventado, na contestação, incluindo o da injustiça da norma invocada pelo autor, para o juiz há questão de direito, federal ou local, a exigir solução pelas técnicas de interpretação e de aplicação. É inútil e fora dos propósitos do processo civil traçar quadro mais completo. 338. Consequências da falta de impugnação do direito A falta de suscitação de questões de direito não provocará qualquer prejuízo significativo ao réu. Costuma-se invocar o célebre adágio iura novit curia a esse respeito. É atribuição intrínseca às funções do órgão judiciário conhecer o direito, ex officio, e a qualquer tempo e grau de jurisdição. Não importa a inércia das partes em suscitar-lhe questões de direito. Não é, absolutamente, tarefa simples, considerando a avantajada produção legislativa do Estado moderno e a influência dos princípios constitucionais sobre o pensamento jurídico contemporâneo. Por exceção, o direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário há de ser provado, no teor e na vigência, pela parte que o invoca (art. 376). É irrelevante, haja vista o princípio iura novit curia, o autor indicar o fundamento legal da demanda.76 Nenhum relevo tem a designação porventura outorgada à pretensão (retro, 246). Se dos fatos narrados e que compõem a causa de pedir o autor extrai a consequência jurídica exata, expressando-a no pedido formulado, não importa que haja cometido equívoco nos fundamentos jurídicos, ou que o réu haja, pertinentemente, apontado o erro na contestação. Decidiu o STJ: “O juiz conhece o direito e o aplica aos fatos apresentados, sem qualquer vinculação aos fundamentos trazidos pelas partes”.77 O princípio iura novit curia sofre, porém, as injunções do debate das partes, em razão do princípio do contraditório e da proibição das decisões “surpresa” (art. 10 do NCPC). Não é dado ao juiz, no processo civil vigente, selecionar a norma porventura aplicável sem prévio debate das partes. Em primeiro lugar, geralmente as partes subsidiam o órgão judiciário com o direito aplicável à espécie. Bem pode acontecer que, omissa a parte, o juiz da causa não “descubra” a norma adequada ou não lhe dê a interpretação corrente na doutrina e na jurisprudência. Decerto o órgão judiciário não pode constranger a parte a indicar-lhe os rumos jurídicos da sua pretensão; porém,
o inverso não é verdadeiro – a parte tem interesse primordial em guiar a interpretação do direito e a sua aplicação pelo juiz.78 No direito brasileiro, a atuação oficiosa do órgão judiciário, na área das questões de direito, não importa violação do princípio do julgamento conforme os limites objetivos da demanda (art. 492). Um julgado do STJ proclamou o seguinte: “Não se verifica alteração da causa de pedir quando se atribui ao fato ou ao conjunto de fatos qualificação jurídica diversa da originariamente atribuída. Incumbindo ao juiz a subsunção do fato à norma, ou seja, a categorização jurídica do fato, inocorre modificação da causa petendi se há compatibilidade do fato descrito com a nova qualificação jurídica ou com o novo enunciado legal”.79 Um exemplo esclarece essa diretriz: A pediu a separação de B e alegou fatos que, a seu ver, caracterizavam adultério, inserindo-se o fato no suporte do art. 1.572,caput, c/c art. 1.573, I, do CC. Todavia, a sentença estima que, provada a ausência de contato íntimo, a visita feita pelo marido ao motel, acompanhado da secretáriaC, constitui injúria grave, possibilitando o decreto de separação com fundamento no art. 1.573, III, in fine, do CC. Em tal demanda, de resto, o art. 1.573, parágrafo único, do CC, autoriza o juiz a “considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”. Esse dispositivo não significa desprezo à estabilização do objeto litigioso (infra, 1.821.2), ou ao princípio da demanda (infra, 1.490), mas constitui fundamento jurídico autônomo (v.g., a impossibilidade da manutenção da união advinda do desamor dos cônjuges, ou do desacordo das personalidades, independentemente de qualquer violação dos deveres conjugais e do mútuo consentimento para dissolver a sociedade conjugal), para os fatos alegados e provados. Essa regra se harmoniza com o disposto no art. 371. Porém, para legitimar a decisão tomada a respeito, incumbe ao juiz delimitar essa questão de direito na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, IV), pondo as partes de sobreaviso quanto à possível incidência do art. 1.573, in fine, do CC. Nada obstante o entendimento prevalecente, ponto relevante exige atenção. O art. 342, caput, e inciso I, “só” admite novas alegações, após a contestação, “relativas ao direito superveniente”. A literalidade da regra provoca a impressão de que, no tocante ao direito vigente na oportunidade da defesa, caberia ao réu alegá-lo, ficando vedada a arguição ulterior do direito posto. Ocorreria, conseguintemente, preclusão da impugnação de direito. Evidentemente, fatos velhos, mas de conhecimento novo, podem ser alegados posteriormente, na apelação (art. 1.014) ou no primeiro grau, invocado motivo de força maior. Fatos supervenientes, ou seja, fatos sucedidos após a prática dos atos postulatórios principais – no caso, da defesa –, obviamente não alegados (ninguém é adivinho), mas ocorridos e provados, podem ser conhecidos até de ofício, a teor do art. 493. É preciso atenção a esse regime. Fatos velhos, mas desconhecidos, não são fatos supervenientes, e não há “melhor interpretação” capaz de transformar uma coisa noutra.80 Em consequência, inexiste preclusão quanto às exceções materiais sobrevindas ao prazo de defesa.81 Também o direito que surgiu posteriormente pode ser alegado a qualquer tempo (v.g., a lei que revogou o
fundamento legal invocado e a que repristinou norma revogada à época da propositura ou da contestação). Ora, o art. 342, I, não impede, haja vista a ampla e irrestrita recepção dos próprios fatos supervenientes, “novas colocações de ordem doutrinária ou jurisprudencial” – por exemplo, pronunciamento do STJ favorável à tese do autor – “em torno dos fatos jurídicos ou das consequências jurídicas deduzíveis dos fatos já postos em juízo; nem se prende a raciocínios ou deduções construídos sobre os fatos simples ou jurídicos provados na causa”.82 E, de resto, o veto à alegação da parte não atinge os poderes do órgão judiciário. Em síntese, art. 342, I, não modifica o alcance da máxima iura novit curia. Não se limita o conhecimento ex officio ao primeiro grau, portanto, pois elas podem ser suscitadas diretamente no tribunal, independentemente do regime mais restrito imposto às novas questões de fato no art. 1.014.83 Se a sentença proferida na ação de separação movida por A contra B, no exemplo há pouco ministrado, rejeita o pedido, porque não houve prova do adultério, nada impede ao tribunal, julgando a apelação, instado pelo vigor jurídico das respectivas razões, decretar a separação com fundamento na injúria grave, tendo ocorrido prévio debate sobre tal questão de direito, delimitada na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, IV). Tão larga é a incidência do princípio iura novit curia que o STJ o entende aplicável à rescisória.84 Não há, pois, preclusão da faculdade de o réu impugnar o direito, suscitando questões desse jaez, antes ou depois da sentença, incumbindo ao órgão judiciário resolvê-las na primeira oportunidade adequada. Existem, porém, duas ressalvas: (a) o juiz deve assegurar o contraditório prévio, com o fito de não surpreender a parte a quem desfavorece a qualificação jurídica a ser concedida aos fatos, colhendo sua manifestação; (b) não se afigura lícito ao órgão judiciário, chamado a resolver questão de direito, objeto da desavença, “desprezar as conclusões das partes tendo em vista as normas jurídicas invocadas pelos litigantes”.85 Esse último vezo contraria o art. 489, § 1.º, IV, do NCPC. O juiz necessita analisar todas as questões de direito debatidas pelas partes na sentença, incluindo as que, ao seu ver, não infirmam a conclusão adotada. Porém, o art. 1.013, § 3.º, IV, depositou ovo de serpente no ninho da motivação, possibilitando ao tribunal, reconhecendo o descumprimento da regra e decretando a nulidade da sentença, julgar com a motivação hábil. É um claro convite ao juiz de primeiro grau deixar o trabalho pesado para o órgão ad quem. Em alguns casos, portanto, o órgão ad quem necessitará remeter os autos à origem pedagogicamente, sem embargo do prejuízo das partes. § 79.º Defesa indireta de mérito no processo civil 339. Exceção como meio de defesa de mérito À eficácia do direito, da pretensão e da ação, no plano do direito material, opõe-se a eficácia da exceção. A exceção vai, de ordinário, contra a
pretensão, encobrindo-lhe a eficácia, temporária ou permanentemente. É o que dispõe o art. 189 do CC, relativamente à exceção de prescrição: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos…” Mas, “seria erro dizer-se que é o poder de denegar-se o cumprimento de pretensão”.86 O direito de exceção tem domínios mais largos. Por exemplo, o direito de excepcionar a insegurança (art. 477 do CC) surgirá, às vezes, antes do nascimento da pretensão de receber o crédito, e, portanto, vai contra o direito. A pretensão de direito material não representa o objeto do processo.87 Os esforços da processualística alemã, fundada na íntegra e sólida constatação que a pretensão de direito material não explicaria, convenientemente, nenhuma das ações – a declaratória, a constitutiva e a condenatória – ,88 cunharam a noção deprozessualer Anspruch e de objeto litigioso (Streitgegenstand). Do mesmo modo, à exceção não serve o rótulo genérico de oposição à pretensão processual. Em tal preciso e errôneo sentido pretendeu-se, sem embargo, empregar o vocábulo exceção – o poder jurídico do réu de se opor contra a ação promovida contra ele.89 Para essa finalidade, distinguiu-se nada menos que três acepções para a palavra “exceção”, só um deles correspondendo, na verdade, ao sentido técnico da palavra, e traçou-se um paralelo entre ação e exceção, cuja única diferença consistiria no fato de que o autor tem iniciativa em instaurar o processo e o réu não a tem e deve suportar, nada obstante, o peso da investida.90 A mudança terminológica empreendida pelo Codigo General del Processo uruguaio, de 18.10.1988, que relaciona a exceção com a defesa processual (art. 133) e prefere designar a impugnação de contradição, nenhuma influência exerceu nesta construção.91 Fez bem o processo legislativo do CPC de 1973 ao depurar a palavra exceção.92 O conceito era dos mais equívocos no primeiro código unitário.93 No anteprojeto do segundo estatuto, usava-se a palavra no sentido de defesa indireta, quer de mérito (exceção substancial), quer processual (objeções), na versão definitiva da lei. O processo legislativo substituiu-a por defesa.94 Em contrapartida, as exceções substantivas abrigaram-se nas categorias de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor no art. 373, II, que reparte o ônus da prova consoante a parte que alega o fato,95 e no art. 493. As questões concernentes à competência relativa e à imparcialidade do juiz (suspeição e impedimento) eram objeto, no CPC de 1973, de meio de defesa processual paralelo à contestação e à reconvenção. A explicação para o destaque dessa matéria do veio comum das questões preliminares consistia no fato de se processarem de forma autônoma e implicarem a suspensão do processo. E, por outro lado, a restrição das exceções processuais ao número de três – incompetência relativa, suspeição e impedimento – evita os estorvos existentes no direito processual pré-unitário, marcado pelas Ordenações Filipinas (Livro 3, Título 49, § 2.º), no qual o regime das exceções esgotava a paciência e os recursos das partes.96 A conclusão é que o CPC de 1973 logrou melhor estrutura.97 O NCPC baniu a palavra do léxico processual, reservando-a, como se infere da modificação do art. 274 do CC por força do art. 1.068, ao direito
substantivo. A alegação de impedimento e de suspeição da pessoa investida no órgão judiciário é objeto de incidente autônomo (art. 146), dota de efeito suspensivo ope judicis, enquanto a incompetência relativa ficou inserida no art. 337, II. Simplificou o NCPC os meios de defesa. Não há mal, todavia, em chamar a alegação de impedimento e de suspeição de “exceção”. Antes de dar por assentado integrarem as exceções substantivas ou materiais, deduzidas pelo réu, à categoria dos fatos impeditivos, modificativos e extintivos, há outra possibilidade a ser explorada. Segundo determinado arranjo doutrinário, a par dos fatos que pré-excluem a eficácia da pretensão (v.g., a prescrição) – e que incumbiria ao réu alegar, excepcionada a prescrição no art. 487, II, conhecível ex officio -, há outros fatos impeditivos (v.g., a capacidade do figurante do contrato) e extintivos (v.g., o pagamento) das consequências jurídicas do autor.98 Eles condicionam o acolhimento do pedido tanto quanto os fatos constitutivos, e, dessa maneira, emergindo da prova, o juiz os recepciona para rejeitar o pedido.99 Esse esquema revela-se incorreto na medida em que embaralha o direito de exceção e causas de invalidação do negócio jurídico. O direito de excepcionar não dissolve o negócio jurídico, nem o extingue por fatos anteriores (rescisão), contemporâneos (anulação) ou supervenientes (resolução e denúncia), tão só encobre-lhe a eficácia.100 Forçoso reconhecer, entretanto, que a alegação da invalidade do negócio jurídico, seja qual for a sua causa específica, é um fato extintivo compreendido no art. 373, II. Mas, quem o alega não exerce direito, mas defende-se ou objeta. Por esse motivo, a inserção das exceções substantivas no âmbito dos artigos 373, II, e 493, não impede que outros fatos – objeções substanciais – sejam considerados no respectivo âmbito. É o sistema aqui adotado. 340. Natureza da exceção substancial A lei civil alude a “exceção” e a “exceções” em numerosos dispositivos.101 Essas regras ministram dados que, reunidos e analisados, orientam a elaboração dogmática dessa figura sob novas e poderosas luzes. Formulou-se a noção de exceção no último quartel do século dezenove, recebendo aperfeiçoamento nas primeiras décadas do século vinte, que é de índole marcadamente germânica: a exceção é o poder, exercido através de declaração unilateral de vontade, que paralisa no todo ou em parte a eficácia da pretensão.102 Os efeitos da exceção se passam no plano da eficácia. Decorre a exceção de um direito – o direito de excepcionar (Einrederecht) –, de sinal contrário ao que a ele se opõe.103 A exceção não investe no terreno da existência ou da validade. Em princípio, atinge a pretensão; todavia, a exceção de insegurança, prevista no art. 477 do CC, pode ser exercida antes de nascer a pretensão do outro figurante, e, portanto, “vai contra direito”.104 Na realidade, a exceção se contrapõe à eficácia do direito, da pretensão e da ação, variando seus efeitos, conforme a hipótese: tanto provoca a paralisia temporária da eficácia (exceção dilatória ou suspensiva), quanto seu encobrimento para sempre (exceção peremptória ou permanente),105 qualquer que seja seu objeto.
A exceção surge no plano do direito material. Ele supõe o direito de excepcionar. O que a caracteriza é “o estar em contraposição a algum direito ou efeito dele, sem o excluir, nem o modificar”.106 E a exceção não supõe, necessariamente, alegação em processo judicial.107 Se a pretensão independe do processo, e pode ser exercida extrajudicialmente, também a exceção constitui uma faculdade que pode ser oposta fora e dentro do processo.108 Por óbvio, o réu que alega exceção dessa ordem em juízo decerto suscita questão respeitante ao mérito e, seja qual for seu teor, o provimento jamais extinguirá o processo por razões processuais. Esta é a razão pela qual o juiz, acolhendo a exceção de prescrição, extinguirá o processo com julgamento de mérito (art. 487, II, do NCPC). Todavia, se a parte excepcionou antes de formar-se o processo – por exemplo, alegou perante o parceiro exceção de inadimplemento, prevista no art. 476 do CC –, e renova a alegação em seu âmbito, seus efeitos retroagem à data desta declaração de vontade.109 Cumpre evitar a todo transe, neste assunto, a equivocada orientação italiana,110 com profundas repercussões na respectiva doutrina,111 segundo o qual a exceção constitui direito contrário à ação processual. Entende-se a exceção neste pensamento, salvo exceções,112 como “ação” ou direito a um pronunciamento favorável do órgão judiciário. Por influência do direito comum, o direito processual adotou a palavra “exceção” (v.g., no caso de alegação da incompetência relativa), tomando um dado contingente (a necessidade de alegação da parte) como da essência do fenômeno. Ora, há inúmeras ressalvas à iniciativa da parte, neste assunto, quer no plano processual (o juiz tem o dever de declarar seu impedimento, nos casos do art. 144), quer no plano material (v.g., a prescrição). E, no direito pátrio, a exceção de prescrição atinge a pretensão, e, não a ação (art. 189 do CC). Rejeitam-se, portanto, de um lado, o alvo precípuo da exceção – não se dirige contra a ação processual, proveniente do direito à tutela jurídica do Estado –, e, de outro, o indevido alargamento da noção, promovido no direito comum.113 As concepções de tendência marcadamente processualistas turvaram a clareza original da exceção sem maior proveito. A exceção substancial representa, em princípio, matéria subordinada à iniciativa da parte. No entanto, a exceção de prescrição pode ser conhecida, ex officio, a teor do art. 487, II, do NCPC. A separação das questões processuais, conhecíveis ex officio, das exceções substanciais, dependentes de alegação, representou inolvidável conquista. A superlativa importância – releve-se a ênfase excessiva – dessa construção presidiu a formação das linhas básicas do processo moderno.114Esse dado, enfatizando a subordinação da exceção à iniciativa da parte, de regra, permanece tendência relevante. Todavia, o caso da prescrição revela que o dado não comporta maiores generalizações, nem sequer indica o ponto essencial da figura.115 Não há dúvida razoável a respeito de um aspecto: a exceção de direito material integra os domínios do mérito.116 É controvertido o efeito da exceção no tocante aos limites do objeto litigioso. A tese prevalecente é a de que o autor fixa, por sua iniciativa, o mérito, que recai unicamente sobre o pedido. E acrescenta-se: “A atitude do
réu é para efeito sem consequências. O máximo que ele pode fazer é contestar o pedido do autor, sem alterar-lhe os limites; e, por outro lado, a alegação de fatos e questões novas, embora estenda a matéria lógica a ser examinada, não modifica a identidade e os limites do pedido”.117 Ora, o mérito não se cinge ao pedido, envolvendo também a causa de pedir (retro, 236), elementos da ação subordinados à iniciativa do autor. Se o juiz, ao acolher ou a rejeitar a exceção substancial, julga o mérito e, para esse efeito, encontrase adstrito à iniciativa do réu em alegar semelhante exceção, pois do contrário não conheceria da matéria, forçoso admitir que o mérito alargou-se além dos limites originais. Passou a integrar-se, a partir da alegação do réu, questão que era estranha à proposta da inicial. Por óbvio, a eventual repercussão desses novos limites do mérito na coisa julgada é outro problema, a ser examinado oportunamente, remarcando-se que, nos termos do art. 503, caput, a autoridade recai sobre as questões principais. O que não se pode negar, sem ofensa à realidade, é o alargamento não da cognitio do órgão judiciário, mas do próprio iudicium.118 Por outro lado, a exceção não se confunde com as causas anteriores (rescisão), contemporâneas (nulidade e anulabilidade) e supervenientes (resolução e denúncia) ao negócio jurídico e que o dissolvem.119 A exceção não extingue ou paralisa os direitos, pretensões e ações porventura derivadas do contrato. Ela tão só encobre a respectiva eficácia, permanentemente (v.g., prescrição) ou não (v.g., inadimplemento). Impende, aqui, distinguir os planos da existência, da validade e da eficácia. Em sentido contrário, diz-se que o acolhimento da exceção extingue o direito, exceto quando sobreviver uma obrigação natural, aduzindo-se: “Quando, pelo contrário, a situação posterior à exceptio carece daquele resíduo, entendemos que sendo ela, em regra, substancial e peremptória, não se limita a paralisar senão a destruir o próprio direito. Temos como impossível harmonizar-se o ser e o não ser, o existente com o que não mais existe, sinais tanatológicos evidentes com manifestação de vida hipotética. Pensar de outro modo, é fugir às realidades dos fatos, para sobrepairar no domínio de uma fantasia”.120 Ora, a própria exceção apontada, o mencionado e incômodo “resíduo” posterior à alegação da prescrição, já revela que o direito sobrevive, conquanto encoberto, e desejando o devedor prestar, ele prestará.121 341. Espécies de exceções substanciais As exceções substanciais se classificam em três espécies: (a) exceções autônomas (ou independentes) e dependentes; (b) exceções dilatórias e peremptórias; (c) exceções pessoais ou impessoais.122 341.1. Exceções autônomas e dependentes – A exceção autônoma baseia-se unicamente no ius excepcionis respectivo. Por exemplo, a exceção de prescrição “é o conteúdo (imediato) do próprio direito de excepcionar; todo o seu efeito é o de permitir a recusa à prestação, ou o atendimento da pretensão”.123 É autônoma, por igual, a exceção do art. 827, caput, do CC, também conhecida como beneficium excussionis. Por outro lado, a exceção do art. 1.197 do CC, segundo a qual o titular da posse imediata (v.g., o locatário; o usufrutuário) pode defendê-la perante o
titular da posse mediata (v.g., o locador; o nu proprietário), da qual ela derivou, existe por decorrência do próprio direito pessoal ou real – locação e usufruto. É dependente, outrossim, a exceção de inadimplemento (art. 476 do CC). 341.2. Exceções pessoais e impessoais – É pessoal (in personam) a exceção fundada em direito pessoal. Limita-se aos figurantes da relação jurídica. Por exemplo, é pessoal a exceção do art. 1.197 do CC no caso da locação, embora possa opor-se ao sucessor (v.g., o adquirente do imóvel locado). As exceções fundadas em direito real (im rem) são impessoais, oponíveis a qualquer pessoa. Por exemplo, a exceção de retenção consiste “na faculdade concedida por lei ao credor, de conservar em seu poder a coisa alheia, que já detenha legitimamente, além do momento em que a deveria restituir-se se o seu crédito não existisse, e normalmente até a extinção deste”,124 e é impessoal, no caso de retenção por benfeitorias realizadas pelo credor pignoratício (art. 1.433, II, do CC). 341.3. Exceções dilatórias e peremptórias – O critério de maior importância, no direito processual civil, distingue as exceções peremptórias e dilatórias. A exceção peremptória encobre a eficácia do direito, pretensão ou ação, conforme o caso, de modo permanente. É o caso da exceção de prescrição (art. 189 do CC): o seu acolhimento conduz, automaticamente, à vitória do réu, proferindo o juiz sentença de mérito neste sentido (art. 487, II, do NCPC). A exceção dilatória encobre a eficácia temporariamente. Por exemplo, a exceção de inadimplemento (art. 476 do CC) não tolhe, definitivamente, a exigibilidade da própria prestação, tão só a posterga para a oportunidade em que o outro figurante do negócio jurídico também realizar a sua prestação. Em consequência, as exceções que “encobrem temporariamente ou cessam de ter efeito a dado momento, ou podem ser destruídas por ato do titular do direito a cuja eficácia se opõem, ou só tem efeito enquanto não se tem por certa alguma situação”.125 Por exemplo, a exceção de retenção por benfeitorias é dilatória. O exercício da exceção obsta a restituição da coisa até a satisfação do contracrédito do retentor; porém, o titular do direito à coisa poderá imitir-se na sua posse, a qualquer tempo, prestando caução ou depositando o valor do contracrédito ou o que resultar da compensação com o valor dos frutos ou danos. Deduzida pretensão à condenação, porque falta à parte o título executivo extrajudicial, a exceção de retenção há de ser alegada na contestação, sob pena de preclusão, e, conseguintemente, de coisa julgada (art. 508), repelindo a alegação ulterior na impugnação (art. 525, 1.º). A esse respeito, afirma-se o seguinte: “a não oposição, em tempo oportuno, da exceção de retenção, importa renúncia ao direito de reter, mas não ao crédito garantido, o qual poderá ser cobrado por via de ação, na forma comum”.126 Ao invés, excepcionada a retenção perante a pretensão a condenação, a sentença resolverá a questão e, no caso de acolhimento, modificar-se-lhe-á o teor, in verbis: “A oposição da exceção não impede a condenação, apenas lhe modifica o conteúdo”.127 Esse ponto merecerá maiores esclarecimentos em item específico (infra, 345). 342. Principais exceções substanciais
Não é atribuição do direito processual enumerar as exceções substanciais. É o direito material que as contempla e regula. No entanto, convém apontar as principais exceções, extremando-as de situações similares. São exceções típicas: (a) exceção de prescrição; (b) exceção de inadimplemento; (c) exceção de usucapião (Súmula do STF, n.º 237); (d) exceção de domínio; (e)exceptio rei traditio et venditio (“não pode reivindicar a coisa aquele que é responsável pela boa e firme alienação dela”;128 por exemplo, o espólio do promitente vendedor, que reivindica o objeto da promessa do promissário comprador).129 A exceptio plurium concubentium era a alegação do réu, na investigação de parentalidade, segundo a qual a mulher manteve relações sexuais com outros homens, no período legal de concepção. Funcionava, realmente, como “verdadeira defesa de mérito indireta: o réu, reconhecendo o fato básico, procura apresentar outros, capazes de retirar daqueles o efeito pretendido pelo autor”.130 Com efeito, a prova desse teor, geralmente indiciária, provocava dúvida quanto ao fato biológico, ensejando a rejeição do pedido. Ora, a engenharia genética eliminou a utilidade dessa exceção. A prova pericial esclarecerá o assunto, categoricamente; ou, recusando o réu a permitir a coleta do material indispensável ao exame, inverter-se-á a presunção, nos termos do art. 231 do CC (“Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”). Os fatos impeditivos, modificativos e extintivos integram categoria mais ampla do que as exceções substanciais. Desse modo, o pagamento é fato extintivo, e, não exceção. Tampouco as demais modalidades de extinção da dívida, sem satisfação do credor, não representam exceções. Os fatos extintivos do negócio jurídico (v.g., a denúncia e a cláusula resolutória expressa), do qual o autor extrai o efeito jurídico exposto, na inicial não constituem exceções. O réu que alega tais fatos objeta à pretensão. A compensação é exercício de direito formativo extintivo.131 Ao acolher a compensação, o juiz extingue, no todo ou em parte a dívida, e, conseguintemente, acolherá ou rejeitará o pedido na respectiva medida. Se o crédito do réu for maior que o crédito do autor, o juiz rejeitará totalmente o pedido, cabendo ao réu, pretendendo obter a prestação residual, deduzir reconvenção para essa finalidade. Não é possível ao juiz, sem pedido do réu, outorgar-lhe esse bem da vida. As causas de nulidade e de anulabilidade do negócio jurídico constituem meios de defesa, contrariedades à pretensão, e, não, exceções.132 É comum, todavia, inserirem-se as causas de nulidade e anulabilidade entre os fatos impeditivos. A pronúncia de vício impediria o negócio de produzir seus efeitos próprios.133 São objeções substanciais. 343. Ônus de alegar e ônus de provar a exceção substancial É ônus do réu o de alegar a exceção no prazo de defesa. Segundo o art. 336, que institui o princípio da eventualidade, a resposta do réu compreenderá toda a matéria de defesa. Logo, o réu tem o ônus de alegar a exceção. A iniciativa da parte constitui uma das frisantes características das exceções
substanciais: o juiz não pode conhecê-la ex officio, a despeito de comprovados todos os seus pressupostos, ressalva feita à prescrição. Esse regime extravagante e oportunista – o objetivo da iniciativa oficial repousa na necessidade de eliminar processos, diminuindo o volume de serviço do órgão judiciário – não desfigurou a exceção de prescrição. Recorda-se que, havendo necessidade de o juiz promover o contraditório antes de prover a seu respeito, na prática o réu arguiu o fato extintivo (transcurso do tempo).134 Por razões didáticas, à prescrição enquadrou-se na classe das objeções substanciais (retro, 313.1.3). Daí resulta que o maior interessado em persuadir o juiz da existência dos fatos constitutivos da exceção, e que assumem a função de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, é e apenas pode ser o réu. No caso da exceção de inadimplemento (art. 476 do CC), por exemplo, incumbir-lhe-á provar que a prestação reclamada pelo autor constitui a contraprestação que lhe pertence, porque se cuida de contrato bilateral, e, ainda, o autor exige sem contraprestar. Ao réu aproveitará, fundamentalmente, o reconhecimento desses fatos como verdadeiros. Se a atividade de instrução do processo, ao fim e ao cabo, ministra ao juiz um quadro nítido acerca da natureza do negócio e da autoria do inadimplemento, pouco importa quem efetivamente carreou aos autos os meios idôneos a demonstrá-los, consoante o postulado pelo princípio da comunhão ou aquisição (infra, 1.356). Nenhum interesse prático despertará a questão relativa a quem caberia, afinal, produzir tal prova. No tema aqui enfrentado, recorde-se a circunstância de as alegações do autor na inicial e a prova por ele produzida nessa peça já trazerem, virtualmente, toda prova necessária à exceção.135 Nada obstante, amiúde os esforços probatórios das partes, em que pese a necessidade de empreendê-los para lograr sucesso, ou ônus subjetivo (infra, 1.338.1), embora coadjuvados pela iniciativa judicial – poder indisputável, mas teórico, em virtude da notória abulia do órgão judiciário neste terreno (infra, 1.351) –, frustram-se inteiramente, provocando incerteza quanto à existência dos fatos jurídicos. O material probatório imprestável e incompleto não exime o órgão judiciário do dever de julgar o mérito (infra, 1.338.2). Para evitar o encerramento do processo sem juízo do órgão judicial a favor ou contra uma das partes (non liquet), abstendo-se de resolver o mérito, o legislador predispôs regras a respeito do ônus da prova, apresentando-lhe saídas para o impasse. As regras de ônus da prova representam, nesse sentido, diretrizes para o ato de julgar. Elas distribuem os riscos da falta ou da insuficiência da prova hábil de algum fato favorável entre os litigantes. O ônus de provar distingue-se do ônus de alegar. Andam juntos tão frequentemente tais ônus – a máxima, segundo a qual o ônus da prova incumbe a quem alega, retrata a regra geral – a ponto de se confundirem, na maioria dos casos. Todavia, nada obsta que se dissociem, competindo a uma das partes introduzir o fato no processo, por óbvio favorável ao efeito jurídico pretendido, e à outra prová-lo, almejando se forrar às suas consequências. Seja como for, o art. 373, II, atribuiu ao réu o ônus de alegar e de provar as exceções, seguindo o brocardo reus in excipiendo fit actor. Às vezes, a produção de prova dos fatos constitutivos da exceção substancial revela-se desnecessária. Figure-se o caso da exceção de
prescrição. Se a dívida subordina-se a termo, e o autor alegou o seu vencimento, redarguindo o réu com a exceção de prescrição, ao juiz bastará cotejar essa data com a do calendário gregoriano, haurido de regra de experiência (art. 375), e realizar a subsunção de tais fatos da regra de prescrição adequada (artigos 205 e 206 CC). Em outros casos, o ônus de provar os fatos constitutivos da exceção se reveste de superlativo interesse.136 No tocante à exceção de inadimplemento (art. 476 do CC), diz-se que o réu “não tem de provar o direito de exceção, porque a exceção provém, intrinsecamente, do contrato bilateral”.137 E isso, porque o autor baseia sua pretensão no contrato bilateral, e, desde logo evidencia a existência de contraprestação. Nesta contingência, bastará ao réu alegar a exceção, cabendo ao autor o ônus de provar que adimpliu ou ofereceu sua prestação.138 À luz do ius positum, todavia, o ônus de provar as exceções carrega-se ao réu, a teor do art. 373, II, do NCPC, salvo resolução distinta na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III, c/c art. 373, § 1.º. É peculiar o caso da exceção de inadimplemento, mas não discrepa, ao fim e ao cabo, dessa regra geral do art. 373, II. O figurante que reclama a prestação alheia incumbe o ônus de “provar que adimpliu a contraprestação que lhe corresponde”, consoante dispõe o art. 798, II, d, relativamente à ação executória, vez que tal fato (extintivo) integra sua pretensão.139 A seu turno, ao réu cabe, além de impugnar o adimplemento alegado pelo autor – do contrário, o fato se tornará incontroverso –, alegar seu adimplemento e proválo, se for este o caso; deduzindo também a exceção de inadimplemento, implicitamente afirma seu inadimplemento, atribuindo-o, contudo, ao inadimplemento do autor. Assim, se a exceção é deduzida, e nenhuma das partes realiza prova do adimplemento da contraprestação, o risco da inexistência de prova pesará sobre o réu que a alegou.140 Os efeitos receberão exame adiante (infra, 344). Em duas hipóteses o ônus de provar toca ao excipiente independentemente de outras considerações: em primeiro lugar, alegando que o adimplemento se revela incompleto ou defeituoso, há de provar a inexatidão ou o vício do objeto;141 ademais, consistindo a contraprestação numa omissão. Por exemplo: A se obrigou a se abster de construir um muro que prejudicaria o panorama visto do imóvel de B, mediante o pagamento de certa quantia; reclamando B o pagamento, e excepcionandoA, caberá a este último provar a construção.142 344. Efeitos do oferecimento da exceção substancial O oferecimento da exceção substancial produzirá efeitos no objeto litigioso e no procedimento. Em relação ao primeiro aspecto, dividem-se as opiniões. A tese prevalecente opina que haverá tão só ampliação da atividade cognitiva do órgão judiciário. Parece correto, porém, a orientação oposta, indicando a ampliação do próprio mérito. A autoridade da coisa julgada recairá, no caso de acolhimento da exceção substancial, sobre semelhante questão, a exemplo do que sucede com a prescrição (art. 487, II), por sinal exceção
peremptória. Esse efeito demonstra, convincentemente, a modificação do objeto litigioso após a alegação da exceção substancial. No que tange ao segundo, a exceção substancial imprime variante ao procedimento, exigindo do órgão judiciário, em atenção ao princípio do contraditório, a providência preliminar (ao julgamento do mérito) prevista no art. 350: a audiência do autor. O prazo é de quinze dias. Fluirá da intimação do autor pelos meios comuns, em geral através da publicação do ato do juiz, abrindo o prazo, no órgão oficial. A redação da regra equivalente no direito anterior revelava-se imperfeita num aspecto. Nem sempre o réu, ao oferecer a exceção substancial, reconhecia o fato constitutivo alegado pelo autor. O princípio da eventualidade permite-lhe, além de deduzir a exceção, antes de mais nada impugnar o fato constitutivo, como geralmente acontece. A imprecisão não comprometia o sentido geral da regra, corrigida no art. 350 do NCPC. No prazo de dez dias, a teor do art. 350, concebem-se três atitudes do autor: (a) omissão; (b) impugnação do fato ou do direito; (c) reconhecimento da exceção substancial. 344.1. Omissão do autor quanto à exceção substancial – A omissão do autor, deixando de impugnar os fatos novos (impeditivos, modificativos e extintivos), não significa que o juiz resolverá a causa, necessariamente, a favor do réu. Incumbe ao réu o ônus de provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos em que baseia a exceção, segundo o art. 373, II. Esse ônus subsiste à concordância tácita do autor subentendida da omissão. Dois motivos autônomos respaldam a conclusão: (a) a presunção de veracidade, prevista no art. 344, tem como objeto o fato constitutivo, e como sujeito o réu, e, não, o autor; (b) as presunções, tal como a de veracidade do art. 344, merecem interpretação estrita.143 Escoado o prazo do art. 350 sem manifestação do autor, e conforme a prova documental, produzida juntamente com a contestação (art. 434, caput), baste ou não à elucidação do fato, o juiz ensejará ao réu a produção da prova admissível. Frequentemente, semelhante prova se mostrará desnecessária; por exemplo, no caso da prescrição, o órgão judiciário limita-se a cotejar o calendário com os elementos já constantes nos autos. Tal não significa, ante a proibição da emissão de decisão “surpresa”, a possibilidade de conhecer diretamente do pedido, a teor do art. 355, I, sem tomar a providência preliminar do art. 350. 344.2. Impugnação do autor à exceção substancial – Em geral, o autor impugna a exceção, contradizendo os fatos alegados pelo réu ou deduzindo argumentos jurídicos contrários à tese em que repousa a exceção. Essa atitude suscita questões de fato e de direito. Por exemplo, alegando o autor que o réu contou erroneamente o prazo da prescrição, apresentará impugnação de fato; ao invés, alegando que o réu contou o prazo do deferimento da data da citação, e, não, da data do protocolo da ação (art. 312), como é correto à luz do art. 240, § 1.º, ou que a regra jurídica invocada não se aplica à pretensão, oferecerá impugnação de direito. Valem, aqui, as considerações feitas quanto a tais impugnações quando provenientes do réu (retro, 330 e 331).
Mas, a resposta do autor aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos alegados pelo réu na contestação, também pode adquirir caráter indireto. É o caso de o autor retorquir, de seu turno, alegando exceção oposta à objeção ou à exceção do réu. Por exemplo, alegando compensação o réu, o autor pode replicar com a prescrição do contracrédito. As próprias exceções prescrevem no prazo da pretensão (art. 190 do CC). A esse respeito, calha distinguir as exceções autônomas (v.g., a prescrição) e as exceções dependentes (v.g., o inadimplemento), porque só às últimas aplica-se o art. 190 do CC. E, de fato, se a exceção de prescrição desaparecesse antes de o excepto deduzir a sua pretensão, cujo exercício após o prazo provoca o surgimento da exceção, retirar-se-ia do excepiente o direito de excepcionar antes da oportunidade hábil para alegá-lo.144 É diferente o caso da exceção de inadimplemento. A prescrição da pretensão à condenação decorrente do crédito importará o encobrimento da eficácia da exceção do art. 476 do CC.145 Em outras palavras, em virtude da prescrição, simplesmente a exceção de inadimplemento carece de um dos seus elementos de existência.146 Em qualquer hipótese, seja direta ou indireta a defesa do autor à exceção substancial do réu, o art. 350 autoriza a produção de prova. À primeira vista, a parte final do art. 350 parece redundante, porque o art. 435, caput, parte final, já permite que a parte produza prova documental para se contrapor à produzida pela outra parte. Às vezes, porém, nenhuma prova documental acompanha a exceção substancial exposta na contestação, a exemplo do que sucede no caso da prescrição: o réu indica elementos já constantes nos autos (v.g., a data do protocolo da petição inicial e da citação), cingindo-se a invocar a regra jurídica pertinente à espécie. Nesta contingência, lícito se afigura ao autor produzir prova documental autonomamente. Por exemplo, documentos hábeis a provar a configuração de causa suspensiva ou interruptiva da prescrição, como o protesto extrajudicial recebido pelo réu (art. 202, II, do CC) ou ato em que o devedor reconheceu o direito do credor (art. 202, VI, do CC). A menção à prova documental corresponde ao quod pluremque fit. Na realidade, cumpre ao órgão judiciário facultar ao autor a produção da prova adequada à controvérsia, conforme deriva do art. 350, in fine, e já se entendia no direito anterior.147 Por exemplo, o réu alegou pagamento da dívida alimentar, mas não produziu prova documental, invocando o art. 445 (impossibilidade moral de obter prova escrita). Em tal hipótese, o juiz admitirá a prova testemunhal eventualmente requerida pelo réu, a quem toca o ônus de provar o pagamento (art. 373, II), e, em igualdade de condições, a proposta pelo autor, com o objetivo de produzir prova contrária também através de testemunhas.148 A produção da prova documental pelo autor exigirá a audiência do réu (art. 437, § 1.º). 344.3. Reconhecimento da exceção substancial pelo autor – No quindênio do art. 350, o autor pode reconhecer, porque inevitável, os elementos de existência do direito em que se funda a exceção substancial. Ficará o réu, neste caso, aliviado do ônus de provar os fatos (relevatio ab onus probandi). E a causa comportará, neste aspecto, julgamento conforme o estado do processo. É a hipótese simetricamente contrária à do reconhecimento do pedido pelo réu, mas com ela inconfundível. A sentença fundar-se-á no art. 487, I, importando a rejeição do pedido, e, não, o seu acolhimento (art. 490).
344.4. Consequências do desrespeito ao contraditório – A abertura de prazo para o autor responder à exceção substancial é obrigatório. Eventual julgamento conforme ao estado do processo (v.g., acolhendo a prescrição) proferido sem essa formalidade mostrar-se-á nulo, porque violado o princípio do contraditório e o da ampla defesa, conforme decidiu o STJ.149 Todavia, inexistirá prejuízo ao autor se a sentença lhe aproveitar, no todo ou em parte, ante os princípios que governam a decretação das nulidades (art. 282).150 345. Julgamento da exceção substancial A exceção substancial arguida pode ser acolhida ou rejeitada no julgamento da causa. A rejeição da exceção não provocará, necessariamente, o acolhimento do pedido. Eventualmente, o réu também ofereceu impugnação direta ou indireta aos fatos constitutivos, e, neste caso, ao autor incumbirá prová-los e ao juiz avaliar os elementos de prova ministrados, julgando conforme sua livre convicção. Já o acolhimento da exceção, conforme a respectiva natureza, dilatória ou peremptória, determinará de modos diferentes o conteúdo da sentença. Em relação à exceção peremptória, a exemplo da prescrição, o julgamento favorável ao réu não oferece maiores dificuldades. O juiz emitirá sentença de mérito, rejeitando o pedido formulado pelo autor (art. 487, II, do NCPC). É mais complexo o caso da exceção dilatória, a exemplo da exceção de inadimplemento. Oposta a exceção de inadimplemento, inibe-se a eficácia da pretensão do parceiro. Desaparecerá a exigibilidade do crédito.151 Este efeito perdurará até que ocorra o adimplemento ou o aperfeiçoamento da pretensão realizada, purgando-se os respectivos defeitos. Deduzida a exceção em juízo, porque o não adimplente, a despeito de o outro figurante ter excepcionado, reclamou judicialmente a prestação, e cristalizada a questão em tais termos através de prova hábil (v.g., o autor não provou que adimpliu ou ofereceu a prestação), para o órgão judiciário surge a delicada questão de como julgar o processo. À semelhança da prescrição, a exceção de inadimplemento integra o mérito, razão pela qual seu reconhecimento conduziria o juiz a desacolher o pedido, porque prematuro.152 Nessa linha de raciocínio, a discrepância entre a exceção peremptória (prescrição) e a dilatória (inadimplemento) repousa nos efeitos: naquele caso, o provimento do juiz repelirá, definitivamente, a pretensão; nesta hipótese, a rejeição do pedido assume caráter temporário, readquirindo o contratante o exercício da pretensão tanto que desaparecido o móvel da exceção. Verificado esse fato novo, lícito se afigura ao contratante demandar, outra vez, e obter a prestação. A tanto não o impedirá a eficácia de coisa julgada. E as razões para ignorar a autoridade do julgado anterior se mostram simples e convincentes. Em primeiro lugar, a coisa julgada jamais sobrepujará o estritamente declarado, ou seja, a questão decidida, e que – insista-se no ponto – consistiu na inexigibilidade temporária do crédito. Foi o que aduziu, com a cautela de sublinhar o fato de o provimento refletir o “momento processual”, julgado do STJ.153 Ademais, a segunda demanda se distinguirá da primeira pela invocação de um fato superveniente (adimplemento do autor).154
Inexistem, portanto, impedimentos sistemáticos e práticos à improcedência da demanda, ou rejeição do pedido (art. 487, I), porque (ainda) inexigível o crédito. O resultado harmoniza com a natureza da exceção. A mecânica do contrato bilateral recomenda, todavia, solução oposta. Nessa espécie de negócio jurídico, cada prestação é a contraprestação ao outro figurante, havendo dificuldade natural de apurar a imputabilidade do inadimplemento no caso de prestações simultâneas. A essa razão, o legislador alemão acrescentou a de que a atribuição ao autor do ônus de provar que adimpliu, ou que ao réu toca cumprir em primeiro lugar – regra, todavia, adotada no art. 798, I, d -, conduziria a um número expressivo de juízos de improcedência.155 Assim, de acordo com o § 322 do BGB, o juiz julgará procedente a demanda, condenando o réu a prestar simultaneamente. Ninguém impugnará a vantagem de evitar as despesas e os incômodos de uma iniludível e futura demanda.156 Para tal efeito, nenhum relevo particular assume o caráter simultâneo ou sucessivo nas prestações originárias do contrato bilateral. Já se ponderou o seguinte quanto a este aspecto: “A condenação a prestar simultaneamente tanto se dá se as prestações haviam de ser simultâneas como se a prestação do demandante tinha de ser anterior ou se ambas já têm de ser feitas”.157 Apesar de a lei material nada dispor ao propósito, e existir julgado contrário do STJ – “a exceção de contrato não cumprido constitui defesa indireta de mérito (exceção substancial); quando acolhida, implica a improcedência do pedido” –,158 o NCPC consagra essa solução nos domínios da execução, por analogia aplicável às demais pretensões.159 Essa solução técnica – juízo de procedência, mas limitado no plano da eficácia (infra, 1.588.2.2) – recebeu expressiva adesão mais recentemente.160 Para o exequente dar andamento à pretensão a executar, impende ministrar prova do adimplemento da contraprestação. Arbitrou, portanto, a questão relativa ao ônus da prova, imputando-o ao exequente. Segundo o art. 798, I, d, do NCPC, o exequente deverá provar, na petição inicial da execução, o adimplemento da contraprestação, ou que lhe assegura seu cumprimento, “se o executado não for obrigado a satisfazer a sua prestação senão mediante a contraprestação do exequente” (art. 798, I, d, in fine, do NCPC), ou seja, na hipótese de prestações simultâneas. Poder-se-ia imaginar, à primeira vista, que cabe ao órgão judiciário velar pela produção dessa prova e, omitindo-se a inicial, assinar ao exequente o prazo de quinze dias para emendá-la, sob pena de indeferimento. Aliás, o art. 803, III, do NCPC averba de nula a execução proposta ante tempus. Nulidade cominada e, portanto, passível de controle ex officio pelo juiz (art. 803, parágrafo único). Ocorre que ao juiz não é dado conhecer, de ofício, a exceção de inadimplemento, e, assim, o sistema se revela mais complexo, reclamando atenta interpretação. O art. 787, caput, dispõe o seguinte: “Se o devedor não for obrigado a satisfazer sua prestação senão mediante a contraprestação do credor, este deverá provar que a adimpliu ao requerer a execução” – fonte da exigência do art. 798, I, d -, “sob pena de extinção do processo”. Vale dizer: na mesma situação de simultaneidade das prestações, sem a prova do adimplemento do exequente a pretensão a executar não terá seguimento. No caso de a prestação do exequente não se encontrar vencida,
o problema simplesmente não surge. Seja como for, do art. 787, parágrafo único, subentende-se a necessidade de o juiz ordenar a citação do “eximir-se da obrigação, depositando em juízo a prestação ou a coisa”. Nada obstante, cabe ao juiz assinar ao exequente o quindênio para emendar a inicial (art. 801), verificando que o título executivo lhe impõe prestar em primeiro lugar ou simultaneamente. À luz das considerações precedentes, duas conclusões se mostram seguras: (a) a exceção constitui assunto confiado à disposição dos contratantes, nada obrigando o executado a alegá-la; (b) o art. 798, I, d, é uma regra acerca do ônus da prova. Portanto, abrindo o órgão judiciário o prazo do art. 801, o que só beneficia o exequente, jamais poderá indeferir a petição inicial da execução. Em síntese, malgrado o ônus instituído no art. 798, I, d, o regime legal permite e conduz à citação do executado.161 E a razão consiste no fato de que não é dado ao juiz conhecer, de ofício, exceção de inadimplemento. Bem por isso se compreende que o art. 917, § 2.º, IV, contemple os embargos do executado como o meio idôneo para o executado alegar a exceção de inadimplemento, não o fazendo em seguida à citação, sob o pálio do “excesso de execução”. De outro lado, às vezes, dependerá da produção de prova o inadimplemento do exequente ou o adimplemento defeituoso. À ideia que o art. 787, caput, impede atos de constrição, objeta-se que semelhante paralisia se subordina à alegação da exceção, após a citação, e à desnecessidade de prova de o adimplemento do exequente não se revelar satisfatório. É hora de cotejar o sistema com uma hipótese concreta. Figure-se uma compra e venda de coisa móvel e o vendedor, a quem incumbe o dever de entregar a coisa, pretenda executar o preço, via expropriação (art. 824). Cabe-lhe, segundo o art. 798, I, d, depositar a coisa em juízo, livrando-se dos riscos, ou provar que já o fez anteriormente. Em tal contingência, desaparece base para o executado opor-se à pretensão a executar. A exceção de inadimplemento, quer deduzida nos próprios autos da execução, quer através de embargos (art. 917, § 2.º, IV), deixará de produzir seus efeitos típicos. Iniciando o vendedor a execução sem o cumprimento da prestação que lhe incumbe – afinal, a regra é a simultaneidade –, o juiz ordenará a citação do executado, abrindo-lhe dois termos de alternativa: (a) ou realiza a prestação, desde logo, “caso em que o juiz não permitirá que o credor a receba sem cumprir a contraprestação” (art. 787, parágrafo único); (b) ou opõe-se à execução, excepcionando (art. 917, § 2.º, IV). Limitando-se o executado a excepcionar, ao exequente, por sua vez, se oferecem dois caminhos diferentes. Em primeiro lugar, poderá depositar a coisa, cumprindo sua prestação, o que condiz com seu interesse expresso ao propor a execução. Se o executado paga o preço, extinguir-se-á a execução; do contrário, prosseguirá a execução até a final satisfação do crédito do exequente, admitindo o juiz o levantamento da coisa tão só depois da quitação prevista no art. 906. Ao invés, recusando-se o exequente a depositar a coisa, a execução ficará suspensa por trinta dias e, após este interregno, o juiz ordenará sua intimação pessoal para realizar o ato que lhe compete, extinguindo a execução no caso de o exequente não suprir sua falta no prazo de quarenta e oito horas (art. 485, III, e § 1.º). No caso de o executado depositar o preço, no propósito de “eximir-se da obrigação” (art. 787, parágrafo único, primeira parte), proceder-se-á de modo análogo: ou o exequente realiza sua prestação, ensejando a extinção do processo; ou,
então, deixa de fazê-lo, ficando impedido de levantar o preço (art. 787, parágrafo único, segunda parte). A simples alegação da exceção de inadimplemento já subtrai o excipiente, isento de dolo, da responsabilidade pelos riscos da coisa (art. 400 do CC).162 E, de um modo geral, também elimina as consequências inerentes ao inadimplemento. E a principal delas é não incorrer em mora, e, portanto, contra o excipiente não fluem os juros moratórios.163 Se já incorrera em mora e tornara-se exigível a prestação do parceiro, no momento em que é reclamada em juízo sem a prova prevista no art. 798, I, d, a fluência dos juros cessará a partir do momento em que oferecer a exceção. Em relação às despesas do processo e aos honorários advocatícios, o mecanismo criado no art. 787 do NCPC, embora hábil para atingir as finalidades do contrato bilateral, não permite apurar, claramente, a imputabilidade do inadimplemento. O problema se repetirá no processo de conhecimento, cuja decisão implicará a condenação de ambos os figurantes a prestarem simultaneamente. Da iniciativa de um dos contratantes de pleitear a prestação não se retira, licitamente, a ilação de que o outro é o inadimplente. Esta suposição cede à prestação feita pelo executado, a teor do art. 787, parágrafo único, primeira parte, e a inércia do exequente em provar o adimplemento da prestação que lhe incumbe na petição inicial. É uma questão de prova. Nada indica que, fatalmente, o réu responderá por tais verbas. Evidenciando-se que o autor não adimpliu, ou adimpliu insatisfatoriamente, deu causa ao processo, e, nesta contingência, responderá pelas despesas e pelos honorários.
Capítulo 21. REVELIA SUMÁRIO: § 80.º Falta de defesa – 346. Conceito e natureza da revelia – 346.1. Revelia e figuras afins – 346.2. Revelia segundo a sistemática da lei processual – 347. Descaracterização da revelia – 348. Natureza da revelia – 349. Classificação da revelia – 349.1. Revelia total e parcial – 349.2. Revelia formal e substancial – § 81.º Revelia consoante a função processual – 350. Relevância das funções do processo na revelia – 351. Revelia no âmbito da execução – 352. Revelia no âmbito cautelar – § 82.º Revelia no processo cumulativo – 353. Revelia na cumulação objetiva e subjetiva – 354. Revelia no litisconsórcio – 355. Revelia na reconvenção – 356. Revelia na declaração incidente – § 83.º Revelia na intervenção de terceiros – 357. Revelia no chamamento em garantia (denunciação da lide) – 358. Revelia na intervenção principal (oposição) – 359. Revelia no chamamento ao processo – 360. Revelia na assistência – 361. Revelia na correção da legitimidade passiva – § 84.º Efeito material da revelia – 362. Presunção de veracidade na revelia – 363. Objeto da presunção de veracidade na revelia – 364. Natureza da presunção de veracidade na revelia – 365. Exceções à presunção de veracidade na revelia – 365.1. Fatos controvertidos por um dos réus – 365.2. Fatos relativos a direitos indisponíveis – 365.3. Fatos subordinados à prova documental – 365.4. Fatos desconhecidos pelo contestante – 365.5. Fatos inverossímeis, impossíveis e improváveis – 365.6. Fatos contraditados pela prova produzida – 366. Efeitos da inexistência do efeito material da revelia – 366.1. Pressupostos da especificação de provas – 366.2. Conteúdo do provimento de especificação de provas – 366.3. Prazo da especificação de
provas – 366.4. Atitudes do autor na especificação de provas – 366.5. Controle da admissibilidade da especificação de provas – 367. Direito do réu à prova na revelia – 368. Direito do autor à prova na revelia – 369. Resultado da instrução em contraste com o efeito material da revelia – § 85.º Efeitos processuais da revelia – 370. Enumeração dos efeitos processuais da revelia – 371. Precipitação do julgamento do mérito na revelia – 372. Necessidade de comunicação dos atos processuais – 372.1. Constitucionalidade da dispensa de contraditório – 372.2. Pressupostos da comunicação dos atos processuais – 372.3. Objeto da comunicação dos atos processuais – 372.4. Ingresso tardio do revel no processo – 372.5. Desentranhamento da contestação extemporânea – 373. Estabilidade da demanda na revelia – § 86.º Remédios contra a revelia – 374. Fundamento do pedido de restituição – 375. Prazo do pedido de restituição – 376. Procedimento do pedido de restituição – 377. Efeitos da decisão do pedido de restituição. § 80.º Falta de defesa 346. Conceito e natureza da revelia Da revelia ocupa-se o Capítulo VIII do Título I – Do Procedimento Comum – do Livro I da Parte Especial do CPC. Esse capítulo abrange os arts. 344 a 346. Ocupam-se do assunto, ainda, os arts. 348 e 349 da Seção I – Da Não Incidência dos Efeitos da Revelia – do Capítulo XI – Das Providências Preliminares e Do Saneamento – do mesmo Título I, bem como outras disposições, sobressaindo o art. 355, I, atinente ao julgamento antecipado do mérito. Em relação à disciplina fragmentada do CPC de 1939, o CPC de 1973 sistematizara o instituto, embora em termos tão rígidos que um crítico ácido conclui que o revel, no direito brasileiro, “deixou de ser um ausente para se tornar um delinquente”.1 O método da comparação sugeria tratamento menos rigoroso.2 O NCPC manteve, em linhas gerais, os drásticos efeitos da revelia para o réu, mas lhe minorou a posição desconfortável através do art. 349. Em vão, todavia, encontrar-se-á nos arts. 344 a 346 o conceito de revelia. À semelhança do CPC de 1939, o segundo código unitário tampouco definiu-a em termos explícitos.3 A ênfase recaiu nos efeitos da revelia. Impõe-se, preliminarmente, distinguir revelia dos institutos afins. 346.1. Revelia e figuras afins – A busca de um conceito sólido e operacional de revelia arranca da distinção entre esse instituto e figuras assemelhadas. A primeira delas é a contumácia. Bem fundamentada análise,4 empreendida na vigência do CPC de 1939, apontou a existência de três correntes no que tange à distinção entre revelia e contumácia: (a) a contumácia, entendida como o não comparecimento da parte em juízo, representa gênero, do qual a revelia, ou não comparecimento do réu, é espécie;5 (b) a contumácia, constitui a causa, da qual revelia é efeito;6 (c) contumácia e revelia guardam equivalência terminológica.7 Fatores históricos influenciaram a dispersão. Jamais se formou entendimento convergente, ou ponto de consenso, chegando-se a realçar o seguinte: “a
expressão que mais predominou na antiga doutrina foi contumácia; a que uniformemente se empregou nos códigos foi revelia”.8 É preferível, então, desanuviar o instituto dessas imprecisões terminológicas. Embora seja admitida a sinonímia das palavras,9 revelia retratará fielmente a falta de defesa do réu,10 de acordo com a nomenclatura empregada na lei processual em vigor. No direito processual civil brasileiro, revelia é situação em que se põe unicamente o réu omisso. Entre nós, a simples apresentação da demanda ao órgão judiciário (art. 312, primeira parte) traduz, por si só, o comparecimento do autor perante a autoridade judiciária.11 É desconhecida, a bem da presteza, a necessidade de formar-se o processo mediante o comparecimento de ambas as partes, hipótese em que a ausência do réu representaria ficta litiscontestatio.12 Não é de estranhar que, nessa configuração de processo, a contumácia seja a deserção tanto do autor, quanto do réu.13 Em seguida, impõe-se destacar a revelia das noções de rebeldia e de inatividade. O revel não é, necessariamente, rebelde. Nem sempre a omissão da parte traduz desafio à autoridade do órgão judiciário. O elemento subjetivo, o móvel do réu ao se abster de acudir à citação, afigura-se inescrutável nos domínios do processo, exceto por iniciativa do próprio demandado. É lícito ao réu, nos termos do art. 223, § 1.º (v.g., doença provada por documento idôneo), evitar ou relevar a condição de revel, obtendo a restituição do prazo de contestação, a par de eximir-se da sanção imposta pela falta de comparecimento na audiência de conciliação e de mediação (art. 334). Fora dessa hipótese, a intenção do réu mostra-se irrelevante, inadmissíveis os preconceitos latentes do brocardo contra absentes omnia iura clamant. De resto, o réu tem o ônus, e, não, o dever de comparecer em juízo. A ideia de rebeldia relaciona-se com formas rudimentares e primitivas de processo, em especial ao processo romano, que não se formava sem a adesão espontânea do réu (litiscontestatio).14 Por essa razão, a lei não institui meios para constrangê-lo a atuar no processo, contentando-se em induzi-lo com a advertência que a omissão produzirá os efeitos intrínsecos à revelia (art. 250, II). E a inatividade tem alcance mais largo que o da própria contumácia, no sentido já explicado de não comparecimento em juízo da parte ou do interveniente. Há inatividade tanto na imobilização do processo, quanto no comparecimento do réu sem resposta (v.g., o advogado do réu junta a procuração no processo – e, portanto, comparece –, mas não emprega os meios de defesa).15 A imobilização do processo, que é uma forma de inatividade, somente se transforma em contumácia após a intimação pessoal da parte, a teor do art. 485, § 1.º. É claro que o não comparecimento inclui a inatividade, mas o inverso não se revela verdadeiro: às vezes, o réu só comparece e não toma atitude definida, quedando-se inativo após representar-se no processo ou a partir de certa fase do procedimento. 346.2. Revelia segundo a sistemática da lei processual – Fixadas essas distinções, convém reunir, enfim, os dados legislativos necessários à construção do conceito revelia no direito processual brasileiro.
O enérgico elemento inicial reponta dos termos explícitos do art. 344. Essa regra cuida de um dos efeitos da revelia, e o mais expressivo e duro de todos: a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (infra, 362). Reza o dispositivo que, “se o réu não contestar a ação”, presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor. A acreditar-se na regra, revel é o réu que, a despeito de havido como citado – a citação, ocioso acrescentar, pode não ter ocorrido, ou mostrar-se nula, repercutindo no remédio à disposição do revel purgar a revelia –, não contestou. Revelia significa falta de contestação, e, não, abstenção total. É o entendimento prevalecente entre nós.16 Entretanto, há situações em que o réu comparece, mas não contesta, e não parece razoável atribuir-lhe a condição de revel, submetendo-o à presunção do art. 344. O direito pátrio filiou-se ao sistema da ficta confessio, acompanhada do efeito cominatório semipleno (presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor), como o direito português,17 cabendo extrair-lhe as devidas consequências. Assim, no caso de o réu não contestar, mas reconvir (art. 343, § 6.º), alegando fatos contrapostos aos afirmados na petição inicial, a controvérsia instala-se no processo, e conseguintemente, a dúvida (questões de fato) no espírito do juiz. Por exemplo, o autor pede a condenação do réu ao pagamento da prestação pecuniária prevista no contrato, mas o réu ingressa com reconvenção, pedindo a anulação do contrato por vício de consentimento. Por óbvio, ao órgão judiciário não caberá acolher, simultaneamente, ação e reconvenção, porque uma repele a outra. Em tal sentido, revelia não se confunde com a falta de contestação, nem a ausência de impugnação precisa aos fatos afirmados na inicial (art. 341, caput, primeira parte, do CPC). Por força desses comportamentos, sem dúvida o réu arcará com a presunção de veracidade dos fatos. Descumpriu o réu o ônus de impugnar os fatos afirmados pelo autor, tornando-os controversos, e, assim, tema de prova (art. 374, III), ordinariamente a cargo do autor (art. 373, I). Na realidade, revelia decorre do descumprimento do ônus de contestar. É constatação objetiva da inatividade total do réu no prazo de contestação,18 em geral a falta de comparecimento no processo.19 Neste sentido, constitui atofato processual.20 Definição similar encontrava-se no direito anterior: “A revelia é consequência do que no processo se denomina de omissão total, visto que resulta do descumprimento do ônus de defender-se imposto ao réu”.21 À base dessa construção vê a influência da doutrina alemã, distinguindo o ônus de comparecer (Erscheinunglast), eliminando a contumácia, e o ônus de tomar posição (Einlassungslast), cujo desatendimento importa a presunção de veracidade (e chamada em sentido equívoco de Geständnisfiktion).22 Visualizava nitidamente essa distinção no antigo procedimento sumário. Era revel o réu que não comparecia, injustificadamente, à audiência de conciliação (rectius: preliminar), pessoalmente ou através de preposto com poderes especiais para transigir. Se o advogado do réu comparecia a essa solenidade, não se cogitava de revelia.23 Em nome da parte, após juntar a procuração, produziria prova documental e contestaria, oralmente ou por escrito. O comparecimento pessoal da parte na audiência da conciliação (rectius: preliminar) não era, ainda, para prestar depoimento pessoal, ou seja,
responder ao que lhe for perguntado (art. 380, I), e, assim, não se revelava indispensável à validade do ato, não lhe atraindo consequências desfavoráveis (v.g., precipitação do julgamento). E mesmo quando intimado para prestar depoimento pessoal, de ordinário cuidar-se-ia de ônus, e, não, dever de depor (infra, 1.364). Logo, ausente o réu, mas presente o procurador devidamente habilitada, a defesa tem eficácia plena em relação às matérias que ao juiz é dado conhecer ex officio. Por óbvio, “o advogado hábil destacará as incoerências e as inverossimilhanças dos fatos alegados, induzindo o juízo de improcedência”.24 Comparecendo o réu à audiência de conciliação do antigo procedimento sumário, pessoalmente ou não, mas desacompanhado de advogado, e não demonstrando o representante técnico o justo impedimento até a abertura da audiência, em princípio era havido como ausente, porque não dispõe de capacidade postulatória. A revelia só ocorreria, nesse caso, se o réu informasse ao juiz que constituiu advogado, mas este não compareceu. Se o réu comparecia e alegava não dispor de recursos para contratar advogado, cumpria ao juiz suspender a audiência, designando nova data, e orientar o réu a procurar a Defensoria Pública. A esta incumbiria avaliar se a parte enquadrava-se nos requisitos exigidos para obter a representação técnica pelo órgão oficial. Não sendo este o caso, e o réu continuasse sem representação, o juiz reconheceria a condição de revel na audiência que já designara anteriormente. Perdia-se tempo, mas o respeito aos direitos fundamentais processuais tem custo elevado. Essas considerações demonstram o acerto da noção aqui defendida de revelia. Tal estado verifica-se perante a omissão total do réu em comparecer no processo, apresentando contestação. 347. Descaracterização da revelia Concebem-se, no prazo de resposta, atitudes do réu desfavoráveis ao próprio interesse e, nada obstante, suficientes para descaracterizar a revelia. Esses casos extravagantes, em parte expostos na construção do conceito de revelia (retro, 346), servem de contraprova. O descumprimento do ônus de contestar não leva à revelia do réu. É que, no prazo de resposta, o réu pode reconvir, e, assim, (a) comparece no processo e (b) controverte, impropriamente que seja os fatos afirmados pelo autor. E tanto basta para afastar o estado de revel e seu principal efeito, que é a presunção de veracidade do art. 344. A contestação ineficiente, porque desprovida da impugnação precisa dos fatos afirmados pelo autor (art. 341, caput, primeira parte), e independentemente da paralela reconvenção, não induz à revelia. Em primeiro lugar, o réu fez-se presente no processo. O réu contestante inábil e ineficiente não é um ausente. Ademais, o réu descumpriu tão só o ônus da impugnação específica, em princípio, inconfundível com o ônus de comparecer, induzindo à revelia. A habilitação do procurador do réu no processo, sem qualquer atitude definida, tampouco caracteriza a revelia. O réu compareceu e atuou no
processo, embora de modo inexpressivo. Não é revel, mas parte adequadamente representada no processo, mas – nada há de pior – indefesa. A apresentação intempestiva da contestação purga a revelia (art. 346, parágrafo único). Além disso, a contestação tardia funciona como defesa, relativamente às questões de ordem pública. Não é isenta de consequências, porém, a atitude do réu. Responderá pelos ônus financeiros decorrentes da alegação serôdia, entendendo o juiz reprovável semelhante comportamento. No antigo procedimento sumário, embora o réu não comparecesse na audiência de conciliação, a presença do respectivo advogado, convenientemente habilitado, impedia a conciliação, mas descaracteriza a revelia.25 O advogado poderia contestar. Comparecendo o réu, desacompanhado de advogado, a designação de defensor público ou de advogado dativo impedia a revelia, propiciando a conciliação e, frustrada a composição amigável, a defesa. Não ocorrendo essa designação, a apresentação de defesa pela parte, oral ou escrita, não impede a revelia, porque se trata de ato privativo do advogado.26 Nessas situações, vale frisar outra vez, opera plenamente a presunção de veracidade, de resto relativa, mas inexiste revelia. E no caso de a reconvenção controverter os fatos afirmados pelo autor, nem sequer tal presunção surtirá efeitos perante o réu.27 348. Natureza da revelia A noção ministrada no item anterior harmoniza-se com a natureza modernamente emprestada à revelia. Várias teorias buscaram elucidar a natureza jurídica dessa posição do réu. Em síntese breve, concebeu-se revelia como: (a) rebeldia; (b) renúncia; (c) inatividade; (d) comportamento determinante. Em momento anterior já se repeliu a primeira concepção. Ela é flagrantemente imprópria. O móvel da omissão do réu nenhum relevo particular assume nas consequências rígidas ou benevolentes atribuídas à respectiva falta de participação. É ocioso investigar se tal inércia deriva de culpa e, ainda que esta seja involuntária, permanecem constantes as consequências.28 E, ademais, o réu não tem o dever, mas o ônus de comparecer. É insubmisso ou rebelde quem descumpre deveres perante o órgão judiciário. O revel apenas adota atitude contrária ao próprio interesse. A ideia de rebeldia ecoa a noção vigorante no processo romano pós-clássico em que se reconhecia o dever de o réu submeter à autoridade judiciária, praticando autêntico ilícito o réu que opta pela omissão.29 Relevada a imprecisão quanto ao respectivo objeto, jamais resolvida satisfatoriamente,30 ou em termos claros e definitivos, segundo a teoria da renúncia, a tática do silêncio do réu implica a renúncia ao direito de alegar os fatos que lhe são favoráveis, predeterminado o objeto da atividade judicial.31 Um argumento trivial retira-lhe toda consistência: o revel pode intervir no processo pendente, a qualquer tempo,32 “purgando” a revelia.33 Ora, inexiste renúncia que seja reversível ao talante do renunciante. A partir do seu ingresso no processo, fazendo-se representar, o revel tem direito de praticar quaisquer atos ainda não preclusos. Esse dado elimina a construção de
renúncia total aos atos subsequentes ao interregno da resposta.34 Tampouco convence a tese da renovação periódica da renúncia, externada a cada ato e fase do processo. Dessa forma, explicar-se-ia a possibilidade de intervenção tardia, respeitando-se os atos consumados durante a ausência, o primeiro deles, naturalmente, a falta de contestação. Se houvesse renúncia, ela se expressaria no último dia do prazo da resposta. Verdade que, a teor do art. 346, caput, prazos contra o revel fluirão da data da publicação do ato no órgão oficial. Dessa disposição garantista não se extra a ilação de reabertura da oportunidade de comparecimento em proveito do revel. Ainda mais infensa à realidade, observada a peculiar posição do revel, a tese equiparando revelia com a inatividade da parte.35 É certo que a falta de comparecimento do réu, após a citação, traduz inatividade num momento crucial; porém, o inverso revela-se flagrantemente inexato: o autor e o réu podem, no curso do processo, abdicar de qualquer atividade processual relevante. A teoria contradiz, de resto, a concepção predominante de revelia: o réu que comparece, juntando procuração, mas não apresenta defesa, é revel nessa linha prevalecente, sem que tivesse ficado inativo. Essa atividade mostra-se, todavia, irrelevante para atalhar a revelia. Não se justifica, pois, a notória preferência pela teoria da inatividade.36 Ela não pode explicar o estado objetivo que resulta da inércia do réu senão por parâmetro generalizando e aplicável a situações díspares. Na realidade, a inatividade é pressuposto da revelia.37 É fato inconteste que, no curso do processo, deparam-se as partes com opções entre comportamentos alternativos, e, por vezes, conforme o caminho trilhado, a escolha influirá, decisivamente, no modo pelo qual o juiz resolverá o mérito. Dessa natureza é a alternativa posta ao réu entre defender-se, eficientemente, ou deixar fluir o prazo de resposta sem qualquer manifestação positiva. Na primeira hipótese, o desfecho do processo permanecerá, a priori, incerto; na segunda, em geral seguir-se-á o acolhimento do pedido. Dá-se o nome de comportamento determinante à prática ou omissão de ato processual, cuja alternativa “não tem a propriedade de predeterminar, nem mesmo parcialmente, o conteúdo da regra jurídica concreta”.38 A esse comportamento determinante,39 já se pretendeu filiar o estado objetivo da ausência de defesa. A revelia denotaria a faculdade de absterse,40 exercício da disposição do próprio interesse processual.41 Essa concepção dispensa a perquirição do elemento subjetivo da parte, ponto remarcado por seus críticos.42 Investigação desse teor, com efeito, mostrar-se-ia desarrozada, porque não se chegaria a conclusão firme, e inútil, porque a revelia é estado objetivamente apurado no processo. Os motivos da falta de comparecimento são irrelevantes.43 Eles só adquirem importância, no direito pátrio, se o réu alegar justa causa, segundo a previsão do art. 223, § 1.º, a posteriori, visando a purgação da revelia. Fora daí, os motivos da omissão nada importam. Ao comportamento determinante interessam, ao invés, as consequências predeterminadas da omissão ou do ato, e, não, a intenção do agente. Se o réu tornou-se revel porque quis, ou porque seu procurador perdeu o prazo, com ou sem justa causa (art. 223, § 1.º), não importa: a omissão de defesa provocará efeitos amplamente desfavoráveis, influindo no julgamento da causa, até que sejam arredados através dos mecanismos legítimos. A teoria não merece o rótulo de equívoca e
genérica,44 porque (a) descreve o comportamento precisamente e (b) explica seus efeitos. É o único fundamento razoável para discernir a natureza jurídica da revelia. 349. Classificação da revelia Costuma-se classificar a revelia em duas espécies: (a) total ou parcial; (b) formal ou substancial.45 Nenhuma é correta, ao nosso ver, mas impende rememorá-las antes de emitir esse juízo. 349.1. Revelia total e parcial – Ocorre revelia total quando o réu não impugna todos os fatos afirmados pelo autor.46 Tal sucede em diversas hipóteses. Por exemplo, o réu não contesta no prazo legal; o réu contesta, mas descumpre o ônus da impugnação específica, previsto no art. 341, caput, primeira parte. Na revelia parcial, o réu deixa de impugnar algum dos fatos afirmados pelo autor. Por exemplo, na ação de separação movida pela mulher contra o marido, na qual há cumulação de causas, descrevendo a autora fatos que se acomodam ao tipo do adultério e da injúria grave, o réu contradiz tão só os fatos relativos ao adultério, olvidando os que respeitam à injúria grave. Nesta contingência, a presunção de veracidade opera parcialmente. Tem relevo o ponto quanto à possibilidade, ou não, de o órgão judiciário julgar antecipadamente o mérito, acolhendo o pedido com base na injúria, e de antecipar os efeitos do pedido,47 baseado na evidência do direito do autor. 349.2. Revelia formal e substancial – Formal é a revelia em que, a despeito do comparecimento, o réu não contesta ou contesta ineficazmente, porque não tem advogado ou ao advogado falta procuração ou habilitação legal. É substancial a revelia quando falta à contestação conteúdo mínimo eficiente. Essas classificações da revelia pressupõem conceito diverso do exposto e defendido no item anterior (retro, 346). Partem da ideia que a revelia reponta na falta de contestação ou de contestação eficiente. No entanto, revelia é a falta de comparecimento total, ou o descumprimento do ônus de se defender e responder à demanda. Nessa linha de raciocínio, nenhuma dessas classificações aplica-se à revelia. Explicam, na verdade, a amplitude maior ou menor do descumprimento do ônus da impugnação específica. Interessam, indiretamente, a um dos efeitos processuais da revelia, que é o julgamento antecipado no todo (art. 355, II) ou em parte (art. 356, I e II). § 81.º Revelia consoante a função processual 350. Relevância das funções do processo na revelia Não se venceriam as dificuldades intrínsecas à revelia, no processo civil brasileiro, sem confrontar o conceito ministrado, inicialmente, em domínios diferentes do rito comum do processo de conhecimento. A omissão total do
demandado talvez não cristalize estado equivalente, nem produza as desvantagens já acenadas para o revel, genericamente, não tratando a tarefa precípua do juiz de formular a regra jurídica concreta, ou seja, perante as funções executiva e cautelar. Essas funções se governam por princípios presumivelmente diversos. Além disso, o processo cumulativo ulterior, mediante a inserção de nova pretensão no processo pendente, exige esforço suplementar de esclarecimento quanto à ocorrência, ou não, de revelia. 351. Revelia no âmbito da execução A execução processar-se-á, in simultaneo processu, fundada em título executivo judicial (art. 515) – hipótese em que há cumulação sucessiva de pretensões –, ou autonomamente, baseada em título extrajudicial (art. 784). Inexistirá citação do executado, via de regra, na execução fundada em título judicial, bastando o chamamento inicial já realizado (art. 239, caput). E isso, porque a pretensão a executar originada dos provimentos condenatórios civis (art. 515, I) insere-se (cumulação sucessiva por inserção), in simultaneo processu, nos autos originais ou em autos formados especialmente para essa finalidade. Mas, o art. 515, § 1.º, ressalva a execução de prestação pecuniária fundada em alguns títulos (sentença penal condenatória, sentença arbitral, sentença estrangeira homologada, decisão estrangeira, obtido o exequatur na carta rogatória, e, a fortiori, o acordo extrajudicial homologado). Em tais casos, a rigor formar-se-á outro processo, tornando indispensável a citação do executado. Daí porque o futuro executado “será citado no juízo civil para o cumprimento da sentença ou para liquidação no prazo de 15 (quinze) dias”, conforme se trate de título ilíquido ou título líquido. E, por óbvio, há citação no processo formado para a execução de título extrajudicial, sobrelevando-se o efeito interruptivo da pretensão a executar daí resultante (art. 802). Em todas essas hipóteses, ainda que seja indispensável citação do executado, a finalidade da providência nenhum liame guardará com a defesa eventual do ato. É digno de nota, para os efeitos do art. 515, § 1.º, não integrar a liquidação o cumprimento da sentença propriamente dito, haja vista a localização dos arts. 509 a 512 no Capítulo XIV do Título I do Livro I da Parte Especial do NCPC. A citação abre apenas prazo para o devedor cumprir a obrigação contemplada no título executivo.48Simplesmente não há, na execução incidental (art. 515) e na execução autônoma (art. 784), o ônus de o executado comparecer,49 e, muito menos, o de se defender.50É claro que, incidentalmente ou não, ao executado mostrar-se-á lícito reagir contra a pretensão a executar injusta ou ilegal, incidentalmente ou não. Mas, a oposição que porventura o executado abstenha-se de fazer à pretensão a executar, por via de embargos (art. 817) ou de impugnação (art. 525), não o torna revel, nem a inércia implicará qualquer dos efeitos materiais e processuais da revelia. Não tem sentido, por sinal, considerá-lo revel na execução fundada na sentença civil condenatória (art. 515, I), pois o executado encontra-se habilitado no processo. Ele restará tão só inerte nessa fase. Não há revelia.51 Eventual revelia, verificada na fase precedente, não repercute na subsequente, exceto para o executado empregar a querela nullitatis insabilis do art. 525, § 1.º, I.
E na execução fundada em título extrajudicial subsistem idênticas razões para rejeitar a figura da revelia. Só em casos excepcionais, atendendo ao princípio da economia, admitir-se-á controvérsia a respeito dos atributos do título executivo, internamente à relação processual executiva. Seja como for, a execução atingirá seu escopo contra e independentemente da vontade do executado, e, por isso, inexistindo o ônus de comparecer e de responder, não se considera revel o executado que não se apresenta no processo. A oposição do executado, na execução fundada em título extrajudicial, veicula-se através de remédio específico: os embargos à execução. Admitida a petição inicial dos embargos, com ou sem suspensão da execução, o juiz ouvirá o exequente, no prazo de quinze dias (art. 920, I), e, a seguir, “julgará imediatamente o pedido ou designará audiência” (art. 920, II), proferindo sentença, neste último caso, após o encerramento da instrução (art. 920, III). No direito anterior, a remissão genérica às hipóteses de julgamento antecipado do mérito indicava que, deixando o exequente, transformado em réu nos embargos (embargado), de responder à pretensão do executado, investido na condição de autor dos embargos (embargante), verificava-se revelia.52 A revelia é o estado objetivo caracterizado pela falta de resposta. E a omissão do embargado significa omissão total. Além disso, a alegação de fatos novos (v.g., as exceções substanciais) desfrutariam do desfrutarão da presunção de veracidade perante o silêncio do embargado. Esse aspecto era objeto de dissídio antes de a nova redação do art. 740 do CPC de 1973 encerrá-la em termos definitivos.53 Omissão ainda mais grave quanto à disciplina dos embargos, no regime do CPC de 1939, não se prevendo a audiência do exequente (embargado), não impediu o reconhecimento da revelia.54 Importa ressaltar que os embargos representam ação autônoma, formando outra relação processual, motivo por que a presença do exequente no processo executivo não descaracteriza a revelia. A neutra redação do art. 920, II, primeira parte – “a seguir, o juiz julgará imediatamente o pedido…” – repôs questão no estado anterior. Ao nosso ver, pelas razões expostas, uma das hipóteses de o juiz julgar incontinenti o mérito consistirá na inércia do embargado (art. 355, II). A oposição do executado, na execução fundada em título judicial, processa-se incidentalmente, por via da impugnação do art. 525, § 1.º. Cumpre ao órgão judiciário assegurar a bilateralidade da audiência, porque o executado introduz matéria nova, de fato e de direito, no mesmo prazo que é assinado à impugnação – quinze dias. Em tal interregno, acontece de o exequente não responder à impugnação. Não é revel, propriamente, porque devidamente representado, mas operará a presunção do art. 344 relativamente à matéria de fato. É orientação que incidirá nas demais pretensões cumuladas incidentalmente, a exemplo da liquidação por arbitramento e por artigos, previamente ao cumprimento da sentença. 352. Revelia no âmbito cautelar O art. 306 prevê a citação do réu, na tutela provisória de urgência cautelar antecedente, para contestar o pedido, no prazo de cinco dias, indicando as provas que pretende produzir. O emprego do verbo “contestar” harmoniza-se
com a técnica do NCPC de concentrar na contestação toda a matéria de defesa.55 Uma das atitudes concebíveis do réu, devidamente citado, consiste em permanecer inerte, não apresentando contestação. Em tal hipótese, tornar-se-á revel. Produzem-se os efeitos inerentes à revelia, conforme enuncia o art. 307. Relativamente à presunção de veracidade, o art. 307, caput, aduz que, não contestando o réu o pedido, “os fatos alegados pelo autor presumir-se-ão aceitos pelo réu como ocorridos, caso em que o juiz decidirá dentro de 5 (cinco) dias”. Embora a fórmula não coincida com a do art. 344, o efeito é o mesmo, não se mostrando lícita a inferência de tratar-se de outra espécie de presunção. Evidencia o dispositivo que, sem a advertência do art. 250, II, não se operará, em nenhuma circunstância, o efeito material da revelia,56 apesar de válida a citação em si mesma, na linha preconizada pelo STJ.57 Recebeu severas críticas a incidência da presunção de veracidade nos domínios da pretensão à segurança. Em primeiro lugar, a regra alude a “pedido”, em geral entendido como sinônimo de mérito – a ideia claudica pela parcialidade: a causa de pedir também integra o mérito, a teor do art. 337, § 2.º –, ao invés de mencionar “ação”, censura nessa parte atual. No entanto, a principal dificuldade, suscitada pelo art. 307, caput, reside na aplicação da presunção de veracidade em área governada por juízo de verossimilhança. Realmente, mostra-se inadmissível presumir verdadeiros os fatos alegados pelo autor na inicial. As alegações da pessoa que formula pedido cautelar não passam da verossimilhança e do receio de dano. Em nenhum momento – e muito menos o quadro se modificará, substancialmente, em caso de revelia do réu –, o juiz declarará a existência do direito. O art. 344 pressupõe que o juiz avalie a veracidade (e o seu contrário, a falsidade) das alegações de fato que compõem a causa de pedir da demanda cautelar, cuja estrutura não difere da usual (retro, 254). E tal não ocorre perante a verdadeira pretensão à segurança, restrita à verossimilhança, e, não, à existência (e, portanto, à veracidade) do direito tutelado. Por conseguinte, o objeto da presunção, no processo cautelar, e na melhor das hipóteses, envolverá apenas os fatos relativos à verossimilhança e ao receio de dano. Fórmula diversa tentou aplicar a adaptação do efeito material da revelia às peculiaridades do processo cautelar: a regra do art. 307, caput, respeitaria apenas aos fatos relativos à própria demanda cautelar. Embora os fatos sejam rigorosamente idênticos aos alegados na ação principal, já proposta ou a se instaurar no prazo do art. 308, como sói ocorrer, nenhuma influência exercerá a presunção estabelecida no art. 307, caput, sobre outros fatos, expostos quanto ao pedido principal.58 Por óbvio, a restrição não tem sentido nas medidas satisfativas de urgência. Por exemplo, no atentado haverá presunção de veracidade, ou seja, efeito material pleno da revelia. Decorre do art. 307, caput, que o juiz, verificada a revelia, julgará o processo cautelar, proferindo sentença. É irrelevante o emprego, no texto
legal, do verbo “decidir”, porque o ato extinguirá o processo (art. 316), inexistindo recurso próprio, que é a apelação (art. 1.012, § 1.º, V). § 82.º Revelia no processo cumulativo 353. Revelia na cumulação objetiva e subjetiva Verifica-se cumulação inicial (ou originária) de ações, existindo pluralidade de partes (ativa, passiva ou reciprocamente), de causas e de pedidos, e denunciação da lide pelo autor na petição inicial (art. 127, primeira parte, do NCPC). Existe cumulação sucessiva (ou superveniente) por inserção de nova ação (ou pretensão) no processo pendente – por exemplo, a reconvenção e a denunciação da lide formulada pelo réu –, e por reunião de processos autônomos (art. 55, § 1.º), cujos elementos sejam, no todo ou em parte, idênticos, em virtude de conexão (art. 55, caput) e de continência (art. 56), salvo, nesse último caso, da superveniência da ação contida (art. 57). No tocante ao cúmulo inicial, à revelia interessam as hipóteses de litisconsórcio. Um ou mais réus podem descumprir o ônus de comparecer e semelhante ausência repercutirá, ou não, perante os réus que responderam, cogitando-se, inclusive, da intensidade desses reflexos. E, relativamente à cumulação sucessiva, todas as hipóteses atraem atenção no terreno revelia. A esta altura, entretanto, examinado o problema no contexto da cumulação sucessiva da pretensão a executar, fundada na sentença civil condenatória (art. 515, I), a diretriz geral encontra-se adiantada: a parte que já figura no processo, mas desafiada pelo ônus de responder à pretensão inserida no processo, supervenientemente, jamais assumirá a condição de revel no caso de inércia. O que lhe acontece de mais desvantajoso, quiçá de modo fatal, deriva do descumprimento do ônus da impugnação específica (art. 341, caput, primeira parte), que é a presunção de veracidade, e, não, de uma revelia por definição descaracterizada pela constituição da parte no processo. A inferência lógica retirada da presença da parte na relação processual é uma só, pré-excluindo revelia de quem já se representou no processo. Não desaparecem, à luz desse princípio, todos os problemas suscitados pela revelia no processo cumulativo. Impende examiná-los nos tópicos principais. 354. Revelia no litisconsórcio Compreende-se que, considerando os efeitos brutais da revelia na esfera jurídica do revel, pois a presunção de veracidade (art. 344) conduz, na maioria das vezes, a um julgamento desfavorável a ele, haja marcante preocupação com o tema no caso de demanda conjunta. A atenção especial que semelhante assunto impõe, à vista da obrigatoriedade, ou não, da demanda conjunta, e do regime comum ou especial do litisconsórcio, ensejou ao legislador a formulação de regra de curial simplicidade: “havendo pluralidade de réus”, reza o art. 345, I, e “algum deles contestar a ação”, revelia de um não induz a presunção de veracidade (art. 346,caput). Facilmente se conceberia, quanto ao litisconsórcio passivo submetido ao regime comum, no qual cada litisconsorte estima-se litigante distinto perante
o(s) adversário(s), a teor do art. 117, solução diversa. O fato de um dos litisconsortes permanecer revel, no regime comum, conduziria o órgão judiciário, via de regra, a acolher o pedido do autor em face do omisso – decisão parcial do mérito, a teor do art. 356, I –, e, conforme a avaliação do acervo probatório, a rejeitar o pedido perante o contestante. Também se conceberia, em tese, o contrário, porque relativa a presunção do art. 344, embora seja hipótese de remota ocorrência. Resultaria daí sentença formalmente única, mas com juízos discrepantes, baseados em resoluções distintas da mesma questão de fato, quanto aos litisconsortes. Por óbvio, a extensão da controvérsia empreendida por um dos litisconsortes em proveito do omisso ostentaria caráter obrigatório no regime especial, ou litisconsórcio unitário, em que o juiz há de resolver a lide uniformemente em relação aos litisconsortes (art. 117, segunda parte). A sentença haveria de acolher ou de rejeitar o pedido do autor perante todos os litisconsortes, independentemente do fato de apenas um deles haver suscitado a questão de fato.59 Essas distinções são, aparentemente, alheias à incidência do art. 345, I, do CPC. Em princípio, não parece racional que a resposta de um dos réus criando questões de fato que incumbe ao órgão judiciário resolver em sentença única, em benefício comum, não se estenda aos demais réus. Não se mostraria sensato blindar o ausente contra a controvérsia ou, no mínimo, o respectivo isolamento exigiria do órgão judiciário um inaudito esforço técnico. À primeira vista, então, a regra excepciona o princípio inscrito no art. 117, primeira parte, segundo o qual os atos e as omissões de um litisconsorte não prejudicam nem beneficiam os outros. É preciso, de resto, atentar ao escopo do art. 345, I. Ele não visa só a impedir que o mesmo fato seja tratado sob dupla perspectiva perante o convencimento do juiz, o que vai contra a natureza, mas, “por igual, impedir resulte da revelia do litisconsorte a cisão do procedimento, ocorrendo, em relação ao revel, julgamento antecipado da lide (art. 330, II), e, quanto aos demais réus, julgamento após a audiência de instrução”.60 A despeito da sua inflamada defesa, o julgamento parcial de mérito mais cria problemas – por exemplo, a formação progressiva da coisa julgada, a reclamar autêntica prestidigitação do procurador na contagem do prazo da rescisória (art. 975), assunto resolvido pela sensata Súmula n.º 401 do STJ – do que beneficia o processo na rápida e efetiva realização dos seus fins. O prosseguimento do processo, para resolver a lide em relação ao litisconsorte remanescente, e o eventual segundo recurso do vencido, evidencia o aumento do grau de atividade processual sem proveito algum. Em todo caso, semelhante resolução, no tocante ao litisconsorte revel, encontra-se prevista no art. 356, I. Em geral, erige-se relevante restrição à incidência do dispositivo. Segundo a opinião prevalecente, impõe-se que o fato controvertido seja comum a todos os litisconsortes.61 Por exemplo, o locador A cobra aluguéis do locatário B e do fiador C: o primeiro torna-se revel, e o segundo alega a falsidade da assinatura no pacto adjeto de fiança. Essa defesa aproveita só ao fiador e, conseguintemente, deixa incontroversos os demais fatos alegados na inicial.62 Logo se percebe do exemplo um aspecto fundamental. O regime especial ou comum do litisconsórcio não tem relevo,63 nem a sua obrigatoriedade,64 embora no litisconsórcio unitário seja imperativo observar o art. 345, I, pois o fator decisivo reside no exercício de defesa pessoal ou particular pelo litisconsorte atuante.
A acreditar-se no exemplo do locatário e do fiador, o órgão judiciário julgaria antecipadamente a causa no tocante ao primeiro réu, passando a investigar a validade da fiança, objeto da controvérsia suscitada pelo fiador. E é essa cisão, sem pejo da presunção de veracidade, que o art. 345, I, objetiva impedir. Repele-se, então, a resolução parcial do mérito (art. 356, I), porque o pedido é único, e, em relação a este pedido único, ocorreu defesa eficiente. Lícito extrair do art. 345, I, estritamente aplicável ao litisconsórcio unitário e, no litisconsórcio facultativo à defesa comum, outra consequência de vulto: o veto à separação do julgamento do litisconsorte presente e do litisconsorte ausente (infra, 371). 355. Revelia na reconvenção Deduzida a reconvenção, o autor reconvindo “será intimado, na pessoa seu advogado, para apresentar resposta no prazo de 15 (quinze) dias”, reza o art. 343, § 1.º Essa disposição agasalha duas imperfeições evidentes: (a) não se cuida de intimação, mas de citação,65 em que pese realizada na pessoa do advogado, haja ou não poderes especiais para recebê-la (art. 105); (b) empregar o verbo responder, quando o correto seria “contestar”, pois a contestação concentra os meios de defesa do réu, invertendo, curiosamente, o defeito pilhado na regra precedente.66 Em suma, grava o reconvindo o ônus de contestar. Ficando omisso, o entendimento prevalecente é no sentido que se torna revel.67 Ora, não se pode reputar ausente a parte que figura no processo. É óbvio que não se lhe aplicará o art. 346, caput. Por outro lado, os fatos narrados na inicial mostram-se suficientes, de ordinário, para contradizer os fatos trazidos pelo réu na reconvenção, o que desfaz a presunção do art. 344.68 Vale, aqui, a diretriz geral já explicada na introdução a este item. E se o autor, ao invés de contestar, por sua vez reconvir (reconventio reconventionis), valem as razões já expendidas quanto a reconvenção independente de contestação (art. 343, § 6.º). Claro está que, propondo o réu reconvenção contra terceiro (art. 343, § 3.º), quanto a este talvez ocorra revelia, acompanhada da presunção do art. 344. 356. Revelia na declaração incidente Sucede de a defesa do réu suscitar questão prejudicial. Assim se denomina a questão de cuja existência ou inexistência logicamente dependa a relação jurídica afirmada pelo autor na inicial. Por exemplo, na ação em que o autor pede a condenação ao pagamento dos juros do contrato, o réu nega a existência ou controverte a validade do negócio jurídico. Em relação à aquisição da autoridade da coisa julgada pela resolução incidente da questão prejudicial, o art. 503, § 1.º, do NCPC, inverteu o regime do direito anterior. Sob certas condições, equivalentes às da admissibilidade da ação declaratória incidental do direito anterior, a resolução adquirirá auctoritas rei iudicate. Porém, esse regime só valerá para as ações iniciadas após a vigência do NCPC, a teor do art. 1.054. Logo, impõe-se
explicar a disciplina da revelia nesse caso, enquanto subsistir causas adstritas à regra transitória do art. 1.054. Configurada a questão prejudicial, o art. 5.º do CPC de 1973 assegura a qualquer das partes o direito de pleitear a declaração incidente dessa questão subordinante, com o fito de obter autoridade de coisa julgada no que tange à sua resolução (art. 470 do CPC de 1973). Formulado o pedido de declaração incidente, ao pedido inicial soma-se outro, ambos a serem decididos na mesma sentença, denotando a formação de processo cumulativo. É digno de nota que a cumulação sucessiva, na declaração incidente, caracterizar-se-á por dois pedidos deduzidos contra o réu, ou por dois pedidos contrapostos, o principal reclamado pelo autor e a declaração incidente pedida pelo réu. Neste último caso, “a ação declaratória incidental equipara-se substancialmente a uma reconvenção; aliás, a reconvenção pode ser utilizada com a finalidade típica da ação declaratória incidental, quer dizer, para ensejar o pronunciamento, com força de coisa julgada, sobre questão prejudicial da suscitada principaliter na ação do autorreconvindo”.69 O art. 321 do CPC de 1973 determina que, nada obstante a revelia do réu, o autor só pode demandar declaração incidente se promover nova citação, “assegurado o direito de responder no prazo de 15 (quinze) dias”. Por analogia, também cabe citar o autor, pleiteada a declaração incidente pelo réu, a este próprio, inexistindo revelia. Conforme se infere do art. 321 do CPC de 1973, a citação abre o prazo para responder à declaração incidente. Mas, concebe-se que a parte contrária a que pleiteou a declaração incidente permaneça inerte. Evidentemente, não pode ser considerado revel, porque participante do processo. Além disso, não opera a presunção de veracidade. A iniciativa de pedir a declaração da questão prejudicial pressupõe controvérsia a seu respeito. Eis o motivo por que, relativamente ao autor, o art. 325 do CPC de 1973 estipula o seguinte: “Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido…” É que, sem a controvérsia promovida pelo réu, não tem interesse o autor em pedir a declaração incidente. E, genericamente, o art. 5.º do CPC de 1973 alude a relação jurídica “litigiosa”. Em suma, a falta de defesa não torna os fatos alegados na inicial da declaratória incidental incontroversos, porque a controvérsia lhe antecede e subsiste à inércia do demandado.70 § 83.º Revelia na intervenção de terceiros 357. Revelia no chamamento em garantia (denunciação da lide) Feita a denunciação pelo réu na contestação, consoante preceitua o art. 126, segunda parte, c/c art. 131, sem que haja outra matéria de defesa, em princípio incidirá o efeito do art. 344 quanto ao réu originário e denunciante. Todavia, presunção de veracidade surtirá efeitos, ou não, consoante a posição que assumirá o denunciado. Se o denunciado ingressar no feito, aceitando a denunciação, e controverter os fatos alegados pelo autor, ficará elidida essa presunção. O processo prosseguirá, reza o art. 128, I, “tendo, na ação principal, em
litisconsórcio, o denunciante e o denunciado”. É irrelevante que se considere o denunciado, na verdade, assistente do denunciante. As questões de fato obstam ao juiz abreviar o procedimento com base no art. 355, II. Ficando revel o denunciado (art. 128, II), o denunciante poderá abdicar de prosseguir com a sua defesa, “restringindo sua atuação à ação regressiva”. O pedido formulado contra o denunciante há de ser acolhido em julgamento parcial do mérito (art. 356, II). Ressalva feita à necessidade de produzir prova para resolver a relação entre denunciante e denunciado, a causa principal também encontrar-se-á apta a julgamento, desfavorecendo o denunciado a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo denunciante. Por fim, admitindo o denunciado como verdadeiros os fatos alegados pelo autor, o art. 128, III, autoriza o réu a “prosseguir com a sua defesa”, talvez inexistente, ou aderir ao reconhecimento, reclamando o acolhimento da ação regressiva; logo, o juiz apreciará a pretensão principal e a pretensão regressiva. 358. Revelia na intervenção principal (oposição) É muito raro o emprego da oposição, através da qual o terceiro, alegando melhor direito, pretende pré-excluir tanto o réu quanto o autor da demanda principal, transformados em litisconsortes necessários na oposição. Em consequência, a presunção de veracidade somente produzirá efeitos, na oposição, se ambos os litisconsortes permanecerem inertes, a teor do art. 345, I (retro, 354). O art. 683, parágrafo único, determina a citação dos opostos nas pessoas dos respectivos advogados, subentendendo o comparecimento do réu. O direito anterior previa a citação do réu revel. Absteve-se o NCPC de reproduzir a regra, porque desnecessária: o réu da causa pendente é réu na oposição e, não sendo possível o chamamento na pessoa do advogado, porque o oposto não se representou (art. 346, parágrafo único), será obrigatoriamente citado por um dos meios legalmente admissíveis. Seja como for, a revelia na demanda principal, acudindo o réu à citação, talvez não se reproduza na oposição, e, assim, desfrutará a valiosa oportunidade para contradizer fatos eventualmente comuns, ou muito próximos, dos que se absteve de repudiar na ação principal. E o art. 686 impõe o julgamento conjunto das duas demandas, mas, em primeiro lugar, ante a prejudicialidade, a oposição. Nada obstante o alvitre que semelhante julgamento simultâneo reclama a “unidade de convicção quanto ao mesmo fato”,71 a contradição tardia, realizada em outra demanda não pode superar a preclusão verificada no processo principal. Desse modo, não há influência recíproca, porque a presunção de veracidade cinge-se ao processo em que se verificou a inércia. 359. Revelia no chamamento ao processo Os dados até aqui coligidos autorizam traçar uma diretriz geral. Verifica-se no chamamento ao processo, uma ampliação do polo passivo da demanda, nas hipóteses do art. 130 do NCPC, por iniciativa do réu. Ora, o revel que promove o chamamento sofrerá, ou não, os efeitos da presunção da veracidade, conforme a atitude tomada pelo terceiro, ingressando este no processo. A controvérsia promovida pelo novo participante beneficia o revel. E
o inverso é verdadeiro: a revelia do chamado não lhe submete à presunção de veracidade, pois lhe aproveita a controvérsia encetada pelo chamante. 360. Revelia na assistência A assistência é uma modalidade espontânea de intervenção do terceiro no processo, com o fito de coadjuvar uma das partes. Intervindo antes de precluso o prazo de resposta, e atuando no interesse do assistido, o assistente poderá “impugnar os fatos alegados pelo autor, tornando-os controvertidos”.72 361. Revelia na correção da legitimidade passiva No direito anterior, por intermédio da nomeação à autoria, o detentor da coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, pleiteava a correção do polo passivo, indicando o verdadeiro legitimado (possuidor ou proprietário). Feita a nomeação, no prazo para a defesa, e deferida pelo juiz, intimar-se-á o autor para aceitar, ou não, a correção do polo passivo, e, assim, evitar o risco de colher futuro juízo de ilegitimidade passiva. Podia acontecer de o réu nomear à autoria sem apresentar defesa. Neste caso, as respectivas consequências subordinavam-se aos desdobramentos inerentes ao procedimento da nomeação. Esse mecanismo corretivo da ilegitimidade passiva do réu originário pareceu tão atraente ao propósito de autorizar o órgão judiciário a apreciar o mérito eficazmente que o NCPC generalizou-o a qualquer situação. O art. 338, caput, permite ao juiz, alegando o réu a própria ilegitimidade, facultar ao autor, no prazo de quinze dias, a correção da petição inicial, promovendo o câmbio do réu, hipótese em que o autor reembolsará as despesas do contestante e pagará honorários, fixados no percentual de três a cinco por cento do valor da causa, ou sendo este irrisório, nos termos do art. 85, § 8.º (art. 338, parágrafo único). Em tal hipótese, incumbe ao réu emprestar seriedade à defesa processual, em expressiva manifestação do dever de probidade (art. 5.º), indicando o réu incorreto, “sob pena de arcar com as despesas processuais e indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação” (art. 339, caput). Ao autor, nessa contingência, abremse duas alternativas: (a) aceitar a correção do polo passivo, emendando a petição inicial, hipótese em que incidirá o art. 338, parágrafo único, cabendo ao juiz fixar o valor dos honorários; ou (b) emendar a petição inicial para incluir como litisconsorte passivo a pessoa indicada pelo réu. Essa disciplina suscita vários problemas. Por enquanto, cabe assinalar dois aspectos relacionados à revelia. Limitada a contestação à objeção do art. 337, XI, a pessoa apontada originariamente pelo autor não é revel, porque compareceu ao processo, mas não apresentou contestação eficiente, incidindo, pois, o art. 341, caput, segunda parte. Não se aplica a exceção do art. 341, III, pois o conjunto da defesa é restrito à questão da legitimidade. No caso do art. 339, § 2.º, em que o autor passa a demandar dois ou mais réus, conforme a nominação do réu originário, a contestação do(s) novo(s) réu(s) aproveitará o omisso, a teor do art. 345, I, como já examinado (retro, 354). À semelhança do que sucedia na
antiga laudatio actoris, ou nomeação à autoria, a revelia do nomeante não atingirá o nomeado.73 § 84.º Efeito material da revelia 362. Presunção de veracidade na revelia O réu que se abstém de intervir no processo, no prazo de resposta, tem contra si a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, prevista no art. 344. Esse efeito decorre da ausência de impugnação direta e frontal aos fatos constitutivos na contestação (retro, 330). Eventual intervenção tardia do réu (art. 346, parágrafo único) elidirá os efeitos processuais, no todo ou em parte, conforme a oportunidade do ingresso. Entretanto, não afastará essa presunção. Fatal preclusão atingirá o direito de o réu controverter os fatos. E, inexistindo controvérsia, tais fatos não precisam de prova (art. 374, III), ressalva feita às exceções legais. A inspiração para esse drástico regime localiza-se no direito germânico. Em relação ao desenvolvimento ulterior do processo, verificada revelia, há duas possibilidades: ou (a) a omissão é irrelevante, cumprindo ao autor provar os fatos constitutivos alegados, como sucedia no direito comum e ocorre no direito italiano;74ou (b) a omissão traduz admissão tácita da veracidade desses fatos, solução preconizada no velho direito prussiano.75 A primeira causa gravame ao autor, estimando-se neutro o comportamento do réu,76 subentendendo-se não ter o réu comparecido e impugnado os fatos, porque nada de relevante pode opor à pretensão; a segunda, aparentemente preferível nos casos de disponibilidade do objeto litigioso prejudica o ausente.77 Essa segunda solução já era a do primeiro código unitário.78 Rezava o art. 209, caput, do CPC de 1939, inserido no capítulo dedicado à prova, o seguinte: “O fato alegado por uma das partes, quando a outra não o contestar, será admitido como verídico, se o contrário não resultar do conjunto das provas”. Ora, o revel, por suposto, não contestou os fatos, e, perdendo o ensejo de controvertê-los, atraiu a presunção prescrita no dispositivo. A localização dessa regra, afastada do art. 34 do CPC de 1939, que dispensava intimações ulteriores do revel e regulava a intervenção tardia, e a ruptura com a linha branda até então seguida em nosso direito, e haurida do direito comum, ensejou a emissão das mais contraditórias opiniões na respectiva interpretação. Segundo a corrente minoritária, o art. 209, caput, do CPC de 1939, sem dúvida atingia o revel.79 Por sua vez, a tese prevalecente distinguia a impugnação parcial, na contestação, perante a qual incidiria a regra, quanto aos fatos não contestados, e a posição do revel. Neste último caso, o único efeito desfavorável residiria no art. 34, caput, do CPC de 1939, subsistindo o ônus de o autor provar os fatos constitutivos do seu direito.80 Em última análise, na improcedente crítica feita ao dispositivo preponderou a cultura do País, notoriamente infensa às soluções draconianas e afeita ao meio terno, sina que estendeu-se ao CPC de 1973, cuja disposição a esse respeito o art. 344 do NCPC reproduziu com razão. 363. Objeto da presunção de veracidade na revelia
O objeto da presunção prevista no art. 344 são as alegações de fato – os fatos narrados na causa de pedir da petição inicial (art. 319, III). Costuma-se distinguir, na causa de pedir, três classes de fatos: (a) os fatos constitutivos (ou principais); (b) os fatos simples (ou secundários); e (c) os fatos relativos ao interesse de agir. Ao contrário do que ocorre no tocante ao ônus da impugnação específica, especialmente perante a impugnação direta (retro, 330), tais distinções mostram-se irrelevantes: revelia traduz a inércia total do réu. A reconvenção independentemente de contestação (art. 343, § 6.º) tem aptidão para repelir o efeito do art. 344. Seja qual for a natureza do fato, a importância maior ou menor desempenhada na causa de pedir, o conjunto dos fatos afirmados recobrem-se da presunção de veracidade. Entretanto, a presunção do art. 344 não alcança os pontos de direito. Um dos motivos, por sinal, idôneos a conduzir o juiz a decidir desfavoravelmente ao autor, a despeito da presunção de veracidade, reside na apreciação, ex officio, desses pontos. E é por idêntica razão que o ingresso extemporâneo do réu não obsta a suscitação de questões de direito, particularmente as questões de ordem pública (art. 337), que incumbe ao juiz considerar sem provocação da parte. Em geral, essa atitude do réu não é acolhida com a largueza necessária, mas não contraria os fundamentos do sistema processual. 364. Natureza da presunção de veracidade na revelia A presunção de veracidade instituída no art. 344 é relativa. Assim entendia-se no direito anterior.81 E não há razão plausível para entender diferentemente no NCPC. A essa conclusão chega-se, em primeiro lugar, através da exclusão de outras possibilidades. À ideia de filiar o art. 344 à teoria da confissão ficta,82 persuasiva segundo o adágio popular – quem cala, consente –, o entendimento prevalecente objeta-lhe a pertinência com êxito. Poder-se-ia supor, talvez, respaldada essa antiga teoria no art. 341, I, que exclui análoga presunção, resultante da falta de impugnação específica das alegações de fato, se “não for admissível, a seu respeito, a confissão”. É bem diferente, todavia, o escopo da regra. Ela protege o objeto litigioso, intrinsecamente indisponível, contra a abreviação do procedimento (art. 355, II), decorrente da presunção de veracidade (art. 344), e a implícita disposição defluente da falta de comparecimento do réu, conluiado ou não ao autor. Dois argumentos bastam à rejeição da teoria da ficta confessio: (a), a revelia dispensa a prova dos fatos narrados na inicial, porque incontroversos, enquanto a confissão é meio de prova; (b) o revel que suscita questões, ingressando tardiamente no processo (art. 346, parágrafo único), adota comportamento incompatível com a prévia e suposta admissão tácita de fatos contrários ao seu próprio interesse.83 E não se divisa inversão do ônus da prova no art. 344 do CPC.84 A razão parece curial: o ônus de provar os fatos constitutivos toca ao autor ordinariamente (art. 373, I); assim, eventual revelia em nada afeta a regra de julgamento predeterminada no caso de surgirem questões de fato. Mas, não
se pode confundir a regra de julgamento (art. 373, I) e a presunção do art. 344, apesar de relativa. O máximo que se poderia afirmar é que, a despeito da revelia, o ônus de provar os fatos constitutivos continua a cargo do autor, competindo-lhe convencer o juiz que, do fato conhecido (ausência de impugnação específica) resulta o fato desconhecimento (fato constitutivo do pedido). Restam dois termos de alternativa: o juiz fica compelido a considerar verdadeiros os fatos afirmados na inicial, cabendo-lhe julgar a causa nessa fatal conformidade (presunção jure et de jure),85 ou semelhante vínculo não se estabelece para o juiz (presunção relativa). É claro que esse hipotético vínculo respeitaria somente aos pontos de fato. O juiz pode e deve resolver a causa desfavoravelmente ao autor, conhecendo das questões de ordem pública (pressupostos processuais e condições da ação) e se dos fatos narrados pelo autor, em que pese presumidos verídicos, não decorrer o efeito jurídico pretendido na inicial. Seja qual for a resposta a essa crucial indagação, uma coisa parece certa: estampa-se o juízo lógico típico das presunções: do fato conhecido, que é a omissão total do réu, extrai o art. 344 o fato desconhecido – a veracidade do que consta na causa de pedir. O tão criticado regime brasileiro da revelia não abraçou, neste tópico, nenhuma presunção absoluta. Acompanhou o CPC de 1973 a diretriz do CPC de 1939, por sua vez repercutida no NCPC. A despeito das discrepâncias, então o art. 209, caput, do CPC de 1939, já repelia a presunção de veracidade na medida exata: “se o contrário não resultar do conjunto da prova”. Fórmula que o art. 345, IV, encampou. E o art. 20 da Lei 9.099/1995, nos juizados especiais, impondo a revelia ao réu ausente, acudiu-o com ressalva similar, mas expressa na dicção correta: “salvo se o contrário resultar da convicção do juiz”. Bem se compreende a jurisprudência do STF,86 na oportunidade em que julgava tais questões, e, após a CF/1988, a do STJ,87 seguirem essa orientação: a revelia acarreta, em regra, o acolhimento do pedido, embora não necessariamente. Cuida-se, pois, de presunção relativa, admitindo prova em contrário. 365. Exceções à presunção de veracidade na revelia O art. 345 do NCPC estabelece algumas exceções à presunção de veracidade, atenuando-a de maneira decisiva e significativa. Esses temperamentos emulam os do art. 341, I a III. 365.1. Fatos controvertidos por um dos réus – O art. 345, I, elimina a presunção de veracidade na hipótese de, havendo pluralidade de réus, “algum deles contestar a ação”. A regra do art. 345, I, assenta na impossibilidade, a bem da economia, de precipitar o julgamento do(s) litisconsorte(s) ausente(s), existindo um ou mais que compareceram e controverteram os fatos afirmados pelo autor (retro, 354). O julgamento antecipado parcial do mérito ensejaria vários inconvenientes e o desperdício de relevante atividade processual. O processo prosseguiria, relativamente ao(s) réu(s) presente(s), na expectativa dos resultados produzidos pela instrução da causa. O teor da sentença proferida
em relação aos ausentes, aproveitando ao autor a presunção de veracidade do art. 344, talvez não coincidisse com a dada para os presentes, à luz do conjunto probatório. Por essa razão, a observância do art. 345, I, revela-se imperativa perante o litisconsórcio unitário, que obriga o juiz a decidir a lide uniformemente quanto aos litisconsortes. E a impossibilidade de cisão no julgamento arrasta semelhante disciplina aos domínios do litisconsórcio passivo comum. Portanto, a circunstância de a controvérsia envolver fatos comuns aos litisconsortes, ou não, sem dúvida relevante e digna de consideração no ato do julgamento, representará ponto secundário na elisão da presunção de veracidade prevista no art. 345, I. Os outros efeitos da revelia se produzem normalmente. Nenhum deles afeta a oportunidade e a uniformidade do julgamento conjunto.88 Assim, o ausente será intimado dos atos processuais subsequentes pelo órgão oficial (art. 346, caput). O art. 345, I, pré-exclui o efeito material da revelia se algum dos réus “contestar” a ação. Essa fórmula revela-se insatisfatória: a controvérsia poderá surgir de outra atitude do réu presente, como a reconvenção cuja causa de pedir contrarie, no todo ou em parte, os fatos afirmados pelo autor.89 365.2. Fatos relativos a direitos indisponíveis – O elemento da indisponibilidade mostra-se incompatível com a presunção de veracidade. O art. 345, II, expressou, corretamente, o real fundamento do art. 341, I. E, realmente, a confissão não é admissível, eliminando a necessidade de o autor provar os fatos constitutivos, nas hipóteses em que a indisponibilidade marca o objeto litigioso (retro, 365.2). Reflexamente, a revelia, e, a fortiori, a falta de impugnação direta dos fatos afirmados pelo autor na contestação, importaria disposição em área insuscetível aos respectivos efeitos.90 Por exemplo: (a) a revelia do réu, na ação de nulidade do casamento, não induz a presunção de veracidade, porque não se revela admissível às partes dissolver o vínculo a seu talante; (b) a revelia da pessoa jurídica de direito público não induz a presunção de veracidade. Convém recordar que o art. 257, II, ao contemplar os requisitos do edital de citação, exige a inócua inserção da advertência de que será nomeado curador especial em caso de revelia. Os direitos relativos à personalidade da pessoa são indisponíveis, a exemplo dos litígios a respeito do estado e da capacidade das pessoas. Por essa razão, no direito anterior confiava-se a magistrado revestido das prerrogativas constitucionais, em especial a inamovibilidade e a vitaliciedade, competência exclusiva para processar e julgar causas nesta matéria. Os direitos relativos à personalidade se agrupam em duas classes: (a) direitos à integridade física (direito à vida; direito ao próprio corpo; e direito ao corpo alheio); (b) direitos à integridade moral (direito à honra; direito à liberdade; direito ao recato; direito à imagem; direito ao nome; direito do autor).91 O rol é amplo e perturbador. Incluir-se-á na exceção, à primeira vista, a ação em que o autor pede indenização, porque notícia divulgada na crônica policial imputou-lhe, erroneamente, a prática de crime. Nessas hipóteses, porém, sobreleva-se o caráter patrimonial do pedido.
Os litígios entre a Administração e os particulares, entre nós inseridos na competência da jurisdição ordinária, assentam na 92 indisponibilidade. Rigorosamente, só há indisponibilidade nos casos em que avulta o interesse público ou social, como prevê o art. 178, I, e, não, nas causas simplesmente patrimoniais,93 hipótese excepcionada no art. 178, parágrafo único, na alusão que a presença de pessoa jurídica de direito público, por si, não configura hipótese de intervenção da parte coadjuvante. A distinção carece de repercussão significativa. O art. 345, II, não incidirá, substancialmente, nos litígios que envolvam direitos patrimoniais. 365.3. Fatos subordinados à prova documental – O art. 345, III, corresponde ao art. 341, II. Há alegações de fato que subordinam apenas à prova documental; na verdade, ao instrumento público e ao instrumento particular, porque o ato jurídico em sentido estrito ou o negócio jurídico têm forma especial ou ad substancia. O instrumento acompanhará, necessariamente, a petição inicial (art. 320). Por exemplo, (a) prova documental do contrato de depósito, objeto de instrumento particular, cuja produção possibilitará tutela provisória fundada na evidência (art. 311, III); (b) a escritura pública (art. 215 do CC), que é instrumento público, meio de consubstanciar o acordo de transmissão acerca de imóvel cujo valor exceda o piso legal (art. 108, caput, do CC); e (c) a certidão de casamento, pretendendo um dos cônjuges a dissolução da sociedade conjugal. Nenhuma outra prova substitui o instrumento ad substantiam ou ad solenitatem (art. 406). Em casos tais, a presunção de veracidade não surte seus efeitos próprios, a teor do art. 345, III, porque a omissão do réu supriria, indevidamente, a prova do instrumento a cargo do autor, conduzindo a desfecho paradoxal – por exemplo, o juiz dissolveria sociedade conjugal na verdade inexistente. É bem de ver que se admite prova livre – em particular, a prova testemunhal exclusiva – no caso do desaparecimento superveniente do instrumento sem cópia hábil; por exemplo, antes de o tabelião entregar (ou os interessados retirarem do prédio do ofício) os traslados (primeira cópia do documento público notarial) aos figurantes da escritura pública, avassalador incêndio elimina o livro no qual lavrou a escritura. Não se trata de substituir a forma ad substantia, mas de provar a preexistência do negócio com essa forma especial. 365.4. Fatos desconhecidos pelo contestante – O réu citado por edital ou por hora certa receberá curador especial, a teor do art. 72, II, do NCPC. Em tal hipótese, a modalidade de chamamento do réu a juízo não oferece garantia cabal da sua integração à relação processual. Nesta contingência, produzirá defesa, em seu lugar, o curador especial. Ora, não se mostraria razoável supor que conheça os fatos, suficientemente, encetando controvérsia precisa. Também é o caso do “advogado dativo”, mencionado no art. 341, parágrafo único, via de regra o defensor público da comarca ou seção judiciária, igualmente mencionado e sujeito do art. 72, parágrafo único. Em tais casos, a revelia não produzirá o efeito material – ninguém admite o que desconhece para poder negar.94
Em geral, o órgão do Ministério Público é autor, no processo civil; entretanto, a atual amplitude das funções do Ministério Público, acarreta-lhe, eventualmente, a incômoda e inexorável possibilidade de se transformar em réu – por exemplo, na ação rescisória movida por agente público, anteriormente réu condenado na ação de improbidade administrativa. Na hipótese de o Ministério Público figurar como réu, devidamente citado na pessoa do Procurador-Geral, não se mostra razoável considerá-lo revel, submetendo-o à presunção do art. 344, em virtude da indisponibilidade do objeto litígio, determinada pelo caráter social da lide, por exemplo. 365.5. Fatos inverossímeis, impossíveis e improváveis – A presunção de veracidade não surtirá efeitos no caso de os fatos afirmados pelo autor se mostrarem, por qualquer motivo, inverossímeis, impossíveis ou improváveis (art. 345, IV, primeira parte).95 Exemplos de fatos pouco críveis: (a) o autor narra, na petição inicial da ação de reparação de dano decorrente de acidente de trânsito na via terrestre, que o automóvel do réu trafegava em velocidade superior à permitida pela potência do seu propulsor (o VW sedã do réu desenvolveria, segundo o autor, a inalcançável e cinematográfica velocidade de cento e sessenta quilômetros por hora); (b) o autor imputa a médico de renome erro elementar no procedimento da cirurgia. Em tal contingência, parece lícito ao órgão judiciário desconfiar da veracidade dos fatos, porque há mais razões para descrer do que para crer na sua ocorrência. Feliz exemplo liquida a questão: “Um milagre de Deus é para um crente um fato possível, ainda que extraordinário e portanto pouco provável: para os céticos, impossível.” E acrescenta: “… a quem os alegou é indispensável que se ofereça a oportunidade de comprová-los, justamente porque o poder do juiz não chega a ponto de impor arbitrariamente a sua descrença…”.96 O art. 345, V, primeira parte, mencionada apenas os fatos inverossímeis. A rigor, a falta de verossimilhança alcança fatos impossíveis e improváveis, mas não constitui exagero a explicitação aqui formulada. 365.6. Fatos contraditados pela prova produzida – Em muitas oportunidades, a prova documental produzida pelo autor, na forma do art. 434, caput, contraria as próprias alegações de fato. Por exemplo, na ação em que A pede a reparação dos danos ocorridos em acidente de trânsito, debitando-os ao réu B, o autor anexa o boletim de ocorrência na petição inicial; porém, a declaração feita nesta oportunidade não coincide, no todo ou em parte, com a narrativa da petição inicial. Era hipótese ressalvada no direito anterior, doravante prevista no art. 345, V, segunda parte, como motivo bastante para elidir a presunção do art. 344. O NCPC não reproduziu, no art. 371, a regra anterior, permitindo ao juiz apreciar o que dos autos constasse, mas o art. 345, V, in fine, revela a subsistência dessa possibilidade no direito vigente. 366. Efeitos da inexistência do efeito material da revelia Em princípio, configurado o efeito material da revelia, o órgão judiciário abreviará o procedimento, julgando antecipadamente a lide (art. 355, II). O resultado mais trivial, nesta conjuntura, é o acolhimento do pedido (art. 487, I).
Nada obstante, concebe-se a emissão de provimento desfavorável ao autor em duas situações: (a) resolução dos pontos de direito em desfavor do autor; (b) a presunção de veracidade colide com a prova documental produzida pelo autor (art. 345, V, in fine). Em última análise, o art. 330, II, constitui subespécie da hipótese descrita no art. 330, I: em ambas, o juiz julga, desde logo, porque desnecessárias outras provas.97 E o juiz, bem longe de ficar adstrito ao acolhimento passivo e automático do pedido, tem liberdade para decidir como lhe aprouver. O que não pode o juiz, em razão direta da revelia, consiste em julgar a causa a desfavor do autor, invocando suposta falta de prova, conforme decidiu o STJ: “Não é o bastante a revelia do réu propiciar o julgamento antecipado da lide, se a solução da demanda depende ainda de outras provas requeridas pelo autor”.98 Não se configurando o efeito material da revelia, por qualquer dos motivos já arrolados, e vencendo a demanda pelo juízo de admissibilidade, porque do contrário o juiz extinguirá o processo (art. 355 c/c art. 485), o art. 348 consagra providência preliminar, a cargo do juiz: “mandará que o autor especifique as provas que pretenda produzir, se ainda não as tiver indicado”. O título da Seção I – Da Não Incidência dos Efeitos da Revelia – do Capítulo IX – Das Providências Preliminares e Do Saneamento – não correspondeu ao seu conteúdo. Cuida da inexistência do efeito substancial da revelia. Por isso, melhor designá-lo de “especificação de provas”.99 Nada justifica o emprego do art. 348, ordenando o juiz a especificação de provas, fora do seu campo natural de incidência. É comum, nada obstante, o juiz ordenar a especificação após a resposta do réu. Ora, os meios de prova já se encontram especificados na inicial (art. 319, VI) e na contestação (art. 336, in fine). O princípio da concentração impede a indicação de provas posteriormente. Fora daí infringirá a boa marcha do processo e o princípio da economia.100 Como quer que seja, o silêncio das partes, ou de uma delas, jamais implicará desistência tácita das provas oportunamente requeridas, nem preclusão, apesar de julgado em contrário do STJ.101 Volvendo à hipótese de revelia, não se produzindo o efeito do art. 344, incidirá o art. 348. 366.1. Pressupostos da especificação de provas – O ato a cargo do juiz, segundo o art. 348, assenta em quatro requisitos concorrentes: (a) existência e validade da citação do réu, inclusive no que tange à advertência do art. 250, II; (b) ausência de defesa, controvertendo os fatos, mas desacompanhada do efeito do art. 344; (c) impossibilidade de o juiz abreviar o procedimento, extinguindo o processo por falta de pressuposto processual ou condição da ação; (d) omisso pelo autor da especificação do art. 319, VI. Em primeiro lugar, antes de cogitar da aplicação do art. 348, o juiz apreciará, ex officio, a existência e a validade da citação inicial do réu.102 A constatação de algum vício, a exemplo da entrega do aviso de recebimento a pessoa diferente do citando, impõe ao juiz declarar a inexistência ou pronunciar a nulidade da citação. O prejuízo decorrente do vício reside na
própria revelia, acompanhada ou não da presunção de veracidade. Invalidado ou declarado inexistente o ato, renovar-se-á a citação do réu, através de um dos meios hábeis (art. 246), ensejando-lhe nova oportunidade para apresentar defesa. A esse propósito, decidiu o STJ: “A ausência de citação… impede a abertura do debate a respeito da decretação dos efeitos da revelia”.103 Tal medida do órgão judiciário, velando pelo chamamento efetivo do réu, exibe suma importância. Não se mostra aceitável a largueza e flexibilidade dos tribunais brasileiros, propensos ao acolhimento de citações fictas, duvidosas e irregulares, quiçá fitando a economia de atividade processual decorrente da abreviação do procedimento (art. 355, II) e, conseguintemente, a descarga imediata de mais um processo. Esse reprovável entendimento baseia-se em errônea avaliação do princípio da instrumentalidade das formas e no valor da celeridade. O direito fundamental à defesa é absoluto, predominando sobre a celeridade. Ele não tolera transigências formais. Inexiste processo constitucionalmente justo e equilibrado sem a garantia do efetivo recebimento pelo réu da citação. Em tal matéria, “o rigoroso cumprimento de todo o formalismo da lei não denota fervor burocrático, mas equilíbrio, bom senso”.104 A rigor subsumido neste requisito, porque o seu descumprimento viciará citação, repercute na advertência prevista no direito anterior, segundo a qual, “não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor”. Buscou-se suavizar as bruscas consequências reservadas ao omisso. O STJ já estimou que a omissão dessa advertência não invalida a citação, mas impede “a confissão ficta decorrente da revelia”.105 Em outra oportunidade, porém, estimou desnecessária a advertência, tratando-se de litigante habitual.106 É entendimento que se harmoniza com a finalidade da regra, e, de resto, os formulários forenses raramente omitiam o requisito. O art. 348 pressupõe a inexistência de controvérsia dos fatos – e, portanto, a ocorrência de revelia –, embora desacompanhada do efeito material previsto no art. 344. É preciso entender a cláusula inicial – “Se o réu não contestar a ação…” – em harmonia com a noção geral de revelia. A despeito da falta de impugnação direta dos fatos afirmados pelo autor, na contestação, ou do oferecimento de contestação inepta ou intempestiva, instalar-se-á controvérsia se o réu empregou a reconvenção, independentemente da contestação (art. 343, § 6.º), e suscitou questões de fato.107 Aqui se identifica certa falta de harmonia entre as partes do NCPC. Se ao réu é lícito reconvir sem contestar, ipso facto comparecendo ao processo e, conforme o caso, não tem muito sentido a cláusula inicial do art. 348, ou a redação da regra deveria realizar a devida ressalva. O art. 348 não é estranho às hipóteses em que, malgrado a revelia do réu, inexiste a presunção de veracidade (retro, 366).108 Ao contrário, é justamente nessas hipóteses que o art. 344 não surte efeitos. É claro, ademais, somente cogitar-se da instrução – o art. 348 prevê a especificação das provas que o autor pretende produzir em audiência – se a demanda revela-se apta a receber sentença de mérito. Antecederá à
aplicação do art. 348, portanto, acurado exame dos pressupostos processuais e das condições da ação. Se a demanda não tiver condições de superar o juízo de admissibilidade, o juiz optará, sem prejuízo da revelia, pela extinção imediata do processo (art. 354 c/c art. 485). O julgamento conforme o estado do processo favorecerá ao revel. Por fim, a parte final do art. 348 contempla a necessidade de o juiz instar o autor a propor meios de prova hábeis “se ainda não as tiver indicado”. Ora, o lugar próprio dessa indicação é a petição inicial (art. 319, VI). A petição inicial desacompanhada dessa especificação padece de defeito formal, passível de correção no quindênio do art. 321. Assim, só é possível entender o art. 348, in fine, como alusão à petição inicial defeituosa, todavia admitida sem reparo. A outra possibilidade consiste em admitir que, a despeito de cumprido o art. 319, tal não parece suficiente ao juiz, convindo permitir a reavaliação dos meios de prova arrolados genericamente no ato postulatório do autor. 366.2. Conteúdo do provimento de especificação de provas – O ato do juiz que verifica a inexistência do efeito material da revelia tem por objeto os pressupostos examinados no item anterior (retro, 365). Trata-se de decisão interlocutória (art. 203, § 2.º). O provimento do órgão judiciário, emitido em conformidade com o art. 348, explicitará as razões pelas quais entende não ocorrer o efeito material da revelia. Desprovido de motivação, o ato decisório revelar-se-á nulo. O autor tem manifesto interesse em impugnar o ato, propiciando a abreviação do procedimento, através do julgamento antecipado (art. 356, II), na expectativa que a decisão acolha o pedido e o alivie do ônus de provar os fatos constitutivos do pedido. Porém, o ato não comporta recurso autônomo, porque ausente do catálogo do art. 1.015, motivo por que fica a questão postergada para razões ou contrarrazões da apelação. 366.3. Prazo da especificação de provas – O art. 348 abstém-se de instituir prazo especial e próprio para o autor adotar a atitude que consulte seus interesses, especificando ou não os meios de prova hábeis à comprovação da veracidade das suas alegações de fato. Em tais casos, aplica-se o art. 218, § 3.º, que assinala quinquídio geral e indistinto para o ato da parte. O autor manifestar-se-á no prazo de cinco dias.109 O prazo contar-se-á ordinariamente (art. 219 c/c art. 224). O termo inicial do quinquídio é a data da intimação eletrônica do advogado do autor ou da publicação no órgão oficial, sem embargo da prerrogativa de intimação pessoal (v.g., o autor é representado pela Defensoria Pública). 366.4. Atitudes do autor na especificação de provas – Intimado para especificar provas, no prazo legal, concebe-se que o autor se manifeste ou abstenha-se de propor provas. No primeiro caso, o autor indicará os meios pertinentes e adequados à prova dos fatos. Ficou subentendido, ao menos, que a prova documental, produzida com a inicial (art. 434, caput), revelou-se insuficiente na espécie. Embora o autor haja elaborado petição apta, e, portanto, dessa peça já constem “as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos
alegados” (art. 319, VI), o art. 348 considera que o estado do processo, na falta de defesa do réu, autoriza o autor a reavaliar o quadro. Pode acontecer que nem todas as provas indicadas na inicial se mostrem indispensáveis, nesta conjuntura, ou que outras, inicialmente negligenciadas, apresentem-se como úteis ou mais convenientes ao bom êxito da causa. Dependerá, assim, da nova situação, criada pela ausência do réu, a proposição do autor. O art. 324 não faz alusão a qualquer meio de prova em especial Não exclui a regra, portanto, a proposição da prova pericial e da inspeção judicial, provas que se produzem fora da audiência. Em geral, a prova cabível é a testemunhal. A omissão do autor, no prazo aberto consoante o art. 348, não implicará preclusão do direito à prova ou renúncia tácita à prova indicada na inicial.110 É a orientação assaz discutível para o caso de haver contestação,111 e, sem dúvida, ainda maior a ênfase quando há revelia sem o correspondente efeito material. O sistema abre, simplesmente, nova oportunidade de proposição dos meios de prova. Em sentido contrário, o STJ já entendeu haver preclusão do direito à prova (entenda-se: à qualquer prova), não as especificando a parte nessa oportunidade.112 Seguir-se-á, pois, julgamento desfavorável ao autor, vez que não logrou desincumbir-se do ônus da prova (art. 373, I). 366.5. Controle da admissibilidade da especificação de provas – Os meios de prova indicados em cumprimento à decisão do art. 348 submeter-se-ão, em seguida, a juízo de admissibilidade proferido pelo órgão judiciário. Tal acontecerá na decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, II). O ato do juiz, deferindo ou não, alguma das provas especificadas, ou todas, constitui decisão interlocutória, inclusive quando proferido na audiência preliminar do art. 357, § 3.º, presumivelmente sem a participação do réu, embora possa ter ocorrido a intervenção tardia do art. 346, parágrafo único, cuja realização não fica peremptoriamente afastada. O ato não desafia agravo de instrumento, porque não previsto no rol dos atos impugnáveis por este recurso (art. 1.015). Não tem cabimento, ademais, a inversão do art. 373, §1.º. É cabível o juiz, omisso ou não o autor, empolgar seus poderes de instrução e, fundado no art. 370, caput, do NCPC, ordenar a produção, ex officio, da prova que entenda indispensável ao cabal esclarecimento dos fatos. Essa possibilidade também se verifica no caso de o art. 344 surtir efeitos. O juiz não precisa curvar-se à inação do réu, e decidir em consonância com a presunção de veracidade, existindo dúvida em seu espírito. Parece preferível investigar a verdade real que ceder à verdade aparente.113 367. Direito do réu à prova na revelia O art. 346, parágrafo único, assegura ao réu intervir no processo, em qualquer fase, recebendo-o “no estado em que se encontrar”. A circunstância de o réu ingressar tardiamente no processo revela-se insuficiente para subtrair-lhe o direito fundamental de propor meios de prova.114 Tem o revel o direito de produzir prova para se contrapor aos pontos de fato delineados na inicial. Tampouco a revelia influenciará na produção das provas
eventualmente ordenadas, ex officio, ou deferidas a requerimento do revel ou do autor. O art. 349 assegura direito do réu a produzir contraprova, praticando os atos indispensáveis à sua realização (v.g., arrolar testemunhas, formular quesitos e indicar assistente técnico, deferida a prova pericial). A mais das vezes, dificilmente haverá oportunidade de o réu fazê-lo, pois a precipitação do julgamento obsta semelhante intento. A experiência demonstra que, correndo o processo à revelia, o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor acontece com rapidez fulminante. Mas, propiciando o juiz especificação de provas ao autor, nos termos do art. 348, ou adotando ele próprio a iniciativa de determinar a produção de prova (v.g., nomeando perito e abrindo ao autor prazo para indicar assistente técnico e formular quesitos, na desapropriação),115 nada impede o réu também se valer do interstício de cinco dias – prazo natural no caso do art. 348 –, e, constituído procurador, indicar outras provas.116 É intuitivo o direito de o réu, deferida ou determinada a perícia, ou designada audiência de instrução e julgamento, respectivamente formular quesitos e arrolar testemunhas. É o que se decidiu, afinal, no regime mais benigno do CPC de 1939 – Súmula do STF, n.º 231, in verbis: “O revel, em processo cível, pode produzir provas, desde que compareça em tempo oportuno” –, mais se justificando a orientação liberal na asfixiante disciplina haurida do segundo código unitário. Decidiu corretamente o STJ: “Admite-se que o réu revel produza contraprovas aos fatos narrados pelo autor, na tentativa de elidir a presunção relativa de veracidade, desde que intervenha no processo antes de encerrada a fase instrutória”.117 O art. 349 não perdeu a oportunidade de consagrar em regra expressa essa possibilidade reconhecida no direito anterior. A única exigência é que a intervenção seja em tempo hábil. Entende-se por tal o da oportunidade assinada pelo autor para especificar provas; porém, designada audiência de instrução, urge intervir e arrolar testemunhas no prazo de quinze dias (art. 357, § 4.º), e, no caso do deferimento de perícia, o interregno igual do art. 465, § 5.º. 368. Direito do autor à prova na revelia Existe outro ponto de relevo quanto à prova em caso de revelia. Nada obstante a revelia induzir o efeito do art. 344, não incidindo o art. 348, talvez ao autor interesse produzir prova diferente da documental, a fim de confirmar a veracidade dos fatos afirmados na inicial, forrando-se do receio de o réu apelar e, por qualquer razão, o órgão judiciário ad quem mudar o sentido da sentença de primeiro grau. Aventada com o fito de atalhar futura rescisória – em todo caso desnecessária, porque cabível a querela nullitatis do art. 515, § 1.º, I, do NCPC, no caso de falta ou inexistência da citação –,118 a tese merece acolhida. Em casos excepcionais, considerando a abreviação do procedimento aproveitar ao autor e a instrução beneficiar ambas as partes, o juiz deferirá o requerimento do autor em produzir prova hábil dos fatos afirmados.
369. Resultado da instrução em contraste com o efeito material da revelia Em todas as hipóteses em que, por uma razão ou outra, não induz a revelia o efeito do art. 344, mas há atividade de instrução, o resultado prático desta pode contrastar, no todo ou em parte, a presunção de veracidade. Não há espaço algum para hesitação. É relativa a presunção do art. 344. Portanto, cederá à prova em contrário. O órgão judiciário avaliará, livremente, a prova produzida (art. 371),119 decidindo em conformidade, sem nenhum receio de infringir ao art. 344. § 85.º Efeitos processuais da revelia 370. Enumeração dos efeitos processuais da revelia A revelia surtirá, ainda, os seguintes efeitos, chamados de “processuais”, porque não repercutem, ao menos diretamente, no objeto litigioso, a saber: (a) julgamento antecipado da lide, verificando-se a presunção de veracidade (art. 356, II) e não havendo direito do réu à contraprova (art. 349); (b) prosseguimento do processo com a intimação do revel pelo órgão oficial (art. 325, caput); (c) estabilidade da demanda (art. 329, I). Convém recordar que o revel não fica inteiramente desarmado, podendo intervir a qualquer momento no processo pendente, exercendo os poderes, direitos e faculdades compatíveis com o estado do processo.120 371. Precipitação do julgamento do mérito na revelia À semelhança do seu modelo germânico,121 surtindo a revelia o efeito do art. 344 o juiz conhecerá diretamente do pedido, a teor do art. 355, II, acolhendo-o, a mais das vezes, ou rejeitando-o. Eis aspecto em que a disciplina do CPC de 1973 e, a fortiori, do NCPC discrepou, radicalmente, de longeva tradição no direito brasileiro. A revelia não alterava a estrutura do procedimento, na vigência do CPC de 1939, o qual continuava a “desenvolver-se normalmente, através de suas várias fases”,122 inclusive com a obrigatória e inútil – naquela conjuntura – designação de audiência de instrução. Não resta dúvida que a economia, à custa do réu, encontrou terreno propício ao seu florescimento. Não há necessidade de qualquer requerimento do autor no sentido de precipitar o julgamento. Escoado o prazo de resposta, sem o comparecimento do réu, os autos irão conclusos ao juiz. Abrem-se quatro variantes ao órgão judiciário, em evidente graduação:123 (a) identificando razão para extinguir o processo, sem resolução do mérito, cumpre-lhe proferir sentença desse teor (art. 354 c/c art. 485);124 (b) ocorrendo irregularidades ou nulidades supríveis, assinará prazo ao autor para supri-las (art. 352); (c) verificando a revelia, mas desacompanhada do efeito substancial, proferirá decisão, nos termos do art. 348; (d) e, finalmente, reconhecendo a produção do efeito substancial da revelia, julgará antecipadamente a lide (art. 355, II), proferindo sentença de acolhimento ou rejeição do pedido (art. 487, I) e, excepcionalmente, se for o caso, pronunciando a prescrição e a decadência (art. 487, II).
Impende recordar que, reconvindo o réu sem contestar (art. 343, § 6.º), inexistirá revelia e o procedimento comum não se altera, cumprindo vencer todas as etapas com a participação do réu, sem embargo da possibilidade de julgamento parcial do mérito (art. 356, I), conforme o teor da reconvenção. O desfecho mais comum do julgamento antecipado consiste no acolhimento do pedido. Em geral, a sorte do litígio prende-se à resolução das questões de fato, profundamente subordinadas à produção de prova. A revelia enseja o julgamento antecipado baseado na simples credibilidade das afirmativas do autor, prescindindo da demorada e custosa fase de instrução, o que sempre é alvissareiro em termos de celeridade. Embora o juiz não fique adstrito à verdade formal,125 a presunção de veracidade dispensa outras investigações – salvo, naturalmente, as restrições anteriormente examinadas –, convidando o juiz a conhecer diretamente do pedido. Se nos processos em que há questões de fato, às vezes intricadas, as partes e o juiz, tacitamente, evitam a audiência de instrução, precipitando o julgamento, na revelia a atitude usual consiste em proferir sentença a favor do autor. E há de se convir que, em geral, conforme à Justiça. É claro que, não se convencendo o juiz das afirmativas do autor, lícito se afigura imprimir rumo diverso, ordenando as provas que entender necessárias ao próprio esclarecimento. Neste sentido, há simetria com o julgamento proferido com a presença do réu e fundado no art. 355, I. Importa fixar, entretanto, que tal atitude representa exceção. 372. Necessidade de comunicação dos atos processuais O art. 322, caput, do CPC de 1973 declarava que contra o revel, sem representação nos autos, os prazos processuais fluirão “independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório”. Esse efeito da revelia produzia em qualquer situação, respeitados os pressupostos respectivos, embora não ocorresse a presunção de veracidade.126 O art. 346, caput, adotou orientação oposta. Os prazos contra o revel sem representante técnico constituído, ou “patrono”, fluirão “da data da publicação do ato decisório no órgão oficial”. Era questão digna de esclarecimento a potencial inconstitucionalidade da virtual dispensa do contraditório no direito anterior, razão para o art. 346, caput, adotar a técnica da intimação ficta do revel. 372.1. Constitucionalidade da dispensa de contraditório – O art. 5.º, LV, assegura aos litigantes, em geral, o contraditório e a ampla defesa, “com os meios e recursos a ela inerentes”. A falta de intimação do revel, como estipulava o direito anterior, na prática impedia o efetivo contraditório. Os atos processuais se sucedem, e, na verdade, precipitam-se, desvantajosamente, sem nenhuma notícia ao revel. Era tão mais séria a posição do revel quanto prevalecente o entendimento que a própria sentença desfavorável não chegava ao conhecimento formal do revel. A despeito do persuasivo alvitre em prol da inconstitucionalidade,127 tanto a defesa, quanto o contraditório não significam a necessidade de a lei propiciálos às partes.128 A partir da citação, revestida de formalismos especiais, o réu
desfruta da oportunidade para ingressar na relação processual, constituindo procurador, e também de participar, ativamente, de todas as fases do processo. É livre e suficientemente esclarecido, todavia, para optar pela indiferença total, hipótese em que suportará todas as consequências da inércia, quer no plano material, quer no processual. A inércia total espelharia, basicamente, a ausência de argumentos sérios para se opor à pretensão do autor. Ressalvados os litigantes habituais, que dispõe de corpo técnico e de recursos para se defenderem, a premissa não convence inteiramente, nem comportará maiores generalizações. As desigualdades sociais, culturais e econômicas, progressivamente mitigadas desde a vigência do CPC de 1973, persistem em várias regiões do País. O argumento não abalou a tese do contraditório facultativo, nem a orientação diferente do direito italiano, inspirada na tutela da defesa do revel,129 persuadiu os tribunais brasileiros. O STF recusa a análise da questão, porque representaria simples ofensa indireta ao direito fundamental do art. 5.º, LV, da CF/1988.130 Uma maneira de atenuar esse drástico efeito consistiria em marcar oportunidade para o juiz, examinando a validade da citação, declarar o réu revel, intimando-o dessa decisão. Isso ocorre, graças ao viés garantista, no direito espanhol.131 Ao NCPC o contraditório é tão importante, vedando decisões “surpresa” (art. 10), que pareceu mais consentâneo assegurar o virtual conhecimento dos atos decisórios através de intimação ficta, publicando os atos no órgão oficial (art. 346, caput). É a melhor solução de política legislativa. 372.2. Pressupostos da comunicação dos atos processuais – Do teor literal do art. 346, caput, infere-se que, constituindo o réu procurador nos autos, a comunicação dos atos processuais realizar-se-á normalmente, consoante os meios usuais.132 Na verdade, ao ingressar no processo, no prazo de resposta, mas permanecendo inerte, o réu escapa à qualidade de revel.133 A falta de defesa submete o réu à presunção do art. 341, caput, segunda parte, equivalente à do art. 344. Os efeitos da revelia não o atingem, incluindo a desnecessidade de ulterior comunicação dos atos processuais. A ausência de procurador constituído é, portanto, requisito da incidência do dispositivo. O art. 346, caput, atinge o revel citado pessoalmente, ou seja, através do correio, por oficial de justiça e por via eletrônica. A citação ficta, por edital ou com hora certa, exige a designação de curador especial (art. 72, II, do NCPC). Em tal hipótese, bem como figurando no processo o órgão do Ministério Público, o curador especial nomeado e o advogado dativo, a intimação revelase obrigatória. 372.3. Objeto da comunicação dos atos processuais – O art. 346, caput, declara que os prazos contra o revel fluirão da data da publicação do ato decisório no diário oficial. Os elementos normativos esclarecem o objeto da regra.
O dispositivo visa, fundamentalmente, aos prazos recursais. Por essa razão, alude aos “atos decisórios”, uma subespécie dos atos do juiz, arrolados nos arts. 203 do NCPC. O prazo recursal fluirá da “publicação do ato decisório”. A palavra “publicação” tem sentido equívoco. Ela retrata o momento em que o ato decisório passa a existir e, via de regra, a produzir os respectivos efeitos. Assim, publicar a sentença, a decisão, o despacho ou o acórdão significa inserir o ato no processo através do documento próprio.134 Os acórdãos passam a existir, por exemplo, após a lavratura (art. 943, § 2.º, do NCPC). Esse dispositivo reza que, lavrado o acórdão, “a ementa será publicada no órgão oficial no prazo de 10 (dez) dias”. Na realidade, a última regra cuida de intimação. A distinção assumiu desmedidas proporções desde o célebre, pois invulgar, erro cometido em julgado do STF, ao confundir publicação e intimação, e negar admissibilidade ao recurso prematuro (interposto antes da intimação) por falta de objeto.135 A orientação atual do STF, evidenciando sutil recuo, empresta duplo sentido à “publicação”.136 Bem entendida a questão, em tais termos, a diretriz é simples: os atos decisórios surtem efeitos para o revel desde a intimação no órgão oficial.137 Em consequência, os prazos recursais ostentam termos iniciais distintos em relação às partes: o do revel corre da intimação no órgão oficial; o do autor, da intimação por via eletrônica.138 O prazo recursal do revel existe, mas flui automaticamente. Interposta a apelação, por exemplo, quinze dias após a intimação no órgão oficial, ela é tempestiva. É falso o argumento que o autor desfrutará de prazo maior que o do revel.139 O quantitativo do prazo subsiste idêntico, variando o termo inicial, a exemplo do que sucede na hipótese de a intimação dos advogados das partes, domiciliados em cidades diferentes da sede do juízo, realizar-se por intermédio de carta registrada e o escrivão juntar os avisos de recebimento em datas distintas (art. 231, I). O STJ conheceu e desproveu embargos de divergência, ferindo o ponto na lógica do direito anterior, in verbis: “… mesmo nas hipóteses em que a sentença não for proferida em audiência, e houver sua publicação na imprensa oficial para a parte regularmente representada nos autos, na contagem do prazo para interposição de recurso contra o referido ato, para o revel, terá início com a sua publicação em cartório”.140 E a infração ao princípio da igualdade recebeu rejeição explícita.141 A orientação aplicase, mutatis mutandis, ao NCPC. Nada há de excepcional na diversidade do temo inicial dos prazos recursais. Logo se notava, nos precedentes invocados, a diretriz do direito anterior quanto à sentença. O prazo para o revel apelar fluiria da inserção do ato no processo. Firmara-se a jurisprudência do STJ neste sentido.142 Pouco importava se, alhures, a intimação da sentença ao revel seja obrigatória: o direito anterior não autorizava semelhante exceção.143 O argumento emocional, averbando de “ódio desabrido e irracional pelo contumaz”,144 de modo algum sugestionou a jurisprudência neste ponto específico. Chegava-se a recordar que a intimação estimularia a interposição da apelação, obstando a eficácia da sentença.145 Nada obstante, a desnecessidade de comunicação dos atos decisórios longe se encontrava do caráter absoluto e, perante o art. 346, caput, nem sempre a intimação no órgão oficial será satisfatória. Existem atos que, por sua natureza e finalidade, exigem comunicação pelas vias comuns. Intimar-
se-á o revel, por exemplo, para prestar depoimento pessoal (art. 385, § 1.º) e exibir documento ou coisa, se o autor requerer essas provas no prazo do art. 348. Já não é mais necessário renovar a citação do revel se o autor pretender modificar a causa de pedir e o pedido.146 O art. 329, I, exclui essa possibilidade, sem embargo de a intervenção tempestiva do revel permitir o consentimento do art. 329, II. 372.4. Ingresso tardio do revel no processo – O art. 346, parágrafo único, assegura ao revel o ingresso “em qualquer fase”, recebendo, todavia, o processo “no estado em que se encontrar”. Em outras palavras, consumaram-se as etapas anteriores, operando-se preclusão para o revel.147 O ingresso produzirá efeitos ex nunc. A revelia importa a impossibilidade de realizar no tempo devido os atos nele previstos.148 Na prática, ante a abreviação do procedimento (art. 355, II), as possibilidades do réu se estreitam, restando-lhe, a mais das vezes, o caminho de interpor apelação contra a sentença desfavorável. É o que, na linguagem forense, designa-se de purga da revelia. A intervenção após o prazo de resposta provoca a preclusão da defesa indireta de mérito. É vedado ao revel, legitimamente, alegar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, exceto a matéria que ao juiz seja dado conhecer ex officio (v.g., a prescrição, a teor do art. 487, II). O direito de propor meios de prova dependerá da oportunidade da habilitação. A produção da prova documental, em princípio, já se encontra prejudicada, porque deveria acompanhar a defesa (art. 434, caput). Mas, o art. 435 permite-lhe a juntada de documentos novos e o juiz, invocando o art. 370, caput, poderá determinar a juntada dos documentos ex officio. De resto, ordenada perícia, o revel poderá indicar assistente e formular quesitos, no quindênio do art. 465, § 1.º, ou acompanhar a inspeção judicial; designada audiência de instrução e julgamento, lícito se afigura ao revel arrolar testemunhas (art. 357, § 4.º), e assim por diante. O objetivo dessa atividade consiste em produzir prova contrária à presunção decorrente do art. 344, como esclarece o art. 349. Não faltam vozes que defendem a inexistência de limites à participação do réu na instrução.149 372.5. Desentranhamento da contestação extemporânea – Eventualmente, ao ingressar no feito, o revel produz autêntica contestação e, sem embargo da preclusão ocorrida, revolva pontos de fato, oferecendo impugnação direta e indireta, deduza exceções substanciais, e suscite questões de direito. É evidente que as questões de ordem pública, relativas aos pressupostos processuais e às condições da ação, contempladas no art. 337, mostram-se arguíveis, a qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 337, § 5.º), obrigando o juiz a tomar a providência preliminar do art. 351, tendente a assegurar o contraditório e debate. Também as questões de direito podem (e devem) ser suscitadas à luz do princípio iura novit curia (retro, 335). A preclusão atinge as razões de fato. O direito anterior permitia ao juiz, a par de outras medidas, “desentranhar as alegações e documentos” que a parte apresentar, restituídos os autos ao
cartório após o prazo legal. A aplicação dessa regra draconiana exigia a conjugação de dois requisitos: preclusão temporal e devolução tardia dos autos. Daí por que, (a) protocolada a resposta no prazo (art. 297), não ocorria perda da faculdade processual de apresentar defesa, e, por consequência, nenhum relevo derivava do momento em que os autos chegam a cartório; (b) ao invés, restituídos tempestivamente os autos, mas protocolada a resposta fora do prazo, caracteriza-se a revelia, mas não existia base legal para o juiz ordenar o desentranhamento da resposta.150 O art. 107 do NCPC não prevê essa consequência. No máximo, o advogado perde o direito de retirar os autos para obtenção de cópias, segundo art. 107, § 4.º. Logo, as peças que incorporaram a defesa (v.g., a da contestação e da reconvenção) permanecerão nos autos, embora na segunda hipótese, produzindo-se o efeito substancial da revelia (art. 344), porque intempestiva a contestação, receberá do juiz toda deferência e respeito que, intrinsecamente, porventura mereçam perante essa consequência. Em qualquer hipótese, não tem cabimento desentranhar a contestação. Em primeiro lugar, a procuração outorgada pelo revel há de permanecer, porque é lícito ao revel ingressar no processo a qualquer tempo, e, portanto, em seguida à preclusão do prazo de resposta. O revel tem direito a habilitarse no processo nessa oportunidade. E, então, desaparece o efeito do art. 346, caput. Por esse motivo, da própria decisão ordenando o desentranhamento da contestação, o revel deverá ser intimado na pessoa do seu procurador.151 E, ademais, mostrando-se admissível ao revel suscitar perante o juiz, supletivamente, as matérias de ordem pública, a qualquer momento, a contestação protocolada tardiamente serve a esse propósito legítimo tão bem quanto outra peça.152 Em relação à prova documental, o art. 434, caput, manda o réu instruir a contestação com os documentos destinados a comprovar as suas alegações. Este direito não se fundamenta ou subordina-se à apresentação de defesa.153 É tão só um direito que deve ser exercido em idêntico prazo.154 Logo, contestando após o prazo, perdeu o réu a simultânea oportunidade de produzir prova documental, por força da preclusão. Mas, nada há de fatal no ato: na verdade, melhor se conduziria o juiz valendo-se dos seus poderes instrutórios (art. 370, caput), e ordenando a permanência da prova, idônea a esclarecer-lhe a respeito da veracidade das afirmações do autor. A extração dos documentos representaria excesso ritual manifesto.155 373. Estabilidade da demanda na revelia A revelia não altera o princípio da estabilidade da demanda. O art. 329 contempla as seguintes situações: (a) o autor pode alterar, livremente, a causa e o pedido até a citação (inciso I); (b) feita a citação, a causa de pedir e o pedido comportam mudança com o consentimento do réu (inciso II); (c) após o saneamento do processo, nem sequer a modificação consensual desses elementos objetivos revela admissível, estabilizando-se o processo definitivamente. Embora omisso o réu, previamente à tomada de posição do juiz quanto à ocorrência, ou não, da presunção de veracidade, o art. 329 não permite a modificação unilateral, porque feita a citação. Longe de ficar adstrito à regra, o art. 321 do CPC de 1973 realizava inusitada ressalva: “salvo promovendo nova citação do réu”. O dispositivo
comportava duas interpretações antagônicas: ou era lícito ao autor alterar os elementos objetivos, sem o comparecimento do réu, ou seja, ocorrendo revelia, ficando excepcionado, neste caso particular, a regra equivalente ao art. 329, I;156 ou a cláusula transcrita se referia apenas ao pedido de declaração incidente.157 A acreditar-se na última orientação, a dificuldade se avolumava: a declaração incidente supõe que o réu, ao contestar a ação, suscitasse questão prejudicial, provocando o pedido do autor (art. 325 do CPC de 1973), requisito inexistente na inércia total. É ponto assente que, ao cabimento da declaração incidente, o ponto prejudicial embutido na causa suba à estatura de questão prejudicial, mediante controvérsia encetada pela parte que a requer ou por seu adversário; “na ausência de qualquer contestação é vedado à parte aproveitar-se da prejudicialidade para requerer uma declaração”.158 Estranhável que seja a inclusão da declaração incidental, aparentemente de escassa utilidade, há situações em que, a despeito da revelia, surge questão prejudicial. Bastam duas para justificar: (a) ao revel citado por edital, ou por hora certa, o juiz designará curador especial, cuja contestação talvez provoque a litigiosidade pressuposta no art. 325 do CPC de 1973, sem embargo de não lhe gravar o ônus da impugnação específica (art. 341, parágrafo único);159 (b) havendo litisconsorte passivo, um dos réus suscita a questão prejudicial.160 Retomando o fio do problema principal, o melhor entendimento extraía da regra todas as suas consequências explícitas. O princípio da estabilidade não tem valor absoluto e universal. As interpretações expostas restringiam, indevidamente, a regra. Assim, ao autor se afigurava lícito, ocorrendo revelia, alterar os elementos objetivos da demanda originária, expondo outra(s) causa(s) e formulando outro(s) pedidos(s), e pleitear a declaração incidente, desde que promova nova citação do réu.161 É a interpretação aqui preconizada nos feitos submetidos à regra transitória do art. 1.054. Porém, há outra possibilidade: a intervenção do revel (art. 346, parágrafo único), consentindo, expressamente, com a modificação pretendida pelo autor. Em tal hipótese, reza o art. 329, II, o réu manifestar-se-á no prazo mínimo de quinze dias, facultado o requerimento de prova suplementar. Aplica-se a regra ao revel. Em princípio, a resposta do réu não provocará, necessariamente, reviravolta completa na condição de revel. Desapareceu a oportunidade de controverter os fatos afirmados anteriormente pelo autor, sorvida pela preclusão, e, assim, elidir a presunção de veracidade. O objetivo do art. 329, II, nesse caso, não consiste em reabilitar o revel, generosamente lhe concedendo novo prazo de resposta. A finalidade é mais modesta: o prazo assegura ao revel defesa perante o novo pedido.162 Limitar-se-á a resposta, em princípio, à parte modificada da demanda (causa e pedido). Em muitos casos, porém, mostrar-se-á difícil, senão impossível traçar linhas rígidas aos reflexos da defesa no contexto anterior. Por exemplo, o autor pretendeu cobrar os aluguéis vencidos e, verificada a revelia do locatário, pleiteia reparação pelos danos provocados ao imóvel. Eventual contestação versará o segundo pedido, mostrando-se lícito impugná-lo
através dos meios cabíveis, incluindo a propositura, por sua vez, de reconvenção. Ora, na contestação ao pedido de reparação dos danos ao imóvel parece lícito o réu negar a existência da locação, e, indiretamente que seja, dissolver no espírito do juiz a presunção de veracidade. E não se afigura inconcebível o cabimento da reconvenção, conexa com o fundamento da defesa, repercutindo no pedido de cobrança de aluguéis. Por conseguinte, sob certas condições a resposta do réu influenciará negativamente o proveito retirado pelo autor da presunção de veracidade dos fatos. É exagerado, sem dúvida, devolver ao réu, pura e simplesmente, o prazo de resposta e o direito de impugnar os fatos inicialmente articulados.163 No que tange ao pedido de declaração incidente, no regime do art. 1.054, e atendendo o princípio fundamental que nada repõe o revel na posição desfrutada anteriormente à preclusão da sua defesa originária, sustenta-se que o revel “poderá manifestar-se tão somente com relação ao cabimento ou não da ação incidental, pois a questão prejudicial, objeto da mesma, já está inserida na ação principal, e deveria ser impugnada no prazo de contestação dessa ação (principal)”.164 A construção se ressente de flagrante artificialismo. Não é lícito restringir a contestação do réu, neste ponto essencial, porque sua amplitude não é maior ou menor em razão da revelia verificada perante outro pedido. Se o autor quis transformar a questão prejudicial em causa, o réu tem o direito de se defender, contra essa causa nova, como perante qualquer outra. § 86.º Remédios contra a revelia 374. Fundamento do pedido de restituição Um traço característico da revelia no direito brasileiro avulta na inexistência de um remédio específico pelo qual o réu se habilite a purgá-la. O revel empregará os meios gerais de impugnação aos pronunciamentos judiciais desfavoráveis, conforme a oportunidade da respectiva intervenção, objetivando retomar o prazo de defesa. Antes de a sentença transitar em julgado, sempre atentando ao fato de os prazos recursais correrem da “publicação” do ato no órgão oficial (retro, 372), o revel dispõe do agravo e da apelação, conforme pretenda impugnar decisão ou a sentença proferida com fundamento no art. 355, II. Nenhuma diferença, ocioso frisar, beneficia o revel quanto à amplitude do efeito devolutivo desses recursos. Bem ao contrário, o art. 1.013, § 1.º, amplia a devolução às “questões suscitadas e discutidas no processo” e, como o revel permaneceu inerte, não provocou questões, nem discutiu os pontos de fato e de direito, motivo por que a devolução compreenderá somente as questões decididas e as que o juiz aprecia de ofício. E, relativamente às questões de fato novas, a alegação do revel há de se conformar aos requisitos do art. 1.014.165 Transitada em julgado a sentença desfavorável, à semelhança dos demais vencidos o revel, adstrito às respectivas hipóteses de cabimento, socorrer-seá da ação rescisória (art. 966). Nesse âmbito, a impossibilidade de controverter a justiça do provimento lhe prejudicará sensivelmente, mas este é o regime geral da rescisória. Recordou a limitação o STJ: “A revelia da parte ré não a impede de propor ação rescisória, na qual, contudo, não lhe será possível pretender demonstrar serem inverídicos os fatos alegados pela parte
autora da precedente e ação e tomados como verdadeiros pelo juiz por força do disposto no art. 319 {de 1973} do estatuto processual. Inviável, em outras palavras, utilizar a rescisória como sucedâneo da contestação”.166 A rigor, a rescisória do revel focará a violação manifesta de norma jurídica (art. 966, V), e, nesse caso, mostra-se absurda a restrição, às vezes proclamada, de exigir que o princípio ou a regra alegadamente infringidos hajam sido aplicados, explicitamente, no provimento rescindendo. Rejeitou, com razão, esse entrave julgado do STJ: “Admite-se a rescisória por violação da lei, mesmo que a decisão rescindenda não tenha emitido juízo sobre o dispositivo supostamente violado. Na ação rescisória dispensa-se o prequestionamento”.167 A única particularidade, perante o trânsito em julgado, reside na subsistência residual da querella nullitatis. Inexistindo citação ou mostrandose ela inválida (art. 525, § 1.º, e art. 535, I), e, por essa razão, correndo o processo à revelia do réu, lícito se afigura alegar o vício independentemente de rescisória, por intermédio da oposição à pretensão a executar.168 A sentença proferida em tais condições existe e produz efeitos. O fato de o vitorioso promover execução contra o revel, que precisará reagir, demonstra cabalmente o desacerto dos que visualizam a inexistência do pronunciamento. O vício anterior impede a aquisição da autoridade de coisa julgada, tornando o provimento, por assim dizer, transparente ao ataque do revel por esse fundamento. É um caso isolado e, no conjunto, insuficiente para compensar as profundas desvantagens do revel. Ao intervir no processo (art. 346, parágrafo único), como lhe faculta a lei, propicia-se ao revel uma desesperada medida. É lícito reclamar a restituição do prazo de resposta, alegando e provando que não acudiu à citação por justa causa. Em princípio, decorrido o prazo, extinguir-se-á, proclama o art. 223, caput, “independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato”. A preclusão temporal, contemplada no dispositivo, assegura o desenvolvimento do processo e a consumação das respectivas fases.169 O direito consagrado na regra não é exclusivo do revel, aplicando-se aos prazos, em geral, e mostrar-se-á de capital importância no âmbito recursal. Como quer que seja, identificou-se nele o instituto da restituição in integrum,170 originária do direito anterior e de velha cepa romana.171 E tem na revelia, decerto, valioso campo de aplicação. Objetivando evitar as controvérsias que frutificaram em torno do similar art. 38 do CPC de 1939, e a dificuldade de extremar a força maior, nele prevista, do caso fortuito,172 como sói ocorrer em outros ordenamentos e no próprio processo penal,173 o art. 223, § 1.º, reproduziu a tendência geral do CPC de 1973 em propor definições e copiou parcialmente a regra anterior, entendendo justa causa “o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário”. À luz da regra, dois elementos distintos, mas complementares, compõem seu campo de incidência: (a) a ausência de participação voluntária da parte neste fato, ou seja, de qualquer espécie de culpa;174 (b) o impedimento à prática do ato, por si ou por mandatário, ou seja, em razão do evento involuntário a prática do ato se tornou impossível.175 A conjugação a esses
elementos da imprevisibilidade, em alguma situação concreta, mostrava “quão difícil se apresenta a aplicação do instituto” no direito anterior.176 O caráter excepcional da restituição justificava a rigidez, atenuada com a eliminação da natureza imprevista do acontecimento no art. 223, § 1.º, do NCPC. Era muito pouco flexível a jurisprudência a esse respeito. Dois exemplos acomodavam-se à drástica regra anterior: (a) a súbita doença do advogado, que o incapacitou, no último dia do prazo, e impossibilitou-o de articular a defesa a favor do réu, e de substabelecer seus poderes; (b) a doença da parte, logo após a citação, que a impediu de constituir advogado no curso de todo o prazo.177 O elemento comum é a doença. Esse fato é alheio à vontade da parte, e, ademais, imprevisto Fora desses casos extremos, os tribunais recusavam justa causa a eventos triviais, porque previsíveis. Por exemplo, o acidente de trânsito, ou o colapso dos transportes públicos, atalhando a ida do advogado do réu ao protocolo, raramente convenciam juízes e tribunais como fatos idôneos à restituição de prazos, no intransigente alvitre que incumbia ao procurador providenciar o cumprimento do prazo em tempo hábil a evitar esses impedimentos corriqueiros nas grandes cidades. O banimento da imprevisibilidade repõe esses fatos na órbita do art. 223, § 1.º. Em outros ordenamentos, há igual ou maior compreensão com as vicissitudes das partes: a ré citada por edital na ação de separação, que só tomou conhecimento da notícia da citação após a fluência do prazo do edital e de resposta, obteve a restituição do prazo, bem como a ré, reconhecidamente necessitada, que só logrou encontrar quem a patrocinasse gratuitamente após o prazo de resposta.178 Um caso singular avulta na perda do prazo, porque o sistema eletrônico de informações processuais consigna a falta de juntada do mandado de citação, a juntada em data errada ou, por erro de digitação, anunciou a prática de ato diferente da juntada. Segundo a orientação prevalecente, o “erro ou atraso na divulgação destas informações não configuram justa causa para efeito de reabertura de prazo nos termos do art. 183, § 1.º {do CPC de 1973}”,179 secundando julgado da Corte Especial do STJ.180 Essa cômoda posição jurisprudencial obriga o procurador da parte a diligenciar no cartório, penosamente, a data exata da juntada do mandado ou do aviso de recebimento, fatos que abrem o prazo de resposta. Parecia muito excessivo. O advogado tem o dever de organizar a própria atividade, e do seu escritório, de modo a evitar erros e desatenções no cumprimento dos prazos.181 Não tem o dever de conferir as informações prestadas pela própria Justiça. Por esse motivo, o art. 197,caput, declara usufruírem as informações divulgadas na rede mundial de computadores pelos tribunais da presunção de veracidade confiabilidade, acrescentando o parágrafo único deste dispositivo: “Nos casos de problema técnico do sistema e de erro ou omissão do auxiliar da justiça responsável pelo registro dos andamentos, poderá ser configurada a justa causa prevista no art. 223, caput, e § 1.º). Ficou superada, destarte, a incompreensível e esdrúxula exigência da Corte Especial do STJ, no precedente citado, todavia proferido perante regra diferente. 375. Prazo do pedido de restituição
O art. 223 não estabelece prazo para o réu pleitear a restituição do prazo de resposta. Nesta contingência, incidirá o art. 218, § 2.º: o prazo é de cinco dias.182 O problema reside no termo inicial desse interstício. Por óbvio, o prazo só correrá uma vez desaparecido o evento acomodado à moldura do art. 223, § 1.º.183Ocorre que há larga margem para divergências quanto ao exato momento em que o impedimento encerra, permitindo a parte, ou seu advogado, de promover o incidente de restituição. Nem sempre, por exemplo, cessada a internação hospitalar do advogado acometido de moléstia cardíaca, o discernimento do procurador retorna de chofre, recordando-se do prazo perdido. Os juízes hão de empregar o bom senso para solucionar problemas desse jaez.184 Este aspecto, bem como as circunstâncias do próprio evento, há de ser provado pelo réu. O pedido de restituição há de ser formulado antes de o juiz proferir o julgamento. Emitida a sentença, em virtude da abreviação do procedimento resultante da presunção de veracidade (art. 355, II), a única atitude possível ao revel consiste na interposição da apelação, suscitando a questão.185 E, após o trânsito em julgado, preclui o direito de reclamar a restituição. O revel deverá impugnar a sentença ou, concorrentemente, propor rescisória, com fundamento no art. 525, § 1.º, I, ou no art. 535, I. O acolhimento desses remédios provocará o retorno do processo ao estado anterior ao evento alheio à vontade da parte. 376. Procedimento do pedido de restituição A lei processual omitiu o procedimento próprio para o incidente provocado pelo pedido de restituição. É certo, rigorosamente certo, que o juiz não restituirá o prazoex officio. Logo, cabe ao réu requerê-lo dentro do prazo – cinco dias (art. 218, § 3.º) após a cessação do impedimento. Ao postular a restituição do prazo de resposta, o revel não precisa, desde logo, oferecer defesa. Nada impede a adoção desse cauteloso comportamento, aliás de acordo com o princípio da eventualidade. Seja na contestação, seja peça avulsa, incumbe ao revel narrar o evento, nos seus pormenores, requerendo a restituição explicitamente, e ministrando, desde logo, a prova documental hábil (v.g., laudo médico, indicando o código da doença da parte ou do advogado). A cláusula final do art. 223, caput, não restringe a espécie de prova. Todos os meios legais são admissíveis e, caso seja imprescindível a prova oral, o juiz designará audiência de instrução.186 É obrigatório assegurar, no prazo de cinco dias, o contraditório ao autor.187 Em seguida, com ou sem a manifestação do autor, o juiz decidirá, de plano, ou deferirá as provas requeridas pelo réu. O incidente não representa causa legal de suspensão do processo.188 O processo somente se suspenderá, legitimamente, nos estritos casos do art. 313. Imprimirá o incidente variante ao procedimento, sem efeito suspensivo, no curso do qual o juiz pode tomar alguma das providências preliminares. 377. Efeitos da decisão do pedido de restituição
O indeferimento do pedido de restituição não obsta o revel, se já não o fez simultaneamente, instar o exame do órgão judiciário quanto à matéria de ordem pública e questões de direito. Verificada a justa causa, reza o art. 233, § 2.º, “o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar”. A esse efeito, juiz avaliará a prova produzida livremente (art. 371), mas não se lhe concede discrição alguma: ou há a justa causa, e o prazo há de ser restituído, ou inexiste fato dessa natureza, cabendo ao juiz rejeitar a restituição. A cláusula final do § 2.º do art. 223 tampouco oferece espaço ao arbítrio do órgão judicial. O objeto da restituição é o prazo legalmente previsto, nem maior ou menor.189 No caso da contestação, o prazo é de quinze dias (art. 335) e, antes dele, há de realizar a audiência de conciliação e de mediação (art. 334), desnecessária nos casos de revelia. Inexiste motivo plausível, haja vista o desaparecimento do evento, para atribuir ao revel um prazo maior que o legal.190 O ato do juiz constitui decisão interlocutória, mas não comportará agravo de instrumento (art. 1.015), ficando postergado o reexame do assunto para as razões ou contrarrazões de apelação (art. 1.009, § 1.º).
Título IV - Distribuição dos conflitos
Capítulo 22. COMPETÊNCIA INTERNA SUMÁRIO: § 87.º Competência no processo civil – 378. Problema de competência na formação do processo – 378.1. Identificação dos órgãos jurisdicionais – 378.2. Identificação dos dados de afetação da competência – 378.3. Identificação das fontes legislativas da competência – 379. Fundamento da competência – 380. Conceito de competência – 381. Domínios da competência interna – § 88.º Espécies de competência – 382. Competência absoluta e competência relativa – 383. Competência plena e competência privativa – 384. Competência exclusiva e competência concorrente – 385. Competência originária e competência recursal – 386. Competência horizontal e competência vertical. § 87.º Competência no processo civil 378. Problema de competência na formação do processo O processo civil começa através da iniciativa da parte (art. 2.º). O ato de provocação da atividade jurisdicional chama-se demanda. O veículo da demanda é a petição inicial. O primeiro requisito da petição inicial apta, segundo o art. 319, I, reside na indicação do “o juízo a que é dirigida”. Essa disposição inserida no Capítulo II – Da Petição Inicial – do Título I – Do Procedimento Comum – do Livro I da Parte Especial do NCPC – assegura a generalização da regra, aplicável, subsidiariamente, aos procedimentos especiais e ao processo de execução. O art. 798 não a reproduz, porque desnecessário: a execução fundada em título extrajudicial processar-se-á “perante o juízo competente” (art. 781, caput).
Essas disposições mostram que o autor tem o ônus de localizar e indicar, na complexa estrutura judiciária brasileira (infra, 917), o órgão que prestará jurisdição ao seu caso concreto. Ao autor incumbirá, antes de mais nada, resolver o problema de competência. Tal significa encontrar o órgão judiciário certo para dirigir-lhe a demanda. O poder jurisdicional do Estado ficará delimitado e circunscrito para atuar na causa. É o que explicita o art. 42 do NCPC, segundo o qual as causas cíveis “serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei”. As regras diretoras da indicação do autor têm uma função relevante. Realizam, materialmente, o princípio da pré-constituição do órgão judiciário. Exibem, pois, uma nítida e salutar faceta, garantindo o autor contra a constituição de juízo de exceção ou juízo em comissão (retro, 149). A competência interfere na formação da relação processual. E o seu controle, no curso do processo, reclama atenção e provocará variantes no procedimento. Eventual erro na indicação implicará consequências graves para o autor. O problema de competência surge, na sociedade contemporânea, porque impossível o Estado instituir um único órgão judicial. Uma só pessoa investida na função judicante jamais resolveria, a contento, o conjunto dos conflitos da sociedade.1 Bem ao contrário, a população numerosa, em alguns casos em acelerada expansão, o território vasto e o número vasto das lides exigem muitos órgãos judiciários. Além disso, ao prestar jurisdição, o Estado precisa fazê-lo por intermédio de regras prévias, gerais e abstratas. É decorrência direta do princípio da pré-constituição do órgão judiciário (retro, 182). O garantismo intrínseco às regras de competência evidencia-se neste aspecto.2 A resolução desse problema tão sério reclama do autor a árdua empresa de compreender a sofisticada estruturação do Poder Judiciário brasileiro, e, afinal, identificar as espécies de jurisdição (retro, 162) e o órgão competente. Fez-se célebre, para essa finalidade, a indicação do caminho para concretizar a jurisdição, sempre com descendente abstração, até chegar à solução final.3 O autor precisará formular e equacionar na devida ordem, porque uma resposta talvez condicione a pergunta subsequente, as seguintes questões: (a) qual a Justiça que apreciará a causa? (b) qual o órgão, superior ou inferior, que apreciará a causa? (c) qual a comarca, região ou seção na qual tramitará a causa? (d) qual a vara na qual tramitará a demanda; (e) qual o juiz que apreciará a causa?4 Ocorrendo a necessidade de o vencido interpor algum recurso, surge outra questão – qual o órgão recursal, o mesmo ou um órgão superior? –, evidenciada no regime do agravo de instrumento, cuja petição será dirigida “diretamente ao tribunal competente” (art. 1.016, caput). As perguntas suscitam, respectivamente, (a) a competência de “jurisdição”; (b) a competência originária dos tribunais; (c) a competência territorial; (d) a competência de juízo; (e) a competência de foro; e (f) a competência recursal. Para determinar a competência, “todos os critérios hão de ser sempre esimultaneamente utilizados”.5
É imprópria, neste contexto, a nomenclatura competência de “jurisdição”. Salta à vista o fato de a competência derivar da jurisdição.6 Também emprega-se a palavra “jurisdição”, entretanto, para rotular as atribuições conferidas, em conjunto, a determinada espécie de órgãos judicantes.7 Por exemplo, “jurisdição militar” exprime o poder de julgar os militares e, simultaneamente, designa o conjunto dos órgãos que compõem a Justiça Militar.8 Só neste tolerável sentido pode-se aludir, sem erro grave, à competência de “jurisdição”. O esquema apresentado se mostra satisfatório na apresentação sumária do problema. Mas, a localização das respostas hábeis dependerá da identificação dos órgãos judiciários e dos múltiplos dados empregados na lei, distribuídos em fontes heterogêneas, acenadas no art. 44 do NCPC. 378.1. Identificação dos órgãos jurisdicionais – A organização judiciária do Estado brasileiro, esboçada na CF/1988 e concretizada por intermédio de lei formal (federal, distrital ou estadual), institui os órgãos judiciários. Em linhas gerais, acompanhando o roteiro constitucional, enquadram-se os referidos órgãos nas seguintes dimensões: (a) existência de aparelhos autônomos, ou “Justiças”, as especializadas e a comum; (b) existência de órgãos inferiores (juízes distribuídos em varas) e superiores (tribunais), haja vista a previsão (relativa) do duplo grau de jurisdição; (c) existência de divisões judiciárias no territorial nacional (regiões, seções, subseções e comarcas); (d) existência de mais de um órgão de igual categoria na circunscrição judiciária (comarca ou seção); (e) existência de mais de um juiz na mesma vara, um deles com a competência limitada; e (f) existência de juizados especiais. Visualizado em seu conjunto, o sistema é completo. Não há vácuo algum, “sempre existirá um juízo competente para processar e julgar determinada demanda”,9decorrente do caráter residual da Justiça Comum. 378.2. Identificação dos dados de afetação da competência – Os dados empregados para afetar, genericamente, certa lide a determinado órgão judiciário, são muito variados. Eles respondem a determinados critérios: (a) o institucional, que se baseia na hierarquia dos órgãos judiciários e na necessidade de especializar a magistratura, por assuntos, como requisito da boa prestação jurisdicional; (b) o prático, que visa aproximar o órgão judiciário do lugar em que residem as partes; (c) o objetivo, que considera a índole da causa; (d) o subjetivo, porque há pessoas graduadas, sob o ponto de vista das funções políticas exercidas, cujo julgamento deve ser atribuído a um órgão superior.10 Os critérios respeitantes, ordinariamente, à própria lide ou da atividade do juiz no processo, mostram-se essenciais na competência civil brasileira. Da massa de lides, grosso modo desuniformes, a lei arranca três elementos dos pontos comuns para distribuir as causas, a saber: (a) natureza do interesse da lide; (b) objeto da lide; (c) qualidade dos sujeitos da lide. Os interesses em conflito impõem, em decorrência da sua complexidade, proeminência e delicadeza, quase natural especialização do órgão judiciário,
no primeiro e no segundo grau. Essa ideia inspirou a instituição, por exemplo, da Justiça do Trabalho. Só o juiz altamente especializado equilibraria a contento interesses tão desiguais quanto os do trabalhador, de um lado, e do empresário, do outro. De seu turno, a grande massa das lides civis reclama crescente e intensa especialização do juiz. Por exemplo, os litígios de família, as falências e as causas empresariais frequentemente inspiram o legislador a criar varas específicas nesta matéria, no primeiro grau, e órgãos fracionários de igual competência, no tribunal. No tocante ao objeto da lide, as regras de competência consideram os seguintes dados: (a) a natureza do bem da vida (móvel ou imóvel); (b) o valor do bem da vida; (c) o lugar de situação do bem da vida. E, por fim, no que tange aos sujeitos da lide, a competência avalia: (a) a dignidade do cargo ou da função (v.g., o mandado de segurança contra atos do Presidente da República é de competência do STF, a teor do art. 102, I, d, da CF/1988); (b) a espécie do procedimento estipulado na lei; (c) a relação entre os processos. 378.3. Identificação das fontes legislativas da competência – A coleta desses elementos díspares, com o objetivo de relacioná-los aos órgãos, respondendo pergunta por pergunta, realizar-se-á em fontes muito diferentes.11 A estrutura federal do Estado brasileiro predetermina a variedade. O art. 44 arrola as seguintes fontes legislativas: (a) a CF/1988; (b) as normas processuais constantes no CPC e nas leis especiais; (c) as normas de organização judiciária (federais, distritais e estaduais: os municípios não legislam acerca do assunto); e (d) as Constituições dos Estados-membros. A rigor, a enumeração é incompleta: faltou mencionar os regimentos internos dos tribunais, fonte da competência em razão da matéria; por exemplo, nos tribunais mais numerosos, a divisão em duas seções, a criminal e a civil, por sua vez subdivididas em órgãos especializados (v.g., grupo de câmaras de família e sucessões). A competência de “jurisdição”, ou seja, a identificação da Justiça competente há de ser buscada na CF/1988, que também estabelece a competência originária (e, no que tange ao STF e ao STJ, também a recursal) dos tribunais civis da Justiça Federal (STF, STJ e TRF). É na Constituição de cada Estado-membro, a teor do art. 125, § 1.º, que se localizará a competência originária do TJ, sendo residual a competência da Justiça Comum ou Ordinária, relativamente às Justiças especializadas. As prescrições da CF/1988 mostram-se exaustivas e taxativas. A lei ordinária só pode atribuir competência a outros órgãos mediante autorização expressa. Por exemplo, o art. 109, § 3.º, da CF/1988, estipula que, preenchida a condição do texto – inexistência de sede de vara da Justiça Federal no lugar – , a lei ordinária (federal) “poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas” pela Justiça dos Estados-membros. Leis federais, seja a comum (NCPC), sejam as extravagantes (v.g., o art. 2.º, I, da Lei 7.357/1985 fixa o lugar do pagamento, que é indicado ao lado do nome do sacado, como o foro primordial competente para ações envolvendo cheque, e, subsidiariamente, o lugar do domicílio do emitente), elucidam, principalmente, a competência territorial ou de foro. Os arts. 42 a 66 do NCPC disciplinam a competência geral das causas civis.
A competência em razão da matéria, bem como a competência em razão do valor – ressalvadas as disciplinas da CF/1988 e da lei federal comum –, regem-se pelas leis de organização judiciária. As leis estaduais criam as divisões territoriais, ou comarcas, pavimentando a competência territorial; porém, nas comarcas de maior movimento, instituem duas ou mais varas, especializando-as por matéria (v.g., vara de família; vara empresarial). Os regimentos internos dos tribunais completam o quadro. O número de juízes é fixado em lei (federal ou estadual), mas a divisão interna, especializando seções, grupos e câmaras (ou turmas) – há, no mínimo, a seção civil e a seção criminal –, decorre do regimento ou de ato equiparável. 379. Fundamento da competência Não se concebe que órgão judiciário único processe e julgue todos os conflitos surgidos em determinado Estado. O número de habitantes, distribuído em vastos territórios, talvez desigualmente, obrigam à divisão do trabalho entre vários juízos.12 Por outro lado, toda sociedade comporta litígios, cuja natureza e intensidade prendem-se a múltiplos fatores, econômicos, culturais, raciais, de gênero, e até religiosos, gerando, destarte, a massa de lides. A jurisdição é homogênea, mas urge reparti-la dentre vários órgãos, atendendo à diversidade das causas e das tarefas do órgão judiciário,13 afetando a cada qual, genericamente, uma porção dessa massa (art. 42). Eis o fundamento da competência. O órgão judiciário único tornaria supérfluas as regras de competência.14 Essa repartição, e a própria criação de órgãos judiciários para alguma classe de lides, obedecem a critérios dificilmente uniformes de política processual. As diretrizes já arroladas mostram-se essencialmente relativas,15 cambiando no espaço, vale dizer, conforme o Estado, e no tempo. Em geral, reputam-se fatores determinantes dessa atribuição (a) o interesse público – a maior eficiência do poder jurisdicional – e o (b) interesse privado – a comodidade das partes.16 A conveniência dos jurisdicionados preside a tendência frisante, constatada no mundo contemporâneo, da descentralização dos juízos e tribunais. O art. 107, § 3.º, da CF/1988, autoriza os TRF, assentados em duas ou mais seções judiciárias (Estados-membros), a funcionar descentralizadamente, constituindo câmaras regionais, “a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo”, ou seja, tanto no primeiro grau, quanto no segundo. Os meios alternativos de resolução de litígios (Alternative Dispute Resolution, internacionalmente conhecidos como “ADR”), a exemplo dos juizados especiais e da arbitragem, seguem a mesma lógica. Impossível a instituição de tribunal único, numa sociedade medianamente organizada,17 cumpre aproximar o órgão da lide e dos litigantes, a fim de aumentar a efetividade da justiça, diminuir seus custos e abreviar o trâmite do processo.18
A relação entre o órgão judiciário e a lide, em razão da massa de lides e da impossibilidade de carreá-las a um juízo único, determina o problema de competência. 380. Conceito de competência Não escasseiam os conceitos de competência. Todos se mostram muito similares. Enquanto a jurisdição é o poder abstrato atribuído ao conjunto de órgãos jurisdicionais, a competência consiste na fixação específica desse poder num órgão específico, mercê de critérios gerais, abstratos e predeterminados. Em outras palavras, a jurisdição é positiva, a possibilidade de exercê-la é a ausência de impedimento.19 Tende a doutrina, universalmente, a considerar a competência como a medida (repartição, distribuição ou fração) da jurisdição. Esse entendimento aparece nos direitos português,20 espanhol,21 italiano,22 e, naturalmente, brasileiro.23 A simpática e expressiva fórmula, progressivamente atenuada, revela-se imprópria. O poder investido em cada órgão timbra pela mesma qualidade e quantidade, ou seja, não se distingue nas “medidas”, embora as regras sobre competência distribuam lides diferentes por vários órgãos. Na realidade, “a competência impõe limites ao juiz, para que ele possa legitimamente exercitar seu poder jurisdicional”.24 Esqueceu-se a lição clássica que a competência é a aptidão do órgão judiciário para processar,25 julgar e, se for este o caso, executar a causa. É a esfera concreta de atuação (Geschäftskreis) do órgão judiciário.26 Entre nós, essa esfera logrou explicitação no art. 42 do NCPC. 381. Domínios da competência interna Os arts. 42 a 53 compõem a Seção I – Disposições Gerais – do Capítulo I – Da Competência – do Título III – Da Competência Interna – do Livro II – Da Função Jurisdicional – da Parte Geral do NCPC. Essa rubrica trata da competência interna dos órgãos judiciários brasileiros. As seções II e III respeitam, respectivamente, às modificações da competência e ao seu controle. A noção de competência interna obtém-se por exclusão. É preciso que haja “competência” internacional dos órgãos judiciários nacionais, ou seja, a causa insira-se numa das hipóteses de jurisdição exclusiva (art. 23) ou concorrente (arts. 21 e 22). Então, existindo jurisdição brasileira, cogitar-se-á da competência interna, localizando-se o órgão judiciário competente para processar, decidir e executar certa causa. O art. 42 é incompleto, mencionando os verbos processar e decidir, pois o juízo da decisão é competente, em princípio, para executar ou cumprir (art. 516, I e II). A distribuição dessa matéria, nas três seções do capítulo referido, permite estabelecer, qual exame genético, a fonte inspiradora do legislador (infra, 386). § 88.º Espécies de competência 382. Competência absoluta e competência relativa
Fenômeno complexo, uma das razões de a Justiça Pública apresentar-se obscura e intrincada aos particulares, a competência comporta classificações várias, segundo critérios distintos, espelhando as diretrizes inspiradoras da distribuição da jurisdição e outros aspectos. Essas espécies de competência auxiliam a compreensão do panorama geral. Em tema de competência, a principal distinção respeita à competência absoluta e à relativa.27 É fato que o regime dessas competências difere completamente. Todavia, a base da respectiva distinção se revela frágil. Na elaboração das regras de competência, em tese, ora prepondera o interesse das partes,28 formando os casos de competência relativa, ora impera o interesse público na melhor aplicação da justiça, gerando os casos de competência absoluta.29 Por óbvio, na primeira hipótese, a competência é disponível; na segunda, indisponível. O interesse particular, de um lado, e o interesse público, de outro, inspiram a formulação desses regimes. Ora, considerando a função popular da justiça pública, toda competência há de valorizar o interesse das partes. O único interesse público digno de tutela é a proximidade do órgão judiciário em relação ao futuro litigante. Inexiste regra de competência saudável que não acolha, objetivamente, o interesse superior dos destinatários da atividade judiciária do Estado, porque superior a qualquer outro. Seja como for, feita a separação, a diferença no tratamento dessas espécies e nas consequências é altamente significativa. Importa, sobretudo, o aspecto negativo ou incompetência.30 Na competência absoluta, o juiz declarar-se-á incompetente, ex officio, a qualquer tempo (art. 64, § 1.º), não se admitindo foro de eleição (art. 63), mas preservando-se os atos decisórios até o reexame do órgão competente, salvo deliberação em contrário (art. 64, § 4.º), além de rescindível a sentença de mérito transitada em julgado (art. 966, II). O controle da competência relativa dependerá da iniciativa do réu, através da exceção de incompetência – o NCPC absteve-se de empregar a palavra “exceção”, mas não se cuida de objeção processual –, objeto de preliminar na contestação (art. 337, II), e, na falta dessa impugnação, o juiz inicialmente incompetente tornar-se-á competente, ocorrendo a prorrogação da competência (art. 65). É vedado o juiz conhecer da incompetência relativa (Súmula do STJ, n.º 33), ressalva feita ao controle da cláusula de eleição de foro nos contratos de adesão (art. 63, § 3.º),31 e, uma vez prorrogada a competência, nenhum vício contaminará os atos decisórios do juiz,32 pois tornado competente pela inércia do réu. Do art. 63, caput, infere-se a abrangência da competência relativa: (a) a competência territorial, a qual considera, principalmente, o domicílio, a natureza do bem e o lugar da situação; (b) a competência em razão do valor, estabelecida nas leis de organização judiciária, mas só no sentido de a competência do juiz de direito abranger a do pretor, ou seja, “do mais para o menos”;33 e (c) a competência da situação do imóvel, nas hipóteses não contempladas no art. 47, § 1.º, do NCPC. E são absolutas, a teor do art. 62: (a) a competência em razão da matéria; (b) a competência em razão da pessoa; (c) a competência em razão da
função (ou hierárquica); e (d) a competência da situação do imóvel (na maioria dos casos, a exemplo da ação possessória imobiliária, a teor do art. 47, § 2.º). Esse regime aplica-se em quaisquer processos. Não importa a função (conhecimento, execução ou cautelar), a força predominante da pretensão do autor (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e o procedimento (comum ou especial). 383. Competência plena e competência privativa Nas pequenas comarcas da Justiça Comum e nas subseções judiciárias da Justiça Federal, em que há um órgão judiciário, no máximo dois, todos têm competência plena, processando e julgando quaisquer causas civis. Já nas grandes comarcas, e nos tribunais numerosos, a boa distribuição do serviço forense impõe a criação de órgãos de competência privativa; por exemplo, há varas privativas de família, de falência, dos feitos da fazenda pública, e assim por diante, correspondendo, no tribunal do recurso, a duas ou mais câmaras igualmente especializadas nesta matéria. O art. 92 do CPC de 1973 atribuía aos juízes com os predicados constitucionais competência para processar e julgar o processo de insolvência (inc. I) e as ações concernentes ao estado e à capacidade da pessoa (inc. II). O art. 140, § 1.º, do CPC de 1939 exibia maior precisão quanto aos fins visados pela regra citada. Omitiu a designação do magistrado que julgaria ações de estado, preferindo que ostentassem as prerrogativas da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, apanágio da magistratura de carreira. No entanto, o art. 22, § 2.º, da LC 35/1979 autorizou os juízes substitutos, ou seja, os juízes que ainda não adquiriram vitaliciedade, porque em estágio probatório, a praticar os atos reservados por lei aos juízes vitalícios. O art. 92 do CPC de 1973 repelia a competência dos juízes togados de investidura temporária ou pretores nessa matéria (infra, 927). Ora, só no Rio Grande do Sul remanescem, residualmente, juízes togados de investidura temporária. O quadro está em extinção. Logo, inexiste motivo, ante o art. 22, § 2.º, da LC 35/1979 para reproduzir a regra no NCPC. Como quer que seja, o art. 92, I, do CPC de 1973 abrangia: (a) a insolvência “civil” (art. 748), ou seja, do devedor não empresário; (b) a falência e a recuperação judicial,34 relativas ao devedor empresário, presentemente, reguladas na Lei 11.101/2005; (c) as ações originadas das liquidações extrajudiciais (v.g., das instituições financeiras, públicas e privadas, e das cooperativas de crédito, conforme a Lei 6.024/1974). E o segundo inciso alcançava numerosos litígios, como a separação, o divórcio, a anulação do casamento, a anulação do registro civil, a interdição, a filiação e outras. A ação de alimentos não representa espécie do gênero ação de estado, porquanto a questão do estado da pessoa constitui prejudicial no respectivo julgamento, e, não, o seu objeto principal.35 Por esse motivo, na ação em que alguém pleiteia benefício previdenciário da autarquia federal, apresentando a questão de estado como prejudicial, a competência subiste na Justiça Federal.36 Porém, identidade de razões reconduziam tais ações, versando alimentos legítimos, à competência privativa do juiz de direito.37 A ação de
indenização fundada em dano à pessoa, e que envolverá alimentos indenizativos (art. 948, II, do CC), entram na competência comum,38podendo ser processadas e julgadas por pretor, respeitado o valor. Fora da incidência do art. 92 do CPC de 1973, cumpre lembrar a desapropriação: o art. 12 do Dec.-lei 3.365/1941 repele a competência do pretor para processá-la e julgá-la, exigindo, em virtude da invocação das prerrogativas da magistratura, a atuação do juiz de direito ou do juiz federal.39 384. Competência exclusiva e competência concorrente Em contraposição à competência privativa, a competência plena é também comum, pois abrange quaisquer feitos não distribuídos às varas privativas. A competência comum comporta, entretanto, uma distinção subsequente. Ela pode ser: (a) exclusiva, porque não há alternativa para o autor, como acontece com a reivindicatória, obrigatoriamente proposta no foro da situação do imóvel (art. 47); (b) concorrente, na hipótese de a lei permitir ao autor a escolha dentre dois ou mais foros.40 A competência concorrente divide-se, por sua vez, em duas espécies: (a) alternativa, a exemplo da ação de reparação de dano ocorrido em acidente de trânsito na via terrestre, em que o autor optará pelo lugar do evento, o do próprio domicílio ou, subsidiariamente, pelo domicílio do réu (art. 53, V); e (b) sucessiva, como sucede nas ações pessoais, cujo foro é o do lugar do domicílio do réu, mas, desconhecido seu paradeiro, admite-se a propositura no foro do domicílio do autor, consoante o art. 46, § 2.º.41 A “competência” internacional, na verdade um problema relativo ao alcance da jurisdição no espaço, também se divide em exclusiva e concorrente (retro, 197). 385. Competência originária e competência recursal Os tribunais inferiores (TJ e TRF) e os tribunais superiores têm competência originária e recursal (ou hierárquica). Em geral, as causas iniciam no primeiro grau, mas, considerando a qualidade do réu, às vezes a instauração do processo ocorre no tribunal. A competência originária do TJ é traçada na Constituição do Estadomembro (art. 125, § 1.º, da CF/1988). Por exemplo, o TJ/RS é competente para processar e julgar, originariamente, no âmbito civil, segundo o art. 95, XI, da CE/1989: (a) a ação rescisória dos seus próprios julgados; (b) o habeas corpus civil (v.g., contra o ato do juiz de direito que decreta a prisão do devedor de alimentos, a teor do art. 528, § 3.º); (c) o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção contra atos ou omissões do Governador do Estado, da Assembleia Legislativa e seus órgãos, dos Secretários de Estado, do Tribunal de Contas do Estado e seus órgãos, dos juízes de direito, dos agentes do Ministério Público e do Procurador-Geral do Estado; (d) a representação do Procurador-Geral da Justiça; (e) a ação direita de inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo estadual ou municipal perante a Constituição do Estado; (f) o mandado de injunção contra atos e omissões dos Prefeitos municipais e das Câmaras de Vereadores.
Por sua vez, as competências originárias do STF, do STJ e dos TRF decorrem da CF/1988, destacando-se, dentre outros remédios, a rescisória dos seus próprios julgados (arts. 102, I, j; 105, I, e; 108, I, b, da CF/1988), os remédios visando a outorgar efeito suspensivo a recursos e os mandados de segurança em razão da qualidade da autoridade coatora. Esses tribunais exibem competência para processar e julgar recursos: os tribunais inferiores julgarão, primordialmente, a apelação contra as sentenças proferidas pelos juízes de primeiro grau; os tribunais superiores, o recurso extraordinário (STF) e o recurso especial (STJ), consoante funções constitucionais dessas impugnações. A competência recursal receberá exame específico nos itens próprios. 386. Competência horizontal e competência vertical Segundo concepção haurida do direito italiano,42 a lei serve-se de três critérios básicos para distribuir a competência: (a) o objetivo, que considera o valor da causa (competência por valor), a natureza da lide (competência por matéria), e a qualidade da parte (competência por pessoa); (b) o funcional, que atenta à repartição de funções entre mais de um órgão judiciário no mesmo processo (infra, 404); e (c) o territorial, que aponta a circunscrição espacial do juiz.43 O CPC de 1973 alinhou-se, no essencial, a esse gabado e concorrido esquema.44 A crítica a ele feita não abalou a convicção do legislador.45 O Capítulo III – Da Competência Interna – do Título III – Dos Órgãos Judiciários e dos Auxiliares da Justiça – do Livro I do CPC de 1973 repartia a matéria em quatro seções. A primeira tratava da competência objetiva, apesar da designação analítica (competência em razão do valor e competência em razão da matéria); a segunda, da competência funcional; e a terceira, da competência territorial. A quarta seção cuidava dos deslocamentos da competência, revelando, outra vez, a fonte da inspiração do legislador.46 Forrou-se o legislador, no CPC de 1973, à contundente crítica feita ao art. 133 do CPC de 1939, quanto à técnica e a terminologia, cujos defeitos ensejavam arrumação falha do assunto.47 A má reputação do primeiro código unitário, neste tópico, respingou além das fronteiras nacionais.48 Ao mesmo tempo, o CPC de 1973 não acolheu as sugestões, neste particular, do principal crítico do velho estatuto unitário. Segundo concepção então engendrada, à competência funcional, que cuidaria da distribuição de funções a diversos órgãos judiciários, dentro de um mesmo processo, contrapõe-se a competência material (em razão da matéria, do valor e do território). A competência material reparte as causas tendo em vista a lide ou a pretensão sobre a qual incidirá a jurisdição.49 Em tal linha peculiar de raciocínio, competência material não equivale à competência em razão da matéria, mas constitui gênero da qual esta é uma das espécies. E as duas classes principais poderiam ser encaradas de modo externo, indicando o juízo competente, ou interno, apontando o juízo competente.50 Essas considerações não apresentam maior importância. O NCPC evitou qualquer filiação mais definida a construções teóricas, jogando toda a matéria na Seção I – Disposições Gerais – do Capítulo I – Da Competência – do Título
III – Da Competência Interna. Tal não impede, nas exposições didáticas, a organização dessa matéria por sua natureza. É mais atual a identificação de dois vetores na distribuição da competência: o vertical e o horizontal.51 E isso, porque a lei institui diversos tipos de órgãos judiciários, configurando-os com características intrínsecas e estruturais distantes, e, nesse tipos, cria múltiplos órgãos da mesma espécie,52 permitindo a divisão geométrica, longitudinal e transversal, da competência. Nessa linha de raciocínio, a competência de “jurisdição” – entre nós, baseada na matéria e na qualidade da parte – é uma distribuição horizontal; em seguida, a competência originária dos tribunais, ou, residualmente, a competência do primeiro grau, obedecem –à distribuição vertical; no primeiro grau, outra linha, dessa vez horizontal, rege a competência territorial; na mesma vara, existindo juiz de investidura temporária, outra linha vertical, que é a competência em razão do valor, distribuiu as causas entre o juiz de direito e o pretor, auxiliada por linha horizontal, delimitando a matéria deste último. O valor dessa classificação é mais informativo do que real e prático. Importa resolver adequadamente o problema de competência. A organização do assunto sob influência de razões históricas, ou de conjuminâncias doutrinárias, muito pouco auxilia neste propósito. A exposição didática da competência interna exigirá o exame das disposições do NCPC segundo os três critérios tradicionais – competência objetiva, funcional e territorial. Em seguida, a competência instituída nas leis processuais extravagantes, incluindo os remédios constitucionais, reclama a melhor atenção concebível. As regras de competência relativas ao mandado de segurança, por exemplo, distribuem-se naquelas três primeiras classes, convindo empreender a homogeneização. Por fim, a competência segundo a função do processo – execução e cautelar – também merecerá cuidados.
Capítulo 23. COMPETÊNCIA OBJETIVA SUMÁRIO: § 89.º Competência em razão da pessoa – 387. Pessoa como elemento da competência – 388. Competência da Justiça Federal em razão dos sujeitos federais – 388.1. Causas abrangidas na competência em razão da pessoa – 388.2. Causas excluídas da competência em razão da pessoa – 388.2.1. Causas concursais – 388.2.2. Causas acidentárias – 388.2.3. Causas eleitorais – 388.2.4. Causas trabalhistas – 388.2.5. Causas de competência federal do juiz de direito – 388.3. Sujeitos incluídos na competência em razão da pessoa – 388.4. Sujeitos excluídos da competência em razão da pessoa – 388.5. Posição do sujeito federal no processo – 388.6. Controle da intervenção do sujeito federal no processo – 389. Competência da Justiça Federal nas causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País – 390. Competência da Justiça Federal nos mandados de segurança e habeas data contra atos de autoridades federais – 391. Competência dos tribunais superiores em razão da pessoa – 392. Competência da Justiça Comum em razão da pessoa – 393. Competência dos juizados especiais em razão da pessoa – 393.1. Competência em razão da pessoa nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum – 393.2. Competência em razão da pessoa dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Ordinária – 393.3. Competência em
razão da pessoa dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal comum – § 90.º Competência em razão da matéria – 394. Fonte da competência em razão da matéria – 395. Competência da Justiça Federal em razão da matéria – 395.1. Causas relativas a tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional – 395.2. Causas relativas a direitos indígenas – 395.3. Causas relativas à nacionalidade e à naturalização – 395.4. Causas relativas aos direitos humanos – 396. Competência dos tribunais superiores em razão da matéria – 396.1. Competência do STJ para julgar conflitos de competência – 396.2. Competência do STJ para julgar conflito de atribuições – 396.3. Competência do STJ para executar seus julgados – 396.4. Competência do STJ para processar e julgar rescisórias – 397. Competência dos tribunais de segundo grau em razão da matéria – 398. Competência da Justiça Comum em razão da matéria – 399. Competência dos juizados especiais em razão da matéria – 399.1. Competência em razão da matéria nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum – 399.1.1. Pretensões previstas no procedimento sumário – 399.1.1.1. Pretensões relativas ao arrendamento rural e à parceria agrícola – 399.1.1.2. Pretensão de cobrança de condômino – 399.1.1.3. Pretensão de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico – 399.1.1.4. Pretensão de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre – 399.1.1.5. Pretensão de cobrança de seguro de danos causados em acidente de trânsito – 399.1.1.6. Pretensão de cobrança de honorários de profissional liberal – 399.1.1.7. Pretensões previstas em leis extravagantes – 399.1.2. Pretensão de retomada de imóvel locado para uso próprio – 399.1.3. Pretensão possessória sobre imóveis – 399.1.4. Pretensões excluídas dos juizados especiais ordinários da Justiça Comum – 399.2. Competência em razão da matéria nos juizados especiais da Fazenda Pública da Justiça Comum (critério negativo) – 399.3. Competência em razão da matéria dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal (critério negativo) – 399.4. Competência executiva nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum – 399.4.1. Competência dos juizados especiais ordinários para executar títulos extrajudiciais – 399.4.2. Competência dos juizados especiais ordinários para executar títulos judiciais – 399.5. Competência executiva dos juizados especiais da Fazenda Pública – § 91.º Competência em razão do valor – 400. Fontes da competência em razão do valor – 401. Competência em razão do valor nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum – 402. Competência em razão do valor dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Ordinária – 403. Competência em razão do valor dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal. § 89.º Competência em razão da pessoa 387. Pessoa como elemento da competência A competência objetiva envolve três espécies: (a) em razão da pessoa; (b) em razão da matéria; e (c) em razão do valor. A primeira é a mais relevante, porque critério predominante, na seara civil, na identificação da competência da Justiça Federal. A nomenclatura do segundo código unitário, ao propósito, mostrava-se imprópria e incompleta.1 Em tempos mais remotos, a qualidade da parte ou algum atributo especial da pessoa representavam dados do maior relevo para fixar a competência. Os nobres e os integrantes do clero católico gozavam de foros privilegiados.
Desaparecendo o feudalismo, os tribunais do rei firmaram-se como os únicos a prestar jurisdição, superando a justiça dos barões e a justiça canônica. Para os fiéis da Igreja Católica, essencialmente corpo espiritual único, encabeçado por Cristo, a justiça canônica subsiste na sua plenitude. A autoridade suprema, nesta esfera, cabe ao Papa. A organização judiciária canônica decorre da autoridade do Papa. É altamente complexa e sofisticada.2 E o processo logrou disciplina minuciosa e, em mais de um aspecto, instigante. Não faltam referências, por exemplo, ao regime da coisa julgada nos estudos dedicados a esse instituto universal. Todavia, os provimentos emanados dos tribunais canônicos têm autoridade espiritual, projetando efeitos entre os fiéis, interna corporis, sem nenhum relevo na esfera civil. É paradigmático o caso da dissolução do casamento. O art. 226, § 2.º, da CF/1988 estipula que “o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei”. Ora, o art. 8.º da Lei 1.110/1950, que admite o registro civil do casamento religioso, secundada pelos arts. 1.515 e 1.516 do CC, não deixa de proclamar que “as ações, para invalidar os efeitos civis do casamento religioso, obedecerão exclusivamente aos preceitos da lei civil”. Nenhuma repercussão civil emerge da dissolução canônica do casamento. Inversamente, os clérigos recusam, peremptoriamente, a eficácia da separação e do divórcio civil. A pessoa é elemento decisivo na competência da Justiça Federal e de hipóteses de competência originária dos tribunais. As hipóteses de competência em razão da pessoa da Justiça Federal de primeiro grau localizam-se no art. 109, I, II e VII, da CF/1988. A importância maior é do art. 109, I, da CF/1988. 388. Competência da Justiça Federal em razão dos sujeitos federais Segundo o art. 109, I, da CF/1988, competirá aos juízes federais de primeiro grau processar, julgar (e executar) as causas em que figurar a União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de parte (autoras e rés), de assistentes ou de opoentes. Excepciona a regra dessa competência as seguintes causas: a falência; os acidentes do trabalho; e as causas sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. À primeira vista, turvado o panorama, porque há elementos de inclusão (v.g., a participação do sujeito federal) e fatores de exclusão (v.g., a natureza da causa, como sucede na falência), tudo se esclarece em seguida. Exame cuidadoso elucidará as questões envolvidas neste quadro pouco alvissareiro. 388.1. Causas abrangidas na competência em razão da pessoa – O juiz federal de primeiro grau, ao contrário do juiz do trabalho, é um generalista. Em decorrência da diretriz consagrada no art. 109, I, da CF/1988, fundada na qualidade da parte, o órgão judiciário federal apreciará causas civis sortidas e de índole variada. Só a natureza das coisas excepciona essa competência plena. Por exemplo, nenhuma das pessoas jurídicas arroladas no art. 109, I, da CF/1988 pretenderá o… divórcio… Ações dessa natureza são estranhas à competência em razão da pessoa. Mas, por estranho que pareça, a União já ajuizou ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva, fundada em convenção internacional – hipótese, de resto, doravante contemplada no art.
33 do NCPC –, o STJ reconheceu a competência da Justiça Federal, com fundamento no art. 109, I, da CF/1988.3 Fora daí, não há limites à competência, que é geral e irrestrita, limitada em razão da pessoa. O emprego da palavra “causa” não restringe, indiretamente que seja, o alcance do inc. I do art. 109. Os feitos de jurisdição voluntária, nos quais, segundo o errôneo entendimento prevalecente, inexistirá “causa” no sentido técnico, entram na órbita da competência federal.4 Exemplos mostram-se abundantes. Não se descarta, absolutamente, a pretensão da União à alienação da coisa comum (art. 725, IV), porque há muitos bens públicos dominicais. À Justiça Federal cabe processar a justificação, por definição medida sem caráter contencioso (art. 381, § 5.º),5 destinada a instruir pedidos administrativos perante as pessoas jurídicas arroladas no inc. I do art. 109, conforme proclama a Súmula do STJ, n.º 32. Feitos relativos à movimentação de fundos em nome do trabalhador, exceto quando há reclamatória, também ingressam na órbita da disposição (Súmula do STJ, n.º 82). Se houver falecimento, todavia, a movimentação desses fundos há de ser pleiteada na Justiça Ordinária, em razão da sucessão (Súmula do STJ, n.º 161). 388.2. Causas excluídas da competência em razão da pessoa – O art. 109, I, da CF/1988 menciona, explicitamente, os processos de falência e de acidentes do trabalho como excluídos da competência da Justiça Federal. Em seguida, menciona, genericamente, os feitos inseridos nas competências (em razão da matéria) da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho. 388.2.1. Causas concursais – A falência é uma modalidade de execução universal, ou coletiva, cujo sujeito passivo é o empresário, decorrente da insolvência do devedor. Em geral, o processo envolve créditos tributários da União e contribuições previdenciárias devidas ao INSS, que é autarquia federal. As empresas públicas federais eventualmente têm créditos sujeitos à execução coletiva. Nada obstante, o processo de falência corre na Justiça Comum. As dificuldades do custoso procedimento falimentar sugeriram, ademais, a criação de varas especializadas (competência por matéria), nas grandes comarcas. Os resultados dessa experiência mais perturbam o imaginário popular do que convencem os profissionais engajados na falência. Em outros Estados-membros, ao invés, o assunto é confiado à competência comum das varas cíveis. O art. 187 do CTN, no tocante aos créditos tributários, e o art. 29 da Lei 6.830/1980, relativamente à dívida ativa da Fazenda Pública, declaram tais créditos não sujeitos a concurso de credores ou a habilitação em falência ou insolvência. Por esse motivo, pode acontecer de a Fazenda Pública Federal, ou o INSS, executar os respectivos créditos antes ou depois da quebra. Neste último caso, conforme a Súmula do extinto TFR, n.º 44, resta à exequente averbar a constrição no rosto dos autos do processo de falência (art. 860); no primeiro, feita a penhora, a execução prosseguirá normalmente, mas o dinheiro penhorado ou o produto da alienação dos bens (art. 904, I) passará ao juízo universal,6 que o distribuirá na forma do art. 83 da Lei 11.101/2005.
O fundamento desse entendimento é intuitivo. Nada obstante a lei declarar a Fazenda Pública indiferente ao concurso, o seu crédito não se situa em primeiro lugar, no concurso, preferindo-lhe o crédito trabalhista. Em tal contingência, só o juiz do concurso pode realizar a distribuição do dinheiro.7 A ressalva do art. 109, I, da CF/1988 atinge outras execuções coletivas. No concurso especial de credores, provocado pela penhora do mesmo bem por dois ou mais exequentes (art. 908, caput), e no qual se presume a solvência do executado comum, o exercício da pretensão à quota cabível no dinheiro penhorado ou no produto da alienação dos bens (art. 905, caput), não desloca a competência para a Justiça Federal (Súmula do STJ, n.º 270). Também a insolvência civil escapa da competência da Justiça Federal. Decretada a liquidação extrajudicial de instituição financeira ou cooperativa de crédito, por ato do Banco Central, que é autarquia federal, e designa o liquidante, as ações em que este figurar como parte são de competência da Justiça Federal.8 388.2.2. Causas acidentárias – Caracteriza-se o acidente do trabalho, na definição do art. 19, caput, da Lei 8.213/1991, quando há dano à pessoa derivado de evento ocorrido no exercício do trabalho a serviço da empresa ou de segurado do INSS. Nesta matéria, há duas pretensões: (a) a que busca o benefício previdenciário a cargo do INSS; e (b) a que pretende a indenização do empregador, conforme se deduz do art. 7.º, XXVIII, da CF/1988. À parte o tratamento anterior, ultrapassado na EC n.º 45/2004, o art. 114, VI, da CF/1988 passou à Justiça do Trabalho “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação do trabalho”. Por razões de política judiciária, o STF manteve na Justiça Comum os processos iniciados anteriormente à vigência daquela disposição constitucional.9 Não resta dúvida, portanto, quanto à competência trabalhista para processar as pretensões baseadas no acidente do trabalho, a especial (ou previdenciária) e a comum, de um empregado de empresa pública federal – v.g., a Caixa Econômica Federal (CEF) –, por exemplo. A formulação da pretensão pelos sucessores do empregado não retira a competência da Justiça do Trabalho.10 Os servidores públicos federais têm regime jurídico único e, via de regra, não se filiam ao regime geral da previdência (INSS), exceto nos cargos em comissão e, em tese, os que ingressaram após a EC n.º 20/1998. No caso dos servidores estatuários exercerem a pretensão do art. 114, VI, da CF/1988, o STJ aplica a Súmula do STF, n.º 501, e declara competente a Justiça Comum para julgar as pretensões dos servidores públicos federais.11 É flagrante a inconsistência dessa orientação. Se inexiste competência da Justiça do Trabalho, como se torna inevitável no caso dos empregados públicos federais, ou seja, os servidores posteriores à EC n.º 20/1998,12 porque não filiados ao regime estatutário, a presença da União (ou de autarquia federal) atrai a competência em razão da pessoa da Justiça Federal. A única Justiça manifestamente incompetente é a Justiça Comum.
A revisão dos benefícios previdenciários concedidos na ação do empregado, ou dos seus sucessores, compete à Justiça do Trabalho. O argumento que as ações revisionais não discutem o acidente em si, mas pleiteiam índices gerais, jamais impressionou o STJ, que declarava a competência da Justiça Comum, e, não, da Justiça Federal, sem embargo da posição de ré da autarquia previdenciária federal.13 A divergência inicial do STJ ficou superada e a corte alinhou-se ao STF.14 A lógica indica que, após a EC n.º 45/2004, tais ações passem à competência da Justiça do Trabalho. 388.2.3. Causas eleitorais – As causas eleitorais (v.g., alistamento eleitoral, arguição de inelegibilidades, o processamento e apuração das eleições, a diplomação dos eleitos, e assim por diante), porque afetas à episódica Justiça Eleitoral, passam ao largo da Justiça Federal. À Justiça Federal, entretanto, competiria realizar o controle dos atos administrativos emanados da Justiça Eleitoral e alheios a tal matéria.15 Essa competência é irrecusável, porque os servidores da Justiça Eleitoral são servidores públicos. A única ressalva admissível desponta nas causas acidentárias, que competem à Justiça do Trabalho. No entanto, o art. 22, I, e, e o art. 29, I, e, da Lei 4.737/1965 só atribuem competência à Justiça Eleitoral para processar mandados de segurança em matéria eleitoral. Ora, a competência para processar e julgar mandado de segurança contra os atos administrativos praticados por órgão da Justiça Eleitoral, originária ou recursal, é dessa própria Justiça, nos termos do art. 21, VI, da LC 35/1979. E isso, porque a competência (originária ou recursal), no mandado de segurança, decorre da função da autoridade apontada como coatora.16 Supre as lacunas o mencionado dispositivo da lei complementar.17 A competência da Justiça Eleitoral encerra-se, em princípio, com a diplomação dos eleitos.18 Desse modo, litígios envolvendo a extinção do mandato eletivo,19 por fatos posteriores àquele termo, ingressam em outra esfera de competência. Por exemplo, o controle judiciário da cassação do prefeito, em virtude de infrações político-administrativas (impeachment), é da Justiça Comum. 388.2.4. Causas trabalhistas – A competência da Justiça do Trabalho agigantou-se após a EC n.º 45/2004, na esteira da feliz empreitada corporativa para evitar-lhe a extinção, eficiente e inteligentemente elidida com a tática de aumentar-lhe as atribuições constitucionais. Extinguiu-se o movimento em prol da incorporação à Justiça Federal, sem a especialização, graças ao desprestígio da onda liberal, comprometido por magna crise do capitalismo financeiro. A Justiça do Trabalho subtrai a competência em razão da pessoa da Justiça Federal nas seguintes hipóteses: (a) litígios (individuais e coletivos) fundados em relações de trabalho (não a estatutária) em que figure como parte os entes da administração direta e indireta da União (art. 114, I, da CF/1988); (b) litígios decorrentes dos acidentes do trabalho, figurando como parte os empregados públicos ou empregados da administração direta e indireta da União (art. 114, VI, da CF/1988); (c) litígios relativos às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações do trabalho (art. 114, VII, da CF/1988); (d) a
execução de contribuições sociais, previstas no art. 195, I, a e II, da CF/1988 e seus acréscimos, decorrentes dos provimentos emitidos em favor de empregados (art. 114, VIII, da CF/1988). E, consoante a Súmula do STF, n.º 736, compete a Justiça do Trabalho processar e julgar as causas individuais e coletivas que envolvem as regras de segurança, de higiene e de saúde dos trabalhadores. A ambígua expressão “relações de trabalho”, substituta da antiga fórmula “relações de emprego” na Constituição, sugeriu que o art. 114, I, da CF/1988, adotando o gênero, do qual simples espécie o emprego, ampliou a competência da Justiça do Trabalho para julgar os litígios em que figure como parte servidores públicos, no caso os federais, bem como os litígios civis (v.g., contratos de profissionais liberais; contratos de agência e distribuição, e assim por diante). Ora, os servidores públicos da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, na administração direta e indireta, entretêm um vínculo muito particular com a pessoa jurídica de direito público, governado por princípios completamente diferentes dos que inspiram e permeiam relações de emprego na iniciativa privada. Enquanto nesta predomina o princípio do fato, que enseja o direito respectivo, na relação estatuária impera o princípio da legalidade, motivo por que o fato (v.g., o trabalho em situação de risco à saúde) é condição necessária, mas insuficiente à outorga do direito, que precisa ser objeto de lei em sentido formal (municipal, estadual ou federal, conforme o caso). Sem lei específica, emanada da pessoa jurídica de direito público que estabelece os termos da relação com seus servidores, outorgando a gratificação por risco à saúde, naquele cargo e naquelas condições, fixando, ademais, o seu valor e os requisitos de percepção, o servidor público não tem direito algum, apesar de labutar em situação de risco. Essa marcante diferença de princípios conduziu o STF a negar competência à Justiça do Trabalho nos litígios entre pessoas jurídicas de direito público e servidores jungidos ao regime estatutário.20 O julgado inclui os servidores temporários21 e os ocupantes de cargos em comissão.22 A lei estatutária pode ser anterior ou posterior à CF/1988.23 Fica consignada, por oportuno, a competência da Justiça Comum para julgar litígios sobre contratos de profissionais liberais (v.g., o do advogado)24 e demais contratos civis, como a representação comercial.25 388.2.5. Causas de competência federal do juiz de direito – O art. 109, § 3.º, da CF/1988, c/c art. 15 da Lei 5.010/1966 outorga competência federal para os órgãos judiciários da Justiça Comum para processar e julgar as causas previdenciárias, e quaisquer outras, na forma da lei ordinária, inexistindo no domicílio do autor vara federal. É competência em razão da matéria, mas há um caso peculiar que merece menção. Eliminado o procedimento especial da ação de usucapião, o art. 246, § 3.º, prevê a citação dos confinantes, salvo quando o imóvel for unidade autônoma em condomínio horizontal. Em tal hipótese, figurando a União como ré, porque titular de imóvel confrontante com o objeto da ação, a competência passará à Justiça Federal, por incidência do art. 109, I, da CF/1988. O art. 4.º,
§ 1.º, da Lei 6.969/1981, tratando-se de usucapião especial (urbano e rural), preserva a competência do órgão judiciário da Justiça Comum do lugar de situação do imóvel, inexistindo no lugar vara federal. É o que dispõe a Súmula do STJ, n.º 11. Essa regra se harmoniza com a parte final do § 3.º do art. 109 da CF/1988, baseando-se no interesse social em regularizar de modo rápido e seguro o título de domínio dessas áreas. Por óbvio, a exceção revela-se insuscetível de ampliação às demais modalidades de usucapião. 388.3. Sujeitos incluídos na competência em razão da pessoa – O art. 109, I, identifica as pessoas jurídicas cuja participação no processo insere a causa na competência da Justiça Federal. Em primeiro lugar, há a União. Sucede de o adversário confundir a pessoa jurídica com seus órgãos, indicando para o polo passivo algum Departamento ou Ministério. Fenômeno idêntico ocorre no âmbito municipal. Em vez de demandar o Município, o autor promove a demanda contra a Prefeitura, que é o prédio onde se localiza o Executivo municipal. Esses equívocos se mostram irrelevantes, nem sequer exigindo emenda da inicial. Cumpre assinalar que, na execução dos créditos inscritos em dívida ativa, o uso da expressão Fazenda Pública Federal é corrente e aceitável. As autarquias surgiram da necessidade de descentralizar os serviços administrativos. São criadas por lei, gozam de autonomia administrativa e operacional, mas submetem-se ao controle político e institucional da União. O art. 5.º, I, do Dec.-lei n.º 200/1967 conceitua as autarquias federais. Classificam-se de várias maneiras, tipos escondidos sob siglas mais ou menos sugestivas, e abrangem os conselhos profissionais, as universidades, as agências reguladoras, e assim por diante.26 Em particular, os conselhos profissionais, que exercem poder de polícia, suscitaram controvérsias. A Súmula do STJ, n.º 66, estabeleceu a competência da Justiça Federal para processar e julgar as execuções fiscais movidas por tais entidades. O art. 58, caput, da Lei 9.649/1998 preceituou que os conselhos exerceriam essa atividade fiscalizadora em caráter privado, por delegação do poder público. No entanto, o STF declarou a inconstitucionalidade dessa regra, porque transferiu à iniciativa privada atividades estatais indelegáveis, ou seja, os poderes de polícia, de punir e de tributar.27 Assim, a competência remanesceu na órbita da Justiça Federal. Eis o motivo por que o art. 45, caput, do NCPC, menciona os “conselhos de fiscalização da atividade profissional”, disciplinando as consequências em caso de intervenção voluntária ou quando figurarem como parte. É competente a Justiça Federal para processar, julgar (e executar) as ações movidas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ou contra essa entidade de classe, que é autarquia sujeita a um regime assaz especial – não se subordina a órgão público algum.28 Essa ausência de liame entre a OAB e a administração pública, colocando a entidade de classe numa posição singular na estrutura do Estado, todavia mostra-se formal e materialmente necessária, em virtude de sua função constitucional privilegiada (art. 133 da CF/1988). Também compete à Justiça Federal as ações em que figurar como parte a Caixa de Assistência dos Advogados.29
A Fundação Habitacional do Exército equipara-se às autarquias, e, portanto, compete à Justiça Federal processar e julgar as causas em que figurar como parte (Súmula do STJ, n.º 324). Às autarquias equiparam-se, para os efeitos do art. 109, I, da CF/1988, as fundações públicas, a despeito de a lei outorgar personalidade de direito privado à fundação.30 Por exemplo, a ação movida por servidor de fundação pública federal, pleiteando indenização, insere-se no dispositivo.31 A principal fundação pública é a FUNAI, responsável pela assistência aos indígenas.32 Em outra oportunidade, porém, o STJ declarou competente a Justiça Comum, porque as fundações de apoio à universidade pública têm personalidade de direito privado.33 As empresas públicas têm personalidade de direito privado, mas o capital é exclusivamente público. O exemplo mais conspícuo é a Caixa Econômica Federal (CEF), empresa de banco, atraindo a competência da Justiça Federal para os negócios bancários. Por exemplo, nas ações relativas ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que financiou a aquisição da casa própria para milhões de brasileiros, através de bancos privados, e que abrangem demandas de vários tipos (v.g., a “revisional” do contrato), a CEF tem legitimidade, proclamou a Súmula do STJ, n.º 327. O art. 109, I, da CF/1988 não distingue a natureza da causa ou especifica a espécie de processo, individual ou coletivo, e o tipo de procedimento, comum ou especial. É indiferente, ainda, o título da participação no processo (parte, assistente ou opoente). Em princípio, bastará a inserção de alguma das pessoas jurídicas mencionadas para atrair a competência da Justiça Federal.34 É peculiar o caso do mandado de segurança. A competência (originária ou recursal), neste remédio processual, subordina-se à posição hierárquica da autoridade coatora na administração pública. Se um dos sujeitos federais impetra mandado de segurança contra ato de órgão judiciário da Justiça Comum, não deverá fazê-lo na Justiça Federal, apesar do disposto no art. 109, I, da CF/1988, e, sim, perante o TJ ao qual se subordina o juiz. Impetrado mandado de segurança contra ato de juiz de direito por sujeito federal, o STF reconheceu a competência da Justiça Federal de primeiro grau, aplicando, por analogia, o art. 108, I, c, da CF/1988.35 O STJ orientou-se na mesma linha.36 O fundamento correto, porém, deriva da remissão do art. 125, § 1.º, da CF/1988. Esse dispositivo incorpora as hipóteses em que a Constituição do Estado-membro erige a competência originária do TJ. Evidentemente, as cartas locais contemplam, nesta competência, a impetração contra atos dos juízes subordinados, como prerrogativa da sua função.37 O problema não se esgota neste caso. Concebe-se, por igual, a impetração de mandado de segurança contra ato de desembargador ou de órgão fracionário do TJ por um dos sujeitos federais. A organização judiciária brasileira não oferece solução satisfatória: de um lado, o conhecimento dessa impetração não cabe ao STJ, porque inexiste previsão a respeito no art. 105 da CF/1988 (Súmula do STJ, n.º 41), como já o fizera o STF (Súmula do STF, n.º 330); de outro, as cartas estaduais – única fonte legítima de competência
originária do TJ, a teor do art. 125, § 1.º, da CF/1988 – relutam em admitir a impetração no próprio TJ, tornando-o órgão revisor de si mesmo. O STJ supre a lacuna com o art. 21, VI, da LC 35/1979 e atribui competência ao TJ.38 Por analogia, se sujeito federal impetrar o mandado cogitado, a competência não é da Justiça Federal, de primeiro ou de segundo grau, mas do TJ respectivo. A intervenção ulterior do sujeito federal não deslocava a competência;39porém, é preciso considerar o singular regime do art. 45, objeto de comentários mais adiante. É digno de nota que o STJ, apesar da previsão expressa do art. 105, II,b, in fine, da CF/1988, em geral recusa a impetração contra seus próprios acórdãos ou contra ato de ministro.40 388.4. Sujeitos excluídos da competência em razão da pessoa – As ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) não se inserem, necessariamente, na competência da Justiça Federal por duas razões: (a) o catálogo do art. 109 é exaustivo, e, destarte, não comporta interpretação extensiva, a presença dessa instituição – de resto, ausente do rol do art. 109, I, da CF/1988 –, gerando, por si só, a competência da Justiça Federal; (b) as atribuições constitucionais do MPF extrapolam a competência natural da Justiça Federal, como se observa no art. 37, II, da LC 75/1993, segundo o qual os agentes exercerão suas atribuições “nas causas de quaisquer juízes e tribunais”.41 Nada aponta a limitação do Ministério Público do Estado-membro à respectiva Justiça Comum ou o MPF à Justiça Federal. Restaria sem explicação convincente, ou se introduziria restrição indébita na figura, o litisconsórcio entre Ministérios Públicos,42 no polo ativo da ação civil pública, previsto art. 5.º, § 5.º, da Lei 7.347/1985.43 A esse respeito, mostra-se expresso o art. 27, § 1.º, da Lei 9.966/2000, que determina à ProcuradoriaGeral da República instar o Ministério Público dos Estados à propositura conjunta da ação, no caso de poluição por óleo e outras substâncias nocivas, em águas nacionais.44 Eventualmente, e talvez até como regra, considerando as preocupações institucionais, o MPF moverá ação civil pública contra as pessoas mencionadas no art. 109, I, da CF/1988. Nesta hipótese, mas por razão diversa, a Justiça Federal processará e julgará a demanda coletiva. Não entende dessa maneira a jurisprudência do STJ. Primeiro, estima que o interesse federal prepondera sobre o local, e, portanto, a União não se submete à Justiça Comum, mas os Estados podem ser demandados na Justiça Federal. Portanto, o Ministério Público do Estado-membro não tem legitimidade para propor ação civil pública em prol de interesse federal, não podendo demandar em conjunto com o MPF, nem ingressar como assistente.45 Segundo, proposta a ação civil pública pelo MPF, inclusive para negar-lhe legitimidade e versando interesses locais, a competência é da Justiça Federal.46 Por sua vez, o STF examinou, incidentalmente, o problema da demarcação da competência de segmentos do Ministério Público. Enfrentou a inconstitucionalidade do art. 66, § 1.º, do CC, regra que atribuiu ao Ministério Público Federal a fiscalização das fundações sediadas no Distrito Federal. Segundo o STF, a regra “peca, a um só tempo, por escassez e por excesso”: de um lado, há funções públicas cuja sede não é o Distrito Federal, mas sua
fiscalização é do Ministério Público Federal; de outro, há fundações privadas que escapam à fiscalização do Ministério Público Federal, apesar de sediadas no Distrito Federal. O fundamento desse raciocínio consiste no fato que a repartição de atribuições de cada corpo do Ministério Público “corresponde substancialmente à distribuição de competência entre Justiças da União e dos Estados e do Distrito Federal”.47 Convém acrescentar que a simples presença do MPF, no processo, já implica a competência da Justiça Federal, a qual incumbe pronunciar-se a respeito da respectiva atribuição para mover a ação civil pública, e, se for o caso, extinguir o processo por ilegitimidade ativa, salvo se houver litisconsórcio, na forma do art. 5.º, § 5.º, da Lei 7.347/1985. E ao Ministério Público dos Estados-membros e do Distrito Federal compete, residualmente, mover ação civil pública para tutelar todo e qualquer interesse que não for da atribuição do MPF.48 As sociedades federais de economia mista – por exemplo, o Banco do Brasil (BB), objeto da Súmula do STF, n.º 508; a Petrobras e a Rede Ferroviária Federal –,49excluem-se da competência em razão da pessoa prevista no art. 109, I, da CF/1988 (Súmula do STF, n.º 556; Súmula do STJ, n.º 42). Só a intervenção dos sujeitos federais, a outro título, alicia a competência da Justiça Federal (Súmula do STF, n.º 517). Convém recordar que alguns dispositivos legais, constrangendo a União a intervir como assistente (v.g., o art. 70 da Lei 5.010/1996), não foram recepcionados pela CF/1988.50 Desse modo, a intervenção dependerá do preenchimento dos pressupostos legais (v.g., a demonstração de interesse jurídico ou de relevante interesse econômico). 388.5. Posição do sujeito federal no processo – À incidência do art. 109, I, da CF/1988 mostra-se indiferente, como assinalado há pouco, a posição processual ocupada por pessoas jurídicas de direito público que atraem a competência federal. Exemplificativamente, a regra constitucional indica a posição de autor, réu, assistente e opoente para o sujeito federal. Não há dúvida que, figurando no processo alguma das pessoas arroladas no art. 109, I, da CF/1988, como parte inicial (autor e réu), em litisconsórcio ou não, a competência é da Justiça Federal. Por óbvio, a União demandará na Justiça Federal e, inversamente, o adversário da União provocará o órgão judiciário federal. O litisconsórcio pode ser ativo (v.g., a União e a CEF demandam A) e passivo (v.g., A demanda a União e a CEF); inicial ou ulterior (art. 115, parágrafo único). Nesta última hipótese, ingressando um dos sujeitos federais como litisconsorte em processo pendente, quer no polo ativo, quer no passivo, nos polos ativo ou passivo, e tramitando a causa na Justiça Comum, deslocarse-á, incontinenti, a competência para a Justiça Federal, por determinação judicial. A oposição representa modalidade de intervenção pouco utilizada na prática. Não há motivo para, mencionando-a o art. 109, I, da CF/1988, subentender-se a exclusão dos modos mais comuns de intervenção de terceiros previstos no CPC: a nomeação à autoria, a denunciação da lide e o chamamento ao processo.51Dependerá do preenchimento das respectivas
hipóteses de cabimento. A simples denunciação da lide da União, por exemplo, já desloca a competência para a Justiça Federal (Súmula do STJ, n.º 150), cabendo ao juiz federal apreciar a questão. Rejeitada a denunciação, restituem-se os autos à Justiça de origem,52 conforme reza a Súmula do STJ, n.º 224. No tocante à assistência, ocorreram controvérsias de vulto. O STF assentou, em primeiro lugar, que a presença de interesse do sujeito federal (obviamente, jurídico) não constitui razão bastante para deslocar a competência. É preciso que o sujeito federal pretenda ingressar no processo pendente, na qualidade de assistente, e, concretamente, tome essa iniciativa. Essa orientação se deduz da Súmula do STF, n.º 250 e n.º 251, verbetes anteriores à organização da Justiça Federal de primeiro grau. Em seguida, entendeu-se que não basta a intervenção em si, desacompanhada daquele interesse: à União cabe alegar e provar o interesse jurídico.53 Essa decisão se respalda na disposição concernente ao cabimento da assistência (art. 119, caput, do NCPC). Como quer que seja, consolidou-se a admissibilidade da assistência ad adjuvandum tantum,54 dispensada a litisconsorcial. No entanto, os precedentes que ensejaram a edição do verbete n.º 218 da Súmula do STF já demonstravam, segundo diagnóstico clarividente e preciso, que a intervenção da União, na desapropriação promovida por empresa concessionária de energia elétrica, era unicamente econômico.55 E, com efeito, litígios há que provocarão reflexos profundos no erário. Sobreveio, então, o art. 5.º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997, permitindo às pessoas jurídicas de direito público, “nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito”. A consagração dessa intervenção “anômala” gerou compreensível resistência.56 O STJ firmou posição que, ocorrendo a intervenção, o processo somente deslocar-se-á para a Justiça Federal se, concomitante, houver a demonstração de interesse jurídico.57 A intervenção “anômala” seguirá, quanto ao procedimento, o regime da assistência comum (arts. 119 a 123 do NCPC), ressalva feita à óbvia desnecessidade de alegar e de provar o propalado interesse jurídico. Essas considerações explicam o regime instituído no art. 45 do NCPC, inspirado na Súmula do STJ, n.ºs 150, 224, 254, 270 e 365. A competência se transladará do juízo da Justiça Comum para a Justiça Federal, em virtude da intervenção da União, de empresa pública federal, de autarquias e de fundações federais, ou de conselho de fiscalização profissional, assumindo a posição de parte principal ou de parte auxiliar (assistente), segundo o art. 45, caput, salvo: na recuperação judicial, falência, insolvência civil e causas acidentárias (inc. I); e nos processos eleitorais e trabalhistas (inc. II). Não haverá deslocamento no caso de intervenção do amicus curiae (art. 138, § 1.º), salvo disposição em contrário, equiparando-a à assistência (infra, 832). Ao juízo federal compete examinar a admissibilidade da intervenção, restituindo o processo ao juízo comum caso o sujeito federal seja excluído do processo (art. 45, § 3.º). Porém, o motivo da intervenção, relativamente ao objeto litigioso, pode ser parcial. Nesse caso, inexiste necessidade de remessa (art. 45, § 2.º), mas o órgão judiciário da Justiça Comum não apreciará o mérito do pedido em que houver interesse do sujeito federal.
É manifesto não se aplicar o art. 45 às causas iniciadas com sujeito federal num dos polos da relação processual. Disciplina apenas a intervenção ulterior do sujeito federal nas causas pendentes na Justiça Comum. 388.6. Controle da intervenção do sujeito federal no processo – Figurando o sujeito federal, desde o início, no processo, como autor ou réu, havendo litisconsórcio ou não, o processo tramitará, originalmente, na Justiça Federal. Se, por lapso, o adversário da União pretender demandá-la na Justiça Comum, o juiz de direito declarará a incompetência absoluta, ex officio, e remeterá os autos ao juiz federal competente, a teor do art. 64, § 1.º, do NCPC. Pode acontecer de o ingresso do sujeito federal ocorrer no curso do processo, seja por via de intervenção voluntária (v.g., a assistência), seja por força de intervenção provocada (v.g., denunciação da lide), em tramitação na Justiça Comum. Não cabe ao órgão judiciário da Justiça Comum examinar o cabimento dessas intervenções. A competência deslocar-se-á, incontinenti, para a Justiça Federal, na forma preconizada pelo art. 45, caput, e § 3.º, do NCPC. É o que prescreve, outrossim, a Súmula do STJ, n.º 150, in verbis: “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”. Fica dispensada a remessa dos autos à Justiça Federal, e, conseguintemente, o obrigatório pronunciamento do juiz federal acerca da admissibilidade da intervenção, em duas hipóteses estritas: (a) a intervenção “anômala” da União, baseada em interesse econômico (art. 5.º, parágrafo único, da Lei 9.469/1997), sem demonstração de interesse jurídico, hipótese em que o processo continuará tramitando no juízo original, haja vista a finalidade da intervenção (esclarecimento das questões de fato e de direito); (b) a existência de competência federal do juiz de direito, porque no lugar do domicílio dos segurados do INSS inexiste vara federal, ou nas demais causas previstas em lei (v.g., a execução movida pela Fazenda Pública Federal no domicílio do contribuinte, a teor do art. 15, I, da Lei 5.010/1966), conforme o art. 109, § 3.º, da CF/1988, hipótese em que o juiz de direito tem competência para decidir sobre a admissibilidade da intervenção. É bem de ver que, no último caso, a competência recursal é do TRF da região.58 O deslocamento obrigatório do processo para o juiz federal decidir acerca do cabimento da intervenção do sujeito federal, nos termos preconizados pela Súmula do STJ, n.º 150, pressupõe competência em razão da pessoa. Tratando-se, ao invés, de competência em razão da matéria, o juízo incompetente (v.g., o juiz de direito em causa trabalhista) é competente para rejeitar ou acolher a própria incompetência. Por vezes, o órgão judiciário da Justiça Comum desrespeita a competência federal e decide a questão relativa à admissibilidade da intervenção dos sujeitos federais ou, a despeito da intervenção de uma dessas pessoas no processo, julga o mérito da causa. Em tal hipótese, a competência recursal, para pronunciar o vício dos atos decisórios, por força da incompetência absoluta (art. 64, § 1.º, do NCPC), tocará ao TJ respectivo. Essa orientação se observa na Súmula do STJ, n.º 225, apesar de tratar da Justiça do Trabalho, e, especificamente, na Súmula do STJ, n.º 55, que reza:
“Tribunal Regional Federal não é competente para julgar recurso de decisão proferida por juiz estadual não investido de jurisdição federal”. E, mantendo o órgão fracionário do TJ a sentença, e falhando o controle jurisdicional, resta ao sujeito federal a rescisória, fundada no art. 966, II, do NCPC, competindo ao TJ processar e julgá-la.59 Essa questão desdobra-se na hipótese de intervenção tardia do sujeito federal, ou seja, após a prolação da sentença. O assistente recebe a causa “no estado em que se encontre” (art. 119, parágrafo único, do NCPC). Compete ao TJ anular a sentença, julgando eventual recurso, e remeter a causa à Justiça Federal. 389. Competência da Justiça Federal nas causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País O art. 109, II, da CF/1988, prevê a competência da Justiça Federal para processar e julgar as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado; e Município, ou pessoa domiciliada ou residente no País, de outro. Litígios entre o Estado estrangeiro, ou organismo internacional, e a União, os Estadosmembros, o Distrito Federal e os Territórios, tocam ao STF (art. 102, I, e, da CF/1988). Essa competência em razão da pessoa tem utilidade, por exemplo, nas controvérsias entre organismos financeiros internacionais e Municípios, relativas a dívidas contraídas por estes, ou nas lides em que pessoa natural ou jurídica pleiteie indenização. Esvaziou-se, em parte, a disposição com a competência atribuída à Justiça do Trabalho para processar e julgar litígios trabalhistas em que figure como parte as pessoas de direito público externo (art. 114 da CF/1988). Elas formavam a grande massa das lides integradas à rubrica na vigência da Constituição anterior. Por outro lado, implicitamente compete à Justiça Comum, embora figure como parte na causa o Estado estrangeiro ou organismo internacional, os concursos (retro, 388.1.2.1).60 390. Competência da Justiça Federal nos mandados de segurança e habeas data contra atos de autoridades federais É competente a Justiça Federal para processar, julgar (e executar) os mandados de segurança e os habeas data impetrados contra atos ilegais e abusivos das autoridades federais, ressalvados os de competência originária do TRF (art. 109, VIII, da CF/1988). Por óbvio, também impende ressalvar a competência originária, em razão da pessoa, do STF (v.g., contra atos do Presidente da República) e do STJ (v.g., contra atos do Ministro de Estado). A competência originária do TRF alcança as impetrações contra atos do próprio Tribunal, não distinguindo entre os atos administrativos e jurisdicionais, e os praticados por juízes federais de primeiro grau (art. 108, I, c, da CF/1988). No mandado de segurança, a competência decorre da qualidade da autoridade apontada como coatora, que há de ser federal, segundo o dispositivo constitucional. É preciso interpretar com largueza o dispositivo, na forma preconizada no art. 5.º, LXIX, da CF/1988. Considera-se federal, para
os fins da regra, o servidor público e o agente político investido em cargo federal, assim como a pessoa natural ou jurídica com atribuição (federal) delegada pelo Poder Público. O art. 1.º, § 1.º, da Lei 12.016/2009 reputa autoridade “os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições”. E federal é a autoridade, segundo o art. 2.º da Lei 12.016/2009, repercutindo patrimonialmente o ato na União ou entidade por ela controlada. Era manifesto que a noção de delegação, de um lado, e a de repercussão patrimonial na União e suas autarquias, constante no texto anterior, revelamse insuficientes. As pessoas jurídicas integrantes da administração indireta, como as sociedades de economia mista, as empresas públicas e as funções públicas, embora dotadas de personalidade de direito privado, submetem-se ao regime público no recrutamento de pessoal, a teor do art. 37, caput, da CF/1988. Os atos praticados no concurso público ensejam a impetração de mandado de segurança, e, a fortiori, de habeas data. O art. 2.º da Lei 12.016/2009 deu um passo adiante, aludindo às entidades controladas pela União. Por óbvio, as empresas públicas e as fundações públicas inserem-se, como já examinado (retro, 388.1.3), na hipótese do art. 109, I, da CF/1988, que não distingue a natureza do remédio processual. Porém, se o concurso for organizado por sociedade de economia mista federal, a exemplo do Banco do Brasil (BB), forçoso o conhecimento da impetração pelo juiz federal.61 Controverteu-se a competência para apreciar mandado de segurança contra ato colegiado presidido por Ministro de Estado. A Súmula do STJ, n.º 177, declarou a incompetência originária do STJ, pulverizando o problema de competência no primeiro grau da Justiça Federal. 391. Competência dos tribunais superiores em razão da pessoa A prerrogativa de função fixa a competência em razão da pessoa, na área federal civil, nos tribunais superiores. Ao STF compete processar e julgar, originariamente, as seguintes causas civis: (a) os mandados de segurança e os habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio STF (art. 102, I, d, da CF/1988); (b) as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território (art. 102, I, e); (c) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta (art. 102, I, f); (d) o mandado de injunção, nos casos contemplados no art. 102, I, q, da CF/1988; (e) as ações contra o CNJ e contra o CNMP (art. 102, I, r). Essa competência, estritamente civil, amplia-se com o controle concentrado da constitucionalidade, cujos remédios repercutem na mesma esfera. Por sua vez, ao STJ compete processar e julgar, originariamente: (a) os mandados de segurança contra atos de Ministro do Estado e dos
comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica (art. 105, I, b); (b) os mandados de injunção, nos casos prescritos no art. 105, I, h, da CF/1988. 392. Competência da Justiça Comum em razão da pessoa A competência em razão da pessoa estabelece várias hipóteses de competência originária do TJ e, nas grandes comarcas, existindo varas privativas da Fazenda Pública, no primeiro grau. A competência originária do TJ subordina-se à disposição da carta do Estado-membro (art. 125, § 1.º, da CF/1988). A prerrogativa de função conduz ao TJ a competência para processar e julgar mandados de segurança contra atos dos juízes de grau inferior e dos agentes do Ministério Público, e, por simetria com o modelo federal, de outras autoridades estaduais gradas, como o Governador, a Mesa da Assembleia Legislativa, o Procurador-Geral do Estado e o Procurador– Geral de Justiça. Não há diferenciação entre atos administrativos e jurisdicionais. E o rol revela-se taxativo, motivo por que, ausente a autoridade da previsão constitucional, a competência é do juiz de direito.62 É significativa, por exemplo, a omissão do Defensor-Geral do Estado no art. 95, XII, da CE/1989RS. A competência para processar e julgar a impetração contra atos dessa autoridade é do juiz de primeiro grau. Não cabe mandado de segurança, omissa a carta, contra atos do próprio tribunal e dos seus integrantes. O art. 21, VI, da LC 35/1979 é incompatível com a remissão do art. 125, § 1.º, da CF/1988. Todavia, como já assinalou, o STJ admite o mandado de segurança com fundamento neste dispositivo. Os Estados-membros, suas autarquias e empresas públicas, não gozam de foro privativo. Mas, respeitadas as regras da competência territorial, mostra-se lícita a criação, na lei de organização judiciária, de varas privativas para os feitos da Fazenda Pública estadual ou municipal. Diz a Súmula do STJ, n.º 206: “A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo”. Por exemplo, se alguém propõe ação imobiliária fundada em direito real contra o Estado, a competência é do foro da situação da coisa, a teor do art. 47 do NCPC, que pode ser, ou não, o da capital do Estado. Situando-se, porém, o imóvel na capital, o Estado é demandado na sua sede, e, nesta hipótese, existindo vara privativa, a distribuição dos feitos realiza-se em razão da pessoa. A favor dessas varas, milita o favorecimento à especialização dos juízes, pois a maioria das causas toca o direito tributário e o administrativo.63 393. Competência dos juizados especiais em razão da pessoa Os juizados especiais é uma das modalidades de alternative dispute resolution no direito brasileiro (retro, 8). Um dos critérios da sua competência consiste em admitir como partes ativas e passivas determinadas pessoas. Cumpre distinguir, nessa área, os juizados especiais ordinários e da Fazenda Pública, na Justiça comum; e os juizados especiais da Fazenda Pública, na Justiça Federal. Por óbvio, só interessa a competência civil.
393.1. Competência em razão da pessoa nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum – Em relação à competência em razão da pessoa, a Lei 9.099/1995 adotou duas modalidades de exclusão: (a) absoluta; e (b) relativa. Em caráter absoluto, ou seja, não podem figurar como parte ativa e passiva em litígios perante o juizado especial as seguintes pessoas (art. 8.º, caput, da Lei 9.099/1995): (a) o incapaz; (b) o preso; (c) as pessoas jurídicas de direito público e as empresas públicas da União (ressalva feita aos juizados especiais da Justiça Federal e os juizados especiais da Fazenda Pública); (d) a massa falida; (e) o insolvente civil. Figurando tais pessoas, originária e supervenientemente, extinguir-se-á a demanda perante o juizado especial. A exclusão relativa impede que determinadas pessoas figurem como réu, mas podem figurar como autor, nos termos do art. 8.º, § 1.º, da Lei 9.099/1995, a saber: (a) as pessoas naturais capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas; (b) as microempresas (e empresas de pequeno porte), conforme a definição da Lei 9.841/1999, hoje revogada e substituída pela LC 123/2006, por sua vez complementada pela LC 147/2014; (c) as pessoas jurídicas qualificadas como organização da sociedade civil de interesse público, nos termos da Lei 9.790/1999; (d) as sociedades de crédito ao microempresário, conforme o art. 1.º da Lei 10.194/2001. As pessoas jurídicas deverão fazer prova do seu enquadramento nos incisos do art. 8.º, § 1.º, I a IV, cabendo a extinção do processo na hipótese de falta dessa prova. 393.2. Competência em razão da pessoa dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Ordinária – O art. 5.º, I, da Lei 12.153/2009 permite o ingresso nos juizados especiais das pessoas naturais. Incide, a esse respeito, o art. 8.º, caput, da Lei 9.099/1995, excluindo os incapazes e os que não dispõem de seus bens (v.g., o insolvente). E, quanto às pessoas jurídicas, limita o ingresso às microempresas e empresas de pequeno porte, conforme a definição da LC 123/2006 c/c LC 147/2014. Embora a indispensável interpretação restritiva, segundo a vocação dos juizados especiais (v.g., não podem postular, ativamente, as pessoas jurídicas de direito privado), incluem-se no polo ativo as pessoas jurídicas qualificadas como organização da sociedade civil de interesse público (Lei 9.790/1999), bem como as sociedades de crédito ao microempresário (Lei 10.194/2001), mencionadas no art. 8.º, IV, da Lei 9.099/1995. É opinião prevalecente, outrossim, a admissão do condomínio residencial como autor. Concebe-se que esse ente despersonalizado controverta, por exemplo, o imposto predial perante o Município nos juizados especiais. O espólio também pode ser admitido na medida em que os participantes da sucessão aberta com a morte sejam, por igual, admitidos (pessoas naturais capazes). E o art. 5.º, II, da Lei 9.099/1995, passivamente, aponta como réus os Estadosmembros, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, que compõem a chamada Administração Direta, e as pessoas jurídicas resultantes da descentralização administrativa, a saber: autarquias, fundações de direito público, ou fundações de direito privado mantidas pelo Poder Público, e
empresas públicas (Administração Indireta). Não há alusão às sociedades de economia mista, cujo regime é privado. Ficam alheias, portanto, aos juizados especiais da Fazenda Pública. As sociedades de economia mista são demandadas no juizado especial ordinário. 393.3. Competência em razão da pessoa dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal comum – Admitem-se como autores, nos juizados especiais da Fazenda Pública Federal, as pessoas naturais (art. 6.º, I, da Lei 10.259/2001), com as restrições do art. 8.º, caput, da Lei 9.099/1995. Em relação às pessoas jurídicas, há que se interpretar a remissão do art. 6.º, I, à LC 123/2006, com a amplitude referida anteriormente (retro, 393.1). E, passivamente, podem figurar como réu a União, as suas autarquias, fundações (independentemente da personalidade jurídica) e empresas públicas. Ficam alheias as sociedades de economia mista (v.g., o Banco do Brasil), que podem ser demandados nos juizados especiais da Justiça Comum, porque alheias à competência da Justiça Federal em razão da pessoa (infra, 388). § 90.º Competência em razão da matéria 394. Fonte da competência em razão da matéria A fonte legislativa da competência em razão da matéria localiza-se nas normas de organização judiciária. É preciso entender a expressão em sentido largo, porque a CF/1988, na competência de “jurisdição”, utiliza-se desse critério. A lei de organização judiciária federal ou estadual desempenha papel supletivo, como no caso do art. 109, § 3.º, in fine, da CF/1988, atribuindo competência federal, em razão da matéria, a órgão judiciário da Justiça Comum. 395. Competência da Justiça Federal em razão da matéria A competência da Justiça Federal por matéria procura, em primeiro lugar, a relevância nacional das causas. Interessa à Nação, por exemplo, as questões relativas à nacionalidade, à naturalização e ao cumprimento de tratado ou de contratos internacionais. Nem todas as causas dessa natureza ingressaram no art. 109 da CF/1988. A distribuição assimétrica das competências legislativas na carta política, desde a Primeira República – à União compete, dentre outras matérias, legislar sobre direito processual e direito civil –, a existência da Justiça Comum, herdeira histórica da Justiça do Império e a cargo dos Estados-membros, tornariam quimérica empreitada com esse objetivo. Sem falar que as dificuldades intrínsecas à enumeração taxativa dos assuntos verdadeiramente nacionais, numa sociedade altamente complexa e desigual, espantariam o legislador mais audacioso. Entretanto, o processo coletivo promovido pelo MPF propiciou, nos últimos tempos, a Justiça Federal empolgar inúmeras causas de interesse nacional, à margem da enumeração constitucional. E isso, porque o STJ entende que a participação do MPF como autor atrai, por si só, a competência federal. Exemplo dessa tendência é o caso dos bingos, no qual o STJ reuniu ações civis públicas conexas no juízo federal.64
Por outro lado, a inserção internacional do Brasil também marca seu peso. As questões relativas às coletividades indígenas e aos direitos humanos ingressaram na órbita da Justiça Federal para emprestar dignidade federal às resoluções judiciais. 395.1. Causas relativas a tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional – O art. 109, III, da CF/1988, preserva na Justiça Federal o que a República, na sua primeira organização, conferiulhe no art. 15, f, do Decreto n.º 848/1890. Tratado é o acordo formal entre pessoas jurídicas de direito internacional público para produzir efeitos jurídicos. O conteúdo revela-se muito variável e, nada obstante algumas dificuldades, não desprovido de importância, em virtude do disposto no art. 5.º, § 3.º, da CF/1988, segundo o qual “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos” ingressam na ordem jurídica interna, após a aprovação por quórum específico, com força de emenda constitucional. Ora, como compete à União manter relações com Estados estrangeiros, nos termos do art. 21, I, da CF/1988, bastaria mencionar “tratado”, porque só a união pode firmá-los na esfera internacional.65 Já os Estados-membros, o Distrito Federal e Territórios (e os Municípios) podem firmar contratos, principalmente financeiros, mediante aprovação do Senado Federal (art. 52, V, da CF/1988), com Estados estrangeiros e organismos internacionais. No entanto, só os firmados com a União, seja qual for sua natureza, ingressam na competência da Justiça Federal de primeiro grau. Litígios envolvendo contratos em que figuram as demais pessoas jurídicas de direito público interno competem ao STF, conforme art. 102, I, e, da CF/1988. Este último dispositivo alude também à União. Por esse motivo, a interpretação do art. 109, III, da CF/1988 não é fácil. A regra abrange os litígios que versem a interpretação ou o cumprimento do tratado e do contrato. E, com efeito, o STF estimou que o fato de o direito aplicável à causa localizar-se em tratado – no caso, a lei uniforme para cambiais – não elide a competência da Justiça Comum.66 A execução das notas promissórias, litígio privado entre particulares, e sem relevo nacional, passaria à Justiça Federal, no caso contrário. A ratificação do protesto tirado a bordo também é da Justiça Comum.67 Todavia, o STJ decidiu que compete à Justiça Federal processar e julgar ação de responsabilidade civil por danos ambientais, decorrente do vazamento de óleo combustível de navio, porque controvérsia regida por convenção internacional.68 Em geral, a participação da União predetermina a competência, mas por força do art. 109, I, da CF/1988.69 395.2. Causas relativas a direitos indígenas – Os litígios envolvendo os silvícolas entravam na competência em razão da pessoa da Justiça Federal, porque a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) é fundação pública e órgão de representação processual dos interesses coletivos e individuais dos índios. Por exemplo, a ação possessória movida por particulares contra silvícolas e a Funai é da competência federal.70 O art. 109, XI, da CF/1988 transformou essa competência, calcando-a na matéria, e, por isso, ampla e abrangente, nada importando a natureza individual ou coletiva do processo.
Em tema penal, o STF conferiu interpretação restritiva à regra, preservando a competência da Justiça Comum, exceto nos litígios sobre a cultura indígena, a ocupação de terras ou que atinjam interesses patrimoniais da União, das suas autarquias e empresas públicas.71 395.3. Causas relativas à nacionalidade e à naturalização – À Justiça Federal incumbe processar e julgar causas “referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização” (art. 109, X, in fine, da CF/1988). Os brasileiros são natos ou naturalizados. Os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, registrados na repartição brasileira competente, podem optar, a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira, desde que passem a residir na República (art. 12, I, c, da CF/1988). O procedimento dessa opção se localiza no art. 3.º da Lei 818/1949 e realizarse-á perante o juiz federal, após a aquisição da maioridade, segundo o art. 32, § 4.º, da Lei 6.015/1973. A opção ocorrerá no lugar do domicílio da pessoa (art. 3.º da Lei 818/1949). Assim, inexistindo vara federal neste lugar, tocará ao juiz de direito exercer a competência federal (art. 109, § 3.º, da CF/1988). Além desse procedimento de jurisdição voluntária, incluem-se em tal competência em razão da matéria: (a) a declaração da nacionalidade brasileira (art. 6.º da Lei 818/1949); (b) a perda da nacionalidade brasileira (art. 12, § 4.º, I e II, da CF/1988, c/c arts. 24 a 34 da Lei 818/1949); (c) a naturalização (art. 12, II, da CF/1988, c/c art. 115 a 121 da Lei 6.815/1980), no qual compete ao juízo federal do lugar do domicílio do interessado e existindo mais de uma vara federal, pelo juízo da primeira vara, ou por juiz de direito, inexistindo vara federal naquele lugar, a entrega do certificado, em audiência pública, lavrado termo com os requisitos do art. 119 da Lei 6.815/1980. Em inequívoca demonstração da competência generalista da Justiça Federal, as dúvidas suscitadas pelo registrador civil, em quaisquer casos, inserem-se na competência federal.72 Também a transcrição do termo de nascimento no exterior é da competência federal.73 395.4. Causas relativas aos direitos humanos – O art. 109, V-A, da CF/1988, na redação da EC n.º 45/2004, atribuiu à Justiça Federal competência para processar e julgar as causas que versem os direitos humanos, ou seja, como se infere do § 5.º, as que versem “cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte”. É uma importante inovação, revelando, outra vez, a inserção do Brasil no cenário internacional e a necessidade de a ordem jurídica interna respeitar as obrigações internacionais da Nação. O incidente de deslocamento de competência, provocado pelo ProcuradorGeral da República, na forma do art. 109, § 5.º, da CF/1988, formulado “em qualquer fase do inquérito ou processo”, pressupõe a pendência do procedimento. Não é uma competência originária, mas superveniente. É provável que a nova competência repercuta mais na área penal. O STJ negou o deslocamento no caso de homicídio praticado contra missionária.74
396. Competência dos tribunais superiores em razão da matéria Em razão da elevada relevância da matéria, a CF/1988 estabelece hipóteses de competência originária civil do STF e do STJ. Os critérios mudam consoante a alteração das circunstâncias. A homologação da sentença estrangeira passou do STF para o STJ sem nenhum abalo à cooperação internacional ou, ainda, maior proveito ao desafogo do trabalho nessas cortes. Ao STF compete julgar originariamente as seguintes causas, necessária ou eventualmente civis: (a) o controle concentrado da constitucionalidade (art. 102, I, a, da CF/1988), bem como as respectivas medidas cautelares (art. 102, I, p); (b) a rescisória dos seus julgados (art. 102, I, j); (c) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões (art. 102, I, l, da CF/1988); (d) a execução dos seus julgados (art. 102, I, m); (e) a ação que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados (art. 102, I, n); (f) os conflitos de competência entre o STJ e quaisquer tribunais, entre tribunais superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal (art. 102, I, o). A reclamação e os conflitos de competência receberão exame em tópico específico (infra, 396). O controle concentrado (ou abstrato) da constitucionalidade, formando o que convencionou chamar de “jurisdição” constitucional, representa capítulo autônomo, mas integrante conspícuo dos domínios do processo civil. Restam as ações em que os magistrados, em razão do seu vínculo estatutário, cada vez mais equiparado ao dos demais servidores, sejam interessados ou impedidos. São litígios muito especiais, por exemplo: (a) o direito à licença-prêmio dos magistrados (Súmula do STF, n.º 731); (b) o direito à gratificação pecuniária sobre os dois períodos de férias;75 (c) o direito ao adicional de tempo de serviço;76 (d) a ação em que os magistrados postulam a correção monetária do pagamento em atraso da gratificação natalina.77 O STF tem sido parcimonioso ao avocar a competência do art. 102, I, n, da CF/1988. Litígio individual, em que certo magistrado postula vantagem funcional, comum a toda magistratura, ou litiga contra o tribunal, presumindo a má vontade dos desembargadores, não ostenta o interesse geral reclamado na regra. Disputas eleitorais, que geram comoção intestina no tribunal inferior, ou postulação de vantagem pecuniária a todos os servidores, incluindo os magistrados, tampouco atraem a competência do STF. É preciso, ainda, a declaração formal do impedimento de mais da metade dos juízes, individualmente, nos autos do processo, para caracterizar a segunda hipótese da norma. E ao STJ compete julgar originariamente, em razão da matéria: (a) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais – salvo os conflitos entre tribunais superiores, inclusive o próprio STJ, entre si e com outros tribunais, que cabem ao STF (art. 102, I, o, da CF/1988) –, e os tribunal e juízes a ele não vinculados e os entre juízes vinculados a tribunais diversos (art. 105, I, d);
(b) a rescisória dos seus julgados (art. 105, I, e); (c) a reclamação para preservação da sua competência e garantia da autoridade de suas decisões (art. 105, I, f); (d) o conflito de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da União (art. 105, I, g); (e) a homologação de sentença estrangeira e a concessão de exequatur às cartas rogatórias (art. 105, I, i). Esse conjunto de competências clama por esclarecimentos suplementares quanto a alguns pontos: no conflito de competência, cuja fórmula peca pela obscuridade; no conflito de atribuições, cujo objeto não salta à vista; na execução dos próprios julgados; e na rescisória. 396.1. Competência do STJ para julgar conflitos de competência – A fórmula adotada para os conflitos de competência é pouco clara. Convém esclarecê-la melhor. Ao STJ cabe resolver os seguintes conflitos: (a) entre quaisquer tribunais inferiores, quer da Justiça Comum, quer da Justiça Federal, entre si ou não (v.g., TJ/PR x TJ/SP; TRF/4 X TRF/1; TJSP x TRF/2);78 (b) entre tribunal e juiz a ele não vinculado (v.g., TJ/SP e juiz federal da 1.ª vara de São Paulo, capital; TJ/SP e juiz de direito da 1.ª vara de Belo Horizonte); (c) entre juízes vinculados a diferentes tribunais (v.g., juiz federal da 1.ª vara de Aracaju x juiz de direito da 1.ª vara de Maceió; juiz federal da 1.ª vara de Fortaleza x juizado especial federal de Fortaleza). 396.2. Competência do STJ para julgar conflito de atribuições – O conflito de atribuições representa assunto pouco explorado, entre nós, e de difícil e improvável caracterização. Ocorrendo disputa entre Poderes (Executivo e Judiciário), semelhante conflito serve para dirimir a competência, de um ou de outro, para praticar certo ato.79 Originou-se, no direito brasileiro, por nítida influência norte-americana, no art. 49, parágrafo único, da Lei 221/1894. Já a nomenclatura proveio de oportuna sugestão doutrinária.80 Além do art. 105, I, g, da CF/1988, a ele aludia o art. 124 do CPC de 1973, para o fim de remeter-lhe a disciplina (legitimidade, procedimento e efeitos do julgamento), na Justiça Comum,81 ao regimento interno do TJ. Em tese, a caracterização do conflito de atribuições exige que a autoridade judiciária, de um lado, e a autoridade administrativa, de outro, disputem competência unicamente administrativa. Ora, o princípio da unidade da jurisdição pré-exclui conflitos entre o órgão judiciário, no exercício da atividade jurisdicional, e os agentes administrativos.82 Por essa excelente razão, a improvável contenda resolve-se na via judiciária. Já o conflito entre autoridade administrativa, nos escalões respectivos, equaciona-se por deliberação do superior hierárquico dos conflitantes.83 Por outro lado, a independência administrativa dos órgãos judiciários evita que as autoridades administrativas se imiscuam nos assuntos interna corporis do Poder Judiciário. Por exemplo, não se concebe que o Ministério da Justiça, órgão do Executivo, instaure processo disciplinar contra servidor do Judiciário, ou vice-versa. As áreas de atuação desses agentes estatais jamais coincidirão no âmbito administrativo.
O procedimento do conflito de atribuições segue o modelo do conflito de competência (arts. 960 a 965 do NCPC). Ele é repetido, quase sem modificações, nos regimentos internos dos tribunais da Justiça Comum.84 Segundo decidiu o STJ, não se enquadra no art. 105, I, g, da CF/1988, o conflito de competência entre órgãos do MP (v.g., o MPF x MP de São Paulo).85 396.3. Competência do STJ para executar seus julgados – Faltou ao catálogo da competência originária do STJ, em razão da matéria, a competência para executar seus próprios julgados. Tal assunto só recebeu menção na competência do STF (art. 102, I, m, da CF/1988). Nada obstante o entendimento que a competência dos tribunais decorre, diretamente, da CF/1988, não podendo ser ampliada ou restringida pela lei ordinária, a lacuna há de ser suprida na via sistemática. A única opção descartada é negar a competência do STJ. O lapso parece manifesto. E, de fato, há causas de competência originária em que surge condenação, no capítulo principal ou no acessório (sucumbência), a exemplo da rescisória. O RISTJ disciplina a competência interna corporis. A execução dos acórdãos processar-se-á perante as seguintes autoridades: o presidente do STJ, quanto às decisões do plenário e da corte especial (art. 301, II, do RISTJ); o presidente da seção, quanto às suas decisões desta (art. 302, I, do RISTJ); e o presidente da turma, quanto às decisões desta (art. 302, II, do RISTJ). Os incidentes serão submetidos aos órgãos fracionários ou ao plenário. No entanto, as normas regimentais hão de ser completadas com o disposto no art. 516, I, do NCPC, que atribui aos tribunais a competência para executar (infra, 456.1.1). 396.4. Competência do STJ para processar e julgar rescisórias – A autoridade de coisa julgada é a Suprema Justiça no Estado Constitucional Democrático. Inexistiria ordem jurídica eficiente, e a justiça se transformaria em bem metafísico, se a regra jurídica concreta ficasse exposta a contestações juridicamente relevantes do vencido, ameaçando a paz jurídica do vencedor. Por isso, a sentença definitiva adquire, após o esgotamento dos meios de impugnação, uma autoridade peculiar, que é a coisa julgada material (infra, 2.129). Encontrando-se viciado o pronunciamento de mérito por error in procedendo ou por error in iudicando, relativamente à aplicação do direito, e, subsidiariamente, por erro de fato – admissível em hipóteses estritas, inexistindo controvérsia e pronunciamento, a teor do art. 966, § 1.º –, o art. 485 erige remédio específico para desconstituir a coisa julgada e, se for o caso, renovar o julgamento. Chama-se, no direito pátrio, rescisória ao remédio processual hábil a essa finalidade, na qual o autor pedirá a desconstituição da coisa julgada e, na sequência, conforme a causa petendi exposta, o novo da causa.86 A ação rescisória só cabe nas taxativas hipóteses do art. 966.87 A ação rescisória integra a competência material dos tribunais. Em relação aos tribunais de segundo grau, haja ou não recurso das sentenças proferidas no juízo a quo, e independentemente do fato de o recurso ter sido conhecido, ou não, a rescisória será processada e julgada pelo tribunal de segundo grau
(TRF ou TJ), no âmbito da respectiva divisão territorial (Estado-membro ou Região). A circunstância de a decisão de mérito ter recebido impugnação e o órgão ad quem conhecê-lo, ou não, afigura-se irrelevante, ressalva feita ao órgão competente para julgá-lo, conforme as normas regimentais. A rescisão de acórdãos dos tribunais de segundo grau em geral incumbe a órgão fracionário distinto do que se encarrega de julgar rescisória proposta contra sentenças integralmente transitadas em primeiro grau. A competência do STJ para processar e julgar rescisórias, e, a fortiori, a do STF, nos termos das disposições constitucionais envolve os “seus julgados”. Logo, abrange (a) as causas de competência originária; e (b) as causas objeto de recurso para o tribunal superior. Este último aspecto reclama explicitação e exibe muitos cuidados. A rescisória ingressará na competência material do STJ, em quaisquer causas civis, preenchendo dois requisitos: (a) se o eventual recurso especial ou agravo (aa) superar o juízo de admissibilidade, por intermédio de pronunciamento do relator, nos termos do art. 932, ou do órgão fracionário competente, nada importando que o acórdão impugnado seja mantido ou reformado no juízo de mérito ou, alternativamente, apesar de formalmente não ter sido conhecido o recurso especial, (ab) o pronunciamento do STJ apreciar a questão federal (Súmula do STF, n.º 249), hipótese em que, tecnicamente, o “não conhecimento” descansa na errônea separação entre admissibilidade e mérito no recurso de motivação vinculada; e (b) relativamente à questão federal efetivamente apreciada. Em última análise, o assunto rege-se pelo art. 1.008 do NCPC: interposto o recurso, o pronunciamento subsequente substitui o pronunciamento antecedente, nos limites da impugnação, salvo não conhecendo deste recurso o órgão ad quem, hipótese em que subsiste o pronunciamento antecedente, cujo trânsito em julgado ocorrerá, todavia, no esgotamento das vias de impugnação (Súmula do STJ, nº 401). Essa última orientação é a mais correta, pois evita a multiplicação de rescisórias e o inviável controle, no calor da contenda, do momento do trânsito em julgado de cada capítulo do pronunciamento. Podem suceder, e normalmente acontecerá nas causas complexas, em que a análise do mérito reparte-se em partes autônomas, sucessivas substituições, versando capítulos distintos da sentença definitiva. Tal evento refletir-se-á agudamente na competência da rescisória. Um exemplo simples, separando o capítulo principal da sentença do capítulo acessório da sucumbência, explica este aspecto decisivo na atribuição da competência do STJ: o autor A ingressa com ação de reparação de danos contra B, julgada procedente para condenar o réu a pagar X, a título de principal, e Y, a título de honorários da sucumbência. O réu B recorre deY e, na apelação, o tribunal de segundo grau reforma a sentença neste tópico. Inconformado, o autor A ingressa com recurso especial e, no STJ, o relator dá-lhe provimento, “restaurando” (na verdade, nada se restaura: a sentença nesta parte deixou de existir, substituída pelo acórdão do tribunal) a disposição da sentença de primeiro grau, decisão posteriormente mantida no agravo regimental por uma das turmas. Em tal hipótese, (a) será competente o tribunal local (TJ) ou regional (TRF) para processar e julgar a rescisória quanto ao mérito de X; (b) será competente o STJ para processar e julgar a rescisória quanto aos
honorários da sucumbência. As substituições sucessivas podem versar só o mérito. Por exemplo, o autor A ingressa com reparação de danos contra B, julgada procedente em primeiro grau; interposta apelação, a câmara do TJ dá provimento ao apelo, reformando a sentença por maioria; interpostos embargos infringentes, o grupo de câmaras do TJ restaura o teor do pronunciamento de primeiro grau; na sequência, interposto recurso especial, o STJ resgata a solução emprestada na câmara do TJ. O provimento subsistente é o do STJ e a este tribunal superior competirá processar e julgar eventual rescisória. Volvendo ao exemplo inicial, se o STJ não conhecer o recurso especial a respeito dos honorários Y, a competência é do tribunal local (TJ) ou regional (TRF), independente do fato de o vencido pretender rescindir uma das disposições (X ou Y) ou ambos capítulos (X e Y). O alcance da pretensão rescisória, em casos tais, só assume relevo na distribuição da competência, interna corporis, segundo as normas regimentais. Não é raro nos tribunais de composição numerosa incumbir o julgamento da rescisória contra as sentenças transitadas em julgado no primeiro grau ou menor órgão fracionário ou Câmara, integrada por três desembargadores, e o da rescisória contra acórdãos (logo, havendo sido conhecida apelação, no todo ou em parte) à Turma ou ao Grupo de Câmaras. A competência do STJ para rescindir seus julgados abrange unicamente a questão federal apreciada. É o que reza a Súmula do STF, n.º 515, todavia aplicada pelo STJ: “A competência para a ação rescisória não é do Supremo Tribunal Federal, quando a questão federal, apreciada no recurso extraordinário ou no agravo de instrumento, seja diversa da que foi suscitada no pedido rescisório”. Assim, ao STJ compete unicamente o julgamento da rescisória quanto aos honorários (Y). Se o vencido pretender rescindir ambos os capítulos do pronunciamento (X e Y), o primeiro apreciado unicamente em primeiro grau, e o segundo apreciado pelo STJ, concebem-se duas soluções: (a) cabem duas rescisórias distintas, cada qual no tribunal competente (TJ ou TRF e STJ);88 (b) a rescisória há de ser única, englobando ambos os capítulos (principal e acessório). Nada constrange o vencido (ou o Ministério Público e o terceiro, nos casos em que se legitimam, a teor do art. 967, II e III, do NCPC) a alegar todas as causae petendi aptas a rescindir o julgado na mesma ação rescisória. Admitem-se duas ou mais rescisórias contra a mesma sentença definitiva transitada em julgada, divida-se ela, ou não, em capítulos diferentes, e, caso existam, ocorrido efeito substitutivo parcial (art. 1.008), em relação a um ou alguns deles. Porém, a jurisprudência do STJ aplica a Súmula do STF, n.º 515, por analogia, entendendo competente o tribunal local (TJ) o regional (TRF) para processar e julgar a rescisória única.89 À semelhança do que sucede em outras áreas, interessa a identificação dos eventuais equívocos do autor da rescisória, deduzindo sua pretensão no tribunal incompetente, bem como as consequências do erro de endereçamento. São três as hipóteses concebíveis: (a) o réu B vencido ingressa com rescisória contra o autorA, no TJ ou no TRF, pretendendo rescindir o pronunciamento do STJ quanto aos honorários Y; (b) o réu B vencido ingressa com rescisória contra o autor A, no TJ ou no TRF, pretendendo rescindir o pronunciamento do TJ ou do TRF, quanto aos
honorários Y, todavia substituído pelo acórdão do STJ; (c) o réu B vencido ingressa com rescisória contra o autor A, pretendendo rescindir o capítulo acessório, relativo a Y, no caso de o STJ não ter conhecido o recurso especial. Os equívocos do autor da rescisória não apresentam efeitos homogêneos. Na primeira situação (a), o autor B pretende rescindir julgado subsistente, e favorável ao autor A, mas endereçou a pretensão a tribunal incompetente, motivo por que o relator ou o órgão fracionário do TJ ou do TRF declinarão da competência para o STJ, a teor do art. 64, § 1.º. Ao invés, nas duas outras situações [(b) e (c)], o pedido do autor envolve pronunciamento insubsistente, ou porque operou-se o efeito substitutivo (a) ou porque não ocorreu este efeito (b). Ora, a competência para processar e julgar a rescisória apura-se em conformidade ao pedido do autor. Se o autor identificou erroneamente o julgado rescindendo, dirigindo-se ao tribunal A, em vez de ingressar no tribunal B, a primeira corte (A) não pode corrigir, ex officio, o pedido formulado sem ferir o princípio da demanda, declinando a competência para (B). O tribunal indicado como competente (A) julgará extinta a rescisória, sem julgamento do mérito, porque inexiste o julgado rescindendo.90 Por óbvio, ao relator da ação rescisória competirá, verificando o defeito, determinar a emenda da petição inicial,91 e, atendida a determinação, então sim declinará da competência. A jurisprudência do STJ orienta-se neste sentido: “Apesar desta Corte Superior ter apreciado o mérito da questão em sede de recurso especial, a ação rescisória foi ajuizada contra acórdão do Tribunal de Justiça que não julgou o mérito da causa, ou seja, houve equívoca formulação da rescisória, em que se indicou incorretamente o acórdão passível de rescisão, ensejando a extinção do processo sem resolução do mérito, uma vez que nesses casos não é possível a remessa dos autos ao juízo competente ante a inviabilidade do Poder Judiciário, de ofício, corrigir o pedido exordial”.92 E, na situação versada em (b), havendo o TJ ou TRF, ao invés de extinguir a rescisória, declinado da competência para o STJ, esta Corte extinguirá o feito, sob o seguinte fundamento: “A decisão do Tribunal a quo de remessa dos autos ao STJ não convalida o erro processual”.93 397. Competência dos tribunais de segundo grau em razão da matéria A competência do TJ em razão da matéria decorre da previsão na Constituição do Estado-membro, nos termos do art. 125, § 1.º, da CF/1988, e insere-se nos casos de competência originária. São casos de competência originária e em razão da matéria do TJ, na área civil: (a) o controle concentrado de constitucionalidade das leis locais (estadual e municipal) perante a Constituição do Estado-membro (art. 125, § 2.º, primeira parte); (b) a ação rescisória dos seus julgados e dos juízes de primeiro grau vinculados, assunto versado em item anterior (retro, 396.4); (c) os recursos contra seus acórdãos, abrangendo os embargos de declaração, os embargos infringentes, e a admissibilidade dos recursos extraordinário e especial; (d) os conflitos de competência entre juízes de direito ou entre juiz de direito e pretor, porque magistrados ao TJ subordinados; (e) a representação do Procurador-Geral da Justiça para assegurar a observância dos princípios da Constituição Estadual, ou prover a execução de lei, ordem
ou decisão judicial, para fins de intervenção do Estado nos Municípios (v.g., art. 95, XII, c, da CE/1989-RS); (f) a execução dos seus julgados. A competência originária do TRF localiza-se no art. 108, I, b e e, da CF/1988: (a) ações rescisórias dos seus julgados e dos juízes federais da região e os estaduais que julgaram causas da competência federal; (b) os conflitos de competência entre os juízes federais da região e, apesar de omissa a regra, entre juiz federal e juiz estadual no exercício da competência federal.94 Omissão idêntica à verificada no catálogo das competências originárias do STJ ocorre no âmbito do TRF. O art. 108, I, da CF/1988 silencia quanto à competência para executar os seus julgados. Resolve-se o problema da mesma forma (retro, 396.3). Importa realçar que a competência dos tribunais de segundo grau para dirimir conflitos de competência funda-se na matéria, e, não, na função (retro, 396). 398. Competência da Justiça Comum em razão da matéria Em relação às demais Justiças, a competência da Justiça Comum é residual, ou seja, obtida por exclusão, razão pela qual é mais ampla do que qualquer outra. O órgão judiciário da Justiça Comum processa e julga a maioria das lides, seja em processos individuais, seja em processos coletivos. Exemplificativamente, tocam à Justiça Comum as lides envolvendo propriedade, as obrigações, a família, a sucessão, o direito tributário estadual e municipal, a previdência privada, a falência, a desapropriação, o direito agrário, a previdência pública dos Estados-membros e dos Municípios, a relação estatutária dos servidores públicos estaduais e municipais e assim por diante. Desse modo, na prática as decisões da Justiça Comum afetam direta e proximamente a vida do cidadão brasileiro e da cidadã brasileira. O art. 92, I e II, do CPC de 1973 atribuía ao juiz de direito, designação própria dos magistrados de primeiro grau da Justiça Comum já estáveis na função, competência exclusiva para processar e julgar, em razão da matéria: (a) os processos de insolvência (falência do empresário e insolvência do devedor civil); (b) as ações concernentes ao estado e à capacidade da pessoa. O assunto já mereceu exame (retro, 383). Vale, porém, assinalar não ter o NCPC reproduzido a regra, porque juízes togados de investidura temporária só existem, residualmente, no Rio Grande do Sul, e o respectivo quadro encontra-se em progressiva extinção, à medida que se afastam, por aposentadoria ou por morte, os pretores da função judicante. O art. 126 da CF/1988 revelou enorme preocupação com o direito agrário. Explicitando a iniciativa do processo legislativo, que é do TJ (art. 96, I, d, da CF/1988), enuncia, em termos imperativos, que o TJ proporá a criação de varas especializadas, com a competência exclusiva para as questões agrárias. Ora, os conflitos fundiários, às vezes, têm participação do sujeito federal, motivo por que o texto merece interpretação como dirigido ao legislador.95
Existem casos em que, por força da matéria, controverte-se a competência da Justiça Federal e da Justiça Comum. À Justiça Comum compete, ocorrendo o falecimento do titular da conta individual do FGTS, processar e julgar o pedido de alvará para levantamento da importância depositada, segundo a Súmula do STJ, n.º 161. Segundo a 1.ª Seção do STJ, trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, em que a CEF é simples destinatária do alvará.96 Ao invés, ocorrendo resistência da CEF, há litígio de competência da Justiça Federal, porque a empresa pública figurará no polo passivo.97 Neste caso, incide o verbete n.º 82 da Súmula do STJ. A Súmula do STJ, n.º 238, declara competente o órgão judiciário da Justiça Comum, no foro da situação da coisa, para processar e julgar o pedido de indenização em razão de pesquisa ou lavra de minério. Mas, figurando como parte um dos sujeitos federais (art. 109, I, da CF/1988), a competência é da Justiça Federal, sem prejuízo de eventual delegação da competência federal para o juiz daquela comarca. Por isso, a demanda contra o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, para liberar alvará substitutivo de concessão de lavra, é da competência da Justiça Federal.98 399. Competência dos juizados especiais em razão da matéria Os juizados especiais da Justiça Comum, ordinários e da Fazenda Pública, e da Fazenda Pública da Justiça Federal, têm extensa competência (positiva e negativa) em razão da matéria. 399.1. Competência em razão da matéria nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum – Relativamente à matéria, a Lei 9.099/1995 adota um critério positivo, alinhando nos incs. I a IV do art. 3.º as causas inseridas na respectiva competência, e um critério negativo, excluindo certas pretensões arroladas no art. 3.º, § 2.º, incluindo as que, em razão do valor, estejam contempladas no art. 3.º, I, da Lei 9.099/1995. 399.1.1. Pretensões previstas no procedimento sumário – O procedimento sumário previsto no CPC de 1973 caracterizava-se pela singular concentração dos atos processuais e pela oralidade. Nada impede de as causas contempladas no art. 275, II, do CPC de 1973 serem processadas, julgadas e executadas no juizado especial, em que o respectivo procedimento, a par de reunir as mesmas características do sumário, apresenta outras simplificações. Eis o objetivo do art. 3.º, II, da Lei 9.099/1995. Em virtude do caráter opcional dos juizados especiais, segundo o entendimento prevalecente,99 ressalva feita aos juizados especiais na Justiça Federal, a teor do art. 3.º, § 2.º, da Lei 10.259/2001, há concurso eletivo de procedimentos. O art. 3.º, § 2.º, encontra-se em pleno vigor, relativamente à enumeração do art. 275, II, do CPC de 1973, por força do art. 1.063 do NCPC. Encontram-se adstritas aos juizados especiais, por opção do autor, e independentemente do valor, as causas prescritas para o procedimento sumário em razão da matéria. É preferível examiná-las, desde logo, embora o sítio mais adequado se localizasse na disciplina do procedimento sumário,
oferecendo tratamento homogêneo com as demais espécies do art. 3.º da Lei 9.099/1995. 399.1.1.1. Pretensões relativas ao arrendamento rural e à parceria agrícola – As pretensões decorrentes dos contratos de arrendamento rural e de parceria agrícola podem ser veiculadas nos juizados especiais (art. 3.º, II, da Lei 9.099/1995, c/c art. 275, II, a, do CPC de 1973). O arrendamento é o negócio jurídico pelo qual alguém cede a outrem imóvel, para fins de exploração agropecuária ou agroindustrial, mediante a contraprestação de aluguel. E parceria é o negócio em que tal cessão de uso e de gozo implicará a contraprestação mediante partilha dos frutos, produtos ou lucros. Não importa a localização geográfica do imóvel, mas a respectiva utilização para esses fins.100 Seja qual for a natureza da ação, respeite ela à constituição ou à dissolução desses negócios, à sua existência, à sua validade ou à sua eficácia, versando sobre arrendamento ou parceria, inserem-se elas tanto no procedimento sumário, quando no procedimento dos juizados especiais ordinários da Justiça Comum. Por exemplo, a pretensão de cobrança da parte que toca ao arrendador nos frutos alienados pelo parceiro.101 Ficam ressalvadas, por evidente, as pretensões subordinadas a procedimento especial (v. g., consignação em pagamento, prestação de contas, possessória). Por exemplo, o despejo do imóvel rural (art. 32, I, do Dec. 59.566/66, c/c art. 95, IV, da Lei nº 4.504/64). 399.1.1.2. Pretensão de cobrança de condômino – O art. 3.º, II, da Lei 9.099/1995 subordina ao juizado especial a pretensão de cobrança perante o condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio. Em primeiro lugar, somente as pretensões cujo pedido imediato seja a condenação do condômino em crédito se subordinam ao procedimento sumário, e, a fortiori, ao procedimento dos juizados especiais. A regra deixa claro que (a) a ação de prestação de contas, movida pelo condomínio contra o antigo síndico, mesmo que, na segunda fase, resulte em saldo favorável; e (b) a ação anulatória da assembleia geral escapam à incidência do dispositivo. Também não se ocupa a regra de outros créditos, devidos por qualidade diversa, como o resultante da ação de reparação por dano causado pelo condômino a outro comunheiro (v.g., pretensões condenatórias resultantes do vandalismo contra automóvel do condomínio, no espaço próprio, ou por ofensa à honra do condômino, assada a ofensa no curso da assembleia geral) ou ao próprio condomínio (v.g., a reparação de dano a móveis guardados no salão de festas, por ocasião da festa de aniversário promovida pelo condômino).102 A jurisprudência do STJ assentou que o condomínio dispõe tanto do procedimento sumário – e, assim, o do juizado especial –, quanto o da ação monitória, cabendo-lhe a opção por uma ou outra via,103 mas este último é incompatível com o procedimento do juizado especial. Nenhuma importância há, restringindo a incidência da regra, na natureza do condomínio, legal ou convencional, absoluto ou relativo. Assim, integra a competência do juizado especial a ação regressiva do condômino, que pagou
dívida contraída em proveito da comunhão, contra os demais condôminos.104 As causas mais banais, sob tal rubrica, constituem as cobranças das despesas de conservação e de administração do condomínio horizontal e dividido em unidades autônomas (art. 12 da Lei 4.591/1964). Nesse aspecto, o art. 275, II, b, do CPC de 1973 evoluiu positivamente. Com efeito, a eliminação da referência a certos encargos (v.g., as despesas de energia elétrica) deixa claro que o objeto da demanda compreenderá quaisquer despesas, a exemplo do prêmio de seguro, do gás e da água, medidos individualmente e cobrados, sob forma especificada, do condômino. Convém não confundir, de resto, a pretensão do condomínio contra o condômino, jungida ao sumário, com a pretensão deste contra o inquilino. Se o condômino, transformado em alugador, transferiu tais despesas ao inquilino,105 na forma do art. 23, XII, e § 1.º, da Lei 8.245/1991, e o locatário inadimpliu aluguel e tais encargos, cabível é a execução, fundada no contrato escrito de locação, a teor do art. 784, VIII. Somente se não existir contrato escrito que, rationi valori, a pretensão do locador contra o locatário integra a competência do juizado especial. 399.1.1.3. Pretensão de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico – O art. 275, II, c, do CPC de 1973 c/c art. 3.º, II, da Lei 9.099/1995 prescreve o procedimento do juizado especial para as causas de reparação de danos em prédio urbano ou rústico. Em tal hipótese, porque “será frequentemente imprescindível a prova pericial”,106 a causa é das mais inadequadas para o procedimento sumário, e, por extensão, ao do juizado especial. Os fundamentos invocados para manter a previsão – o presumível êxito da conciliação e a simplificação da prova pericial, minimizando seus inconvenientes nesses casos –,107 não se mostram plausíveis. Essa espécie de causa é raríssima nas áreas urbanas, mas comum no meio rural. Por exemplo, a pretensão de reparar danos ocasionados pela invasão de animais;108 a pretensão derivada de danos às plantações.109 O STJ admitiu o emprego do sumário na pretensão do adquirente de unidade autônoma contra a construtora, por vícios de construção,110 aumentando o campo de incidência da regra no meio urbano. Entende-se por prédio, objeto do dano, o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente, segundo o art. 79 do CC, inclusive os materiais provisoriamente separados, para nele se reempregarem (art. 81, II, do CC). O dano é ao solo e a qualquer dos elementos que a ele aderem (v.g., a acessão) ou acedem (v.g, os frutos pendentes) Não se compreendem na regra, todavia, os imóveis por equiparação (art. 80 do CC). 399.1.1.4. Pretensão de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre – A pretensão de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre tem largo emprego no juizado especial (art. 275, II, d, do CPC de 1973 c/c art. 3.º, II, da Lei 9.099/1995), porque tais eventos são comuns nos centros urbanos.111
Enfatiza a regra o instrumento do dano, que é o veículo, ou seja, aparelho destinado ao transporte de coisas ou de pessoas, na via terrestre. Exclui do seu âmbito de incidência, portanto, os veículos de transporte aéreo ou aquático (marítimo, lacustre e fluvial). No entanto, mostram-se irrelevantes a tração do veículo (mecânica, elétrica, animal ou humana), a natureza do dano (patrimonial ou moral) e o bem lesado (coisa ou pessoa). Compreende-se nessa previsão o dano provocado ao veículo, a exemplo daquele ocasionado pelo buraco aberto na via pública pela autoridade municipal ou existente na rodovia federal por falta de conservação do piso de rolamento.112 Outra hipótese é a da colisão do veículo com animal solto na estrada.113 Diversamente, o dano ocorrido no (dentro do) veículo (v.g., as lesões físicas resultantes de briga entre passageiros; o roubo de bens por terceiro) escapa à previsão legal.114 Não altera o procedimento a circunstância de figurar como autor a seguradora, sub-rogada na ação do segurado, vítima de acidente de trânsito.115 399.1.1.5. Pretensão de cobrança de seguro de danos causados em acidente de trânsito – A pretensão de cobrança de seguro de danos causados em acidente de trânsito pode ser veiculada no juizado especial (art. 275, II, e, do CPC de 1973 c/c art. 3.º, II, da Lei 9.099/1995). Em sua cláusula final, a regra ressalva o art. 784, VI, in fine, do NCPC, outorgando eficácia executiva aos contratos de seguro de vida. A pretensão é do beneficiário contra a seguradora. É claro que, em razão do valor, semelhante pretensão pode se inserir na competência do juizado especial; mas, em razão da matéria, restam cogitáveis o seguro de dano ao veículo e de dano à pessoa por lesões corporais. E o vetor do transporte, ou veículo, pode ser aeronave ou embarcação.116Assim, a pretensão para reparar o dano (patrimonial e moral) sofrido por passageiro de avião comercial, ou de comboio, pode ser veiculada no juizado especial. 399.1.1.6. Pretensão de cobrança de honorários de profissional liberal – Os casos em que profissional liberal, ou seja, pessoa natural sem vínculo empregatício, pretenda cobrar honorários de outra pessoa física ou jurídica, quadra-se no juizado especial (art. 275, II, f, do CPC de 1973 c/c art. 3.º, II, da Lei 9.099/1995). Rigorosamente, “profissional liberal” é a pessoa dotada de título acadêmico superior (advogado, arquiteto, contador, economista, engenheiro, odontologista, enfermeiro). Por esse motivo, sustentou-se a inadmissibilidade da pretensão do corretor de imóveis, e a de outros profissionais que, a despeito de exercerem honrada profissão sem vínculo empregatício (e, portanto, percebendo honorários), ostentam nível médio de formação.117 Esse alvitre ficou superado na jurisprudência do STJ.118 No entanto, a cláusula final da regra ressalva previsões em contrário da legislação extravagante. Desse modo, existindo contrato escrito estipulado entre o advogado e seu cliente, cabe a execução forçada (art. 24, caput, da Lei nº 8.906/1994), fundada em título extrajudicial, só cabível no juizado especial em razão do valor (art. 3.º, I, da Lei 9.099/1995).
E, de resto, não é qualquer pretensão que se insere, independentemente do valor, na órbita dos juizados especiais, a de cobrança de honorários, ou seja, a relativa à contraprestação devida pelo cliente por força do contrato ou da lei. Ficam além do campo de incidência da regra, portanto, outras pretensões (v.g., a de arbitramento de honorários, porque exigirá perícia). Da pretensão de cobrança o arbitramento distingue-se pela falta de individualização da contraprestação do cliente.119 Em geral, a obrigação do cliente é ilíquida e, nesta contingência, o profissional pleiteia o arbitramento, segundo as tabelas da sua atividade, e a condenação no valor assim apurado. Cuida-se de simples ação condenatória e o “arbitramento”, derivado do caráter ilíquido da obrigação, é natural e equivale a qualquer quantificação de obrigações pecuniárias. 399.1.1.7. Pretensões previstas em leis extravagantes – Em virtude da cláusula aberta do art. 275, II, g, do CPC de 1973, o art. 3.º, II, da Lei 9.099/1995 agasalha diversas pretensões previstas em leis extravagantes. Por exemplo: (a) a adjudicação compulsória, conforme art. 16 do Dec.-lei 58/1937; (b) a revisional do aluguel da locação predial urbana, a teor do art. 68, caput, da Lei 8.245/1991; (c) as pretensões do representante comercial, consoante o art. 39 da Lei 4.886/1965, com a redação da Lei 8.420/1992. O art. 1.049, parágrafo único, do NCPC adscreve essas pretensões ao procedimento comum. Ao nosso ver, preponderará o art. 1.063 do NCPC, resguardada a competência dos Juizados Especiais nessa matéria. Existem casos em que a menção a “sumaríssimo”, nas leis extravagantes, apresenta alcance diverso. Em geral, assinala-se certa particularidade do procedimento, objeto de previsão específica, incompatível com o procedimento dos juizados. Por exemplo, a existência de audiência de justificação no rito da usucapião especial (art. 5.º da Lei 6.969/1981) – por sinal, pretensão doravante adstrita ao procedimento comum. Não cabe, destarte, tal pretensão no juizado especial. Igualmente, na ação visando a correção de erros de grafia do registro civil (art. 110, § 4.º, da Lei nº 6.015/1973) observar-se-á o rito da jurisdição voluntária.120 399.1.2. Pretensão de retomada de imóvel locado para uso próprio – O art. 3.º, III, da Lei 9.099/1995 autoriza que, independentemente do valor, o locado veicule no juizado especial a pretensão de retomada de imóvel locado para uso próprio. Nenhuma outra é admissível senão em razão do valor.121 Findo o prazo da locação residencial, contratada verbalmente ou por escrito, a locação se prorroga automaticamente, podendo ser dissolvida, todavia, por denúncia do locador para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, segundo o art. 47, III, primeira parte, da Lei 8.245/1991. O “uso próprio” contemplado na lei é qualquer emprego desejado pelo locador (v.g., para localizar no imóvel o seu estúdio), pelo cônjuge ou pelo companheiro, sem embargo do dever de convivência. Se o beneficiário já ocupa imóvel próprio com idêntica finalidade e situado na mesma localidade – requisitos cumulativos –, torna-se mister provar a necessidade, bem como se, residindo o locador em prédio alheio, já houver retomado o imóvel anteriormente (art. 47, § 1.º, a, da Lei 8.245/1991). Fora desses casos, vigora
a presunção de sinceridade do pedido de retomada. O ônus da prova é do locatário. Por exemplo, incumbe-lhe provar que, ante as características do imóvel, ou sua área construída, não há como ocupá-lo: o escritório do locador compõe-se de número expressivo de colaboradores e exige dependências mais amplas. É ônus do locador, porém, provar os fatos constitutivos que não respeitem à necessidade em si, como o exercício da atividade profissional e a qualidade de proprietário (art. 47, § 2.º, da Lei 8.245/1991) ou de promitente comprador.122 A figura do(a) companheiro(a) há de ser entendida em sentido amplo. Não há necessidade de convivência mais duradoura ou permanente. O pedido de retomada para uso próprio pode se basear exatamente na constituição da união que se espera estável, a reclamar imóvel mais adequado que a atual moradia o locador para a habitação dos futuros companheiros. 399.1.3. Pretensão possessória sobre imóveis – O art. 3.º, IV, da Lei 9.099/1995 autoriza o autor veicular pretensão possessória sobre imóveis, desde que o valor da causa não ultrapasse o teto de quarenta salários mínimos. A conjugação dos dois critérios (valor e matéria) prende-se ao fato dessa pretensão acomodar-se a procedimento especial. A antecipação dos efeitos do pedido, admissível no âmbito dos juizados especiais, não provoca obstáculo ao exercício da pretensão através do procedimento dos juizados. Por óbvio, as pretensões possessórias sobre móveis também se inserem na competência dos juizados especiais, mas abrigadas na regra genérica da competência em razão do valor (art. 3.º, I, da Lei 9.099/1995). Dependerá o valor da causa, e, portanto, a adstrição ou não aos juizados especiais, do valor econômico da posse e da extensão da ofensa a ela praticada pelo réu. Não há diretriz rígida. O valor da causa, praticado esbulho, é um, distinto do valor em caso de manutenção, e o valor, na hipótese de esbulho de terreno no qual o autor plantava é diferente do esbulho de terreno baldio.123 O valor é sempre menor que o do domínio.124 O uso de percentual sobre o valor do bem, não isento de arbitrariedade, não conduz a soluções iníquas,125 e deve ser empregado pelo autor. Em caso de cumulação de pedidos, especialmente o sucessivo de perdas e danos, somam-se os valores (retro, 400). Em tema de competência de foro, é absoluta a competência do lugar da situação do imóvel na ação possessória (art. 47, § 2.º, do NCPC). 399.1.4. Pretensões excluídas dos juizados especiais ordinários da Justiça Comum – O art. 3.º, § 2.º, da Lei 9.099/1995 exclui do âmbito dos juizados especiais certas causas. A regra há de ser interpretada em harmonia com o art. 2.º da Lei 12.153/2009, no concernente às causas de interesse da Fazenda Pública. Fora daí, não comportam os juizados especiais as pretensões de natureza alimentar, falimentar ou fiscal, e as relativas a resíduos (v.g., levantamento de quantias em razão de morte) e ao estado (v.g., investigação de paternidade) ou capacidade das pessoas (v.g., interdição). O traço comum é a indisponibilidade do objeto litigioso, que torna impossível, senão inviável a conciliação.126
399.2. Competência em razão da matéria nos juizados especiais da Fazenda Pública da Justiça Comum (critério negativo) – Os juizados especiais da Fazenda Pública, segundo a técnica legislativa da Lei 12.153/2009 adotou um critério positivo, em razão do valor, limitado por critério negativo, em razão da matéria. A combinação desses critérios, acrescida da competência em razão da pessoa (art. 5.º, I, da Lei 12.153/2009), representa autêntica “regra de acesso” ao juizado especial da Fazenda Pública. Essa “regra de acesso” tem singular importância. Os juizados especiais exerceram imenso fascínio na magistratura de carreira. Envolvidos no julgamento de imensa quantidade de feitos, a grande maioria de escasso conteúdo econômico, os magistrados brasileiros acalentavam a aspiração de tornar obrigatório o juizado especial. Por óbvio, a criação de estrutura judiciária paralela, embora mais econômica para o erário, e com meios materiais deficientes e precários, presta-se tão só a diminuir a carga de trabalho dos órgãos judiciários comuns. O destinatário da prestação jurisdicional, arrastado para outra via, não é beneficiado diretamente. É justo assinalar, porém, que as condições econômicas dos réus e a técnica processual resolveram, a contento, o problema da execução forçada por menor quantia, e, assim, o regime se mostra atraente. Trata-se de efeito colateral. E, realmente, o objetivo foi alcançado. Existindo na comarca ou na seção judiciária vara instalada do juizado especial, reza o art. 2.º, § 4.º, da Lei 12.153/2009, a competência é absoluta. A regra recebeu doestos por sua escassa técnica legislativa,127 mas preencheu a finalidade. O art. 2.º, § 1.º, I a III, da Lei 12.153/2009 pré-exclui determinadas causas da órbita dos juizados especiais da Fazenda Pública. Não importa que o respectivo valor atenda à competência do art. 2.º, caput. A matéria definida na petição inicial elimina a competência do juizado especial. A consequência é a extinção do processo (infra, 491). Em vão se localizará um denominador comum nessas exceções. A regra utiliza bases variáveis e pouco uniformes na ojeriza ao juizado especial. O inc. I do art. 2.º, § 1.º, por exemplo, flagrantemente afasta procedimentos que, em virtude da ordem serial dos atos processuais, não se acomodariam ao procedimento comum dos juizados especiais, derivado da aplicação subsidiária da Lei 9.099/1995. Ficam excluídas, portanto, as seguintes causas, todas jungidas a procedimento autônomo: (a) a pretensão fundada em direito líquido e certo e amparada por mandado de segurança (Lei 12.016/2009); (b) a pretensão à demarcação e à divisão, porque um dos vizinhos ou um dos condôminos pode ser uma das pessoas mencionadas no art. 5.º, II, da Lei 12.153/2009 (v.g., o Estado-membro); (c) a pretensão à desconstituição dos negócios jurídicos ilegais e lesivos deduzida em ação popular (Lei 4.717/1965); (d) a ação civil pública por improbidade administrativa; (e) execuções fiscais (Lei 6.830/1980); e (f) a ação civil pública fundada em direitos ou interesses difusos ou coletivos. Na comparação com o art. 3.º, § 1.º, I, in fine, da Lei 10.259/2001, avulta a omissão no catálogo da restrição aos interesses individuais homogêneos. É correta a possibilidade de veicular pretensão dessa natureza dos juizados
especiais da Fazenda Pública.128 E, com efeito, nessa hipótese há tutela coletiva de direitos, e, não, tutela de direitos coletivos (difusos ou não). Nada impede, portanto, que duas ou mais pessoas, atingida por idêntico ilícito, promovido por uma das pessoas do art. 5.º, II, da Lei 12.153/2009, demandem em conjunto nos juizados especiais da Fazenda Pública, favorecidos pela limitação do valor da causa por cabeça, e, não, por processo. A menção às “execuções fiscais” não se encontra formulada tecnicamente. O dispositivo não apanha a pretensão à realização de créditos, disciplinada na Lei 6.830/1980, pois a Fazenda Pública não pode figurar como autor, mas as pretensões do devedor contra os créditos passíveis de inscrição e exequíveis com base na certidão de dívida ativa (art. 784, IX), do NCPC, exemplificativamente arroladas no art. 38 da Lei 6.830/1980 (v.g., ação anulatória). O art. 2.º, § 1.º, II, da Lei 12.153/2009 pré-exclui as causas relativas a imóveis dos Estados-membros, do Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles veiculadas. A regra abrange as pretensões reais (v.g., a reivindicatória; a negatória de servidão, e assim por diante) e possessórias. O fundamento da exclusão reside na virtual complexidade dessas causas. Não alcança a restrição, todavia, os bens imóveis das empresas públicas (v.g., Caixa Econômica Federal), haja vista a necessária interpretação restritiva da regra, que não as menciona. Finalmente, o art. 2.º, § 1.º, III, da Lei 12.153/2009 retira competência dos juizados especiais da Fazenda Pública o controle judiciário das sanções disciplinares impostas a servidores militares, de qualquer natureza, e a sanção disciplinar da demissão (desligamento do serviço público) imposta aos servidores civis. As sanções de menor gravidade (v.g., a advertência, a suspensão, a disponibilidade), que não desfazem o vínculo do servidor com a Administração, podem ser controvertidas nos juizados especiais. 399.3. Competência em razão da matéria dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal (critério negativo) – Em relação ao critério negativo de competência, em razão da matéria, há diferenças frisantes com o art. 2.º, § 1.º, da Lei 12.153/2009. O art. 3.º, § 1.º, I, é bem mais abrangente que o congênere na lei posterior. Uma das razões consiste na competência em razão da matéria da Justiça Federal. Por isso, além das matérias já mencionadas, excluem-se da competência dos juizados especiais da Fazenda Pública Federal: (a) as causas referidas no art. 109, II (causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País), III (causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional) e XI (disputa sobre direitos indígenas), da CF/1988, examinadas no capítulo dedicado à competência; (b) desapropriação, regulada em procedimento especial (Dec.-lei 3.365/1941); e (c) causas relativas a interesses individuais homogêneos. Litígios sobre imóveis de propriedade das empresas públicas são admissíveis nesses juizados, por omitida referência a tais pessoas jurídicas no art. 3.º, § 1.º, II, da Lei 10.259/2001.
O art. 3.º, § 1.º, III, da Lei 10.259/2001 pré-exclui a pretensão à invalidação de ato administrativo, originário de autoridade federal, salvo o previdenciário e o lançamento fiscal. Em consequência, as pretensões arroladas no art. 38 da Lei 6.830/1980 mostram-se admissíveis nos juizados especiais da Fazenda Pública Federal. E as causas que envolvam sanções disciplinares impostas a servidores militares e a sanção de demissão ao servidor civil são excluídas (art. 3.º, § 1.º, IV, da Lei 10.259/2001). 399.4. Competência executiva nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum – O art. 3.º, § 1.º, da Lei 9.099/1995 estabelece a competência para a execução fundada em título judicial (inc. I) e em título extrajudicial (inc. II). Inovou, relativamente aos antigos JEPC, e tocou no ponto sensível do sistema dos juizados especiais, depositário das esperanças gerais. A bem da clareza, cumpre examinar as duas espécies separadamente. 399.4.1. Competência dos juizados especiais ordinários para executar títulos extrajudiciais – O art. 3.º, § 1.º, II, da Lei 9.099/1995 realiza remissão ao art. 784 do NCPC, que é a fonte legal dos títulos executivos extrajudiciais, subordinados ao princípio da tipicidade ou reserva legal. Não há título executivo sem previsão legal a esse respeito. Mas, o catálogo desses títulos, no direito pátrio, releva-se excessivamente amplo, implicando a redução do campo de atuação da ação monitória. O título executivo é a representação documental do crédito exigida como prova pré-constituída do surgimento da pretensão a executar.129 Logo, o juizado especial assumiu competência para executar créditos. Nenhuma restrição há, na lei especial, no que tange à espécie do título extrajudicial ou à natureza da obrigação nele contemplada. É lícito fundar a execução tanto em cheque, em nota promissória, em debênture (art. 784, I) quanto em contrato de locação de imóvel (art. 784, VIII), em transações referendadas (art. 784, IV) ou em hipoteca (art. 784, V). E mesmo os títulos previstos em leis extravagantes (art. 784, XII), a exemplo dos honorários de advogado (art. 24 da Lei 8.906/1994: “(…) e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos (…)”), se mostram admissíveis nos juizados especiais.130 Por óbvio, exclui-se o inc. IX do art. 784 (certidão de dívida ativa), título próprio para a execução fiscal (Lei 6.830/1980), expressamente ressalvada, quando se tratar da Fazenda Pública Federal, da competência do Juizado Cível Federal (art. 3.º, § 1.º, I, da Lei 10.259/2001).131 E, de resto, obrigações de qualquer natureza, de resto, revelam-se exequíveis nos juizados especiais. Evidencia esse fato a remissão aos documentos públicos e particulares em que o executado figura como devedor e a hipótese de a execução se fundar em transação referendada pelo órgão competente do Ministério Público, a teor do art. 57, parágrafo único, da Lei 9.099/1995, na qual, de acordo com o caput, é indiferente a natureza do direito.132 No entanto, há ressalva explícita quanto ao valor do crédito. A competência se cingirá a quarenta salários mínimos (art. 3.º, § 1.º, II, da Lei 9.099/1995) – e até sessenta salários mínimos do Juizado Cível Federal, incluindo neste montante as prestações vincendas (art. 3.º, caput e § 2.º, da
Lei 10.259/2001) –, e o que exceder a tal valor, reza o art. 3.º, § 3.º, da Lei 9.099/1995 em caso de opção do credor pelo procedimento dos juizados especiais, implicará “renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido” no parágrafo anterior, exceto ocorrendo conciliação. Evidentemente, o valor do crédito apurar-se-á na data do ajuizamento, mostrando-se irrelevante sua evolução posterior, decorrente do acréscimo de juros e de correção monetária. A cláusula do art. 3.º, § 3.º, da Lei 9.099/1995, se combina com o art. 53, § 1.º, da Lei 9.099/1995, que prevê a designação de audiência, na própria execução, para encontrar rápida solução da lide, através de várias medidas, entre as quais “o pagamento do débito a prazo ou a prestação” (art. 53, § 2.º, da Lei 9.099/1995). Idêntica oportunidade surgirá após o julgamento dos eventuais embargos (art. 53, § 3.º, da Lei 9.099/1995) Em outras palavras, exequente e executado, e a própria autoridade judiciária, ex officio, podem suspender a execução pelo prazo necessário ao cumprimento voluntário da obrigação. Nessa modalidade de suspensão típica das vias executivas, prevista no art. 922 do NCPC, inexiste prazo máximo para a imobilização do processo. A palavra “renúncia”, relativamente ao destino do valor excedente a quarenta salários mínimos, previsto no(s) título(s) extrajudicial(ais) que funda(m) a execução, e a possibilidade de as partes conciliarem tal excesso, talvez suscitem maiores dúvidas. Renúncia “é o fato pelo qual o titular do direito declara a vontade de se desfazer dele”, e, por esse motivo, “inclui-se entre os modos de “extinção subjetiva” dos direitos, posto não dependa, para valer, da aceitação de outrem”.133 Acontece que, cuidando-se de direito de crédito, os arts. 385 a 388 do CC aludem à remissão, que “é uma espécie particular de ‘renúncia a um direito’ aplicada ao direito de crédito”.134 Empregou o legislador, portanto, a figura genérica da “renúncia”, no lugar da adequada ao direito de crédito – remissão –, para representar o perdão da dívida excedente a quarenta salários mínimos pelo credor. O limite previsto no art. 3.º, § 1.º, II, da Lei 9.099/1995, aparentemente, não é individual. Não se limita a cada um dos títulos executivos exibidos, mas ao conjunto de títulos apresentados pelo exequente, homogêneos (v.g., vários cheques) ou não (v.g., uma promissória e um cheque), e ao montante geral da dívida do executado. E isso porque o art. 3.º, § 3.º, alude a “crédito”, não a título executivo. Ao optar pelo procedimento dos juizados especiais, o credor abdicará da cobrança de outros créditos, ainda que contemplados em títulos diversos, cujo valor exceda o teto legal. Esta interpretação não parece alterada pelo disposto no art. 17, § 4.º, da Lei 10.259/2001, que menciona a possibilidade de o exequente renunciar à parte excedente a sessenta salários mínimos, definida de crédito de pequeno valor (art. 100, § 3.º, da CF/1988, c/c o art. 17, § 1.º, da Lei 10.259/2001), para recebê-lo independentemente de precatório. Seja como for, ressalvou-se a hipótese de conciliação entre as partes, tendo por objeto o crédito remanescente (art. 3.º, § 3.º, da Lei 9.099/1995 in fine: “(…) excetuada a hipótese de conciliação (…)”). O devedor que conciliar
tal parcela, após a prévia renúncia do credor, se comportará como pródigo ou alguém de acendrados princípios morais. Ressalva feita ao aspecto prático da aplicação dessa faculdade, e o móvel da declaração de vontade do devedor, a conciliação mostra legítima e admissível. Lícito se afigura ao credor revogar a remissão, “até que não tenha criado outro direito que lhe possa ser oposto”,135 exceto quando ela decorrer de mútuo acordo dos figurantes no vínculo obrigacional, ou seja, de contrato. E semelhante consenso é incompatível com a remissão ope legis, prevista no art. 3.º, § 3.º, da Lei 9.099/1995, A situação irreversível, consolidando a renúncia, criar-se-á mediante a solução da dívida, naquele teto de quarenta (juizados especiais da Justiça Comum) ou sessenta (Juizados especiais da Justiça Federal), conforme o caso, e a inexistência de conciliação na audiência, a esse respeito, a teor do art. 53, § 2.º, da Lei 9.099/1995, ou após o julgamento da reação do executado, por intermédio de embargos (art. 53, § 3.º, da Lei 9.099/1995). Também existe exceção implícita, relativamente a certos títulos, derivada da exclusão de partes do juizado especial (art. 8.º, caput, e § 1.º, da Lei 9.099/1995). Desse modo, exclui-se dos títulos extrajudiciais admissíveis, a priori, a certidão da dívida ativa, cuja execução se subordina ao rito da Lei 6.830/1980, porque as pessoas jurídicas de direito público não podem figurar nos polos da relação processual e são titulares dos créditos incorporados na certidão de dívida ativa (art. 784, IX). Foi o que estabeleceu, expressamente, o art. 3.º, § 1.º, I, da Lei 10.259/2001, quanto à Fazenda Pública Federal, e o art. 2.º, § 1.º, I, da Lei 12.153/2009, relativamente à Fazenda Pública do Distrito Federal, dos Territórios (hoje inexistentes) e dos Estados-membros. E, não se admitindo, igualmente, as pessoas jurídicas na qualidade de demandantes (art. 8.º, § 1.º, da Lei 9.099/1995), excluem-se outros títulos, previstos em leis extravagantes, ou no próprio art. 784 do NCPC, a exemplo das cédulas de crédito rural (art. 9.º do Dec.-lei 167/1967), cuja titularidade cabe aos “órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural e pessoa física ou jurídica” (art. 1.º do Decreto-lei 167/1967), e das duplicadas (art. 784, I), sacadas por empresários e pelas pessoas do art. 20 da Lei 5.474/1968. Em síntese, a remissão genérica à regra predecessora do art. 784 enfrenta duas ordens de restrição: (a) o valor do título executivo: somente se admitirão os que não exibam valor maior do que quarenta salários mínimos, ressalva feita à renúncia do credor quanto à parte excedente a esse teto; (b) a exclusão, absoluta ou relativa, de certas partes: não poderão executar as pessoas jurídicas e as pessoas excluídas da competência dos juizados especiais. 399.4.2. Competência dos juizados especiais ordinários para executar títulos judiciais – O art. 3.º, § 1.º, I, da Lei 9.099/1995, autoriza a execução de “seus julgados”. É similar a redação do art. 3.º, caput, parte final, da Lei 10.259/2001 (“(…) bem como executar as suas sentenças”). Todavia, excluída a execução de títulos extrajudiciais na órbita dos juizados especiais da Justiça Federal, haja vista a omissão da lei especial, essa disposição conjuga-se à sua competência em razão da matéria.
Inicialmente, o dispositivo eliminou a dúvida sobre o destino das execuções pendentes, a partir da vigência da Lei 9.099/1995, e, especialmente, da instalação dos juizados por lei estadual (art. 95). Fundadas essas execuções em títulos judiciais, ainda que originários das causas relacionadas no art. 3.º, I a IV, essas execuções continuarão tramitando nos respectivos juízos de origem. E a razão é simples: não se cuidam de “julgados” dos juizados especiais. Esta conclusão logra reforço no art. 25 da Lei 10.259/2001, segundo o qual as demandas ajuizadas até a data da instalação do Juizado Cível Federal permanecerão no juízo originário. Em tal assunto, assumem relevo as eventuais sentenças proferidas nas causas de rito sumário (art. 275, II, do CPC de 1973 c/c art. 1.063 do NCPC), bastante numerosas no comércio jurídico. Não ocorrerá qualquer deslocamento da execução para o novel juizado especial. Importa verificar, ao invés, a eficácia principal das pretensões que originam os julgados no juizado especial e a eventual uniformidade do seu tratamento in executivis. A classificação das pretensões por sua força e efeitos recebeu exame no capítulo próprio (retro, 230). Nada obstante, impõese esclarecer as diferenças desde logo. Logo se notará que a ação de despejo (art. 3.º, III, da Lei 9.099/1995), e, dentre as ações possessórias (art. 3.º, IV, da Lei 9.099/1995), a de reintegração de posse,137 já nascem com força executiva. Por esse motivo, recaindo os atos executivos sobre bens do vencedor, os atos de deslocamento forçado de pessoas e de coisas se realizam internamente à relação processual originária. 136
O art. 52, IV, in fine, da Lei 9.099/1995, preserva essa característica. Formulado o pedido do exequente, reza o dispositivo, “proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação”. Idêntica orientação se aplicará às demais ações possessórias mandamentais.138 As pretensões de força executiva da competência originária do juizado especial – por exemplo, o despejo para uso próprio – executar-se-ão pela forma tradicional, através de mandado do órgão judiciário, não se lhes aplicando, porque desnecessárias, as providências contempladas no art. 52, V, da Lei 9.099/1995. Entre as causas que, em razão do valor (art. 3.º, I, da Lei 9.099/1995, subordinam-se aos juizados especiais, há as de força declarativa e constitutiva predominantes. Essas pretensões satisfazem, de per si, a aspiração do autor, prescindindo de execução. Só as sentenças condenatórias, ou que reconheçam obrigação exigível do vencido, na fórmula do art. 515, I, do NCPC mostram-se exequíveis. As causas que se submetem, via de regra, ao procedimento sumário em razão da matéria (art. 275, II, do CPC de 1973 c/c art. 1.063 do NCPC) – na comparação dos quatro incisos do art. 3.º, somada à menção singela a valor superior, do art. 9.º, caput, segunda parte, da Lei 9.099/1995 chega-se à conclusão que inexiste limite de valor –, apresentam natureza muito heterogênea. Ao incluí-las nos juizados especiais, o legislador incorreu na
grave temeridade de presumir simplicidade em hipóteses muito discutíveis, fenômeno inteiramente estranho à expressão econômica da causa. Também nessas hipóteses as sentenças ostentarão forças heterogêneas. Assim, o art. 275, II, a, do CPC de 1973 abrange, dentre outras pretensões, a dissolução do arrendamento rural e a declaração da existência da parceria agrícola, denotando carga constitutiva e declaratória. Na maioria dos casos, porém, a sentença apresentará força condenatória (v.g., a reparação de dano causado em acidente de veículo, a teor do art. 275, II, d, do CPC de 1973). Esses dispositivos não têm correspondência no NCPC, mas subsiste a competência nessa matéria, por força do art. 1.063 desse diploma. Finalmente, o processo-crime, perante o juizado especial, objetivará, “sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima” (art. 62 da Lei 9.099/1995), e eventual composição em torno desses danos reduzir-se-á a termo nos autos, imediatamente homologado, o qual “terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente” (art. 74, caput, da Lei 9.099/1995). O “juízo civil”, mencionado genericamente no art. 74, caput, será o próprio juizado especial (art. 3.º, § 1.º, I, da Lei 9.099/1995), não excedendo o valor do dano a quarenta salários mínimos, admitida a renúncia ao excedente (art. 3.º, § 3.º, da Lei 9.099/1995). Tal exame sumário permite traçar duas diretrizes básicas à execução dos julgados produzidos nos juizados especiais, a saber: (a) alguns julgados não comportam execução, porque exigem carga declarativa ou constitutiva, modalidades autosatisfativas de tutela; (b) as sentenças que, em virtude de sua natureza condenatória, executiva ou mandamental, provocam a função executiva, executar-se-ão de modo ordinário, atendidas e respeitadas as modificações introduzidas no art. 52 da Lei 9.099/1995. Em outras palavras, a sentença que julga procedente o despejo para uso próprio, como antes afirmado, executar-se-á independentemente da notificação prevista no art. 65, caput, da Lei 8.245/1991: o alugador, vencido na demanda, “será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado” (art. 52, III, da Lei 9.099/95), mediante a singela evacuação do prédio, com o emprego de força, se necessário, inclusive de arrombamento. Por outro lado, a execução das sentenças condenatórias, no juizado especial da Justiça Comum, seguirá o roteiro do art. 52 da Lei 9.099/1995, e, subsidiariamente, o padrão geral. É digno de realce, nesse particular, o empregado da palavra julgado, tanto no art. 3.º, § 1.º, I, da Lei 9.099/1995, quanto no art. 3.º,caput, parte final, da Lei 10.259/01, em lugar de sentença. Na verdade, a última terminologia respalda-se no vezo da tradição. Também outros atos decisórios, designados como decisões (art. 203, § 2.º, do NCPC) e acórdãos (art. 204 do NCPC), ostentam a eficácia de título executivo. Este último ato, originário do órgão de segundo grau, não se afigura estranho aos juizados especiais, conforme se infere do art. 46, in fine, e art. 48, caput, da Lei 9.099/1995 (“Caberão embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão (…)”). A rigor, o pronunciamento da turma recursal substituirá a sentença de primeiro grau, por força do seu efeito substitutivo (art. 1.008 do NCPC), e a execução basear-se-á no acórdão. Por sua vez, no processo civil comum há vários exemplos de “decisões” com força executiva. Por
conseguinte, “julgado” retrata adequadamente a heterogeneidade dos atos decisórios que fornecem ao vitorioso o título judicial e a “chave” da execução forçada. O art. 515, I, do NCPC preferiu a palavra ampla “decisões”. Feitas essas considerações, parece lícito admitir que a tutela provisória de urgência antecipada, relacionado a pedido de condenação do réu, concederá ao autor título executivo.139 É o caso, por exemplo, da pretensão “de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre”, subordinada ao rito sumário em razão da matéria (art. 275, II, d, do CPC de 1973 c/c art. 1.063 do NCPC), e, nessa qualidade, inserido na competência do juizado especial da Justiça Comum (art. 3.º, II, da Lei 9.099/1995). Não há dúvida de que, observados os pressupostos do regime comum, mostrar-se-á lícita a tutela provisória nos juizados especiais. Funda-se o bem avisado alvitre na aplicação subsidiária do estatuto processual aos juizados especiais.140 É importante acentuar que a execução dependerá da força da ação (por óbvio, não se descarta a antecipação dos efeitos executivo e mandamental) e realizar-se por intermédio dos meios executivos inerentes à efetivação do provimento final.141 Fica evidente, a partir do exame das eficácias principais das pretensões de competência originária dos juizados especiais, a amplitude da atividade executiva nesse âmbito. Ela não se cinge a créditos, nem a provimentos finais, concebendo a execução de direitos reais.142 399.5. Competência executiva dos juizados especiais da Fazenda Pública – O ponto alto dos juizados especiais da Fazenda Pública reside na competência executiva, originária da Lei 10.259/2001, e decorrente da cláusula “… e execução, nas causas de sua competência” do art. 1.º, caput, parte final, da Lei 12.153/2009. O art. 100, § 3.º, da CF/1988, introduzido pela EC 30/2000, e mesmo na redação da EC 62/2009 – subsistente em parte, após o encerramento do julgamento no STF –, subtraiu a execução das dívidas de menor valor da Fazenda Pública do regime geral do precatório. A disposição se conjuga à Lei 12.153/2009 e suscita alguns problemas, inclusive limitando, em razão do valor, a competência dos juizados especiais da Fazenda Pública. O art. 100, § 3.º, da CF/1988 excluiu a dívida de pequeno valor do regime do precatório e suscitou o problema da sua definição. Essa regra constitucional remete à lei (federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) semelhante disposição. E o art. 100, § 4.º, da CF/1988 (EC 62/2009) estipula que leis próprias podem definir valores distintos, relativamente às diversas pessoas jurídicas que integram a Administração de cada pessoa da Federação, de acordo com as respectivas capacidades econômicas, fixando como piso dessas leis o “valor do maior benefício do regime geral de previdência social” (art. 100, § 4.º, da CF/1988). Para as obrigações da Fazenda Pública Federal, ou melhor, das pessoas jurídicas que se legitimam, passivamente, no procedimento da Lei 10.259/2001, o valor é de sessenta salários mínimos, a teor do art. 17, § 1.º, desse diploma. Ressalva feita a regra diferente, em vigor nos respectivos
Estados-membros e Municípios, o art. 87 do ADCT estipulou quarenta e trinta salários mínimos para a Fazenda Estadual, Distrital e Municipal.143 Idêntica regra se localiza no art. 97, § 12, do ADCT da CF/1988. O art. 2.º, caput, da Lei 12.153/2009, que instituiu os juizados especiais da Fazenda Pública, para processar, conciliar e julgar determinadas causas contra a Fazenda Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, estipulou como teto o valor de sessenta salários mínimos. Todavia, tratando do pagamento da obrigação pecuniária, após o trânsito em julgado do provimento judicial, o art. 13, § 2.º, do referido diploma considera que a obrigação a ser paga independentemente de precatório terá como “limite o que for estabelecido na lei do respectivo ente da Federação”, e o § 3.º do mesmo artigo repete, no caso de inexistência de lei específica, os limites do art. 87 e do art. 97, § 12, I e II, do ADCT da CF/1988, combinados com o art. 100, § 4.º, da CF/1988, que autoriza a fixação de valores diferentes para as pessoas jurídicas que integram a Administração Indireta do Estado-membro, do Distrito Federal e do Município, estabelecendo, ademais, um piso – o “valor do maior benefício do regime geral de previdência social”. Portanto, não ocorreu modificação do valor para a execução de menor quantia. Dependerá da lei estadual, distrital ou municipal a fixação de outros valores. Por conseguinte, a execução das sentenças proferidas no juizado especial da Fazenda Pública, perante os Estados-membros, o Distrito Federal, e os Municípios, bem como as entidades que compõem a Administração Indireta (art. 5.º, II, da Lei 12.153/2009), encontra-se limitada por imposição constitucional, salvo lei oriunda dessas pessoas jurídicas, aos valores de quarenta e trinta salários mínimos (art. 13, § 3.º, I e II, da Lei 12.153/2009). § 91.º Competência em razão do valor 400. Fontes da competência em razão do valor A competência em razão do valor decorre das regras de organização judiciária. É mencionada ligeiramente no art. 63, caput, do NCPC. É dessa natureza competência dos juízes de investidura temporária, permitidos pelo art. 144, § 1.º, da CF/1988, figura extinta na vigente ordem constitucional, mas estabilizados no cargo os que se encontravam investidos, a teor do art. 21, caput, da CF/1988. Trata-se de competência a que se chega após a consumação das seguintes etapas: (a) a resolução da questão relativa à competência territorial, identificando a comarca; (b) em seguida, a identificação do juízo, ou seja, a da vara, comum ou privativa; e (c) por fim, alcançado este estágio, existindo na vara o juiz de direito e o pretor, a competência deste último firma-se em razão do valor. Em geral, as partes atenção nenhuma dedicam ao fato de encarregaremse da causa o juiz de direito ou o pretor, porque mais se importará os predicados da pessoa (v.g., a operosidade e a proficiência), ocupante de um ou de outro cargo, que a autoria dos provimentos judiciais em certa vara. E, além disso, a distribuição é automática, no âmbito da vara, e, assim, nenhum
relevo maior assume o fato de o autor até ignorar a existência do pretor naquela circunscrição judiciária. Como quer que seja, a competência civil do pretor no Rio Grande do Sul decorre do art. 87, I e II, do COJE/RS – Lei 7.356-RS, de 01.02.1980 –, competindo-lhe julgar causas, até o valor de sessenta salários mínimos, limitadas às seguintes matérias: (a) ações de rito comum do processo de conhecimento; (b) a execução de alguns títulos extrajudiciais; (c) as ações de despejo de prédios urbanos e rurais; (d) ações de consignação em pagamento; (e) ações fundadas em contratos de alienação fiduciária; (f) a execução, as cautelares e os embargos de terceiro relacionados aos processos anteriores. Ao pretor incumbe, por fim, processar os inventários e os arrolamentos de qualquer valor, e julgar os de valor até mil salários mínimos, mas excluídas as questões testamentárias, as questões de estado, e qualquer matéria de alta indagação. E a competência civil do pretor no Estado do Pará, segundo os arts. 123, I, II, V, e parágrafo único, e 127 do COJE/PA (Lei 5.008-PA, de 24.12.1981), abrange o seguinte: (a) no interior e na capital, as causas e os arrolamentos, até o valor, respectivamente, de sessenta e cinquenta valores de referência da região; (b) autorizar a realização das citações e das penhoras em domingos e férias, ou nos dias úteis até às vinte e quatro horas; (c) em caso de urgência, abrir os testamentos e os codicilos, providenciando o enterro e lavrando os termos de abertura; (d) nas varas de assistência judiciária da capital, quaisquer feitos, desde que não envolvam matéria referente ao estado e a capacidade das pessoas, limitados a cinquenta salários de referência da região. A competência em razão do valor do pretor não altera a competência recursal. Porém, sendo absoluta do “menos para o mais” (ou seja, a competência do juiz de direito abrange a do pretor, mas a do pretor não se estende às causas de maior valor), altera a distribuição pela prevenção (infra, 401).144 A competência em razão do valor não apresenta, no direito brasileiro, a importância reconhecida em outros ordenamentos. Todavia, a criação dos juizados especiais, nos termos do art. 98, I, da CF/1988, para processar e julgar causas de menor complexidade revigorou o critério. Nos juizados, o valor da causa funciona como elemento para subordinar a causa ao procedimento, limitado em razão da matéria. Feita a opção pelo procedimento dos juizados especiais da Justiça Comum, defronta-se o autor com as questões subsequentes do problema de competência. A competência territorial, nos juizados, merecerá item específico. Por conseguinte, tem função diferente o valor das causas nos juizados especiais. Porém, a relevância do assunto impõe a análise da competência dos juizados especiais comuns e federais. 401. Competência em razão do valor nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum
O critério básico da competência dos juizados especiais é o valor da causa. Entende-se por tal a quantia em dinheiro que corresponde ao benefício, proveito ou vantagem pretendida pelo autor do réu, nos limites do(s) pedido(s) formulado(s) na demanda.145 O art. 3.º, I, da Lei 9.099/1995 estipula o valor máximo do conteúdo econômico em quarenta salários mínimos. O simples ingresso em juízo, nos juizados especiais, implicará renúncia ao excedente, reza o art. 3.º, § 3.º, salvo existindo conciliação das partes sobre tal valor. À vista do disposto no art. 98, I, da CF/1988, que subordina os juizados especiais às causas de menor complexidade econômica, e, segundo o parâmetro econômico adotado, no valor de até quarenta salários mínimos, estima-se que não importa a natureza da causa. O juizado especial é competente conciliar, processar, julgar e executar quaisquer pretensões, salvo as do art. 3.º, § 2.º, da Lei 9.099/1995, respeitada a competência em razão do valor.146 Em tal hipótese, as causas mencionadas no art. 3.º, I e II, teriam caráter exemplificativo, mas não abrangeriam os procedimentos especiais ou regulados em leis extravagantes (v.g., o despejo por falta de pagamento).147 Por outro lado, nessa linha de raciocínio, nas causas indicadas nesses incisos, porque presumivelmente de “menor complexidade”, não importa o valor.148 Os dois requisitos – natureza da causa e quarenta salários mínimos – somente se conjugariam nas ações possessórias relativas a bens imóveis, em virtude da remissão expressa do art. 3.º, IV, da Lei 9.099/1995. O valor da causa, incluindo o pedido principal e os pedidos implícitos (infra, 1.288), apura-se no momento da propositura. Não influenciam a competência os eventos posteriores: (a) o aumento do salário mínimo; (b) o acréscimo de juros e de correção monetária. Pode acontecer que, relativamente aos créditos muito próximos ao texto de quarenta salários mínimos, e a despeito da brevidade do procedimento, o valor da condenação, no momento do julgamento, ultrapasse o valor máximo admissível. Essa circunstância não retira a competência do juizado especial para executar o respectivo julgado. O caso das prestações sucessivas, automaticamente incluídas na condenação (art. 323 do NCPC), não escapa à regra. É preciso que a soma das prestações, na oportunidade da propositura, não exceda o texto de quarenta salários mínimos.149 O acréscimo posterior não elimina a competência. Por outro lado, incidem as regras gerais de determinação do valor da causa para definir a competência do juizado especial: (a) no caso de cumulação de pedidos simples, a soma não pode ultrapassar o texto de quarenta salários mínimos; (b) no caso de pedidos alternativos, em que prevalece o pedido de maior valor para definir o valor da causa, o juizado especial mostrar-se-á competente na hipótese de nenhum deles ultrapassar o teto, excluindo-se da competência o que porventura excedê-lo, se este for o caso de um dos pedidos. Idêntica regra vigora para a cumulação eventual (art. 326, caput, do NCPC): ambos os pedidos, o antecedente e o subsequente, devem inserir-se na órbita do art. 3.º, I, da Lei 9.099/1995, excluindo-se o que exceder ao teto. E, por fim, no caso de litisconsórcio ativo, o teto apura-se por autor, e, não por processo. Não há regra que distribua, entre os litisconsortes, os limites da “renúncia”, para submeter o processo, no seu conjunto, ao juizado especial,
ou que determine, explicitamente, que a soma do valor das pretensões dos litisconsortes ativos cingir-se-á ao teto. 402. Competência em razão do valor dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Ordinária Compete ao juizado especial da Fazenda Pública, na Justiça ordinária, processar, conciliar e julgar as causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios até o valor de sessenta salários mínimos (art. 2.º, caput, da Lei 12.153/2009). É o valor definido no art. 100, § 3.º, da CF/1988 como crédito de menor quantia e consta, igualmente, do art. 17, § 1.º, da Lei 10.259/2001. As considerações já feitas no item dedicado aos juizados especiais ordinários aplicam-se integralmente. É idêntico o tratamento do valor na causa nas diversas espécies de cumulação de pedidos e no litisconsórcio ativo. Em relação às prestações de trato sucessivo, o art. 2.º, § 2.º, da Lei 12.153/2009, feriu o ponto com propriedade, estipulando que a soma das prestações vencidas e das doze prestações vincendas ao ajuizamento não pode ultrapassar o teto de sessenta salários mínimos. Entende-se por renunciado, explicitamente, o valor excedente ao teto. Do contrário, recusando-se o autor essa limitação, o processo será extinto. É um ponto importante na competência executiva (infra, 415.2). 403. Competência em razão do valor dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal O juizado especial da Fazenda Pública na Justiça Federal é competente para processar, conciliar, julgar e executar todas as causas de competência da Justiça Federal até sessenta salários mínimos (art. 3.º, caput, da Lei 10.259/2001). Esse é o valor definido como dívida de pequeno valor da Fazenda Pública Federal para os efeitos do art. 100, § 3.º, da CF/1988, segundo reza o art. 17, § 1.º, da Lei 10.259/2001. Valem, aqui, as considerações já expendidas quanto à definição de valor da causa como fator determinante da competência dos juizados especiais (retro, 401). É digno de nota que, relativamente às prestações de trato sucessivo, o art. 3.º, § 2.º, da Lei 10.259/2001 determina que a soma das doze prestações vincendas não poderá exceder o teto. Todavia, a regra não comporta interpretação literal. O valor das prestações vencidas e vincendas é que não pode ultrapassar o teto. Do contrário, a competência se estenderia além desse limite, implicando necessária renúncia do exequente ao excesso na execução, o que não se harmoniza com os propósitos da regra. O caráter “absoluto” da competência, onde houver vara de juizado especial instalada, a teor do art. 3,º, § 2.º, da Lei 10.259/2001, destina-se a impedir a opção do autor pela jurisdição comum, nas causas da competência do juizado.
Capítulo 24. COMPETÊNCIA FUNCIONAL
SUMÁRIO: § 92.º Competência funcional – 404. Conceito de competência funcional – 405. Fontes da competência funcional – 406. Espécies de competência funcional – 407. Relevância da competência funcional – § 93.º Competência funcional vertical – 408. Fundamentos da competência funcional vertical – 409. Competência vertical dos tribunais superiores – 410. Competência vertical dos tribunais de segundo grau – 411. Competência vertical da Justiça Federal de primeiro grau – 411.1 Competência para executar carta rogatória – 411.2 Competência para executar sentença estrangeira – § 94.º Competência funcional horizontal – 412. Fundamentos da competência funcional horizontal – 413. Competência horizontal dos tribunais superiores – 414. Competência horizontal dos tribunais de segundo grau – 415. Competência horizontal dos juízes de primeiro grau – 415.1 Competência funcional na prática de atos processuais – 415.2 Competência funcional na execução de título judicial – 415.3 Competência funcional na execução por carta. § 92.º Competência funcional 404. Conceito de competência funcional A noção de competência funcional originou-se no seio do movimento formador dos principais conceitos do direito processual civil. Percebeu-se a distribuição de funções diferentes a órgãos judiciários distintos no mesmo processo. Tal é a noção corrente de competência funcional.1 Fenômeno verificado, por exemplo, na hipótese de o vencido em primeiro grau interpor apelação para o tribunal.2 A doutrina brasileira acolheu essa figura com algum retardo.3 A ela aludiu, finalmente, o CPC de 1973. De seu turno, fiel ao arranjo legislativo da Seção I – Disposições Gerais – do Capítulo I – Da Competência – do Título III – da Competência Interna –, o NCPC não destacou espécie de competência, referindo-se a ela, ligeiramente, o art. 62, caput. Uma imagem convincente explica a competência funcional evocando o jogo de cartas. As cartas são distribuídas a vários jogadores (competência territorial), mas, à medida que o jogo se desenvolve, “um jogador pode ser substituído por outro que continua a tarefa do anterior” (competência funcional).4 Existe outro sentido corrente à expressão “competência funcional”. Utilizao, por exemplo, no art. 2.º da Lei 7.347/1985, segundo o qual a ação civil pública será proposta no lugar onde ocorreu o dano, “cujo juízo terá competência para processar e julgar a causa”. Diz-se funcional a competência, neste caso, por outra razão: no lugar em que ocorreu o dano, o juízo pode realizar sua função de maneira mais adequada.5 O objetivo da “funcionalidade” consiste em outorgar a esses casos de competência territorial o regime próprio da competência absoluta. Então, identificar-se-iam duas espécies de competência territorial: (a) a simples; e (b) a funcional. A competência territorial simples tem por único objetivo tornar cômoda às partes a atividade jurisdicional. Na competência territorial “funcional”, porém, considerando a natureza da lide, há uma exigência suplementar: o processo desenvolver-se-á perante juízo que, em razão do território, exercitará suas funções de modo mais eficiente.6 O art. 47, § 2.º, do NCPC, expressaria essa tendência, estipulando: “A ação possessória imobiliária será proposta no foro da situação da coisa, cujo juízo tem competência absoluta”.
Essa deturpação do conceito tradicional da competência funcional é infeliz.7 A distribuição territorial da competência inspira-se na hipotética eficácia da atividade jurisdicional, como revela a adoção do domicílio do autor da herança para o inventário e a partilha (art. 48, caput) ou o foro “onde se acha a agência ou sucursal” para as ações que pleiteiam o cumprimento das obrigações contraídas neste lugar (art. 53, III, b). Nesses casos, a competência é relativa, mas sempre se conceberá que seja tratada como absoluta, a exemplo da competência prevista no art. 2.º da Lei 7.347/1985. A lei brasileira chancela a criação de casos de competência territorial “absoluta” (v.g., a do art. 47, § 2.º), mas não porque “funcional”,8 sem embargo da menção a essa segunda categoria por alguns autores.9 Tão infrutífera se mostrou essa concepção de competência territorial “funcional”, porque inderrogável, haja vista a multiplicidade de critérios norteadores das respectivas hipóteses, que acabou reduzida à competência hierárquica.10 Logo se percebeu, na doutrina brasileira, a improrrogabilidade, ou não, da competência territorial respeitar à divisão da competência em absoluta e relativa, e “nada tem a ver com a competência funcional”.11 405. Fontes da competência funcional O art. 93 do CPC de 1973 indicava, como fonte da competência funcional dos tribunais, as normas constitucionais e de organização judiciária, e as regras processuais quanto à competência dos juízos de primeiro grau. O art. 44 do NCPC arrola as fontes legislativas sem qualquer comprometimento com a natureza da competência. A competência dos tribunais brasileiros funda-se em diversos critérios, e, não, só na função.12 A competência recursal do órgão judiciário de segundo grau pode, legitimamente, arvorar-se em funcional e chamar-se, propriamente, de competência hierárquica. A competência originária dos tribunais baseia-se na matéria. É o caso, por exemplo, da competência atribuída ao STF para o controle concentrado de constitucionalidade (art. 102, I, a, da CF/1988). Dir-se-á que “função” do STF é o de guarda da CF/1988 (art. 102, caput) e para exercer este ministério recebeu a mencionada competência. Em outras palavras, o STF desempenharia, ao menos no caso específico do controle abstrato de normas, uma função especial – a jurisdição constitucional. É um modo legítimo de encarar o problema e talvez se mostrasse decisivo se, ao contrário do que acontece, não existisse uma via própria para acudir ao STF.13 No momento em que o STF aglutinou funções tão díspares, inclusive a de tribunal de revisão, haja vista o recurso extraordinário, não parece razoável ignorar o relevo e a predominância da matéria, e não da função, no plexo de atribuições do STF. Na verdade, todo o processo se desenvolve perante o mesmo tribunal e, nele, perante um único órgão – o plenário. Sem a diversidade de órgãos, no mesmo processo, não se pode falar em competência funcional, senão no sentido vulgar.
Em razão da matéria, por igual, é a competência dos tribunais para processar e julgar a rescisória dos seus julgados (v.g., a do TRF, a teor do art. 108, I, b, da CF/1988) e contra os provimentos de mérito emitidos pelos órgãos que lhe são subordinados. Interessa o fato de o provimento revestir-se de autoridade de coisa julgada. Por isso, inexistindo coisa julgada no provimento, conquanto emanado do tribunal, em decorrência do efeito substitutivo do recurso (art. 1.008), a ação anulatória (art. 966, § 4.º) do julgado processar-se-á perante o órgão judiciário territorialmente competente de primeiro grau.14 O tratamento diferente das hipóteses congêneres revela que a competência dos tribunais para julgar rescisórias (LC 35/1979, art. 101, § 3.º, e) considera a matéria, ou seja, na existência ou não de coisa julgada no provimento, e, não, a função do órgão julgador – o “ser” um tribunal. E, mais uma vez, pondere-se que a rescisória (e, a fortiori, os demais remédios de competência originária dos tribunais) é outro processo, exigindo a competência funcional diversidade de órgãos no mesmo processo. As fontes da competência funcional dos tribunais brasileiros ultrapassam a CF/1988 e as leis de organização judiciária. Essa competência decorre, precipuamente, dos regimentos internos, no que prevejam recursos contra atos do relator, da Constituição do Estado-membro, no concernente ao TJ, por força do art. 125, § 1.º, da CF/1988, e do próprio CPC. Exemplos dessa última distribuição funcional de competência, mas horizontal, localizam-se: (a) no incidente de uniformização da jurisprudência que, uma vez admitido na câmara, turma ou grupo de câmaras (art. 948), passará à competência do tribunal (rectius: do órgão especial, onde houver), a teor do art. 949, II; (b) na assunção da competência, ocorrendo “relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processo”, o julgamento da causa ou do recurso passará “ao órgão colegiado que o regimento indicar” (art. 947, § 1.º). A competência funcional dos órgãos judiciários de primeiro grau não é regulada de forma sistemática no NCPC. 406. Espécies de competência funcional Por mais de um motivo, após a catalogação das fontes da competência funcional, cabe ensaiar um esboço classificatório, através da observação das hipóteses legais. A esse propósito, é preciso atentar à noção precisa de competência funcional, anteriormente exposta, e que consiste na distribuição de funções, no mesmo processo, a órgãos judiciários distintos. O manejo seguro do conceito de competência funcional torna possível entender o critério negativo, excluindo algumas situações em que inexiste competência funcional, a despeito de indicações doutrinárias em contrário. De competência funcional não se cuida: (a) na competência do lugar da situação do imóvel para as ações fundadas em direito real (art. 47 do NCPC), porque hipótese de competência territorial, embora absoluta; (b) na competência originária dos tribunais, baseada na matéria ou na pessoa, e, não, na “função” do tribunal, que é a de órgão de sobreposição; (c) na competência por conexão ou por acessoriedade, fenômenos respeitantes à
competência do mesmo juiz para outro processo, e, não, à competência de outro juiz para o mesmo processo; (d) na falência, a competência do “juízo do local do principal estabelecimento do devedor” (art. 3.º da Lei n.º 11.101/2005), erigido no interesse da prestação jurisdicional mais eficiente, porque competência territorial, embora absoluta. Nessas situações, há uma explicação sólida para evidenciar a incompatibilidade de cada hipótese com a noção de competência funcional aqui adotada. Com algum esforço, nelas identificar-se-iam funções do órgão judiciário. Porém, tal elemento é irrelevante, porque o juiz sempre exercerá esta ou aquela função em qualquer processo; e, ademais, ele é insuficiente à determinação da competência; por fim, inexiste atividade de órgãos distintos no mesmo processo. Ao que parece, a extensão inaudita tomada pela competência funcional, se aceitas as hipóteses dentro da classe, deve-se à má transposição da doutrina italiana, principalmente inserindo os processos incidentais no plano da competência funcional.15 Em seguida, o conceito de competência funcional, aqui adotado, permite identificar, positivamente, três diretrizes diferentes para atribuir competência,16 no mesmo processo, para órgãos distintos: (a) a diversidade de graus de jurisdição, que inspira a competência recursal ou hierárquica (v.g., a competência do tribunal de segundo grau para processar e julgar o agravo de instrumento, a teor do art. 1.016, caput); (b) a diversidade do objeto do juízo (v.g., a competência do tribunal ou, onde houver, do órgão especial para declarar a inconstitucionalidade da lei ou de ato normativo, conforme o art. 97 da CF/1988, por maioria absoluta dos seus membros, ou regra do full bench, competindo ao órgão fracionário julgar a causa em conformidade ao declarado); e (c) a diversidade de atos (v.g., a competência do juízo deprecado para processar e julgar os embargos que versarem, unicamente, “vícios ou defeitos da penhora, da avaliação ou da alienação dos bens efetuadas no juízo deprecado”, a teor do art. 914, § 2.º). Percebe-se desses critérios que a competência funcional distribui-se em duas linhas: (a) vertical, em que órgãos de hierarquia diferente atuam no mesmo processo; e (b) horizontal, em que órgãos da mesma hierarquia, mas diferentes, jurisdicionam no mesmo processo. A competência funcional horizontal não se restringe ao primeiro grau. Da decisão do relator, tomada com apoio no art. 932, IV e V, cabe agravo interno para o órgão fracionário do tribunal, exemplificando a distribuição funcional da competência na instância superior. E, quando se mira a competência vertical, impõe-se recordar que inexiste hierarquização da administração da Justiça, porque o órgão ad quem não é pior ou melhor do que o órgão a quo, mas simplesmente superior.17 407. Relevância da competência funcional O critério funcional da divisão da competência é escassamente relevante no primeiro grau.18 No processo civil, a regra é a de que todos os atos judiciais competem ao mesmo órgão judiciário, embora não sejam praticados pelo mesmo juiz – a movimentação do magistrado (v.g., a promoção e a aposentadoria) não se relaciona, absolutamente, com a função, que é a mesma, seja a do sucessor,
seja a do sucedido. Desconhecemos, na verdade, a figura do juiz instrutor ou preparador, em virtude do princípio do imediatismo – contato do juiz que julgará a causa com a produção da prova –,19 cuja adoção mudaria o panorama. E só em casos excepcionais o critério funcional adquire alguma importância na resolução do problema de competência (retro, 378). Exemplo frisante se encontra na competência para o julgamento dos embargos do devedor na execução por carta precatória (art. 914, § 2.º). Ao juízo deprecado incumbe processar e julgar os embargos que versarem, unicamente, os vícios ou os defeitos da penhora, da avaliação e da alienação dos bens. Por conseguinte, o embargante há de considerar o objeto dos embargos para endereçar a respectiva petição inicial (art. 319, I), ou ao juízo deprecante, ou ao juízo deprecado. Mas, para guiar o embargante inexperto ou hesitante, o art. 914, § 2.º,, parte inicial, facilita-lhe a vida, autorizando que os embargos sejam oferecidos “no juízo deprecante ou no juízo deprecado”, pouco importa qual seja o competente. Recebidos os embargos, o juízo eventualmente incompetente, no caso de engano do autor, declarará a incompetência e, na forma do art. 64, § 1.º, encaminhará os autos ao juízo competente. § 93.º Competência funcional vertical 408. Fundamentos da competência funcional vertical A competência hierárquica é a principal razão para a existência de tribunais inferiores, ou de órgãos judiciários de segundo grau, e tribunais superiores. O vencido em primeiro grau, no tribunal de segundo grau, funcionando como instância única ou última (recursal), dificilmente se conformará com a resolução desfavorável. Essa aspiração generalizada instituiu os meios de impugnação às resoluções judiciais, arrolados no art. 994, e a criação de órgãos judicantes de sobreposição, em geral colegiados – entre nós, todavia, cada vez mais os juízes dos tribunais recebem atribuições para julgar recursos de modo singular, como se infere do art. 932, IV e V –, que recebem competência recursal ou hierárquica. Nos recursos, cumpre distinguir entre o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito. No primeiro, o juiz verifica o cumprimento do conjunto de condições ou requisitos que lhe autorizam a verificar se a impugnação é, ou não, fundada; no segundo, o órgão judiciário julga o mérito da impugnação, emitindo provimento no mesmo sentido (confirmação) ou em sentido diverso, reformando ou invalidando o ato recorrido. No direito anterior, distribuíam-se essas tarefas, funcionalmente, entre o órgão que proferiu o provimento, ou órgão a quo, emitindo juízo preliminar e provisório sobre o juízo de admissibilidade, e o órgão ad quem, emitindo juízo definitivo sobre a admissibilidade e profere o juízo de mérito. O NCPC preferiu concentrar ambos os juízos no órgão ad quem. Existiam casos em que o juízo de admissibilidade ficava subtraído do órgão a quo, como acontece no agravo de instrumento, orientação mantida no NCPC, porque interposto diretamente no órgão ad quem (art. 1.016,caput). Essa sistemática eliminou o agravo de instrumento contra a decisão do órgão a quo não admitindo o recurso (v.g., a apelação). Por exceção, cabe agravo para o STF e para o STJ, não admitindo o presidente ou o vice-presidente do tribunal a quo o recurso extraordinário ou o recurso especial, mas por razões diferentes da admissibilidade. E, por outro
lado, ao órgão a quo também é dado reexaminar o conteúdo da sentença terminativa, uma vez interposta a apelação (v.g., no caso da improcedência liminar do pedido, a teor do art. 332, § 3.º), e, nesses casos, aprecia o mérito da apelação.20 Feitas essas considerações breves, tão só para auxiliar a compreensão da matéria, mostra-se possível sumariar as hipóteses de competência hierárquica, que é a hipótese mais importante de competência funcional vertical. 409. Competência vertical dos tribunais superiores A competência hierárquica unicamente, na CF/1988.
dos
tribunais
superiores
localiza-se,
Leis inferiores não podem ampliar, nem restringir a competência originária ou hierárquica dos tribunais superiores, e, a fortiori, dos tribunais federais (v.g., TRF). O STF proclamou esse princípio ao pronunciar a inconstitucionalidade do art. 84, § 1.º, e, por arrastamento, da parte final do § 2.º, do CPP, na redação da Lei 10.628/2002, que estabeleceu foro especial por prerrogativa de função mesmo após a cessação, no tempo, dessa investidura, abrangendo as ações civis por improbidade administrativa.21 E estendeu a pronúncia às ações de competência do TJ, porque, neste caso, a única fonte admissível de competência é a Constituição do Estado-membro. Integra a competência funcional vertical do STF julgar a admissibilidade e o mérito: (a) do recurso ordinário interposto contra acórdão de tribunal superior (v.g., STJ e TST) denegatório de habeas corpus (tal remédio exibirá natureza civil no caso da prisão do devedor de alimentos, a teor do art. 528, § 3.º), mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção, julgados em única instância (art. 102, II, a, da CF/1988); (b) do recurso extraordinário, vertido das causas decididas em única ou última instância, nas hipóteses do art. 102, III, a, b e c, da CF/1988; (c) do agravo de instrumento interposto contra as decisões previstas no art. 1.042, I a III, do NCPC, quanto ao recurso extraordinário. E o STJ tem competência funcional vertical para julgar o mérito: (a) do recurso ordinário interposto contra a decisão denegatória de habeas corpus (em matéria de prisão do devedor de alimentos) e de mandado de segurança, decididos em única ou última instância pelos TRF e TJ (art. 105, II, a e b, da CF/1988); (b) do recurso ordinário, interposto contra a sentença proferida nas causas em que forem “partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, de outro, Município ou pessoa residente e domiciliada no País” (art. 105, II, c, da CF/1988), causas que integram a competência em razão da matéria da Justiça Federal de primeiro grau, a teor do art. 109, II, da CF/1988 (retro, 395.1); (c) do recurso especial interposto contra causas decididas em única ou última instância pelos TRF e TJ, nas hipóteses do art. 105, III, a, b e c, da CF/1988; (d) do agravo de instrumento nos casos do art. 1.042, I a III, do NCPC, quanto ao recurso especial. O art. 13, III, do RISTJ chama o recurso ordinário, alternativamente, de apelação e de agravo, incumbindo à seção julgá-lo.
O cabimento e demais aspectos desses recursos há de ser examinado em outro lugar. Fica aqui enunciada tão só a competência funcional vertical dos tribunais superiores. É digno de nota que, por força do art. 932, III, do NCPC e de outras normas, geralmente o juízo de admissibilidade desses recursos compete ao relator, decidindo singularmente. Da decisão tomada cabe agravo interno para o órgão fracionário ou o pleno, conforme o caso, mas tal competência acompanha a linha horizontal. Do mesmo modo, os recursos surgidos do julgamento de recursos inseridos na competência funcional vertical (v.g., os embargos de declaração contra ato do relator ou o acórdão) representam hipóteses de competência funcional horizontal. 410. Competência vertical dos tribunais de segundo grau A principal competência funcional dos tribunais, no direito brasileiro, é a hierárquica. O TJ tem competência hierárquica para julgar a admissibilidade e o mérito dos recursos proferidos pelos órgãos judiciários que lhe são subordinados, ou seja, emitidos por juízes e (onde houver) por pretores (art. 21, caput, do ADCT da CF/1988). Essa competência, conforme reza o art. 125, § 1.º, primeira parte, da CF/1988, decorre da Constituição do Estado-membro. Por exemplo, o art. 95, XIII, da CE/1989-RS atribui ao Tribunal de Justiça competência para julgar, em grau de recurso, matéria cível e penal de sua competência. É preciso convir que, apesar da coerência do arranjo legislativo, a regra tem mais caráter declaratório do que constitutivo, porque a falta dessa previsão não impediria que o TJ julgasse o recurso de apelação interposto contra a sentença proferida por juiz de direito do Estado-membro, conforme a previsão da lei processual, que é privativa da União (art. 22, I, da CF/1988). O TJ julga, no âmbito dessa competência, basicamente a apelação (art. 994, I) e o agravo de instrumento (art. 994, II), por intermédio do relator (art. 932, III, IV e V) ou por órgão fracionário, assumindo a função do próprio tribunal (art. 101, § 4.º, da LC 35/1979). Não discrepa a competência hierárquica do TRF. Incumbe-lhe julgar apelações e agravos de instrumento. No entanto, a competência recursal deriva do art. 108, II, da CF/1988, que estabelece a competência para julgar, em grau de recurso, “as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição”. Além da competência recursal, a hierarquia constrange os tribunais de segundo grau a dirimir questões incidentes verificadas em processos pendentes nos órgãos judiciários inferiores. A parte recusará o juiz de primeiro grau impedido (art. 144) ou suspeito (art. 145) por meio de exceção – o NCPC não utiliza essa palavra, mas cuidase de defesa processual inserida na classe das exceções, a teor do art. 146, dirigindo a petição ao próprio juiz da causa, no prazo de quinze dias, contado da ciência do fato que ocasionar o impedimento ou a suspeição, instruída com a prova documental e rol de testemunhas (art. 146, caput). Despachando a exceção, o juiz poderá acolhê-la, hipótese em que remeterá os autos ao
substituto legal (art. 146, § 1.º); do contrário, mandará autuar a petição em apartado e no prazo de quinze dias dará suas razões, acompanhadas de documentos e do rol de testemunhas, se houver, “ordenando a remessa do incidente ao tribunal” (art. 146, § 1.º, in fine). Distribuída a exceção do tribunal, de regra caberá ao relator rejeitá-la, liminarmente, determinando o arquivamento, não tendo fundamento legal, ou declarará os efeitos em que receberá a exceção (art. 146, § 2.º, I e II). A competência para julgar os conflitos de competência, suscitado perante o presidente do tribunal a que estiverem subordinados os juízes, e, a fortiori, nos casos em que a competência incumbe ao STF ou ao STJ, não é de natureza funcional. Na realidade, a hierarquia exclui o conflito, “no sentido que o ato do juiz inferior é passível de recurso para o juiz superior, este, com seu poder maior, não está sujeito a conflito, porque ele é que determina qual a correta competência do juiz inferior”.22 Em que pese a intervenção de dois órgãos judiciários distintos no mesmo processo, predomina a matéria – competência – e, não, o corte vertical exigido pela hierarquia (inferior x superior). 411. Competência vertical da Justiça Federal de primeiro grau Os órgãos judiciários de primeiro grau recebem “delegação” para a prática de alguns atos nas causas e nos recursos da competência dos tribunais. Por exemplo, o art. 261, parágrafo único, do RISTF, que é lei em sentido formal, autoriza o relator da ação rescisória a requisitar a prática de ato a juiz ou a membro de tribunal inferior. É uma competência vertical “de cima para baixo”. É altamente duvidosa a constitucionalidade dessas disposições, ao menos nos casos em que ela não seja contemplada, expressis verbis, na CF/1988. Um caso de competência funcional vertical “de cima para baixo” é a prevista no art. 102, I, m, da CF/1988. Este dispositivo prevê a competência do STF para executar seus próprios julgados. Trata-se de competência em razão da matéria. Porém, a parte final da letra autoriza “a delegação de atribuições para a prática de atos processuais”. Essa regra excepcional não se aplica aos outros tribunais, inclusive ao STJ, porque toda competência há de encontrar-se expressa em lei. É digno de nota que a própria competência para executar os julgados do STJ não deflui, neste caso e no TRF, do texto da CF/1988 (retro, 396.3). Lacuna que se cerra, vantajosamente, malgrado a tese de que a única fonte admissível da competência dos tribunais superiores e inferiores é a Constituição, através da aplicação direta do art. 516, I, do NCPC. A Justiça Federal de primeiro grau recebe competência funcional, no sentido estrito do conceito, para executar a carta rogatória, passado o exequatur, e a decisão estrangeira homologada pelo STJ, nos termos do art. 109, X, da CF/1988 c/c art. 965, caput, do NCPC. É um caso de competência vertical, “de cima para baixo”, porque a execução decisões judiciais, em geral, ocorre em simultaneo processu. 411.1. Competência para executar carta rogatória – A concessão de exequatur às cartas rogatórias incumbe ao STJ (art. 105, II, i, in fine, da CF/1988). Mas, o cumprimento da ordem toca ao juiz federal, segundo o art.
109, X, da CF/1988, ou ao juiz de direito revestido de competência federal, um e outro territorialmente competente, a teor do art. 42 da Lei 5.010/1996.23 Os textos constitucionais aludem à carta passiva.24 Nesta espécie de carta rogatória, o órgão judicante estrangeiro solicita a prática de ato no território brasileiro e, para realizá-lo, o Estado interessado encaminhará a carta por via diplomática ou à autoridade central, exigindo-se, na ordem interna, a chancela do STJ, tópico já examinado (retro, 212). A carta rogatória ativa é a solicitação do juiz brasileiro à autoridade judiciária estrangeira. É uma forma de colaboração internacional na administração da Justiça: o juiz brasileiro não exerce o poder do juiz estrangeiro, mas sua própria competência.25 O cumprimento da diligência seguirá a forma estabelecida na lei brasileira (art. 12, § 2.º, do Dec.-Lei 4.657/1942). Por exemplo, a citação poderá ocorrer por via postal, na forma do art. 248, não se enquadrando a espécie nas exceções do art. 247. É flagrante que, no cumprimento da diligência rogada, concorrem dois órgãos judiciários diferentes, e no mesmo processo: num primeiro momento, na concessão do exequatur, intervém o STJ; no segundo, o juiz federal de primeiro grau, ou o juiz de direito (art. 109, § 3.º, da CF/1988, c/c art. 42 da Lei 5.010/1996 e art. 965,caput, do NCPC), perante o qual se desenvolve a parte mais significativa da atividade jurisdicional, promovendo os interessados, representados por advogados, o andamento do feito. Portanto, há competência funcional vertical.26 A matéria é irrelevante. Pode acontecer de a matéria da diligência extrapolar a competência em razão da matéria da Justiça Federal.27 411.2. Competência para executar sentença estrangeira – A cooperação internacional já foi objeto de item específico. Homologada a decisão estrangeira, segundo os ditames dos artigos 960 a 965, o juiz federal de primeiro grau é competente para executar o provimento internado, conforme o art. 109, X, da CF/1988, combinado ao art. 516, III, e art. 965, caput. Registrese a circunstância dessa última regra aludir a “sentença estrangeira”, embora seja mais amplo o objeto da homologação, envolvendo, por exemplo, a decisão não judicial que, pela lei brasileira, exibiria natureza jurisdicional (art. 961, § 1.º, do NCPC). Em tese, a execução da sentença estrangeira homologada incumbiria ao STJ, porque se trata de feito da sua competência originária, em razão da matéria, a teor do art. 105, II, i, da CF/1988, calhando a aplicação literal do art. 516, I, do NCPC. No entanto, o art. 109, X, optou por repartir as funções entre o STJ e órgão judiciário de primeiro grau da Justiça Federal. Em relação à competência de foro, o juízo do lugar do domicílio do devedor mostrar-se-á, em princípio, competente. A competência do juízo dependerá da divisão judiciária da Justiça Federal. A competência para executar a sentença estrangeira não se mostra passível de delegação ao juiz de direito, nos termos do art. 109, § 3.º, da CF/1988, porque inexiste lei autorizadora, particularmente ausente a causa do art. 15 da Lei 5.010/1996. Localizados os bens do executado em lugar diferente da sede do juízo federal, expedir-se-á carta executória (art. 42, caput, da Lei 5.010/1996), hipótese de repartição de competência funcional horizontal entre juízos de primeiro grau.
Resta identificar a competência prevista no art. 109, X, da CF/1988. À primeira vista, a matéria não tem relevo, exceto por se tratar de sentença estrangeira. O STJ nem sequer examina o fundo da causa do provimento que se pretende homologar (retro, 214) É decisivo apurar se, instruído o pedido de cumprimento com cópia autenticada da decisão homologatória ou do exequatur (art. 965, parágrafo único), a postulação do exequente formará, ou não, novo processo. A esse respeito, dividem-se as opiniões: de um lado, sustenta-se que execução da sentença estrangeira não constitui simples prosseguimento do processo de homologação, mas outra relação processual, deduzida nesta a pretensão a executar pelo exequente;28 de outro, sustenta-se que todos os títulos contemplados no art. 515, haja ou não a necessidade de citação do executado – por sinal, caso da sentença estrangeira, conforme reza o art. 515, § 1.º, do NCPC – executam-se, in simultaneo processu, desaparecida a dicotomia cognição e execução.29 Em prol da primeira posição, de resto, militam as aparências: há petição inicial, citação do executado e provimento final (art. 924 c/c art. 925). A divergência repercute no critério da competência. Formando-se novo processo, a competência é em razão da matéria; tratando-se do mesmo processo, embora com autuação própria, a competência é funcional vertical, porque dois órgãos judicantes distintos exerceriam funções diferentes, a saber: a homologação e a execução. O primeiro entendimento parece preferível. O tratamento do ponto, no item da competência vertical, baseia-se na falta de unanimidade. § 94.º Competência funcional horizontal 412. Fundamentos da competência funcional horizontal A competência horizontal pressupõe a intervenção, no mesmo processo, de dois órgãos judiciários diferentes, mas da mesma hierarquia. As situações desse naipe ocorrem em alguns recursos, quando os órgãos a quo e ad quem, apesar de diversos, integram o mesmo grau de jurisdição. Por exemplo, o órgão judicante que prosseguirá no julgamento da apelação, haja vista a divergência, em princípio mostrar-se-á diferente, ou exibirá composição plena, do que iniciou a julgamento da apelação (art. 942, caput), aplicando-se essa expansão do colegiado, ainda, na ação rescisória, havendo rescisão da sentença, e no agravo de instrumento envolvendo o mérito (art. 942, § 2.º, I e II). Em qualquer hipótese, o órgão fracionário originário e o expandido integram o mesmo tribunal. Incidentes há, no procedimento dos recursos, que exigem a intervenção de outro órgão do mesmo tribunal. E, finalmente, órgãos diferentes podem intervir, episodicamente, para realizar algum ato específico, como a coleta da prova. Essa diversidade de órgãos, in simultaneo processu, revela-se essencial à caracterização da competência funcional. O fenômeno se visualiza mais facilmente no primeiro grau, no qual o órgão judiciário é singular. A divisão dos tribunais brasileiros em órgãos (câmaras, turmas, seções e grupos de câmaras), e a participação isolada de seus integrantes (cada vez mais comum), exigem algumas ponderações.
A despeito de extensão da competência legal e regimental do relator, enquanto este exercer suas atribuições singularmente, conquanto em razão da função de “relator”, não há competência funcional. E isso, porque tal figura pressupõe, conforme tantas vezes remarcado, a participação de órgãos diferentes. Todo juiz tem atribuições inerentes à investidura no cargo e à função exigida no processo, como a coleta da prova, em primeiro grau, e a emissão de voto, no tribunal. No caso do relator, a sua atribuição fundamental, que é a de redigir o relatório escrito e reiterá-lo na sessão de julgamento, representa uma competência material. Tudo se altera no momento em que o ato do relator atrai impugnação da parte. Ao julgar a admissibilidade do recurso, ou remetê-lo a outro órgão, caracterizar-se-á a competência funcional, porque ensejada, enfim, a intervenção de outro órgão, e, como se tratam de órgãos do mesmo tribunal, de natureza horizontal. 413. Competência horizontal dos tribunais superiores Os tribunais superiores têm competência funcional horizontal, porque repartidos em órgãos distintos, que recebem atribuições para julgar em fatias as causas e recursos da sua competência originária ou recursal. No STF, há competência funcional horizontal: (a) do plenário para julgar agravo regimental contra ato do seu presidente ou do relator nos processos da sua competência (art. 6.º, II, d, do RISTF); (b) do plenário para julgar os embargos (infringentes ou de divergência, conforme o caso), vertidos em processos decididos pelo próprio plenário ou pelas turmas (art. 6.º, IV, do RISTF); (c) do plenário e da turma, nos feitos da sua competência, julgar o agravo regimental (art. 8.º I, do RISTF). Em alguns dispositivos (v.g., no art. 261, parágrafo único, relativamente à rescisória), o RISTF autoriza a delegação da prática de certos atos a membro de outro tribunal ou a juiz territorialmente competente. É uma competência vertical, de cima para baixo, fundada no princípio da economia e da eficácia. Já não divisa repartição de funções quando o relator ou a turma submete o feito ao plenário. Não há, propriamente, funções distintas. E, no STJ, há competência funcional horizontal: (a) da corte especial, para julgar os embargos de divergência entre turmas de diferentes seções ou entre seções (art. 11, XIII, do RISTJ, c/c art. 546, I, do CPC); (b) da corte especial, para julgar os embargos infringentes dos acórdãos proferidos em rescisórias de seus próprios julgados (art. 11, XIV, do RISTJ); (c) da corte especial, para declarar a inconstitucionalidade da norma, incidenter tantum, quando submetido o incidente pela seção ou pela turma (art. 200 do RISTJ); (d) da corte especial, das seções e das turmas, para julgar agravo regimental (art. 15, I, do RISTJ); (e) da seção, para processar e julgar embargos de divergência (e, antigamente, dos desaparecidos embargos infringentes, substituídos pela técnica do art. 942 do NCPC) das decisões das turmas (art. 12, parágrafo único, I, c/c art. 266, primeira parte, do RISTJ). A esse rol sumário, cumpre acrescentar a afetação da competência à seção ou à corte especial, conforme a hipótese, para uniformizar a jurisprudência ou alterar a jurisprudência dominante. Neste caso, a seção e a corte especial desempenharão função própria e distinta, que é a de eliminar ou prevenir o dissídio jurisprudencial entre os órgãos fracionários.
414. Competência horizontal dos tribunais de segundo grau A competência funcional horizontal, nos tribunais de segundo grau, ocorre nas seguintes situações: (a) no julgamento de agravo interno, interposto contra a decisão do relator tomada na forma do art. 932, III, IV e V); (b) no julgamento de agravo regimental, quando regimentalmente cabível, contra ato do presidente, do vice-presidente ou do relator; (c) do tribunal pleno ou, onde houver, do órgão especial, para declarar a inconstitucionalidade da lei ou de ato normativo, conforme o art. 97 da CF/1988, por maioria absoluta dos seus membros (full bench), competindo ao órgão fracionário, ao retomar o julgamento da causa ou do recurso, prosseguir em conformidade ao declarado; (d) do órgão indicado no regimento interno, em geral o grupo de câmaras, ou a câmara transformada em turma pela integração de todos os seus integrantes, para completar o julgamento da apelação, da rescisória ou do agravo de instrumento, cujo objeto seja o mérito, na forma do art. 942 do NCPC; (f) no incidente de assunção da competência (art. 947, § 1.º), incluindo os casos de conveniência da prevenção ou composição da divergência entre câmaras e turmas do tribunal de segundo grau. Esses casos exemplificam a competência funcional por objeto do juízo (retro, 406).30 O art. 938, § 1.º, do NCPC contempla uma competência funcional vertical, de cima para baixo, quando o órgão fracionário do tribunal identifica nulidade suprível no processo e encarrega o órgão a quo de supri-la. 415. Competência horizontal dos juízes de primeiro grau À falta do juiz instrutor ou preparador, no processo civil brasileiro, as hipóteses de competência funcional horizontal, no primeiro grau de jurisdição, revelam-se poucas. É preciso considerar, naturalmente, o conceito preciso dessa espécie de competência, afastando do seu campo a indesejável intromissão dos processos incidentais e da competência territorial, pois a largueza que se dê à respectiva noção influenciará o número de casos. A pretensão a executar oferece os exemplos mais significativos de competência funcional em sentido estrito. 415.1. Competência funcional na prática de atos processuais – A prática dos atos ordenados pelo órgão judiciário incumbe aos auxiliares. O art. 152, II, estipula que é dever do escrivão “efetivar as ordens judiciais”, na esfera de suas atribuições (infra, 986.3), em ordem cronológica (art. 153), e o art. 154, II, declara que ao oficial de justiça toca “executar as ordens do juiz a que estiver subordinado” (infra, 989.2). Essa atividade material dos auxiliares do juízo se desenvolve, porém, dentro dos limites da comarca ou circunscrição judiciária. Excepcionalmente, os auxiliares ultrapassam esses limites territoriais. Por exemplo, o oficial de justiça poderá realizar a citação nas comarcas contíguas, e de fácil comunicação, e nas comarcas integradas na mesma região metropolitana (art. 255). Assim, o chamamento do réu a processo em tramitação no Fórum João Mendes, no centro de São Paulo, capital, poderá ser feito, sem prejuízo da delimitação da comarca, na vizinha cidade de Barueri. A citação postal, segundo elucida o art. 247,caput, será feita para
qualquer comarca do País. E o art. 15, parágrafo único, da Lei 5.010/1966, na redação da Lei 10.772/2003, autoriza os auxiliares do juiz federal a praticar atos e realizar diligências em quaisquer dos municípios abrangidos pela seção, subseção ou circunscrição judiciária federal. A territorialidade na prática dos atos processuais perderá importância no futuro próximo. Com efeito, desenvolvendo-se o processo em ambiente unicamente eletrônico, o espaço físico mostrar-se-á indiferente, senão de remota e improvável identificação. Fora dos limites da comarca, atualmente, e respeitadas as exceções, o juiz da causa requisitará os atos por carta (art. 236, § 1.º do NCPC). Requisição formal, a carta não esgota as modalidades de cooperação entre juízos. Percebe-se um nítido esforço de simplificação. O art. 42, caput, da Lei 5.010/1966 autoriza o cumprimento dos atos e das diligências solicitados por juiz federal nas comarcas dos Estados-membros mediante “exibição de ofício ou mandado em forma regular”, expedindo-se carta somente quando for a forma mais econômica (art. 42, § 1.º). E o art. 232 prevê a comunicação imediata, por via eletrônica, da intimação e da citação realizada por carta. Inevitável que seja a expedição de carta, o art. 260, caput, c/c art. 69, § 1.º, discrimina suas espécies. Primeiro, há a carta de ordem, quando o destinatário for juiz subordinado ao tribunal da qual ela emanar, motivo por que, colocada a ênfase na subordinação hierárquica, não pode ser expedida por TJ de um Estado-membro para juiz de direito de outro Estado ou juiz federal, ou por TRF de uma região para juiz federal de outra ou para juiz estadual, hipóteses em que a solicitação far-se-á para o tribunal competente, o qual, de seu turno, expedirá a carta de ordem.31 Segundo, há a carta rogatória, na qual se solicita a prática do ato por jurisdição estrangeira, referindo-se o art. 260 à carta ativa (retro, 219). Terceiro, há a carta precatória, por meio da qual os juízes de primeiro grau, seja qual a Justiça ou o tribunal a que se subordinam, solicitam a prática dos mais diversos atos. Chama-se ao juiz que solicita de “deprecante”; o solicitado, “deprecado”. Quarto, e por fim, há a carta arbitral, expedida pelo tribunal arbitral, observando os requisitos especiais do art. 260, § 3.º. O objeto das cartas, como resulta do art. 260, III, é muito variado. Compreende a citação, a intimação e a produção da prova testemunhal e pericial (o art. 260, §§ 1.º e 2.º estipula alguns requisitos, quando se tratar de prova pericial), principalmente. Na execução, realizam-se por carta a penhora, a avaliação e a alienação dos bens (art. 845, § 2.º), porque indispensável a sua prática no lugar da situação da coisa. Por exceção, a penhora de imóveis realizar-se-á em qualquer lugar, bem como a penhora de veículos automotores, apresentada certidão atestando a sua existência, a teor do art. 845, § 1.º. É funcional a competência derivada da derrogação da competência territorial. Dois juízes diferentes, mas de igual hierarquia, desempenharão funções distintas na carta precatória.32 Já na carta de ordem há competência vertical, de cima para baixo. A cooperação subentendida na carta arbitral é horizontal.
415.2. Competência funcional na execução de título judicial – Na interpretação do art. 884 do CPC de 1939, similar ao art. 516 do NCPC, preponderou tese que a competência na execução do título judicial, realizada perante o tribunal, nas causas de sua competência originária (incisos I e II), ou perante o “juiz da ação” (inciso III), por conexão sucessiva, mostrar-se-ia relativa, e, portanto, prorrogável.33 Em sentido contrário, porém, avolumaram-se opiniões,34 identificando, no princípio de que o juízo da causa é o juízo da execução, hipótese de competência absoluta, calcada no interesse público de o órgão judiciário fazer cumprir suas resoluções da melhor maneira possível.35 No alvitre que influenciaria, decisivamente, a interpretação da regra precessora do art. 516, asseverou-se: “Essa competência é funcional, porque fixada em atenção às funções exercidas pelo juiz no processo anterior; por isso ela é improrrogável mesmo na hipótese de domicílio do executado”.36 Essa questão subsiste, em termos, no vigente art. 516. O dispositivo estipula uma série de regras para a competência da execução fundada em título judicial. Simplificou, portanto, a resolução do problema de competência, apontando, diretamente, a competência para cada título. Todavia, antes de se caracterizar como funcional, ou não, a competência da execução fundada em título judicial, impõem-se algumas observações. Em primeiro lugar, a execução fundada em título extrajudicial seguirá o art. 781, I a V, do NCPC, mostrando-se, em princípio, relativa a competência, salvo algumas raras exceções (v.g., a execução do crédito garantido por hipoteca). Ademais, o art. 516 não aponta a competência para todos os títulos arrolados no art. 515 (v.g, o formal ou certidão de partilha, objeto inciso VII, e a homologação da autocomposição extrajudicial, objeto do inciso III), exceto outorgando-se interpretação extensiva à fórmula “juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição do inciso II do art. 516. Por fim, a remissão “ao juízo cível competente”, no tocante à execução da sentença penal condenatória (art. 515, VI) e da sentença arbitral (art. 515, VII), no art. 515, III, subtrai a matéria da órbita da competência funcional. A competência para a execução da sentença estrangeira (art. 515, VIII), aí também mencionada, já recebeu exame em item anterior (retro, 411.2). Assim, a competência funcional, ou não, na execução de títulos judiciais abrange a decisão civil (incisos I e II) e seus congêneres (incisos III, IV e V). Identificados, desse modo, os títulos cuja execução repousaria em regras de competência funcional, inexiste dúvida que jamais se cuidará de competência funcional no sentido estrito do conceito. A competência dos tribunais para executar os acórdãos ou decisões condenatórias, nas causas da sua competência originária (art. 516, I), é absoluta, porque em razão da matéria. E a competência do “juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição” (art. 516, II); ou a do juízo que homologou a autocomposição judicial (art. 515, II) ou, ainda, a do juízo que homologou a autocomposição extrajudicial (art. 515, III), flagrantemente tornou-se relativa. O art. 516, parágrafo único, acatou a sugestão para quebrar a rigidez da regra,37 tardiamente cedendo à sensibilidade dos comentadores do art. 884 do CPC de 1939, e autoriza a opção do exequente
pelo foro do atual domicílio do executado ou pelo foro do lugar da situação dos bens ou em que deva ser executada a obrigação de fazer e de não fazer. Seja como for, nenhuma delas é funcional. Realizando-se a execução perante o próprio tribunal (art. 516, I), inexiste a participação de dois órgãos distintos no mesmo processo. Idêntica razão pré-exclui a competência funcional se o juízo da causa executa o provimento que, na falta de recurso do vencido, transitou em julgado no primeiro grau, ou executa o provimento que simplesmente homologou o negócio das partes (art. 515, II e III). Da diversidade de órgãos (e de competência funcional vertical) cogitar-se-ia tão só na hipótese de, processada a causa em primeiro grau, produzir-se o efeito substitutivo do recurso eventualmente interposto, quanto à parte impugnada do provimento, segundo o art. 1.008 do NCPC. Formalmente, então, o juiz de primeiro grau executaria o acórdão ou a decisão (art. 932, III, IV e V) do segundo grau, distinguindo-se a intervenção de dois órgãos, in simultaneo processu, e com funções distintas: o superior julgou, o inferior executará. Neste caso, que é apenas um dos abrangidos pelo art. 516, I, embora o mais comum, intervém o parágrafo único, que tornou relativa essa competência, propiciando ao exequente a opção por foros concorrentes. Em suma, a competência do art. 516, I, cuida do foro e do juízo. Dela deflui que a pretensão a executar “deve ser proposta no foro em que correu o processo de cognição; e se nesse foro houver mais de um juízo”, a execução “correrá no juízo em que foi proferida a sentença exequenda”,38 a despeito de substituída pelo acórdão (art. 1.008). 415.3. Competência funcional na execução por carta – De competência funcional horizontal, na oposição do executado à execução, realmente trata o art. 914, § 2.º. Em sua redação originária, o art. 747 do CPC de 1973 rezava o seguinte: “Na execução por carta, os embargos do devedor serão oferecidos, impugnados e decididos no juízo requerido”. A expressão “juízo requerido” suscitou grande polêmica, até chegar-se à correta compreensão de que era “o juiz perante o qual deverá se processar a execução, ou seja, o juiz deprecante”.39 Nada obstante, o juiz deprecado ostentava competência, consoante o objeto da carta precatória, para realizar a penhora, a avaliação e a alienação dos bens penhorados (art. 845, § 1.º). Das resoluções tomadas, nesses casos, caberia recurso para o tribunal hierarquicamente superior ao juízo deprecado.40 Por exemplo, deprecada a penhora, na execução que tramita em Fortaleza, para um dos juízos da comarca de Florianópolis, a competência recursal seria do TJ/SC. O art. 20, caput e parágrafo único, da Lei 6.830/1980 deu solução diferente ao problema. Estabeleceu que, na execução por carta (art. 845, § 1.º, no NCPC), o embargante oferecerá os embargos no juízo deprecado, mas o juízo deprecante processaria e julgaria a oposição, salvo se “os embargos tiverem por objeto vícios ou irregularidades de atos do próprio juízo deprecado”, hipótese em que “caber-lhe-á unicamente o julgamento dessa matéria”.
A divisão da jurisprudência culminou com a edição da Súmula do STJ, n.º 46, que consagrou a solução intermediária deste último dispositivo, na execução comum. O juízo deprecado julgaria os embargos atinentes aos “vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação dos bens”. Por óbvio, não caberia ao embargante separar a oposição de mérito (v.g., a alegação de pagamento), deduzindo-a perante o juízo deprecante, da oposição de forma (v.g., a alegação de impenhorabilidade), apresentando esta última ao juízo deprecado. Os embargos não comportam cisão, conforme a questão arguida, e toda a matéria de oposição há de ter julgamento único e conjunto, como reza o art. 16, § 3.º, da Lei 6.830/1980. Os embargos em duplicada, apesar de não se confundirem as causas de pedir, mostram-se inadmissíveis.41 Logo, a melhor interpretação, na contingência de o embargante aglutinar oposição de mérito e oposição de forma, indica a competência no juízo deprecante. O juízo deprecado somente julgará embargos que versem “unicamente” sobre “vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação dos bens” (Súmula do STJ, n.º 46). A cláusula final da Súmula 46 do STJ abrange toda e qualquer exceção (v.g., impenhorabilidade) relativa àqueles atos. No entanto, ao juízo deprecante tocará apreciar a fraude contra a execução, porque da resolução dessa questão incidente decorre a penhorabilidade, ou não, do bem, a cargo do juízo deprecado.42 O art. 747 do CPC, na redação da Lei 8.953/1994, acolheu o entendimento do verbete, reproduzida no art. 914, § 2.º, do NCPC. Os embargos podem ser oferecidos no juízo deprecante ou no juízo deprecado. Se, por lapso o embargante oferecer os embargos no juízo deprecado, e a competência para processá-los e julgá-los for do deprecante, em razão da matéria, o primeiro remeterá os autos ao segundo, e vice-versa, competindo ao juízo competente admiti-los, ou não (art. 918), concedendo-lhes, ou não, efeito suspensivo (art. 918). Finalmente, o princípio da suficiência da penhora importará, às vezes, a expedição de mais de uma carta executória – subentende-se, naturalmente, que haja bens penhoráveis no patrimônio do executado; às vezes, a penhora não atinge o valor do crédito em decorrência da insuficiência patrimonial, e, ainda assim, o exequente persiste na execução individual –, a fim de efetuar a constrição de bens situados em comarcas diferentes. Em tal contingência, o embargante não pode apresentar embargos autônomos e simultâneos, um para cada juízo deprecado, devendo embargar uma só oposição no juízo deprecante.43 A diretriz persiste mesmo na hipótese de o juízo deprecante pertencer à Justiça Federal, e o deprecado à Justiça Comum.44 Na verdade, a deprecação da Justiça Federal para órgão judicante da Justiça Comum, para realizar os atos executivos previstos no art. 845, § 1.º, não delega a competência federal para julgar a oposição do executado e a oposição do terceiro (infra, 431.3). A repartição do julgamento dos embargos entre o juízo deprecante e o juízo deprecado conforme o objeto da demanda representa modalidade inequívoca de competência funcional horizontal.
Capítulo 25. COMPETÊNCIA TERRITORIAL
SUMÁRIO: § 95.º Competência de foro – 416. Divisão judiciária do território na Justiça Comum e na Justiça Federal – 417. Definição da competência de foro ou territorial – 418. Classificação da competência de foro – 419. Foro principal e foro subsidiário – § 96.º Competência do foro comum – 420. Foro comum principal – 421. Primeiro foro subsidiário ao comum: pluralidade de domicílios – 422. Segundo foro subsidiário ao comum: domicílio desconhecido ou incerto – 423. Terceiro foro subsidiário ao comum: partes residentes ou domiciliadas no exterior – 424. Quarto foro subsidiário ao comum: pluralidade de réus – § 97.º Competência dos foros especiais – 425. Definição de foro especial – 426. Competência do foro da situação da coisa – 427. Competência do foro do último domicílio do autor da herança – 428. Competência do foro do último domicílio do ausente – 429. Competência do foro do domicílio do representante do incapaz – 430. Competência de foro dos sujeitos federais – 430.1. Competência de foro da União – 430.2. Competência de foro dos demais sujeitos federais – 430.3. Competência de foro nas demais causas de competência em razão da matéria da Justiça Federal – 431. Competência de foro na competência federal delegada – 431.1. Competência do foro do domicílio do autor nas causas previdenciárias – 431.2. Competência do foro do domicílio do autor nas causas de produção antecipada de prova – 431.3. Competência do foro do domicílio do réu na execução fiscal – 431.4. Competência do foro do domicílio do naturalizando – 431.5. Competência do foro do lugar de situação do imóvel na indenização por pesquisa e lavra de minério – 431.6. Competência do foro do lugar do dano na ação civil pública – 431.7. Competência do foro no reconhecimento de união estável para fins previdenciários – 432. Competência do foro em ações de família – 433. Competência do foro do domicílio ou da residência do alimentando – 434. Competência do foro das sociedades privadas personificadas ou não – 434.1. Competência do foro da sede – 434.2. Competência do foro do estabelecimento secundário – 434.3. Competência do foro do estabelecimento principal – 434.4. Competência do foro da sede da serventia registral e notarial – 435. Competência do foro do lugar do cumprimento – 436. Competência do foro do lugar do ato ou do fato na reparação do dano – 437. Competência do foro do domicílio do autor ou do local do fato na reparação de dano provocado por delito ou por acidente de trânsito – 437.1. Competência do foro do domicílio do autor ou do local do fato no acidente de veículos – 437.2. Competência do foro do domicílio do autor ou do local do fato em delitos penais e civis – 438. Competência de foro do Estado-membro e do Distrito Federal – § 98.º Competência de foro nas leis processuais extravagantes e em situações especiais – 439. Competência na desapropriação – 440. Competência na duplicata – 441. Competência nas ações em favor de idoso – 442. Competência nas ações em favor da criança e do adolescente – 443. Competência nas ações de nulidade de patente – 444. Competência nas ações de representação comercial – 445. Competência nas ações de responsabilidade nas relações de consumo – 446. Competência nas ações contra estabelecimentos de ensino – 447. Competência nas ações de usucapião – 448. Competência na ação por improbidade administrativa. § 95.º Competência de foro 416. Divisão judiciária do território na Justiça Comum e na Justiça Federal
A divisão do território nacional em circunscrições constitui imperativo geográfico e demográfico.1 É imperioso aproximar o órgão judiciário da população, dos possíveis usuários do serviço jurisdicional prestado pelo Estado, e, assim, acercar-se da própria lide, que é fenômeno social eminentemente intersubjetivo. A proximidade facilita o acesso à Justiça. E, no ângulo reverso, concentração da atividade judiciária num único lugar mostrarse-ia, por óbvio, impraticável. Lei em sentido formal, de iniciativa exclusiva do STF, do STJ e do TJ ao Poder Legislativo respectivo, estabelecerá a divisão judiciária, segundo dispõe o art. 96, II,d, da CF/1988. Ao TJ, no Estado-membro, e ao STJ, na Justiça Federal, compete promover a repartição do território. À delimitação geográfica do órgão judicante, fixado em determinado lugar, quer dizer, às partes físicas resultantes da divisão judiciária, dá-se o nome, na Justiça Comum, de comarca. Embora desejável criar comarcas em todos os municípios do Estado-membro, o reduzido movimento forense nas pequenas cidades, transformadas em municípios por regras liberais, estimulada pelo populismo indiferente à limitação dos gastos públicos, obstam semelhante propósito. A instalação e a manutenção material e humana de um juízo custam caro, muito caro à sociedade. Segundo o art. 96 da LC 35/1979, para não perder o contato e o objetivo de facilitar o acesso à Justiça, as comarcas agrupam-se em circunscrições, formando unidade maior na qual se afigura lícito praticar atos processuais, ou dividem-se em distritos, descentralizando o serviço – neste último caso, a fim de atender um ou mais municípios de pequeno porte. Antigamente, denominava-se termo ao município que não era sede de comarca, mas nele existia vara instalada.2 Perdeu-se essa palavra expressiva no bolor da história judiciária. Em cada comarca, portanto, existirá juízo único, ou mais de um juízo, distribuídos em varas, dotados de competência plena ou privativa (retro, 383), conforme o caso, e munidos de pessoal auxiliar, lotados no mesmo ou em vários ofícios (infra, 981). A divisão judiciária da Justiça Federal revela-se menos uniforme na imposição de critérios para aderência ao território. O art. 27, § 6.º, do ADCT da CF/1988 criou cinco tribunais regionais federais, “com a jurisdição e sede que lhes fixar o Tribunal Federal de Recursos, tendo em conta o número de processos e sua localização geográfica”. Em 06.10.1988, a Resolução 1/1988, do extinto TFR, acolhida pelo art. 1.º da Lei 7.727/1989, fixou a sede e o âmbito territorial desses tribunais, instalados em 30.03.1989: (a) TRF da 1.ª Região, com sede em Brasília, abrangendo o Distrito Federal e os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins; (b) TRF da 2.ª Região, com sede no Rio de Janeiro, abrangendo os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo; (c) TRF da 3.ª Região, com sede em São Paulo, abrangendo os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul; (d) TRF da 4.ª Região, com sede em Porto Alegre, abrangendo os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná; (e) TRF da 5.ª Região, com sede em Recife, abrangendo os Estados de Pernambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe.
A EC 73, de 06.06.2013, alterou o art. 27 do ADCT, criando: (a) o TRF da 5.ª Região, com sede em Curitiba, e jurisdição nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul; (b) o TRF da 7.ª Região, com sede em Belo Horizonte, e jurisdição no Estado de Minas Gerais; (c) o TRF da 8.ª Região, com sede em Salvador, e jurisdição nos Estados da Bahia e de Sergipe; (d) o TRF da 9.ª Região, com sede em Manaus, e jurisdição nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima. Até agora não foram instalados e nada indicam que o sejam em futuro próximo. Segundo o art. 3.º da Lei 5.010/1966, repetido no art. 110, caput, da CF/1988, cada um dos Estados e Territórios – hoje, inexistentes –, bem como o Distrito Federal, constituem uma seção judiciária, com sede na respectiva capital. Pois bem. Essas seções podem conter varas nas capitais, ou se dividirem em subseções (por exemplo, a dos Estados de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, na 3.ª Região) ou circunscrições (por exemplo, na 4.ª Região), ou em áreas, sem denominação especial, em que se afeta a competência da vara localizada na seção. Essa última fórmula, cuja compreensão revela-se mais difícil para o jurisdicionado, é a do TRF da 2.ª Região, na qual a lei especificou os municípios abrangidos por cada vara instalada nas cidades dos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.3 Essa complexa divisão judiciária, na Justiça Federal, provoca dúvida quanto à exata natureza da competência. Traça-se, a esse propósito, paralelo com os foros regionais, existentes em algumas capitais dos Estadosmembros, na Justiça Comum. O critério legislativo é territorial, e, portanto, quanto às varas situadas fora da sede das seções, na Justiça Federal, a competência é de foro, e, naturalmente, relativa.4 Cumpre apenas ressalvar a especialização da vara (v.g., em causas previdenciárias), que pré-exclui a de competência comum. 417. Definição de competência de foro ou territorial A competência atribuída ao órgão judiciário, numa área definida em lei, por força da divisão judiciária, recebe o nome de competência de foro, que é a própria competência territorial. À palavra foro, expressamente, aludem as disposições da Seção I – Disposições Gerais – do Capítulo I – Da Competência – do Título III – Da Competência Interna – do Livro II da Parte Geral do NCPC. É uma competência relativa por excelência, porque instituída de acordo com a conveniência dos particulares. Em vão, no conjunto dos arts. 42 a 53, buscar-se-á uma diretriz clara e segura do legislador. Tudo aponta, percorrendo os artigos da referida Seção I, obscuridade na organização da matéria. Todavia, é necessário um esforço classificatório para aclarar o assunto e auxiliar a exposição subsequente. 418. Classificação da competência de foro Da lide retira-se elemento, subjetivo ou objetivo, para fixar a causa ao foro. À falta desse elemento, lança mão de outro dado subsidiário para determinar o foro da lide. Em certos casos, a lei fixa-se em elemento especial, com o
mesmo objetivo, e, na falta dele, institui ainda outro elemento subsidiário, tudo com o escopo de estabelecer o lugar em que tramitará a causa. Esse quadro permite classificar a competência de foro, em primeiro lugar, em (a) foro comum; e (b) foro especial. Ademais, nessas classes, há o (a) foro principal e o (b) foro subsidiário. É geral ou comum o foro para a causa, inexistindo foro especial. Entre nós, o foro comum, nas ações pessoais e reais mobiliárias, é o lugar do domicílio do réu. Dispõe o art. 46, caput, que tais ações serão propostas “em regra, no foro de domicílio do réu”. Também é o foro principal. Todavia, não se identificando o domicílio do réu, o art. 46, § 2.º, estabelece que o autor o demandará no lugar em que for encontrado ou no seu próprio domicílio. Esses foros têm caráter subsidiário e, como o autor pode optar entre eles, caracterizam-se como foros concorrentes. Se, entretanto, autor e réu não dispõem de domicílio ou de residência no Brasil, ou seja, na falta de qualquer dado, então o art. 46, § 3.º, segunda parte, adotou norma de encerramento, prevendo que a demanda pode tramitar em qualquer foro. Especial, ao invés, é o foro que derroga o comum. Por esse motivo, o foro geral sempre é definido por exclusão de algum foro especial. Por exemplo, constitui foro especial, relativamente à regra do art. 46, caput, o art. 53, V, autorizando a vítima de acidente de trânsito demandar o réu no foro do seu domicílio, em lugar do domicílio do réu. Essa pretensão de obter indenização por dano à coisa ou dano à pessoa é tipicamente pessoal e, nada obstante, escapa ao foro comum ou geral. Também se revela especial o foro para as ações fundadas em direito real imobiliário (art. 47, caput), cujo elemento de conexão com o território recai no lugar da situação da coisa. Especial que seja o foro da situação da coisa, o autor pode optar pelo foro do domicílio ou o foro de eleição, nas hipóteses não excluídas pelo art. 47, § 2.º, constituindo os foros subsidiários do especial. 419. Foro principal e foro subsidiário Na competência territorial, as noções de foro principal e de foro subsidiário assumem capital importância. Comum ou especial o foro, segundo o critério da divisão do território, cuja finalidade – facilitação do acesso à Justiça já mereceu destaque (retro, 416) –, razões de ordem prática determinam que, não sendo possível identificar com nitidez o dado (v.g., o domicílio do réu), ou havendo multiplicidade de dados concorrentes (v.g., o réu tem vários domicílios), abram-se termos de alternativa para o autor resolver o problema de competência. A rigor, a escolha do foro subsidiário subordina-se à estrita verificação dos elementos de incidência da regra. A escolha errônea do juízo competente oferece riscos de violação indireta ao direito fundamental processual do juiz natural (retro, 149). Em matéria de competência territorial, entretanto, impõese a interpretação elástica às regras respectivas, ponderando os interesses em jogo. Por exemplo, no caso de pluralidade de réus, eventualmente o autor escolherá a comarca mais inconveniente para os demais réus. É comum o fato de os réus situarem-se em posições diversas quanto à possibilidade de arcar com a responsabilidade financeira do processo. Ora, a escolha foro do réu que, presumivelmente nenhuma responsabilidade assumirá no futuro,
indiretamente frustra o objetivo principal dessa espécie de competência – facilitação do acesso à Justiça – e, portanto, pode ser impugnada pela via legal. § 96.º Competência do foro comum 420. Foro comum principal O art. 46, caput, do NCPC preceitua que, de regra, o autor deve propor ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre móveis no foro do domicílio do réu. A incidência dessa regra assenta em dados arrancados do direito material. Em primeiro lugar, porque elemento de ligação entre a regra e a lide, avulta a noção de domicílio. A pessoa pode ser localizada em certo lugar, e, naturalmente, nele chamada a juízo por um dos meios admissíveis (art. 246 do NCPC). Os brasileiros podem domiciliar-se em qualquer ponto do território nacional, e mudar o domicílio, quando e se aprouver à pessoa.5 Essa liberdade tão natural, quanto imperceptível, é incomum nos países de regime socialista. Às vezes, circunstâncias excepcionais e imperativas instituem o domicílio forçado (ou necessário), como no caso da pessoa que cumpre pena restritiva da liberdade. Fora daí, só a livre manifestação de vontade derroga o domicílio comum, erigindo o especial (ou domicílio de eleição). A lei civil encerra várias disposições a respeito do domicílio. Não faltam especificações requintadas, cercando a pessoa natural e a jurídica em todas as situações, apontando-lhes, casuisticamente, o domicílio. Por esse motivo curial, apesar da inconteste distinção entre domicílio e residência,6 e o uso dessa última figura em outros ordenamentos, o elemento de fato (residência), sem o ânimo de concentrar em certo lugar o conjunto dos seus interesses (elemento subjetivo), nenhum relevo real tem na aplicação do art. 46, caput, do NCPC. Entre nós, impera o princípio da existência do domicílio: “Todos têm domicílio, ainda o vagabundo, o que não tem residência, nem morada. Não há ser humano sem domicílio; se não se sabe qual seja, ou se a pessoa já morreu, é o último”.7 É seu domicílio o lugar em que a pessoa natural estabelece residência com ânimo definitivo (art. 70 do CC). Em geral, a prova do ânimo retira-se de indicações da própria pessoa. Ela aponta o prédio tal como endereço para correspondência bancária, nele instala telefone e consome energia elétrica, instalando, ou não, a família. A ligação de energia elétrica é o dado mais seguro. Raramente alguém comunica às autoridades municipais, como pretende o anacrônico art. 74, parágrafo único, do CC, eventual mudança de domicílio, ou esse extravagante comunicado merecerá alguma atenção da autoridade;8 porém, a pessoa desliga a luz no prédio antigo e liga a luz no prédio novo. Ninguém vive às escuras. Após fixar a noção básica, a lei civil dispôs regras para atender eventos discrepantes do quod plerumque accidit. Há pessoas que vivem, alternadamente, em várias residências, conforme a estação do ano ou os interesses da família. Nesta hipótese, considerar-se-á qualquer delas o domicílio (art. 71 do CC). E há pessoas que não se fixam, definitivamente, em algum lugar, viajando de cidade em cidade, de hotel em hotel, aspirando e
inspirando novos ares. À falta de residência habitual, pois essa pessoa itinerante só tem moradia eventual,9 o art. 73 do CC declara domicílio o lugar em que encontrar-se, no momento, a pessoa. O profissional tem domicílio no lugar em que exerce seu ofício (art. 72, caput, do CC) e, atuando em diversos lugares (v.g., o advogado cujo escritório tem sede e filiais), qualquer um deles (art. 72, parágrafo único, do CC). Tem domicílio certo, ou obrigatório (art. 76, caput, do CC), algumas pessoas, como o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo, o preso, e o do casal para cada cônjuge (art. 1.569 do CC). Esmerou-se, a esse propósito, a lei civil. Por exemplo, cuidou do caso singular do militar da Marinha, que, embarcado, navega por quaisquer águas, nacionais ou internacionais, na superfície ou submerso: o domicílio é a sede do respectivo comando (art. 76, parágrafo único, do CC). Se alguém serve à Nação na força brasileira de submarinos, estima-se domiciliado na cidade do Rio de Janeiro… O agente diplomático brasileiro, lotado no exterior e que, chamado a juízo, pertinentemente invocar o benefício da extraterritorialidade, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território nacional onde esteve (art. 77 do CC). Por fim, o art. 78 do CC admite o domicílio de eleição, ou seja, o foro de eleição (infra, 464.1), para ações que envolvam o cumprimento de direitos e obrigações. Em relação às pessoas jurídicas de direito privado, o domicílio (ou sede) é no lugar em que funcionarem as diretorias ou, subsidiariamente, no lugar previsto nos atos constitutivos registrados (art. 75, IV, do CC). A hipótese da sociedade sem personificação encontra-se coberta no art. 53, III, c, do NCPC (infra, 434). Vale, também, a pluralidade de domicílios, existindo diversos estabelecimentos, sediados em lugares diferentes (art. 75, § 1.º, do CC). A pessoa jurídica com sede no estrangeiro tem domicílio, quanto às obrigações contraídas por suas agências, no lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder (art. 75, § 2.º, do CC). Também as pessoas jurídicas de direito público têm seu domicílio estipulado na lei civil. Este assunto interessa ao foro especial (infra, 438). Vencido o primeiro elemento de incidência do art. 46, caput, do NCPC, e o mais relevante, o foro comum depende, por igual, da natureza deduzida em juízo. Entende-se como pessoal a pretensão concernente aos direitos de personalidade (v.g., a pretensão à indenização que surge do dano à honra, à liberdade, à vida), e aos direitos patrimoniais, em especial os obrigacionais e os reais. Não é esta, porém, a configuração do art. 46, caput, do NCPC, que contrapõe à classe dos direitos pessoais e dos direitos reais, obtendo-se a delimitação daqueles por exclusão destes.10 Ora, há vários foros especiais, no tocante às fundadas em direito pessoal, que reduzem a incidência do art. 46, caput. Por exemplo, o do lugar da obrigação, na ação que pretende o cumprimento, a teor do art. 53, III, d, do NCPC; e o do foro do lugar do fato ou
dano, na ação de reparação de dano, conforme o art. 53, IV, a, do NCPC. Exemplos de ações pessoais subsumidas no art. 46, caput, do NCPC: (a) a resolução do contrato; (b) a declaração da existência de negócio jurídico; (c) a ação baseada em fraude contra credores. Nada obstante a relativa indeterminação do art. 46, caput, do NCPC, no que tange às pretensões pessoais, há uma circunstância que beneficia o foro geral: o réu não reclama ao ser demandado no seu domicílio. E, com efeito, como ao foro geral, ou comum, chega-se por exclusão, inexistindo foro especial, revela-se mais fácil estipular as pretensões abrangidas nos foros especiais do que arroladas a causas subordinadas ao foro geral. Na verdade, o foro comum especifica, realmente, as pretensões reais mobiliárias, porque o catálogo dos direitos reais é típico e fechado (art. 1.225 do CC). No entanto, é preciso considerar a noção de móvel, ministrada nos arts. 82 a 84 do CC.11 Bens móveis são os que se movimentam por sua conta, ou semoventes, e os que comportam remoção por força alheia, sem perda da substância ou da finalidade econômico-social (art. 82 do CC), a exemplo dos materiais destinados à construção, que o art. 84 do CC regula quando afetados, ou não, à edificação. Há bens móveis por sua natureza ou por disposição legal, indicados no art. 83 do CC. Depreende-se desta última disposição, por exemplo, que a ação em que a empresa pleiteia da concessionária a manutenção do fornecimento de energia elétrica, embora inadimplente, é ação real mobiliária, a teor do art. 83, I, do CC. 421. Primeiro foro subsidiário ao comum: pluralidade de domicílios O art. 46, § 1.º, do NCPC contempla o primeiro foro subsidiário ao comum, estabelecendo que, existindo pluralidade de domicílios, o réu poderá ser demandado em qualquer um deles.12 Por exemplo, A tem domicílio em Cuiabá e em São Paulo, deslocando-se de uma para outra cidade, toda a semana, em dias variados, para acompanhar seus familiares, divididos nas duas capitais, ou para desincumbir-se da agenda profissional. Ora, o dispositivo processual revela-se ocioso e supérfluo, no sistema jurídico como o brasileiro, que reconhece e admite a pluralidade de domicílios.13 O exemplo ministrado já se encontra coberto, satisfatoriamente, nos arts. 71 e 72, parágrafo único, do CC. Na realidade, há concorrência de foros comuns, sem nenhuma preferência entre as localidades. 422. Segundo foro subsidiário ao comum: domicílio desconhecido ou incerto O segundo foro subsidiário ao comum, previsto no art. 46, § 2.º, do NCPC, versa hipótese impossível, literalmente, que é a do réu com domicílio desconhecido ou incerto. Não há domicílio incerto. Se a pessoa desloca-se constantemente, sem residência habitual, o domicílio é o lugar que se encontra no momento (art. 73
do CC). Neste caso, portanto, a regra processual, mandando processar o réu “onde for encontrado”, coincide com a da primeira parte da lei civil, e pode ser considerada redundante. Só no caso de a pessoa não ser encontrada em nenhum lugar,14 qual fantasma ou personalidade fictícia, criada para perpetrar fraudes, é que poderá ser processada no domicílio do autor, conforme a parte final do art. 46, § 2.º, do NCPC. O domicílio desconhecido discrepa do domicílio incerto. O autor desconhece o lugar em que o réu fixou residência. Embora esta situação possa efetivamente ocorrer, porque as pessoas mudam de bairro ou de cidade sem proclamar seu novo endereço, considerar-se-á o último domicílio do réu como o atual. Foi o que decidiu o STJ, apreciando a hipótese de o marido desconhecer o endereço da mulher, indicando o foro do último domicílio como o que melhor atenderia à regra então vigente que as ações de família seriam propostas no último domicílio da mulher.15 Ao invés, o art. 46, § 2.º, do NCPC autoriza, outra vez, o uso do domicílio do autor, expondo-o à futura exceção de incompetência, fatalmente acolhida no caso de o réu alegar e provar o local do domicílio. Se, circunstancialmente, a pessoa é localizada em algum lugar, aplicar-se-á, simplesmente, o art. 73 do CC – a autor demandará neste lugar. 423. Terceiro foro subsidiário ao comum: partes residentes ou domiciliadas no exterior O art. 46, § 3.º, do NCPC, contempla a chamada regra de encerramento. Consoante a primeira parte da regra, o réu talvez não resida no território brasileiro. Em tal hipótese, convém realçar, tampouco tem domicílio, porque a pessoa sem residência habitual é domiciliada no lugar em que se encontrar no momento, a teor do art. 73 do CC. Admitida a jurisdição brasileira, exclusiva (art. 23 do NCPC) ou concorrente (arts. 21 e 22 do NCPC), o autor demandará este réu no foro do seu domicílio. Por exemplo, o réu reside em Buenos Aires, mas o autor é domiciliado em São Paulo, capital: neste último lugar correrá a demanda. O domicílio das partes (e não só a residência) revela-se certo e conhecido. Se o autor também não tiver residência no território nacional, conforme antecipa a segunda parte do art. 46, § 3.º, do NCPC, então escolherá qualquer foro, segundo a própria conveniência. Residindo o autor no território nacional, aqui tem domicílio no lugar em que se encontrar, segundo o art. 73 do CC, e, neste lugar, há de demandar o réu residente no estrangeiro. 424. Quarto foro subsidiário ao comum: pluralidade de réus Demandando o autor mais de um réu, em litisconsórcio passivo, domiciliados em lugares diferentes, lícito se afigura ajuizar a petição inicial em qualquer dos domicílios, a teor do art. 46, § 4.º, do NCPC. Há concorrência de foros e o autor escolherá o que lhe parecer mais conveniente.16 Por exemplo, um dos réus é domiciliado em São Paulo, outro em Curitiba. O autor domiciliado em São Paulo escolherá esta cidade, não porque seja o seu domicílio, critério que a lei não chancela, mas porque, admissível optar entre Curitiba e São Paulo, esta cidade é o domicílio de um dos réus, e, coincidentemente, o domicílio próprio.
O art. 46, § 4.º, não distingue a espécie de litisconsórcio passivo, à luz do art. 113, I a III, nem o respectivo regime (simples ou unitário). Portanto, subentende-se que a regra aplicar-se-á a todas as hipóteses, ressalvada a ulterior recusa da demanda conjunta, na forma do art. 113, § 1.º. O órgão judiciário não precisa, nem deve emitir juízo acerca da admissibilidade do litisconsórcio, com o fito de reconhecer, ou não, a própria competência, contestando-se no contraste entre a petição inicial e a regra de competência.17 Em lugar do domicílio, já ocorreu de existirem dois foros de eleição diferentes, um para cada réu. Nesta hipótese, o art. 46, § 4.º, incide por analogia, cabendo ao autor escolher um dos domicílios eleitos nos contratos.18 Ademais, se existirem três réus, um domiciliado no exterior, não se aplicará o § 3.º do art. 46, mas o § 4.º, optando o autor pelo domicílio de um dos réus residentes no território nacional – no caso, o autor escolheu o próprio domicílio, preferência repelida no julgado.19 Tratando-se de ação movida contra a União em litisconsórcio com outra pessoa cumpre distinguir. Demandada a União isoladamente, o art. 51, parágrafo único, do NCPC, estabelece três foros concorrentes: (a) o domicílio do autor; (b) o lugar do ato ou do fato que originou a demanda; e (c) o Distrito Federal. Tal significa que o autor demandará no foro do domicílio do réu, em qualquer Estado-membro, porque a União pode ser demanda em qualquer unidade da Federação, como se entendia no direito anterior.20 Não parece razoável ignorar o art. 46, § 4.º e, porque figura a União como réu, demandar no foro do domicílio do autor, pré-excluído nesta regra. A faculdade do art. 46, § 4.º, enseja algumas dificuldades para o réu. Por exemplo, o INPI tem sede na cidade do Rio de Janeiro, onde fica sua Procuradoria, mas o litisconsórcio com o titular da marca enseja que o autor opte por outro lugar, o da sede do litisconsorte.21 Um caso curioso surge com a aplicação inversa do art. 46, § 4.º, ou seja, ao litisconsórcio ativo, domiciliados os autores em lugares diferentes. Em todas as situações em que for competente o domicílio do autor, com efeito, a existência de demanda conjunta exigirá a inversão subjetiva da regra, em princípio concebida para os réus, e, destarte, admitindo a opção pelo domicílio de qualquer dos autores. Foi o que decidiu, na demanda contra a União, autorizada no domicílio do autor pelo art. 109, § 2.º, da CF/1988, a 3.ª Seção do STJ.22 § 97.º Competência dos foros especiais 425. Definição de foro especial Caracteriza-se como especial o foro que não seja o geral, ou seja, o domicílio do réu. O elemento de conexão da causa com a divisão judiciária varia muito. É pródiga a lei processual comum e extravagante nessas previsões. E o arranjo sistemático da matéria é difícil. 426. Competência do foro da situação da coisa É competente o foro da situação da coisa, reza o art. 47, caput, do NCPC, para as ações fundadas em direito real.
Em relação ao art. 136 do CPC de 1939, o dispositivo vigente, copiando a orientação do art. 95 do CPC de 1973, adotou fórmula de sentido tecnicamente preciso, porque o anterior aludia às ações “relativas a imóvel”, sugerindo a inclusão na incidência da regra das ações reipersecutórias, ou seja, baseadas em contrato real (v.g., o comodato). Repeliu-se o alargamento excessivo da competência do foro da situação da coisa. O pedido formulado na demanda, para enquadrá-la no art. 47,caput, do NCPC, há de fundar-se num dos direitos reais tipificados no art. 1.225 do CC, seja própria a coisa imóvel, seja alheia. O objetivo da regra consiste em auxiliar a coleta da prova (v.g., a realização de perícia) e a futura execução, por intermédio do meio executório da imissão de posse (art. 538, caput).23 O art. 47, § 1.º, ao autorizar a opção do autor pelo foro do domicílio do réu,24 que é o foro geral, ou pelo foro de eleição, concorrentemente, extrai-se relevante consequência: nas hipóteses expressamente indicadas – propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova –, o foro da situação da coisa é indisponível, sujeitando-se ao regime da competência absoluta (retro, 382). Na prática, há controle oficioso da competência. Nas demais hipóteses, a exemplo da execução hipotecária (art. 784, V), a competência mostrar-se-á relativa, admitindo-se a prorrogação por inércia do réu e a cláusula de eleição de foro, respeitada a exigência do art. 63, § 1.º. Não cuida o art. 47, caput, de competência funcional.25 Falta, para caracterizar a figura, a intervenção, in simultaneo processu, de dois juízos distintos. O caráter absoluto da competência é dado insuficiente para transformar a competência territorial em funcional. O máximo que se pode afirmar, perante a regra, é que nem sempre o controle da competência de foro subordina-se à iniciativa da parte e admite prorrogação. No entanto, o caráter absoluto da competência prevista no art. 47 do NCPC tem efeitos práticos, prevalecendo no contraste com outras regras de competência territorial, como as dos arts. 48 e 49.26 Assim, a ação reivindicatória de imóvel, movida contra o espólio, não se processará no foro do último domicílio do autor da herança (infra, 427), mas no foro da situação da coisa.27 Inserem-se na primeira parte do art. 47, § 1.º, obrigatoriamente, as seguintes pretensões: (a) reivindicatória de imóvel; (b) negatória ou confessória de servidão; (c) demarcatória; (d) divisória; (e) a desapropriação indireta.28 A pretensão possessória imobiliária (interdito proibitório, reintegração e manutenção), mirando os conflitos em torno de terras privadas tão comuns no interior dos Estados, recebeu explicitação no art. 47, § 2.º. É absoluta a competência do foro da situação do imóvel. Se o autor reivindicar, no mesmo processo, dois ou mais bens imóveis perante o mesmo réu, poderá optar pelo foro da situação de qualquer deles. A ação de imissão na posse não se funda em direito real, mas no direito à aquisição da posse, originado de relação obrigacional, mas é tida como ação
real.29Fundada no domínio – por exemplo, A alienou o bem a B, obrigando-se a entregar a posse, mas inadimpliu a obrigação –, incide o art. 47, caput. Em relação às ações derivadas da promessa de compra e venda de imóvel, cumpre distinguir se há, ou não, registro. Registrado o contrato preliminar da compra e venda de imóvel, confere direito real de aquisição, nos termos do art. 1.225, VII, do CC. Nesta contingência, a pretensão para obter o contrato definitivo, designada de adjudicação compulsória, fundar-se-á em direito real. Não se adaptando a adjudicação às hipóteses taxativas do art. 47, § 1.º NCPC,30 o promissário poderá optar pelo foro do domicílio ou pelo foro de eleição. Porém, as pretensões possessórias originárias da promessa registrada tramitarão no foro da situação do imóvel, a teor do art. 47, § 2.º. Não existindo registro da promessa de compra e venda, subsiste a pretensão à adjudicação compulsória (Súmula do STJ, n.º 239), mas ela basear-se-á em direito pessoal (obrigacional), e, portanto, acomoda-se ao foro comum, que é o domicílio do réu (art. 46 do NCPC), ressalva feita à regra especial em contrário (v.g., a pretensão possessória, conforme o art. 47, § 2.º). Por exemplo, objeto da promessa lote urbano, por loteamento ou desdobramento de gleba urbana, o art. 48 da Lei 6.766/1979 estipula competente o foro “da comarca da situação do lote”, haja ou não registro. A jurisprudência do STJ revela-se contraditória, neste particular, porque reconhece, a um só tempo, a natureza pessoal e a incidência da regra predecessora do art. 47, caput, tratando-se de adjudicação fundada em promessa desprovida de registro.31 Em todo caso, importa realçar que inexistem, nessas situações, duas pretensões distintas à obtenção do título hábil à aquisição do domínio, mas pretensão idêntica, real ou pessoal, conforme haja, ou não, o registro do contrato.32 A adjudicação não constitui a única pretensão surgida da promessa de compra e venda de imóvel. Eventualmente, o promissário pretenderá a declaração da existência do contrato preliminar, e o promitente a respectiva inexistência, ou a resolução do negócio por inadimplemento (art. 476 do CC). Operada a dissolução do negócio, por força do acolhimento da pretensão à resolução, para os antigos figurantes nascerá pretensão à restituição do preço, de um lado, e pretensão à reintegração na posse, de outro. Este último efeito inclui a ação de resolução, inexoravelmente, no art. 47, § 2.º, do CPC.33 No direito anterior, avultava a existência, ou não, do registro. Registrada a promessa, a resolução é real como qualquer outra ação fundada neste contrato; na falta do registro, a resolução é ação pessoal, não importando o fato de implicar a reintegração do promitente na posse do imóvel, motivo por que o foro era o geral.34 Esse quadro muda de figura com o art. 47, § 2.º. Embora o retorno ao estado anterior seja simples decorrência do desfazimento do contrato, processando-se na relação de liquidação subsequente ao juízo de procedência, parece necessário extrair todas as consequências concebíveis do art. 47, § 2.º, predeterminando a tramitação da pretensão à resolução do contrato (art. 476 do CC). Ficam de fora a pretensão à declaração da existência ou inexistência do negócio.
Se o imóvel situar-se em mais de um Estado ou em mais de uma comarca, ambas se mostram competentes, a teor do art. 47, caput. O autor poderá optar por um dos lugares de situação. No entanto, existindo multiplicidade de demandas, determinar-se-á o foro competente pela prevenção (art. 59 do NCPC), ou seja, fixa-se a competência no juízo do protocolo (art. 312) ou da distribuição da primeira ação. É possível que haja dúvida quanto à exata localização das divisas, num ou noutro município. Nesta contingência, o art. 59 incide por analogia. O foro do lugar da situação do bem imóvel aplica-se às ações em que sujeito federal for parte ativa ou passiva, respeitada a competência de “jurisdição”, ou seja, a demanda processar-se-á na Justiça Federal (art. 109, I, da CF/1988). Embora haja vara federal no lugar da situação, o art. 109, § 1.º, da CF/1988 estipula a competência da seção judiciária em que o réu tiver domicílio.35 É preciso acomodar o art. 51, parágrafo único, do NCPC à regra constitucional. Já o Estado-membro submete-se ao foro do art. 47, caput, do NCPC, conforme prevê o art. 52, parágrafo único. Existindo, porém, vara privativa no lugar da situação da coisa, nela tramitará a demanda real. 427. Competência do foro do último domicílio do autor da herança O foro do último domicílio do autor da herança, qualquer que seja o lugar do óbito, inclusive no exterior, ou o lugar da situação dos bens, é competente para processar o inventário (ou partilha), a arrecadação, a abertura, o registro e o cumprimento do testamento, e todas “as ações em que o espólio for réu” (art. 48, caput), representado pelo inventariante (art. 75, VII) ou por todos os herdeiros (art. 75, § 1.º). É importante realçar que, domiciliado o autor da herança no estrangeiro e aí falecendo, mas deixando bens no território nacional, há jurisdição exclusiva da Justiça brasileira (art. 23, II), devendo o inventário (ou arrolamento) correr no lugar de situação dos bens. À configuração do “último domicílio” aplicam-se as regras civis já examinadas no art. 46 do NCPC (retro, 420). Por exemplo, existindo pluralidade de domicílios (art. 71 do CC), o último será qualquer um deles.36 O parágrafo único do art. 48 do NCPC contempla hipóteses incompatíveis com as da lei civil. Não há domicílio “incerto”, conforme já se explicou, porque, inexistindo residência habitual, considerar-se-á domicílio o lugar em que pessoa foi encontrada por último (art. 73 do CC), obviamente com vida. É preciso entender, portanto, não ser o lugar em que foi encontrado o autor da herança por último, com vida, e este até pode ser o lugar do óbito, o foro competente para os processos do art. 48, caput, do NCPC, mas o do lugar da situação dos bens (art. 48, parágrafo único, I). Se o autor da herança deixou bens em lugares diferentes, então o art. 48, parágrafo único, II, fixa qualquer deles como competente, e, por fim, inexistindo imóveis, o local de situação de qualquer dos bens do espólio, art. 48, parágrafo único, III. O NCPC acolheu, neste particular, a sugestão de estabelecer foro concorrente dos lugares de situação dos bens. A competência do foro do último domicílio do autor da herança cessa com a partilha.37 Desaparece a figura do espólio, cada herdeiro ou legatário
recebeu seu quinhão, e as ações a respeito desses bens seguem no art. 47 (v.g., reivindicatória) ou submetem-se a foro diverso. É o que se depreende do uso da expressão ações “em que o espólio for réu” no art. 48.38 Desse modo, encerrado o inventário, a investigação de paternidade, cumulada com petição de herança (pretensão real) e prestação de alimentos, processar-se-á no foro do domicílio do alimentando (art. 53, II).39 Por outro lado, figurando o espólio como autor, incidirá o foro geral ou os foros especiais, conforme a pretensão deduzida e outros critérios legais. É relativa a competência prevista no art. 48 do NCPC. Por conseguinte, rejeita-se o controle ex officio,40 cabendo à parte deduzir a exceção de incompetência na contestação, sob pena de prorrogação. A regra cede perante hipótese de competência absoluta (retro, 382). A 2.ª Seção do STJ decidiu que, requerendo a abertura do inventário a CEF, na qualidade de credora do autor da herança, o feito permanece na Justiça Comum, a despeito do art. 109, I, da CF/1988. À primeira vista, a decisão parece simplesmente errônea. Nada exclui que, a teor do art. 1.844, in fine, do CC, a União concorra à sucessão, porque há bens situados em território federal e o autor da herança não deixou cônjuge, ou companheiro, ou parente algum sucessível, ou os herdeiros todos renunciaram à herança. Neste caso, figurando a União como parte, a competência é da Justiça Federal, instituída em razão da pessoa (art. 109, I, da CF/1988), e, não, da matéria. Em razão da competência em razão da pessoal, o juiz federal é um generalista (retro, 388). Nada obstante, a hipótese examinada no julgado é similar à situação objeto da Súmula do STJ, n.º 270, diferindo dessa situação. Legitimada que seja a Fazenda Pública para requerer o inventário, a empresa pública só pretende habilitar o crédito (separatio bonorum),41 e recebê-lo, sem deduzir pretensão processual, a exemplo do que acontece no concurso especial de credores. O deslocamento do inventário para a competência federal nada ajudaria a credora e as partes. 428. Competência do foro do último domicílio do ausente O art. 49 do NCPC tem aplicação restrita, mas real. O crime organizado, ou o crime de ação impositiva, elimina os rivais, sumindo com seus corpos, e rouba caminhões, no curso da rota, dando cabo da vida do motorista e enterrando o corpo em qualquer lugar. Desaparecem filhos, pais e maridos, de forma cruel, e dificilmente serão encontrados. Os arts. 22 e 23 do CC configuram dois casos de presunção de ausência, cujo pressuposto comum reside no desaparecimento da pessoa do seu domicílio, sem deixar notícias: (a) não constituindo representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens; (b) constituindo mandatário, este não quiser ou não puder exercer ou continuar o mandato. Em tais hipóteses, a requerimento de qualquer interessado, ou do Ministério Público, o juiz declarará a ausência e nomeará curador. Declarada a ausência, as ações movidas contra o ausente tramitarão no foro do seu último domicílio, reza o art. 49 do NCPC. Também é competente
para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento das disposições de última vontade. Essa situação discrepa da contemplada no art. 46, § 2.º, a qual pressupõe o desconhecimento pelo autor do paradeiro do réu, não sabendo se ausente ou não. A citação do réu, neste último caso, ocorrerá por edital, e o juiz nomeará curador especial (art. 72, II).42 No caso do art. 49, a citação do ausente ocorrerá na pessoa do curador. É competente o foro do último domicílio do ausente só nas ações em que figurar como réu. O presumível objetivo da disposição visa à concentração das demandas no mesmo foro em que ocorre a administração dos bens do ausente. O art. 49 constitui simples explicitação do foro comum (art. 46, caput), e, portanto, não pré-exclui a incidência dos foros especiais. Por exemplo, a reivindicatória contra o ausente há de ser movida no lugar da situação do imóvel (art. 47, caput);43 a ação de reparação de dano ocorrido em acidente de veículos na via terrestre, que pode ser proposta no foro do domicílio do autor (art. 53, V).44 As ações em que o ausente mover contra outra pessoa submetem-se às regras cabíveis. O STJ estima que a declaração de ausência para o fim específico de pleitear benefício previdenciário perante o INSS é da competência da Justiça Federal.45 429. Competência do foro do domicílio do representante do incapaz O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente legal (art. 76, parágrafo único, do CC). Neste domicílio, e não alhures, correm as demandas movidas contra o incapaz (art. 50 do NCPC). As ações movidas pelo incapaz, representando ou assistido, conforme o caso, submetem-se às regras gerais. O conceito de incapaz é o legal e respeita à capacidade processual (infra, 515). O art. 50 abrange os menores sob o poder familial (absoluta e relativamente incapazes), ou pessoas sob a tutela, e o interdito sob a curatela. A pessoa incapaz, antes da interdição, fica de fora do campo de incidência da regra.46 430. Competência de foro dos sujeitos federais O art. 51 ocupa-se da competência de foro da União. A regra anterior fora revogada pela CF/1988.47 A competência de “jurisdição” e as regras constitucionais regem competência territorial, doravante secundas pelo art. 51. E, de fato, o art. 109, § 1.º, da CF/1988 institui regra de competência de foro. É preciso indagar acerca da natureza dessa disposição, cuja elevada estatura talvez haja transformado a competência territorial em absoluta. Na verdade, a norma constitucional produz dois efeitos: (a) incompatibilidade das regras em contrário contidas na lei processual comum e extravagante, seja relativa, seja absoluta, a competência nelas contemplada; (b) obstáculo ao legislador ordinário, ressalva feita à hipótese em que autorizado pela CF/1988, como se deduz do art. 109, § 3.º, para estabelecer disciplina legal
destoante da regra constitucional.48 Fora daí, a competência territorial do sujeito federal comporta prorrogação, como qualquer outra.49 430.1. Competência de foro da União – Nas ações movidas pela União, competente é o foro da seção judiciária (Estado-membro) em que for domiciliado o réu (art. 109, § 1.º, da CF/1988 c/c art. 51, caput, do NCPC). Por óbvio, a União não pode escolher qualquer vara federal da seção competente, mas a que abranger, territorialmente, o domicílio do réu.50 Supletivamente, à competência do foro do domicílio do réu, nas ações movidas pela União, operam as disposições do art. 46 do NCPC (retro, 388).51 As ações movidas contra a União têm três foros concorrentes: (a) o domicílio do autor; (b) o lugar do ato ou do fato; (c) o lugar da situação da coisa (art. 47); (d) o Distrito Federal (art. 109, § 2.º, da CF/1988). 430.2. Competência de foro dos demais sujeitos federais – A competência em razão da pessoa da Justiça Federal abrange a União, as autarquias e as pessoas públicas federais (art. 109, I, da CF/1988). Os sujeitos incluídos e excluídos, em tese, já receberam exame (retro, 388.3 e 388.4). Os §§ 1.º e 2.º do art. 109 da CF/1988 nada dispõem acerca dessas pessoas jurídicas. Logo, a competência de foro é a comum e a especial, na esfera da Justiça Federal. Encorpou-se o tema com as ações movidas contra as autarquias federais. Por exemplo, o Banco Central do Brasil, cuja sede é em Brasília, e, em princípio, neste lugar há de ser demandado (art. 53, III, a, do NCPC), mas nada impede que o foro do local da agência ou da sucursal (art. 53, III, b, do NCPC), nos litígios relativos às obrigações contraídas nestes lugares.52 Também a Agência Nacional de Saúde – ANS, cuja sede fica na cidade do Rio de Janeiro, pode ser demandada em Porto Alegre, na qual há órgão regional de fiscalização.53 430.3. Competência de foro nas demais causas de competência em razão da matéria da Justiça Federal – Nada há de especial nas demais causas da competência em razão da matéria da Justiça Federal. E, com efeito, ou a participação da União provoca a incidência dos dois primeiros parágrafos do art. 109 da CF/1988, conforme a posição de autora ou ré, ou incide a competência de foro comum ou especial, no âmbito da Justiça Federal. Vale recordar, ainda, o art. 45, já examinado em item anterior (retro, 338.5). 431. Competência de foro na competência federal delegada A criação de varas federais no interior das seções judiciárias encurta, progressivamente, a distância entre a Justiça Federal e o povo. No entanto, a Justiça Comum, mais antiga e melhor distribuída, tem um número bem maior de juízos no interior dos Estados-membros, distribuídos em variadas comarcas. Não há uma comarca para cada município. As aspirações autonomistas, que ensejaram a criação de pequenos municípios, jamais corresponderam a um movimento forense compatível com a instalação, no burgo emergente, de um órgão estatal tão dispendioso quanto o judiciário. No primeiro momento, visando auxiliar o acesso à Justiça Federal no interior, o art. 16 do Dec. 848/1980 previu a delegação da competência federal aos juízes de direito, fórmula encerrada com o art. 60, § 3.º, da CF/1891, que
proibiu cometer “jurisdição federal às Justiças dos Estados”. Essa delegação retornou, desaparecido o impedimento constitucional, no art. 15 da Lei 5.010/1966. O aspecto mais agudo, acomodado por essa salutar disposição, repontava nas causas previdenciárias. Os segurados e os beneficiários da previdência pública, estatal e universal não dispõem de recursos ou meios para se deslocarem até a capital do Estado-membro. Por isso, o art. 15, III, da Lei 5.010/1966 delegou ao juiz de direito, nas comarcas do interior onde não funcionar vara federal, competência para julgar tais causas. E o art. 12 da Lei 5.010/1966 autorizou a criação de varas no interior da seção e, conforme as possibilidades orçamentárias, a União expande a Justiça Federal. O art. 109, § 3.º, primeira parte, da CF/1988 contemplou delegação específica a órgãos da Justiça Comum, nas “causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado”, haja vista a relevância social dessa classe de causas. E a parte final desse parágrafo, autorizando que a lei preveja outras causas, recepcionou os incs. I e II do art. 15 da Lei 5.010/1966, sendo a competência para execuções fiscais, objeto do inciso I dessa regra, posteriormente revogada pela Lei 13.043/2014. Estabeleceu a regra que, verificada a inexistência de vara federal na comarca do domicílio do autor – concebe-se, portanto, a existência de vara federal cuja base territorial inclua a comarca, mas isto não basta para afastar a competência federal do juiz da comarca –, “a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual”, art. 109, § 3.º, da CF/1988. O art. 109, § 4.º, da CF/1988, preservou a competência funcional vertical do TRF da respectiva região. A delegação da competência federal cessará com a instalação de vara federal na cidade em que se situa a comarca da Justiça Comum.54 É a orientação que se depreende, em matéria trabalhista, da Súmula do STJ, n.º 10. A competência federal delegada do órgão judicante da Justiça Comum, instituída no art. 109, § 3.º, é concorrente. As partes sempre poderão optar pela vara da Justiça Federal territorialmente competente ou da sede da Justiça Federal, que é a capital do Estado-membro. A esse respeito, a Súmula do STF, n.º 689: “O segurado pode ajuizar ação contra a instituição previdenciária perante o juízo federal do seu domicílio ou nas varas federais da Capital do Estado-membro”. É claro que, existindo no domicílio do autor vara federal e vara da Justiça Comum, a competência é da primeira, porque desaparece o pressuposto negativo da delegação de competência (infra, 431). Idêntica orientação favorecerá o INSS na condição de autor. Frequentemente, a autarquia alega dificuldades na produção da prova, além do concurso de mais procuradores federais, na opção pela sede da seção judiciária. Esses fundamentos se harmonizam com os princípios constitucionais inspiradores do acesso à Justiça. A cláusula final do § 3.º, do art. 109 suscita algumas dúvidas, quanto às hipóteses legais recepcionadas, e os limites do legislador ordinário. No que tange à recepção, urge examinar os casos individualmente. O alcance das futuras leis, transferindo competência federal a órgãos da Justiça Comum,
restringe-se à própria competência da Justiça Federal, em razão da pessoa ou da matéria. A lei ordinária não pode aumentar, por essa via oblíqua, a competência de “jurisdição”. 431.1. Competência do foro do domicílio do autor nas causas previdenciárias – É competente o foro do domicílio dos segurados ou dos beneficiários as causas em que figurar como ré a entidade previdenciária estatal ou INSS (art. 109, § 3.º, primeira parte, da CF/1988, c/c art. 15, III, da Lei 5.010/1966 e art. 51, parágrafo único, do NCPC). Essas causas se sujeitam à competência federal, porque o INSS é autarquia federal (art. 109, I, da CF/1988). No entanto, convém descentralizar a prestação jurisdicional, pulverizando centenas de milhares de lides entre o maior número possível de juízos, de um lado, e facilitar o acesso dos necessitados à Justiça, de outro. A competência do foro do domicílio do autor, nas causas previdenciárias, assenta em dois pressupostos, um negativo, o outro positivo: (a) inexistência de vara federal no lugar do domicílio do autor; (b) existência de comarca no lugar do domicílio do autor. Fica subentendido, por conseguinte, que a competência territorial da vara federal eventualmente abrangerá o lugar do domicílio do autor. Mas, existindo juiz de direito neste último, porque há comarca no lugar, a competência federal passa à Justiça Comum. Inexistindo comarca no lugar do domicílio do autor, a competência é do juízo federal cujo território compreende tal lugar. O art. 15, III, da Lei 5.010/1966 aludia a “benefícios de natureza pecuniária”. Essa restrição, posto que inútil na ação contra o INSS, acabou revogada, por incompatibilidade, pelo art. 109, § 3.º, primeira parte, da CF/1988. O INSS pode mover ação no domicílio do segurado e perante a Justiça local (v.g., o cancelamento de benefício previdenciário).55 O adversário da autarquia federal há de ser pessoa natural. As pessoas jurídicas de direito privado ficam fora dessa competência.56 Por outro lado, a expressão “causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado” (art. 109, § 3.º, da CF/1988), não engloba as instituições de previdência privada aberta ou fechada. O participante desses planos demandará tais empresas segundo as diretrizes comuns, nem há competência federal, mas da Justiça Comum para processar e julgar tais causas. À competência do art. 109, § 3.º, primeira parte, da CF/1988, nenhum relevo assumem, em princípio, a natureza da causa, a força da sentença, o procedimento ou qualquer outro aspecto da lide, pois a competência de foro firma-se pelos sujeitos. A exceção é o mandado de segurança. Dispõe a Súmula do TFR, n.º 216: “Compete à Justiça Federal processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato de autoridade previdenciária, ainda que localizada em comarca do interior”. (infra, 450). E, quanto à noção de domicílio, ao efeito de incidir a regra constitucional, valem as considerações já expendidas no âmbito do foro geral (retro, 420). 431.2. Competência do foro do domicílio do autor nas causas de produção antecipada de prova – O art. 15, II, da Lei 5.010/1966 declara que as vistorias
e as justificações, quando destinadas a fazer prova perante a administração federal, centralizada ou autárquica, podem realizar-se no foro do domicílio do autor, e perante órgão judiciário da Justiça Comum. O objetivo da justificação consiste na pretensão de documentar a existência de “algum fato ou relação jurídica” (art. 381, § 5.º, do NCPC), para eventual uso futuro, e, neste caso, também em “processo regular”. O órgão judiciário não declara a existência da relação jurídica. Limita-se a produzir a prova, basicamente testemunhal, às vezes auxiliada por indício constante de documento, remetendo as demais etapas do procedimento probatório – especificação, proposição, admissão e avaliação – ao juiz da causa principal. A justificação não adquire a eficácia de prova documental.57 A vistoria é uma das modalidades da prova pericial (art. 464, caput, do NCPC). O art. 15, II, da Lei 5.010/1966, alude a tal espécie de prova objeto da produção antecipada contemplada no art. 381. O autor exerce pretensão à segurança, porque o objeto da vistoria – por exemplo, os vestígios existentes no solo – tende a desaparecer ou a ficar oculto no futuro, impedindo a proposição e a produção dessa prova no momento adequado, no curso da causa principal. Essas medidas preparatórias competem à Justiça Federal se o uso futuro da prova envolver um dos sujeitos federais (art. 109, I, da CF/1988),58 ou, causa da competência, em razão da matéria, da Justiça Federal. É o que estipula a Súmula do STJ, n.º 32. O acesso à justiça pública recomenda que ocorram no domicílio do autor e, neste caso, preenchidas as condições do art. 103, § 3.º, da CF/1988, perante órgão da Justiça Comum. O caso mais frequente é o da justificação, largamente empregada para documentar o tempo de serviço e fazer prova futura deste fato em ação perante o INSS, pleiteando a concessão de aposentadoria. 431.3. Competência do foro do domicílio do réu na execução fiscal – A competência da pretensão a executar movida pela Fazenda Pública encontrase prevista no art. 46, § 5.º. Existindo um foro geral, que é o do domicílio do executado, impropriamente chamado de “réu”, no art. 46, § 5.º, e caput, e dois foros subsidiários – a residência ou o lugar onde o executado for encontrado. Em localidades em que inexiste vara federal, o art. 15, I, da Lei 5.010/1966 autorizava a Fazenda Pública Federal mover a execução no foro do domicílio do devedor, que seja comarca da Justiça Comum. Essa competência aplicava-se, exclusivamente, ao juízo da comarca do domicílio do devedor – só neste particular há regra expressa de delegação –, e, não aos foros subsidiários e concorrentes do 46, § 5.º. Desapareceu essa delegação por força da revogação da norma pela Lei 13.014/2014. Equívoco da Fazenda Pública Federal, propondo execução fiscal perante juiz estadual de comarca onde não se situa o domicílio do devedor, caracteriza hipótese de incompetência absoluta, em virtude da ausência de delegação. O juiz poderá declarar-se incompetente ex officio. A delegação abrangia todas as ações incidentais (v.g., os embargos do devedor; os embargos de terceiro movidos por empresa pública federal), salvo o caso de expedição de carta precatória executória (art. 845, § 2.º), hipótese em que a
competência para processar e julgar os embargos é unicamente do juiz federal deprecante. Logo, a propositura de ação cautelar fiscal, a teor do art. 5.º, caput, da Lei 8.397/1992, previne a competência do juiz da futura execução. O art. 46, § 5.º, aplica-se à pretensão a executar do Estado estrangeiro (art. 961, § 4.º), após exequatur do STJ, competindo a iniciativa à AdvocaciaGeral da União (art. 33, caput), processando-se na Justiça Federal (art. 109, X, da CF/1988). 431.4. Competência do foro do domicílio do naturalizando – O art. 109, X, in fine, da CF/1988 institui a competência da Justiça Federal para as causas envolvendo naturalização de estrangeiros (retro, 395.3). Esse tramitará no âmbito da seção judiciária em que tiver domicílio do naturalizando. Findo o processo, a entrega do certificado de naturalização ato material –, inexistindo juiz federal na cidade em que tiverem domicílio os interessados, ocorrerá pelas mãos do juiz de direito desta comarca, ou da comarca mais próxima, conforme dispõe o art. 119, § 2.º, da Lei 6.815/1980. 431.5. Competência do foro do lugar de situação do imóvel na indenização por pesquisa e lavra de minério – O proprietário do solo que pretende reparação do dano suportado, em razão de pesquisa ou lavra de minério, e objeto do procedimento de avaliação previsto no art. 27, VI a XVI, do Dec.-lei 227/1967, reclamará a indenização no lugar de situação do imóvel (Súmula do STJ, n.º 238). Em princípio, particulares litigam neste assunto (proprietário x titular da licença de pesquisa ou de lavra). Eventualmente, um dos sujeitos federais figurará como parte passiva, e, neste caso, a competência é da Justiça Federal (art. 109, I, da CF/1988). O litígio processar-se-á perante o juiz de direito na comarca onde se situar o imóvel, que receberá delegação da competência federal.59 431.6. Competência do foro do lugar do dano na ação civil pública – O art. 2.º da Lei 7.347/1985 institui o foro do local onde ocorreu o dano como competente funcionalmente para processar e julgar a ação civil pública. Não há competência funcional (retro, 404), mas territorial, embora excepcionalmente absoluta. Interessa definir se o órgão judiciário da Justiça Comum, situado no lugar em que ocorreu o dano exercerá competência federal delegada, a teor do art. 109, § 3.º, parte final, da CF/1988. O STF decidiu que, figurando um dos sujeitos arrolados no art. 109, I, da CF/1988, na causa, a competência é da Justiça Federal e da vara federal competente no território.60 O STJ alinhou-se à orientação, cancelando, destarte, o verbete n.º 183 da Súmula.61 Desse modo, embora no local do dano haja comarca da Justiça Comum, e em outro lugar se situe da vara federal, todavia com competência territorial abrangente do local do dano (v.g., o dano ocorreu na cidade X, mas a vara federal encontra sediada na cidade Y, com competência territorial sobre Y, X e Z), nesta última processar-se-á o processo coletivo.
431.7. Competência do foro no reconhecimento de união estável para fins previdenciários – Não é incomum a pretensão do companheiro sobrevivente de reconhecer a existência da união estável para receber benefício previdenciário do INSS. Essa demanda é da competência da Justiça Comum, porque o futuro emprego do provimento não afeta a competência.62 A competência de foro é a do art. 53, I, a até c, do NCPC (infra, 432). 432. Competência do foro em ações de família O art. 53, I, estipula a competência de foro das seguintes demandas: (a) divórcio; (b) separação dos cônjuges; (c) anulação de casamento; (d) reconhecimento ou dissolução de união estável. Em relação ao direito anterior, a regra promoveu duas modificações de vulto. Em primeiro lugar, atualizou as demandas, incluindo o reconhecimento e a dissolução da união estável; ademais, trocou o elemento de fixação da competência, passando da residência da mulher para (a) o domicílio do guardião do filho incapaz, (b) o último domicílio do casal, inexistindo filho incapaz, e (c) o domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal. Equiparava-se, no direito anterior, às pretensões de dissolução do vínculo ou da sociedade conjugal as que envolviam união estável.63 É digno de nota que essas ações, conforme o art. 9.º da Lei 9.278/1996, competem ao juízo privativo das causas de família, onde houver. No entanto, a jurisprudência do STJ conferia desconfortável interpretação restritiva ao direito anterior, registrando precedente específico no sentido de não se aplicar à ação de dissolução de união estável o foro especial.64 Fez bem o art. 53, I, do NCPC, em esclarecer a questão. Não há pessoa sem domicílio no direito brasileiro. Porém, na constância do casamento, o domicílio do casal é o escolhido de comum acordo pelos cônjuges (art. 1.569 do CC), o que, obviamente, não se harmoniza com a ruptura da convivência subentendida nas ações indicadas no art. 53, I. Não raro há o afastamento de um dos cônjuges do domicílio conjugal, com ou sem autorização judicial – a medida provisória não importa, necessariamente, o abandono da morada –,65 fato que nenhum relevo assume no problema de competência. Excepcionalmente, o acordo dos cônjuges consagrou, por motivos profissionais, domicílios diferentes para o casal.66 A prerrogativa de foro da mulher provocava severas críticas no direito anterior. Em primeiro lugar, afastando-se a mulher do lar conjugal voluntariamente, e, assim, rompendo a convivência por iniciativa própria, o marido ficava obrigado a demandá-la no foro onde vivesse, talvez longínquo, dificultando o acesso à Justiça.67Ademais, a regra antecedeu à CF/1988, visando a suprimir a desigualdade social então vigorante entre homem e mulher, e que esta liquidou no plano normativo (art. 1.º, caput, e I, e art. 226, § 5.º, da CF/1988). Por esse motivo, a aplicação da regra descansava na verificação da questão de fato, ou seja, a efetiva inferioridade concreta da mulher, porque não dispõe de recursos ou ficou com a guarda dos filhos e desamparada, para não infringir o princípio constitucional da igualdade.68
Essa tese politicamente correta era basicamente formal. O problema de competência só pode ser resolvido, apresentada a petição inicial, in status assertionis, sem nenhuma investigação probatória mais extensa e profunda. Representaria manifesto absurdo, além de claro atentado à economia, empreender vasta investigação probatória, a respeito da real inferioridade da mulher no caso concreto, quiçá de natureza psicológica (e indevassável), desviando o foco do mérito, para chegar-se à conclusão negativa. Aliás, cuida-se de competência relativa, porque territorial, e essa empresa dependeria da apresentação de exceção pelo réu. Fundamentalmente, só em raríssimos casos o handicap feminino desapareceu, mostrando-se lícito presumi-lo. O princípio da igualdade é compatível com medidas legislativas compensatórias, as quais promovem a real equiparação de homem e mulher, atenuando possíveis e prováveis desigualdades. Como quer que seja, o art. 53, I, alterou o critério anterior. É competente, em primeiro lugar (art. 53, I, a), o foro do domicílio do guardião do filho incapaz. Logo, existindo filhos menores de idade, ou filho interditado, não importa quem seja o autor da demanda, mas o titular da guarda, encarada como situação de fato – inexiste a necessidade de provimento judicial a respeito. Em geral, corresponde ao quod plerumque accidit dos filhos competir à mulher. Em segundo lugar, inexistindo filhos incapazes, competente é o foro do último domicílio do casal (art. 53, I, b). Existindo pluralidade de domicílios, qualquer um deles é competente para processar e decidir as pretensões incluídas na regra. Por fim, se a ruptura da convivência antecedeu à demanda e nenhum dos cônjuges ou dos antigos conviventes residem no antigo domicílio do casal, competente é o foro do domicílio do réu (art. 53, I, c). Essa alteração há de ser alegada na petição inicial, e, naturalmente, atrairá a exceção de incompetência do réu na contestação, sob pena de prorrogação (art. 65). O art. 53, I, menciona o divórcio, a separação, a anulação de casamento e o reconhecimento ou a dissolução de união estável; porém, alcança pretensões similares, sejam cautelares, sejam principais; por exemplo: (a) a modificação de cláusula de separação judicial;69 (b) a busca e apreensão de filho menor;70 (c) a separação de corpos.71 A rejeição do foro especial na ação de divórcio direto não tem mais cabimento.72 A competência prevista no art. 53, I, porque territorial, é relativa, e, portanto, não comporta controle ex officio.73 433. Competência do foro do domicílio ou da residência do alimentando O lugar do domicílio ou da residência do alimentando é competente para “a ação em que se pedem alimentos” (art. 53, II). A fórmula da parte final do art. 53, II, é incompleta. O dispositivo incide em quaisquer pretensões alimentares, sejam as que o alimentando pede alimentos, provisionalmente ou não, sejam as que alguém busca modificar74 ou extinguir a prestação alimentar.75 No último caso, o alimentando
é réu, mas a pretensão do alimentante insere-se art. 53, II. Também se aplica à ação em que o alimentante oferece alimentos ao alimentando, a teor do art. 24 da Lei 5.478/1968,76 e à investigação de paternidade, cumulada com alimentos (Súmula do STJ, n.º 1). O alcance do art. 53, II, é tão amplo que atingiu a execução fundada em título judicial, derrogando a competência do juízo que processou a causa em primeiro grau (art. 516, II).77 Segundo o art. 528, § 9.º, a par das opções do art. 516, parágrafo único, o título judicial pode ser executado no juízo do domicílio do exequente. A ação de dissolução de união estável, cumulada com pedido de alimentos em favor da filha comum do casal, compete ao foro do domicílio do alimentando.78 As ações que visem à prestação de alimentos no estrangeiro subordinamse ao art. 26 da Lei 5.478/1968. A instituição intermediária é o MPF (art. 33, parágrafo único), e, por essa razão, a competência é da Justiça Federal, processando-se a causa no juízo federal da capital do Estado-membro onde reside o devedor. Não importa, por outro lado, a classificação da obrigação alimentar. Os alimentos podem decorrer do casamento, do parentesco ou do ato ilícito: “a regra de competência é a mesma”.79 No que tange às noções de domicílio e de residência, valem as considerações já realizadas no item precedente, e, de modo mais amplo, na competência de foro comum (retro, 420). Definida a competência do foro, ocorreu profunda transformação na competência de juízo. A Lei 11.340/2006, pretendendo coibir a violência doméstica, fixou o juízo criminal como competente para as medidas de urgência quanto aos alimentos provisórios ou provisionais (art. 22, V). Essa competência rompe com a especialização natural do órgão judicante e, neste aspecto, não traz benefícios à vítima. Seja como for, a competência do juízo principal não se estende às ações de caráter principal, nem altera a competência hierárquica. Eventuais recursos hão de ser julgados pelo órgão fracionário do tribunal especializado em causas de família.80 A competência do foro do domicílio ou da residência do alimentando é relativa. Não comporta controle ex officio.81 Desse modo, o foro especial concorre com o comum (art. 46 do NCPC). A propositura no foro comum dificilmente suscita reação do réu, demandado no próprio domicílio, por falta de interesse. 434. Competência do foro das sociedades privadas personificadas ou não O art. 53, III, estabelece a competência para as ações em que figurar como ré sociedade de direito privado. Não é relevante a qualidade de sociedade empresária ou não, personificada ou não – a letra c estabelece a competência de foro nesta hipótese. A generalidade da quarta hipótese – lugar de cumprimento da obrigação – estende essa competência de foro ao litígio entre pessoas naturais, e, a fortiori, às pessoas que exercem em caráter privado a delegação dos serviços registrais e notariais (art. 53, III, f). E as ações em que a sociedade figurar como autora seguem as regras gerais de competência.82
434.1. Competência do foro da sede – Em princípio, o autor demandará as pessoas jurídicas de direito privado (sociedades, associações e fundações) no lugar da sua sede, reza o art. 53, III, a, do NCPC. A pessoa jurídica tem sede, ou domicílio, em dois lugares: (a) onde estipulado pelos estatutos ou atos constitutivos registrados; (b) onde funcionarem as respectivas diretorias (art. 75, IV, do CC). É o foro comum (art. 46, caput, do NCPC), valendo a regra especial como simples explicitação. 434.2. Competência do foro do estabelecimento secundário – A atividade empresarial costuma desdobrar-se no território do Estado-membro ou da Nação. Instituem agências, filiais e sucursais. Esses termos têm sentido jurídico próprio. É no principal estabelecimento, do ponto de vista econômico, independentemente da sua natureza de sede ou filial, o foro competente para a falência (art. 3.º da Lei 11.101/2005). Todavia, a sociedade pode ser titular de mais de um estabelecimento. O principal, ou matriz, é onde se situa o comando da empresa. Eventuais desdobramentos, ou estabelecimentos secundários, chamam-se de filial ou de sucursal. Essas designações não ostentam particular relevo no âmbito do direito comercial.83 Na sucursal, o responsável, ou gerente, exibe alguma autonomia operacional, apesar de vinculado à matriz, enquanto na filial ao gerente faltará essa relativa independência.84 A distinção respeita à organização da empresa e se esgota em suas relações internas. Já a agência é designação dos estabelecimentos secundários das empresas de banco.85 Por isso, o art. 75, § 1.º, do CC, preferiu apontar os diversos estabelecimentos como o domicílio da pessoa jurídica para os atos neles praticados. A sociedade empresária pode ser demandada no local em que se situa seu estabelecimento secundário (agência, filial ou sucursal), relativamente às obrigações que ela contraiu, reza o art. 53, III, b, do NCPC. Em tal ponto, a regra supera o alcance do art. 75, § 1.º, do CC. Dispensa a formação do negócio lugar do estabelecimento secundário, podendo ser contraído em qualquer lugar, desde que o seja pela filial.86 Se o lugar do cumprimento diferir do lugar da formação ou da filial, já o foro competente passa àquele primeiro. Tratando-se de pessoa jurídica estrangeira, situado seu comando no exterior, reputa-se cada estabelecimento secundário o domicílio (art. 75, § 2.º, do CC), quanto às obrigações neles contraídas, presumindo-se o gerente com poderes de representação para receber a citação (art. 75, § 3.º, do NCPC). O foro especial do estabelecimento secundário (art. 53, III, b) recebe largo emprego. É o que justifica o cliente da empresa de banco contrair o contrato no foro do seu domicílio, porque é nele que mantém conta corrente, como se decidiu no caso do Banco do Brasil.87 Disciplinando o art. 109, § 1.º, da CF/1988 tão só a competência de foro da União, o art. 53, III, b, regula as ações movidas contra autarquias e empresas públicas (retro, 388.3). 434.3. Competência do foro do estabelecimento principal – A sociedade que não se personificou deve ser demandada, segundo o art. 53, III, c, do
NCPC, no lugar do principal estabelecimento. Não será, necessariamente, o lugar da sua administração.88 434.4. Competência do foro da sede da serventia registral e notarial – Os serviços registrais e notariais são exercidos por particulares, em caráter privado, por delegação do poder público. Não raro dessa atividade derivam pretensões de reparação de dano por ato do ofício (v.g., a pretensão pela lavratura de escritura pública falsa). É competente o foro da sede da serventia, reza o art. 53, III, f, aplicando-se, em caso de multiplicidade de réus e de cumulação de pretensões, as regras do art. 46 do NCPC, ante a natureza pessoal dessa pretensão. Em última análise, a regra explicita o art. 53, IV, a, no caso especial. E cuida-se de competência relativa. 435. Competência do foro do lugar do cumprimento Em certo sentido, o art. 53, III, d, representa exceção às duas primeiras letras do inciso. O lugar do cumprimento da obrigação é o foro principal nas ações movidas contra sociedades, mais do que o lugar da sede ou o lugar da filial (letras a e b do art. 53, III). Por exemplo: a empresa X, com sede na cidade A, assumiu obrigação contraída por filial na cidade B, mas se ajustou o cumprimento na cidade C, é nesta que tramitará a ação movida pelo cliente.89 Não há, propriamente, foros concorrentes. À empresa X, demandada na cidade B, poderá excepcionar a incompetência. A jurisprudência emprestou, à letra d do inc. III do art. 53, interpretação larga e abrangente no direito anterior. No forum destinatae solutionis, além da causa em que o credor pede a prestação, processam-se: (a) a ação de indenização fundada no inadimplemento imputável ao parceiro;90 (b) a ação de invalidade do contrato.91Foi sensível à preocupação que o mesmo contrato se controvertesse em lugares diferentes, quer o autor pleiteasse seu cumprimento, quer a invalidade ou a dissolução.92 Demonstra essa predominância o caso de vários autores, domiciliados em lugares distintos – e, portanto, realizados os depósitos em agências bancárias nos respectivos domicílios –, pleitearem diferenças de FGTS, perante a Justiça Federal, porque figura como parte a CEF (Súmula do STJ, n.º 249), na qual é competente o lugar onde a obrigação deve ser satisfeita (art. 53, III, d), em detrimento do lugar da sede e do lugar da filial.93 O lugar do pagamento é o determinado na lei civil (arts. 327 a 330 do CC). Em princípio, realiza-se o adimplemento no domicílio do devedor (art. 327, caput, do CC), mas é comum, nos contratos civis, ajuste em contrário, indicando-se o domicílio do credor. A regra do art. 53, III, d, do NCPC, extrapola o das ações em que sociedade figurar como ré. O litígio entre pessoas naturais segue a mesma competência.94 436. Competência do foro do lugar do ato ou do fato na reparação de dano É competente o lugar do ato ou do fato para processar, julgar (e executar) a pretensão para obter a reparação do dano (art. 53, IV, a, do NCPC).
Exceção feita à responsabilidade derivada de delito ou de acidente de trânsito, contemplada no art. 53, V, o dispositivo abraça todas as modalidades de responsabilidade extracontratual. Não importa o bem atingido pelo fato contrário ao direito (pessoa ou coisa). O objetivo da regra reside na economia na produção da prova técnica e na facilitação do acesso à Justiça.95 A vítima enfrentaria enormes dificuldades em demandar no domicílio do réu. Eis a razão pela qual o art. 53, IV, a, do NCPC, na jurisprudência, supera as letras a, c e d, do inc. III do mesmo artigo, figurando como ré pessoa jurídica. Fica de fora da incidência do inc. IV, a, do art. 53, a responsabilidade contratual.96 Exemplos de pretensões subsumidas à regra: (a) a inibitória de uso indevido de marca, cumulada com perdas e danos;97 (b) a indenização do dano provocado por matéria jornalística;98 (c) a indenização do acidente de trabalho, que se verifica no lugar da prestação do trabalho.99 No caso da indenização decorrente de matéria jornalística, o lugar do ato não é o da edição do jornal, mas o do domicílio do autor,100 no qual os negócios sofrem profundo abalo no atentado à reputação. Também correrá no lugar do ato ou do fato a pretensão de qualquer natureza deduzida contra toda pessoa natural ou jurídica que administra negócios alheios (art. 53, IV, b, do NCPC). É tão largo o campo da regra, quanto escassos os precedentes a seu respeito. Por exemplo, a ação do proprietário do imóvel contra o administrador profissional de imóveis entra na classe. As pretensões de terceiros contra o administrador também se quadram ao tipo. 437. Competência do foro do domicílio do autor ou do local do fato na reparação de dano provocado por delito ou por acidente de trânsito O art. 53, V, prevê regra de competência do mais alto valor social. Foi mérito inconteste do CPC de 1973 a introdução dessa regra. E o NCPC ampliou o campo de incidência, incluindo as aeronaves. Estabeleceu, em princípio, dois foros concorrentes para a pretensão de reparação de dano derivado de delito ou de acidente de trânsito de veículos ou de aeronaves: (a) o foro do domicílio do autor; (b) o foro do local do fato ilícito. Todavia, nada obsta que o lesado abdique desses foros, aparentemente mais favoráveis, e demande no domicílio do réu. Em outras palavras, a regra do art. 53, V, também concorre com a do foro comum (art. 46, caput).101 Existem vantagens concretas para tal opção. Logrando êxito na pretensão, os bens do patrimônio do réu, aptos a satisfazer o crédito, em geral localizam-se no domicílio deste. Ora, a execução tramitará, desde logo, no foro da situação dos bens penhoráveis, presumivelmente o do domicílio do vencido (art. 516, II). O vencedor fica dispensado de requerer a execução por carta (art. 845, § 2.º), fonte de complicações imprevisíveis, ou de utilizar a faculdade do art. 516, parágrafo único, que importa a remessa dos autos originais ao juízo da execução. Duas espécies de causas ingressam na esfera de incidência da regra.
437.1. Competência do foro do domicílio do autor ou do local do fato no acidente de veículos – A reparação de dano ocorrido em acidente de veículos avulta como a classe mais importante de causas jungidas ao art. 53, V. Eventos dessa natureza, na via terrestre, têm elevada incidência estatística. A ênfase recai no instrumento do dano, que é o veículo, mas não há a restrição do art. 275, II, d, do CPC de 1973 relativa ao procedimento sumário de competência dos juizados especiais da Justiça Comum (art. 1.063 do NCPC), o qual alude unicamente aos acidentes ocorridos na “via terrestre”.102 Além dos veículos terrestres, o art. 53, V, também abarca os veículos de transporte aeroviário e aquaviário (marítimo, lacustre ou fluvial).103 Não importa a tração do veículo, a natureza do dano (patrimonial ou moral) ou o bem lesado (coisa ou pessoa). O dispositivo abrange o dano produzido ao veículo em trânsito. Por exemplo, a ruptura da suspensão do automóvel provocada por buraco aberto na via pública pela autoridade municipal. Não há como retirar da menção a aeronaves, na parte final do art. 53, V, do NCPC, a exclusão dos acidentes no transporte aquaviário, infelizmente comuns na Amazônia brasileira. Local do fato é onde ocorreu o acidente culposo ou doloso entre veículos. 437.2. Competência do foro do domicílio do autor ou do local do fato em delitos penais e civis – O art. 53, V, aplica-se às causas fundadas em “delito”. Por óbvio, a menção envolve os crimes e as contravenções. Assim, a pretensão indenizatória baseada na morte do passageiro de empresa de ônibus no (dentro do) veículo, por ato do motorista, beneficia-se do foro especial. A jurisprudência assentou que o delito mencionado na regra não se relaciona, obrigatoriamente, com o acidente de veículo, e, na verdade, alcança ilícitos civis e penais.104 O fato ilícito é fato jurídico. Existe identidade ontológica entre os fatos lícitos e ilícitos, porque a diferença entre eles é axiológica – o ilícito é fato contrário ao direito.105 Consoante a natureza do dever desatendido, na órbita civil, o ilícito assume natureza relativa (v.g., violação de direito de crédito) ou absoluta (v.g., violação direito absoluto, provido de sujeito passivo total, como os direitos inerentes à personalidade humana). Só neste último caso o ilícito civil recebe a designação de “delito”.106 Por exemplo, é delito civil o do credor que cobra a dívida antes de vencida (art. 939 do CC), porque o suporte fático da regra prescinde da própria existência de relação jurídica, nem sequer infringida, reclamando tão só a cobrança intempestiva.107 438. Competência de foro do Estado-membro e do Distrito Federal O Estado-membro, as suas autarquias e empresas públicas não desfrutam de foro privativo. No direito anterior, os adversários dessas pessoas jurídicas guiavam-se pelas regras de competência territorial, em geral promovendo a demanda no foro comum (art. 46, caput, do NCPC). Ora, a sede do Estadomembro é a respectiva capital, a teor do art. 75, II, do CC. Na capital, de resto, localiza-se o Procurador-Geral, que representará tais pessoas em juízo,
ativa e passivamente (art. 75, II, do NCPC), e é a pessoa indicada a receber a citação. O movimento forense, por tais razões, concentrava-se na capital do Estado, sem excluir a incidência de algum foro especial. O art. 52 do NCPC alterou esse quadro positivamente. É competente o foro do domicílio do réu na demanda movida pelo Estado-membro ou pelo Distrito Federal (art. 52, caput). Por sua vez, os adversários do Estadomembro e do Distrito Federal dispõem de quatro foros concorrentes: (a) o domicílio do autor; (b) o local do ato ou do fato que originou a demanda (v.g., o local do ilícito imputável); (c) situação da coisa (v.g., a nunciação de obra nova, a teor do art. 47, § 1.º); (d) na capital da pessoa jurídica de direito público. Não se mostra admissível, ante o fato de figurar o Estado-membro como réu, deslocar a causa, tão só por esse motivo, para a capital.108 O controle da competência dependerá do oferecimento de exceção, porque se cuida de competência relativa, concebendo-se a prorrogação (art. 65). Em geral, a lei de organização judiciária cria vara(s) privativa(s) dos feitos da Fazenda Pública no foro da capital. Elas definem a competência de juízo, interna à comarca. É muito útil especializar o juízo de direito nos domínios do direito público estadual, nas causas envolvendo tributos estaduais e servidores, sem descartar a aplicação do direito privado à espécie litigiosa (v.g., ação de despejo). Porém, a existência de duas ou mais varas privativas, na capital do Estado-membro, não interfere com a competência de foro, comum e especial. Dispõe a Súmula do STJ, n.º 206: “A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo”. A inexistência de foro privativo não significa que o adversário do Estadomembro, das suas autarquias ou empresas públicas, em juízo, escolha, ao próprio talante, o foro competente. Já sucedeu hipótese de servidores públicos estaduais, sem apoio em regra alguma, e domiciliados em localidades diferentes, demandarem o Estado no foro do domicílio do seu advogado, apresentando a escolha como benemérita, porque diminuiria o acúmulo de processos na vara privativa dos feitos da Fazenda Pública estadual.109 O art. 52 do NCPC aplica-se às autarquias e às empresas públicas, em geral sediadas na capital do Estado e no Distrito Federal. A descentralização operacional de certas atividades da pessoa jurídica de direito público não serve de pretexto para elidir a facilitação no acesso à Justiça operada no art. 52. § 98.º Competência de foro nas leis processuais extravagantes e em situações especiais 439. Competência na desapropriação A competência de foro na ação de desapropriação localiza-se no art. 11 do Dec.-lei 3.365/1941 e varia conforme o autor: (a) movida pela União, compete ao foro do Distrito Federal ou da capital do Estado-membro onde residir o réu; (b) movida por outra pessoa com poder de desapropriar (v.g., o Estadomembro, o município, autarquias e empresas concessionárias de serviços
públicos), compete ao foro da situação da coisa. Por óbvio, a ação movida por sujeito federal competirá à Justiça Federal (art. 109, I, do CF/1988); nos demais casos, a competência é da Justiça Comum, inclusive a ação movida por empresa concessionária de serviço público federal110. Regra especial, o art. 11 do Dec.-lei 3.365/1941 subsiste aos arts. 51 e 52 do NCPC. A desapropriação “indireta” é ação real e, portanto, processar-se-á perante o foro da situação da coisa (art. 47, caput, do NCPC). Figurando como ré a União, ou um dos sujeitos federais, a competência é da vara da Justiça Federal em cuja competência territorial se insere o lugar da situação do bem.111 O art. 12 do Dec.-lei 3.365/1941 exige o predicado da vitaliciedade do juiz de direito ou do juiz federal para processar a desapropriação, mas o art. 22, § 2.º, da LC 35/1979 autoriza os juízes em estágio probatório a atuar no feito. 440. Competência na duplicata A ação de cobrança de duplicata ou de triplicata processar-se-á no foro do lugar do cumprimento da obrigação, constante do título, designado de “praça de pagamento”, ou, na falta de indicação expressa, no foro do domicílio do comprador (art. 17, primeira parte, da Lei 5.474/1968). Em caso de ação regressiva, o foro é o domicílio dos sacadores, dos endossantes e respectivos avalistas (art. 17, segunda parte, da Lei 5.474/1968).112 O lugar do pagamento é o competente, por outro lado, na ação de sustação de protesto e a ação principal em que o devedor visa desconstituir a obrigação ou o título.113 441. Competência nas ações em favor de idoso Considera-se idoso a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos (art. 1.º da Lei 10.741/2003). É possível à lei de organização judiciária criar varas especializadas e privativas do idoso (art. 70 da Lei 10.741/2003). Os respectivos processos têm prioridade na tramitação em ambos os graus de jurisdição (art. 71,caput, da Lei 10.741/2003). O foro competente para a demanda coletiva, cujo objeto envolver interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos do idoso, tramitará no foro do respectivo domicílio (art. 80 da Lei 10.741/2003). Também no foro do domicílio do idoso correrão as ações individuais e coletivas, concernentes à responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados ao idoso, por omissão ou oferecimento insatisfatório, abrangendo: (a) acesso às ações e serviços de saúde; (b) atendimento especializado ao idoso portador de deficiência ou com limitação incapacitante; (c) atendimento especializado ao idoso portador de moléstia infectocontagiosa; (d) serviço de assistência social visando ao amparo do idoso. É o que estabelece o art. 79 da Lei 10.741/2003 e assim deve ser entendido o art. 53, III, d, do NCPC, segundo o qual a residência do idoso é o foro competente para causa cujo objeto seja direito “previsto no respectivo
estatuto”. No tocante à diferença entre residência e domicílio, valem as considerações já feitas no item dedicado ao foro comum principal (retro, 420). Por exclusão, o fato de o idoso figurar num dos polos da relação processual não tem relvo e as demais ações seguem o foro comum ou especial. Assim, a ação de alimentos processar-se-á no domicílio do alimentando (art. 53, II, do NCPC); a reivindicação de imóvel, no lugar da situação da coisa (art. 47, caput, do NCPC). O art. 80 da Lei 10.741/2003 declara “absoluta” a competência do foro do domicílio do idoso, ressalvada a competência de “jurisdição” e hierárquica dos tribunais superiores. Essa disposição revela que regras de competência territorial, conforme os pendores legislativos, abandonam o tratamento conferido à competência relativa e passam aos domínios da competência absoluta. A competência nas ações submetidas ao art. 80 da Lei 10.741/2003, comporta controle ex officio, inexistindo qualquer liberdade para o idoso optar por outro foro concorrente. Nem sempre a finalidade da regra atingirá seus ingênuos objetivos. Por exemplo, o idoso incapaz precisará demandar no foro do lugar do estabelecimento em que estiver internado (casa de repouso), e, não, no do domicílio do seu representante, dificultando o acesso à Justiça. 442. Competência nas ações em favor da criança e do adolescente O juízo competente para processar as causas em que figurar como parte criança e adolescente é o Juiz da Infância e da Juventude, na vara privativa instituída pela lei de organização judiciária (art. 146 da Lei 8.069/1990). A competência em razão da matéria desse órgão judiciário decorre do art. 148 da Lei 8.069/1990). A competência de foro, segundo o art. 147 da Lei 8.069/1990, é a seguinte: (a) o domicílio dos pais ou responsável (inc. I); (b) o lugar em que se encontre a criança ou o adolescente, à falta dos pais ou responsáveis (inc. II). Por exemplo, as ações acerca da guarda do menor correm no foro do domicílio do titular, como estabeleceu a Súmula do STJ, n.º 383. 443. Competência nas ações de nulidade de patente Os direitos relativos à propriedade intelectual (v.g., a marca; a patente) registram-se perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, que é autarquia federal, cuja sede fica na cidade do Rio de Janeiro. Tais direitos a lei considera bens móveis (art. 5.º da Lei 9.279/1996). Em geral, os litígios a respeito desses direitos envolvem particulares, processam-se perante a Justiça Comum e seguem as regras comuns de competência. É o caso do pedido de indenização formulado por titular da patente perante a pessoa natural ou jurídica que a explore indevidamente (art. 44 da Lei 9.279/1996). No entanto, como há registro dessa patente perante a autarquia federal, o art. 57, caput, da Lei 9.279/1996, declara que a ação de nulidade do ato administrativo processar-se-á perante a Justiça Federal, “e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito”. Essa posição e intervenção, por si só, já suscitariam a competência federal (art. 109, I, da CF/1988).
Nada estipula a lei acerca da competência de foro. Em princípio, processarse-á na sede da seção judiciária do Rio de Janeiro. 444. Competência nas ações de representação comercial Litígios entre o representante comercial e a representada processam-se no foro de domicílio do representante e na Justiça Comum (art. 39 da Lei 4.886/1965). A redação vigente do art. 114 da CF/1988 não razão da matéria. Só no caso de o representante de relação de emprego o litígio ingressará na controvérsias a respeito do contrato civil de permanecem na Justiça Comum.114
alterou a competência em pleitear o reconhecimento Justiça do Trabalho. As representação comercial
Por outro lado, a competência de foro é eminentemente relativa. Representa notável exagero considerá-la “absoluta”.115 O art. 39 da Lei 4.886/1965 não nega, obliquamente, validade à cláusula de eleição de foro. Na verdade, o contrato de representação comercial comporta eleição de foro,116 como qualquer outro, mas admitirá o controle ex officio, nos termos do art. 63, § 3.º, do NCPC, ou por iniciativa do réu, na contestação (art. 63, § 4.º, c/c art. 337, II, do NCPC). 445. Competência nas ações de responsabilidade nas relações de consumo O consumidor pode demandar a responsabilidade civil do fornecedor de produtos e de serviços no foro do próprio domicílio (art. 101, I, da Lei 8.078/1990, ou Código de Defesa do Consumidor – CDC). Este foro concorre com o do domicílio do réu,117 ou, mais exatamente, no lugar do ato ou do fato (art. 53, IV, a, do NCPC), regra geral nas ações de reparação do dano.118 Escolhido um desses foros pelo consumidor não prosperará a arguição da incompetência.119 A inusitada extensão do art. 101, I, do CDC, derroga a disciplina comum da competência. É fácil explicar o relevo prático da regra. Do ponto de vista do objeto, a regra abrange todas as relações de consumo, quantitativamente predominantes no comércio jurídico, seja contratual, seja extracontratual a responsabilidade;120 do ponto de vista subjetivo, as pretensões individuais neste âmbito material. Ora, aplicando-se o regime jurídico do CDC às instituições financeiras (Súmula do STJ, n.º 297), às entidades de previdência privada e aos seus participantes (Súmula do STJ, n.º 321), aos contratos de transporte, principalmente o de passageiros por via aérea, e assim por diante, o foro do domicílio do autor transforma-se, na prática, como a regra nos negócios jurídicos dos particulares. 446. Competência nas ações contra estabelecimentos de ensino Fatores heterogêneos presidem o problema de competência no que tange às ações movidas contra estabelecimentos de ensino: (a) a natureza do remédio processual; (b) natureza pública ou privada do estabelecimento de ensino; (c) integração do estabelecimento à rede pública federal, estadual ou
municipal; (d) natureza do ato do administrador do estabelecimento, cumprindo distinguir atos de gestão de atos de autoridade. Ressalva feita aos estabelecimentos federais de ensino (escolas e universidades), no sentido próprio, e que se organizam sob forma de autarquia ou de fundação, e, portanto, constituem sujeitos incluídos na órbita do art. 109, I, da CF/1988, os litígios entre educandários e alunos mostram-se estranhos à competência da Justiça Federal. Esse quadro sofre perturbações de duas ordens distintas: primeiro, o direito aplicável às lides insere-se na competência legislativa da União; segundo, as lides amiúde têm caráter nacional. Nenhum desses elementos é bastante para incluir as causas na competência da Justiça Federal. A Justiça Comum aplica, basicamente, o direito federal, pois a União empolgou, privativamente, a competência legislativa relevante (art. 22 da CF/1988). E regra constitucional alguma atribui à Justiça Federal às questões nacionais, enquanto tais. No início da década de noventa do século passado, por exemplo, lei econômica federal interferiu na fixação das mensalidades escolares, fato que gerou litígios similares em todas as unidades da Federação. A Súmula do STJ, n.º 34, estabeleceu o seguinte: “Compete à Justiça Estadual processar e julgar causa relativa a mensalidade escolar, cobrada por estabelecimento particular de ensino”. A cláusula final nada excepcionava, na realidade, porque os estabelecimentos públicos são gratuitos. O panorama atual é o seguinte: (a) o mandado de segurança compete à Justiça Federal quando é federal a autoridade coatora (v.g., o reitor de universidade federal) ou, tratando-se de autoridade acadêmica de estabelecimento particular de ensino, o ato impugnado envolve a atividade relacionada ao ensino (v.g., o ingresso por concurso vestibular); (b) o mandado de segurança compete à Justiça Comum, relativamente às instituições públicas estaduais e municipais de ensino, inclusive de ensino superior; (c) remédios diferentes do mandado de segurança só competem à Justiça Federal figurando no processo sujeito federal (art. 109, I, da CF/1988).121 447. Competência nas ações de usucapião A ação de usucapião especial, rural (art. 191 da CF/1988) ou urbano (art. 183 da CF/1988), corre no lugar da situação do imóvel (art. 4.º da Lei 6.969/1981 c/c art. 47, caput, do NCPC). Essa pretensão submete-se ao procedimento comum do NCPC. Em se tratando de terras devolutas da União (art. 4.º, § 1.º, da Lei 6.969/1981), haverá delegação da competência federal para o juiz de direito da comarca de situação do imóvel, conforme a Súmula do STJ, n.º 11, competindo a competência hierárquica ao TRF da região. Ao invés, não se tratando de imóvel da União ou de sujeito federal, a competência é residual e da Justiça Comum. A ação de usucapião especial de imóvel urbano não atinge bens públicos. A intervenção do sujeito federal, na posição de confinante (art. 246, § 3.º do NCPC), formando litisconsórcio obrigatório simples, nas demais ações de
usucapião, deslocará a competência para a Justiça Federal, passando o feito a correr na vara territorialmente competente (art. 45 do NCPC). Por óbvio, também competirá à Justiça Federal processar e julgar a ação de usucapião, independentemente do fato de o objeto da demanda comportar, ou não, semelhante modalidade de aquisição do domínio, figurando algum sujeito federal, desde o início, como réu na demanda.122 448. Competência na ação por improbidade administrativa Os atos de improbidade administrativa, tipificados em duas classes – atos que provocam lesão ao erário; e atos que atentam contra os princípios da Administração Pública –, nos arts. 10 e 11 da Lei 8.429/1992, e de autoria de qualquer agente público, servidor ou não, ensejam a aplicação das seguintes penas: (a) de perda dos bens; (b) de reparação integral do dano, perda da função pública; (c) de suspensão dos direitos políticos por certo pagamento; (d) de pagamento de multa civil; e (e) de proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios fiscais ou de crédito, direta ou indiretamente, por certo prazo. A Lei 8.429/1992 também contempla sanções penais. Não há indicação legal específica no tocante ao problema de competência na Lei 8.429/1992. O art. 16, caput, tratando da medida cautelar de sequestro (rectius: arresto), preparatória da ação principal, alude tão só ao “juízo competente”. Ora, a competência originária dos tribunais, no direito brasileiro, subordina-se às previsões constitucionais. Logo, compete ao juiz de primeiro grau, na Justiça Federal ou na Justiça Comum, processar e julgar as ações civis públicas fundadas nos fatos arrolados nos arts. 10 e 11 da Lei 8.429/1992. O STF declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002 e proclama que a competência para julgar ato de improbidade, “quer de ocupante de cargo público, quer de titular de mandato eletivo, ainda que no exercício de suas funções, é do juiz de primeiro grau”.123 O foro competente é o do lugar que ocorreu o dano (art. 2.º da Lei 7.347/1985).124 No entanto, o STF abriu uma exceção, relativamente aos agentes políticos do Executivo e do Judiciário. Os atos de improbidade, nessa linha de raciocínio, são tipificados como crimes de responsabilidade na Lei 1.079/1950, quer dizer, ensejam o impeachment do agente político, e a CF/1988 não admite dois regimes de responsabilidade político-administrativa: o previsto no art. 37, § 4.º, da CF/1988, regulado na Lei 8.429/1992, e o do art. 102, I, c, da CF/1988, regido pela Lei 1.079/1950. A incidência da Lei 8.429/1992 aos agentes políticos que respondem, por crime de responsabilidade, perante o STF – no caso específico, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os integrantes dos tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU), e os chefes de missão diplomática de caráter permanente –, implicaria a derrogação do art. 102, I, c, da CF/1988.125 Essa tese subtrai, por identidade de motivos, da competência do juiz de primeiro grau, importando a extinção da demanda por impossibilidade do pedido, as autoridades que, na forma da Lei 1.079/1950, respondem por crime de responsabilidade (e, portanto, por ato de improbidade), perante o Legislativo. No âmbito federal, as autoridades arroladas no art. 52, I e II, da CF/1988 – e, por essa razão, o STF trancou ação de improbidade contra
ministro do STF –,126 e, no âmbito estadual, o Governador do Estado e demais autoridades arroladas na carta do Estado-membro.
Capítulo 26. CASOS ESPECIAIS DE COMPETÊNCIA SUMÁRIO: § 99.º Competência nos remédios constitucionais – 449. Problema de competência nos remédios constitucionais – 450. Competência no mandado de segurança – 451. Competência na ação popular – 452. Competência no habeas data – 453. Competência no mandado de injunção – 454. Competência no habeas corpus – § 100.º Competência na execução – 455. Competência na execução universal – 455.1. Competência na insolvência e recuperação judicial civil – 455.2. Competência na falência e na recuperação judicial – 455.3. Unidade do juízo da execução universal – 455.4. Competência no concurso especial de credores – 455.4.1. Competência funcional na penhora – 455.4.2. Competência de “jurisdição” na penhora – 455.4.3. Modificações supervenientes do estado de fato – 455.4.4. Obrigatoriedade da reunião das execuções – 455.4.5. Oportunidade e efeitos da reunião dos processos executivos – 456. Competência na execução singular – 456.1. Competência na execução de título judicial – 456.1.1. Competência na execução do título produzido nas causas de competência originária dos tribunais – 456.1.2. Competência na execução do título produzido nas causas originárias de primeiro grau – 456.1.3. Competência na execução dos demais títulos judiciais – 456.2. Competência na execução de título extrajudicial – 456.3. Competência na execução fiscal – § 101.º Competência na jurisdição de urgência – 457. Problema de competência na pretensão à segurança – 458. Competência nas cautelares incidentes – 459. Competência nas cautelares antecedentes. § 99.º Competência nos remédios constitucionais 449. Problema de competência nos remédios constitucionais A tutela dos direitos fundamentais e de outros direitos contemplados na CF/1988 realiza-se por alguns writs, ordenados em decorrência do maior ou menor emprego: mandado de segurança, ação popular, habeas data, mandado de injunção e habeas corpus. Esses remédios reclamam exame tópico, com o fito de organizar o problema de competência, já examinado no âmbito dos três critérios – objetivo, funcional e territorial – em que a lei processual distribui a competência. 450. Competência no mandado de segurança O mandado de segurança é o mais importante writ constitucional. Ele protege direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus e por habeas data, “sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça” (art. 5.º, LXIX, da CF/1988, c/c art. 1.º da Lei 12.016/2009). A competência para processar e julgar o mandado de segurança decorre da conjugação de dois fatores: (a) qualidade federal ou local da autoridade;
(b) hierarquia da autoridade. E, com efeito, os atos ilegais ou abusivos combatidos na impetração originam-se de pessoa natural investida em cargo e em função pública ou qualidade equiparada. É uma competência em razão da pessoa. Excepcionalmente, a lei considerou a matéria para definir a competência no mandado de segurança – no caso, da Justiça Eleitoral (art. 35, III, da Lei 4.737/1965) e da Justiça do Trabalho (art. 114, IV, da CF/1988). No que tange à competência hierárquica, há regras constitucionais, anteriormente examinadas: (a) ao STF, compete processar e julgar o mandado de segurança impetrado contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio STF (art. 102, I, d, da CF/1988); (b) ao STJ, os mandados de segurança contra atos dos Ministros de Estado – incluindo órgãos colegiados presididos por essa autoridade (Súmula do STJ, n.º 177) –, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e do próprio STJ (art. 105, I, b, da CF/1988); (c) ao TRF, contra atos dos juízes federais e do próprio tribunal (art. 108, I, c, da CF/1988); (d) ao TJ, contra atos das pessoas indicadas, taxativamente, na Constituição do Estado-membro (art. 125, § 1.º, da CF/1988). Os TJ relutam em admitir mandado de segurança contra ato judicial originário de órgão fracionário ou de integrante do próprio tribunal. Todavia, o art. 93, V, c, da CE/1989-RS, por exemplo, contempla a competência para o TJ/RS processar e julgar “os mandados de segurança, mandados de injunção e habeas data contra atos do próprio Tribunal, do seu Presidente e de suas Câmaras e Juízes”. O dispositivo não realiza qualquer distinção entre atos jurisdicionais e administrativos. O STJ declara-se incompetente (Súmula do STJ, n.º 41), repetindo a Súmula do STF, n.º 330 e n.º 624, por falta de previsão constitucional, mas tem reconhecido a competência do TJ para processar e julgar mandado de segurança impetrado contra atos de órgão fracionário ou do relator.1 A competência da Justiça Federal de primeiro grau já recebeu exame (retro, 430). Excluída a competência originária dos tribunais superiores, as demais autoridades federais, conforme a definição do art. 2.º da Lei 12.016/2009, integram a competência do juiz federal. Como já se realçou, considera-se federal a autoridade nos casos em que as repercussões patrimoniais da concessão da impetração recaem sobre a União “ou entidade por ela controlada”. Por conseguinte, o mandado de segurança impetrado contra o recrutamento de pessoa, do Banco do Brasil, que é sociedade de economia mista, mas submete-se ao regime público neste aspecto (art. 37, caput, da CF/1988), processar-se-á na Justiça Federal de primeiro grau. O STJ declarou-se incompetente para processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato de órgão colegiado presidido por Ministro de Estado (Súmula do STJ, n.º 177). Por exclusão, essas impetrações integram a competência do primeiro grau da Justiça Federal. Os órgãos judicantes de primeiro grau da Justiça Comum conhecerão dos mandados de segurança impetrados contra ato de autoridades estaduais e municipais que não sejam da competência originária do TJ. Esses casos localizam-se unicamente na Constituição do Estado-membro.
É da competência da turma recursal dos juizados especiais conhecer de mandado de segurança impetrado contra ato judicial emanado do próprio juizado (Súmula do STJ, n.º 376). 451. Competência na ação popular A ação popular é o remédio que legitima qualquer cidadão a pleitear em juízo a invalidação dos atos lesivos ao patrimônio público, como tal entendidos o meio-ambiente, os bens e direitos de valor econômico, artístico, histórico ou turístico, bem como à moralidade administrativa. O acolhimento do pedido, desfazendo os negócios jurídicos ilegais e lesivos, propiciará a condenação dos agentes públicos responsáveis a reparar o ilícito (art. 5.º, LXXIII, da CF/1988, c/c art. 1.º da Lei 4.717/1965). É remédio privativo da pessoa natural. A pessoa jurídica não ostenta legitimidade para propor a ação popular (Súmula do STF, n.º 335). Legitima-se, porém, o Ministério Público a ingressar com ação civil com objeto similar (art. 25, IV, b, da Lei 8.625/1993), e as pessoas jurídicas de direito público podem ingressar como litisconsortes ativas no processo pendente. O art. 5.º da Lei 4.717/1965 cuida da competência na ação popular. Esse dispositivo se ressente do fato de ter sido editado antes da plena organização da Justiça Federal de primeiro grau. No entanto, mostra-se compatível, sem maiores esforços, com a CF/1988. À luz dessa regra, a competência da ação popular dependerá da origem do ato lesivo. Em tese, o ato viciado provém da administração direta ou indireta da União, dos Estados-membros e dos municípios.2 Originando-se de algum sujeito federal, a competência é da Justiça Federal (art. 109, I, da CF/1988). Por exclusão, competirá à Justiça Comum processar e julgar a ação popular quando ato provier da administração direta ou indireta do Estado-membro e do município, inclusive no tocante às sociedades de economia mista em que a União for acionista, a exemplo do Banco do Brasil – BB.3 Não é decisiva, ao propósito, a constituição do capital da sociedade. Se, por alguma razão, a União e o Estado-membro organizarem uma sociedade de economia mista, a competência residirá na Justiça Comum.4 A pessoa jurídica de direito público que suportará o dano atrai a competência de “jurisdição”. Por exemplo, a obra pública construída com recursos do Estadomembro e da União ensejará a competência da Justiça Federal, mas pela participação da União no processo, menos em virtude da inexistente proeminência de um dos entes da Federação.5 Na verdade, a existência de danos ao erário federal não é razão bastante para determinar a competência da Justiça Federal, conforme se deduz da Súmula do STJ, n.º 209. A competência territorial do órgão judiciário da Justiça Federal ou da Justiça Comum, conforme a hipótese, é a do lugar do ato ou do fato lesivo ao patrimônio público ou à moralidade administrativa (art. 53, IV, a, do CPC).6 Não há foro por prerrogativa de função em virtude da qualidade do agente político que figurar no polo passivo da demanda. O STF rejeitou, mesmo sendo réu o Presidente da República, a competência originária.7 Estendeu a orientação às ações populares contra a investidura dos integrantes do CNJ e
do CNMP.8 Figurando, porém, em posições antagônicas a União e o Estadomembro, incide o art. 102, I, f, da CF/1988, haja vista a possibilidade de conflito federativo, atraindo a competência originária do STF, na ação popular e em qualquer outra demanda.9 452. Competência no habeas data O habeas data (art. 5.º, LXXII, a e b, da CF/1988) é o remédio constitucional que assegura, à pessoa natural ou jurídica, o conhecimento dos registros concernentes ao requerente e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, para retificação ou anotação de explicação e contestação. O art. 20 da Lei 9.507/1977 regula, minuciosamente, a competência, nos exatos termos preconizados pela CF/1988: (a) ao STF compete processar e julgar, originariamente, a impetração contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara e do Senado Federal, do TCU, do Procurador-Geral da República e do próprio STF; (b) ao STJ, processar e julgar os pedidos perante atos do Ministro de Estado e do próprio STJ; (c) aos TRF, contra atos do próprio tribunal ou de juiz federal; (d) à Justiça Federal de primeiro grau, contra atos de autoridade federal, exceto os da competência do TRF; (e) ao TJ, contra atos das autoridades previstas na Constituição do Estado-membro; (f) à Justiça Comum de primeiro grau, nos demais casos. Também contempla a competência hierárquica do STF, do STJ e dos tribunais de segundo grau. No concernente à competência territorial, o processamento do habeas data, competindo ao primeiro grau da Justiça Federal e da Justiça Comum, ocorrerá no foro do domicílio do autor.10 453. Competência no mandado de injunção O mandado de injunção é o remédio constitucional através do qual a pessoa prejudicada por falta de norma regulamentadora, que torne inviável a fruição dos direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais relativas à nacionalidade, à soberania e à cidadania, pleiteia provimento judicial que lhe assegure o exercício (art. 5.º, LXXI, da CF/1988).11 A principal controvérsia acerca desse remédio recaiu na eficácia do provimento que acolher o pedido formulado. Mas, neste passo, interessa sintetizar o problema de competência, já posto e resolvido em itens anteriores. O conhecimento do mandado de injunção compete, originariamente, aos seguintes tribunais: (a) ao STF, quando tocar a iniciativa do processo legislativo, no que tange à norma faltante, ao Presidente da República; à Câmara dos Deputados; ao Senado Federal; às respectivas mesas diretoras; ao Tribunal de Contas da União; a um dos tribunais superiores e ao próprio STF, nos termos do art. 102, I, q, da CF/1988; (b) ao STJ, quando a iniciativa da elaboração da norma tocar a órgão, entidade ou à autoridade federal, integrante da administração direta ou indireta, ressalva feita aos casos de competência do STJ e de outros tribunais superiores (art. 105, I, h, da CF/1988); (c) ao TJ, quando a iniciativa do processo legislativo, quanto à norma faltante, tocar aos poderes Executivo ou Legislativo do Estado-membro ou do Município, ou à respectiva administração indireta.
Do provimento denegatório de mandado de injunção proposto perante tribunais superiores cabe recurso ordinário para o STF (art. 102, II, a, da CF/1988). 454. Competência no habeas corpus Pouco lembrado, o habeas corpus, que é o remédio constitucional que assegura o direito de ir e vir, e o de ficar (art. 5.º, LXVIII, da CF/1988), tem aplicação residual no âmbito civil. O art. 5.º, LXVII, da CF/1988 proíbe a prisão civil por dívida, exceto a do responsável pelo inadimplemento inescusável de obrigação alimentar e a do depositário infiel. A jurisprudência do STF, acolhendo o art. 7.º, § 7.º, do Pacto de São José da Costa Rica, internado pelo DL 27/1992, proscreveu essa última hipótese, proclamando a inconstitucionalidade das regras infraconstitucionais que a admitiam, “Em qualquer modalidade de depósito”, incluindo o depósito judicial.12 Então, sobreviveu a prisão civil do devedor de alimentos na ordem constitucional brasileira; porém, não se pode excluir, absolutamente, que o órgão judiciário de primeiro grau, valendo-se da sua independência jurídica, entenda diferentemente do STF e determine, em algum caso concreto, a prisão do depositário infiel. A competência para decretar a prisão é do órgão judiciário da Justiça Comum de primeiro grau que processar a execução de alimentos. Em princípio, a execução corre no domicílio do alimentando (art. 53, II, do NCPC), quer a fundada em título judicial (retro, 433), quer a baseada em título extrajudicial (v.g., art. 13, in fine, da Lei 10.741/2003). Do ato previsto no art. 528, § 1.º, do NCPC, cabe agravo de instrumento, a teor do art. 1.015, parágrafo único, e habeas corpus para o TJ.13 A prisão do depositário infiel, apesar de proscrita, insere-se na competência, em tese, dos juízos de primeiro grau da Justiça Comum e da Justiça Federal. Um dos casos mais expressivos de depósito reponta na alienação fiduciária. Ora, não se exclui a possibilidade de a CEF, que é empresa de banco, contratar tal negócio, ingressar na Justiça Federal de primeiro grau e obter decreto de prisão. Desse ato caberá, por igual, agravo de instrumento e habeas corpus para o TRF da região. A competência dos juizados especiais da Justiça Comum não se mostra imune, no curso da execução de seus julgados, à decretação da prisão do depositário infiel, invocando o julgado a regra (derrogada) do CPC de 1973. Em tal hipótese teratológica, caberá à turma recursal conhecer do habeas corpus,14 por analogia com o mandado de segurança (Súmula do STJ, n.º 376). Da denegação só cabe recurso extraordinário para o STF. A competência originária do STF e do STJ, em matéria de habeas corpus, na qual avulta a qualidade do paciente, basicamente interessa à área criminal. Não se concebe facilmente a decretação da prisão civil do Ministro de Estado, por exemplo, em execução de alimentos, que atraia a competência originária do STJ. É a competência hierárquica que interessa no STF e no STJ. O art. 102, II, a, da CF/1988, atribui competência ao STF para julgar recurso ordinário
contra a decisão denegatória de habeas corpus julgado em única instância pelos tribunais superiores. Essa competência é irrelevante na área civil. Importa, sobretudo, a do STJ, consoante o art. 105, II, a, da CF/1988. A esse tribunal superior compete conhecer e julgar recurso ordinário contra as decisões denegatórias de habeas corpusproferidas pelo TJ e pelo TRF. O art. 1.027, II, a, do NCPC continua olvidando previsão explícita desse recurso no âmbito civil. Tal fato não obsta a competência hierárquica do STJ. A única explicação reside no fato que habeas corpus, mais comum na área penal, encontrar-se disciplinado nos artigos 647 a 667 do CPP.15 § 100.º Competência na execução 455. Competência na execução universal Ocorrendo insolvência, que o art. 748 do CPC de 1973 identifica, exemplarmente, “toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor”, objeto de declaração específica, há necessidade da execução coletiva, ou universal, abrangendo todos os credores do devedor comum e todo o patrimônio. No direito pátrio, há duas espécies de execução universal em juízo, segundo o obrigado seja, ou não, empresário: (a) a falência; e (b) a insolvência civil. A falência encontra-se regulada na Lei 11.101/2005 e se aplica, subsidiariamente, à insolvência civil, prevista nos arts. 748 a 786-A do CPC de 1973. Essas disposições continuam vigentes por força do art. 1.052 do NCPC. A execução universal suscita problemas específicos de competência, quer para desencadeá-la, quer após a instalação do concurso de credores. 455.1. Competência na insolvência e recuperação judicial civil – Uma das modalidades de insolvência civil é a voluntária. O próprio devedor, declarando-se insolvente, requererá a decretação “no juízo que tem domicílio” (art. 760, caput, parte final, do CPC de 1973), perante o órgão judiciário de primeiro grau da Justiça Comum. Explica-se facilmente essa solução. Devendo para pessoas diferentes, não caberia optar por um dos foros competentes para a execução singular dos respectivos títulos, revelando-se o foro do domicílio do obrigado como o mais conveniente para a liquidação do ativo, o pagamento do passivo e a extinção das obrigações. É no domicílio do obrigado, por igual, que o portador de título executivo judicial ou extrajudicial requererá a insolvência civil do devedor.16 Embora a União, as suas autarquias ou empresas públicas habilitem créditos na insolvência, ou impugnem créditos habilitados de outros credores, a intervenção do sujeito federal não desloca a competência para a Justiça Federal, porque a insolvência insere-se na cláusula excludente da “falência”, prevista no art. 109, I, da CF/1988 (retro, 388.2.1). É o que rezava a Súmula do extinto TFR, n.º 244. A unidade do juízo da insolvência civil é parcial. O art. 762, § 1.º, do CPC de 1973 prevê a remessa a este juízo tão só das execuções singulares. Fica ressalvada a execução fiscal, porque imune à atração, de acordo com o art. 5.º da Lei 6.830/1980.
455.2. Competência na falência e na recuperação judicial – Segundo o art. 3.º da Lei 11.101/2005, compete ao juízo do “local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil” a homologação do plano de recuperação extrajudicial, o deferimento da recuperação judicial ou a decretação da falência do empresário. O principal estabelecimento do empresário não é, necessariamente, a sede indicada nos estatutos ou no contrato social (art. 73, IV, in fine, do CC). Estabelecimento principal, no caso de pluralidade de estabelecimentos, é o que abriga o “centro vital das principais atividades do devedor”,17 ou seja, subordina-se ao critério econômico, à localização dos ativos mais expressivos, e, não, à diretriz formal da sede.18 O centro de tomada de decisões, ou lugar em que se situa o poder decisório da empresa,19 não constitui, por esse motivo isolado, o principal estabelecimento, porque ensejaria a mudança formal da sede, buscando lugar remoto nos confins de algum Estado-membro para dificultar a participação dos credores no processo. O STJ já repudiou a abrupta troca do local onde essa atividade ficou centralizada, por vários anos, para comarca em Estadomembro distante.20 455.3. Unidade do juízo da execução universal – O juízo competente para processar a recuperação judicial e a execução universal, nas modalidades da insolvência civil e da falência, é indivisível, tornando-se competente para “todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido”, a teor do art. 76, caput, primeira parte, da Lei 11.101/2005, prosseguindo com o administrador judicial (art. 76, parágrafo único, da Lei 11.101/2005). A distribuição do pedido de falência já previne a competência do órgão judicante (art. 6.º, § 8.º, da Lei 11.101/2005). A unidade do juízo da falência decorre da unidade do domicílio, que é o do principal estabelecimento, porque o estado ou qualidade de falido importa nova situação jurídica, da qual deriva limitações variadas para os credores, mas imperativamente determinadas. Só a unidade de juízo “permite e assegura o reconhecimento universal da situação jurídica legal, consequente à sentença que declara aberta a falência”.21 O art. 76, caput, segunda parte, ressalva as causas trabalhistas, fiscais e as que, irrelevantes à execução universal, “o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo”. A decretação da falência implica a suspensão de todas as ações e execuções contra o falido (art. 99, V, c/c art. 6.º, caput, segunda parte, da Lei 11.101/2005), exceto: (a) as ações em que o adversário do falido demandar quantia ilíquida (v.g., a ação de reparação de dano; a ação movida por representante comercial, pleiteando suas comissões e demais vantagens pecuniárias); (b) as causas trabalhistas (art. 6.º, § 2.º); (c) as execuções fiscais (art. 6.º, § 7.º). A execução trabalhista e a fiscal tramitarão normalmente. Os bens penhorados não comportam arrecadação. Porém, o produto da alienação desses bens incorporar-se-á ao juízo da falência, procedendo-se, então, à distribuição de toda a massa ativa, consoante a ordem de preferência do art. 83 da Lei 11.101/2005.22 A indiferença do crédito fiscal ao juízo universal (art. 187, caput, do CTN, c/c arts. 5.º e 29 da Lei 6.830/1980) não se revela
absoluta e real. O crédito tributário não prefere a outros créditos (art. 186, parágrafo único, I, do CTN), motivo por que só o juízo da execução universal pode realizar a distribuição a contento. Idêntico problema afeta o crédito trabalhista, apesar de preferir ao crédito tributário, porque o art. 83, I, c/c art. 186, parágrafo único, II, do CTN, limitou a preferência a cento e cinquenta salários mínimos por cabeça.23 Além dessas hipóteses, o juízo universal não opera perante os foros especiais. Por exemplo, o usucapião especial tramitará no lugar da situação do imóvel (art. 47,caput), e § 1.º, do NCPC).24 455.4. Competência no concurso especial de credores – Recaindo mais de uma penhora sobre o mesmo bem, ou penhorado bem já gravado com direito real de garantia, as execuções singulares passam a exibir um elemento comum. Essa é uma modalidade especial de conexão.25 É competente para processar e julgar o concurso especial, incidentalmente, nos próprios autos da execução, o juízo do primeiro ato de constrição no patrimônio do executado comum.26 Este ato pode ser a penhora ou a pré-penhora ou arresto (art. 830 do NCPC), que outorga, igualmente, a preferência do art. 797 do NCPC. Apura-se o primeiro ato mediante a verificação da data constante no auto ou no termo de penhora. Era chamada de penhora “preventora” no art. 1.018 do CPC de 1939. CPC de 1939.27 Nenhuma importância exibia, para tal arte, o juízo em que se realizasse a arrematação do bem.28 A definição da competência do juízo da primeira penhora não equaciona todos os problemas. No caso, os processos tornaram-se conexos, supervenientemente, em virtude da constrição do mesmo bem. Ora, a conexão modifica a competência relativa. O liame entre as ações é incapaz de alterar a competência em razão da matéria ou da função.29 Em outras palavras, a causa de modificação da competência – a constrição do bem penhorado em outra execução – produz efeitos nas hipóteses de competência relativa.30 E prevenção é o critério que “fixa a competência de um juiz em face de outro, ou outros, quando todos forem igualmente competentes”.31 À vista dessa limitação intrínseca ao liame entre duas ou mais execuções, urge examinar as hipóteses em que há interferência de competência funcional (a realização da primeira penhora no juízo deprecado, a teor do art. 845, § 2.º, do NCPC) ou em execução que tramita em outra Justiça – a impropriamente chamada competência de jurisdição. 455.4.1. Competência funcional na penhora – De acordo com o art. 845, § 2.º, se o devedor não tiver bens no foro da execução, definido consoante as regras porventura aplicáveis (v.g., o art. 516 e o art. 46, § 5.º, do NCPC), “a execução será feita por carta, penhorando-se, avaliando-se e alienando-se os bens no foro da situação”. Trata-se de competência funcional, ou seja, atribuições distintas competem, no mesmo processo, a órgão judiciários diferentes.32 E porque tais juízos se equivalem, no plano da hierarquia, a distribuição é horizontal.
A repartição das atividades executivas entre o juízo do lugar em que tramita a execução e o juízo no qual se situam os bens penhoráveis se baseia em razões de ordem pública. Os atos executivos previstos no art. 845, § 2.º, do NCPC, incidem e dependem do mundo real. Não há penhora de coisa corpórea sem apreensão e só no lugar da situação do bem se afigura possível aquilatar seu valor de mercado e encontrar os hipotéticos interessados na sua aquisição. Por conseguinte, a competência do juízo deprecado é inderrogável. A despeito dessa característica, não competirá ao juízo deprecado, que realizou a primeira penhora e, ao mesmo tempo, promoveu a alienação coativa do bem, processar e julgar o concurso especial. Esta tarefa incumbe ao juízo deprecante.33 E isso, porque o art. 845, § 2.º, do NCPC, não arrola, dentre os atos atribuídos ao juízo deprecado, o pagamento ao credor (arts. 904 a 909 do NCPC). Ademais, à atribuição ou à distribuição do dinheiro pouco importa o lugar em que ele se encontra depositado. Embora seja ato executivo a expedição do mandado de levantamento, porque promoverá a transferência do numerário para o credor – até então o dinheiro pertence ao executado –, o fato é que semelhante medida pode ser acometida, sem percalços, a qualquer dos juízos envolvidos. Por tais motivos, a atuação do juízo deprecado estancará no limite extremo da precação, erigido no art. 845, § 2.º, do NCPC, que é alienação do bem penhorado, faltando-lhe competência para ir além de liberar dinheiro para o(s) exequente(s). Do mesmo modo que sua competência para penhorar bens situados em sua circunscrição territorial tem natureza absoluta, o juízo deprecado é absolutamente incompetente para processar e julgar o concurso. A competência do juízo deprecante da primeira penhora para o concurso de preferências revela-se particularmente útil e conveniente na execução por carta. Realizando-se alienações em vários juízos deprecados, quiçá situados em Estados diferentes, carrear o produto da arrematação para aquele juízo evita confusões. Parece impossível atribuir a mais de um juízo, tão-só porque promoveu a alienação coativa, a distribuição do dinheiro para os vários credores concorrentes, fracionando o concurso. Concebe-se que duas ou mais precatórias extraídas de execuções diferentes sejam distribuídas, por igual, a varas diversas no juízo deprecado. Em tal hipótese, relevando-se todas as varas territorialmente competentes, é possível reunir as precatórias num só juízo, evitando a multiplicação dos atos instrutórios (v.g., avaliação). Evidentemente, o juízo competente há de ser o da primeira constrição. Ainda assim, a distribuição do dinheiro tocará ao respectivo juízo deprecante. 455.4.2. Competência de “jurisdição” na penhora – Pode acontecer de as penhoras se originarem de execuções movidas em juízes com diferente competência de “jurisdição”. É o caso da penhora surta de execução movida pela Fazenda Pública Federal, que compete à Justiça Federal (art. 109, I), ou por credor trabalhista, de responsabilidade da Justiça do Trabalho (art. 114). Se a penhora, nesses juízos, realizar-se primeiro, impõe-se esclarecer a competência para processar e julgar o concurso. Mas, não basta. Faltando-
lhes competência para distribuir o dinheiro, ou não realizando a primeira penhora, necessariamente intervirão em outra execução, a da primeira penhora, quiçá em trâmite noutra Justiça, motivo por que interessa precisar se semelhante intervenção altera a competência do juízo da primeira penhora. Os elementos que atribuem competência às Justiças Federal e do Trabalho são previstos, explicitamente, no texto constitucional. Em relação a eles, a competência da Justiça Comum é residual e obtida por exclusão. Além disto, fundando-se a competência da Justiça Federal em razão da pessoa e da Justiça do Trabalho em razão da matéria, por razões de ordem pública, elas exibem caráter absoluto. Não cabe à lei infraconstitucional alterar, restringindo ou ampliando, as regras constitucionais.34E, por via de consequência, a competência de jurisdição é imune a prorrogações.35 Ela se mostra avessa a modificações em virtude da conexão ou outro motivo.36 A competência de jurisdição é indiferente à preferência material dos créditos da Fazenda Pública Federal ou do credor trabalhista. Ainda que diversa sua posição no concurso, subtraídos de sua preferência natural, permaneceriam incólumes as regras constitucionais de competência e, conseguinte, o problema sob exame. O julgado do STJ,37 divisando a competência do juízo trabalhista no qual se efetivou a primeira penhora, porque “há que se ressalvar sempre a preferência, que exclua a preferência do credor penhorante”, não deu a correta solução ao problema. Também há expressiva diferença entre os fatores que atribuem competência à Justiça Federal e à Justiça do Trabalho. Àquela importa, fundamentalmente, que figure na relação processual, na condição de parte principal – autora ou ré –, ou a qualquer título, o sujeito federal, a teor do art. 109, I, 1.ª parte, da CF/1988. Por sua vez, à órbita da Justiça do Trabalho interessam apenas os litígios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, inclusive originados pelo “cumprimento de suas próprias sentenças” (art. 114, caput, da CF/1988). À vista dessas considerações, não há competência da Justiça do Trabalho para graduar créditos que não sejam exclusivamente trabalhistas. Na hipótese de o credor trabalhista disputar o rateio com credores comum ou fiscal, e ainda que sua penhora seja a primeira ou o juízo trabalhista realize a arrematação, “o concurso deverá ser instaurado no juízo da primeira execução cível”.38 Por outro lado, nenhum elemento material subtrai a competência da Justiça Federal para o concurso de preferências. O único dado relevante é a presença de alguma das pessoas mencionadas no art. 109, I, da CF/1988 no processo executivo. Mas, há situações diferentes, que reclamam maiores esclarecimentos. Se a Fazenda Pública Federal mover várias execuções fiscais contra o mesmo devedor, penhorando idêntico bem, a inexistência de pluralidade de credores elimina, a priori, o concurso. Basta reunir as execuções no juízo da primeira distribuição (art. 28, parágrafo único, da Lei 6.830/1980). A regra se aplica às execuções de competência da Justiça Comum, porque promovidas pela Fazenda Estadual ou Municipal.
Penhorado o bem em execuções movidas por diferentes pessoas jurídicas de direito público, tem lugar o chamado concursus fiscalis (art. 187, parágrafo único, do CTN, e art. 29, parágrafo único, da Lei 6.830/1980) ou concurso heterogêneo.39 Na opinião majoritária, incumbe ao juízo que realizou a alienação coativa a competência para distribuir o dinheiro.40 E, nesta hipótese, como não há preferência derivada da anterioridade da penhora, o alvitre é correto. Vale recordar que a execução fiscal movida pela União contra um Estado, e vice-versa, ou por um Estado contra outro, compete ao STF (art. 102, I, f, da CF/1988); e a execução movida contra a União, não envolvendo Estado, autarquias ou empresas públicas, ou por autarquia federal contra Estado, ou pela União e suas autarquias contra Municípios, e suas autarquias ou empresas públicas, compete à Justiça Federal (art. 109, I, da CF/1988).41 Nada obstante, subsistirá a competência do juízo que converteu o bem penhorado em dinheiro, ou dispõe de quantias penhoradas para distribuir, porque a intervenção de pessoas de direito público, pleiteando rateio, não altera semelhante competência. Realmente, a admissão da União, suas autarquias ou empresas públicas, no concurso, não desloca a competência.42 Foi o que decidiu o Pleno do STF,43invocando o art. 99, I, do CPC de 1973. Esta regra se aplicaria por analogia, porque, no concurso tratado, por definição, inexiste insolvência, não se modificando o panorama legislativo o advento do art. 45, I, do NCPC, aludindo só à falência e à insolvência civil. Segue a mesma orientação o STJ.44 É o que sucede, também, se empresa pública federal se apresenta no concurso como titular de direito real,45 cuja participação independe de prévia execução e penhora do bem gravado (Súmula do STJ, n.º 270). 455.4.3. Modificações supervenientes do estado de fato – Acontecem, às vezes, modificações do estado de fato na pendência do concurso de preferências. Por exemplo, na pendência de apelação, interposta contra a sentença que julgou improcedentes os embargos, a execução prosseguirá, e, portanto, o próprio juízo da primeira penhora, que realizou a alienação coativa do bem penhorado no entretempo, talvez se veja surpreendido com o provimento do recurso e o desaparecimento da constrição. Eventos dessa ordem, à semelhança do que acontecerá com a superveniência de outra penhora, inclusive originada por execução promovida pela Fazenda Pública Federal, em princípio não afetam a competência para apreciar o concurso.46 Define-se o juízo competente, que é da primeira penhora, no momento da abertura do concurso especial. A partir da formulação das pretensões dos concorrentes (art. 909 do NCPC), o princípio consagrado no art. 43 do NCPC imuniza a competência do juízo a tais fatos supervenientes. Antes disto, extinguindo-se o processo executivo em que se realizou a primeira penhora, ante o provimento daquele recurso pendente, ou qualquer outro motivo – por exemplo, o julgamento definitivo de ação autônoma movida pelo executado –, a competência passa ao juízo da anterior segunda penhora, que até poderá ser o mesmo, reunidas as execuções em juízo único.47 Após
aquela oportunidade, ao invés, dependendo a extinção do processo executivo, ainda que efeito do julgamento considerado, de provimento autônomo e subsequente do juiz da execução, ela somente ocorrerá, mediante a emissão deste ato, após o encerramento do concurso especial. 455.4.4. Obrigatoriedade da reunião das execuções – A competência de jurisdição é improrrogável. Portanto, a intervenção de alguma das pessoas mencionadas no art. 109, I, da CF/1988, não desloca a competência para a Justiça Federal. É o que se deduz da Súmula do STJ, n.º 270. A reunião dos processos, que se tornaram conexos por força da constrição no mesmo bem, não se afigura obrigatória, mas simples faculdade. Evidentemente, a reunião poderá ocorrer se todos os juízos se mostrarem territorialmente competentes, justamente em virtude da conexão. Nesta contingência, aplicar-se-á o art. 58 do NCPC: o órgão judiciário, ex officio, ou a requerimento de qualquer das partes,48 remeterá a(s) execução(ões) ao juízo da primeira penhora. O ato exibe natureza de decisão interlocutória, e, portanto, desafia agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único). Remanescendo as execuções nos seus juízos originários, porque excluída a prorrogação da competência, a todos os exequentes gravará o ônus de acompanhar os trâmites das execuções alheias para, no momento oportuno, requerer a instauração do concurso no juízo competente. Falta disposição legal expressa, prevendo a intimação dos credores fiscal e trabalhista,49 e, de modo geral, de todos os exequentes que realizaram penhora. O art. 889, V, do NCPC, contempla apenas a intimação dos exequentes que averbaram a penhora. Embora seja ônus do exequente averbar a penhora (art. 799, IX, c/c art. 844 do NCPC), nem sempre tal ocorre na prática. Alienado o bem penhorado, mas satisfeitos os credores em desacordo com a ordem legal, porque o credor trabalhista ou fiscal deixou de intervir, oportunamente, não é inválida a hasta pública. O vício respeita apenas à distribuição do dinheiro.50 Nesta contingência, toca ao credor preterido – por exemplo, o credor trabalhista – reclamar sua cota de quem recebeu, indevidamente, o dinheiro. Responderá a pessoa jurídica de direito público (União ou Estado-membro), por falha do serviço, não sendo possível recuperar o dinheiro do particular beneficiado pela invalidade. Lícito conjecturar se tal direito socorre o exequente que não averbou a penhora (art. 799, IX, c/c art. 844 do NCPC). Dificilmente, porém, a preferência instituída no direito material, em razão dos valores em jogo (v.g., o do crédito trabalhista), comporta esse tratamento drástico. 455.4.5. Oportunidade e efeitos da reunião dos processos executivos – A partir da realização da segunda penhora, nasce o vínculo entre os processos executivos e, quando se afigurar admissível a reunião dos processos executivos, o juiz ordenará, ex officio ou a requerimento do interessado, tal medida. Ele não ocorre antes da segunda penhora. Portanto, não é possível a distribuição por dependência, baseada, exclusivamente, na identidade de executado.
E deixará de ser possível após a atribuição ou a distribuição do dinheiro, passada quitação ao executado (art. 907 do NCPC). Até semelhante momento, e ainda que haja decisão do órgão judiciário relativamente aos credores já habilitados, pode surgir alguma execução retardatária. Evidentemente, a utilidade da coordenação dos processos, evitando atos repetitivos, diminuirá neste estágio adiantado. A reunião só beneficiará o credor adventício e implicará mudanças no rateio. Depois da atribuição ou distribuição do dinheiro, o credor retardatário perde direito ao rateio,51 cabendo-lhe obter ressarcimento daquele(s) credor(es) que recebeu o dinheiro em desobediência à sua preferência. Após a reunião das execuções, os atos instrutórios – por exemplo, a avaliação ou a expedição do edital –, aproveitam a todos os credores, seja qual for o credor que o promover e independentemente de sua posição no rateio.52 Também podem ser aproveitados os atos anteriores à reunião, a exemplo da designação de corretor para intermediar a alienação particular de imóvel e da própria arrematação. Ficarão prejudicadas a distribuição do dinheiro e a adjudicação, anteriores à quitação do devedor, que estejam em desacordo com a nova situação gerada pela presença de outros credores. Praticados atos concorrentes e sobrepostos – por exemplo, a avaliação – o juiz decidirá, através de apreciação equitativa, qual deles aproveitará para benefício comum.53 Se os atos forem a alienação coativa do bem penhorado, já assinado o respectivo auto (art. 903, caput, do NCPC), somente o primeiro se revelará eficaz, ainda que seu produto seja inferior ao do segundo, porquanto impõe-se tutelar a boa-fé do adquirente e o princípio prior tempore.54 456. Competência na execução singular Os arts. 47, § 5.º, 516 e 781 do NCPC disciplinam a competência na execução singular, conforme se baseie em título judicial ou em título extrajudicial. 456.1. Competência na execução de título judicial – O art. 516 estipula uma série de regras de competência para a execução fundada em título judicial. Em relação à disciplina originária do CPC de 1973, há que realçar o desaparecimento da vinculação obrigatória entre o juízo que processou e decidiu a causa, em primeiro grau, e o juízo da execução (art. 516, II, do NCPC). O critério derrogado gerava infinitas dificuldades para o futuro exequente, hoje abreviadas no art. 516, parágrafo único. Por exemplo, o art. 53, V, beneficia a vítima de acidente de trânsito com a opção pelo foro do seu domicílio ou do lugar do fato, em lugar da regra geral do foro do domicílio do réu (art. 46, caput), para a ação de reparação de dano. Em geral, a iludida vítima vale-se do foro do seu domicílio, em razão de óbvias facilidades; porém, no momento em que executar algum provimento antecipatório, ou o provimento definitivo, provisoriamente ou não, descobrirá que os bens aptos à satisfação do seu crédito se localizam no foro do domicílio do réu. Então, se encontrará compelido a realizar a execução por carta (art. 845, § 2.º) –
imperativo do caráter dos atos executivos (v.g., o valor do bem penhorado variará consoante o local da sua situação, e, portanto, a avaliação ocorrerá neste último lugar) –, o que suscitará, no caso de oposição do executado, o problema da competência para julgar a impugnação ou os embargos. Na verdade, inexistem razões ponderáveis para vincular a execução ao juízo no qual se formou o título (art. 516, I) ou no qual ele se teria formado não houvesse recurso do vencido (art. 516, II). O defeito do sistema não residiria na regra predecessora do art. 53, V, ponto alto do segundo código unitário, mas na vinculação ulterior, por intermédio de regra de competência funcional, entre o processo de conhecimento e a ulterior execução dos provimentos antecipatório e final. O problema desapareceu na disciplina vigente. O autor da ação de reparação optará, oportunamente, pelo lugar da situação dos bens (art. 516, parágrafo único). 456.1.1 Competência na execução do título produzido nas causas de competência originária dos tribunais – A execução processar-se-á perante “os tribunais, nas causas de sua competência originária” (art. 516, I). A causa de competência originária inicia diretamente no tribunal, em virtude de privilégio de foro ou de outro motivo relevante. Em itens precedentes, já se examinou a competência do STF, do STJ, do TRF e do TJ. As causas de competência originária que, potencialmente, geram título executivo, porque contêm capítulo condenatório (principal ou secundário, são as seguintes: (a) a rescisória e ação anulatória de julgados; (b) mandado de segurança, haja vista a qualidade da autoridade coatora. Em ambos os casos, talvez haja condenação, e, conseguintemente, necessidade de execução. Por exemplo, às vezes a concessão do mandado de segurança implica o pagamento de vantagens pecuniárias ao servidor público, que devem ser liquidadas, expedindo-se precatório alimentar (art. 1.º, caput, e § 3.º, da Lei 5.021/1966), com remissões, respectivamente, à liquidação por cálculo do contador, prevista no CPC de 1939, e à requisição de pagamento da CF/1946). Não se incluem na órbita do art. 516, I, as causas que, por força de recurso, sobem ao tribunal. Neste sentido, a 3.ª Seção do STJ decidiu que, não se tratando de causa iniciada no TST, a competência para executar recai no juízo trabalhista de primeiro grau.55 O art. 102, I, m, da CF/1988 permite ao STF delegar a juízes de primeiro grau a prática concreta de atos executivos. Nenhuma regra similar autoriza a delegação da prática dos atos executivos nas execuções que tramitam, originariamente, nos demais tribunais. 456.1.2. Competência na execução do título produzido nas causas originárias de primeiro grau – A execução do título produzido nas causas que, originariamente, começaram no primeiro grau competirá ao “juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição” (art. 516, II). O emprego do verbo “decidir”, em lugar de processar, não é o melhor. Com efeito, não importa que, iniciada a causa em primeiro grau, o provimento (decisão ou sentença) seja objeto do recurso próprio (agravo e apelação) e, por essa via, substituído pelo acórdão do tribunal, a teor do art. 1.008. Nesses casos, o ato de primeiro grau desaparece, no todo ou em parte, mas a competência para executar é do juízo no qual iniciou a demanda. O verbo
“decidir” sugere que só na ausência de recurso competiria ao primeiro grau a competência. Em termos inequívocos, todavia, já proclamara o STJ que a “execução de sentença deve ser processada perante o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição”.56 Essa disposição aplica-se, literalmente, às sentenças homologatórias de autocomposição judicial (art. 515, II), cuja execução se processará “nos próprios autos da ação de conhecimento”.57 E vale para os títulos contemplados no art. 515, III (autocomposição extrajudicial) e V (crédito do auxiliar da justiça). Trata-se de competência relativa, porque o vitorioso poderá optar pelo lugar dos bens ou o lugar do domicílio do executado, conforme o salutar art. 516, parágrafo único. Nesta hipótese, o juiz do lugar no qual o exequente deduziu a pretensão a executar requisitará os autos originais, tratando-se de execução definitiva, porque na execução provisória incide o art. 522 do NCPC. 456.1.3. Competência na execução dos demais títulos judiciais – A sentença penal condenatória constitui título civil (art. 63 do CPP; art. 515, VI) e executar-se-á “no juízo cível competente” (art. 516, III), que é o forum comissi delicti (art. 53, IV, a). A execução da sentença arbitral condenatória (art. 515, VII; art. 31 da Lei 9.307/1997) também é o do lugar do crime. O juízo competente para executar a sentença arbitral (art. 515, VII; art. 31 da Lei 9.307/1997) é o que resulta da aplicação das regras do gerais. Em princípio, a execução correrá no lugar do cumprimento da obrigação (art. 53, III, d), admitida a cláusula de eleição de foro. E, finalmente, a sentença estrangeira (art. 515, VIII) e da carta rogatória, após sua homologação pelo STF, e, após a EC 45/2004, pelo STJ (art. 105, I, i, da CF/1988), ou passado o exequatur, executar-se-á no juízo federal de primeiro grau do domicílio do executado (art. 109, X, da CF/1988). 456.2. Competência na execução de título extrajudicial – O art. 781 evitou a remissão genérica do direito anterior e ministra regras de competência de foro para a execução fundada em título extrajudicial. A execução será processa no juízo: (a) do foro do domicílio do executado, no foro de eleição do título ou no foro da situação dos bens sujeitos a execução (inciso I); (b) do foro de qualquer dos domicílios do executado, existindo mais de um (inciso II); (c) do foro em que for encontrado o executado, sendo incerto ou ignorado o domicílio, ou do foro do domicílio do exequente (inciso III); (d) do foro de qualquer dos executados, movida a execução contra dois ou mais, à escolha do exequente (inciso IV); e (e) do foro do lugar em que se praticou o ato ou ocorreu o fato, não tendo o executado domicílio atual nesses lugares (inciso V).
Essa disciplina ignora a regra geral anterior, fundamentalmente concentrada no lugar do pagamento. O lugar do pagamento poderá ser o domicílio do credor ou do devedor, conforme seja a dívida portável ou quesível, de acordo com o ajuste das partes.58 Regra geral, o art. 781 do NCPC não repele regras especiais anteriores. À guisa de exemplo, a duplicata (art. 784, I), que é o título mais comum no comércio jurídico, executar-se-á no lugar (“praça”) do pagamento ou, subsidiariamente, no domicílio do comprador (art. 17 da Lei 5.474/1968). O cheque (art. 784, I) executase no lugar do pagamento, indicado ao lado do nome do sacado (art. 2.º, I, da Lei 7.357/1985) – “o lugar do pagamento do cheque, quando outro não é designado, é o de sua emissão, determinando-se a competência para o processo de execução”59 –, e, na falta desses, no domicílio do emitente. A execução do crédito decorrente de aluguel de imóvel, bem como dos respectivos acessórios (art. 784, VIII), segue o art. 781, porque o art. 58, II, da Lei 8.245/1991 estabelece o foro da situação da coisa tão-só para as ações de despejo.60 O art. 781 do NCPC pressupõe a competência relativa. O foro da situação da coisa (art. 47, caput) é competente para a execução: (a) da debênture com garantia real (art. 784, I); (b) das cauções reais (art. 784, V), a exemplo da hipoteca, que é um direito real por força de lei (art. 1.225, IX, da CC), sendo irrelevante, de lege lata, a opinião em contrário;61 (c) o foro e laudêmio (art. 784, VII), créditos originados pelo direito real de enfiteuse, cuja constituição foi proibida pelo art. 2.038 do CC, mas preservadas as enfiteuses anteriormente constituídas e, por natureza, longevas. Relativamente aos títulos extrajudiciais constantes de leis extravagantes (art. 784, XII), a regra é o processamento da execução no domicílio do obrigado, como pode ocorrer no título alienígena (art. 784, § 4.º) que não indique o Brasil como lugar do pagamento.62 Por exemplo, a cédula de crédito bancário indicará, obrigatoriamente, o lugar do pagamento (art. 29, III, da Lei 10.931/2004), mas incidirá o art. 781 do NCPC quanto à execução; porém, constituída garantia real (hipoteca), a teor do art. 27 c/c art. 31 da Lei 10.931/2004, a execução correrá no lugar da situação da coisa (art. 47, caput, do NCPC), salvo cláusula de eleição de foro, porque a hipoteca e o penhor não figuram nas causas arroladas no art. 47, § 1.º, como insuscetíveis à eleição. O art. 781 do NCPC estimula a cláusula de eleição de foro nos títulos extrajudiciais, elegendo o lugar do pagamento. Em tal hipótese, a concorrência do art. 781, I, é mais aparente que real, processando-se a execução no foro eleito (art. 63, caput), salvo controle ex officio do órgão judiciário (art. 63, § 3.º). Em outras palavras, o art. 63, caput, pré-exclui a opção do exequente prevista no art. 781, I. 456.3. Competência na execução fiscal – Um caso particular é o da execução da certidão de dívida ativa (art. 784, IX). A despeito de o procedimento da execução encontrar-se regulado na Lei 6.830/1980, tanto a previsão do título, quanto a regra de competência, permaneceram e figuram
no NCPC (art. 47, § 5.º), complementada esta última previsão pelo disposto na Lei 5.010/1966, quanto à Fazenda Pública Federal. O art. 47, § 5.º, consagra diversos foros concorrentes na execução fiscal (domicílio do devedor, sua residência ou lugar em que for encontrado). Desapareceram os outros foros subsidiários previstos no direito anterior. Escolhido um desses foros – e, segundo o STJ, a “execução fiscal, como regra principal, deve ser proposta no domicílio do devedor, perante o juízo competente (art. 578, CPC {de 1973}; art. 5.º, Lei 6.830/1980)”63 –, ocorrerá o fenômeno da perpetuatio jurisdicionis (art. 43 do NCPC), conforme a Súmula n.º 58 do STJ (“Proposta a execução fiscal, a posterior mudança de domicílio do executado não desloca a competência já fixada”). E a previsão, na Capital do Estado, de vara privativa para os feitos da Fazenda Pública não altera as regras de competência territorial, conforme esclareceu a Súmula n.º 206 do STJ. Na hipótese de figurar como credora a Fazenda Pública Federal, a execução segue o disposto no art. 109, I, da CF/1988, e competirá ao juiz federal da vara territorialmente competente, dentro da seção judiciária, conforme o art. 47, § 5.º e o art. 109, § 1.º da CF/1988. Em comarcas da Justiça Ordinária em que não haja vara federal, mas é localidade em que o devedor encontra-se domiciliado, o art. 109, § 3.º, in fine, da CF/1988, c/c art. 15, I, da Lei 5.010/1966, permite o ajuizamento da execução fiscal perante o órgão judiciário da Justiça Comum, que exercerá competência federal, competindo o julgamento dos eventuais recursos para o TRF da região (art. 109, § 4.º, da CF/1988). § 101.º Competência na jurisdição de urgência 457. Problema de competência na pretensão à segurança A jurisdição de urgência recebeu a equívoca designação de tutela provisória no NCPC. As medidas de urgência subdividem-se em duas espécies: (a) cautelar; e (b) antecipada (art. 294, parágrafo único). E podem ser requeridas em caráter antecedente ou incidental. O problema de competência surgirá, em toda sua plenitude, no caso de medida de urgência antecedente. O art. 299, caput, encarregou-se de fixar a regra básica da competência interna nas medidas de urgência cautelares, dispondo o seguinte: “A tutela provisória será requerida ao juízo da casa e, quando antecedente, ao juízo competente para conhecer do pedido principal”. Não é muito diferente o alcance, ressalvada a terminologia, do art. 800 do CPC de 1973. Reproduzira o art. 682 do CPC de 1939, por sua vez inovação quanto ao direito anterior mais flexível,64 reiterando, portanto, as “impropriedades e omissões responsáveis por graves equívocos”, a propósito dessa regra.65 Parte o art. 299, caput, do NCPC da conhecida divisão das medidas de urgência em (a) incidentes e (b) antecedentes, estas designadas como “preparatórias”. Ora, o dado cronológico não apaga a natureza diferente das medidas tomadas na jurisdição de urgência. Essas providências heterogêneas agrupam-se, no Livro V – Da Tutela Provisória –, porque integram o campo
comum da litisregulação, originado da urgência e que predeterminam duas ordens de providências com efeitos distintos: (a) a segurança para execução (cautelar); e (b) a execução para segurança (satisfativa ou “antecipada”). Essas noções receberão o devido desenvolvimento no capítulo dedicado às medidas de urgência. Por enquanto, impõe-se ressaltar que essas diferenças repercutem no problema de competência. O art. 299, caput, não se ocupou das cautelares autônomas. Essas demandas são cautelares (segurança para execução), mas não se subordinam ao futuro processo principal. Por exceção, inexiste o vínculo de dependência – por sinal, antevisto no art. 299, ao exigir que a cautelar antecedente seja proposta no juízo da causa principal –, e a segurança vale por si mesma, vez que, eventualmente, jamais haverá a necessidade de instaurar a causa principal. Um exemplo persuasivo ilustra a classe das cautelares autônomas. É lícito à parte requerer caução, garantindo os prejuízos futuros e eventuais decorrentes da ruína do prédio vizinho. Essa cautelar deriva do direito material (art. 1.280, in fine, do CC) e é autônoma, porque o dano prevenido – hipotética ruína do prédio vizinho – talvez nunca ocorra ou, ocorrendo, não provoque dano à pessoa que obteve caução. Resta entender que, para processar e julgar pretensões autônomas à segurança, a competência é a comum. Por exemplo, pretendendo o locatário vistoriar o imóvel, prevenindo-se contra a pretensão do locador de pleitear-lhe reparação de dano, providência que não se subordina à futura ação principal, a competência é do foro da situação da coisa.66 458. Competência nas cautelares incidentes O problema de competência se resolverá, com alguma facilidade, na tutela provisória de urgência. Só pode ser competente o juiz da causa principal.67 O art. 299, caput, descansa na falsa diretriz que a lide, ou o objeto litigioso, na pretensão à segurança e o retratado no “pedido principal”, é único. A medida cautelar representaria simples desdobramento da lide “principal”. Por esse motivo singular, o autor descreverá, na inicial da cautelar antecedente, “a lide e seu fundamento” (art. 305, caput). Por óbvio, semelhante exigência não tem cabimento na tutela provisória de urgência cautelar incidente, porque, competindo ela ao juiz da causa principal, este já conhece o litígio travado pelas partes. Por exemplo, ao juiz da ação reivindicatória, que tramita no lugar da situação do imóvel (art. 47, caput) competirá deferir o sequestro do imóvel, havendo receio de dano (art. 301). Ora, existindo receio de frustração da medida caso requerida no juízo da causa principal, mostrar-se-ia mais consentâneo requerê-la no local do risco, “evitando-se as delongas da precatória”.68 Interessante questão, implícita na regra anterior, residia na definição da competência nos “períodos intermediários” de tramitação dos processos. Figurem-se duas hipóteses: (a) o órgão judiciário emitiu sentença de mérito e o vencido interpôs apelação, mas o processo não subira ao Tribunal; (b) o
tribunal julgou a apelação e o vencido interpôs recurso especial e extraordinário, mas o recurso ainda não subiu para o STJ ou para STF. Em qualquer dessas hipóteses, o órgão julgador de primeiro ou de segundo grau já prestou a jurisdição, e, nada obstante, concebe-se o aparecimento, nessas ocasiões inconvenientes, de uma situação de perigo, quiçá se aproveitando uma das partes, exatamente, dessa circunstância. O art. 299, parágrafo único, emprestou solução inovadora, porque oblíqua e obscura, a esse magno problema. O juízo de admissibilidade dos recursos, salvo no caso do agravo de instrumento, repartia-se entre o órgão a quo (v.g., no caso do recurso extraordinário, ato do presidente ou do vice-presidente) e o órgão ad quem. Em tal sistema, o STF entendeu que, no recurso extraordinário, a competência na jurisdição de urgência (v.g., atribuição de efeito suspensivo) não é, ainda, do tribunal ad quem, mas do tribunal a quo (Súmula do STF, n.º 634 e n.º 635). Ora, o NCPC atribuiu o juízo de admissibilidade unicamente ao órgão ad quem, suprimindo, não sem proveito, as complicações daí decorrentes, em especial o recurso (agravo) contra o ato que não admite o recurso no órgão a quo. Assim, “nos recursos”, reza o art. 299, parágrafo único, “a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito”. Pois bem. Esgotada a jurisdição do primeiro grau (na pendência da apelação) e do segundo grau (na pendência do recurso especial e do recurso extraordinário), verificando-se o período intermediário, o “órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito” é o órgão ad quem (TJ ou TRF, STF ou STJ). Ficou superado, por força de lei, a jurisprudência predominante. Resta saber se os tribunais superiores, incomodados com o juízo de admissibilidade, admitirão a solução, de lege lata, encampada no art. 299, parágrafo único. No recesso do tribunal, a competência para examinar a medida cautelar é do presidente, a teor do art. 68 da LC 35/1979.69 459. Competência nas cautelares antecedentes A subordinação da competência da ação cautelar antecedente à da ação principal, consoante o art. 299, caput, segunda parte, provoca três impropriedades. Em primeiro lugar, omite a competência nas ações cautelares autônomas. Ademais, adota regra inflexível, pouco afeita às necessidades do comércio jurídico ou à efetividade da atividade judiciária, ignorando que as medidas de constrição patrimonial (v.g., o arresto) acomodam-se melhor no lugar da situação dos bens (v.g., o art. 845, § 2.º). Por fim, não elege o único critério adequado e correto, na esfera cautelar, que é a fixação da competência no lugar do risco de dano. Em relação à inflexibilidade da regra, realçada no caso arresto, vem à mente a produção antecipada de prova (art. 381). É bem de ver que, a rigor, cumpre distinguir três pretensões distintas, agrupadas sob esta rubrica: (a) a pretensão à asseguração da prova, que é cautelar e sempre antecedente, na qual a prova não se produz, tecnicamente, pois nem sequer foi admitida – ato que compete unicamente ao juízo da causa principal; (b) a pretensão à produção antecipada da prova em sentido estrito, que é satisfativa e incidente, na qual a prova realmente se produz, porque a medida de urgência se processa perante o juízo habilitado a admiti-la; e (c) a pretensão à
constituição antecipada da prova, autônoma e satisfativa do direito à prova, ou seja, o direito de a parte produzir prova e esclarecer-se sobre seu conteúdo, sem qualquer liame com processo futuro. O foro natural da asseguração de prova consiste no lugar em que se deve produzir a vistoria, o exame ou a avaliação (art. 464, caput), ou o do domicílio da testemunha, impedida de depor “perante o juiz da causa”, conforme reza o art. 453, caput, I, do NCPC. Nenhum motivo razoável pode constranger o interessado a produzir antecipadamente prova no foro da futura ação principal. Se o domicílio da testemunha gravemente enferma localiza-se em lugar diferente, representaria flagrante absurdo exigir do interessado, sem embargo da urgência, pleitear no foro competente para a ação principal e requerer a expedição de carta precatória para o foro do domicílio da testemunha – essas providências mostram-se tão demoradas que, no entretempo, talvez sobrevenha o óbito da testemunha. A situação de urgência redobrada, excepcionando a regra básica de competência, já recebeu o epíteto de “cautelar de cautelar”.70 Não é diferente o caso da prova pericial. A vistoria ad perpetum rei memoriam gerou, na aplicação do art. 682 do CPC de 1939, grossa divergência, mas a boa razão indicava que devia produzir-se no lugar do evento ou no da situação da coisa.71 Por isso, o art. 299, caput, merece temperamentos, neste particular, admitindose seja a tutela provisória de urgência cautelar antecedente – a própria designação revela a simplicidade da nomenclatura anterior: medida cautelar – requerida em foro diverso do foro da ação principal, no caso da produção antecipada de prova.72 No entanto, o temperamento concebível e necessário não alcança as regras de competência absoluta. E não só a competência de jurisdição se afigura de observância indeclinável. Por exemplo, vistoria antecedente à ação de desapropriação “indireta”, que é real (retro, 426), deve ser requerida no foro da situação da coisa, a teor do art. 47, caput, e, se foi a União que se apossou ilicitamente do imóvel para cortar uma rodovia, perante a Justiça Federal. O segundo inconveniente desponta na hipótese de as partes convencionarem foro de eleição (art. 93, caput). A situação de perigo talvez apareça em lugar diferente. Por exemplo, o credor, a despeito da cláusula elegendo o foro na sede da pessoa jurídica (art. 53, III, a), aponta a cambial para protesto no lugar do cumprimento da obrigação (art. 53, III, d). Em tal hipótese, já se decidiu que, “se o credor leva a protesto, em comarca diversa, o título oriundo do contrato, é porque pretende que ali seja feito o pagamento”, e, desse modo, a competência da ação cautelar preparatória define-se “a favor do local onde apresentado a protesto o título”.73 Por conseguinte, revela-se admissível a parte requerer a medida cautelar antecedente no foro do lugar do perigo, nada obstante revelar-se incompetente, consoante o art. 299, caput, do NCPC. Por óbvio, o réu talvez ofereça exceção de incompetência, ou alegue a incompetência absoluta (v.g., no caso de sequestro, a do foro da situação do bem, a teor do art. 47, caput). Nessas hipóteses, prevenido o receio de dano pelo juízo incompetente, ocorrerá a remessa para o juízo competente.
Tratando-se de competência relativa, e nada alegando o réu, segue-se o fenômeno da prorrogação da competência (art. 65),74 atingindo o processo cautelar e o processo principal.75 Neste sentido, decidiu-se que “a competência é matéria a ser examinada desde logo, não devendo ser relegada para a ação principal, de modo que, se o Juiz não se dá por incompetente na medida cautelar, torna-se competente para a ação principal”.76 No tocante à competência relativa, a orientação não merece reparo. O juiz não pode declarar, ex officio, a incompetência relativa (Súmula do STJ, n.º 33). Mas, no que tange às medidas não cautelares (v.g., o protesto, a notificação), incluindo a produção antecipada de prova, que é satisfativa, inexiste necessidade de alterar a competência da causa principal.77 Todavia, relativamente à competência absoluta (v.g., do foro da situação do imóvel, no sequestro preparatório à ação reivindicatória, a teor do art. 47, caput), parece evidente que o juiz poderá prover de ofício, a qualquer tempo, sobre o assunto, inclusive sobrevindo o pedido principal, remetendo os autos de ambas ao juízo competente. Vozes há, porém, que o declaram competente para prover a medida de urgência, “sujeita sua decisão à confirmação ou revogação do juiz da causa principal”.78 À ação cautelar aplica-se, evidentemente, a regra de prevenção do art. 59 do NCPC, salvo exceções, a exemplo da produção antecipada de prova (Súmula do extinto TFR, n.º 263). Em certa oportunidade, propostas ações cautelares contra o mesmo réu por dois autores diferentes, estimou-se competente o juízo no qual ocorreu a primeira citação, ante a impossibilidade material de identificar o órgão judiciário que primeiro despachou.79 Por outro lado, propondo as partes ações contrárias (cautelares ou principais), em foros diversos (v.g., no domicílio do respectivo réu), a prevenção se governará pelo disposto no art. 59.
Capítulo 27. REGIME DA COMPETÊNCIA SUMÁRIO: § 102.º Modificações da competência – 460. Conceito de modificação da competência – 461. Competência objeto de modificação – 462. Espécies de modificação da competência – 463. Prorrogação legal da competência – 464. Prorrogação voluntária da competência – 464.1. Prorrogação expressa – 464.1.1. Objeto da cláusula de eleição de foro – 464.1.2. Forma da cláusula de eleição de foro – 464.1.3. Limitação à cláusula de eleição de foro – 464.2. Prorrogação tácita – 465. Prevenção da competência – 465.1. Coincidência cronológica do registro ou da distribuição – 465.2. Efeitos da prevenção – § 103.º Perpetuação da competência – 466. Conceito e natureza da perpetuação da competência – 467. Fundamento da perpetuação da competência – 468. Conteúdo da perpetuação da competência – 468.1. Estado de fato – 468.2. Estado de direito – 469. Exceções à perpetuação da competência – 469.1. Supressão de órgão judiciário – 469.2. Criação de órgão judiciário – 469.3. Modificações da competência absoluta – § 104.º Conflitos de competência – 470. Conceito de conflito de competência – 471. Espécies de conflitos de competência – 472. Legitimidade para instaurar o conflito de competência – 472.1. Legitimidade do órgão judiciário – 472.2. Legitimidade do Ministério Público – 472.3. Legitimidade das partes – 473. Competência para julgar o conflito de
competência – 473.1. Conflito entre órgãos judiciários da mesma Justiça – 473.2. Conflito entre órgãos judiciários de primeiro grau de Justiças diferentes – 473.3. Conflito entre órgãos judiciários de primeiro grau e tribunais de diferentes Justiças – 473.4. Conflito entre tribunais – 473.5. Conflitos entre órgãos e juízes do mesmo tribunal – § 105.º Procedimento do conflito de competência – 474. Forma da instauração do conflito de competência – 475. Instrução do conflito de competência – 476. Indeferimento liminar do conflito de competência – 477. Distribuição do conflito de competência – 478. Requisição de informações no conflito de competência – 479. Suspensão do processo no conflito de competência – 480. Juízo competente para medidas urgentes no conflito de competência – 481. Audiência do Ministério Público no conflito de competência – § 106.º Julgamento do conflito de competência – 482. Julgamento colegiado do conflito de competência – 483. Pressupostos do julgamento singular do conflito de competência – 484. Momento do julgamento singular do conflito de competência – 485. Conteúdo do julgamento singular do conflito de competência – 486. Recurso cabível contra o julgamento singular do conflito de competência – 487. Efeitos do julgamento do conflito de competência – § 107.º Declaração da incompetência – 488. Controle da competência no processo civil – 489. Controle da competência relativa – 489.1. Cabimento da exceção de incompetência no processo de execução – 489.1.1. Momento e forma da exceção de incompetência na execução de título extrajudicial – 489.1.2. Momento e forma da exceção de incompetência na execução de título judicial – 489.2. Cabimento da exceção de incompetência no processo cautelar – 489.3. Condição dos atos decisórios proferidos pelo juiz relativamente incompetente – 490. Controle da competência absoluta – 490.1. Forma e momento da alegação da incompetência absoluta – 490.2. Legitimidade para alegar a incompetência absoluta – 490.3. Efeitos do reconhecimento da incompetência absoluta – 490.4. Recursos cabíveis contra o provimento sobre incompetência absoluta – 491. Efeitos da incompetência nos juizados especiais. § 102.º Modificações da competência 460. Conceito de modificação da competência A Seção III do Capítulo I – Da Competência – do Título III – Da Competência Interna – do Livro II da Parte Geral do NCPC contempla hipóteses de modificação da competência. Em alguns casos, com efeito, a aplicação das regras gerais de competência sofre mudanças específicas. Esse fenômeno ocorre de duas maneiras diferentes: (a) o órgão judiciário que, inicialmente, não processaria e decidiria a causa, apesar de competente, passa a conhecê-la, estendendo a ela a sua competência; (b) igualmente competentes dois ou mais órgãos judiciários, segundo as regras gerais, fixase a competência em um deles. À primeira hipótese, designa-se de prorrogação da competência; à segunda, de prevenção da competência. O art. 148 do CPC de 1939 englobava os dois casos, numa rubrica única, recebendo censura pelo defeito na técnica de redação.1 E, realmente, na prorrogação, a competência de um juiz dilata-se para abranger outras causas, originariamente a ele subtraídas, enquanto na prevenção, a competência de um juiz antecipa-se à de outro também competente.2
Não incorreu no mesmo equívoco o art. 102 do CPC de 1973. O dispositivo regulava somente a prorrogação, ficando a prevenção disciplinada nos artigos 106 e 107 CPC de 1973. No entanto, a seção era incompleta, porque o art. 114 do CPC de 1973 também versava hipótese de prorrogação.3 E, de resto, a seção dedicada ao assunto agasalhava hipótese de suspensão facultativa do processo, em razão da existência de questão prejudicial externa (art. 110 do CPC de 1973), objeto do processo penal, melhor se situaria em outro sítio, porque matéria estranha à competência. Os artigos 54 a 63 do NCPC tratam, realmente, da modificação da competência. A hipótese de suspensão do processo civil, pendendo causa penal, passou para o Título II – Da Suspensão do Processo – do Livro VI da Parte Geral do NCPC (art. 315). A possibilidade ou não de modificação da competência é decisiva para identificar os casos de competência absoluta, porque improrrogável (art. 62), ou relativa, porque prorrogável (art. 63, caput). A troca da pessoa investida no órgão judicial, porque impedida (art. 144) ou suspeito (art. 145), inclusive por motivo íntimo (art. 145, § 1.º), não constitui modificação de competência.4 A competência do órgão judiciário permanece inalterada. 461. Competência objeto de modificação O art. 54 esclarece que a competência prorrogável é tão só a competência relativa. E, segundo o art. 63, caput, a convenção das partes pode modificar a competência em razão do valor e a competência territorial (ou de foro). A competência em razão do valor é objeto das leis de organização judiciária e respeita, basicamente, aos juízos de investidura limitada no tempo, todavia estabilizados no cargo pelo art. 21 do ADCT da CF/1988 (retro, 400). Tem importância restrita no direito processual civil brasileiro. E, além disso, admite-se tão só modificação parcial, nesta espécie de competência, porque o juiz de maior hierarquia pode assumir a causa do juiz de menor hierarquia, e, não, o inverso.5 É na competência de foro que se expressam, plenamente, os fenômenos que importam modificação. A despeito de a lei instituir as regras de competência de foro, predominantemente, atendendo à conveniência das partes, outras considerações tornam improrrogáveis regras de competência territorial. É o que sucede no caso do foro da situação da coisa, versando o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova (art. 47, § 1.º) e ação possessória imobiliária (art. 47, § 2.º). Esses casos escapam ao regime do art. 54.6 No entanto, não caracterizam competência funcional, pois inexiste a intervenção, no mesmo processo, de dois ou mais órgãos judiciários distintos, desempenhando funções diferentes (retro, 404). Seja como for, ajuizada precedentemente a ação que controverte o título do domínio, não se modifica a competência da possessória movida no foro da situação do bem (art. 47, § 2.º), porque se cuida, neste último caso, de competência absoluta.7
Em princípio, conexas duas ações, mas a competência para uma delas é absoluta, os processos tramitarão, conjunta e obrigatoriamente, neste último juízo.8 O resultado é o mesmo, porque obrigatória, a reunião com apoio no art. 54, mas baseado em diferentes fundamentos. No entanto, apreciando a chamada competência de “jurisdição”, o STJ estima impossível reunir os processos, apesar da conexão.9 Por exemplo, tramitando a execução na Justiça Comum, na qual a penhora recai sobre bem gravado com hipoteca a favor da CEF, compete à Justiça Federal, a teor do art. 109, I, da CF/1988, julgar os embargos de terceiro (previstos, atualmente, no art. 674, § 2.º, IV, do NCPC), devendo ser suspensa a execução até o julgamento definitivo da oposição.10 462. Espécies de modificação da competência A modificação da competência se divide em duas espécies: (a) prorrogação legal (art. 54), perante a qual a vontade das partes é irrelevante, cabendo ao órgão judiciário promover, ou não, a mudança; (b) prorrogação voluntária, na qual a vontade das partes gera, objetivamente, a modificação. A prorrogação voluntária, de seu turno, comporta duas subespécies: (a) a expressa, representada pelo ajuste do foro de eleição (art. 63); e (b) a tácita, decorrente da omissão do réu de arguir a incompetência do órgão judiciário (art. 65, caput). Esses casos de mudança exigem exame separado, e, principalmente na prorrogação legal, o assunto fere as noções controversas de conexão e de continência, que retratam liames próximos ou remotos entre duas ou mais demandas, e, assim, tocam o grave problema da identificação das ações. 463. Prorrogação legal da competência O art. 54 autoriza a modificação da competência por força de conexão ou de continência entre os processos. Como já adiantado, a disposição antevê liame entre as causas relevante e intenso, a exigir o tratamento conjunto. É inevitável, para esclarecer essas hipóteses de modificação, investigar os elementos da ação (partes, causa e pedido), a teor do art. 337, § 2.º, do CPC. Esses elementos mereceram tratamento anteriormente. Não é aqui o lugar para expor, outra vez, assunto já aventado no capítulo do objeto do processo (retro, 236) e no capítulo da pluralidade de objetos, especificamente no item da reunião dos processos (retro, 301). Interessam apenas dois pontos. A palavra conexão rotula laços entre causas diferentes, recolhidos de um desses elementos, e que justifica o processo cumulativo (v.g., a formulação de dois ou mais pedidos no mesmo processo) ou, propostas as demandas separadamente, a reunião dos processos. Porém, não é qualquer liame que, afinal, autoriza a modificação da competência. Em síntese larga, no item dedicado à reunião dos processos chegou-se às seguintes conclusões: (a) os arts. 55, caput, e 56 não esgotam, absolutamente, a problemática da conexão, e, por isso, o art. 55, § 3.º, abre a possibilidade de reunião em outros casos, entendendo a referência da cláusula final (“mesmo sem conexão entre eles”) à hipótese típica do art.
55, caput; (b) a reunião é obrigatória nos casos em que o risco de decisões conflitantes se afigura evidente (conexão objetiva), facultativa quando em que os lanços são mais tênues (conexão instrumental); (c) a reunião dos processos subordina-se ao fim precípuo de evitar decisões conflitantes, e, portanto, desparece quando uma das causas conexas já foi julgada, a teor da Súmula do STJ, n.º 235 (retro, 305), e do art. 55, § 1.º, in fine; (d) a modificação da competência, em decorrência do reconhecimento da conexão pelo órgão judiciário, ex officio ou a requerimento da parte (art. 337, VIII), importa o deslocamento da atribuição de processar e julgar certa causa de juízo para outro, por vezes de uma para outra comarca, e determina o apensamento dos autos, mantida a independência das relações processuais (retro, 307). Um caso especial é a continência entre ações civis públicas. Se tais ações tramitarem separada na Justiça Comum e na Justiça Federal, reunir-se-ão no juízo prevento da Justiça Federal (Súmula do STJ, n.º 489). 464. Prorrogação voluntária da competência Diz-se voluntária a modificação da competência nas hipóteses em que a vontade da parte, expressa ou tacitamente, torna competente certo órgão judiciário inicialmente incompetente para processar e julgar a causa. Calha melhor a designação de “voluntária”, em lugar de “convencional”, a essa modalidade de prorrogação. Forçar-se-ia demais o domínio da vontade no caso de prorrogação tácita, em que a inércia do réu torna competente o juízo originalmente incompetente, a ponto de visualizar convenção, acordo ou ajuste nessa situação. 464.1. Prorrogação expressa – É lícito os figurantes de negócio jurídico, nos limites da respectiva autonomia privada, ajustar domicílio de eleição (art. 78 do CC c/c art. 63, do NCPC). O CPC de 1973 encerrara, no plano legislativo, a controvérsia acerca da possibilidade de estipularem os figurantes do negócio jurídico cláusula de eleição de foro, assunto já assentado na jurisprudência (Súmula do STF, n.º 335). Tecnicamente, as partes estipulam negócio jurídico processual (Prozessverträge).11 É limitadíssimo o campo dos negócios jurídicos processuais, todavia previstos no art. 200, mas dentre eles figura a eleição de foro.12 Entende-se por pacto de eleição de foro o que define como competente qualquer outro juízo que não o resultante das regras predispostas de competência.13 464.1.1 Objeto da cláusula de eleição de foro – A vontade concordante dos figurantes em negócio jurídico bilateral ou unilateral pode modificar a competência relativa. A competência em razão da matéria, a competência em razão da pessoa, a competência funcional, porque improrrogáveis (art. 62), escapam à disposição das partes. Não é admissível, por óbvio, ajustar que a causa seja julgada na Justiça Federal, porque mais sensível aos interesses em jogo, apesar de excluída essa causa da órbita do art. 109 da CF/1988, ou
subtraí-la da Justiça Federal, incidindo no artigo, porque as partes estimam a Justiça Comum mais adequada por identidade de motivos. Tampouco se afigura lícito pactuar o juízo, existindo mais de uma vara na comarca, e, nela, vara privativa, ou optar pelo foro central, preterindo o foro regional. A esse propósito, já se decidiu que “o foro de eleição se refere à comarca, e não ao juízo ou divisões internas advindas da organização judiciária”.14 A indicação nominal de certo juiz para conhecer da causa, escolhido dentro outros, porque no alvitre das partes destaca-se em virtude da sua notória operosidade, ou da estatura moral e intelectual, igualmente fica obstada.15 A preferência por um juiz infringe ao princípio do juízo natural (retro, 149). Flagrantemente, cláusula desse conteúdo representará o movimento inverso, proveniente das partes, à indicação arbitrária, por órgãos da administração da justiça, de um juiz para julgar certa causa, porque mais complexa ou inserida nos assuntos da predileção do magistrado, sem respeitar as regras gerais, abstratas e predispostas que regulam as substituições dos juízes. Em princípio, o objeto da cláusula versa regras de competência de foro ou em razão do valor. Ficam ressalvados os casos em que tais competências, ordinariamente relativas, assumam caráter absoluto. Assim, não podem as partes convencionar foro diverso da situação da coisa, nos litígios mencionados no art. 47, § 1.º, nem ajustar que juiz de investidura temporária conheça de causa cujo valor exceda à respectiva alçada. A cláusula de eleição de foro visa à modificação do foro comum. Livre que seja a determinação da competência territorial, ajuste dessa natureza subtrai, via de regra, a causa do domicílio do réu (art. 46, caput), indicando o domicílio do autor e, principalmente, o lugar de cumprimento da obrigação (art. 53, III, d). O campo natural de incidência dessa eleição reside nas “ações oriundas de direitos e obrigações”, relativamente a determinado negócio jurídico (art. 63, caput). Foro de eleição não se confunde com o foro do contrato. Este consiste no lugar de celebração do negócio jurídico.16 Não é a ele que alude a expressão “foro contratual” do art. 63, § 2,º, mas ao foro que, em virtude do contrato, as partes indicam para dirimir os litígios oriundos do negócio, renunciando a qualquer outro. A cláusula de eleição de foro obriga as pessoas que sucederem os figurantes originários no negócio jurídico (art. 63, § 2.º). Não importa a natureza da sucessão (inter vivos ou causa mortis). Um caso particular é o do pagamento com sub-rogação. Por exemplo, o efeito pela seguradora, solvendo a dívida do segurado. Não há sucessão, mas pagamento.17 Assim, a seguradora não se sub-roga no foro de eleição, nem no foro especial da vítima do acidente (art. 53, V).18 Não se afigura incompatível, implicitamente ou não, a cláusula de eleição de foro com a convenção de arbitragem, salvo se o contrário resultar da interpretação do negócio jurídico. O juízo arbitral equivale ao processo com função predominante de conhecimento. A jurisdição de urgência, antecedente
ou incidente, e a execução da sentença arbitral (art. 31, in fine, da Lei 9.307/1997) escapam de seu âmbito. A cláusula da eleição de foro abrangerá tais pretensões. Por exemplo, no caso da execução, as partes podem eleger um dos foros concorrentes do art. 516, parágrafo único. 464.1.2. Forma da cláusula de eleição de foro – A cláusula de eleição de foro só pode ser convencionada em contratos formados por escrito (art. 78 do CC; art. 63, § 1.º, do NCPC). De ordinário, os negócios jurídicos não se subordinam à forma especial; porém, a cláusula de eleição exige a forma escrita – por razões de conveniência judiciária, a despeito de eventual silêncio do texto legal.19 É negócio processual (art. 200), embora anteceda à formação do próprio processo.20 O pacto há de ser expresso – o “foro contratual”, mencionado no art. 63, § 2.º, não é o lugar da celebração do contrato – e específico, porque indicará “determinado negócio jurídico” (art. 63, § 1.º, in fine). Não é válido o pacto genérico – por exemplo, pessoas que realizam vários negócios diferentes ajustam, em instrumento autônomo, foro de eleição para quaisquer contratos: o acordo precisa indicar, um a um, os negócios aos quais se aplicará, pois do contrário inexistiria referência a negócio “determinado”. 464.1.3. Limitação à cláusula de eleição de foro – Contrato de adesão é o negócio em que um dos figurantes predispõe o conteúdo através de cláusulas gerais, uniformes e rígidas, restando ao outro lado, em virtude de sua situação de desigualdade, aceitar em bloco tais condições ou, então, deixar de contratar, e, assim, obter um bem essencial.21 A declaração de vontade de um dos figurantes restringe-se a taking it ou leaving it.22 Em princípio, nada impede a cláusula de eleição de foro nos contratos de adesão. É comum a estipulação, principalmente nas relações de consumo, e, até com algum exagero, empresas nacionais elegem o foro de sua sede, localizada em comarca do interior do Estado-membro, para dirimir as controvérsias oriundas de todos os seus negócios. A rígida e literal observância do foro de eleição transformaria essa comarca na maior do País. Tal consequência não convém à administração da justiça, nem sequer à própria empresa. Do ponto de vista da parte aderente, a disposição provocaria imensas dificuldades no acesso à justiça. A questão resolveu-se, na jurisprudência,23 no sentido da invalidade da cláusula,24 incidindo o art. 51, IV, da Lei 8.078/1990.25 A orientação traduz manifestação da teoria do forum non conveniens típica da Common Law.26 Cláusulas dessa ordem são abusivas, e, portanto, inválidas. Não é caso de ineficácia, apesar de disposição nesse sentido do art. 63, § 3.º, do NCPC. O abuso no pacto de eleição de foro estampa-se, ordinariamente, nos contratos de adesão. Porém, nada obsta a configuração de abuso (v.g., dificuldade no acesso à Justiça) em negócios de outra natureza. Em decorrência dessa orientação, o art. 63, § 3.º, do NCPC autoriza o órgão judiciário a declarar, ex officio, mas antes da citação, a nulidade da cláusula de eleição, porque abusiva, declinando da competência para “o juízo do domicílio do réu”. Por identidade de motivos, o juiz acolherá a exceção de incompetência porventura oferecida pelo réu, como preliminar na contestação (art. 337, II), sob pena de preclusão (art. 63, § 4.º).
A omissão do réu, abstendo-se de alegar a preliminar ou de excepcionar, não conduz à aceitação incondicional do foro eleito.27 Não se infere da cláusula “antes da citação”, inserida no art. 63, § 3.º, preclusão do poder do órgão judicial posteriormente. A preclusão do art. 63, § 4.º, atinge o réu, e, não, o juiz, ao menos na noção aqui defendida de preclusão. Relativamente aos poderes judiciais, a preclusão só opera de cima para baixo (preclusão hierárquica). O juiz avaliará o problema e, constatando a dificuldade do réu, pronunciará a invalidade. Nesta contingência, na qual aparentemente inexistiu prejuízo à defesa, como se argumenta,28 não se pode olvidar a angústia do advogado do réu, que acode à citação, desajeitadamente, malgrado a inconveniência do foro eleito. Não parece razoável extrair a ilação que eventual omissão da defesa, ou a abstenção do órgão judiciário no primeiro contato com a inicial, prorrogue a competência. Esse pronunciamento poderá ocorrer a qualquer momento, inexistindo preclusão para o órgão judiciário se admitiu a inicial.29 Os pressupostos para o controle da validade da cláusula, nos contratos de adesão, mostram-se os seguintes: (a) natureza do contrato; (b) dificuldade no acesso à justiça. Por exemplo, o foro de eleição, inserido no contrato de adesão, coincide com o domicílio da parte aderente – não há interesse em declinar da competência –, ou com o lugar de cumprimento da obrigação (art. 53, III, d), caso em que inexistirá razão para pronunciar a invalidade. É pouco feliz a indicação expressa do foro do domicílio do réu, ou seja, do foro comum (art. 46, caput). O exemplo ministrado, no qual a empresa de banco tem sede em cidade de médio porte do interior do Estado-membro, já revela a impossibilidade de aplicar a regra literalmente. O juiz declarará a incompetência e ordenará a remessa dos autos ao juízo segundo as regras comuns. O foro do lugar do cumprimento da obrigação (art. 53, III, d) é o que mais convém às finalidades da regra. 464.2. Prorrogação tácita – A prorrogação tácita assume, no direito brasileiro, duas modalidades em que o autor ou o réu acomodam-se, voluntariamente, a foro diferente do previsto na lei. Ao acudir ao chamamento feito pelo juízo relativamente incompetente, sem oferecer a exceção de incompetência, em preliminar da contestação (art. 337, II, c/c art. 65, caput, parte final), no prazo legal, prorroga-se a competência, consoante estatui o art. 65, tornando competente o juízo originalmente incompetente. A exceção de incompetência intempestiva ou genericamente inepta, também implica a prorrogação. Ocorrerá, neste caso, preclusão consumativa.30 É ônus do excepiente, por exemplo, expor a causa de pedir, indicando o foro competente. Esse efeito não ocorre nos casos de incompetência absoluta.31 É digno de registro, desde logo, a possibilidade de o réu, citado por carta precatória, ou não, apresentar a contestação no juízo do seu domicílio (art. 340, caput), mediante distribuição para fins de prevenção (art. 340, § 1.º), seguindo-se (a) imediata comunicação ao juízo da causa, “preferencialmente por meio eletrônico, e (b), juntada a carta precatória, se por esse meio realizada a citação, imediata remessa ao juízo da causa. Esse dispositivo propicia o controle da validade da eleição de foro, restituindo-se,
posteriormente, o processo ao juízo prevento pela distribuição da contestação ou da carta precatória (art. 340, § 2.º). Em tal caso, não se livram as partes, necessariamente, da audiência de conciliação e de mediação (art. 334), salvo recíproca desistência. A audiência designada no juízo da causa será suspensa, até solução do incidente (art. 340, § 3.º), e outra designada no juízo competente, conforme a resolução tomada (art. 340, § 4.º). Também o autor pode, tacitamente, abdicar do foro privilegiado, instituído em seu proveito, e propor a ação no foro do domicílio do réu (art. 46, caput). Por exemplo, o art. 53, V, autoriza o autor a propor ação de reparação de danos verificados em acidente de trânsito na via terrestre no lugar do fato ou no seu domicílio. Nada impede, porém, a opção pelo domicílio do réu. Neste caso, eventual exceção de incompetência acabaria rejeitada, por falta de interesse, pois o foro escolhido só lhe traz vantagens.32 465. Prevenção da competência Existindo dois ou mais juízos abstratamente competentes, a prevenção indica qual deles reunirá as causas, assumindo a competência para processar, decidir e executar ambas. Não se trata de fator de determinação da competência. A competência (no caso, de um dos juízos) já se encontra previamente determinada e substituirá íntegra. Tampouco se cuida de modificação da competência. Nenhum dos juízos concorrentes é originalmente incompetente e, por qualquer razão, torna-se competente posteriormente. Em realidade, dentre vários juízos igualmente competentes, a prevenção aponta um deles como o único competente. É o critério de seleção ente dois ou mais juízo, um dos quais assumirá as ações conexas, conforme, expressis verbis, declara o art. 58.33 Ocupam-se da prevenção os arts. 59, 312 e 286. Forma-se o processo com a entrega da petição inicial no ofício judicial (art. 312). Feito o registro da petição inicial, porque desnecessária a distribuição, tornar-se-á prevento, conforme estipula o art. 59. Porém, existindo distribuição, há que se considerar o art. 286. Em primeiro lugar, reza o art. 286, I, serão distribuídos por dependência as causas de qualquer natureza relacionadas, “por conexão ou continência, com outra já ajuizada”. Não é muito próprio o verbo distribuir. Verifica-se justamente o contrário: embora dois ou mais juízos sejam abstratamente competentes, inexistirá distribuição, tal como se houvesse juízo único, porque um deles já é competente em razão da conexão ou da continência.34 O distribuidor limitar-se-á a efetuar o registro da causa, encaminhando-a, em seguida, ao juízo prevento. Em relação a essa hipótese, portanto, os fatos geradores da prevenção tornaram-se meios para se corrigir a errônea distribuição, evento altamente provável, haja vista a dificuldade do distribuidor em identificar fenômeno – a conexão – tão controverso e elástico, usando dados limitados – basicamente, o nome das partes e a natureza da causa já ajuizada. Entretanto, o art. 286, II, impondo a distribuição de um segundo processo, embora alterados, ao menos em parte, o(s) autor(es) e o(s) réu(s) original(ais), ao juízo que extinguiu o primeiro, sem julgamento do mérito (art. 485), criou uma prevenção diferente. Ela se destina, neste caso, a assegurar o princípio do juiz natural – ou seja, impede que o autor, reiterando o pedido,
evite juiz que já esposou entendimento desfavorável e escolha outro, mais promissor, liberal ou, simplesmente, alinhado à tese exposta na inicial. É ainda mais difícil apurar a possibilidade de o segundo processo gerar decisão contraditória ou conflitante com outro pendente, para os efeitos do art. 55, § 3.º, conforme prevê o art. 286, III. Desapareceu a hipótese autônoma de processo idêntico sem maiores problemas, porque o art. 286, III, abrange o caso de litispendência. Do conjunto dessas disposições resulta claro que, para o autor, a prevenção surge com o registro ou a distribuição da primeira demanda (art. 312, primeira parte). Em relação às ações movidas pelo réu, o efeito só se produz com a citação (art. 312, segunda parte, c/c art. 240, caput).35 E há outra hipótese de prevenção, igualmente decorrente do registro ou da distribuição: o da contestação apresentada pelo réu no juízo do seu domicílio, arguindo em preliminar a incompetência do juízo da causa (art. 337, III, c/c art. 340). Leis extravagantes, de olhar fito no processo coletivo, adotam o critério da primeira distribuição. É a diretriz fixada na ação popular (art. 5.º, § 3.º, da Lei 4.717/1965) e na ação civil pública (art. 2.º, parágrafo único, da Lei 7.347/1985). Em certo caso, o STJ reconheceu semelhante critério, embora a primeira ação civil pública haja sido extinta, sem a interposição de recurso das partes, mas pendente a causa em virtude da remessa necessária.36 E o art. 60 estende a prevenção do primeiro juízo, situado o imóvel em mais de um Estado, comarca, seção ou subseção judiciária – e, acrescentese, parte no Distrito Federal e em Goiás –, estender-se-á à totalidade do imóvel. A prevenção ocorre no primeiro e no segundo graus. Em primeiro grau, a prevenção fixa a competência de um juízo, em detrimento de outro(s), na mesma comarca, ou do juízo de uma comarca perante o(s) juízo(s) de outra comarca. Se o órgão judiciário, no primeiro grau, compreende dois ou mais ofícios, distribuindo-se os feitos, internamente, por algum critério determinado, via de regra o final ímpar ou par do número do processo, a prevenção fixa a competência num deles, excluindo a do outro. Nos tribunais, a prevenção dependeria das regras prescritas no regimento interno.37 O art. 930, parágrafo único, do NCPC alterou essa regra. A distribuição do primeiro recurso torna prevento o relator para quaisquer recursos tirados da mesma causa ou em causa conexa. Em geral, ela não respeita ao órgão fracionário, em caráter principal, mas à pessoa do relator, mas deixou de exigir, para produzir o efeito, o conhecimento (juízo de admissibilidade positivo) do recurso. Essa prevenção, na falta ou no impedimento do relator originário, passa ao juiz que lhe sucede, na antiguidade, no âmbito do órgão fracionário do tribunal, e, assim, sucessivamente. A descrição corresponde ao quod plerumque accidit. É preciso analisar as normas regimentais de cada tribunal individualmente. A prevenção do relator atende às particularidades da distribuição do trabalho no tribunal. Acontece de o relator remover-se do órgão judiciário, e
até de seção, e, nada obstante, para evitar o terrível mal da redistribuição dos feitos pendentes, permanece vinculado aos que já recebeu por distribuição, e, conseguintemente, também continua prevento em relação aos recursos tirados no mesmo processo e às causas conexas. Seja como for, só a leitura do regimento interno de cada tribunal revelará, claramente, o regime da prevenção interna do relator. Cumpre recordar que, relativamente aos demais participantes do julgamento colegiado, a prevenção decorre do visto lançado nos autos, segundo norma regimental. O sistema do NCPC erradicou a complicação da existência de dois fatores de prevenção – a primeira citação e a primeira distribuição – do direito anterior. Vale a primeira distribuição e, embora a litispendência decorra para o réu da citação, prevento será o juízo no qual ocorreu o registro ou a distribuição da contestação (art. 340, § 2.º). Porém, há um problema: a coincidência cronológica. 465.1. Coincidência cronológica do registro e da distribuição – Pode acontecer, nos dois processos, a coincidência temporal dos fatores que determinam a prevenção, o registro ou a distribuição. À luz do direito positivo, não cabe mais entender prevento o juízo que ordenou a citação em primeiro lugar.38 E se os dois juízos também determinaram a citação no mesmo dia, tampouco cabe considerar prevento o juízo no qual ocorreu a primeira distribuição.39 Por definição, a coincidência temporal pressupõe o registro e a distribuição no mesmo dia. A infeliz distribuição dos processos no mesmo dia, só aparentemente inconcebível, pois autor e réu, em posições invertidas, às vezes precipitam o ajuizamento, provoca aparente impasse. A outrora impraticável sugestão de apurar o momento (hora, minuto e segundo) dos atos,40 jamais levada a sério, tornou-se atual e factível. Os sistemas de informática fornecem os dados. É o critério seguro para dirimir a questão. 465.2. Efeitos da prevenção – A prevenção implica a reunião dos processos conexos no único juízo considerado competente (art. 58). Este é o principal efeito da fixação da competência num dos juízos. Inexistisse outro processo em vista, na mesma ou em outra comarca, nenhum interesse suscitaria a prevenção. § 103.º Perpetuação da competência 466. Conceito e natureza da perpetuação da competência Forma-se o processo, nas comarcas ou seções judiciárias em que houver mais de um juízo, através da distribuição. Ou, existindo um só juízo na comarca ou seção judiciária, a formação do processo decorre do registro do feito. É o que dispõe o art. 312, primeira parte, do CPC, realizando nítida opção técnica quanto ao momento em que a relação processual (liminar) ingressa no mundo jurídico. A existência de processo a partir do simples ingresso em juízo recebe confirmação indireta na eventual atividade subsequente. O ato do juiz que, examinando a admissibilidade da demanda,
rejeita a petição inicial (art. 330), por definição extinguirá o processo (art. 485, I). A formação do processo, nas condições descritas no art. 312, já produz efeitos relevantes para o autor. Por exemplo, fica impedido o ajuizamento de uma segunda demanda idêntica à primeira. Essa hipótese nada exibe de teórica. Concebe-se de a parte, por inadvertência ou desinformação, constituir dois advogados diferentes para a mesma causa e cada qual se desincumba de seus misteres, ajuizando demandas idênticas. O art. 286, III, exige a distribuição da segunda ao juízo da primeira, na mesma comarca, facilitando a extinção, ex officio, da demanda repetida. Um dos efeitos decorrentes da litispendência, por sua vez criada com a distribuição ou o registro (art. 312, primeira parte), consiste na perpetuação da competência, traduzida na expressão latina muito empregada, mas imprópria, perpetuatio jurisdicitionis. Segundo o art. 33, primeira parte, determina-se a competência no momento em que a ação é registrada ou distribuída, e, a partir desse momento, fixada a competência do juízo, ela ficará imunizada às modificações supervenientes de fato e de direito. Por exemplo, proposta a demanda no foro do domicílio do réu (art. 46, caput), a mudança de domicílio posterior não afetará a competência fixada inicialmente. A perpetuação da competência, em suma, torna imutáveis os critérios que definiram a competência na formação do processo.41 O efeito previsto no art. 43, primeira parte, originário do direito romano,42 pressupõe a competência, em tese, do órgão judiciário para processar, decidir e executar a causa. O efeito não se produz, portanto, nos casos em que o juízo seja originalmente incompetente, seja a competência absoluta, seja a relativa – neste caso, por óbvio, se o réu arguir a incompetência por exceção na contestação (art. 337, II, c/c 65, caput -, e nos casos de modificação da competência.43 Por conseguinte, os efeitos próprios da perpetuação da competência assentam em três requisitos: (a) a formação do processo, de acordo com o art. 312, primeira parte;44 (b) a competência do órgão judicante de acordo com os elementos de fato e as normas de direito aplicáveis à causa; (c) a manutenção ulterior desses elementos de fato e dessas normas. A perpetuação da competência só desaparece quando houver mudança nos elementos de fato e das normas de competência, atribuindo a competência para órgão judiciário diferente do que assumiu a causa. O art. 12 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) autoriza a vítima de violência doméstica e familiar a demandar as medidas “protetivas de urgência”, previstas nos arts. 22 a 24 do diploma, perante a autoridade policial, que remeterá a petição ao órgão judiciário competente. Distribuída essa petição, ou simplesmente registrada, conforme o art. 312, primeira parte, só então se formará o processo, perpetuando-se a competência. O dispositivo não altera o sistema geral, nem se pode considerar a autoridade policial o protocolo judiciário.45 No tocante à sua natureza, o art. 43, primeira parte, é uma regra, aplicandose por subsunção. Eventuais conflitos com outras regras resolvem-
se através dos critérios tradicionais: (a) hierarquia, na medida em que a regra superior prevalece sobre a superior; (b) cronologia, pois a regra posterior revoga a anterior; e (c) especialidade, a regra especial afasta a incidência da regra geral.46 467. Fundamento da perpetuação da competência A alteração da competência fixada no momento da formação do processo produziria graves danos às partes. Facilmente se compreende que a mudança do juízo implicaria gastos inúteis e notável desperdício de tempo e de atividade. A estabilidade gerada pela perpetuação da competência baseia-se, assim, num juízo de conveniência. Do ponto de vista jurídico, a perpetuação da competência serve à segurança jurídica, impedindo que as alterações de fato repercutam nos processos em curso, e, por igual, ao princípio da pré-constituição do órgão judiciário, fatalmente comprometido por mudanças provocadas pela lei superveniente.47 Não é admissível, salvo nas hipóteses do art. 43, segunda parte, subtrair o julgamento da causa do juízo competente, o que se prestaria a afastá-lo do caso por considerações políticas ou de oportunidade. 468. Conteúdo da perpetuação da competência O art. 43, segunda parte, declara “irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente” ao momento em que se verifica a perpetuação da competência, que é o da formação do processo, na forma do art. 263, primeira parte.48 A indiferença às mutações do estado de fato e do estado de direito integra o conteúdo da regra contemplada no art. 43, primeira parte. 468.1. Estado de fato – O estado de fato, cuja alteração revela-se indiferente à competência anteriormente fixada, engloba os critérios empregados na lei para determinar a competência. Por exemplo, o domicílio do réu, a sede da pessoa jurídica, o lugar da situação da coisa, constituem fatos contemplados nas regras de competência. Existem fatos desse naipe insuscetíveis de qualquer modificação posterior; por exemplo, o lugar da ocorrência do evento ilícito (art. 53, IV, a), uma vez precisado, jamais se modificará, porque imutável. E há fatos exatos no momento da propositura, mas modificáveis no fluxo da vida. Por exemplo, o domicílio da pessoa natural altera-se, por diversas razões, como a aposentadoria e o desejo de fugir aos grandes centros urbanos; a sede da pessoa jurídica modifica-se, considerando o volume dos negócios, benefícios fiscais e disponibilidade da mão de obra; e assim por diante. A perpetuação da competência atinge, fundamentalmente, os fatos modificáveis. A mudança do domicílio ou da sede da empresa não altera a competência da ação proposta no foro do antigo domicílio ou da antiga sede. Quando a lei considera a alteração do domicílio, como no caso das ações de divórcio, de separação e de anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável, a teor do art. 53, I, c, mira situação preexistente ao ajuizamento da ação.
Os fatos relevantes à determinação da competência são afirmados pelo autor na petição inicial. Não constituem, de regra, fatos integrantes da causa de pedir (art. 319, III). Eles respeitam a outros elementos de fato necessários à elaboração da inicial. Por exemplo, o art. 319, II, exige a qualificação das partes e, dentre outros fatos, a indicação do “domicílio e residência do autor e do réu”. A perpetuação da competência considera os fatos secundários tais como afirmados pelo autor. É evidente que o autor propõe a demanda na comarca X, porque alega, salvo engano, o domicílio do réu é nesta localidade, e, não, na comarca Y. Essa enunciação do fato pode ser falsa e, destarte, incumbirá ao réu alegá-lo (e provar seu verdadeiro domicílio na comarca Y), sob pena de prorrogação voluntária da competência (art. 65, caput), operando-se, a partir daí, a regra do art. 87, parágrafo único. Seja como for, a mudança da narrativa do autor, posteriormente à formação do processo, não assume qualquer relevo. O juiz só desconsiderará a alegação do autor, a respeito do domicílio, se o réu tomar a iniciativa de retificá-la, por via da exceção de incompetência na contestação (art. 337, II).49 Eventuais modificações desses elementos, por iniciativa ou não das partes, não alteram a competência do juízo. Um dos exemplos mais expressivos, nesta matéria, surge na competência da execução fiscal, porque há vários foros concorrentes (art. 46, § 5.º). Feita a opção pela Fazenda Pública, a mudança ulterior do domicílio do executado não desloca a competência para outro foro, proclama a Súmula do STJ, n.º 58. Idêntico raciocínio presidirá o ajuizamento da execução fundada em título judicial num dos foros concorrentes do art. 516, parágrafo único. O exequente até pode tentar retorno ao juízo que decidiu a causa em primeiro grau (art. 516, II), desistindo da primeira execução (art. 775, caput), mas a propositura da nova execução esbarrará no art. 286, II. Incluem-se no âmbito das mudanças irrelevantes: (a) a morte do réu, sucedido por pessoas domiciliadas em comarca diferente; (b) a incorporação e a cisão da pessoa jurídica, provocando alteração na sede; (c) o aumento do valor da coisa litigiosa; e assim por diante.50 468.2. Estado de direito – À época da formação do processo, a competência dos órgãos judicantes encontra-se abstratamente prevista, impedindo a perpetuação da competência o deslocamento da causa do juízo já fixado por força da lei superveniente. Por exemplo, as pretensões pessoais processam-se no juízo do domicílio do réu (art. 46, caput), não se aplicando a lei nova que permita ao autor ajuizar a demanda no foro do seu próprio domicílio. A perpetuação da competência imuniza o juízo contra as alterações da qualificação jurídica dos fatos afirmados pelo autor na petição inicial. A ação proposta na vara privativa das causas agrárias (art. 126 da CF/1988) não comporta deslocamento para a vara comum, embora a instrução demonstre que a relação jurídica das partes não exibe tal natureza.51 469. Exceções à perpetuação da competência O art. 43, parte final, ressalva duas ocorrências básicas perante as quais a perpetuação da competência não produz seu efeito típico: (a) supressão do órgão judiciário; (b) alteração da competência absoluta, ou seja, em razão da
matéria, da pessoa ou da função (art. 62). Elas enunciam diversas situações que excepcionam a imunidade da competência já fixada aos fatos e à lei (no sentido largo) supervenientes. 469.1 Supressão do órgão judiciário – Raro que seja o acontecimento, pois o sistema judiciário encontra-se em lenta, mas firme expansão do número de juízos, lei superveniente pode suprimir o órgão judiciário. Por exemplo, o baixo movimento forense indicou a necessidade de extinguir a comarca X, prevendo-se a remessa dos feitos pendentes para a comarca Y. O destino das causas pendentes no órgão extinto dependerá das disposições da lei nova. Em geral, a lei prevê a extinção imediata do órgão judiciário, e, nesta hipótese, a única solução consiste na remessa das causas pendentes ao novo órgão competente. Porém, deliberada a extinção progressiva do órgão judicante, os feitos pendentes permanecem no juízo até sua extinção. A extinção dos tribunais de alçada pela EC 45/2004 produziu um desses raros eventos de aplicação do art. 43, segunda parte, in fine, do NCPC. Os feitos pendentes (recursos e causas de competência originária) do tribunal extinto passaram, imediatamente, ao TJ. É verdade que esse processo implicou, ao fim e ao cabo, na simples transformação do juiz de alçada em desembargador e do órgão fracionário antigo (câmara, turma ou grupo de câmaras) em órgão fracionário do TJ, trocada a numeração (v.g., a 1.ª Câmara Cível do TA recebeu a designação de 22.ª Câmara Cível do agigantado TJ) e quase sem alteração da composição. Os feitos pendentes permaneceram vinculados aos relatores originários. Porém, nada impediria que ocorresse nova distribuição. 469.2. Criação de órgão judiciário – É admissível à lei, ao invés de extinguir, criar novo órgão judiciário, dotando-o de competência idêntica à do qual pendem causas. Embora não se exclua a criação de novos tribunais, como aconteceu na CF/1988, e, mais recentemente, através da EC 73, de 06.06.2013, todavia ainda não implantados, a de órgãos judiciários no primeiro grau, por intermédio da lei de organização judiciária, é bem comum. Essa instituição de novo órgão judiciário retira a competência de outro órgão, e, neste sentido, equivale à supressão parcial da competência. O caso mais comum é conhecido como desmembramento de comarca. Às vezes, a base territorial da comarca da Justiça Comum, sediada no município “x”, abrange os municípios “y” e “z”, mas o intenso movimento forense, a densidade populacional ou as aspirações políticas da comunidade, recomendam à lei local a criação de nova comarca no município “y”. Esse desmembramento não atingirá nos processos em curso na comarca “x” originária, conquanto, iniciados posteriormente à lei superveniente, o foro competente se localizasse na comarca “y”. Trata-se de consequência inconveniente, mas inexorável.52 O fato de a antiga comarca encontrar-se sobrecarregada não é razão bastante para excepcionar o efeito da perpetuação da competência. No entanto, tratando-se das causas mencionadas no art. 47, caput, em que o território (lugar de situação da coisa) recebe o tratamento natural da competência absoluta, os feitos pendentes deslocam-se para a nova
comarca.53 Decidiu o STJ: “A instalação de nova comarca, em cujo território se situa o imóvel objeto de reivindicatória, determina a modificação da competência”.54 A causa versando imóvel situado em ambas as comarcas, a antiga e a nova, permanece na primeira, porque a prevenção abrange totalidade do imóvel, a teor do art. 60 do NCPC (retro, 326). A higidez desses princípios cede, às vezes, a razões de conveniência dos órgãos administrativos dos tribunais, que remetem à nova comarca todas as causas em andamento na antiga e, de alguma maneira, vinculadas ao território da comarca nova.55 469.3. Modificações na competência absoluta – O art. 43, segunda parte, in fine, excepciona a perpetuação da competência nos casos de modificações na competência absoluta. É absoluta a competência inderrogável pela vontade das partes, ou seja, em razão da matéria, da pessoa e da função (art. 62). Leis supervenientes acerca da competência absoluta – inclusive a territorial (art. 47, caput) –,56 alcançam, imediatamente, os processos em curso, deslocando-os para o novo juízo competente. Por exemplo, a modificação da competência em razão da pessoa derroga a perpetuação da competência. O caso mais banal é o da intervenção do sujeito federal no processo pendente, deslocando a competência da Justiça Comum para a Justiça Federal, a teor do art. 109, I, da CF/1988.57 Esse assunto recebeu exame em item específico (retro, 388.6), analisando o art. 45 do NCPC. A natureza da regra que altera a competência absoluta há de ser simétrica à da regra que a instituiu. Por exemplo, na mesma comarca, a lei local de organização judiciária instituiu vara privativa para as causas de família e de sucessões. Lei posterior poderá repartir essa competência, remetendo à nova vara privativa das causas de sucessão, desse modo, todos os inventários e arrolamentos em tramitação na vara originária,58 salvo disposição em contrário – erigida, na maioria das vezes, para não atulhar imediatamente o novo juízo de numerosos processos. Dependendo da extensão outorgada ao princípio da pré-constituição do órgão judiciário, só os novos processos aportariam na vara criada posteriormente à distribuição, sob pena de subtração da competência do juiz natural (retro, 149). Exemplo significativo, na competência em razão da matéria, avulta na ampliação da competência da Justiça do Trabalho através da alteração do art. 114 da CF/1988 pela EC 45/2004. O STF decidiu que os processos em curso, mas não sentenciados, anteriormente da competência da Justiça Comum, deslocar-se-iam imediatamente para a Justiça do Trabalho.59 É digno de nota que a Constituição pode adotar critério diferente, como aconteceu no art. 27, § 10.º, do ADCT da CF/1988, que fixou nos órgãos de primeiro grau da Justiça Federal os feitos pendentes “até a data da promulgação da Constituição”, e conferiu competência do STJ para processar e julgar as rescisórias dos acórdãos do extinto TFR, “inclusive daquelas (causas) cuja matéria tenha passado à competência de outro ramo do Judiciário”. Em relação às causas em que ocorrera a emissão de sentença, e nas quais recursos pendiam no tribunal competente da Justiça Comum, não se alterou a competência hierárquica, determinada pela proveniência do ato decisório recorrível.60 Eliminada a competência do juiz que proferiu a sentença, proclamou o STF, “subsiste a competência recursal do tribunal respectivo”.61
A EC 45/2004 também transferiu do STF para o STJ a competência para homologar sentença estrangeira (art. 105, I, i, da CF/1988).62 Os pedidos em curso, no STF, passaram imediatamente ao STJ.63 O art. 1.057 adotou o trânsito em julgado dos acórdãos do STF no controle concentrado de constitucionalidade, após a vigência do NCPC, como o marco para aplicação do art. 525, §§ 14 e 15 e art. 535, § 7.º e 8.º, aplicando-se às decisões anteriores o regime antigo. As normas regimentais criam competência privativa ou concorrente, em razão da matéria ou em razão da pessoa, dos órgãos fracionários do tribunal. A mudança no regimento interno, redistribuindo a competência interna do tribunal, alcança os processos em curso. Por exemplo, o recurso interposto pelo município, e distribuído à câmara cível comum, passará à câmara cível especializada nos feitos da Fazenda Pública, salvo o caso de o julgamento já ter se iniciado.64 Essa hipótese raramente ocorre na prática. Os tribunais se mostram escassamente inclinados às redistribuições dos recursos e das causas entre seus integrantes, porque mudança beneficia alguns juízes, às vezes pouco operosos, em detrimento de outros com o serviço em dia. Por essa razão, a regra regimental superveniente explicita, de ordinário, cláusula de permanência dos feitos já distribuídos com o relator, e, conseguintemente, do órgão fracionário original. A instalação de vara federal na cidade em que tramita causa de competência da Justiça Federal, mas processada na vara da Justiça Comum por força do art. 109, § 3.º, da CF/1988, implica a imediata remessa de todos os processos pendentes ao novo juízo competente em razão da pessoa.65 É a diretriz chancelada pela Súmula do STJ, n.º 10, quanto à instalação (hoje) de vara trabalhista, subtraindo a competência do juiz de direito. Vale notar que os atos decisórios, proferidos enquanto houve competência federal ou trabalhista, permanecem válidos e eficazes. A declaração de inconstitucionalidade da regra de competência, no controle concentrado, porque dotado de eficácia erga omnes e ex tunc, sem a modulação do art. 27 da Lei 9.868/1999, importará o deslocamento dos feitos pendentes para o órgão competente segundo o regime legal pretérito. O STF pronunciou a inconstitucionalidade do art. 84, §§ 1.º e 2.º, do CPP, na redação da Lei 10.628/2002, que erigira competência originária do tribunal, “competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão de função pública”, então para processar e julgar ações civis de improbidade administrativa, nada obstante a cessação do exercício da função pública. Retornaram para o primeiro grau, por exemplo, as ações em que secretários estaduais figurassem como réus, e assim preservou-se a inteireza da aplicação do princípio. A competência do juízo da execução coletiva, firmada com base em critério territorial (v.g., na falência, o lugar do principal estabelecimento), é absoluta, e, portanto, atrairá as ações pendentes. Finalmente, a competência para processar e julgar mandado de segurança se baseia em dois fatores: (a) a qualidade federal ou local da autoridade; (b) a
graduação hierárquica da autoridade. Inserida, conforme este último dado, na competência originária dos tribunais, porque em razão da pessoa, revela-se absoluta. Logo, escapa à regra do art. 43, primeira parte, do NCPC. Por exemplo, desapareceu o cargo da autoridade que praticou o ato, absorvido por outro de maior hierarquia e sujeito à competência originária do tribunal. O mandado de segurança pendente deslocar-se-á para o órgão superior.66 É irrelevante, porém, o afastamento da pessoa natural do cargo, em cuja atribuição situa-se o ato praticado e objeto da impetração, porque a competência se define pela qualidade (e hierarquia) da autoridade, e, não, da pessoa investida em tal poder. Excepcionalmente, a lei considerou a matéria para definir a competência – no caso, da Justiça Eleitoral (art. 35, III, da Lei 4.737/1965) e da Justiça do Trabalho (art. 114, IV, da CF/1988). Também esses casos se mostram imunes à perpetuação da competência. § 104.º Conflitos de competência 470. Conceito de conflito de competência A primeira tarefa do órgão judiciário, ao receber o processo por distribuição (art. 284), onde houver mais de um juízo, consiste em verificar a própria competência. O controle oficial, no direito brasileiro, recai sobre a competência absoluta (infra, 490). Em princípio, ressalvada a hipótese excepcional da pronúncia da validade da cláusula de eleição de foro, também posta sob controle oficial (art. 63, § 3.º), ao órgão judicante é vedado prover de ofício acerca da competência relativa (Súmula do STJ, n.º 33). É possível o órgão judiciário, nessa tarefa básica e primária, reconhecer a própria incompetência liminarmente. Por exemplo, o órgão judiciário da Justiça Comum, identificando a presença de sujeito federal no polo passivo da petição inicial, declara a própria incompetência, initio litis, em atenção ao art. 109, I, da CF/1988, remetendo incontinenti os autos à Justiça Federal de primeiro grau (art. 64, § 1.º). Nada assegura, porém, o órgão judiciário da Justiça Federal esposar o mesmo entendimento, relativamente ao processo chegado à sua mesa após o ato decisório referido. Talvez entenda que, bem ao contrário, a causa se insira nas exceções arroladas no dispositivo constitucional, repercutido no art. 65, I e II, do NCPC, apesar de figurar como parte sujeito federal. Em tema de competência, e em mais de uma relevante questão, revelaram-se baldados os esforços de uniformização da jurisprudência. Perante esse desagradável impasse, a única atitude admissível do magistrado federal consiste na restituição do processo ao órgão de origem. Ora, este pode retaliar, de seu turno, e assim se estabeleceria incessante e insolúvel vai e vem dos autos. Essa hipótese típica, na qual dois órgãos judiciários rejeitam a própria competência, e prevista no art. 66, II, indica que outra deve ser a solução, a bem da economia e do prestígio da instituição judiciária. Concebendo-se divergência entre dois ou mais órgãos judiciários em torno da competência,
cada qual emitindo decisões contrastantes, antes de prosseguir o procedimento há a imperiosa necessidade de apurar qual seja o órgão judiciário competente. O agravo de instrumento, único recurso concebível, e atualmente inadmissível à luz do art. 1.015, porventura interposto contra uma e outra decisão, não garante desfecho seguro ao dissenso. Os próprios tribunais podem contribuir na preservação do impasse, e no seu agravamento, ao confirmarem a decisão do órgão judiciário que lhe é inferior. A solução da divergência, por um meio diferente do recurso próprio contra as decisões discrepantes tomadas, além de garantir o desfecho, também se justifica no viés prático. Não convém desperdiçar a atividade processual e o tempo das partes processando a causa no juízo absolutamente incompetente. Esse vício contaminará os atos decisórios, embora transitoriamente preservados, salvo deliberação em contrário, a bem da segurança jurídica (art. 64, § 4.º), e, na melhor das hipóteses, tornará rescindível o provimento de mérito transito em julgado (art. 966, II). Diz-se que há conflito de competência quando irrompe divergência entre dois ou mais juízos, no mesmo processo, quanto à aplicação das regras de competência absoluta. Esse dissídio não retrata conflito de “jurisdição”, posto que envolva, a mais das vezes, a competência entre as Justiças (v.g., órgão da Justiça Comum versusórgão da Justiça Federal). Era a imprópria designação conferida ao dissenso pelo art. 802 do CPC de 1939.67 Tampouco se confunde o conflito de competência com o conflito de atribuições, verificado entre autoridade administrativa e a autoridade judiciária. O conflito de atribuições não tem por objeto os atos jurisdicionais.68 O agente público não tem o poder de julgar, e, ao contrário, no Estado brasileiro, que adotou o princípio da unidade da jurisdição (retro, 179), a autoridade judiciária é superior à autoridade administrativa nas matérias de interesse desta última. Ocorre que o autogoverno da magistratura reclama a prática de atos administrativos por órgãos judiciários e, em relação a estes, concebe-se que haja dissenso quanto à competência para expedir o ato. Exemplo típico desse conflito é a disputa entre o Governador do Estado-membro e do Presidente do TJ no tocante à promoção dos juízes e das juízas no primeiro grau e ao provimento derivado dos magistrados de carreira nas vagas do próprio TJ. No âmbito da Justiça Federal, tais atos competem ao Presidente da República; no âmbito da Justiça Comum, entende-se que caibam ao Presidente do TJ. Em outro sentido, o conflito é o meio pelo qual se resolve o incidente provocado por dois ou mais órgãos judiciários,69 ou porque ambos se declaram incompetentes, ou porque ambos se declaram competentes. O conflito de competência envolve órgãos judiciários diferentes, no primeiro e no segundo grau, lotados ou não no mesmo juízo, jamais os juízes enquanto pessoas investidas em certo órgão judicante. Às vezes, o juiz que suscitou o conflito, titular de certo órgão, não mais lá se encontra, porque promovido, removido, afastado, aposentado ou falecido, quando enfim soluciona-se a questão. Esses eventos supervenientes, relativos à pessoa do magistrado, não se mostram idôneos a fazer cessar o conflito já instaurado e em processamento, ressalva feita, é claro, à retratação da decisão tomada. E
não importa a categoria dos magistrados envolvidos. Pode configurar-se conflito entre um pretor e um juiz de direito. A hierarquia (na relação vertical) pré-exclui o conflito entre o órgão judicante superior e o inferior. Não há, pois, conflito entre juiz de direito e o TJ ao qual se subordina.70 Por conseguinte, inexiste conflito de competência, do ponto de vista técnico, na hipótese de dois juízes divergirem a respeito do próprio desimpedimento, ou seja, da configuração, ou não, dos motivos de impedimento ou de suspeição quanto a um deles. E inexistia conflito, sempre nessa perspectiva, no caso de dois juízes dissentirem quanto à vinculação de um ou de outro ao julgamento da causa, como exigia o revogado art. 132 do NCPC.71 Esses conflitos resolviam-se na via administrativa. 471. Espécies de conflito de competência O art. 66 contempla duas espécies de conflito de competência: (a) positivo, quando dois ou mais juízos se declaram competentes (inciso I); (b) negativo, quando dois ou mais juízos se declaram incompetentes (inciso II). O conflito negativo é o mais comum. Por exemplo: (a) o empregador A ingressa na Justiça Comum contra o antigo empregado B, pleiteando a reparação do dano decorrente da apropriação de valores em conta corrente, supostamente a título de retribuição pecuniária, declarando-se incompetente tanto o juízo trabalhista, quanto o civil (a competência é do órgão trabalhista);72 (b) a viúva A ingressa contra o INSS, pleiteando pensão por morte em razão de acidente do trabalho, declarando-se incompetentes tanto o órgão judiciário da Justiça Comum, quanto o da Justiça Federal (a competência é da Justiça Federal).73 Em tais hipóteses, o conflito expressa-se em atos decisórios inequívocos, embora de conteúdo negativo, recusando-se os juízos envolvidos a processar e julgar as demandas. Quando receber processo, porque outro juízo declinou da competência, é dever do juiz, reconhecendo a própria incompetência, suscitar o conflito, salvo, por sua vez, declinação para terceiro juízo (art. 66, parágrafo único). É mais limitada a hipótese de dois ou mais juízos se declararem competentes (art. 66, I). Fica subentendido que, sem embargo das hipóteses de competência funcional horizontal (infra, 415), em princípio dois ou mais juízes declaram-se competentes no mesmo processo. Por exemplo, no mesmo juízo atuam pretor e juiz de direito, distribuindo-se entre eles os feitos em razão do valor e, nesse âmbito, em razão da matéria. Bem pode acontecer de tanto o juiz de direito, quanto o pretor oficiar em determinado processo, havendo divergência quanto à natureza da causa, se incluída, ou não, no âmbito das que incumbem ao pretor processar e decidir segundo a lei local. A essa hipótese calha, perfeitamente, a lição que inexiste necessidade de decisão explícita, afirmando a própria competência, pois a prática de qualquer ato significa a assunção da própria competência.74 O caso muda de figura quando se trata de dois processos distintos, instaurados perante órgãos judiciários distintos, a respeito da mesma lide – individualizada através dos seus três elementos: partes, causa petendi e pedido (art. 337, § 2.º). Nessa hipótese, estando em curso ambas as causas, o segundo processo incide num dos efeitos da litispendência: o veto à renovação da demanda em curso (art. 337, § 3.º). Para evitar o receio de
dualidade de decisões (convergentes ou não) sobre a mesma lide, conquanto ambos os juízes se declarem competentes para processar e julgar as causas, o remédio consiste na extinção do segundo processo, consequência prevista no art. 485, V. É matéria que cabe ao juiz do segundo processo conhecer ex officio (art. 337, VI, c/c § 5.º, e art. 485, § 3.º). Não há conflito de competência, porque a questão “não é saber se a causa deveria ter sido ajuizada perante A ou perante B, mas a que surge do fato de haver sido ela ajuizada duas vezes”.75 Se o juiz deste processo não extingui-lo, entendo que inexiste identidade das demandas, o remédio apropriado ainda não é o conflito positivo, arrimado no art. 66, I, mas o ulterior reexame da questão nas razões ou contrarrazões de apelação, porque não cabe agravo de instrumento. Pode acontecer de a dualidade subsistir, por qualquer motivo, e após o trânsito em julgado cogitar-se, in extremis, do chamado conflito de coisas julgadas, resolvido em favor do império da decisão tomada no primeiro processo. Do conflito positivo se cogitará apenas da hipótese de os juízos divergirem, expressamente, sobre qual dos processos precede ao outro em razão da prevenção. Por exemplo, o juízo A indefere o pedido de extinção do processo, entendendo que a distribuição ocorreu antes no “seu” processo, ou que o juízo B, de toda sorte, era absolutamente incompetente para processar e julgar a causa. Se o juízo B, por sua vez, inverter os termos das proposições do juízo A, entendendo que é o “seu” processo que dever prosseguir, porque precedeu ao outro, então “os dois juízes estarão disputando entre si a competência; e para decidir qual deles há de prevalecer, o conflito positivo será o meio adequado”.76 Resolvido o conflito, o processo que o órgão ad quem reconhecer como cronologicamente subsequente será extinto, retornando os autos à origem. Declara o art. 66, III, que há conflito “quando entre dois ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos”. Em tal hipótese, frustrou-se a cooperação acenada no art. 69, II. O dever de cooperação (art. 67) tem importante função no processo civil contemporâneo. Em inúmeras situações (v.g., o incidente de resolução de causas repetitivas), há que haver esforços conjuntos para dar correto encaminhamento aos feitos pendentes. Porém, e volvendo ao ponto, o art. 66, III, não contempla espécie autônoma de conflito. O dissenso em torno da reunião ou da separação de processos reduz-se às duas modalidades já identificadas. O mérito da regra reside na proclamação do evento.77 Por exemplo, no juízo A correm duas causas, x e y, mas o juízo B, divisando conexão com a causaz, reclama a remessa do processo x. É um conflito positivo: os dois juízos se declaram competentes. Se, inversamente, o juízo A, reconhecendo conexão entre o processo x e o processo z, que pende no juízo B, remete os autos para este, que rejeita a conexão, instala-se conflito negativo.78 A regra alude à reunião ou à separação dos processos como móvel da cizânia por razão simples. O movimento inicial do primeiro juízo predetermina se o contraste de decisões envolverá uma ou outra hipótese. Parece evidente que, no primeiro exemplo, a divergência surge acerca da reunião, pois esta é a reivindicação do juízoB, resistida pelo juízo A; no segundo exemplo, da separação, porque neste sentido o ato provocador da divergência.
O conflito pressupõe processos pendentes na hipótese do art. 66, III. Não há conflito, proclamou a Súmula do STJ, n.º 59, se um dos processos recebeu sentença com trânsito em julgado.79 Essa hipótese encontra-se prevista no art. 55, § 1.º, in fine, do NCPC. O conflito de competência preexiste à sua instauração formal. Esse aspecto sugeriu distinguir o conflito latente do conflito revelado pela instauração.80 Não tem maior utilidade. 472. Legitimidade para instaurar o conflito de competência O procedimento do conflito de competência é objeto do Capítulo V do Título I – Da Ordem dos Processos e Dos Processos de Competência Originária dos Tribunais – do Livro III da Parte Geral do NCPC. Era imprópria a localização da matéria no âmbito das regras de competência. Ficou aí localizada apenas a caracterização do conflito no art. 66. O art. 951, caput, legitima as partes, o Ministério Público e o juiz para suscitar o conflito. Exclui, portanto, os terceiros. Vale lembrar que o conceito de terceiro se obtém, universalmente, por exclusão. Só permanece nessa condição a pessoa que, embora admissível sua intervenção, voluntária ou provocada, ainda não figura no processo. O terceiro que já interveio transforma-se em parte. Por isso, legitima-se o assistente.81 A partir da intervenção voluntária, com efeito, o assistente torna-se parte, posto que secundária ou auxiliar. 472.1. Legitimidade do órgão judiciário – A legitimidade natural é a do órgão judiciário. O art. 951, caput, legitimou, concorrentemente, as partes e o Ministério Público para suplementar eventual omissão dos juízos contrastantes. O dever do órgão judiciário tem natureza primária. Ao receber processo declinada, em virtude da incompetência, ao órgão judiciário facultase declinar para um terceiro juízo; do contrário, entendendo ser o juízo incompetente, deverá suscitar o conflito (art. 66, parágrafo único). 472.2. Legitimidade do Ministério Público – A legitimidade do Ministério Público assenta no interesse público de assegurar tramitação válida ao processo. O art. 951, caput, legitima o Ministério Público na condição de fiscal da lei, ou seja, nas causas em que obrigatória sua intervenção, consoante o art. 178. Figurando como autor de ação civil pública, por exemplo, a legitimidade é idêntica à das pessoas naturais e jurídicas que atuam como parte, nos termos do art. 177. O art. 951, parágrafo único, determina a audiência do Ministério Público no conflito de competência, porque fiscal da ordem jurídica; porém, acrescenta que “terá a qualidade de parte nos conflitos que suscitar”, e, destarte, é ouvido nessa posição, sem embargo da audiência do procurador de justiça (art. 956), haja vista a diversidade de funções dos órgãos do Ministério Público. Não é incomum o órgão de segundo grau manifestar opinião discordante do órgão suscitante. 472.3. Legitimidade das partes – Legitima-se, conforme elucida o art. 851, caput, “qualquer das partes”. As partes têm interesse que o processo tramite no juízo competente. Evitam, assim, o vício dos atos decisórios (art.
64, § 4.º), que ensejará, não sendo corrigida a competência, a rescisão da sentença de mérito transitada em julgado (art. 966, II). Não importa que haja, precedentemente, alegado a incompetência absoluta (art. 337, II) e conexão (art. 301, VIII). Por essa via, o réu suscita, no espírito do julgador, a questão que, objeto de decisão, provocará o conflito, ocorrendo dissenso do outro juízo. A competência absoluta pode e deve ser conhecida ex officio. A atividade da parte é supletiva da atuação oficial, embora pautada pelo princípio da lealdade. O art. 952, caput, pré-exclui, senão a legitimidade da parte, no mínimo o interesse em suscitar o conflito, dispondo: “Não pode suscitar conflito a parte que, no processo, arguiu incompetência relativa”. Essa exceção processual integra, atualmente, a contestação (art. 337, II). É importante realçar que o dispositivo versa unicamente a competência relativa, porque só ela é objeto de exceção; a incompetência absoluta traduz objeção processual no contexto da defesa do réu. Não se aplica às hipóteses de incompetência absoluta, por essa razão, e, além disso, porque esta é matéria de ordem pública, em que a atividade da parte, de natureza supletiva à atuação oficial, não deve ser obstada.82 Segundo a conspícua opinião prevalecente, enquanto não houver resolução acera da exceção, o réu não pode requerer a abertura do conflito.83 Ora, nessa circunstância, ainda não há conflito, em tese, e a razão é curial: inexistem decisões contrastantes, no mesmo processo, de juízos diferentes. Há, sim, defesa do réu, versando o problema de competência. Resolvida essa questão, presumivelmente na decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, I), mas que pode ser imediata (art. 64, § 2.º), após audiência da parte contrária, e sem embargo da remessa dos autos ao outro juízo (art. 64, § 3.º), caso acolhida, e, principalmente, na hipótese de rejeição da defesa – por óbvio, não vinculado ao provimento do colega – em assumir a causa, verdadeiramente se caracteriza o conflito – divergência entre juízos, e, não, de entendimentos entre as partes e um juízo a respeito da competência. Pois bem. Se o juízo declinado aceita a causa, não há conflito, porque as decisões judiciais convergem no mesmo sentido; se o juízo declinado recusa a assunção da causa, parece irrecusável o interesse do excipiente, apesar de ter provocado as decisões contrastantes, em insistir no seu entendimento, resolvendo-o, definitivamente, através do conflito (art. 66, I). “Se se aplicar literalmente o art. 117”, ponderou-se, no direito anterior, perante regra idêntica ao art. 952 do NCPC –, “o excipiente não poderá suscitar o conflito perante o tribunal, o que será uma extravagância que não é lícito atribuir à lei”.84 Na verdade, portanto, a regra impede a convivência da exceção e do conflito, suscitados pela mesma parte, e, não, o uso sucessivo da exceção e do conflito.85 Por outro lado, o parágrafo único do art. 952 também não prima pela clareza, e, na verdade, deveria declarar exatamente o contrário. Recebidos os autos no juízo declinado, das duas uma: o juízo recusa a competência, presumivelmente perfilhando o entendimento do excepto, o interesse deste em fazer retornar o processo ao juízo de origem mostra-se manifesta, e o
meio hábil é a suscitação do conflito, e, não, a alegação da incompetência como preliminar na contestação (art. 337, II), porque desnecessária e inadmissível; o juízo aceita a competência, e a parte, porque vinculada ao provimento emitido na origem, não pode suscitar conflito. O campo de incidência do art. 952, caput, é bem restrito. Um exemplo almeja esclarecer o problema. Requerido o inventário em um juízo, mas apresentada a exceção de incompetência, e, neste interregno, requerido o mesmo inventário, por herdeiro diverso, em outro juízo, também considerado incompetente, o excipiente não pode suscitar o conflito, na hipótese deste último aceitar processar a causa.86 Incidindo o art. 952, de toda sorte, a parte pratica ato impertinente, supérfluo ou protelatório, provocando incidente manifestamente infundado, a teor do art. 80, V, sujeitando à sanção cabível. 473. Competência para julgar o conflito de competência O órgão judiciário competente para dirimir o conflito dependerá da qualidade e da categoria dos juízos envolvidos. É preciso que se revista de autoridade sobre os órgãos disputantes.87 Por conseguinte, competência informada pela hierarquia e absoluta. A competência do tribunal pode ser singular, ou seja, do relator (art. 955, parágrafo único), ou de órgão fracionário. 473.1. Conflito entre órgãos judiciários da mesma Justiça – A competência para resolver o conflito verificado entre órgãos judiciários da mesma Justiça (juiz de direito ou pretor x juiz de direto ou pretor; juiz federal x juiz federal), que é dirigido ao respectivo tribunal (art. 953, caput), é do TJ ou do TFR (art. 108, I, e, da CF/1988). O órgão fracionário competente dependerá do regimento interno de cada tribunal. É da competência do TRF da região a resolução do conflito instalado entre juiz federal e juiz de direito no exercício da competência federal (art. 109, § 3.º, da CF/1988). Dispõe a Súmula do STJ, n.º 3: “Compete ao Tribunal Regional Federal dirimir conflito de competência verificado, na respectiva região, entre juiz federal e juiz estadual investido de jurisdição federal”. Por igual, compete ao TRF julgar conflito entre juizado especial federal e juízo federal da mesma seção judiciária (Súmula do STJ, n.º 428). Vale ressaltar que, a despeito da competência inserida no art. 105, I, d, da CF/1998, o STJ firmou entendimento que inexistiria conflito entre TJ e os extintos TA, cabendo àquele, como órgão de cúpula da Justiça Comum, equacionar a dúvida de competência (Súmula do STJ, n.º 22). Não foram poucas as dúvidas de competência, apresentadas como sólido, mas falacioso argumento para extinguir os tribunais inferiores do Rio Grande do Sul, do Paraná, de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, porque tais controvérsias se mantiveram entre os órgãos fracionários dos encorpados TJ. Nos Estados-membros em que há Justiça Militar, e Tribunal Militar do Estado (TME), incumbirá ao TJ, na mesma linha de raciocínio, resolver os
conflitos entre os respectivos tribunais e entre o juiz auditor e o juiz de direito, em matéria criminal. 473.2. Conflito entre órgãos judiciários de primeiro grau de Justiças diferentes – Compete ao STJ, nos termos do art. 105, I, d, da CF/1988, decidir o conflito de competência entre juízes subordinados a tribunais diferentes (juiz federal x juiz de direito). Também é competente para resolver o conflito entre órgãos do Juizado Especial da Justiça Comum e juiz federal.88 Também o é para os conflitos entre órgãos (do primeiro e do segundo graus) da Justiça Especial federal e juiz federal, não obstante idêntica a respectiva região (Súmula do STJ, n.º 348). O STJ entende que a turma recursal do Juizado Especial da Justiça comum não é órgão judicante subordinado ao TJ. Então, disputa entre turma recursal e o TJ ou TRF configurará conflito “entre tribunal e juízes a ele não vinculados”, para os efeitos do art. 105, I, d, da CF/1988, atraindo a competência do tribunal superior para julgar o conflito de competência.89 Do mesmo modo, a resolução do conflito entre juízes de turmas recursais diferentes da Justiça Especial federal, embora da mesma região, incumbe ao STJ.90 Eventuais conflitos entre juiz de direito e juiz do trabalho tocam ao TRT da região (Súmula do STJ, n.º 180). 473.3. Conflito entre órgãos judiciários de primeiro grau e tribunais de diferentes Justiças – Incumbe ao STJ, ainda nos termos do art. 105, I, d, da CF/1988, julgar os conflitos de competência entre órgãos judiciários de primeiro grau (da Justiça Comum; da Justiça do Trabalho; da Justiça Federal; e dos Juizados Especiais, quer da Justiça Federal, quer da Justiça Comum), e tribunais aos quais não se encontram hierarquicamente subordinados. O caso mais comum reside no conflito entre órgãos da Justiça Especial e os TJ e TRF da região. 473.4. Conflito entre tribunais – Os conflitos entre tribunais de segundo grau da Justiça Comum e da Justiça Federal (TJ x TRF) são de competência do STJ (art. 105, I, d, da CF/1988). Já os conflitos entre tribunais superiores (STJ x TST) e entre tribunal superior e qualquer outro tribunal (STJ x TJ ou TRF) incumbe ao STF (art. 102, I, o, da CF/1988). O STF conhece de conflitos entre tribunal superior e juiz de primeiro grau a ele não vinculado (v.g., juiz de direito x TST),91 mas rejeita a existência de conflito em disputas de competência entre o STJ e TRF, porque estes se encontram subordinados àquele.92 473.5. Conflitos entre órgãos e juízes do mesmo tribunal – Os conflitos entre órgãos fracionários do mesmo tribunal (v.g., 1.ª Câmara Cível x 2.ª Câmara Cível), pouco importando a composição (câmara, turma ou seção); entre juízes do mesmo tribunal (desembargador ou juiz convocado A x desembargador ou juiz convocadoB); ou entre ambos (v.g., 1.ª Câmara Cível x desembargador A, integrante da 2.ª Câmara Cível), sem esquecer como figurante o Conselho da Magistratura, eventualmente, dotado de competência jurisdicional (art. 958), resolver-se-ão no órgão competente do respectivo tribunal, segundo o regimento interno do tribunal (art. 959).
É atribuição natural do tribunal pleno ou do órgão especial. Por exemplo, o regimento interno do STJ incumbiu a resolução desses conflitos à sua Corte Especial (art. 11, XII, do RISTJ). § 105.º Procedimento do conflito de competência 474. Forma da instauração do conflito de competência Os arts. 953 a 957 disciplinam o procedimento do conflito de competência. Os arts. 163 a 168, do RISTF, que é lei em sentido formal, ocupam-se igualmente do assunto. O conflito iniciará por provocação do legitimado, dirigida ao (presidente) tribunal competente (art. 953, caput, do CPC), o juiz por ofício (art. 953, I), as partes e o Ministério Público através de petição escrita (art. 953, II). A competência dos diversos tribunais concebíveis (TJ, TRF, STJ e STF) já recebeu exame no item precedente (retro, 391, 396 e 397). É claro que, apesar de o art. 953, caput, contemplar o endereçamento da peça ao tribunal, o processamento e o julgamento caberá a um relator, após distribuição (art. 954). A competência para processar e julgar o conflito subordina-se à regra regimental do respectivo tribunal. Razões de deferência recomendam o encaminhamento do ofício ou da petição ao presidente do tribunal, tout court, responsável, ademais, pela distribuição prevista no art. 930. Equivocado que seja o endereçamento do ofício ou da petição, por se tratar de competência absoluta, tocará ao presidente do tribunal errôneo remeter, ex officio, a peça ao tribunal competente, a teor do art. 64, § 3.º.93 O STJ, ao apreciar recurso especial, anulou acórdão do TRF, incompetente para processar e julgar o conflito, ordenando a classificação do feito como conflito de competência originário do STJ e a respectiva distribuição.94 Em ambos os casos, suscitado por ofício ou por petição, a peça há de ser fundamentada, conquanto sucintamente, com remissão às decisões contrastantes e aos respectivos fundamentos. 475. Instrução do conflito de competência O legitimado instruirá a peça com “os documentos necessários à prova do conflito” (art. 953, parágrafo único). Em termos literais, o dispositivo alude somente às decisões contrastantes, ou, na pior das hipóteses, uma decisão específica e atos que, no outro juízo, evidenciem a assunção da competência (v.g., a ordem de citar o réu no processo conexo). E aponta, indiretamente, que a única prova admissível é a documental. Por óbvio, a prova da existência do conflito revela-se necessária, mas jamais se mostrará suficiente à resolução do conflito em si. É preciso que o legitimado produza prova documental dos fatos que ensejam a aplicação desta ou daquela regra de competência. Para essa finalidade, no mínimo as cópias da petição inicial e da contestação, se apresentada, ou dos elementos
documentais que evidenciem a conexão entre dois ou mais processos, acompanharão a peça que instaura o conflito. É desnecessária a remessa dos próprios autos.95 O(s) processo(s) permanece(m) na origem. Por essa razão, o art. 955, caput, autoriza o relator a suspender os processos, no caso de conflito positivo, e designar um dos juízos para prover acerca de medidas urgentes. 476. Indeferimento liminar do conflito de competência Deficientemente instruída a peça, não se concebe que seja indeferida, pois o tribunal não pode, simplesmente, desconhecer a existência do conflito e, muito menos, deixá-lo sem a devida solução. Em tal contingência, o presidente do tribunal requisitará as peças necessárias para provar o conflito e as elucidativas para equacioná-lo a contento.96 O indeferimento liminar do conflito mostrar-se-á admissível, nada obstante, na hipótese de os documentos juntados demonstrarem, de plano, a inexistência do conflito. Por exemplo, juiz de direito que reclame do STJ a resolução de conflito com o próprio TJ ao qual se encontra subordinado. Esse ato é do relator (art. 955, parágrafo único, do NCPC), senão do presidente do tribunal, no recebimento do ofício ou da petição (art. 953, I e II). O art. 955, parágrafo único, autoriza o relator a indeferir o conflito, de plano, em duas hipóteses: (a) fundado em súmula do STF, do STJ e do próprio tribunal (inciso I); (b) fundado em tese firmada em julgamento de casos repetitivos (art. 928) e em incidente de assunção de competência (inciso II). Em relação às súmulas de jurisprudência dominante, ministraramse vários exemplos, em item anterior (retro, 473), da profícua, mas preocupante atividade dos tribunais superiores; quanto à hipótese versada no art. 955, parágrafo único, II, vale recordar que podem versar questões de processo. Impende ressaltar outras possibilidades. Ao relator caberá indeferir o conflito não caracterizadas as hipóteses do art. 66 ou suscitado em contrariedade ao art. 952,caput. O ato do relator comportará agravo interno para o órgão fracionário competente para o julgamento. 477. Distribuição do conflito de competência Recebida a peça, apta a ensejar a resolução do conflito, em termos, o presidente do tribunal ordenará a distribuição a um relator (art. 954), oportunidade em que o conflito receberá registro, identificação e numeração. Eventualmente, o próprio presidente assumirá a condição de relator, segundo a norma regimental, o que não dispensa o devido registro (art. 929) e a distribuição vinculada à presidência ou vice-presidência (art. 930). 478. Requisição de informações no conflito de competência Em seguida à autuação e à ordenação dos autos, o relator mandará ouvir os juízos em conflito, ou apenas o suscitado, se um deles for o suscitante,
com o fito de obter as informações pertinentes à espécie no prazo regimental (art. 954, caput). É possível colher considerações suplementares do suscitante, requisitando, ou não, a remessa de alguma peça importante dos autos. A regra indicou tão só o suscitado, atendendo ao quod plerumque fit, ou seja, a motivação do suscitante é conhecida, pois expressa no ofício instaurador, e bastante para provar o objeto da disputa. E inexiste razão plausível para limitar a faculdade aos conflitos suscitados por petição, seja da parte, seja do Ministério Público. As decisões proferidas talvez não se mostrem completas ou suficientes ao esclarecimento da questão de fato e da questão de direito. O relator fixará o prazo para o órgão judiciário prestar informações, inexistindo interregno específico no regimento interno. A ausência de informações, no prazo assinado, não importa preclusão, nem influirá no julgamento do tribunal.97 O juiz faltoso expor-se-á à sanção disciplinar porventura cabível. E a requisição poderá ser renovada – às vezes, o cartório de primeiro grau extravia o ofício do relator –, tantas vezes quanto necessário, até para caracterizar a desobediência. Espera-se das regras de cooperação (art. 69, III) facilidade nessa interação hierárquica. A falta das informações não impedirá o julgamento do conflito. É o que declara o art. 956, segundo o qual, recebidas as informações, ou sem elas, o relator ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias, após o que o conflito irá a julgamento. Claro está que o relator só levará o feito ao colegiado se não se caracterizarem os pressupostos do julgamento monocrático (art. 955, parágrafo único). O art. 956 esclarece que, em qualquer hipótese, a chegada das informações não se afigura imprescindível ao julgamento imediato do conflito. 479. Suspensão do processo no conflito de competência Cuidando-se de conflito positivo, porque dois ou mais juízos se declaram competentes (art. 66, I), o relator deverá suspender os processos. O verbo empregado no art. 955, caput, primeira parte, indicando faculdade, revela-se enganoso. É imperativo o relator suspender o(s) processo(s).98 E, com efeito, trata-se de impedir o desperdício de atividade processual e, sobretudo, a afronta à lógica do sistema processual, pois só em tese dois ou mais juízos não podem ser competentes, a um só tempo, para o mesmo processo, antes de se resolver qual deles tem competência.99 Segundo esse raciocínio, tratando-se de conflito negativo (art. 66, II), no qual dois ou mais juízos rejeitam a competência, tais condições não se reproduzem, razão pela qual desnecessária qualquer suspensão.100 Nenhum dos juízos, na pendência do conflito, proferirá atos incompatíveis, no futuro, com a resolução tomada pelo tribunal, declarando um deles competente. A única providência cabível será a designação de um dos juízes para prover a respeito de medidas urgentes, antecipando o alvitre do relator. A suspensão opera a partir da decisão do relator. Em outras palavras, produzirá efeitos ex nunc. Eventuais atos decisórios subsistem incólumes, a exemplo da liminar concedida por um dos juízos, que surtirá os efeitos que lhe
são próprios até a resolução definitiva do tribunal.101 Desaparecerão esses atos tão só após o tribunal declarar competente o outro juízo, sem embargo da possibilidade de preservação, como anuncia o art. 64, § 4.º. 480. Juízo competente para medidas urgentes no conflito de competência Em qualquer das espécies de conflito mencionadas no art. 66, o relator designará um dos juízos para prover a respeito das medidas urgentes (art. 955, caput, parte final). Esse dispositivo demonstra que a instauração do conflito não desloca o(s) processo(s) para o tribunal. Do contrário, tornar-se-ia competente o tribunal, através do relator, para resolver as medidas urgentes (art. 299, parágrafo único). É um bom motivo para impedir a remessa dos autos pelo juízo de primeiro grau. A redação do art. 955, caput, declara que a designação de um dos juízos em conflito atribui-lhe competência para determinar medidas urgentes em caráter provisório. Ora, a tutela de urgência se destaca, justamente, pelo caráter provisório, quer as satisfativas ou antecipadas, quer as cautelares (art. 294, parágrafo único). É preciso entender, atalhando a redundância intrínseca ao art. 955, caput, provisória a designação do juízo.102 Realmente, o relator de alguma forma prognostica o desfecho do julgamento do conflito, pois a designação recairá no órgão que provavelmente o tribunal declarará competente. Seja como for, os atos decisórios do juízo designado, decidindo por outro juízo o tribunal, mostrar-se-ão válidos, chegando os autos ao juízo competente.103 O objetivo da designação, a par de atender os anseios das partes por litisregulação, haja vista a pendência do(s) processo(s) e a fluência da vida, enquanto não se decide o conflito, consiste em evitar a alegação ulterior de nulidade, sem prejuízo de o julgamento do conflito pronunciar-se acerca da validade de outros atos (art. 957, caput). A suspensão do processo, ordenada no caso de conflito positivo, não impedirá a concessão das medidas urgentes, graças à ressalva explícita do art. 314. O emprego da palavra “medidas”, no art. 955, caput, mostra-se tecnicamente adequado. O juízo designado pode deferir medidas cautelares ou satisfativas. Outra vez se constata a falta de ajuste entre partes diferentes do NCPC. A rigor, o art. 955, caput, alude à tutela provisória de urgência. 481. Audiência do Ministério Público no conflito de competência Chegadas as informações, ou a despeito da recalcitrância do(s) juízo(s) requisitado(s), abstendo-se de acudir à requisição do relator, impõe-se abrir vista ao agente do Ministério Público (art. 956, primeira parte). O art. 951, parágrafo único, declara que o Ministério Público será ouvido em todos os conflitos, figurando como parte nos que suscitar. Desse modo, o fato de o agente de Ministério Público provocar o tribunal competente para resolver o conflito (art. 951, caput) não exclui a vista ulterior, no prazo fixado
no regimento, para rebater os argumentos dos demais figurantes no incidente ou reforçar as alegações iniciais. A intervenção do Ministério Público é na condição de fiscal da ordem jurídica (art. 178, I). Não importa que, originariamente, a causa se revele alheia às hipóteses de intervenção do art. 178. O incidente que controverte a legitimidade de dois ou mais órgãos judicantes para processar ou julgar o(s) processo(s) exibe interesse público mais do que suficiente para justificar, de per si, a participação do fiscal da lei.104 A manifestação exigida é do agente do Ministério Público que oficia no tribunal competente para julgar o conflito.105 O agente do Ministério Público que levou ao tribunal o conflito já se manifestou na petição mencionada no art. 953, caput, II, necessariamente fundamentada. E, seja qual for o entendimento nela esposado, o agente do Ministério Público que opinará, consoante o art. 956, primeira parte, tem independência jurídica e autoridade hierárquica para manifestar-se em sentido diferente ou oposto.106 O art. 956 satisfaz-se com a abertura da vista, remetendo-se os autos, mediante protocolo, para o Ministério Público. Concebe-se que os autos sejam devolvidos sem manifestação, ou que o Ministério Público descumpra o prazo de cinco dias previsto no art. 956, aliás exíguo. Nesta última hipótese, pode e deve o relator requisitar os autos (art. 180, § 1.º), considerando a urgência inerente à resolução dos conflitos de competência, que paralisam a normal tramitação do feito. Se for o caso de julgamento perante órgão fracionário do tribunal, o relator põe o conflito em mesa, oportunidade em que se afigura lícito ao Ministério Público manifestar-se oralmente. Nenhuma nulidade contaminará o julgamento, todavia, inexistindo a manifestação, escrita ou oral, porque a regra contenta-se com a oportunidade, não exigindo a efetiva manifestação. A abertura de vista ao Ministério Público, preconizada no art. 956, primeira parte, é dispensável, apesar dos termos peremptórios do art. 951, parágrafo único, configurando-se, na espécie, os pressupostos da decisão singular (art. 955, parágrafo único), ou seja, julgando o relator “de plano” o conflito da competência. Na verdade, o julgamento singular do conflito, nesta fase inicial, prescinde de todas as providências ulteriores (v.g., as informações do juízo suscitado). § 106.º Julgamento do conflito de competência 482. Julgamento colegiado do conflito de competência O julgamento do conflito de competência dar-se-á, em princípio, no órgão fracionário competente, segundo as normas regimentais, do tribunal encarregado de resolver o conflito. Por essa razão, o art. 956, segunda parte, autoriza o relator a apresentar o conflito em sessão de julgamento. Porém, à diferença do direito anterior, cumpre observar os arts. 934 e 935, ou seja, proceder-se à intimação das partes com a antecedência de cinco dias. É impossível, na sistemática do NCPC, decisão “surpresa”. Não há revisão. Mas, o relator lançará nos autos do incidente a exposição de que cogita o art. 937, caput.
O relator exporá aos demais integrantes do órgão fracionário do tribunal, na sessão de julgamento, os motivos da divergência entre os juízos, reproduzindo ou não o relatório escrito. Em seguida, proceder-se-á ao julgamento consoante as regras regimentais. A resolução é tomada por maioria simples. Declarado o resultado, o presidente da sessão designará o relator para redigir o acórdão, ou o autor do primeiro voto vencedor (art. 941, caput). Lavrado o acórdão, publicar-se-á a ementa no diário oficial (art. 943, § 1.º). Importa muito a redação precisa da ementa. O resultado repercutirá em casos análogos, e, por isso, não basta mais a publicação da conclusão (v.g., acolhimento ou rejeição do conflito). No entanto, acompanhando a frisante tendência de concentrar maiores atribuições na figura do relator, quebrando o caráter colegiado dos tribunais, o art. 955, parágrafo único, autoriza o julgamento singular do conflito. Não está claro se o ato necessita de ementa, mas costuma-se emprestar as decisões a forma do art. 489 – relatório, motivação e dispositivo –, em itens destacados, e não constituirá demasia o acréscimo da ementa. 483. Pressupostos competência
do
julgamento
singular
do
conflito
de
No direito anterior, o julgamento singular do conflito de competência se justificava tanto que houvesse “jurisprudência dominante do tribunal”. O que seja, todavia, jurisprudência dominante do tribunal, idônea a ensejar o julgamento singular, constituía problema aberto às mais variadas opiniões. Entende-se por tal a existência de um número apreciável de precedentes uniformes e reiterados no mesmo sentido.107 Não era necessária tese pacífica, bastando a atualidade, no sentido que o relator não podia basear-se em tese já vencida por precedentes posteriores. Era a jurisprudência que já poderia encontrar-se sumulada,108 mas não alcançara semelhante condição por falta de amadurecimento ou de oportunidade. Compreende-se que, localizada a noção de jurisprudência dominante um degrau abaixo, a que lhe avantaja – súmula do próprio tribunal ou de tribunal superior – também se prestasse a subsidiar a decisão singular do relator. O art. 955, parágrafo único, solveu o ponto, exigindo súmula (inciso I) ou precedente (inciso II). A interpretação iterativa da jurisprudência, consagrada na súmula, exerce papel essencial na aplicação do princípio da igualdade. Não se concebe, realmente, dois conflitos idênticos receberem soluções diferentes. Tal não pré-exclui a jurisprudência do próprio órgão fracionário integrado pelo relator (câmara, turma, seção ou órgão especial). E isso, porque a resolução equivalerá, nessas circunstâncias, objetivamente à do órgão fracionário que o regimento interno do tribunal encarregou de resolver tais conflitos de competência. Não é indispensável, portanto, que seja a jurisprudência do órgão especial ou do pleno.109 O órgão fracionário competente atua, de resto, como o “tribunal”, consoante o art. 101, § 4.º, da LC 35/1979. Existindo, porém, entendimento diverso do STJ ou do STF, já
não poderá o relator considerar como dominante a jurisprudência do próprio órgão. 484. Momento do julgamento singular do conflito de competência O art. 955, parágrafo único, autoriza o relator a julgar “de plano” o conflito de competência. Essa expressão significa que a resolução pode ser tomada ao primeiro contato com os autos, dispensadas as providências ulteriores, como a requisição de informações e a vista para o Ministério Público (art. 956). É o caso de os subsídios documentais anexados à petição revelarem, à primeira vista, a inexistência de conflito. Nada obstante, o conflito pode ser julgado singularmente em momento posterior, após as informações e a manifestação escrita do agente do Ministério Público, que alertaram o relator para os pressupostos do art. 955, parágrafo único. Além disso, o verbo empregado no art. 955, parágrafo único (“poderá julgar”), revela que se cuida de faculdade do relator. Não o impede de levar o processo à sessão de julgamento, nos termos do art. 956, segunda parte. 485. Conteúdo do julgamento singular do conflito de competência O ato do relator, ao julgar singularmente o conflito de competência, equivale ao órgão fracionário competente do tribunal. Em particular, não se exime o relator de declarar qual o órgão judiciário competente dentre os que se colocaram em conflito. Por isso mesmo, a decisão seguirá a forma usual – relatório, motivação e dispositivo (art. 489). 486. Recurso cabível contra o julgamento singular do conflito de competência Da decisão proferida pelo relator, singularmente, cabe agravo interno para o órgão fracionário competente (art. 1.021, caput). O prazo é de quinze dias (art. 1.003, § 5.º) contados da intimação da decisão no órgão oficial. A respeito dos requisitos de admissibilidade e do procedimento do agravo interno, não isento de dúvidas, é tema afeto à sistemática recursal. 487. Efeitos do julgamento do conflito de competência O julgamento do conflito de competência pelo relator ou pelo órgão fracionário do tribunal produzirá os seguintes efeitos: (a) declarará o órgão judicante competente, que pode ser um juízo distinto dos disputantes; (b) pronunciará a invalidade, ou declarará a validade dos atos do juízo incompetente; (c) ordenará a remessa dos autos, que permaneceram na origem, ao juízo competente, caso outro o seja (art. 957). O ato decisório se restringirá à questão de competência. Não cabe emitir qualquer juízo, positivo ou negativo, a respeito do mérito das decisões emitidas por um ou por outro órgão judiciário em conflito.110 Em certa oportunidade, o STJ rejeitou manifestação sobre a legitimidade do sujeito federal cuja presença justificaria, em tese, a competência do juiz federal.111 Cuidando-se de conflito positivo de competência, originário da
pendência de duas causas idênticas, conforme os elementos do art. 337, § 2.º, mas havendo divergência entre os juízos envolvidos a respeito de qual é a cronologicamente anterior, estimou-se possível que, dirimida a questão, o órgãoad quem promova a extinção do segundo processo.112 É preferível, entretanto, que os autos retornem à origem e nela seja preferida a sentença fundada no art. 485, V, assegurando ao vencido apelação, a mais não seja quanto ao capítulo acessório da sucumbência (art. 85). A força principal do órgão judiciário é mandamental.113 A finalidade precípua do conflito, declarando um dos órgãos competente, reside na resolução do problema de competência. Por conseguinte, reza o art. 957, caput, o tribunal declarará qual o órgão judicante competente. Fundamentalmente, porém, o órgão superior manda que um dos órgãos assuma a competência do(s) processo(s). Além disso, no conflito positivo de competência, há que deliberar acerca da validade, ou não, dos atos proferidos pelo juízo incompetente. Interessam, naturalmente, os atos decisórios, porque só estes, tratando-se de competência absoluta, podem ser invalidados (art. 64, § 4.º).114 A decretação da invalidade apontará os atos contaminados e os que, posto subsequentes, sejam incompatíveis com a invalidação (art. 282, caput). As decisões do juízo incompetente, mas designado pelo relator, cujo objeto sejam medidas urgentes, mostrar-se-ão necessariamente válidas. O tribunal oficiará, preferentemente por via eletrônica, aos órgãos judiciários em conflito – incluindo o afastado –115 a resolução e, ao juiz declarado incompetente, ordenará a remessa dos autos ao juízo competente. É aos autos do(s) processo(s) objeto do conflito que se refere o art. 957, parágrafo único. Dos órgãos judiciários envolvidos espera-se que acatem a resolução do tribunal. Assim, ao juízo declarado incompetente só resta enviar os autos ao competente. Eventuais atos decisórios proferidos, após a declaração da incompetência, mostrarse-ão nulos.116 E ao órgão judicante declarado competente resta conformar-se com a espinhosa assunção da competência, submetendo-se à resolução do conflito, e, não, suscitar novo conflito, perante outro tribunal, a evidenciar “insubordinação hierárquica”.117 A resolução do conflito por órgão fracionário de tribunal é recorrível. Cabem embargos de declaração. E, originando-se de tribunal de segundo grau (TJ ou TRF) não há impedimento algum à interposição do recurso extraordinário e do recurso especial, quer derivado da natureza do incidente, quer das letras dos arts. 102, III e 105, III, da CF/1988.118 Em mais de uma ocasião o STJ julgou recurso especial vertido do acórdão que julgou conflito de competência; por exemplo, para anular o julgamento, haja vista a falta de pronunciamento acerca da validade dos atos.119 A tese da irrecorribilidade, haurida do art. 807 do CPC de 1939, já não condizia com a admissibilidade constitucional do recurso extraordinário,120 à época, e, hoje, não tem o menor respaldo normativo. § 107.º Declaração da incompetência 488. Controle da competência no processo civil
A Seção III – Da Incompetência – do Capítulo I – Da Competência – do Título III do Livro II da Parte Geral especifica os meios para se reconhecer a incompetência do órgão judicante e, no caso positivo, os efeitos de tal pronunciamento. A seção engloba o cabimento do conflito de competência (art. 66). No entanto, esse incidente ocorre no tribunal e o sítio mais adequado para localizá-lo repontaria em outro sítio, como estabeleceu o NCPC.121 O motivo presumível para sua localização antiga residia nos efeitos do julgamento – a declaração do juízo competente. Desapareceu a regra relativa ao conflito de atribuições. O assunto era estranho à competência. Pertence aos domínios da universalidade da jurisdição no Estado constitucional brasileiro (retro, 187). Em matéria de controle de competência, interessa a distinção fundamental entre competência absoluta e relativa. O regime difere consoante se trate de uma ou de outra. 489. Controle da competência relativa O controle da incompetência, nos casos de competência relativa, subordina-se à iniciativa da parte. Essa é a regra fundamental. Em vez de exceção autônoma, o art. 337, II, prevê a alegação dessa defesa processual dilatória na própria contestação. Abstendo-se o réu de alegá-la, e até pode apresentar a contestação no juízo do seu próprio domicílio (art. 340, caput), ocorrerá a prorrogação da competência (art. 65, caput). Não é exclusiva, porém, a iniciativa do réu. Legitima-se, por igual, o Ministério Público (art. 65, parágrafo único), exercendo a função de fiscal da ordem jurídica. A competência relativa abrange as seguintes classes: (a) a competência territorial, a qual considera, principalmente, o domicílio, a natureza do bem e o lugar da situação; (b) a competência em razão do valor, estabelecida, fundamentalmente, no âmbito da Justiça Comum, nas leis de organização judiciária, mas só no sentido que a competência do juiz de direito abrange a do pretor, ou seja, “do mais para o menos”;122 e (c) a competência da situação do imóvel, nas hipóteses não mencionadas no art. 47, § 1.º. Em princípio, o juiz não pode declarar, ex officio, a incompetência relativa. É o que estabeleceu a Súmula do STJ, n.º 33. Não deixa de ser persuasivo, porém, o argumento que a competência é relativa, porque pode ser mudada mediante convenção das partes (art. 63, caput), e, não, porque escapa ao controle oficial.123Ademais, o juiz não pode ficar desarmado perante o desrespeito das regras de competência, instituídas, todas elas, mirando a melhor distribuição da justiça pública, e o interesse convergente das partes em sobrecarregá-lo com trabalho excedente à normalidade. Seja como for, o verbete inclinou-se pela opinião prevalecente.124Exceção à regra é o controle da cláusula de eleição de foro, a teor do art. 63, § 3.º, (retro, 464.1.3), geralmente em contratos de adesão. Em tal hipótese, cabe o controle ex officio, e a qualquer tempo, pois não se pode considerar preclusa tal possibilidade após a admissão (provisória) da inicial.125 O art. 65, caput, ocupa-se do efeito decorrente da falta de oferecimento da exceção de incompetência na contestação. Ficará preclusa a alegação posterior da parte. Competindo ao Ministério Público arguir a incompetência
relativa (art. 65, parágrafo único), e falando por último (art. 179, I), só depois dessa intervenção verificar-se-á o fenômeno da prorrogação da competência: o juiz, inicialmente incompetente, tornar-se-á competente, e, a partir daí, também se produzirá o efeito da perpetuação da competência (art. 43). A prorrogação da competência é concebível, nesses casos, porque se cuida de anulabilidade. O art. 65, caput, expressa, ao fim e ao cabo, o princípio da convalidação do anulável.126 Os efeitos da resolução tomada quanto à arguição da incompetência relativa, porque comuns aos da competência absoluta, mereceram regulação conjunta. É intuitivo que, rejeitada a exceção de incompetência, definitivamente, o ato declarará competente o órgão judiciário. O efeito do acolhimento da exceção de incompetência localiza-se no art. 64, § 3.º, segundo o qual “os autos serão remetidos ao juiz competente”. Em qualquer hipótese, trata-se de decisão interlocutória (art. 203, § 2.º), nas na sistemática do NCPC não comporta agravo de instrumento, ficando a questão, salvo ulterior suscitação de conflito pelo juízo declinado (art. 66, parágrafo único), para as razões ou contrarrazões da apelação. A condição dos atos decisórios (v.g., a tutela provisória) entrementes proferidos regula-se pela art. 64, § 4.º. Em princípio, salvo deliberação em contrário, subsistirão até ulterior deliberação do juízo competente, quiçá o que for designado pelo relator em eventual conflito (art. 955). Essa Seção III do NCPC focaliza, predominantemente, o processo de conhecimento, mas contém disposições gerais aplicáveis, subsidiariamente, ao processo de execução e ao processo cautelar. É indispensável afirmar a possibilidade de arguir a incompetência relativa, por meio hábil, em tais processos. 489.1. Cabimento da exceção de incompetência na execução – A alegação de incompetência é cabível, tanto na execução individual, fundada em título extrajudicial e no cumprimento da sentença (v.g., o errôneo emprego dos foros concorrentes do art. 516, parágrafo único), quanto na execução coletiva, vigentes os dispositivos vigentes do CPC de 1973 por força do art. 1.052 do NCPC. Neste último caso, o art. 756 do CPC de 1973 alude, explicitamente, ao art. 742 do mesmo diploma. A admissibilidade da exceção para arguir a incompetência na execução fundada em título judicial (art. 515) é flagrante, haja vista a existência dos foros concorrentes (art. 515, § 1.º), consoante o exemplo ministrado, e no caso dos títulos mencionados no art. 516, III, pois a competência regula-se pelas disposições do art. 781 e, se for o caso da decisão prevista no art. 961, § 4.º, segundo o art. 46, § 5.º. Existem, porém, algumas peculiaridades quanto à oportunidade da arguição e sua forma. 489.1.1. Momento e forma da exceção de incompetência na execução de título extrajudicial – O art. 917, § 1.º, V, prevê a alegação da incompetência absoluta ou relativa nos embargos. Logo, o executado oferecerá a exceção, assim chamada porque se cuida de defesa processual dilatória, na mesma oportunidade das outras defesas. Desapareceram as complicações do art. 742 do CPC de 1973.
Nada impedia, no direito anterior, o executado deduzir a exceção de incompetência antes do término do prazo.127 Em tal contingência, suspenderse-ia, até a solução do incidente em primeiro grau, o prazo para embargar.128 No entanto, o STJ alvitrou o seguinte: “A exceção de incompetência, no processo de execução, deve ser apresentada simultaneamente com o ajuizamento dos embargos. Apresentada em momento anterior, não tem o condão de suspender o prazo para o oferecimento daqueles”.129 O equívoco era flagrante. O precedente ignorava que o art. 791, II, do CPC de 1973 e a respectiva remissão expressa ao inciso III do art. 265 do CPC de 1973, prevendo a suspensão do processo “quando for oposta exceção de incompetência do juízo”, implicando a dos prazos. Logo se percebe a superioridade da sistemática do NCPC. O prazo é o dos embargos (art. 915, caput), ou seja, de quinze dias, contado segundo o art. 231. 489.1.2. Momento e forma da exceção de incompetência na execução de título judicial – Idêntico sistema de alegação da incompetência ocorre na execução de título extrajudicial, relativamente às prestações pecuniárias, a teor do art. 515, § 1.º, VI e art. 535, V, do NCPC. Varia o quantitativo do prazo quinze dias (art. 515,caput) e trinta dias (art. 535, caput). Nos demais procedimentos, caberá a alegação incidental, na forma do art. 518. 489.2. Cabimento da exceção de incompetência no processo cautelar – O art. 306 prevê a citação do réu, no processo cautelar, unicamente para “contestar o pedido”, no prazo de cinco dias, na tutela provisória de urgência cautelar. É o momento e a forma adequada para alegar a incompetência absoluta e relativa, a teor do art. 337, II, como já se entendida no direito anterior, naturalmente quanto à exceção autônoma.130 489.3. Condição dos atos decisórios proferidos pelo juiz relativamente incompetente – O interstício hábil para o réu oferecer exceção de incompetência, iniciado após a respectiva citação, cria ambiente propício à emissão de atos decisórios, principalmente liminares inaudita altera parte (tutela provisória de urgência), antes de o órgão judiciário declarar-se relativamente incompetente. Não se mostram diferentes, todavia, as situações verificadas na pretensão à segurança incidental (art. 294, parágrafo único), emitindo o órgão judiciário liminar satisfativa ou cautelar, e na execução, pois incumbe ao exequente pleitear medidas de urgência (art. 799, VIII). Em todos esses casos, interessa estabelecer a validade de atos decisórios e materiais (v.g., a penhora) de suma importância no curso do processo. Essa questão era tradicional na tutela cautelar e os subsídios aí oferecidos orientam a solução de outras hipóteses. O órgão judiciário incompetente para a causa principal às vezes conhece e defere provimento liminar na cautelar antecedente. A condição jurídica desse ato, após a declaração da incompetência, revela-se decisiva para as partes. Por exemplo, o credor obter arresto no lugar da situação dos bens, posteriormente preterido pelo lugar do cumprimento da obrigação, competente para a execução do título
extrajudicial. A eliminação do ato provocará o dano cujo receio motivou a iniciativa do futuro exequente. Cuidando-se de incompetência relativa, vigora o antigo brocardo quando est periculum in mora incompetentia non attenditur. O receio de dano justifica o provimento emitido pelo juízo incompetente. O provimento sobreviverá incólume ao deslocamento para o juízo incompetente, subsistindo íntegros seus efeitos. É o que decorre do art. 314. Declarada a incompetência absoluta, o ato que deferiu a liminar é nulo; porém, o art. 64, § 4.º, adotou o princípio da preservação do nulo, salvo deliberação em contrário, até ulterior resolução do órgão competente. No caso de o interessado requerer a medida cautelar no juízo que, a despeito da sua incompetência originária, praticaria o ato, por deprecação do juízo competente, admite-se a validade do ato.131 Equiparam-se, de toda sorte, as situações da incompetência absoluta e relativa. Sempre se tolerou que o juízo incompetente acautele o direito da parte perante urgência tão intensa que não permita a procura imediata de tutela jurídica perante o juízo competente.132 Era a solução acolhida perante o art. 682 do CPC de 1939.133 Fez-se célebre o exemplo da compra e venda de animais, apascentados no longínquo domicílio do vendedor, entrementes configurado o risco de desvio do gado: os trâmites exigidos para obter a medida, no foro competente, e expedir a carta precatória, remetendo-a ao juízo do lugar do perigo, talvez ensejassem o comprador visualizar o gado virado em bife.134 Exageros à parte, eventual inobservância do foro competente, em casos análogos, regular-se-á segundo as regras já traçadas. Os decisórios proferidos pelo juiz relativamente incompetente hão de ser mantidos.135 Não todos, porém, mas só os atos fundados no receio de dano (quando est periculum in mora incompetentia non attenditur). 490. Controle da competência absoluta A competência absoluta abrange as seguintes classes: (a) a competência em razão da matéria; (b) a competência em razão da pessoa; (c) a competência em razão da função (ou hierárquica); e (d) a competência da situação do imóvel, nos casos expressos no art. 47, § 1.º (v.g., na ação reivindicatória). Em tais hipóteses, a vontade das partes, embora convergente, não logra modificar, por convenção escrita, a disciplina da competência (art. 62). O predomínio do interesse público, nesses casos, autoriza o juiz a declarar a própria incompetência ex officio. Além disso, supletivamente a parte poderá alegá-la, em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 64, § 1.º). É tão grave o vício que contaminará a sentença de mérito proferida por juiz absolutamente incompetente, após o trânsito em julgado, que enseja a rescisão do julgado (art. 966, II). Por essa razão, o órgão judiciário, vigilante quanto à própria competência, há de encarar o tema proposto à sua decisão e as partes arroladas na inicial e prover a respeito ao primeiro contato com a inicial, antes de proferir qualquer decisão (v.g., tutela provisória de urgência), declarandose incompetente. Não importa que as partes estejam em desacordo e se
oponham, veementemente, à declaração da incompetência.136 É dever do órgão judiciário em qualquer grau de jurisdição. Todavia, há casos duvidosos que não permitem juízo definitivo. Por exemplo, o advogado prestou serviços advocatícios em caráter não eventual, com ou sem subordinação, e, mesmo neste último caso, a redação vigente do art. 114 da CF/1988 atraiu, ou não, essa causa à competência da Justiça do Trabalho, suscita opiniões muito diferentes. A propensão intelectual dos juízes do trabalho recomenda o ingresso da causa na Justiça do Trabalho, apesar do prevalecente entendimento em contrário quanto à competência. Desse modo, as controvérsias acerca da competência absoluta acompanharão todo o processo e, graças à suscitação de conflito, cuja resolução é demorada, emperram a causa até o intolerável. Seja como for, o ato do juiz de primeiro grau da Justiça Comum que se declara competente, ou incompetente, constitui decisão interlocutória, a teor do art. 203, § 2.º, passível de reexame ulterior. Não é motivo para extinção do processo (infra, 642). 490.1. Forma e momento da alegação da incompetência absoluta – Incumbe à parte alegar a incompetência absoluta na contestação. A incompetência absoluta é questão preliminar, inserida no gênero defesa processual dilatória, constando do art. 337, II. Constitui ônus do réu, portanto, abrir a contestação com essa objeção processual dilatória de suma importância. Todavia, a primeira oportunidade para o réu se manifestar nos autos configura-se, eventualmente, antes do término do prazo de contestação. Por exemplo, o órgão judiciário concedeu tutela provisória de urgência incidental (art. 294, parágrafo único), cujos efeitos gravosos exigem a interposição imediata do agravo de instrumento. Em tal hipótese, preliminarmente, alegará a incompetência absoluta, cabendo ao tribunal conhecer do recurso, nada obstante entenda-a configurada – somente o tribunal a que se subordina o órgão judiciário de primeiro grau tem competência para invalidar seus atos –, e provê-lo, ao efeito de desconstituir o ato decisório e remeter a causa ao juízo competente. Não é só nas razões do recurso que a parte pode alegar a incompetência absoluta no tribunal. Não existe maior rigor formal. É admissível suscitar a questão por intermédio de petição avulsa, dirigida ao relator ou ao órgão fracionário, e até na própria sessão de julgamento, tomando o advogado a palavra pela ordem, requerendo o exame preliminar da questão.137 A esse propósito, o art. 64, § 1.º, declara, peremptoriamente, que a incompetência pode ser arguida “em qualquer tempo e grau de jurisdição” – portanto, enquanto não sobrevier o trânsito em julgado.138 A alegação tardia só provocará, conforme entenda-se haver intuito protelatório, sanção processual ao retardatário, mas não impede a arguição, nem desobriga o tribunal de examiná-la fundamentadamente. No direito anterior, recomendava-se encarar com indulgência o errôneo emprego da exceção de incompetência autônoma, posto que desnecessária,139 dela conhecendo o juiz ou o tribunal. O princípio da
instrumentalidade de formas chancela a solução, ainda concebível, por força do costume haurido do CPC de 1973 pelos menos avisados. Importa resolver o problema e, não, abafar o vício da incompetência absoluta. Em princípio, no âmbito dos recursos especial e extraordinário, o entendimento prevalecente exclui a alegação inovadora da incompetência absoluta, porque a devolução restringir-se-ia, no caso, tão só à questão (constitucional ou federal) decidida, porque prequestionada, e recorrida. A rigidez desse entendimento deveria ceder, no caso de incompetência absoluta, por razões superiores. Corretamente, o STJ já anulou acórdão do TJ ante a superveniente declaração de inconstitucionalidade dos parágrafos primeiro e segundo do art. 84 do CPP, na redação da Lei 10.628/2002.140 O trânsito em julgado impede a arguição da incompetência absoluta no mesmo processo.141 O vício se transformará em causa de rescisão do julgado (art. 966, II). É competente para processar e julgar semelhante remédio o tribunal ao qual se subordina, hierarquicamente, o juiz de primeiro grau, ou o tribunal superior, se conhecido recurso extraordinário ou recurso especial. Assim, julgada na Justiça do Trabalho causa estranha ao art. 114 da CF/1988 (v.g., o pedido formulado por servidor público de vantagens alusivas ao vínculo estatutário) é competente para rescindir a sentença de mérito, proferida por juízo competente em razão da matéria, o TRT da região ou o TST, conforme o caso. Evidentemente, o tribunal rescindirá o julgado, pronunciará a invalidade dos atos decisórios, e, impedido de proferir ojudicium rescissorium, ou seja, de julgar outra vez o pedido, haja vista a incompetência,142 remeterá a causa ao juízo competente de primeiro grau. 490.2. Legitimidade para alegar a incompetência absoluta – Em princípio, o autor resolve o problema de competência previamente à propositura da demanda, endereçando-a ao órgão judiciário competente (art. 319, I). Por conseguinte, incumbirá ao réu, divergindo do resultado, arguir a incompetência absoluta, e, por essa razão, o art. 337, II, situa tal questão como preliminar da contestação. Não há óbice algum para terceiros arguirem a incompetência absoluta, no momento da respectiva intervenção, ou o agente do Ministério Público, nas causas de sua intervenção obrigatória (art. 178). Um dos aspectos que o Ministério Público, na qualidade de fiscal da ordem jurídica, sempre levará em conta é a competência. Tem legitimidade, inclusive, para arguir exceção de incompetência relativa (art. 65, parágrafo único).143 O próprio autor, arrependido da má escolha do órgão judiciário, pode arguir a incompetência absoluta,144 sujeitando-se, eventualmente, a sanção processual por sua conduta desconforme com o dever de probidade (art. 5.º). 490.3. Efeitos do reconhecimento da incompetência absoluta – O reconhecimento da incompetência absoluta produz vários efeitos. Em primeiro lugar, deixando a parte de arguir a questão em boa hora, talvez responda por dano processual. Em geral, a alegação serôdia das questões de ordem pública (pressupostos processuais e condições da ação), que o juiz há de conhecer ex officio, não sujeita a parte a sanção alguma no vigente NCPC.
Ademais, o ato que proclamar a incompetência absoluta implicará a nulidade dos atos decisórios. Se a sentença de mérito, proferida por juízo incompetente, agasalha vício tão grave que convola-se em causa da rescindibilidade (art. 966, II), não é outra a condição do ato decisório enquanto pender a causa. O vício abrange os atos incompatíveis com a pronúncia da invalidade. Compreendida literalmente, a regra anterior já expressava o princípio da redução do nulo.145 Nem toda a atividade pretérita desenvolvida no processo acabará desperdiçada. Os atos materiais do órgão judiciário absolutamente incompetente, como os que produziram a prova oral, pericial e a inspeção judicial, permanecem incólumes. Também os atos postulatórios porventura praticados (v.g., a contestação).146 E, no que tange aos próprios atos decisórios, cumpre distinguir as hipóteses, para os efeitos do art. 64, § 4.º. A incompetência absoluta pode surgir por motivo superveniente. Por exemplo, a intervenção de sujeito federal no processo (retro, 388.3). Ora, toda nulidade corresponde a um vício contemporâneo à formação do ato ou do negócio jurídico. Não há nulidade por motivo superveniente.147 Por essa razão, nas exceções admissíveis à regra da perpetuação da competência (art. 43), principalmente nas modificações supervenientes do estado de direito em tema de competência absoluta, os atos decisórios, emitidos até o momento da alteração da competência, subsistirão íntegros, porque existentes e válidos. É o que se deduz, dentre outros casos, da diretriz esposada pela Súmula do STJ, n.º 10, no que tange à criação (hoje) de vara trabalhista, cessando a competência delegada do juiz de direito da Justiça Comum. A competência de “jurisdição” por causa superveniente não retroage para desconstituir os atos decisórios. O princípio da economia recomenda, ao contrário, a manutenção desses atos. No que tange à incompetência absoluta originária, a regra anterior à do art. 64, § 4.º, contribuiu, decisivamente, para turvar a compreensão do problema atinente à condição jurídica dos atos decisórios após o reconhecimento da incompetência absoluta. Na realidade, o dispositivo não podia ser aplicado inflexivelmente. Por óbvio, o ato através do qual o juiz decreta sua própria incompetência não é nulo, nem anulável. Além disto, cabe ao Tribunal se pronunciar, no conflito de competência e a teor do art. 957, caput, acerca da validade dos atos decisórios, deixando entrever que a invalidade não subsistirá em alguns, quiçá em nenhum deles, porque ocorrerá a convalidação: o vício existiu, mas princípios superiores recomendam a sua superação em concreto. Em tal caso, como já se sublinhou, os atos urgentes praticados pelo juiz que recebeu a incumbência de prover a respeito, na pendência do processo, escaparão à invalidade. Enfim, a teor do art. 957, caput, assegura que “nem sempre os atos decisórios serão nulos” (rectius: o tribunal decretará a invalidade).148 Em várias situações ocorrerá a convalidação do ato ou erguer-se-á alguma barreira à invalidade, a exemplo da ausência de prejuízo e do preenchimento da finalidade do ato. Por esse motivo, incumbe ao órgão judicante, após reconhecer a própria incompetência, declarar a extensão da nulidade, a teor do art. 282, situação rara, porque os juízes se demitem dessa relevante prerrogativa.149
Um exemplo significativo ilustra a manutenção de atos decisórios proferidos pelo juízo incompetente. O 64, § 4.º, ao aludir a “decisão”, preserva os chamados atos materiais, a exemplo da produção de prova. Ora, uma das etapas na prova é a sua admissibilidade, objeto de decisão do juiz. Se, por exemplo, o juiz deferiu a perícia, entendendo-a indispensável ao esclarecimento da questão de fato, tal decisão subsistirá, merecendo aproveitamento, sob pena de contaminar-se, inutilmente, a própria prova pericial. Compete ao juízo incompetente, por conseguinte, ressalvar essa decisão interlocutória, com base no art. 282, antes de remeter os autos ao juízo competente. Não se coaduna com o princípio da economia recomeçar o processo do ponto zero.150 Como quer que seja, o reconhecimento da incompetência absoluta no juízo de primeiro grau jamais implicará a extinção do processo.151 No máximo, ocorrerá a invalidação dos atos incompatíveis, segundo a cláusula inicial do art. 64, § 4.º, e a remessa dos autos ao juízo competente. A esse respeito, prodigalizaram-se as sentenças extintivas, fundadas em incompetência absoluta. Nada mais equivocado à luz do princípio da universalidade da jurisdição. Decidiu, com razão, o STJ: “A incompetência absoluta não é causa de extinção do feito sem julgamento mérito”, porque não arrolada “como tal no art. 267, CPC {de 1973}, não podendo considerar-se, outrossim, que esteja subsumida na previsão do inciso VI desse artigo”.152 Falsos casos de extinção do processo em razão da incompetência absoluta perturbam, mas não afastam a diretriz aqui encampada. Assim, na errônea indicação da autoridade coatora, que implica a extinção do processo, o motivo real é a ilegitimidade passiva,153 porque a autoridade errada não pode desfazer o ato da autoridade competente para emiti-lo. A competência para praticar o ato administrativo constitui um dos aspectos do mérito da causa. E a extinção da rescisória, proposta no tribunal errado, funda-se na impossibilidade jurídica do pedido formulado, e, não, na incompetência absoluta.154 Exceções a essa regra hão de ser expressas: nos juizados especiais, a teor do art. 51, III, da Lei 9.099/1995; na causa ajuizada no STF, a teor da interpretação prevalecente do art. 21, § 1.º, do RISTF.155 Neste último caso, o tribunal de cúpula evita resolver diretamente dúvidas de competência – o autor, sem resolver o problema de competência, ingressa diretamente no STF, para que este defina a questão e remeta o processo para o órgão competente. Segundo o STF, o art. 21, § 1.º, do RISTF, que permite o relator negar seguimento a recurso ou causa, quando manifesta a incompetência do tribunal, não determina que o relator indique o órgão competente, aduzindo: “Com tal entendimento, que é correntio na jurisprudência da Corte, evita-se que esta seja transformada em orientadora da parte sobre qual o Juízo competente para o exame do processo, quando é aquela é que deve saber qual deles seja, e a este cabe verificar se é mesmo o competente, encaminhando a outro o processo, quando assim lhe parecer. Se houver necessidade, será suscitado Conflito de Competência ou de Jurisdição, que pode vir a esta Corte, sob determinadas circunstâncias”.156 Fora daí, o juízo incompetente remeterá o processo ao juízo que estimou competente (art. 64, § 3.º). Todavia, o “juiz competente” (rectius: juízo), mencionado na regra, “o é na ótica do magistrado remetente, pois outro pode
ser o entendimento de seu colega, fato que gera conflito de competência negativo (art. 66, II).157 490.4. Recursos cabíveis contra o provimento sobre incompetência absoluta – Como já se explicou, o acolhimento ou a rejeição da arguição da incompetência absoluta, no primeiro grau, representa decisão interlocutória (art. 203, § 2.º). Não é, entretanto, passível de agravo de instrumento, salvo na execução e no cumprimento da sentença (art. 1.015, parágrafo único). Porém, extinguindo o juiz o processo, em lugar de remetê-lo ao órgão competente (art. 64, § 3.º), resta à parte vencida interpor apelação, que é o recurso cabível contra sentenças terminativas (art. 485 c/c art. 1.009), embora inadmissível e injustiçado o teor da resolução. Feita a arguição diretamente ao tribunal, da decisão do relator caberá agravo interno; da resolução tomada pelo órgão fracionário, um dos recursos de estrito direito (extraordinário ou especial), respeitados os respectivos pressupostos. 491. Efeitos da incompetência nos juizados especiais A incompetência dos juizados especiais em razão do valor, em razão da matéria e em razão da pessoa tem regime diferente do comum. Fora da hipótese de conciliação, em que se convola a competência, o reconhecimento da incompetência implicará a extinção do processo, porque inadmissível o processamento da causa no juizado especial. As regras de competência, relativamente aos juizados especiais, funcionam como autêntica “regra de acesso” ao meio alternativo de resolução dos conflitos. O juiz pronunciará ex officio a incompetência. É a consequência prevista, por igual, nos casos de competência relativa (territorial), a teor do art. 51, III, da Lei 9.099/1995. Na hipótese de desatenção às regras de competência, chegando o provimento a transitar em julgado, revelar-se-á ineficaz a sentença no que exceder ao teto (art. 39 da Lei 9.099/1995) e totalmente ineficaz no caso de o provimento ingressar em matéria vedada no juizado especial.
Capítulo 28. COOPERAÇÃO NACIONAL SUMÁRIO: § 108.º Cooperação nacional – 492. Formas de cooperação jurisdicional – 493. Espécies de cartas – 493.1. Carta de ordem – 493.2. Carta precatória – 493.3. Carta rogatória – 493.4. Carta arbitral – 494. Requisitos das cartas – 494.1. Indicação dos juízos remetente e destinatário – 494.2. Reprodução das peças fundamentais – 494.3. Indicação do objeto da carta – 494.4. Encerramento e assinatura do juízo de origem – 494.5. Reprodução de peças eventuais – 494.6. Constituição – 495. Prazo das cartas – 495.1. Critérios da fixação do prazo – 495.2. Consequências do vencimento do prazo – 495.3. Consequências da falta de prazo – 495.4. Intimação e cooperação das partes – 496. Caráter itinerante das cartas – 497. Modos de expedição das cartas – 497.1. Pressuposto da forma excepcional – 497.2. Exemplificação dos meios da forma excepcional – 497.3. Conteúdo da carta na forma excepcional – 497.4. Cumprimento da carta na forma excepcional – 498. Recusa de cumprimento da carta precatória – 498.1. Natureza do ato de recusa do juízo deprecado – 498.2. Casos explícitos de recusa do juízo deprecado – 498.2.1. Falta dos requisitos essenciais – 498.2.2. Incompetência
do juízo deprecado – 498.2.3. Dúvida acerca da autenticidade da carta – 498.3. Casos implícitos de recusa do juízo deprecado – 499. Cumprimento e restituição das cartas. § 108.º Cooperação nacional 492. Formas de cooperação jurisdicional A atividade processual do juiz desenvolve-se no âmbito do território demarcado na lei de organização judiciária. Em tal lugar predeterminado, a esfera espacial do juízo, a pessoa investida na função judicial praticará seu ofício nos limites da respectiva competência. E as demais pessoas, auxiliares e colaboradores da justiça, partes e terceiros, têm o dever de colaborar nesses misteres, cumprindo as ordens judiciais com exatidão e prontidão. Fora dessa área geográfica, entretanto, desaparece a jurisdição do juiz, que passa a ser “homem comum, sem qualquer parcela de poder”.1 Entretanto, corriqueira é a necessidade de praticar atos processuais em outros lugares, distintos do território (comarca, seção ou subseção judiciária) do juízo da causa, porque nem todas as pessoas residem e se encontram no território do juízo (comarca ou seção judiciária), ou bens e coisas necessárias aos objetivos do processo situam-se fora dessa área. Fatos dessa natureza constrangem o órgão judiciário a pedir a cooperação de outro juízo competente territorialmente. Em virtude de cinco motivos distintos, mas complementares, a cooperação de outro órgão judiciário torna-se imperativa: (a) os limites da soberania nacional, que abrangem o território da Nação, e, não, aliunde; (b) o caráter territorial da jurisdição; (c) a hierarquia entre os órgãos judiciários; (d) o modelo federativo do Estado brasileiro; (e) a divisão do Poder Judiciário em cinco ramos, compreendendo o expressivo número de 91 (noventa e um) tribunais. Parece curial a existência de um enorme déficit de comunicação entre os órgãos judiciários. Para permitir o diálogo, sobretudo, e a cooperação recíproca, o art. 67 instituiu o dever geral de cooperação, abrangendo quaisquer tribunais e juízos, incluindo os respectivos órgãos auxiliares. O que importa, formulado o pedido de cooperação para a prática de ato processual (art. 68), não é tanto a recomendação programática de que há de “ser prontamente atendido” (art. 69), nem sempre praticável, mas a concertação de dois ou mais juízos (art. 69, IV). Os atos passíveis de cooperação são os do art. 69, II e III, e § 2.º, I a VII, abrangendo: (a) a citação, intimação ou notificação; (b) a obtenção e apresentação de provas ou a coleta de depoimentos; (c) a efetivação de tutela provisória; (d) a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas; (e) a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial; (f) a centralização de processos repetitivos; e (g) a execução de decisões. A enumeração é exemplificativa. À base de tudo, localiza-se o estímulo ao diálogo eletrônico. Assim, a transferência de numerário entre o juízo da falência e o juízo trabalhista – o art. 69, § 3.º, acena com a cooperação entre órgãos de diferentes
competências de jurisdição –, a fim de satisfazer créditos privilegiados, até o limite legal, pode ser concertada através da troca de mensagens eletrônicas. Em vez de relutar o juízo A em remeter a ação conexa para o juízo B, por exemplo, tal reunião pode ser esclarecida mediante troca de mensagens entre os dois juízos (art. 69, II). Informações relevantes para a prática da citação, localizando o novo domicílio do réu, podem ser obtidas da mesma forma (art. 69, III). O auxílio direto (art. 69, I) é a comunicação entre juízos para coleta de informações e a prática de atos processuais sem (a) a necessidade de cumprir ato do outro juízo e (b) a barreira da hierarquia sem a necessidade de cumprimento do ato de outro juízo. Essa última característica indica que cooperação não se estabelece apenas no nível horizontal, mas ocorre também no âmbito vertical. O melhor exemplo é o da busca e apreensão do menor, transferido de um Estadomembro para outro, desrespeitando a guarda anteriormente fixada. Em lugar de expedir carta, o juízo A, recebida a reclamação do guardião, pede ao juízo B, de outro Estado, a prática do ato. Logo salta à vista, entretanto, a difícil conciliação dessas providências com os direitos fundamentais processuais. As medidas do art. 69, I a IV, e § 1.º, necessitam documentação adequada e, mais das vezes, subordina-se à iniciativa da parte. O juízo A não pode solicitar a cooperação do juízo B para apreender a criança senão por pedido do guardião. Em algum momento ulterior, o contraditório, tão caro ao NCPC (arts. 9.º e 10) há de ser respeitado. Explica-se, destarte, a necessidade de o art. 69, § 1.º, proclamar a estrita observância das normas do NCPC quanto às cartas de ordem, precatória e arbitral. E, com efeito, devendo realizar-se atos processuais “fora dos limites territoriais do tribunal, da comarca, da seção ou da subseção judiciárias” será expedida carta, reza o art. 236, § 1.º, e quanto aos atos fora da sede do tribunal, expedir-se-á carta a juízo a ele vinculado (art. 236, § 2.º). São quatro as espécies de cartas previstas no NCPC: (a) carta rogatória (art. 36); (b) carta precatória (art. 236, § 1.º); (c) carta de ordem (art. 236, § 2.º); e (d) carta arbitral. Essas espécies são mencionadas no art. 237, acrescentando o parágrafo único a hipótese de delegação da competência federal a juízo da Justiça Comum do lugar em que não haja vara federal. A novidade é a carta arbitral. O tribunal arbitral só tem competência na função de conhecimento e, portanto, indispensável a cooperação da autoridade judiciária no cumprimento de atos executivos concernentes à tutela provisória (art. 237, IV). O Capítulo III – Das Cartas – do Título II – Da Comunicação dos Atos Processuais – do Livro IV – Dos Atos Processuais – da Parte Geral do NCPC, disciplina o assunto. As quatros espécies mencionadas não constituem meios de comunicação, mas de cooperação internacional ou nacional, conforme o caso, em decorrência das razões superiores e inevitáveis já expostas. Eventualmente, as cartas veiculam os atos de comunicação (citação e intimação), mas o respectivo objeto se afigura bem mais abrangente. O art. 845, § 2.º, autoriza a penhora, avaliação e alienação através de carta, o que já revela a amplitude do objeto da solicitação. É curioso que até sentenças, como as provenientes dos Países do Mercosul, nos termos do Protocolo de
Las Leñas, internado pelo Decreto legislativo 55, de 28.04.1995, podem ser objeto de carta (no caso, rogatória). Do ponto de vista estritamente técnico, a carta “é realmente uma carta, ou seja, uma mensagem com que o juiz solicita a outro a cooperação de que tenha necessidade para o cumprimento da função jurisdicional”.2 Não esgotam, porém, todas as modalidades de cooperação e de comunicação entre juízos na ordem interna (infra, 1.191), a exemplo dos ofícios e mensagens eletrônicas trocadas entre dois juízos distintos. Conforme o objeto da carta, mas simples ou mais complexo, sucedem-se incidentes perante o juízo que recebeu a solicitação de cooperação. A despeito de recebida no outro juízo, e exarado o respectivo “cumpra-se”, que significa juízo positivo acerca da própria competência e da regularidade da solicitação, a carta não constituirá processo autônomo, representando simples prolongamento do processo originário. Podem ocorrer, nas cartas precatórias, incidentes de monta e a interposição de recursos perante tribunal distinto do tribunal competente na origem. Figurese a hipótese da expedição de carta precatória para a realização da penhora do faturamento da empresa D, situada na Capital do Estado de São Paulo, pois o juízo da execução movida por A contra B e C, em tramitação no Estado de Sergipe, desconsiderou, inversamente, a personalidade jurídica de D, fundado no fato de B e C a utilizarem para blindar seu patrimônio pessoal, ficando a cargo do juízo que receber a precatória em São Paulo fixar o percentual concreto sobre o qual incidirá a constrição. Eventuais controvérsias a esse respeito serão dirigidas em São Paulo e o órgão ad quem competente será o TJ deste Estado-membro. Em realidade, o juízo que necessita do ato de outro juízo, da sua cooperação, “depreca-o, e recebe o ato do juiz ou tribunal deprecado como ato seu integrado no procedimento pendente”.3 Em caso de expedição de carta, com efeito, a competência do juízo da causa fica cindida, dividindo-se entre dois ou mais juízos, cada qual cooperando com o outro para a prática do ato, que se torna subjetivamente complexo. 493. Espécies de cartas A palavra carta designa o gênero da mais importante modalidade de cooperação entre órgãos jurisdicionais. Segundo o art. 237, o gênero se divide em quatro espécies: (a) carta precatória; (b) carta de ordem; (c) carta rogatória; (d) carta arbitral. Não é arranjo muito satisfatório. A rigor, só há duas espécies, considerando a base territorial: a carta interna, ensejando a colaboração entre diferentes órgãos jurisdicionais no mesmo Estado; e a carta externa, ou comissão, instrumento de cooperação jurídica na comunidade dos Estados. Como quer que seja, o art. 237 estabeleceu um critério, cumprindo entender as respectivas classes. As cartas arroladas no art. 237 não esgotam, absolutamente, os mecanismos de cooperação jurisdicional. Na ordem interna, empregam-se
simples ofícios entre o órgão de hierarquia superior e inferior, como no caso de o juízo da causa comunicar ao relator a reforma do ato agravado (art. 1.018, § 1.º), ou entre órgãos da mesma hierarquia. Por exemplo, no caso de o ato que acolheu o pedido de retificação, restauração ou suprimento do assento do registro civil houver de ser cumprido em lugar diverso, segundo o art. 109, § 5.º, da Lei 6.015/1973, remeterse-á o mandado, por ofício, ao juízo ao qual esteja subordinado o registro público competente para o ato. Na execução por carta precatória, rogatória ou de ordem, reza o art. 915, § 4.º, a citação do executado será comunicada imediatamente ao juízo deprecante, “por meio eletrônico”, fluindo o prazo para embargos da juntada desta comunicação (art. 915, § 2.º, II), usualmente feita por ofício. 493.1. Carta de ordem – A despeito da existência de uma única estrutura, pois o Poder Judiciário é eminentemente nacional, a organização judiciária brasileira não se revela simples, em virtude de dois fatores: (a) a repartição da atividade jurisdicional entre a União, nela compreendida a justiça do Distrito Federal, e os Estados-membros; (b) as especializações da Justiça Federal em sentido largo (militar, eleitoral, trabalhista e federal em sentido estrito). A Justiça Comum, atribuída aos Estados-membros, tem competência residual (retro, 398), ou seja, processará, julgará e executará as causas que não estejam compreendidas na competência da Justiça mantida pela União. Esse esquema constitucional, na área cível (Justiça Comum e Justiça Federal em sentido estrito), também abrange três ordens hierárquicas: (a) os tribunais superiores (STJ e STF), cuja competência abarca todo o território nacional: (b) tribunais de segundo grau locais (base territorial em cada Estado-membro) e regionais (base territorial em dois ou mais Estadosmembros), os primeiros órgãos de cúpula da Justiça Comum, os regionais integrantes da Justiça Federal; (c) e juízes de primeiro grau, distribuídos em circunscrições territoriais chamadas de comarcas (Justiça Comum) e de seções e de subseções judiciárias (Justiça Federal). Em suas atividades jurisdicionais, quer nas causas de competência originária, quer nos recursos, os ministros dos tribunais superiores ou os desembargadores dos tribunais de segundo grau se deparam com a prática de atos processuais que, por sua natureza, realizar-se-iam de modo mais eficaz e econômico em primeiro grau. O caso da citação do réu da rescisória na longínqua comarca do interior exemplifica o problema. Os tribunais têm oficiais de justiça que, ordinariamente, cumprem mandados expedidos pelo chefe da secretaria do órgão fracionário na sede do tribunal ou nas comarcas contíguas. Mas, deslocá-lo até o local do domicílio do réu, empreendendo viagem que terá certo custo intrínseco ao meio de transporte utilizado, e talvez exija o pagamento de vantagem econômica ao servidor da justiça (diárias), afastando-o das diligências usuais, no tribunal ou fora dele, revela-se excessivamente dispendioso. A citação poderá ser feita pelo oficial de justiça de uma das varas da comarca do domicílio do réu sem maiores despesas. Além dessa hipótese natural e legítima, a rotina dos ministros e desembargadores (elaboração de decisões, de votos e participação nas sessões de julgamento), ordinariamente, não compreende as atividades de instrução, a exemplo da coleta dos depoimentos de testemunhas. E há os
que, promovidos do primeiro grau, em que essa atividade é comum, não se entusiasmam em retornar às antigas agruras, relembrando experiências desestimulantes ou amargas. É inconveniente, ademais, impor às testemunhas o deslocamento até o tribunal, independentemente do local do respectivo domicílio. Nesta contingência, o relator requisita ao juízo de primeiro grau do lugar do domicílio das testemunhas a realização da audiência e a produção da prova. Não falta ao sobrejuiz competência para praticar o ato processual. O desembargador do TJ tem competência em todo o território do Estadomembro. O STF e o STJ exercem jurisdição em todo o território nacional, e, por esse motivo, podem “expedir carta de ordem para qualquer juiz ou tribunal do País”.4 Razões de conveniência recomendam, todavia, a prática do ato em outro local e por magistrado de hierarquia inferior. Em casos tais, o relator mandará expedir carta de ordem, requisitando a prática do ato. O art. 237, I, c/c art. 236, § 2.º, declara hipótese de expedição de carta de ordem “para juízo a ele vinculado”. A autoridade judiciária hierarquicamente superior não pede, solicita ou roga a colaboração do órgão inferior, mas determina o cumprimento do ato, o que caracteriza autêntica ordem. A carta de ordem introduziu-se, no direito brasileiro, por intermédio do art. 146 CPC/SP (Lei 2.421/1930-SP).5 Era utilizada, tradicionalmente, a carta precatória antes disto.6 Da lei paulista passou ao art. 6.º do CPC de 1939. O dispositivo do primeiro código unitário incorreu em pequena imperfeição, pois aludia tão só ao juiz de hierarquia inferior, olvidando que, no interior do Estado-membro, todos os juízes da Justiça Comum subordinam-se ao respectivo TJ. Ora, a lei nacional contempla a colaboração entre órgãos de Estados-membros ou de regiões diferentes. Por esse motivo, o art. 236, § 2.º, exige subordinação hierárquica do juiz a que o tribunal requisita o cumprimento da carta. A designação “carta de ordem” atraiu a compreensível crítica que retrataria “espírito de prepotência, complexo de situação superior”,7 porque nenhum juiz, na respectiva jurisdição, é inferior ou superior a qualquer outro, exceto do ponto de vista administrativo. Não é, decerto, a forma mais delicada de relembrar esse vínculo administrativo. De toda sorte, a exigência de vínculo hierárquico torna inadmissível a expedição de carta de ordem “entre tribunais da mesma hierarquia ou se o tribunal for de um Estado e o juiz de outro, ou se este for de uma Justiça e aquele de outra”.8 Em tais situações, o tribunal expedirá carta precatória para o tribunal do outro Estado-membro ou região, a fim de que este tribunal, por sua vez, expeça carta de ordem ao juiz competente.9 A subordinação prevista no art. 236, § 2.º, é jurisdicional, e, não, administrativa. Desse modo, o juiz da Justiça Comum, excepcionalmente investido na competência federal (retro, 431), receberá carta de ordem do TRF da respectiva região. A característica frisante da carta de ordem, em razão do vínculo hierárquico, reside na ordem, e, não, no pedido ou solicitação contido no
étimo da palavra precatória. Não há como o juiz subordinado recusar-lhe o cumprimento. Recusa desse teor desafiará reclamação aos tribunais (v.g., no tocante ao STF, art. 102, I, l, da CF/1988).10 493.2. Carta precatória – A carta precatória constitui o mecanismo mais notório e corriqueiro de cooperação interna dos órgãos judiciários nacionais. O art. 237, III, contemplou tal espécie como o meio de certo juízo, impossibilitado de praticar o ato na sua esfera de competência territorial, formule pedido de cooperação para outro juízo praticar o ato na sua esfera territorial. E acrescentou: órgão jurisdicional brasileiro. Em suma, a precatória consiste na solicitação emanada de determinado juízo, chamado de juízo deprecante, mas territorialmente incompetente, para outro juízo, chamado de juízo deprecado, para realizar ato processual. A solicitação se processa de um juiz a outro de igual hierarquia. O motivo dessa solicitação reside no disposto no art. 236, § 1.º: os atos judiciais serão cumpridos pelos auxiliares e pelas partes, dentro da competência territorial, por ordem do órgão judiciário. Devendo realizar-se fora desse território, expede-se a carta, que instrumenta o pedido de cooperação. O art. 236, § 1.º, obsta, indiretamente, que sejam cumpridos atos judiciais por juiz territorialmente incompetente. Não é incomum o uso das expressões “juiz deprecante” e “juiz deprecado” (v.g., no art. 915, § 4.º), embora o correto seja “juízo deprecante” e “juízo deprecado” (v.g., no art. 676, parágrafo único). É emblemático o caso da citação por oficial de justiça. O auxiliar do juízo tem competência para realizar a citação do réu, do executado e do interessado (art. 238,in fine) residente ou domiciliado na circunscrição territorial da vara em que se encontra lotado, no máximo explorando comarcas vizinhas, nos termos do art. 255 e art. 782, § 1.º. Os réus, executados e os interessados residentes ou domiciliados em comarcas distantes, ou em outro Estado-membro, não podem ser alcançados sem a colaboração do juízo do lugar do domicílio. Exemplo frisante na necessidade de expedição de precatória é o dos atos executivos da penhora, da avaliação e da alienação forçada (art. 845, § 2.º). A esta carta dá-se o nome de carta executória. E, de fato, por sua natureza, tais atos hão de ser realizados no juízo de situação do bem, porque somente neste local, em princípio, e para obter o máximo de eficiência, o bem pode ser apreendido, fixado o seu valor de mercado, através do método comparativo, e localizar-se-á o número mais significativo de interessados em adquiri-lo. Em decorrência do caráter subsidiário, a precatória também serve para certo tribunal do Estado-membro, ou de certa região, solicitar outro tribunal que encarregue juiz a este subordinado, administrativamente, da prática de ato processual na respectiva comarca ou seção judiciária. 493.3. Carta rogatória – É a carta rogatória o instrumento empregado pelo juiz nacional para solicitar a um juiz estrangeiro, territorialmente competente, o cumprimento de ato que deva realizar-se fora do território do País. Se expedida a carta por órgão judiciário brasileiro ao estrangeiro, diz-se rogatória ativa; se recebida do estrangeiro pelo STJ, que é o tribunal competente para a
concessão do exequatur (art. 105, I, i, da CF/1988) – juízo de admissibilidade –, quando necessário, diz-se rogatória passiva.11 Este sentido de carta rogatória – solicitação do juiz de um País para o juiz de outro País cumprir a sua decisão, realizando ato processual, revela-se unívoca. À semelhança do que ocorre no caso de homologação de sentença estrangeira, a carta rogatória deriva do princípio da territorialidade da jurisdição, assentado na soberania, segundo o qual a autoridade do juiz, e, portanto, a eficácia natural dos respectivos provimentos, não extrapola o território do Estado. Por conseguinte, para outorgar eficácia à decisão, seja qual for, no território estrangeiro, o órgão judiciário nacional necessitará da cooperação estrangeiro. E como semelhante necessidade mostra-se recíproca, bem se compreende que, no plano das relações internacionais, estabeleçam-se bases contratuais para a cooperação mútua entre Estados. Em geral, os Estados firmam tratados, assegurando o cumprimento dessas solicitações.12 É de competência do Presidente da República (art. 84, VIII, da CF/1988) “celebrar tratados, convenções e atos internacionais”. Mas, no esquema constitucional vigente, incumbe ao STJ a concessão de exequatur às cartas rogatórias passivas. O exequatur nada mais é do que o “cumpra-se”, emitido pelo STJ, após juízo de delibação. No sistema em vigor, o STJ concede o exequatur em processo contraditório, assegurando a participação dos interessados. A exigência do “cumpra-se” advém do art. 12, § 4.º, da Lei 221, de 20.11.1894,13 concedido por ato de governo, a cargo do Ministro da Justiça, e, a partir da CF/1937, passou à competência privativa do presidente do STF. A última forma consiste na competência originária do STJ. A concessão do exequatur tem limitações quanto à natureza do ato objeto da solicitação. Não se admite, entre nós, o cumprimento de rogatória que vise à execução, no território nacional, de provimento judicial estrangeiro. O óbice atinge medidas cautelares constritivas.14 É lição tradicional: “Os atos executórios não pertencem ao seu âmbito. As diligências abrangem, portanto, quaisquer atos desprovidos de caráter executório, como citações, intimações, notificações, inquirições, exames de livros, avaliações, vistorias, tudo, enfim, de interesse para a justiça estrangeira”.15 Resta ao interessado homologar a sentença e executar integralmente o provimento alienígena no Brasil. E, inversamente, o objeto da carta rogatória passiva ampliou-se, pois as sentenças provenientes dos Países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela), nos termos do Protocolo de Las Leñas, aprovado pelo Decreto legislativo 55, de 28.04.1995, podem ser objeto de carta (no caso, rogatória), são passíveis de internamento por via de carta rogatória, dispensado o procedimento de homologação da sentença estrangeira (retro, 214), sem dúvida mais rígido e demorado. Do mesmo modo, o Protocolo de Ouro Preto, aprovado pelo Decreto legislativo 192, de 18.12.1995, e promulgado pelo Dec. 2.626, de 15.06.1998, concernente às medidas cautelares, e, na verdade, contemplando medidas de toda natureza, principalmente constritivas, autoriza a execução desses atos no Brasil após o exequatur do STJ. 493.4. Carta arbitral – Por intermédio da carta arbitral, o tribunal arbitral depreca a autoridade judiciária para praticar ou determinar o cumprimento,
“na área de sua competência territorial, de ato objeto de pedido de cooperação judiciária”, incluindo os que importem efetivação de tutela provisória (art. 237, IV). Lamentável a redação confusa e o uso da palavra “efetivação”, em lugar da própria e natural: execução. O palavreado politicamente correto não altera a natureza das coisas. Seja como for, o juízo arbitral desempenha só as funções de conhecimento e, inexistindo cumprimento voluntário da ordem (v.g., o comparecimento da testemunhaX), impõe-se a cooperação da autoridade judiciária. Atos executivos constituem atribuição exclusiva do Estado. E medidas provisórias de urgência cautelares ou antecipadas, emitidas com base em juízo de verossimilhança, executam-se como quaisquer provimentos finais. 494. Requisitos das cartas O art. 260, I a IV, arrola os requisitos essenciais de três espécies de cartas – de ordem, precatória e rogatória. Porém, o § 3.º do artigo também ocupa-se da carta arbitral, e, desse modo, o caput é enganoso. Requisitos eventuais, consoante a natureza do ato, são objeto dos §§ 1.º e 2.º do art. 260. À falta de qualquer um deles, incidirá o art. 267, I. O juiz que receber carta desprovida dos requisitos do art. 260 há de recusar-lhe o cumprimento, restituindo-a ao remetente. O regime imprimido à carta incompleta e defeituosa não significa que esses vícios situem-se no plano da existência. Realmente, sustentou-se que, “sem qualquer das partes constitutivas exigidas no art. 202 [do CPC de 1973], não haverá carta, seja ela precatória, de ordem ou rogatória”.16 Na verdade, a expressão “requisitos essenciais” marca tão só a importância desses dados. Ficaria ininteligível a carta que omitisse, por exemplo, o objeto (art. 260, III). Todavia, o vício comporta suprimento. Logrou difusão a prática de o juiz destinatário solicitar, por ofício, a complementação da peça ao juiz de origem,17 em vez de recusar-lhe o cumprimento de modo abrupto. Essa atitude, conforme ao princípio da economia, denuncia a verdadeira natureza do defeito: nulidade suprível. Resta estabelecer a razão pela qual não cabe ao juiz destinatário decretar o vício, ordenando a providência adequada à retificação (art. 282, caput, parte final). Outra vez a salutar regra de cortesia, em que o destinatário pede ao remetente o suprimento deste ou daquele requisito, expõe a verdade: o destinatário não tem competência para suprir vícios de atos processuais praticados em outro juízo. Faltando quaisquer dos requisitos essenciais, pois, ao juízo destinatário cabe tomar duas atitudes: primeira, solicitar ao juízo remetente o suprimento do defeito (v.g., a remessa de cópia da contestação, a fim de estabelecer a extensão da controvérsia sobre o fato constitutivo, possibilitando a inquirição da testemunha); segunda, recusar o cumprimento da carta (art. 267, I).
494.1. Indicação dos juízos remetente e destinatário – O primeiro requisito da carta consiste na indicação do juízo de origem e o do “cumprimento do ato” (art. 260, I). Em relação ao primeiro, a indicação decorre da própria expedição da carta, que cumpre ao juízo requisitante, deprecante ou rogante autenticar física ou eletronicamente (art. 260, IV). É costume, posto que desnecessário, a reprodução do nome por extenso do juiz, a par da indicação do juízo em si (Exmo. Sr. Juiz Direito A, titular da 1.ª Vara da comarca…). O princípio da impessoalidade indica que há de se valorizar a forma neutra (Exmo. Sr. Juiz de Direito, Titular da 1.º Vara…), sem a indicação do nome por extenso, e a segurança da autoridade, não relacionando nome e assinatura. No tocante à identificação do destinatário, há certa dificuldade. De ordinário, o escrivão e redator da carta, valendo-se de formulário adrede preparo, ignora a divisão judiciária do lugar em que há de se realizar o ato processual. Em se tratando de carta interna, a ser cumprida no território brasileiro, o dado não se afigura propriamente desconhecido, porque objeto de lei em sentido formal, federal ou estadual, conforme o caso. Representaria formalismo excessivo, porém, exigir do órgão expedidor a realização de demoradas pesquisas legislativas, percorrendo e destrinçando autêntico cipoal de leis e atos heterogêneos, para descobrir quais os possíveis juízos competentes, em razão da matéria, para processar a carta no destino, sem excluir a hipótese que descubra, afinal, haver mais de um. Talvez essas informações possam ser prestadas na forma do art. 69, II, do NCPC. Porém, o problema se apresentaria insolúvel na carga rogatória. Não se pode exigir do juiz brasileiro que investigue, na língua do destino, as fontes do direito estrangeiro. Em razão de tudo isto, bastará que se indique, genericamente, o juízo competente, assinalando claramente a circunscrição territorial (v.g., Petrópolis, RJ), a cidade e o País de destinatários (v.g., Paris, França). Neste último caso, a missão diplomática brasileira encarregar-se-á de entregar a carta rogatória à autoridade central congênere no estrangeiro. Na Justiça Comum, existindo mais de um ofício judicial na comarca destinatária, geralmente acomete-se ao juiz encarregado da direção do foro a distribuição da carta, senão o próprio cumprimento das cartas de ordem e precatória, tratandose de citação e de intimação (v.g., art. 74, IX, a, da Lei 7.356/1980-RS, COJE/RS).18 494.2. Reprodução das peças fundamentais – O art. 260, II, exige que acompanhe a carta “o inteiro teor da petição, do despacho judicial e do instrumento do mandato conferido ao advogado”. Entenda-se por “inteiro teor” a reprodução das peças constantes nos autos originais. É flagrantemente insuficiente a redação desse requisito. Se o objetivo consiste em transmitir ao juízo destinatário o mais amplo e completo conhecimento do objeto da diligência, a referência ao inteiro teor da petição e do despacho (rectius: decisão), não é bastante. Figure-se o caso de precatória para tomada dos depoimentos das testemunhas. Obrigatoriamente, neste caso, acompanharão a carta: (a) a petição em que a parte arrolou a testemunha, sem a qual o juízo deprecado não logrará localizar a pessoa, intimando-a da data da audiência; (b) as cópias da petição inicial e da contestação;19 (c) a eventual decisão que fixou o tema da prova (art. 357, II).
Do contrário, a inquirição da(s) testemunha(s), no juízo deprecado, não se mostrará exata e eficiente – nem sempre o advogado deslocar-se-á do foro da causa e o correspondente local à altura do exame cruzado do art. 459, caput. Embora relevando a impropriedade da expressão “instrumento do mandato”, em lugar de procuração,20 o uso do singular neste tópico, o último do art. 260, II, revela-se indesculpável. De positivo, há o acolhimento de alvitre doutrinário, que invocava prática comum no primeiro código unitário.21 Na realidade, impõe-se que haja a identificação cabal dos procuradores das partes, por intermédio do traslado das procurações. A eles, sempre no exemplo trivial da precatória para ouvir testemunhas, o juiz deprecado intimará o dia, hora e lugar em que ocorrerá a audiência, e, para tal fim, necessitará dos nomes completos, realizando-se intimação ficta, pelo órgão oficial, não sendo possível a intimação eletrônica. Cumpre, então, trasladar as peças que habilitam os advogados (procurações e substabelecimentos). E, por paradoxal que possa parecer, nem sempre o juízo remetente cumprirá integralmente o art. 260, II, inexistindo petições a serem reproduzidas na carta. Concebe-se que o órgão judiciário, ex officio, determine diligências na outra comarca, baseado no art. 370, caput, e, neste caso, bastará a juntada da decisão explicativa do ato.22 Nem sequer peça alguma mostrar-se-á necessária quando se tratar de intimar a testemunha para audiência que realizar-se-á no próprio juízo de origem. Em tal hipótese, o corpo da própria carta indicará o nome, a qualificação, o endereço da testemunha, e o dia, hora e lugar da audiência.23 Em suma, o requisito do art. 260, II, há de ser compreendido na sua finalidade. O juízo de origem mandará trasladar todas as peças, segundo seu prudente critério, segundo dispõe o art. 260, § 1.º, parte inicial (“O juiz mandará trasladar para a carta quaisquer outras peças…”), desde que indispensáveis ao cumprimento da diligência. 494.3. Indicação do objeto da carta – O art. 260, III, exige que a carta indique, explicitamente, o seu objeto. A rigor, a decisão que deferiu a diligência fora da competência territorial do juízo de origem (art. 236, § 1.º), por força do inciso imediatamente anterior, atende a esse elementar requisito. Tratou-se, portanto, de realçar o objetivo da carta. E, às vezes, ocorrendo de a decisão deliberar outras diligências, a explicitação evita que o juízo destinatário haja de interpretar o ato que lhe é solicitado. 494.4. Encerramento e assinatura do juízo de origem – Por fim, o art. 260, IV, contempla “o encerramento com a assinatura do juiz”. O “encerramento” conterá a fórmula de estilo, bem notória – “e outro tanto…” –, que o escrivão, a quem cabe redigir a carta precatória (art. 152, I), reproduz mecanicamente, fundada em prática imemorial. A assinatura do juiz que solicita ou o ordena o ato revela-se indispensável. Não cabe delegar a tarefa ao escrivão. Só o próprio juiz pode legitimamente requestar atos processuais a outro juiz.24 Recomendável, ainda, exata correspondência entre a autoridade nomeada como juízo de origem,25 na forma do art. 260, I, geralmente com o nome gravado por extenso, e o signatário da carta. Em caso de afastamento do juiz titular, por qualquer
motivo, impedindo-o de firmar o documento, que a peça seja refeita pelo escrivão. Controverte-se, ainda, a possibilidade de simples rubrica. Segundo a visão tradicional, o juiz de origem assinará por extenso, porque “imperativo da cortesia que deve reinar entre os órgãos judiciários”.26 Ocorre que há assinaturas ilegíveis e as que, por força do número de atos oficiais, transformaramse em simples e indecifrável rabisco, no qual não se identifica letra correspondente ao prenome e nome do magistrado. O máximo que se pode exigir, na matéria, é a assinatura usual do juiz. E já não se poderá mais impor, legitimamente, origine-se a assinatura do próprio punho do magistrado,27 porque admissível e frequente a assinatura eletrônica – caso em que o problema da identificação desaparece, pois há autenticação (certeza de autoria). É comum os desembargadores permitirem ao secretário do órgão fracionário do tribunal, ou algum servidor qualificado do gabinete, assinar cartas de ordem e ofícios. O costume melindra, desnecessariamente, o juiz de hierarquia inferior, o qual arcará, ao fim e ao cabo, com o trabalho suplementar de cumprir a diligência. Em vez de receber a ordem do desembargador, obrigar-se-á a cumprir o que lhe impõe a secretária, o assessor ou outro servidor do tribunal. Convém que tal vezo seja banido. Como quer que seja, a dúvida quanto à autenticidade da assinatura enseja a restituição da carta, a teor do art. 267, III (infra, 498.2.3). 494.5. Reprodução de peças eventuais – Os parágrafos do art. 260 cuidam da reprodução de peças eventuais, considerando o objeto da diligência, mas, nos casos previstos, de obrigatório traslado na carta. Em primeiro lugar, instruirá a carta com “mapa, desenho ou gráfico, sempre que estes documentos devam ser examinados, na diligência, pelas partes, peritos ou testemunhas”. Por exemplo, a carta precatória visa à obtenção de depoimento de testemunha, domiciliada em localidade diversa do local do fato, constando dos autos o mapa do local do evento e as fotografias do entorno das ruas graficamente representadas. A consulta a esses documentos refrescará a memória da testemunha e instruirá o próprio juízo deprecado na inquirição. Ademais, tratando-se de perícia para apurar a autenticidade de documentos, inexistindo expert na comarca – hipótese altamente improvável, haja vista a amplitude do cadastro previsto no art. 156, § 1.º –, o art. 260, § 2.º, determina que o original do documento controvertido acompanhe a carta, ficando nos autos originais “reprodução fotográfica”. Na verdade, há de ficar reprodução, fotográfica ou não. É possível, atualmente, realizar a perícia sobre a própria cópia. E, nesse aspecto, a regra padece de alguma obsolescência ou desatenção às modalidades atuais de reprodução de documentos. 495. Prazo das cartas Não convém ao juízo remetente aguardar indefinidamente o retorno da carta. Por exemplo, solicitada a citação do réu em outro Estado-membro, talvez as diligências do oficial de justiça no juízo destinatário na localização do
réu se revelem infrutíferas, indicando a necessidade de citação por edital, configurada a hipótese do art. 256, II. O tempo é amigo dileto ou inimigo mortal do processo, conforme as circunstâncias, e na cooperação jurisdicional constitui adversário de peso. O art. 8.º, § 2.º, do CPC de 1939 previra a fixação de prazo tão só na carta de ordem, em que há hierarquia entre o remetente e o destinatário, na presunção que só neste caso o interregno não repercutiria como imperdoável indelicadeza no juízo destinatário. Ocorre que também a este, em qualquer espécie de carta, interessa desincumbir-se da missão, restituindo a carta o mais rápido possível, e o implemento do prazo fixado pelo remetente representa ótimo pretexto. É uma realidade dura, mas exata. E ao procedimento, na origem, interessa sobremodo tal prazo, confiando a lei às partes que providenciem o cumprimento no destinatário, a fim de evitar a simples perda e tempo e outras consequências. Daí por que, feita a distinção entre o “tempo de vida” da carta e o “prazo imposto” ao juiz na carta de ordem,28 o art. 261, caput, generalizou a exigência: o juízo remetente declarará em todas as cartas “o prazo para cumprimento”. 495.1. Critérios da fixação do prazo – O art. 261, caput, deixa a critério do juiz remetente a fixação do prazo. Objetivamente, contempla dois vetores: (a) facilidade das comunicações; (b) natureza da diligência. O requisito da facilidade das comunicações respeita, basicamente, aos atos processuais da citação e a da intimação. É muito difícil ao juízo remetente medir, pesar e avaliar o tempo necessário à diligência no juízo destinatário, cuja realidade é desconhecida. Se houve a necessidade de expedir a carta, abdicando da modalidade ficta de comunicação dos atos processuais, é porque se mostrou necessária a comunicação pessoal por oficial de justiça, e vários fatores (v.g., o número de auxiliares e a quantidade de mandados recebidos por cada qual) contribuem para tornar mais ou menos elástico o tempo de vida da carta. O segundo requisito, a natureza da diligência, suscita problemas análogos. Por óbvio, a realização da prova pericial, no lugar do fato, talvez demore mais do que a ouvida de uma testemunha. No entanto, o juízo remetente desconhece, outra vez, o estado da pauta do juízo destinatário, sobrecarregada de audiências – a data disponível pode situar-se meses adiante, talvez mais de um ano. Não há outro remédio senão o de confiar ao juiz a delicada tarefa de fixar prazo razoável. E que não seja “tão breve que prive de efeito a expedição da carta”, nem “tão longo que sirva para procrastinar o andamento do feito”, como sói ocorrer.29 Do art. 313, V, b, in fine, c/c § 4.º, subentende-se, ao menos no que tange à produção de prova, que não poderá exceder a um ano, pois findo este o prazo o juiz mandará prosseguir o processo (art. 313, § 4.º). O controle recursal do interregno concretamente fixado revela-se impossível na prática. Essas considerações demonstram que o art. 261, caput, ousou demais ao estipular prazo rígido. E não sem consequências práticas.
495.2. Consequências do vencimento do prazo – Em matéria de produção de prova, requerida antes da decisão de saneamento, e mostrando-se ela nada menos que imprescindível ao deslinde da causa, o art. 377, caput, c/c art. 313, V, b, in fine, marcam relevante consequência para a expedição da carta: o juiz suspenderá o processo, não podendo proferir a sentença de mérito senão depois da produção de “certa prova, requisitada a outro juízo”. A suspensão perdurará, no máximo, por um ano. Findo tal interregno, reza o art. 313, § 5.º, o juiz ordenará o prosseguimento do processo. Essa última disposição se mostra desconcertante. Não revela a lei o segredo, estipulando como o juiz decidirá a causa sem a produção da prova anteriormente considerada imprescindível.30 Em tal hipótese, alvitra-se que o juiz “desprezará os elementos de convicção que lhe poderia fornecer o conteúdo da carta não devolvida”,31 atendendo ao caráter imperativo do art. 313, § 4.º, o interesse público em impedir que o processo fique suspenso indefinidamente. No entanto, a solução é insatisfatória do ponto de vista da justiça, equivalendo a autorizar julgamento desconforme com a verdade, porque o correto juízo de fato depende de prova imprescindível. Representa ônus da parte, que requereu a prova, aviar sua produção no juízo destinatário, conforme preceitua o art. 261, § 2.º. Em relação às cartas expedidas com prazo, mas sem suspensão do processo, o art. 377, parágrafo único, autoriza a juntada “a qualquer momento”. Em última análise, até no tribunal, pendendo apelação,32 mas sempre antes do trânsito em julgado. O juiz e o tribunal outorgarão o devido valor à prova chegada tardiamente. Indiretamente, o art. 377, parágrafo único, demonstra que o vencimento do prazo fixado, na forma do art. 261, não afeta a eficácia da prova produzida. Idêntica diretriz há de se aplicar às cartas expedidas com suspensão do processo após o vencimento do prazo do art. 261. Chegadas a tempo de serem juntadas aos autos originais, o juiz considerará a prova assim produzida no julgamento. No que tange às cartas que visem à citação do réu ou à intimação das partes, não há como atribuir qualquer efeito maior ao vencimento do prazo do art. 261. O processo não prosseguirá sem a citação do réu, por exemplo, nem se realizará o ato do qual se buscava intimar as partes ou a iniciará a fluência de prazos. A única atitude razoável consiste em aguardar a restituição da carta. Frustrada a diligência (v.g., o oficial de justiça, no juízo destinatário, não localizou o réu para citá-lo), o juiz tomará a providência cabível (v.g., ordenará a citação por edital). 495.3. Consequências da falta de prazo – A manifesta inconveniência de fixação de prazo, nos casos em que o ato solicitado a outro juízo revela-se indispensável ao prosseguimento do feito, estimula a omissão de qualquer prazo na carta. A falta pode ser emendada a qualquer tempo e não afeta, preenchidos os pressupostos do art. 377, caput, a obrigatória suspensão do processo até um ano (art. 313, § 4.º), aguardando-lhe o retorno.33 Não ensejará essa omissão, outrossim, à restituição da carta. Os requisitos essenciais, a que alude o art. 267, I, respeitam ao art. 260, e, não,
ao prazo do art. 261. Logo, a carta sem prazo mostra-se válida e eficaz, devendo ser cumprida tão logo seja possível. 495.4. Intimação e cooperação das partes – O art. 261, § 1.º, supre a omissão do direito anterior e determina sejam intimadas as partes da intimação da carta. O advogado da parte interessada, em geral, retira a carta e a distribui no juízo destinatário, pois incumbe à parte antecipar as despesas do ato. E, doravante, acompanhará o cumprimento da diligência, pois a comunicação dos atos compete ao juízo deprecado (art. 261, § 2.º). O art. 261, § 3.º, obriga à parte interessada na diligência cooperar no cumprimento, com vista ao interregno do art. 313, V, b, c/c § 4.º. Do interesse dessa parte inexiste dúvida: a prova é imprescindível à certificação da veracidade da sua alegação de fato. Outra coisa é interferir, minimamente que seja, na atividade do juízo deprecado; por exemplo, a carta se destina a ouvir testemunha e a pauta está congestionada. Não há outro meio senão o peticionar e contar com cooperação, de seu turno, da pessoa investida na função judicante. Melhor se conduziria o legislador a obrigar o juízo deprecado a observar o prazo do art. 261, caput, do que aumentar a angústia do advogado com atos que lhe escapam ao controle. 496. Caráter itinerante das cartas O art. 262 atribui às cartas caráter itinerante. Em outras palavras, do destinatário determinado (art. 260, I), nada impede, por iniciativa da parte ou por determinação deste, o encaminhamento da carta “a juízo diverso do que dela consta”, mudando, pois, o destino originário ou o itinerário inicialmente previsto, sempre que necessário para praticar o ato. Essa disposição flexibiliza o cumprimento da carta. Em primeiro lugar, acode à imprecisão relativa na indicação do juízo destinatário. Por exemplo, pensava-se que a cidade X integrava a comarca Y, mas a parte, ao providenciar a distribuição da carta, apura que o local pertence à comarca Z, recentemente criada, ou que a cidade se localiza no Estado-membro X, em lugar do Y. Ademais, conjura as modificações supervenientes do estado de fato: o réu, anteriormente domiciliado na comarca X, passou a residir na comarca Y, em outro Estado-membro ou região.34 Recebida a carta pelo interessado, varia o momento em que a carta toma outro destino, conforme insinuam os exemplos antes ministrados. Pode acontecer de o interessado constatar, desde logo, a mudança de endereço do réu. Não precisará requerer a retificação da carta já expedida. Basta que a distribua na comarca ou na seção judiciária correta, explicando o fato por petição. Em outras situações, o fato se constatará no momento em que o juiz destinatário toma contato com a carta ou no curso das diligências havidas para cumpri-la, tocando ao juízo originalmente destinatário ordenar a remessa da carta para outro lugar, em vez de restituí-la ao juízo remetente. Tal aspecto revela a importância do art. 262 no tocante aos princípios da economia e da celeridade, estimulados pelo dever de cooperação (art. 261, § 3.º). Essa disposição autoriza o uso da mesma carta para o juiz remetente solicitar duas ou mais diligências em dois ou mais juízos destinatários.35 O interessado apresentará a carta em qualquer um deles, remetendo-se, em
seguida, para o outro juízo. Por exemplo, os bens penhoráveis se encontram em dois lugares diferentes, expedindo-se carta precatória única, em que o juiz deprecante solicita as constrições a dois juízos distintos. Embora o juízo deprecado encarregue-se das comunicações dos atos processuais (art. 261, § 2.º, in fine), por óbvio o dever de comunicar envolve os atos praticados neste próprio juízo. Remetida a carta a um terceiro juízo, o art. 262, parágrafo único, manda o juízo deprecado originário comunicar a remessa incontinenti ao juízo deprecante, procedendo este à intimação das partes quanto ao novo destino. A importância desse ato aquilata-se facilmente. As partes têm o direito de conhecer o que se passa e, ademais, a parte interessada no cumprimento da diligência talvez seja obrigada a antecipar despesas processuais no novo destino. 497. Modos de expedição das cartas O escrivão redige as cartas de ordem, precatória e rogatória, datando-as e assinando-as, recolhe a assinatura do órgão judiciário, autenticando a peça, e precede a intimação das partes (art. 261, § 1.º), pelo meio hábil, entregandoas ao interessado, para o encaminhamento devido. É peculiar, a esse propósito, o curso da rogatória, objeto de análise em outro item (retro, 219). Não é difícil identificar a parte interessada na diligência, a quem incumbe cooperar no cumprimento e na observância do prazo (art. 261, § 3.º). Por exemplo, (a) na ação proposta pelo autor A contra o réu B, frustrada a citação eletrônica ou postal, expede-se carta precatória da comarca X para a Y; (b) deferida a realização de perícia, na decisão de saneamento e organização do processo (art. 357, II), a produção da prova há de realizar-se na comarca Y, porque local do canteiro de obras. No primeiro caso, interessado é o autor A; no segundo, a parte que requereu a prova ou, ainda, o autorA, cuidando-se de prova ordenada ex officio. O advogado da parte retirará a carga, encaminhando-a ao juízo deprecado, antecipando as despesas respectivas. Tudo se modifica, positivamente, no processo inteiramente eletrônico. A ubiquidade desse meio elimina a necessidade de expedição de carta (v.g., na citação eletrônica) em muitas hipóteses. A prosaica citação postal (art. 246, I), resgatada pelo CPC de 1973 de provecto CPC de Minas Gerais, realiza-se “para qualquer comarca do país” (art. 247, caput), já excepcionando a base territorial da competência do juízo da causa (art. 236, § 1.º). E quando se mostrar imprescindível a prática de atos materiais em outro juízo, territorialmente competente, a exemplo da perícia, simplifica-se a remessa. A forma preferencial da expedição da carta, no regime do NCPC, é eletrônica (art. 263). Em tal hipótese, reza o art. 263, in fine, o juiz assinará a carta eletronicamente, resolvendo, de vez, o problema da autenticidade (art. 260, IV, c/c art. 267, III). A carta expedida eletronicamente conterá, em resumo substancial, os requisitos do art. 260 – releve-se o equívoco da remissão –, segundo o art. 264. O resumo é desnecessário. O formulário eletrônico, preenchido pelo escrivão, conterá, quantum satis, todos os requisitos do art. 260. O art. 264 se refere, na verdade, à carta expedida pelo telefone ou por telegrama, na qual a brevidade se impõe para restrição intrínseca ao meio.
Em caso de urgência, ex officio, ou a requerimento da parte, os arts. 264 e 265 do NCPC autoriza a expedição das cartas de ordem e precatória por telegrama ou telefone. Fica excluída, portanto, a rogatória. Esta pode (e deve) ser expedida eletronicamente (art. 264). As disposições especificam claramente quais as espécies abrangidas em cada meio. 497.1. Pressuposto da forma excepcional – O art. 265 do NCPC não menciona a urgência, mas o requisito, anteriormente previsto no art. 205 do CPC de 1973, mostra-se implícito para o uso do telefone ou do telegrama, vez que o meio ordinário é o eletrônico (art. 263). O art. 7.º do CPC de 1939, ao invés, previa a opção da parte pelo meio então mais ágil. Ora, o meio eletrônico, quando possível, é superior a qualquer outro e, de resto, o art. 264, não reintroduziu qualquer disposição a esse respeito. O uso do telefone ou do telegrama basear-se-á (a) ou na impossibilidade de comunicação eletrônica ou (b) na urgência, apurada pelo juiz. Cabe às partes expor ao juiz os fatos que caracterizam essa urgência, não decorrendo ela de dados já constantes aos autos. A situação de urgência verifica-se por motivos subjetivos ou objetivos. Exemplo do primeiro caso avulta no receio de fuga ou ocultação do citando,36 que tornaria mais difícil a citação pessoal no juízo destinatário. Em outras hipóteses, a urgência afeta às próprias partes. Cabe recordar a doença grave do autor ou a sua idade avançada, circunstâncias que, de resto, asseguram prioridade na tramitação da carta interna. E há acontecimentos objetivos que podem afetar o cumprimento da diligência. Por exemplo, tratando-se de perícia destinada a apurar a morte de pessoa em canteiro de obras, o dinamismo intrínseco da construção fatalmente alterará a situação de fato, impedindo a realização do ato a contento. 497.2. Exemplificação dos meios da forma excepcional – O art. 264 indica o obsoleto meio do telegrama, abolindo o desaparecido radiograma – todavia, o radioamadorismo subsiste nas regiões remotas do país, mantida a rede por abnegados e aficionados –, bem como o telefone, como modalidades hábeis à expedição das cartas de ordem e precatória nas situações de urgência. O elemento comum reside na rapidez. O rol é exemplificativo. Além do telex, também em desuso, cabem o fax (art. 1.º da Lei 9.800/1999), sem embargo da via eletrônica.37 Esse meio assegura remédio presto à urgência e, sendo o preferencial (art. 263), o telegrama e o telefone são subsidiários e empregados unicamente na impossibilidade da via eletrônica. 497.3. Conteúdo da carta na forma excepcional – O art. 264 pretende reduzir os requisitos da carta de ordem ou precatória, expedidas por telegrama ou pelo telefone, a “resumo substancial”. O objetivo é a economia. Tais meios outrora rápidos eram dispendiosos, tanto que, no caso do telegrama, desenvolvera-se linguagem peculiar, em si mesma resumida pela supressão das palavras inúteis,38 e, desse modo, maneira direta de atingir a finalidade da regra. Entretanto, mostrava-se assaz difícil, no fundo, reduzir os requisitos do art. 260 ao mínimo e ao básico.39
Tudo se simplifica pela regra geral do art. 263. O custo da via eletrônica é mínimo, embora existente, e nada obsta que a carta seja remetida com todos os acompanhamentos necessários. Na hipótese de expedição telefônica, o art. 265 institui regras burocráticas. O secretário (do órgão fracionário) do tribunal, o escrivão ou chefe de secretaria do juízo deprecante entrará em contato com o escrivão do primeiro ofício da primeira vara do juízo deprecado, existindo pluralidade de varas e, nelas, pluralidade de juízes, resumindo, oralmente, os requisitos dos arts. 260 e 261, caput. Ao apontar o primeiro ofício da primeira vara, dispensando a distribuição, a lei adotou critério “simples, atilado e prático”.40 Adotou providência para remediar a impossibilidade de prévia distribuição para o recebimento da chamada telefônica.41 Ela é insuscetível de maiores generalizações: na via eletrônica, haverá distribuição,42 ressalva feita a disposição em contrário da lei de organização judiciária (v.g., fixando a competência na vara da direção do foro). Do art. 265, § 1.º, parte final, infere-se que cumpre ao destinatário anotar os dados fornecidos, reduzindo-os a termo. Verba volant… Só assim compreendese possa o escrivão ou chefe de secretaria, no mesmo dia ou no dia útil imediato, retornar o telefonema ou mandar mensagem eletrônica ao secretário (do órgão fracionário) do tribunal, ao escrivão ou chefe de secretaria transmitente, “lendolhe os termos da carta e solicitando-lhe que os confirme”. Recebida a mensagem, impôs-se ao destinatário o prazo de espera de um dia útil, em homenagem à segurança, sem prejuízo de incongruente com a propalada urgência. O prazo de conta ordinariamente. Desse modo, recebido o telefonema no sábado, só na segunda-feira a etapa seguinte se inicia. Então, obtida a confirmação, dissipadas as desconfianças de trote, o “escrivão ou o chefe de secretaria submeterá a carta a despacho” (art. 265, § 2.º). Essa confirmação também pode ser obtida quando recebida a carta por fax. 497.4. Cumprimento da carta na forma excepcional – Desnecessariamente, o art. 266, primeira parte, declara que os atos solicitados, na precatória de forma excepcional, cumprir-se-ão de ofício. A regra geral do art. 2.º, in fine, já indicaria que o juiz deprecado haveria de atuar ex officio, e o art. 236, caput, acrescenta: “Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial”. E pouco adiantaria essa movimentação intensa e estrepitosa ficasse a carta paralisada, no juízo destinatário, por conta da inércia dos auxiliares deste juízo, eventualmente remunerados por custas adiantadas pelo interessado. Convém recordar que o modelo constitucional baniu esse regime remuneratório, prevalecendo em alguns Estados-membros residualmente, e, de toda sorte, há a questão das despesas de deslocamento. Para obviar a dificuldade, e traindo a idade, o art. 266, segunda parte, impõe à parte interessada na diligência (v.g., o autor, no caso da precatória para citação do réu) depositar, na secretaria do tribunal ou no cartório do juízo deprecante, “a importância correspondente às despesas que serão feitas no juízo em que houver de praticar-se o ato”. O valor dessas despesas é estipulado em lei,
cabendo ao juízo remetente a sua estipulação.43 O depósito antecederá à expedição do telegrama, telefonema e, havendo necessidade de suplementação, a parte depositará a diferença. Em caso de inércia, incide o art. 485, III, cabendo intimar a parte para tal fim, sob pena de extinção do processo, incumbência do juízo deprecante.44 A disposição do art. 266, segunda parte, incidirá em todas as cartas. É ônus de a parte antecipar as despesas dos atos que lhe aproveitem, não desfrutando dos benefícios da justiça gratuita. Portanto, ao abster-se de depositar, sofrerá os efeitos da preclusão, “apta a fulminar o direito de praticar o ato processual”, a exemplo da ouvida de testemunhas no juízo deprecado.45 498. Recusa de cumprimento da carta precatória O art. 267 arrola as hipóteses em que ao juiz destinatário mostra-se lícito recusar o cumprimento da carta precatória. À primeira leitura, portanto, o dispositivo suscita relevante questão quanto à sua abrangência, porque alude, unicamente, à carta precatória e à arbitral. O dispositivo não alcança a carta rogatória por razões óbvias. No que tange à passiva, o STJ concederá, ou não, o exequatur, e, em caso positivo, só resta ao juiz federal competente (art. 109, X, da CF/1988), dar-lhe cumprimento. É o que determina, de resto, o art. 12, § 2.º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Dec.-lei 4.657/1942), in verbis: “A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas…” Não cabe ao juiz de primeiro grau arrostar a autoridade do “cumpra-se” expedido pelo STJ. E da carta rogatória ativa cuidará “a lei do local onde o ato deva ser cumprido”.46 Em relação à carta de ordem, a despeito do alvitre fundado na impossibilidade de dar seguimento a carta desprovida dos requisitos legais (v.g., sem a precisa indicação do ato a ser praticado, a teor do art. 260, III), ou sem assinatura do relator,47 a posição hierárquica inferior do órgão destinatário impede rebelião contra a ordem emanada do tribunal.48 Em caso de dificuldades, porque omitida uma peça essencial, por exemplo, oficiará ao relator, confiando que decida positivamente. Superado tal aspecto, o art. 267 reclama, inicialmente, exame da natureza do ato que compete ao juízo destinatário da carta precatória. 498.1. Natureza do ato de recusa do juízo deprecado – O art. 267, caput, declara que o juiz deprecado recusará o cumprimento à carta precatória em decisão motivada. O requisito da motivação decorre de imperativo constitucional (art. 93, IX, da CF/1988). É inválida a recusa desmotivada. Seja como for, cumpre ao juízo deprecado intimar as partes, quando possível – o motivo da recusa, residindo na falta de procuração e de identificação dos procuradores (art. 260, II), impede a intimação ficta –, ensejando o recurso cabível. A função precípua
da motivação, nas resoluções judiciais, consiste em permitir o respectivo controle nas vias ordinárias de impugnação. O uso da palavra decisão, no art. 267, caput, não significa que seja recorrível. O ato é de simples ato de impulso, mas suscetível de provocar gravame à parte. O direito anterior agasalhava equívoco terminológico manifesto, usando a palavra despacho, quiçá para impedir o recurso. O ato tem natureza de decisão, porque resolve questão incidente, mas não comporta agravo de instrumento, à luz das hipóteses taxativas do art. 1.015. Discrepa da solução aventada no velho direito português.49 498.2. Casos explícitos de recusa do juízo deprecado – Os incs. I a III do art. 267 estipulam os casos explícitos em que ao juízo deprecado se mostra admissível negar seguimento à carta, restituindo-a ao juízo deprecante. O caráter aberto ou fechado da tipologia legal receberá exame no item subsequente (infra, 498.2.1). 498.2.1. Falta dos requisitos essenciais – Lícito se afigura ao juiz recusar a carta desprovida dos requisitos legais (art. 267, I). O dispositivo não guarda absoluta coincidência com o art. 260. Por primeiro, a falta de autenticidade constitui caso autônomo, previsto no art. 267, III; depois, dificilmente faltariam as indicações do art. 260, I, sendo digno de registro que a do juízo deprecante tem importância relativa, haja vista o caráter itinerante da carta, que pode ser apresentada em juízo diferente do original (retro, 496). Por conseguinte, tem pertinência, na hipótese versada no art. 267, I, os incs. II (peças obrigatórias), III (objeto da carta) e os §§ 1.º e 2.º (peças eventuais) do art. 260. Nessas hipóteses, não há motivo para recusa abrupta, pois costuma o juízo deprecado oficiar ao juízo deprecante, solicitando o suprimento do vício. Avulta o uso da via eletrônica, superando rapidamente quaisquer defeitos. Se não for o caso, o juiz deprecado emitirá a decisão prevista no art. 260, caput, e restituirá a carta. 498.2.2. Incompetência do juízo deprecado – O art. 267, II, compreensivelmente obsta que o juiz deprecado, incompetente em razão da matéria ou da hierarquia, cumpra diligência que, em virtude do caráter absoluto dessas competências (retro, 382), padeceria de vício insanável. A hipótese mais comum envolve a competência federal delegada a juiz da Justiça Comum. Este é competente, inexistindo vara federal na localidade,50 a teor do art. 237, parágrafo único. Reconhecida a incompetência, o juízo destinatário “deve remeter a carta ao juiz competente, sem formalidades, dando ciência do fato ao juiz deprecante”.51 A restituição da carta ocorrerá no caso de o juízo destinatário não se encontrar em condições de identificar o juízo competente em razão da matéria ou da hierarquia. Do contrário, incidirá o art. 267, parágrafo único, e, haja vista o caráter itinerante da carta, “poderá remeter a carta ao juiz ou ao tribunal competente”. Leia-se: deverá por força do art. 262. Controverte-se a hipótese de o juízo deprecado recusar o cumprimento no caso de incompetência manifesta do juízo deprecante para processar a causa, e, portanto, ordenar a diligência que lhe tocaria atender. Flagrantemente, a hipótese não se apoia no art. 267, II, versando a
competência do deprecado, e, não, do deprecante – na verdade, problema verificado no destino, jamais na origem. No entendimento mais equilibrado, invocando as fontes do direito brasileiro, admite-se semelhante controle tão só no caso de a competência absoluta para processar, decidir e executar, e, dessa maneira, ordenar a diligência, tocar ao próprio juízo deprecado, e, não, ao juízo deprecante.52 Em tal hipótese, o juiz deprecado decidirá a respeito da competência alheia, mas da própria.53 É a diretriz adotada pelo STJ.54 O mecanismo para rejeitar o cumprimento, nessa hipótese, não consiste na restituição da carta, mas na suscitação do conflito positivo de competência (retro, 471).55 498.2.3. Dúvida acerca da autenticidade da carta – Existindo dúvida quanto à autenticidade da carta, porque desconhecida ou inidentificável a assinatura do juiz deprecante, o juiz poderá recusar o cumprimento à carta (art. 267, III). Esse problema recebeu análise no item correspondente ao art. 260, IV. Convém acrescentar que, conforme as considerações feitas, paradoxalmente só a assinatura eletrônica oferece autenticação segura. E expedindo-se as cartas preferencialmente por meio eletrônico (art. 263), dificilmente ocorrerá a dúvida prevista no art. 260, IV. Problema diferente é a segurança do meio eletrônico. É sujeito a fraudes e a preferência do NCPC por esse ambiente é muito audaciosa. 498.3. Casos implícitos de recusa do juízo deprecado – O STJ decidiu, em vários precedentes, mas no direito anterior, admissível a recusa fora dos casos expressos na regra equivalente ao art. 267, inclusive tratando-se de problemas de competência.56 Não era a opinião prevalecente na doutrina.57 Em particular, sustenta que o juiz deprecado não é o da causa, mas mero executor material do ato, não lhe competindo perquirir sobre o acerto da decisão emitida pelo juízo deprecante,58 ou apreciar defesa substancial ao ato, que há de ser considerada, na oportunidade e no merecimento, pelo juízo deprecante.59 Esse firme entendimento há de ser acatado com os devidos temperamentos. Talvez precise ser revisto. Na verdade, ordens manifestamente ilegais não podem, nem devem ser cumpridas.60 Basta recordar um exemplo. Em contrariedade à Súmula Vinculante do STF, n.º 25, segundo a qual “é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”, e, por definição, de aplicação obrigatória pelos órgãos judiciários (art. 103-A, caput, da CF/1988), o juízo deprecado receba precatória para prender o depositário. É legítima a recusa em associarse ao ato inconstitucional do juízo deprecante e submeter-se, voluntariamente, às sanções administrativas aplicáveis à espécie. O problema toma vulto, logo se percebe, no sistema processual adstrito à observância dos precedentes (art. 927). Também há outra hipótese implícita no sistema e na qual cabe ao juízo deprecado negar cumprimento à carta. É que os atos a realizarem-se no juízo deprecado, talvez em outro Estado-membro, dependem da iniciativa de a parte interessada prover as respectivas despesas, “antecipando-lhes o pagamento”, conforme manda o art. 82, caput. Por sinal, a restituição da carta
ocorrerá “pagas as custas pela parte” (art. 268, in fine). A lei só cuidou do assunto, obrigando ao interessado depositar a quantia devida, no juízo deprecante, tanto que a carta de ordem ou precatória seja expedida sob a forma excepcional (art. 266, segunda parte). A questão das despesas processuais assume relevo expressivo nas cartas precatórias expedidas pela Justiça Federal para cumprimento na Justiça Comum. O STJ firmou entendimento que, salvo o exercício de jurisdição federal delegada pelo juiz de direito (Súmula do STJ, n.º 190), as pessoas abrangidas no art. 109, I, da CF/1988, gozam de isenção nos atos de colaboração.61 Na execução fiscal, porém, compete a tais pessoas prover as despesas de transporte do oficial de justiça.62 Recebida a carta no juízo deprecado, e não realizando o interessado preparo imediato, aplica-se o art. 290: passados quinze dias, uma vez intimado o advogado da parte interessada (art. 261, § 3.º), o juízo deprecado cancelará a distribuição e restituirá a carta ao juízo deprecante, respeitadas as devidas cautelas (infra, 499). 499. Cumprimento e restituição das cartas O art. 268 tem caráter geral. É regra que se aplica às três espécies de cartas. Toda vez que a lei alude a uma das espécies, como no caso da via telefônica (art. 265), faz de modo expresso. É significativo que o art. 268 não contemple a restituição da carta pelo simples vencimento do prazo (art. 261, caput). As consequências respeitam tão só ao procedimento em curso no juízo remetente. De modo que, atingido ou não o prazo, a carta permanecerá no juízo destinatário até o seu cumprimento cabal. Esse cumprimento, por razões diversas, pode não ocorrer. Frustrada a diligência solicitada (v.g., o oficial de justiça não localizou o réu), o juízo destinatário restituirá a carta. A lei fixa o prazo de dez dias. Esse prazo contase da juntada aos autos do mandado de citação e de intimação ou, de mais genérico, do cumprimento ou da frustração da diligência. Não fica cópia no juízo deprecado. Esse é o sentido da dispensa de traslado. Porém, o distribuidor fará as anotações de estilo. No caso de existirem despesas pendentes (v.g., o oficial de justiça deslocouse para vários lugares e a provisão inicial esgotou-se),63 vez que o interessado já as antecipou, haverá a necessidade de intimá-lo (art. 261, § 2.º, in fine). Permanecendo inerte, como as consequências dessa omissão recaem sobre o interessado, permanecerá a carta no juízo deprecado indefinidamente, restando arquivá-la.
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO (os números correspondem aos itens deste volume) A Ação – classificação critérios – 227.2 equivalência com a classificação das sentenças – 227.1 funções do processo – 227.3 objeto – 227 – condenatória – 233 – constitutiva – 232 – declarativa – 231 – eficácia principal e eficácias secundárias – 228 – executiva – 235 – mandamental – 234 – material – 230 – natureza – 223 – satisfação em decorrência da eficácia – 229 – teorias – 222 balanço das teorias – 222.5 concepção inicial – 221.1 teoria abstrata – 222.3 teoria concreta – 222.2 teoria eclética – 222.4 Ação civil pública – natureza da sentença – 48.3 – objeto – 48.1 – partes – 48.2 Ação popular – natureza da sentença – 47.3 – objeto – 47.1
– partes – 47.2 Ações – condenatória – 233 – constitutiva – 232 – declarativa – 231 – executiva – 235 – mandamental – 234 Acesso à Justiça – conteúdo essencial – 120 – esgotamento da instância desportiva – 123 da instância administrativa – 124 – exclusão de matérias na tutela coletiva – 126 – finalidades – 121 – regime geral das limitações – 122 – proibição da litisregulação ope iudicis – 125 Adequação – procedimento – 104.3 – procedimento na cumulação de causas – 271.2 – procedimento na cumulação de pedidos – 280.4 Administração – controle judiciário – 36 Advogado dativo – isenção do ônus de impugnação específica dos fatos constitutivos – 332.1 Ampla defesa – conteúdo essencial – 136 – finalidades – 137
– regime geral das limitações – 138 limitações no ambiente eletrônico – 143 limitações da defesa na representação técnica – 139 limitações perante a natureza da causa – 142 limitações temporais à defesa – 140 limitações na prova – 141 Amplitude – princípio da defesa – 311.3 Amplo acesso – jurisdição brasileira – 198.3 Aplicações – devido processo – 129 – interesse processual – 225.3.5 Arbitragem – controle judiciário – 30 – efeitos – 28 – espécies – 24 facultativa e vinculante – 24.5 individual e institucional – 24.1 livre e obrigatória – 24.2 nacional e internacional – 24.4 segundo o direito e segundo a equidade – 24.3 – execução da sentença arbitral – 29 – natureza – 23 – objeto – 25 – origens – 22 – partes – 26 – procedimento – 27
Assinatura – juízo remetente na carta – 494.4 Assistência – revelia – 360 Atitudes – réu perante a inexistência ou nulidade da citação – 316.3 – autor na especificação de provas – 366.4 – autor perante a exceção substancial – 344 consequências desrespeito ao contraditório – 344.4 impugnação – 344.2 omissão – 344.1 reconhecimento – 344.3 Audiência – Ministério Público no conflito de competência – 481 Ausência – caução e outro pressuposto processual objetivo – 326 – legitimidade e interesse processual – 325 Autonomia – relação processual – 93.1 Autorização – falta – 323 Auxílio direto – meio de cooperação internacional especial – 218.2 C Cabimento – exceção de incompetência na execução momento e forma da alegação na execução de título extrajudicial – 489.1.1
momento e forma da alegação na execução de título judicial – 489.1.2 – exceção de incompetência no processo cautelar – 489.2 Caráter – absoluto ou relativo do direito à licitude da prova – 160 – itinerante das cartas – 496 – subsidiário do procedimento comum – 108 Caracteres – da Justiça Pública – 4 Características – defesa – 309 – defesa de mérito direta – 328 Características da jurisdição – imparcialidade do órgão judiciário – 181.2 – inércia do órgão judiciário – 181.2 – palavra final do órgão judiciário – 181.3 Características da relação processual – autonomia – 93.1 – complexidade – 93.3 – totalidade – 93.2 Características do procedimento – comum – 106.1 – convencional – 106.2 – do procedimento cautelar comum – 114 – dos procedimentos especiais – 107 Cartas – caráter itinerante – 496 – carta arbitral – 493.4 – carta de ordem – 493.1
– carta precatória – 493.2 – carta rogatória – 493.3 ativa – 219 passiva – 220 – cumprimento – 499 – modos de expedição – 492 – prazo – 494 – recusa de cumprimento – 498 – requisitos – 494 – restituição – 499 Casos – competência absoluta e relativa – 317.1 – conexão inseridos na defesa dilatória – 318.4 – inadmissibilidade da declaração incidente – 299 – jurisdição internacional exclusiva – 200 – jurisdição internacional concorrente – 203 – recusa do cumprimento da carta precatória – 498 explícitos – 498.1 implícitos – 498.2 – reunião de processos – 306 Categorias – defesa – 313 Caução – pro litis expensis – 326.1 Causa de pedir – conceito – 243 – componentes – 245 – espécies
causa ativa e passiva – 250 fechada e aberta – 252 causa remota e próxima – 249 causa simples, composta e complexa – 251 – fatos constitutivos – 247 fatos principais – 247.1 fatos relativos ao interesse – 247.3 fatos secundários – 247.2 – fundamento legal – 246 – fundamentos jurídicos – 248 – individualização e substancialização – 244 – pretensão a executar – 253 – pretensão à segurança – 254 Causas – modificação da demanda – 288 – abrangidas na competência em razão da pessoa da Justiça Federal – 388.1 – excluídas da competência em razão da pessoa da Justiça Federal – 388.2 causas acidentárias – 388.2.2 causas concursais – 388.2.1 causas eleitorais – 388.2.3 causas trabalhistas – 388.2.4 competência do juiz de direito – 388.2.5 controle da intervenção do sujeito federal – 388.6 posição do sujeito federal no processo – 388.5 sujeitos excluídos – 388.3 sujeitos incluídos – 388.5 Cautelar
– revelia – 352 Celeridade – conteúdo essencial – 161 – finalidades – 162 – responsabilidade decorrente do descumprimento – 163 Certeza – pedido – 258.1 Chamamento ao processo – revelia – 359 Chamamento em garantia – revelia – 357 Classes – preliminares processuais dilatórias – 315 – preliminares processuais peremptórias – 319 Classificação – ações – 227 – competência de foro – 418 – cumulação de pedidos originária – 278 – fatos jurídicos – 312 – intervenção na autonomia privada – 196 – possibilidade jurídica do pedido – 225.1.2 – pedido – 256 pedido material e processual – 256.2 pedido mediato e imediato – 256.1 – pressupostos processuais – 100 – procedimentos – 105 – procedimentos executivos – 113 – revelia – 349
– formal e substancial – 349.2 total e parcial – 349.1 Cláusula de eleição de foro – forma – 464.1.2 – limitação – 464.1.3 – objeto – 464.1.1 Cognição – princípio da cognição plenária e sumária do procedimento – 104.2 Coincidência – cronológica do registro ou da distribuição na prevenção da competência – 465.1 – falta entre a litispendência e a coisa julgada – 322.1.1 Coisa julgada – desconsideração – 178 – formal – 175.1 – limitações temporais – 177 – material – 175.2 Comparecimento espontâneo – réu perante a inexistência ou nulidade da citação – 316.3 Compatibilidade – ações na cumulação originária subjetiva – 271.3 – procedimentos – 110 Competência – conceito – 380 – conflito – 470 – controle – 488 competência absoluta – 490 competência relativa – 489
– cumulação de causa de pedir – 275.3 – cumulação de pedidos – 280.3 – declaração incidente – 297.4 – domínios – 381 – em razão da matéria – 394 – em razão da pessoa – 387 – em razão do valor – 400 – espécies competência absoluta e relativa – 382 competência exclusiva e concorrente – 384 competência horizontal e vertical – 386 competência originária e recursal – 385 competência plena e privativa – 383 – execução universal – 455 singular – 456 – funcional – 404, 408 – fundamento – 379 – identidade na cumulação subjetiva – 271.2 comunhão – 271.2.1 conexão – 271.2.2 demais casos de litisconsórcio – 271.2.3 – modificações da competência – 460 – perpetuação da competência – 466 – problema de competência – 378 identificação das fontes legislativas – 378.3 identificação dos dados de afetação – 378.2 identificação dos órgãos jurisdicionais – 378.1
– pretensão à segurança – 457 cautelares antecedentes – 459 cautelares incidentes – 458 – remédios constitucionais – 449 – territorial – 416 Competência de foro – classificação – 418 – definição – 417 – divisão judiciária – 416 – foro principal e foro subsidiário – 419 Competência de “jurisdição” – concurso especial de credores – 455.4.2 Competência em razão da matéria – fonte – 394 – Juizados especiais competência executiva – 399.4 Juizados da Fazenda Pública – 399.5 títulos judiciais – 399.4.1 títulos extrajudiciais – 399.4.2 juizados ordinários da Justiça Comum – 399.1 excluídas – 399.1.4 possessória sobre imóveis – 399.1.3 procedimento sumário – 399.1.1 arrendamento rural e parceria agrícola – 399.1.1.1 cobrança de condomínio – 399.1.1.2 cobrança de honorários profissionais – 399.1.1.6 cobrança de seguro de danos em acidente de trânsito – 399.1.1.5 pretensões previstas em leis extravagantes – 399.1.1.7
ressarcimentos de danos em acidente de trânsito terrestre – 399.1.1.4 ressarcimento de danos em prédio urbano ou rústico – 399.1.1.3 retomada de imóvel locado para uso próprio – 399.1.2 Juizados da Fazenda Pública da Justiça Comum critério negativo – 399.2 Juizados da Fazenda Pública da Justiça Federal critério negativo – 399.3 – Justiça Comum – 398 – Justiça Federal – 395 causas relativas a direitos indígenas – 395.2 causas relativas à nacionalidade e à naturalização – 395.3 causas relativas aos direitos humanos – 395.4 causas relativas a tratado, contrato da União – 395.1 – Tribunais de segundo grau – 397 – Tribunais superiores – 396 conflitos de atribuições – 396.2 conflitos de competência – 396.1 execução dos seus julgados – 396.3 rescisórias – 396.4 Competência em razão da pessoa – Juizados especiais – 393 – Justiça Comum – 392 – Justiça Federal – 388 autoridade coatora no mandado de segurança e habeas data – 390 causas abrangidas – 388.1 causas excluídas – 388.2 Estado estrangeiro – 389 Município – 389
organismo estrangeiros – 389 pessoa domiciliada ou residente no País – 389 – tribunais superiores – 391 Competência em razão do valor – fontes – 400 – juizados especiais da Fazenda Pública da Justiça Comum – 402 – juizados especiais da Fazenda Pública da Justiça Federal – 403 – juizados especiais ordinários da Justiça Comum – 401 Competência funcional – conceito – 404 – concurso especial de credores – 455.4.1 – espécies – 406 – fontes – 405 – relevância – 407 Competência funcional horizontal – fundamentos – 412 – juízos de primeiro grau – 415 execução por carta – 415.3 execução de título judicial – 415.2 prática de atos processuais – 415.1 – tribunais de segundo grau – 414 – tribunais superiores – 413 Competência funcional vertical – fundamentos – 408 – Justiça Federal de primeiro grau – 411 executar carta rogatória – 411.1 executar sentença estrangeira – 411.2 – tribunais de segundo grau – 410
– tribunais superiores – 409 Competência na execução – execução singular – 456 execução fiscal – 456.3 título extrajudicial – 456.2 título judicial causas originárias do primeiro grau – 456.1.2 causas originárias dos tribunais – 456.1.1 demais títulos judiciais – 456.1.3 – execução universal concurso especial de credores – 455.4 falência e recuperação judicial – 455.2 insolvência e recuperação civil – 455.1 unidade do juízo na execução universal – 455.3 Competência na jurisdição de urgência – competência nas cautelares antecedentes – 459 – competência nas cautelares incidentes – 458 – problema de competência da pretensão à segurança – 457 Competência para julgar o conflito de competência – entre tribunais – 473.4 – órgãos e juízes do mesmo tribunal – 473.5 – órgãos judiciários da mesma Justiça – 473.1 – órgãos judiciários de primeiro grau de Justiças diferentes – 473.2 – órgãos judiciários de primeiro grau e tribunais – 473.3 Complexidade – relação processual – 93.3 Composição – causa de pedir – 245
– pressupostos processuais – 98 Comunicação – atos processuais na revelia – 372 constitucionalidade da dispensa do contraditório – 372.1 desentranhamento da contestação extemporânea – 372.5 ingresso tardio do revel – 372.4 pressupostos – 372.2 Conceito – causa de pedir – 243 – competência – 380 – competência de foro ou territorial – 418 – competência funcional – 404 – conexão – 302 – conflito de competência – 470 – cumulação de causas de pedir – 272 – cumulação originária de ações – 267 – cumulação originária de pedidos – 277 – cumulação originária subjetiva – 269 – direito processual civil – 49 – foro especial – 425 – impossibilidade jurídica do pedido – 225.1.1 – impugnação de direito – 335 – impugnação dos fatos – 329 – jurisdição – 179 – modificação da competência – 460 – modificação da demanda – 285 – objeto litigioso – 236 – pedido – 255
– perpetuação da competência – 466 – pressupostos processuais – 99 – procedimento – 102 – processo – 82 – questão prejudicial – 293 – relação processual civil – 89 – revelia – 346 Concentração – princípio da defesa – 311.1 Conciliação – diferença da mediação – 8 – efeitos – 14 – espécies – 9 – participantes – 12 – procedimento – 12 – objeto – 11 – natureza – 10 Concurso especial de credores – competência de “jurisdição” na penhora – 455.4.2 – competência funcional na penhora – 455.4.1 – modificações supervenientes do estado de fato – 455.4.3 – obrigatoriedade da reunião das execuções – 455.4.4 – oportunidade e efeitos da reunião das execuções – 455.4.5 Concurso de normas – 274 Condição – atos decisórios proferidos pelo juízo incompetente – 489.3 Condições da ação – espécies – 225
interesse processual – 225.3 legitimidade das partes – 225.2 possibilidade jurídica do pedido – 225.1 – momento e forma do controle – 226 surgimento posterior – 226.1 desaparecimento posterior – 226.2 – subsistência – 224 Conexão – casos inseridos na defesa dilatória – 318.4 – competência na cumulação subjetiva – 271.2.2 – conceito – 302 – consequências da alegação na defesa – 318.3 – espécies – 303 – objetiva na cumulação de causas – 275.2 – obrigatoriedade da reunião dos processos – 318.2 – relevância – 318.1 – subjetiva na cumulação de causas – 275.2 Conflito – 1 Conflito de competência – competência para julgar o conflito – 473 entre tribunais – 473.4 órgãos e juízes do mesmo tribunal – 473.5 órgãos judiciários da mesma Justiça – 473.1 órgãos judiciários de primeiro grau de Justiças diferentes – 473.2 órgãos judiciários de primeiro grau e tribunais – 473.3 – conceito – 470 – espécies – 471 – legitimidade para instaurar conflito de competência – 472
legitimidade do Ministério Público – 472.2 legitimidade do órgão judiciário – 472.1 legitimidade das partes – 472.3 – julgamento do conflito de competência conteúdo do julgamento singular – 485 efeitos do julgamento do conflito de competência – 487 julgamento colegiado – 482 momento do julgamento singular – 484 pressupostos do julgamento singular – 483 recurso cabível contra o julgamento singular – 486 – procedimento do conflito de competência audiência do Ministério Público no conflito – 487 distribuição do conflito – 477 forma da instauração do conflito – 474 indeferimento liminar do conflito – 476 instrução do conflito – 475 juízo competente para medidas de urgência no conflito – 480 requisição de informações – 478 suspensão do processo no conflito – 479 Congruência – pedido – 258.2 Conhecimento – normas processuais – 56 Consentimento – réu na modificação da demanda – 289.2 Consequências – alegação dos defeitos da petição inicial na defesa – 320.2 – conexão alegada na defesa do réu – 318.3
– configuração da litispendência e da coisa julgada – 322.3 – desrespeito ao contraditório na alegação da exceção substancial – 344.4 – falta da impugnação de direito – 338 – falta da impugnação dos fatos – 334 – falta de prazo na carta – 495.3 – falta do interesse processual – 225.3.7 – falta dos requisitos do pedido – 258.4 – falta e insuficiência da motivação – 148 – futuras dos ilícitos e pedido genérico – 261.2 – prova ilícita no processo civil – 158.4 – vencimento de prazo da carta – 495.2 Constituição – tribunal arbitral – 494.6 Conteúdo – forma excepcional das cartas – 497.3 – julgamento singular do conflito de competência – 485 – perpetuação da competência – 468 – provimento de especificação de provas – 366.2 – normas procedimentais – 103.1 Conteúdo essencial – acesso à justiça – 120 – ampla defesa – 136 – celeridade – 161 – contraditório – 130 – duplo grau – 164 – devido processo – 127 – estabilidade ou coisa julgada – 175 – juiz natural – 149
– igualdade – 153 – licitude da prova – 158 – motivação – 145 – publicidade – 168 Conteúdo mínimo da estabilidade ou coisa julgada – coisa julgada formal – 175.1 – coisa julgada material – 175.2 Contraditório – conteúdo essencial – 130 – consequências do desrespeito na alegação de exceção substancial – 344.4 – finalidades – 131 – restrições diferimento em razão da urgência e da evidência – 133 diferimento em razão da função instrumental – 134 diferimento em razão da vantagem – 135 impossibilidade da supressão – 131 Controle – condições da ação – 226 surgimento posterior – 226.1 desaparecimento posterior – 226.2 – competência no processo civil – 488 – cumulação originária de ações efeitos – 281.3 iniciativa – 281.1 momento – 281.2 – declaração incidente – 300 – incompetência absoluta e relativa – 317.2
– intervenção do sujeito federal no processo – 388.6 – jurisdição – 183 – pressupostos processuais – 101 Controle concentrado de constitucionalidade – fonte jurisprudencial das normas processuais – 62.2 Controle da competência absoluta – 490 – efeitos do reconhecimento da incompetência absoluta – 490.3 – forma da alegação – 490.1 – legitimidade para alegar a incompetência absoluta – 490.2 – momento da alegação – 490.1 – recursos cabíveis – 490.4 Controle da competência relativa – 489 – cabimento da exceção de incompetência na execução – 489.1 forma da exceção na execução de título extrajudicial – 490.1.1 forma da exceção na execução de título judicial – 490.1.1 – cabimento da exceção de incompetência no processo cautelar – 489.2 – condição dos atos decisórios proferidos pelo juízo incompetente – 489.3 Controle judiciário – administração – 36 – arbitragem – 30 – remédios – 42 ação civil pública – 48 ação popular – 47 habeas corpus – 43 habeas data – 44 mandado de injunção – 46 mandado de segurança 45 Convenção de arbitragem
– efeitos – 324.4 – espécies – 324.2 execução específica da cláusula compromissória – 324.2.1 princípio de competência na cláusula compromissória – 324.2.2 – natureza – 324.1 Conversão – procedimento – 111 Cooperação – partes no cumprimento da carta – 495.4 Cooperação internacional especial – carta rogatória ativa – 219 passiva – 220 – formas – 216 – objeto – 217 – meios – 218 auxílio direto – 218.2 carta rogatória – 218.1 Cooperação internacional geral – fundamentos – 212 – homologação da sentença estrangeira – 213 competência – 213.2 efeitos – 215 legitimidade – 213.3 objeto – 213.2 procedimento – 214 Cooperação nacional – formas – 492
– espécies de cartas – 493 carta arbitral – 493.4 carta de ordem – 493.1 carta precatória – 493.2 carta rogatória – 493.3 Coordenação – sistemas das ações civil e penal – 34 – regime das ações civil e penal – 35 Correção monetária – pedido implícito – 262.3 Correção da legitimidade passiva – revelia – 361 Criança e adolescente – competência de foro – 442 Crise – Justiça Pública – 5 Critério – fixação de prazo na carta – 495.1 Cumprimento – carta – 499 Cumulação – medida de urgência cautelar – 284 Cumulação de ações – reunião de processos – 301 Cumulação de causas de pedir – conceito – 272 – concurso de normas – 274 – espécies – 273
simples – 273.1 sucessiva – 273.2 – requisitos adequação do procedimento – 275.3 conexão objetiva – 275.2 conexão subjetiva – 275.1 indicação implícita – 275.4 – restrições – 276 Cumulação objetiva – revelia – 353 Cumulação originária de ações – conceito – 267 – controle – 280 efeitos – 281.3 iniciativa – 281.1 momento – 281.2 – espécies – 268 Cumulação originária de pedidos – conceito – 277 – classificação – 278 – espécies – 279 eventual – 279.3 simples – 279.1 sucessiva – 279.2 – requisitos – 280 adequação do procedimento – 280.4 compatibilidade das ações – 280.2 competência comum – 280.3
conexão subjetiva – 280.1 Cumulação originária subjetiva – conceito – 269 – espécies – 270 – requisitos – 271 compatibilidade das ações – 271.3 identidade de competência – 271.2 identidade de procedimento – 271.1 restrições à formação do litisconsórcio – 271.4 Cumulação subjetiva – revelia – 353 Cumulação sucessiva de ações – cumulação de medida de urgência cautelar – 284 – espécies – 282 – redução do objeto litigioso – 283 Curador especial – isenção do ônus de impugnação específica dos fatos constitutivos – 332.2 D Declaração da incompetência – controle da competência absoluta – 490 efeitos do reconhecimento da incompetência absoluta – 490.3 forma da alegação – 490.1 legitimidade para alegar a incompetência absoluta – 490.2 momento da alegação – 490.1 recursos cabíveis – 490.4 – controle da competência relativa cabimento da exceção de incompetência na execução – 489.1
forma da exceção na execução de título extrajudicial – 490.1.1 forma da exceção na execução de título judicial – 490.1.1 cabimento da exceção de incompetência no processo cautelar – 489.2 condição dos atos decisórios proferidos pelo juízo incompetente – 489.3 Declaração incidente – casos de inadmissibilidade – 299 – conceito – 293 – controle – 300 – espécies de questões prejudiciais – 293 – finalidades – 295 – fundamento – 292 – natureza – 294 – objeto – 296 – pressupostos – 297 competência – 297.4 identidade de procedimento – 297.3 interesse processual – 297.2 legitimidade – 297.1 – revelia – 298 – subsistência – 292 – revelia – 356 Defeito(s) – abrangidos na inépcia da inicial – 320.1 – congênitos das reformas processuais – 75.3 – representação – 324 Defensor público – isenção do ônus de impugnação específica dos fatos constitutivos – 332.3
Defensor público natural – 152 Defesa – características – 309 – categorias – 313 ativa – 313.3 mérito – 313.2 processual – 313.1 – estrutura – 414 – fundamento constitucional – 308 – natureza – 310 – princípios – 311 amplitude – 311.3 concentração – 311.1 eventualidade – 311.2 Defesa de mérito – exceções substanciais e objeções substanciais – 313.2.3 – direta – 313.2.1 – indireta – 313.2.2 Defesa de mérito direta – características – 328 – espécies – 327 – impugnação de direito – 335 – impugnação de fato – 329 Defesa de mérito indireta – efeitos – 344 consequências do desrespeito do contraditório – 344.4 impugnação do autor – 344.2 julgamento da exceção substancial – 345
omissão do autor – 344.1 reconhecimento da exceção substancial pelo autor – 344.3 – espécies de exceções substanciais – 341 exceções autônomas e dependentes – 341.1 exceções dilatórias e peremptórias – 341.3 exceções pessoais e impessoais – 341.2 – exceção como meio de defesa do réu – 339 – natureza da exceção substancial – 340 – ônus de alegar e ônus de provar – 343 – principais exceções substanciais – 342 Defesa processual – dilatória – 312.1.2 – exceções processuais e objeções processuais – 313.1.3 – peremptória – 313.1.1 Depósito – sucumbência anterior – 326.2 Desapropriação – competência de foro – 439 Descaracterização – revelia – 347 Desconsideração – coisa julgada – 178 Desentranhamento – contestação extemporânea – 372.5 Despesas processuais – pedido implícito – 262.1 Determinação – pedido – 258.2
Devido processo – aplicações – 129 – conteúdo essencial – 127 – finalidades – 128 Diferença – inexistência e nulidade da citação – 316.1 – questões de fato e questões de direito – 336 Diferimento do contraditório – em razão da função instrumental do processo – 134 – em razão da urgência e da evidência – 133 – em razão da vantagem da parte – 135 Direito à prova – autor na revelia – 368 – réu na revelia – 367 – caráter absoluto ou relativo – 160 – conteúdo e eventualidade – 158.1.1 – consequências da prova ilícita – 158.4 – finalidades – 158.1.2 – formas da ilicitude da prova – 159 – formas de desvelar a privacidade – 158.3 – limitações – 158.2 Direito intertemporal – competência – 69.1 – prova – 69.3 – recursos – 69.2 Distribuição – conflito de competência – 477 Divisão judiciária
– território na Justiça Federal e na Justiça Comum – 416 Domicílio – jurisdição internacional concorrente – 204 – foro comum – 420, 421, 422, 423 e 424 – foro especial – 427, 428, 429, 430, 431, 432, 433, 437 Domínios – competência – 381 Duplicata – competência de foro – 440 Duplo grau de jurisdição – conteúdo essencial – 161 – forma de operação – 167 – fundamentos – 163 – limitações – 166 E Efeitos – arbitragem – 28 – colaterais das reformas processuais – 75.4 – controle da cumulação originária de ações – 281.3 cumulação causal – 281.3.2 cumulação de pedidos – 281.3.3 cumulação subjetiva – 281.1 – convenção de arbitragem – 324.3 – decisão do pedido de restituição – 377 – homologação da sentença estrangeira – 215 – incompetência nos juizados especiais – 491 – inexistência da presunção de veracidade na revelia– 366 atitudes do autor na especificação de provas – 366.4
conteúdo do provimento de especificação de provas – 366.2 controle da admissibilidade da especificação de provas – 366.5 pressupostos da especificação de provas – 366.1 – julgamento do conflito de competência – 487 – litispendência e jurisdição internacional concorrente – 208 – manifestação precisa do réu – 330.5 – modificação de demanda – 291 – oferecimento da exceção substancial – 344 consequências do desrespeito do contraditório – 344.4 impugnação do autor – 344.2 julgamento da exceção substancial – 345 omissão do autor – 344.1 reconhecimento da exceção substancial pelo autor – 344.3 – procedimento convencional – 106.2.5 – prevenção da competência – 465.2 – reconhecimento da incompetência – 317.5 – reconhecimento da incompetência absoluta – 490.1 – reunião de processos – 307 Efeito material da revelia – direito do autor à prova – 368 – direito do réu à prova – 367 – presunção de veracidade – 362 efeitos da inexistência – 366 exceções – 365 natureza – 364 objeto – 363 – resultado da instrução – 369 Efetividade
– jurisdição brasileira – 198.1 – processo civil – 6 Eficácia – ação material – 230 – principal e secundárias da ação – 228 Eleição do foro – jurisdição concorrente – 307 – prorrogação expressa da competência – 464.1 Enumeração – efeitos processuais da revelia – 370 – fontes das normas processuais – 57 – princípios da jurisdição – 184 Esgotamento – instância administrativa – 124 – instância desportiva – 123 Espécies – arbitragem – 24 – cartas – 493 carta arbitral – 493.4 carta de ordem – 493.1 carta precatória – 493.2 carta rogatória – 493.3 – causa de pedir causa ativa e passiva – 250 fechada e aberta – 252 causa remota e próxima – 249 causa simples, composta e complexa – 251 – competência
competência absoluta e relativa – 382 competência exclusiva e concorrente – 384 competência horizontal e vertical – 386 competência originária e recursal – 385 competência plena e privativa – 383 – competência funcional – 406 – condições da ação – 225 interesse processual – 225.3 legitimidade das partes – 225.2 possibilidade jurídica do pedido – 225.1 – conexão – 303 – conflito de competência – 471 – convenção de arbitragem – 324.2 – cumulação de causas de pedir – 273 cumulação simples – 273.1 cumulação sucessiva – 273.2 – cumulação originária de ações – 268 – cumulação de pedidos – 279 eventual – 279.3 simples – 279.1 simples – 279.2 – cumulação originária subjetiva – 270 – cumulação sucessiva de ações – 282 – defesa direta de mérito – 327 – exceções substanciais – 341 exceções autônomas e dependentes – 341.1 exceções dilatórias e peremptórias – 341.3 exceções pessoais e impessoais – 341.2
– execução – 112 – juizados especiais – 17 – limitações da jurisdição – 199 – jurisdição – 182 civil e penal – 182.1 comum e especial – 182.2 contenciosa e voluntária – 182.4 inferior e superior – 182.3 – modificação da competência – 462 – modificação da demanda – 187 simples e cumulativa – 287.1 unilateral e bilateral – 287.2 – normas processuais – 55 – pedido certo e implícito – 262 determinado e genérico – 261 divisível e indivisível fixo e alternativo – 263 simples e cominatório – 264 único e múltiplo – 260 – questões prejudiciais – 293 Estabelecimento – competência do principal – 434.3 – competência do secundário – 434.2 Estabelecimento de ensino – competência de foro – 446 Estado de direito – perpetuação da competência – 468.2
Estado de fato – perpetuação da competência – 468.1 Estrutura – defesa – 314 – processo civil – 3 Eventualidade – princípio da demanda – 311.2 Evolução – das garantias processuais – 116 – do processo civil – 70 Exceções – processuais – 313.1.3 – substanciais – 313.2.3 espécies – 341 Exceções à perpetuação da competência – criação de órgão judiciário – 469.2 – modificações da competência absoluta – 469.3 – supressão de órgão judiciário – 469.1 Exceções objetivas à impugnação específica dos fatos constitutivos – fatos comuns no litisconsórcio unitário – 333.4 – fatos dependentes de prova documental – 333.2 – fatos em contradição ao conjunto da defesa – 333.3 – fatos insuscetíveis de confissão – 333.1 Exceções à presunção de veracidade na revelia fatos contraditados pela prova produzida – 365.6 fatos controvertidos por um dos réus – 365.1 fatos desconhecidos pelo con-testante – 365.4 fatos inverossímeis, impossíveis e improváveis – 365.5
fatos relativos a direitos indisponíveis – 365.2 fatos subordinados à prova documental – 365.3 Exceções subjetivas à impugnação específica dos fatos constitutivos – isenção do advogado dativo – 332.1 – isenção do curador especial – 332.2 – isenção do defensor público – 333.3 Exceções substanciais – autônomas e dependentes – 341.1 – dilatórias e peremptórias – 341.3 – pessoais e impessoais – 341.2 Execução – competência execução singular – 456 título judicial – 456.1 título extrajudicial – 456.2 execução fiscal – 456.3 execução universal – 455 concurso especial de credores – 455.4 falência e recuperação judicial – 455.2 insolvência e recuperação civil – 455.1 unidade do juízo – 455.3 – específica da cláusula compromissória – 324.2.1 – juizados especiais – 21 definição de dívida de pequeno valor – 21.1 destinatário da ordem de cumprimento – 21.3 descumprimento da ordem – 21.5 emissão da ordem de cumprimento – 21.4 execução incidente – 21.2
– pedido – 266 – sentença arbitral – 29 – revelia – 351 Extinção – processo em virtude da incompetência absoluta – 317.5.1 – relação processual – 96 F Fase preliminar – processo civil – 7 Fatos – constitutivos na causa de pedir – 247 impugnação direta do réu – 330 impugnação indireta do réu – 332 – fatos principais – 247.1 – fatos relativos ao interesse – 247.3 – fatos secundários – 247.2 Fatos jurídicos – constitutivos – 312.1 – extintivos – 312.2 – impeditivos – 312.4 – modificativos – 312.3 Finalidade(s) – declaração incidente – 295 – direito à ampla defesa – 137 – direito de acesso à justiça – 121 – direito à celeridade – 163 – direito ao contraditório – 131 – direito do devido processo – 128
– direito à juiz natural – 150 – direito à igualdade – 154 – direito à motivação – 146 finalidades externas – 146.1 finalidades internas – 146.2 – iniciativa do réu na alegação de litispendência e da coisa julgada – 322.2 – manifestação precisa do réu – 330.3 Fontes – competência em razão da matéria – 394 – competência em razão do valor – 400 – competência funcional – 405 Fontes das normas processuais – constitucionais – 58 – costumeiras – 63 – enumeração das fontes – 57 – jurisprudenciais – 62 controle concentrado de constitucionalidade – 62.2 súmula vinculante – 62.1 precedente obrigatório – 62.3 – infraconstitucionais – 59 – locais – 60 – regulamentares – 61 Forma – alegação da exceção de incompetência relativa na execução – 489.1.1, 489.1.2 – alegação da incompetência absoluta – 490.1 – controle das condições da ação – 226 – instauração do conflito de competência – 474
– intervenção na autonomia privada – 194 – modificação da demanda – 290 – operação do duplo grau de jurisdição – 167 – relação processual – 91 Formas – cooperação nacional – 492 – desvelamento da privacidade – 158.3 – ilicitude da prova – 159 Formação – relação processual – 95 Foro Comum – principal: domicílio – 420 – primeiro foro subsidiário: pluralidade de domicílios – 421 – segundo foro subsidiário: domicílio desconhecido ou incerto – 422 – terceiro foro subsidiário: pessoa domiciliada no exterior – 423 – quarto foro subsidiário: pluralidade de réus – 424 Foro Especial – ações de família – 432 – competência federal delegada – 432 causas previdenciárias – 431.1 execução fiscal – 431.3 lavra e pesquisa de minério – 431.5 lugar do dano na ação civil pública – 431.6 naturalizando – 431.4 produção antecipada de prova – 431.2 – definição – 425 – domicílio do alimentando – 433 – domicílio do representante do incapaz – 429
– Estado-membro e Distrito Federal – 438 – lugar do cumprimento da obrigação – 434 – reparação do dano – 436 – reparação do dano originário de delito ou acidente de trânsito – 437 domicílio do autor ou local do ato ou do fato no acidente de trânsito – 437.1 domicílio do autor ou local do fato nos delitos civis e penais – 437.2 – sociedades privadas personificadas ou não – 434 foro do estabelecimento principal – 434.3 foro do estabelecimento secundário – 434.2 foro da sede – 434.1 foro da sede da serventia notarial ou registral – 434.4 – situação da coisa – 426 – sujeitos federais – 430 causas em razão da matéria – 430.3 demais sujeitos federais – 430.2 União – 430.1 – último domicílio do ausente – 428 – último domicílio do autor da herança – 427 Foro em Leis Extravagantes – desapropriação – 439 – duplicata – 440 – ações contra estabelecimentos de ensino – 446 – ações em favor da criança e do adolescente – 442 – ações em favor de idoso – 441 – ações de nulidade de patente – 443 – ações de representação comercial – 444 – ações de responsabilidade nas relações de consumo – 445
– improbidade administrativa – 448 – usucapião – 447 Foro Subsidiário – 419, 421, 422, 423, 424 Função – garantias processuais – 119 – interesse processual – 225.3.2 Função judicial – redefinição – 77 Funções da jurisdição – 180 Funções instrumentais – processo – 2 Fundamento(s) – competência – 379 – competência funcional horizontal – 412 – competência funcional vertical – 408 – cooperação internacional – 212 – declaração incidente – 292 – defesa – 308 – duplo grau de jurisdição – 165 – juizados especiais – 15 – jurídicos na causa de pedir – 248 – legal na causa de pedir – 246 – manifestação precisa do réu – 330.1 – modificação da demanda – 286 – pedido de restituição – 374 – perpetuação da competência – 467 G Garantias processuais
– evolução – 116 – funções – 119 – identificação – 117 – terminologia – 118 H Habeas corpus – natureza da sentença – 43.3 – objeto – 43.1 – partes – 43.2 Habeas data – natureza da sentença – 44.3 – objeto – 44.1 – partes – 44.2 Homologação da sentença estrangeira – competência – 213.2 – efeitos – 215 – legitimidade – 213.3 – objeto – 213.2 – procedimento – 214 – processo – 212 Honorários advocatícios – pedido implícito – 262.1 I Identidade – causas na litispendência e na coisa julgada – 322.1 – competência na cumulação subjetiva – 271.2 comunhão – 271.2.1 conexão – 271.2.2
demais casos de litisconsórcio – 271.2.3 – procedimento na cumulação subjetiva – 271.1 – procedimento na declaração incidente – 297.3 Identificação – garantias processuais – 117 – juízos remetente e destinatário nas cartas – 494.1 – objeto da carta – 494.3 Idoso – competência de foro – 441 Igualdade – compensações à desigualdade – 155 – conteúdo essencial – 153 – finalidades – 154 – formal – 156 nos atos processuais – 156.2 na distribuição do ônus da prova – 156.3 na natureza do ato processual – 156.5 na ordem cronológica dos julgamentos – 156.8 nos prazos processuais – 156.1 no regime financeiro do processo – 156.7 nos recursos – 156.4 na tramitação do processo – 156.6 – material – 157 Imóveis – jurisdição internacional exclusiva – 201 Impossibilidade – supressão do contraditório – 132 Improbidade administrativa
– competência de foro – 448 Impugnação – concessão do benefício da gratuidade – 326.4 – valor da causa – 326.3 Impugnação de direito – conceito – 335 – consequências da falta de impugnação de direito – 338 – diferença entre questões de fato e questões de direito – 336 – modalidades – 337 Impugnação de fato – conceito – 329 – consequências da falta de impugnação de fato – 334 – exceções objetivas à impugnação específica – 333 fatos comuns no litisconsórcio unitário – 333.4 fatos dependentes de prova documental – 333.2 fatos em contradição ao conjunto da defesa – 333.3 fatos insuscetíveis de confissão – 333.1 – exceções subjetivas à impugnação específica – 332 isenção do advogado dativo – 332.1 isenção do curador especial – 332.1 isenção do defensor público – 332.3 – impugnação direta – 330 efeitos da manifestação precisa – 330.5 finalidade da manifestação precisa – 330.3 fundamento da manifestação precisa – 330.1 natureza da manifestação precisa – 330.3 requisitos da manifestação precisa – 330.4 – impugnação indireta – 331
Imunidades – regime das imunidades jurisdicionais – 209 – pessoal – 210 – patrimonial – 211 Incapacidade – parte – 323 Incompetência – casos da competência absoluta e relativa – 317.1 – efeitos do reconhecimento da incompetência – 317.5 extinção do processo em virtude da incompetência absoluta – 317.5.2 remessa do processo ao juízo competente – 317.5.1 – efeitos nos juizados especiais – 491 – legitimidade para arguir a incompetência – 317.4 – oportunidade da alegação – 317.3 – regime do controle da incompetência – 317.2 Inconveniência – jurisdição brasileira – 198.4 Indeferimento – liminar do conflito de competência – 476 Indicação – implícita da cumulação de causas – 275.4 Individualização – causa de pedir – 244 – demanda coletiva – 238 – pedido – 257 Inépcia da inicial – consequências da alegação na defesa – 320.2 – defeitos abrangidos – 320.1
Inexistência e nulidade da citação – comparecimento espontâneo e atitudes do réu – 316.3 – diferença entre inexistência e nulidade – 316.1 – natureza do vício do processo – 313.6 Inexistência do efeito material da revelia – atitudes do autor na especificação de provas – 365.4 – conteúdo do provimento de especificação de provas – 366.2 – controle da admissibilidade da especificação de provas – 366.5 – prazo da especificação de provas – 366.3 – pressupostos da especificação de provas – 366.1 Ingresso tardio – revel no processo – 372.4 Iniciativa – cumulação originária de ações – 281.1 Instrução – conflito de competência – 475 Integração – das normas processuais – 67 Interesse processual – aplicações – 225.3.5 – ausência – 325 – caracterização – 225.3.3 – consequências da falta – 225.3.7 – declaração incidente – 297.2 – definição – 225.3.4 – designação apropriada – 225.3.1 – função – 225.3.2 – momento da caracterização – 225.3.6
Interpretação – declarativa das normas processuais – 66.2 – extensiva das normas processuais – 66.1 – pedido – 259 – restritiva das normas processuais – 66.3 Intervenção na autonomia privada – classificação – 196 – forma – 194 – meios – 193 – natureza– 192 – objeto – 195 Intervenção principal (oposição) – revelia – 358 Invalidação de patente – jurisdição internacional exclusiva – 202.1 J Juiz natural – conteúdo essencial – 149 – finalidades e projeções técnicas da garantia – 150 – limitações – 151 Juizados Especiais – competência em razão da matéria – 399 – competência em razão da pessoa – 393 – efeitos da incompetência absoluta – 491 – em razão do valor – 401, 402, 403 – espécies – 17 – execução – 21 – fundamento e origens – 15
– natureza – 16 – objeto – 18 juizados especiais ordinários – 18.1 juizados especiais da Fazenda Pública – 18.2 – partes – 19 – procedimento – 20 Juízo – competente para medidas de urgência no conflito de competência – 480 Julgamento – conflito de competência – conteúdo do julgamento singular – 485 – efeitos do julgamento do conflito de competência – 487 – julgamento colegiado – 482 – momento do julgamento singular – 484 – pressupostos do julgamento singular – 483 – recurso cabível contra o julgamento singular – 486 – exceção substancial – 345 Jurisdição – características – 181 imparcialidade do órgão judiciário – 181.2 inércia do órgão judiciário – 181.1 palavra final do órgão judiciário – 181.3 – conceito – 179 – controle – 183 – espécies – 182 jurisdição civil e penal – 182.1 jurisdição comum e especial – 182.2 jurisdição contenciosa e voluntária – 182.4
jurisdição inferior e superior – 182.3 – funções – 180 – limites – 197 – princípios – 184 definitividade – 191 inafastabilidade – 186 indeclinabilidade – 189 indelegabilidade – 190 inevitabilidade – 187 pré-constituição – 185 universabilidade – 187 – sistema da dualidade – 31 – sistema da unidade – 32 Jurisdição internacional – concorrente – 203 efeitos da litispendência – 208 segundo o domicílio – 204 segundo eleição do foro – 207 segundo o lugar do cumprimento da obrigação – 205 segundo o lugar do fato ou do negócio – 206 – exclusiva – 200 falência com bens imóveis no território nacional – 201.2 litígio sobre imóveis – 201 litígio sobre invalidação de patente – 201.1 partilha de imóveis situados no território brasileiro – 204 – imunidades – 209 imunidade pessoal à jurisdição brasileira – 210 imunidade patrimonial à jurisdição brasileira – 210
Jurisdição voluntária – classificação da intervenção na autonomia privada – 196 – forma da intervenção na autonomia privada – 194 – meios da intervenção na autonomia privada – 193 – natureza da intervenção na autonomia privada – 192 – objeto da intervenção na autonomia privada – 195 Juros moratórios – pedido implícito – 262.2 Justiça Comum – competência em razão da pessoa – 392 Justiça Federal – competência em razão da matéria – 395 – competência em razão da pessoa – 388, 389, 390 – competência funcional vertical – 411 executar carta rogatória – 411.1 executar sentença estrangeira – 411.2 Justiça Pública – caracteres – 4 – crise – 5 – gratuidade – 4.2 – igualdade – 4.1 – responsabilidade – 4.3 L Legitimidade – alegação da incompetência absoluta – 490.2 – arguição da incompetência – 317.4 – ausência – 325 – modificação da demanda – 297.1
Legitimidade das partes – condição da ação – 225.2 Legitimidade para instaurar conflito de competência – legitimidade do Ministério Público – 472.2 – legitimidade do órgão judiciário – 472.1 – legitimidade das partes – 472.3 Limitações – ampla defesa ambiente eletrônico – 143 debate oral – 144 natureza da causa – 142 prova – 141 temporais – 140 – direito à prova – 158.2 – duplo grau – 166 – estabilidade ou coisa julgada – 176 sentença arbitral – 176.3 sentença cautelar – 176.2 sentença coletiva – 176.5 sentença contumacial – 176.4 sentença executiva – 176.1 sentença no mandado de segurança individual – 176.6 – igualdade – 155 igualdade formal – 156 igualdade material – 157 – publicidade – 170 limitações ope judicis à publicidade – 172 limitações ope legis à publicidade – 171
limitações técnicas à publicidade – 173 Limites – controle judiciário da administração efeitos – 39 extensão – 40 matéria – 37 oportunidade 38 processo administrativo – 41 – direito à motivação – 147 – jurisdição – 197 – normas processuais especiais – 68 temporais – 69 – regime geral no acesso à justiça – 123 – temporais da coisa julgada – 177 Lista – organização e divulgação na ordem cronológica dos julgamentos – 156.8.1 Litígios – jurisdição internacional exclusiva – 200 falência com imóveis no território nacional – 202.2 imóveis situados no território brasileiro – 201 invalidação de patente – 201.1 partilha de imóveis – 202 Litisconsórcio – revelia – 354 Litispendência – efeitos na jurisdição internacional concorrente – 208
Litispendência e coisa julgada – consequências da configuração – 322.3 – finalidade da iniciativa do réu – 322.2 – identidade de causas – 322.1 falta de coincidência entre a litispendência e a coisa julgada – 322.1.1 relações entre a condenação e a declaração – 322.1.2 relações entre a demanda individual e a demanda coletiva – 322.1.3 Lugar – competência do lugar do ato ou do fato na reparação do dano – 436 acidente de trânsito no acidente de veículos – 437.1 delito civil e penal – 437.2 – competência do lugar de cumprimento da obrigação – 435 – jurisdição concorrente no cumprimento da obrigação – 204 – jurisdição concorrente segundo o fato ou o negócio – 206 – situação da coisa – 426 M Mandado de injunção – natureza da sentença – 46.3 – objeto – 46.1 – partes – 46.2 Mandado de segurança – natureza da sentença – 45.3 – objeto – 45.1 – partes – 45.2 Mediação – diferença da conciliação – 8 – efeitos – 14 – espécies – 9
– participantes – 12 – procedimento – 12 – objeto – 11 – natureza – 10 Medida de urgência cautelar – cumulação – 284 Meio(s) – cooperação internacional especial – 218 auxílio direto – 218.2 carta rogatória – 218.1 – defesa através de exceção substancial – 339 – intervenção na autonomia privada – 193 Modalidades – impugnação de direito – 337 Modificações da competência – conceito – 460 – espécies – 462 – legal – 463 – objeto – 461 – prevenção da competência coincidência cronológica – 465.1 efeitos – 465.2 – voluntária – 464 prorrogação expressa – 464.1 forma da cláusula de eleição de foro – 464.1.2 limitação à cláusula de eleição de foro – 464.1.3 objeto da cláusula de eleição de foro – 464.1.1 prorrogação tácita – 464.2
Modificação da demanda – causas – 288 – conceito – 285 – efeitos – 291 – espécies – 287 simples e cumulativa – 287.1 unilateral e bilateral – 287.2 – forma – 290 – fundamento – 286 – requisitos – 289 consentimento do réu – 289.2 termo final da modificação bilateral – 289.3 termo final da modificação unilateral – 289.1 Modos de expedição das cartas – exemplificação dos meios da forma excepcional – 497.2 – conteúdo da carta na forma excepcional – 497.3 – cumprimento da carta na forma excepcional – 497.3 – pressuposto da forma excepcional – 497.1 Momento – alegação da exceção de incompetência na execução – 489.1.1, 489.1.2 – alegação da incompetência absoluta – 489.1 – controle das condições da ação – 226 – controle cumulação originária de ações – 281.2 – julgamento singular do conflito de competência – 484 – procedimento convencional – 106.2.4 Motivação – conteúdo essencial – 145 – consequências da falta ou da insuficiência – 146
– finalidades – 146 externas – 146.1 internas – 146.2 – limites – 147 N Natureza – ação – 223 – arbitragem – 23 – ato de recusa de cumprimento da carta – 498.1 – convenção de arbitragem – 324.1 – declaração incidente – 294 – defesa – 310 – exceção substancial – 340 – intervenção na autonomia privada – 192 – juizados especiais – 16 – manifestação precisa do réu – 330.2 – perpetuação da competência – 466 – procedimento convencional – 106.2.2 – processo civil – 50 – revelia – 348 Natureza da sentença – ação civil pública – 48.3 – ação popular – 47.3 – habeas corpus – 43.3 – habeas data – 44.3 – mandado de injunção – 46.3 – mandado de segurança – 45.3 – processo – 221
– vício do processo em razão da inexistência ou nulidade da citação – 316.2 Necessidade – comunicação dos atos processuais na revelia – 372 Normas processuais – compreensão – 64 métodos de compreensão – 65 métodos de extensão – 66 – conhecimento – 56 – espécies – 55 – integração – 67 – limites espaciais – 68 – limites temporais – 69 – objeto – 54 norma processual e norma substantiva – 54.1 norma processual e norma de organização judiciária – 54.2 norma processual e norma procedimental – 54.3 Nulidade de patente – competência de foro – 443 O Objeções – processuais – 313.1.3 – substanciais – 313.2.3 Objeto – arbitragem – 25 – cooperação internacional especial – 217 – cooperação internacional geral – 212 – ação civil pública – 48.1
– ação popular – 47.1 – declaração incidental – 296 – habeas corpus – 43.1 – habeas data – 44.1 – homologação da sentença estrangeira – 2131 – intervenção na autonomia privada – 195 – juizados especiais ordinários – 18.1 – juizados especiais da Fazenda Pública – 18.2 – mandado de injunção – 46.1 – mandado de segurança – 45.1 – modificação da competência – 461 – normas processuais – 54 – procedimento convencional – 106.2.3 – relação processual – 94 Objeto litigioso – conceito – 236 – efeitos da tríplice identidade – 237 – individualização da demanda coletiva – 238 – redução – 283 Obrigatoriedade – procedimento – 109 – reunião das execuções no concurso especial de credores – 455.4.4 – reunião de processos – 304, 318.2 Ônus da prova – no controle dos pressupostos processuais – 101.2 Ônus de alegar – exceção substancial – 343 Ônus de provar
– exceção substancial – 343 Oportunidade – arguição da incompetência absoluta ou relativa – 317.2 – controle dos pressupostos processuais – 101.1 – reunião das execuções no concurso especial de credores – 455.4.5 – reunião de processos – 305 Ordem cronológica dos julgamentos – alterações na ordem cronológica – 156.8.3 – exceções à ordem cronológica – 156.8.2 – organização e divulgação da lista cronológica – 156.8.1 Ordem de cumprimento – nos juizados especiais destinatário – 21.3 descumprimento – 21.5 emissão – 21.4 Origens – arbitragem – 22 – comum da ação civil e da ação penal – 33 – juizados especiais – 15 P Pagamento – sucumbência anterior – 326.2 Partes – ação civil pública – 48.2 – ação popular – 47.2 – arbitragem – 26 – habeas corpus – 43.2 – habeas data – 44.2
– juizado especial ordinário da Justiça Comum – 19.1 – juizado especial da Fazenda Pública da Justiça Comum – 19.2 – juizado especial da Fazenda Pública da Justiça Federal – 19.3 – mandado de injunção – 46.2 – mandado de segurança – 45.2 – noção no processo civil – 239 – qualidade jurídica – 241 – relevância – 240 Partilha de imóveis – jurisdição internacional exclusiva – 202 Pedido – classificação – 256 pedido material e processual – 256.2 pedido mediato e imediato – 256.1 – conceito – 255 – espécies certo e implícito – 262 determinado e genérico – 261 fixo e alternativo – 263 simples e cominatório – 264 – impossibilidade jurídica – 225 – individualização – 257 – interpretação – 259 – requisitos – 258 certeza – 258.1 congruência – 258.3 consequências da falta dos requisitos – 258.4 determinação – 258.2
Pedido de restituição na revelia – efeitos da decisão do pedido de restituição – 377 – undamento do pedido de restituição – 374 – prazo do pedido de restituição – 375 – procedimento do pedido de restituição – 376 Pedido genérico – consequências futuras dos ilícitos – 261.2 – dependência da contribuição do réu – 261.3 – situações plurais e transindividuais – 261.4 – universalidades – 261.1 Pedido implícito – correção monetária – 262.3 – despesas processuais e honorários advocatícios – 262.1 – juros moratórios – 262.2 – prestações vincendas – 262.4 Perempção – 321 Períodos do processo civil – emancipação política – 72 – fontes lusitanas – 71 – pluralidade processual – 73 – reformas processuais – 75 – unificação processual – 74 – terceira codificação unitária – 76 Perpetuação da competência – conceito – 466 – conteúdo – 468 estado de direito – 468.2 estado de fato – 468.1
– exceções – 469 criação de órgão judiciário – 469.1 modificações da competência absoluta – 469.3 supressão de órgão judiciário – 469.2 – fundamento – 468 – natureza – 466 Pessoa – elemento da competência – 387 Planos – relação processual – 92 Pluralidade de partes – cumulação de ações – 242 Possibilidade do pedido – classificação – 225.1.2 – conceito – 225.1.1 Prazo – cartas – 495 critério de fixação – 497.2 consequências da falta de prazo – 497.3 consequências do vencimento do prazo – 497.2 intimação de cooperação das partes – 497.4 – especificação de provas na revelia – 366.3 – pedido de restituição – 375 Precedente – fonte jurisprudencial das normas constitucionais – 62.3 Preliminares processuais dilatórias – conexão – 318 – incompetência absoluta e relativa – 317
– inexistência e nulidade da citação – 316 Preliminares processuais peremptórias – ausência de caução ou de outro pressuposto processual objetivo – 326 – ausência de legitimidade ou de interesse processual – 325 – convenção de arbitragem – 324 – incapacidade de parte, defeito de representação ou falta de autorização – 323 – inépcia da inicial – 320 – litispendência e coisa julgada – 322 – perempção – 321 Pressupostos – declaração incidente – 297 competência – 297.4 identidade procedimento – 297.3 interesse – 297.2 legitimidade – 297.1 – especificação de provas – 366.1 – forma excepcional das cartas – 497.1 – julgamento singular do conflito de competência – 483 – procedimento convencional – 106.2.1 Pressupostos processuais – classificação – 100 – composição – 98 – conceito – 99 – controle – 101 – ônus da prova – 101.1 oportunidade – 101.1 – problema terminológico – 97
Prestação – caução pro litis expensis – 326.1 Prestações vincendas – pedido implícito – 262.4 Presunção de veracidade – exceções – 365 fatos contraditados pela prova produzida – 365.6 fatos controvertidos por um dos réus – 365.1 fatos desconhecidos pelo contestante – 365.4 fatos inverossímeis, impossíveis e improváveis – 365.5 fatos relativos a direitos indisponíveis – 365.2 fatos subordinados à prova documental – 365.3 – natureza – 364 – objeto – 363 – revelia – 362 Pretensão – causa de pedir na pretensão a executar – 253 – causa de pedir na pretensão à segurança – 254 Pretensões – excluídas dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Comum – 18.2.1 – excluídas dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal – 18.2.2 Prevenção da competência – coincidência cronológica do registro ou da distribuição – 465.1 – efeitos – 465.2 Princípio de competência – na cláusula compromissória – 324.2.2 Princípios da defesa
– amplitude – 311.3 – concentração – 311.1 – eventualidade – 311.2 Princípios da jurisdição – definitividade – 191 – inafastabilidade – 186 – indeclinabilidade – 189 – indelegabilidade – 190 – inevitabilidade – 187 – pré-constituição – 185 – universabilidade – 187 Princípios das limitações da jurisdição – amplo acesso à jurisdição brasileira – 193.3 – efetividade da jurisdição brasileira – 198.1 – inconveniência da jurisdição brasileira – 198.4 – submissão à jurisdição brasileira – 198.2 Princípios do procedimento – adequação – 104.3 – cognição plenária e sumária – 104.2 – oralidade e escritura – 104.1 – preclusão – 104.4 Problema de competência – identificação das fontes legislativas da competência – 378.3 – identificação dos dados de afetação – 378.2 – identificação dos órgãos jurisdicionais – 378.1 – jurisdição de urgência – 457 Procedimento – arbitragem – 27
– carácter subsidiário do procedimento comum – 108 – características do procedimento comum – 106.1 do procedimento cautelar – 115 do procedimento convencional – 106.2 dos procedimentos especiais – 107 – cautelar – 114 – classificação – 105 dos procedimentos executivos – 113 – compatibilidade – 110 – competência legislativa – 102 conteúdo das normas procedimentais – 103.1 momentos, fases e modelos procedimentos – 103.1 – conceito no processo civil – 102 – convencional – 106.2 – conversão – 111 – homologação da sentença estrangeira – 214 – juizados especiais – 20 – obrigatoriedade – 109 – pedido de restituição – 376 Procedimento convencional – características – 106.2 – efeitos – 106.2.5 – momento – 106.2.4 – natureza – 106.2.2 – objeto – 106.2.3 – pressupostos – 106.2.1
Procedimento do conflito de competência – audiência do Ministério Público no conflito – 487 – distribuição do conflito – 477 – forma da instauração do conflito – 474 – indeferimento liminar do conflito – 476 – instrução do conflito – 475 – juízo competente para medidas de urgência no conflito – 480 – requisição de informações – 478 – suspensão do processo no conflito – 479 Processo – homologação da sentença estrangeira – 214 – natureza jurídica – 212 Processo administrativo – controle judiciário – 41 Processo civil – conceito – 82 – autoritário – 80 – conceito – 49 – efetividade – 6 – elementos – 3 – estrutura – 3 – evolução – 70 – fase preliminar – 7 – funções instrumentais – 2 – garantista – 81 – instituição – 85 – liberal – 78 – modelo – 51
– modelo constitucional – 87 – natureza – 50 – neoinstituição – 88 – procedimento contraditório – 86 – ramos – 52 – relação jurídica – 83 – sistemática – 53 – situação jurídica – 84 – totalitário – 81 Proibição – litisregulação ope judicis – 125 Promotor natural – 152 Prorrogação da competência – legal – 463 – voluntária – 464 prorrogação expressa – 464.1 forma da cláusula de eleição de foro – 464.1.2 limitação à cláusula de eleição de foro – 464.1.3 objeto da cláusula de eleição de foro – 464.1.1 prorrogação tácita – 464.2 Publicidade – conteúdo essencial – 168 – finalidades – 169 – regime geral das limitações – 178 limitações ope judicis à publicidade – 172 limitações ope legis à publicidade – 171 limitações técnicas à publicidade – 173 Q
Qualidade jurídica – parte – 241 Questões de direito – diferença das questões de fato – 336 Questões de fato – diferença das questões de direito – 336 R Reconvenção – revelia – 355 Recusa – cumprimento da carta – 498 natureza do ato de recusa – 498.1 casos explícitos de recusa – 498.2 dúvida quanto à autenticidade – 498.2.3 falta de requisitos essenciais – 498.2.1 incompetência do juízo deprecado – 498.2.2 casos implícitos – 498.3 Redução – objeto litigioso – 283 Reformas processuais – defeitos congênitos – 75.3 – efeitos colaterais – 75.4 – execução – 75.1 – recursos – 75.2 Regime – coordenação das ações civil e penal – 35 – imunidades jurisdicionais – 209 Relação processual
– características – 93 – conceito – 89 – extinção – 96 – forma – 91 – formação – 95 – objeto – 94 – planos – 92 – sujeitos – 90 Relações – declaração e condenação na litispendência e na coisa julgada – 322.1.2 – demanda coletiva e individual na litispendência e na coisa julgada – 322.1.3 Relevância – competência funcional – 407 – função processual na revelia – 350 – identidade parcial de elementos objetivos – 318.1 – noção de parte – 240 Remessa – processo ao juízo competente – 317.5.1 Representação comercial – competência de foro – 444 Reprodução – peças eventuais nas cartas – 494.5 – peças fundamentais nas cartas – 495.2 Requisição de informações – conflito de competência – 478 Requisitos – cartas – 494
constituição do tribunal arbitral – 494.6 encerramento e assinatura do juízo de origem – 494.4 indicação dos juízos remetente e destinatário – 494.1 indicação do objeto das caras – 494.3 reprodução das peças fundamentais – 495.2 reprodução de peças eventuais – 494.5 – cumulação de causas de pedir – 275 – cumulação originária de pedidos – 280 – cumulação originária subjetiva – 271 – manifestação precisa do réu – 330.4 – modificação de demanda – 289 Rescisória – competência em razão da matéria dos tribunais superiores – 496.4 Responsabilidade – decorrente do descumprimento da celeridade – 163 Responsabilidade nas relações de consumo – competência de foro – 445 Restituição – carta – 499 Restrições – cumulação de causas de pedir – 276 – formação do litisconsórcio na cumulação originária subjetiva – 271.4 Resultado – instrução em contraste com o efeito material da revelia – 369 Reunião de processos – casos – 306 – conceito de conexão – 302 – cumulação de ações – 301
– efeitos – 307 – espécies de conexão – 303 – obrigatoriedade da reunião – 304 – oportunidade da reunião – 305 Revelia – assistência – 360 – cautelar – 352 – conceito – 346 revelia e figuras afins – 346.1 revelia segundo a sistemática da lei processual – 346.2 – chamamento ao processo – 359 – chamamento em garantia – 357 – classificação – 349 revelia formal e substancial – 349.2 revelia total e parcial – 349.1 – correção da legitimidade passiva – 361 – cumulação objetiva – 353 – cumulação subjetiva – 353 – declaração incidente – 298, 356 – descaracterização – 347 – direito do autor à prova – 368 – direito do réu à prova – 367 – efeitos da inexistência do efeito material – 366 atitudes do autor na especificação de provas – 365.4 conteúdo do provimento de especificação de provas – 366.2 controle da admissibilidade da especificação de provas – 366.5 prazo da especificação de provas – 366.3 pressupostos da especificação de provas – 366.1
– efeitos processuais enumeração – 370 – estabilidade da demanda – 373 necessidade de comunicação dos atos processuais – 372 precipitação do julgamento – 371 – execução – 351 – intervenção principal (oposição) – 358 – litisconsórcio – 354 – presunção de veracidade – 362 exceções – 365 natureza – 364 objeto – 363 – reconvenção – 355 – relevância da função processual – 350 – remédios contra a revelia efeitos da decisão do pedido de restituição – 377 fundamento do pedido de restituição – 374 prazo do pedido de restituição – 375 procedimento do pedido de restituição – 376 – resultado da instrução em contraste com o efeito material – 369 S Sede – competência das sociedades privadas personificadas ou não – 434.1 – competência das serventias registral e notarial – 434.4 Sentença – arbitral – 176.3 – cautelar – 176.2 – coletiva – 176.5
– contumacial – 176.4 – executiva – 176.1 – mandado de segurança individual – 176.6 Sentença estrangeira – competência funcional vertical – 411.2 – homologação – 213 competência – 213.2 efeitos – 215 legitimidade – 213.3 objeto – 213.1 procedimento – 214 Sistema – coordenação das ações civil e penal – 34 – dualidade da jurisdição – 31 – unidade da jurisdição – 32 Situação da coisa – competência de foro – 426 Situações – plurais e transindividuais e pedido genérico Sociedade – 1 Submissão – jurisdição brasileira – 198.2 Subsistência – declaração incidente – 292 Substancialização – causa de pedir – 244 Sujeitos – relação processual – 90
Sujeitos federais – abrangidos na competência em razão da pessoa – 388.3 – competência de foro – 430 – controle da intervenção – 388.6 – excluídos na competência em razão da pessoa – 388.4 – posição no processo – 388.5 Súmula vinculante – fontes jurisprudenciais das normas processuais – 62.2 Suspensão do processo – conflito de competência – 479 T Teorias da ação – balanço das teorias – 222.5 – concepção inicial – 221.1 – teoria abstrata – 222.3 – teoria concreta – 222.2 – teoria eclética – 222.4 Termo final – modificação bilateral da demanda – 289.3 – modificação unilateral da demanda – 289.1 Totalidade – relação processual – 93.2 Tribunais segundo grau – competência em razão da matéria – 397 – competência funcional horizontal – 414 – competência funcional vertical – 410 Tribunais Superiores – competência em razão da matéria – 396
conflitos de atribuições – 396.2 conflitos de competência – 396.1 execução dos seus julgados – 496.3 – competência em razão da pessoa – 391 – rescisórias – 396.4 – competência funcional horizontal – 413 – competência funcional vertical Tríplice identidade – efeitos – 237 U Universalidades – pedido genérico – 261.2 Usucapião – competência de foro – 447
ÍNDICE LEGISLATIVO (os números correspondem aos itens deste volume) CPC de 1939 1.º – 74 2.º – 225.3.3 4.º – 74 6.º – 493.1 7.º – 497.1 8.º, § 2.º – 495 34 – 362 38 – 374 64 – 262.1 65 – 262.1
67 – 326.1 112 – 74 116 – 280.3 117 – 73, 74 133 – 386 136 – 426 140, § 1.º – 383 148 – 304, 460 154 – 259 156 – 265 190 – 140 209 – 362, 364 277, § 2.º – 364 287, parágrafo único – 292 292 – 140 297 – 74, 140 298 – 74 302 – 264 310 – 264 675 – 176.2 677 – 176.2 682 – 457, 459, 489.3 772 – 195 775 – 195 786 – 201.2 788 – 201.2 800 – 176.3 802 – 470
807 – 74, 487 820 – 75.2 840 – 135 842 – 74, 75.2 846 – 75.2 851 – 74, 75.2 881 – 74 882 – 74 884 – 415.2 1.006, § 2.º – 324.2.1 1.015, parágrafo único – 454, 455.4 1.018 – 455.4 1.030 – 74 1.031 – 22 1.046 – 22 1.052 – 74 CPC de 1973 2.º – 50 3.º – 222.4, 224 5.º – 292, 296, 297.1, 297.2, 298, 300, 356 92 – 383 92, I – 383, 398 92, II – 383, 398 93 – 405 95 – 426 99, I – 455.4.2 102 – 304, 460 105 – 304
106 – 460 107 – 460 109 – 297.4 110 – 460 114 – 460 124 – 396.2 125 – 74 125, I – 74 125, II – 74, 161 125, III – 74 125, IV – 74 128 – 74 130 – 74 131 – 145 145 – 74 162, § 1.º – 75.2 162, § 2.º – 75.2 169, IV – 313.2.2 183, § 1.º – 374 202 – 494 205 – 497.1 219, § 5.º – 76 236 – 75.3 237 – 75.3 241 – 75.1 262 – 74 265 – 489.1.1 265, IV, c – 296
267 – 490.3 267, VI – 222.4, 224 269, II – 74 269, III – 74 270 – 105 271 – 105 272 – 105 272, parágrafo único – 105 273 – 74, 177 275 – 105 275, II – 18.1, 69, 106, 109, 399.1.1, 399.4.2 275, II, a – 399.1.1.1, 399.4.2 275, II, b – 399.1.1.2 275, II, c – 399.1.1.3 275, II, d – 261, 399.1.1.4, 399.4.2, 437.1 275, II, e – 399.1.1.5 275, II, f – 399.1.1.6 275, II, g – 399.1.1.7 280 – 161, 297.3, 299 281 – 105 286 – 258.2 295, II – 222.4 295, III – 222.4 295, parágrafo único, III – 222.4 297 – 140 301, X – 222.4, 325 301, § 2.º – 75.2 302 – 331
315, § 2.º – 313.3 319 – 374 321 – 298, 356, 373 322 – 372 325 – 292, 297.1, 297.3, 300, 356, 373 326 – 313.2.2 330 – 74 339 – 74 355 – 74 360 – 74 399 – 74 342 – 74 400 – 74 401 – 69.3 418, I – 74 427 – 74 440 – 74 447 – 74 459 – 74 460 – 74 461 – 74 467 – 175.1, 175.2 468 – 292 469 – 292 469, I – 292 469, II – 292 469, III – 292 470 – 292, 295, 297.1, 297.4, 300, 306, 356
471 – 175.2 475, § 1.º – 75.3 475-J – 75.1, 75.3 475-J, § 1.º – 75.3 475-M, § 3.º – 75.2 475-O, III – 75.4 475-O, § 3.º – 75.1, 75.4 484 – 75.1, 75.4 485, VII – 41 486 – 176.4, 316.2 487, II – 80 496, II – 75.2 497 – 75.2 513 – 75.2 520, I – 75.2 520, II – 75.2 520, IV – 75.2 520, VII – 75.2 521 – 75.1, 75.4 522 – 72, 75.2 523, § 3.º – 75.2 524 – 75.2 527, II – 75.2 527, III – 69.2 527, parágrafo único – 167 530 – 75.2 544 – 75.4 557 – 75.2
557, § 1.º – 135 557, § 1.º-A – 75.2 558 – 75.2 558, parágrafo único – 75.2 578 – 456.3 585, I – 75.3 599, I – 74 639 – 324.2.1 652, § 3.º – 75 655-A – 75.1 659, § 4.º – 75 666, § 3.º – 43.1 685-C – 75.1 686, § 2.º – 75.1 687 – 75.1 708 – 113 738, II – 75.1 740 – 351 741, VI – 282 742 – 489.1, 489.1.1 747 – 75.1 748 – 455 756 – 489.1 760 – 455 762, § 1.º – 455.1 786-A – 455 791, II – 489.1.1 794, I – 176.1
800 – 457 804 – 133 835 – 2, 326.1 842 – 75.2 846 – 75.2 851 – 75.2 902 – 107 902, I – 107 915 – 140 988 – 76 989 – 74 1.059 – 59 1.072 – 22 1.072, II – 59 1.072, III – 332.1 1.102 – 22 1.111 – 192 1.211 – 69 1.214 – 61 1.218 – 58, 195 NCPC 1.º – 68, 87, 116 2.º – 49, 80, 93.1, 101.2, 104.2, 114, 181.1, 223, 227.1, 259, 281.1, 281.3.1, 321, 378, 497.4 3.º – 1, 32, 120, 225.1.1 3.º, I – 22 3.º, § 1.º – 120, 181.2 3.º, § 2.º – 5, 961
3.º, § 3.º – 5, 162 4.º – 161, 162, 221, 223, 320.2 5.º – 69, 91, 158.2, 289.2, 311.1, 327, 330.1, 361, 490.2 6.º – 76, 90, 157, 221, 289.2, 313 7.º – 153, 155, 156.8, 157 8.º – 2, 4, 40, 65, 67, 70, 82, 145, 179, 190 9.º – 76, 95, 116, 130 9.º, parágrafo único, I – 132, 133 9.º, parágrafo único, II – 132, 133 9.º, parágrafo único, III – 132, 133 10 – 76, 116, 130, 134, 338, 372.1 11 – 145, 168, 11, parágrafo único – 168, 170, 172 12 – 69, 76, 106.2, 106.2.3, 156.8, 156.8.1, 161 12, § 1.º – 156.8.1 12, § 2.º – 156.8, 156.8.1 12, § 2.º, I – 156.8.2 12, § 2.º, II – 156.8.2 12, § 2.º, III – 156.8.2 12, § 2.º, IV – 156.8.2 12, § 2.º, V – 156.8.2 12, § 2.º, VI – 156.8.2 12, § 2.º, VIII – 156.8.2 12, § 2.º, IX – 156.8.2 12, § 4.º – 156.8.2 12, § 5.º – 156.8.2 12, § 6.º – 156.8.1 12, § 6.º, I – 156.8.3
12, § 6.º, II – 156.8.3 13 – 54.1, 58, 68 14 – 69, 69.2 15 – 1, 49, 59, 225.3.6 16 – 1, 4, 68, 82, 225.2, 225.3, 225.3.1, 225.3.2, 225.3.5, 225.3.6 17 – 224, 225.2, 325 18 – 225.2 18, I – 296 18, II – 296 19 – 231 19, I – 83, 247.1 19, II – 247.1, 282, 287.2, 289.2, 292, 306, 318.4 20 – 225.3.3, 231, 233, 250 21 – 198.1, 198.2, 198.3, 198.4, 199, 203, 204, 208, 381, 423 21, parágrafo único – 198.4, 204 21, I – 198.4, 203, 204, 207 21, II – 205 21, III – 206 22 – 198.2, 198.3, 198.4, 199, 203, 207, 208, 381, 423 22, I, a – 204 22, I, b – 203, 204 22, II – 204 22, III – 198.2, 204, 207 23 – 24.4, 198.1, 198.2, 198.4, 199, 200, 214, 381, 423 23, I – 200, 201, 201.2, 202 23, II – 200, 202, 427 23, III – 200, 202 24 – 199, 208
24, parágrafo único – 208 25 – 24.4, 198.2, 199, 207, 212 25, § 1.º – 207 25, § 2.º – 207, 212 25, § 3.º – 212 25, § 3.º, I – 212 25, § 3.º, II – 212 25, § 3.º, III – 212 25, § 3.º, IV – 212 25, § 4.º – 212 26 – 51, 219 26, § 1.º – 217, 218.2, 219 26, § 3.º – 217 27 – 51, 212, 217 27, I – 212 27, III – 212 27, IV – 212 27, V – 212 27, VI – 212 28 – 212, 213.3, 216 29 – 218.2 30 – 217, 218.2, 222.1 30, I – 217, 218.2 30, II – 217 30, III – 217 31 – 218.2 32 – 212, 217, 218.2 33 – 212, 217, 218.2, 431.3, 466
33, parágrafo único – 213.3, 218.2, 433 35 – 218.1 36 – 214, 220, 492 36, § 1.º – 216 36, § 2.º – 213, 216 37 – 218.2, 219 37, V – 321 38 – 218.2, 219 39 – 218.2 40 – 218.1 41 – 218.2 41, parágrafo único – 218.2 42 – 378, 379, 380, 381, 417 43 – 69.1, 149, 455.4.3, 456.3, 466, 467, 468, 469, 469.3, 489, 490.3 44 – 378, 378.3, 405 45 – 69.1, 317.4, 388.3, 388.5, 388.6, 430.3, 447, 469.3 45, I – 317.4, 388.5, 455.4.2 45, II – 317.4, 388.5 45, § 2.º – 280.3, 317.4, 388.5 45, § 3.º – 317.4, 388.5, 388.6 46 – 69.1, 227.2, 418, 420, 427, 428, 430.1, 433, 433.1, 434.4, 437, 438, 456.1, 464.1.1, 464.1.3, 464.2, 466, 468.2 46, § 1.º – 421, 489 46, § 2.º – 384, 418, 422, 428 46, § 3.º – 418, 423, 424 46, § 4.º – 271.1.2, 424 46, § 5.º – 431.3, 455.4.1, 468.1, 489.1 47 – 271.1.2, 317.1, 318.1, 384, 392, 406, 418, 426, 427, 428, 430.1, 439, 441, 447, 455.3, 456.2, 458, 459, 469.2, 469.3
47, § 1.º – 69.1, 317.1, 382, 426, 438, 455.3, 456.2, 461, 464.1.1, 490 47, § 2.º – 317.1, 317.5, 382, 399.1.3, 404, 418, 426, 461 47, § 5.º – 456, 456.3 48 – 404, 426, 427 48, parágrafo único, I – 427 48, parágrafo único, II – 427 49 – 428 50 – 429 51 – 430, 430.1, 439 51, parágrafo único – 424, 426, 431.1 52 – 438, 439 52, parágrafo único – 426 53 – 381, 417, 456.1 53, I – 432 53, I, c – 468.1 53, II – 427, 428, 433, 441, 454 53, III – 434, 435 53, III, a – 420, 430.2, 431.7, 432, 434.1, 435, 436, 459 53, III, b – 404, 430.2, 431.7, 432, 434.2, 435 53, III, c – 420, 431.7, 432, 434.3, 436 53, III, d – 420, 435, 436, 441, 456.1.3, 459, 464.1.1, 464.1.3 53, III, f – 434, 434.4 53, IV – 280.3, 434.4, 445 53, IV, a – 436, 451, 456.1.3, 468.1 53, IV, b – 436 53, V – 384, 418, 428, 436, 437, 437.1, 437.2, 464.1.1, 464.2 54 – 301, 318, 460, 461, 462, 463
55 – 151, 185, 268, 271.2.2, 271.1.3, 280.1, 301, 302, 303, 306, 318.1, 318.3, 318.4, 353, 463 55, § 1.º – 271.2.2, 280.1, 304, 305, 307, 318.2, 318.3, 353, 463, 471 55, § 1.º, I – 303 55, § 1.º, II – 303 55, § 2.º – 271.1.3, 301, 304, 306 55, § 2.º, I – 306, 307, 322.1.2 55, § 2.º, II – 306 55, § 3.º – 301, 302, 303, 304, 307, 318.1, 318.2, 318.4, 463, 465 56 – 256.1, 302, 318.1, 318.3, 318.4, 322.1.2, 322.1.3, 353, 463 57 – 256.1, 301, 302, 303, 304, 305, 306, 307, 318.2, 318.3, 322.1.2, 353 58 – 302, 318.3, 322.1.2, 455.4.4, 465, 465.2 59 – 306, 318, 426, 459, 465 60 – 465, 469.2 61 – 268, 303, 306, 318.4 62 – 317.1, 317.2, 382, 404, 460, 464.1.1, 469.1, 469.3, 490 63 – 198.2, 207, 317, 317.1, 318, 318.3, 382, 456.2, 460, 461, 462, 464.1, 464.1.1, 489 63, § 1.º – 207, 426, 464.1.2 63, § 2.º – 464.1.1, 464.1.2 63, § 3.º – 198.2, 207, 317, 317.2, 317.5, 382, 444, 456.2, 464.1.3, 470, 489 63, § 4.º – 104.4, 198.2, 207, 317, 317.1, 444, 464.1.3 64 – 317 64, § 1.º – 317.1, 317.2, 317.3, 382, 388.6, 396.4, 407, 470, 490, 490.1 64, § 2.º – 472.3 64, § 3.º – 280.3, 317.3, 317.5, 317.5.1, 472.3, 474, 489, 490.3, 490.4 64, § 4.º – 99, 317.2, 317.5.1, 382, 470, 472.3, 479, 487, 489, 489.3, 490.3 65 – 101.1, 151, 207, 280.3, 317, 317.2, 317.3, 317.4, 318, 318.3, 382, 432, 438, 459, 462, 466, 468.1, 489
65, I – 470 65, II – 470 65, parágrafo único – 317.2, 489, 490.2 66 – 185, 378, 471, 472, 476, 480, 488 66, I – 471, 472.3, 479 66, II – 470, 471, 479, 490.3 66, III – 471 66, parágrafo único – 471, 472.1, 489 67 – 322.1.2, 322.1.3, 471, 492 68 – 492 69 – 492 69, I – 492 69, II – 471, 492, 494.1 69, III – 478, 492 69, IV – 492 69, § 1.º – 415.1, 492 69, § 2.º – 492 69, § 2.º, I – 492 69, § 2.º, VII – 492 69, § 3.º – 492 72, I – 332.2 72, II – 130, 176.4, 332.2, 365.4, 372.2, 428 72, parágrafo único – 332.3, 365.4 75, II – 438 75, VII – 427 75, XI – 2 75, § 1.º – 427 76 – 139
76, § 1.º – 99, 323 76, § 1.º, I – 323 77 – 54.1, 84, 141 77, I – 80, 158.1, 314, 327, 330, 330.2 77, II – 330.1 77, III – 330.1 77, IV – 234 77, V – 320.1 77, VI – 125 77, § 2.º – 21.4, 82, 234 77, § 7.º – 125, 127, 130 77, § 8.º – 21.3 80, I – 313.1.1, 317.4 80, IV – 311.1 80, V – 472.3 81 – 231, 233, 311.1 82 – 4.2, 156.7, 157, 262.1, 498.3 82, § 1.º – 156.7 82, § 2.º – 231, 233 83 – 2, 4.1, 326, 326.1 83, § 1.º – 4.1 83, § 1.º, I – 326.1 83, § 1.º, II – 326.1 83, § 1.º, III – 326.1 85 – 82, 91, 153, 156.1, 231, 233, 262.1, 287.2, 328, 487 85, § 2.º – 156.7, 326.1 85, § 3.º – 56.7 85, § 4.º – 231, 233
85, § 7.º – 156.7 85, § 8.º – 361 85, § 16 – 262.2 85, § 18 – 262, 262.1 87 – 149 90 – 326.4 91 – 156.7 91, § 1.º – 156.7 91, § 2.º – 156.7 92 – 321, 326, 326.2 93 – 459 94, § 2.º – 422 95, § 3.º – 156.7 95, § 3.º, I – 156.7 95, § 3.º, II – 156.7 98 – 4.2 98, VIII – 4.1 98, § 1.º – 156.7 98, § 3.º – 156.7 99 – 326.4 99, § 2.º – 326.4 99, § 3.º – 326.4 102 – 4.2, 326.4 102, parágrafo único – 315, 319, 326, 326.4 103 – 332 103, parágrafo único – 139 104 – 104.4 105 – 21.4, 106.2.1
106, I – 320.1 107 – 372.5 107, I – 168 107, § 4.º – 372.5 109 – 93.2 110 – 326 111 – 139 113 – 269, 271.1, 271.2, 281.3.1, 302, 318.1 113, I – 269, 271.1.2, 271.2.2, 280.1, 283, 424 113, II – 269, 271.1, 271.4, 280.1, 283, 424 113, III – 271.1.3, 283, 302, 424 113, § 1.º – 137, 271, 279.1, 281.1, 281.3.1, 283, 424 113, § 1.º, II – 271.2 113, § 2.º – 271.1 115, II – 99 115, parágrafo único – 225.2, 388.5 116 – 242, 304, 333.4 117 – 333.4, 354, 472.3 119 – 388.5 119, parágrafo único – 388.6 123 – 388.5 124 – 378.3 125, II – 306 125, § 1.º – 318.4 126 – 268, 357 127 – 353 128, I – 357 128, II – 357
128, III – 357 128, parágrafo único – 231, 233 129, parágrafo único – 231, 233 130 – 359 131 – 357 132 – 470 133 – 339 139 – 76 139, I – 4.1, 63, 66.2, 153, 154, 157 139, II – 161 139, V – 5, 10, 70 139, VI – 4.1, 76, 80, 109 139, IX – 320.2 140 – 181.2, 190, 225.1.1 140, parágrafo único – 67 141 – 93.3, 101.2, 227.1, 233, 236, 246, 248 143 – 81 144 – 313.1.2, 313.1.3, 340, 410, 460 144, IV – 101 145 – 308, 311.2, 313.1.2, 410, 460 145, § 1.º – 460 146 – 101, 101.1, 313.1.3, 339, 410 146, § 1.º – 410 146, § 2.º – 313.1.3, 315 146, § 2.º, I – 410 146, § 2.º, II – 410 149 – 54.2, 90 150 – 54.2
152, I – 494.4 152, II – 54.2, 415.1 152, V – 168 153 – 156.8, 415.1 154, II – 415.1 156, § 1.º – 494.5 164 – 189 165 – 7, 61 165, § 1.º – 7 165, § 2.º – 8 165, § 3.º – 8 166 – 13 167 – 7 167, § 6.º – 7 175 – 7 177 – 472.2 177, VI – 94 178 – 317.2, 317.4, 472.2, 481, 490.2 178, I – 2, 106.2.1, 365.2, 481 178, II – 106.2.1 178, III – 2, 106.2.1 178, parágrafo único – 365.2 179, I – 489 180 – 156.1, 156.2 180, § 1.º – 481 183 – 140, 156.1 183, § 1.º – 156.1, 56.2 184 – 21.4
185 – 332.3 186 – 156.1 186, § 1.º – 156.2 186, § 3.º – 156.1 188, I – 4 188, II – 4 188, III – 4 189 – 104.1, 171 189, I – 168, 170, 171, 172 189, II – 168, 170, 171 189, III – 168, 170, 171 189, IV – 168, 170 189, § 1.º – 168, 171 189, § 2.º – 171 190 – 104.2, 104.4, 106.2, 106.2.1, 106.2.3, 106.2.4, 109, 127, 311.2 190, parágrafo único – 106.2.3 191 – 104.2, 106.2, 106.2.3, 109 191, § 1.º – 106.2.6 191, § 2.º – 106.2.3 194 – 104.1, 168 195 – 168 196 – 168 197 – 374 198 – 143 199 – 143 200 – 69, 464.1 202, § 1.º – 167, 213.1 203 – 175.2, 372.3
203, § 1.º – 167, 175.2 203, § 2.º – 175.2, 307, 366.2, 399.4.2, 489, 490, 490.4 203, § 4.º – 189 204 – 69.2, 175.2, 213.1, 399.4.2 206 – 114, 161 209, § 2.º – 104.4 212, § 3.º – 54.2 217 – 104.1 218, § 2.º – 375 218, § 3.º – 133, 289.2, 366.3, 376 219 – 140, 366.3 220 – 4, 5, 76 221 – 222.1 221, parágrafo único – 9 222 – 66.2, 80 223 – 374, 375, 376 223, § 1.º – 147, 346.1, 348, 374, 375 224 – 140, 366.3 226 – 93.3 228 – 156.8, 156.8.1 228, I – 156.8 228, II – 156.8 228, § 1.º – 156.8 228, § 2.º – 156.8 229 – 140, 189 231 – 289.1, 489.1.1 231, I – 372.3 232 – 415.1
233, § 2.º – 377 235 – 61, 161 235, § 1.º – 93.3 235, § 3.º – 61, 66.3 236 – 497.4 236, § 1.º – 492, 493.2, 494.3, 497 236, § 2.º – 492, 493.1 237 – 492, 493 237, I – 493.1 237, III – 493.2 237, IV – 492, 493.4 237, parágrafo único – 498.2.2 238 – 83, 93.3, 98, 127, 221, 308, 493.2 239 – 176.4, 308, 316.2, 351 239, § 1.º – 308, 316.3 239, § 2.º, I – 316.3 240 – 95, 98, 465 240, § 1.º – 344.2 244, III – 55 245 – 55 246 – 366.1, 420 246, § 1.º – 76 246, § 2.º – 76 246, § 3.º – 102, 388.2.5, 447 247 – 54.3, 415.1, 497 248, § 2.º – 20 249 – 54.3 249, § 1.º – 316.3
250, I – 244 250, II – 244, 346.1, 352, 366.1 250, III – 56 250, V – 137 251, I – 244, 289.1 255 – 415.1, 493.2 256 – 55, 316.1, 495 256, II – 316.1 256, § 1.º – 219 257 – 316.1 257, II – 289.1, 365.2 260 – 219, 415.1, 494, 494.5, 495.3, 497, 497.3, 498.2.1 260, I – 494, 494.1, 494.4, 496, 498.2.1 260, II – 494, 494.2 260, III – 415.1, 494, 494.3, 498, 498.1 260, IV – 494, 494.1, 494.4, 497, 498.2.3 260, § 1.º – 415.1, 494.2 260, § 2.º – 415.1, 494.5, 497 260, § 3.º – 415.1, 494 261 – 218.2, 219, 495, 495.1, 495.2, 495.3, 495.4, 497.3, 499 261, § 1.º – 495.4, 497 261, § 2.º – 495.2, 495.4, 496, 499 261, § 3.º – 495.4, 496, 497, 498.3 262 – 218.2, 496, 498.2.2 262, parágrafo único – 496 263 – 468, 497, 497.1, 497.2, 497.3, 498.2.3 264 – 497, 497.1, 497.3 265 – 497, 497.1, 497.3, 499
265, § 1.º – 497.3 265, § 2.º – 497.3 266 – 497.4, 498.3 267 – 498, 498.1, 498.3 267, I – 494, 495.3, 498.2, 498.2.1 267, II – 498.2, 498.2.1, 498.2.2 267, III – 494.4, 497, 498.2, 498.2.1, 498.2.3 267, parágrafo único – 498.2.2 268 – 498.3, 499 268, parágrafo único – 321 269 – 175.2 270, parágrafo único – 76 278 – 104.4 278, parágrafo único – 104.4 280, parágrafo único – 110 281 – 98 282 – 54.1, 317.5.1, 344.4, 487, 490.3, 494 282, § 1.º – 316.1 282, § 2.º – 313.1.1 283 – 109, 110 284 – 14, 114, 173, 470 286 – 465 286, I – 465 286, II – 465, 468.1 286, III – 95, 465, 466 290 – 326, 498.3 292, § 2.º – 280.4 293 – 104.4, 315, 326.3
294 – 2, 3, 105, 114, 161, 180 294, parágrafo único – 114, 284, 326.1, 457, 480, 489.3, 490.1 295 – 326.1 296 – 176.2 297 – 3, 372.5 298 – 145 299 – 105, 318.4, 457, 458, 459, 480 299, parágrafo único – 458 300 – 62, 105, 114, 115 300, § 2.º – 115, 130, 132, 133, 156.1, 171 300, § 3.º – 3 301 – 103.1, 105, 114, 458, 301, § 4.º – 292 302 – 105, 114, 226.2 303 – 106.1, 114, 125 303, § 2.º – 132 304 – 45.3, 106.1, 114 304, § 5.º – 106.1 305 – 105, 110, 114, 115, 254, 299, 458 306 – 140, 156.1, 352, 489.2 306, § 2.º – 236 307 – 352 307, parágrafo único – 114 308 – 114, 115, 352 309, I – 115, 177 309, II – 114, 115, 177 309, III – 115, 177 309, parágrafo único – 69, 176.2
310 – 105, 114, 115 311 – 133, 161, 309 311, I – 133, 327, 330.4 311, II – 130, 132, 133 311, III – 130, 132, 133, 365.3 311, IV – 328, 330.1, 330.4, 334 311, parágrafo único – 309 312 – 91, 95, 98, 104.2, 114, 181.1, 268, 308, 344.2, 346.1, 426, 465, 466 313 – 317, 376 313, V – 35 313, V, a – 293, 294, 301, 322.1.2, 322.1.3 313, V, b – 495.2, 495.4 313, VII – 37 313, VIII – 35 313, § 4.º – 301, 304, 495.2, 495.3, 495.4 314 – 480, 489.3 315 – 3, 35, 293 315, § 2.º – 35, 293 316 – 96, 102, 114, 222.3, 227, 352 318 – 105 318, parágrafo único – 105, 107, 108, 311 319 – 54.3, 103, 106.1, 158.1, 214, 290, 313.3, 314, 320, 320.1, 366.1 319, I – 317.4, 378, 407, 490.2 319, II – 59, 311.2, 468.1 319, III – 45.1, 104.2, 244, 245, 247, 247.1, 248, 275.4, 312.1, 327, 468.1 319, IV – 158.1.1, 258, 260 319, VI – 311.2, 366, 366.1, 366.4 320 – 214, 320, 320.1, 320.2, 326.2, 365.3
321 – 45.2, 101.1, 110, 140, 225.2, 247.1, 258.2, 258.4, 281.2, 320, 320.2, 326.2, 366.1 321, parágrafo único – 110, 247.1, 320 322 – 258.1 322, § 1.º – 259, 262, 262.1, 262.2, 262.3 322, § 2.º – 259 322, § 4.º – 135 323 – 231, 233, 262.4, 288, 401 324 – 258.2, 366.4 324, III – 231, 233 324, § 1.º – 261 324, § 1.º, I – 258.2, 261, 261.1, 313.3 324, § 1.º, II – 258.2, 261, 261.2, 313.3 324, § 1.º, III – 258.2, 261, 261.3, 313.3 324, § 2.º – 258.2, 313.3 325 – 69, 263, 370 325, parágrafo único – 263 326 – 258.1, 267, 279.3, 401 326, parágrafo único – 263 327 – 275, 275, 275.1, 275.2, 277, 279.1, 280, 280.1 327, § 1.º, I – 275.2, 280.2 327, § 1.º, II – 275.3, 280.3, 297.4 327, § 1.º, III – 275.3, 280.4 327, § 2.º – 107, 109, 110, 280.4 328 – 265 329 – 247.1, 250, 268, 285, 286, 287.1, 288, 289.1, 290, 373 329, I – 93.2, 285, 286, 287.1, 289, 289.1, 320.2, 370, 372.3, 373 329, II – 104.4, 285, 289, 289.2, 289.3, 292, 311.2, 372.3, 373
329, parágrafo único – 285, 292 330 – 83, 95, 102, 103.1, 222.3, 223, 308, 320, 320.1, 466 330, I – 91, 114, 258.4, 281.3.3, 366 330, II – 101.1, 225.2, 289.1, 320.1, 354, 366 330, III – 225.3.6 330, VI – 326.2 330, § 1.º – 261, 320.2 330, § 1.º, I – 244, 248, 275.4, 281.2 330, § 1.º, II – 258.2, 258.4, 261 330, § 1.º, III – 247, 248, 258.3, 258.4, 275.4 330, § 1.º, IV – 280.2, 281.3.3 330, § 2.º – 261, 320.2 330, § 3.º – 261 331 – 91, 102, 225.2 331, § 1.º – 91, 135, 225.2, 308 331, § 1.º, III – 158.1 332 – 82, 88, 129, 135, 156.8.2, 161, 223, 308, 327 332, § 3.º – 408 334 – 5, 7, 9, 10, 12, 106.2.2, 106.2.3, 162, 280.4, 308, 316.3, 317.5.1, 346.1, 377, 464.2 334, § 1.º – 54.2 334, § 4.º – 11 334, § 4.º, II – 11 334, § 5.º – 106.1 334, § 8.º – 12 334, § 9.º – 12, 139 334, § 10.º – 12 334, § 11.º – 14, 156.8.2
335 – 54.3, 93.3, 101.1, 103, 107, 136, 140, 156.1, 286, 291, 316.3, 377 335, I – 70, 139, 161 336 – 104.2, 158.1.1, 226, 305, 311.1, 311.2, 314, 316.3, 328, 343, 366 337 – 224, 226, 241, 311.1, 313.1.3, 314, 315, 318, 319, 320.1, 322, 363, 372.5 337, I – 316, 316.1, 316.3 337, II – 101, 313.1.2, 315, 317, 317.3, 317.4, 317.5.1, 339, 382, 444, 464.1.3, 464.2, 468.1, 472.3, 489, 489.2, 490.1, 490.2 337, III – 315, 320.1, 326, 326.3, 465 337, IV – 320.1, 320.2 337, V – 322.1.2 337, VI – 322.1, 322.1.1, 322.2, 471 337, VII – 175.2, 177, 293, 313.1.1, 322.1, 322.1.2, 322.2 337, VIII – 304, 305, 313.1.2, 318, 318.2, 318.3, 318.4, 463 337, IX – 311.1.1, 322.3, 472.3 337, X – 28, 101, 324, 324.2, 324.2.2, 324.3 337, XI – 225.2, 225.3.1, 226, 310, 320.1, 325, 326.2, 361 337, XII – 326, 326.1 337, XIII – 315, 326, 326.4 337, § 2.º – 3, 41, 94, 95, 176.1, 176.2, 208, 227, 236, 237, 240, 241, 242, 243, 256.1, 267, 277, 292, 301, 302, 309, 316.2, 318, 318.1, 322, 322.1.1, 322.1.2, 322.1.3, 326.2, 352, 463, 471, 487 337, § 3.º – 96, 134, 176.1, 208, 241, 302, 304, 305, 318.1, 322.2, 471 337, § 4.º – 176.2, 237, 241, 313.1.3, 318.1, 322.2 337, § 5.º – 99, 101, 313.1.3, 318.2, 322, 324.3, 325, 372.5, 471 337, § 6.º – 226, 324.3 338 – 225.2, 313, 361 338, parágrafo único – 225.2, 361 339 – 225.2, 313, 361 339, § 2.º – 361
340 – 464.2, 465, 489 340, § 1.º – 464.2 340, § 2.º – 464.2, 465 340, § 3.º – 464.2 340, § 4.º – 464.2 341 – 104.2, 141, 156.3, 158.1, 244, 313.2.1, 330, 330.1, 330.2, 330.4, 330.5, 331, 332, 332.3, 333.1, 333.2, 333.4, 334, 346.2, 347, 349.1, 353, 353, 361, 372.2 341, I – 141, 156.3, 158.1, 247, 314, 329, 333, 333.1, 364, 365, 365.2 341, II – 141, 158.1, 247, 314, 329, 333, 333.2, 334, 365, 365.3 341, III – 141, 158.1, 247, 314, 329, 333, 333.3, 361, 365 341, parágrafo único – 332, 322.1, 332.2, 332.3, 365.4, 373 342 – 311.1, 338 342, I – 338 342, II – 226 343 – 106.1, 268, 280.1, 282, 302, 311.2, 313.3, 318.1 343, § 1.º – 355 343, § 3.º – 355 343, § 6.º – 313.3, 346.2, 355, 363, 366.1, 371 344 – 93.3, 104.1, 106.1, 141, 158.1, 176.4, 289.1, 316.3, 333.4, 344.1, 346, 346.2, 347, 351, 352, 354, 355, 357, 362, 363, 364, 365.1, 365.4, 365.6, 366, 366.1, 366.5, 368, 369, 371, 372.2, 372.4, 372.5 345 – 346, 365 345, I – 158.1, 333.4, 354, 358, 361, 365.1 345, II – 156.3, 158.1, 333.1, 365.2 345, III – 158.1, 365.3 345, IV – 158.1, 309, 334, 364, 365.5 345, V – 365.5, 365.6, 366 346 – 106.1, 346, 348, 354, 355, 365.1, 372, 372.1, 372.2, 372.3, 372.5
346, parágrafo único – 130, 347, 358, 362, 364, 366.5, 367, 372.4, 373, 374 347 – 106.1, 289.3 347, VIII – 318 348 – 289.1, 346, 366, 366.1, 366.2, 366.3, 366.4, 366.5, 367, 368, 371, 372.3 349 – 141, 346, 367, 370, 372.4 350 – 140, 290, 313.2.2, 344, 344.1, 344.2, 344.3 351 – 28, 130, 140, 226, 290, 320.2, 324.2.2, 324.3, 326.4, 372.5 352 – 101.2, 110, 320.2, 323, 326.3, 371 353 – 106.1, 289.3 354 – 84, 105, 106.1, 226, 323, 324.3, 366.1, 371 354, parágrafo único – 106.1 355 – 84, 106.1, 194, 311.1, 311.2, 366 355, I – 80, 141, 158.1, 158.1.1, 247, 313.2.1, 328, 329, 330.2, 330.4, 330.5, 334, 335, 344.1, 346, 371 355, II – 104.1, 141, 156.3, 158.1, 349.2, 351, 357, 364, 366, 366.1, 371, 372.4, 374, 375 356 – 84, 106.1, 141, 161, 175.1, 311.1 356, I – 265, 329, 330, 330.2, 330.4, 330.5, 334, 349.2, 354, 371 356, II – 247, 330.4, 330.5, 334, 349.2, 357, 366.2, 370 357 – 101.1, 106.1, 289.3, 311.1 357, I – 76, 314, 472.3 357, II – 76, 130, 145, 156.3, 286, 289.3, 311.1, 311.2, 326.4, 366.5, 494.2, 497 357, III – 76, 156.3, 157, 331, 343 357, IV – 76, 104.2, 130, 246, 275.4, 289.3, 311.1, 338 357, V – 76, 1. 144 357, § 3.º – 9, 10, 104.1, 106.1, 106.2.4, 130, 134, 366.5 357, § 4.º – 367, 372.4
358 – 106.1 359 – 9 361 – 54.3, 103 364 – 130, 156.1 364, § 2.º – 144 365, parágrafo único – 104.1 366 – 106.1, 156.8.2, 161 369 – 158.1.1, 158.2, 217 370 – 4.1, 68, 69.3, 70, 76, 80, 81, 101.2, 104.2, 106.2, 154, 156.3, 366.5, 372.4, 372.5, 494.2 371 – 145, 156.3, 158, 338, 365.6, 369, 377 371, parágrafo único – 158.1.1 373 – 80, 81, 157, 158.1.1 373, I – 156.3, 330.4, 331, 332, 333.3, 334, 335, 346.2, 364, 366.4 373, II – 156.3, 343, 344.1, 344.2 373, § 1.º – 154, 156.3, 157, 330.4, 331, 343, 366.5 373, § 2.º – 157, 330.4 373, § 3.º – 333.1 374, II – 329, 330, 330.1, 330.2, 333.1 374, III – 158.1, 333.2, 334, 346.2, 362 375 – 343 376 – 56, 63, 338 377 – 495.2, 495.3 377, parágrafo único – 156.8.2, 495.2 380, I – 346.2 381 – 217, 431.2, 459 381, I – 67 381, § 5.º – 195, 388.1, 431.2
385, § 1.º – 372.3 385, § 2.º – 136, 168 389 – 333.1 392 – 333.1 392, § 1.º – 333.1 392, § 2.º – 333.1 393 – 311.1 405 – 68 406 – 333.2, 365.3 408 – 330.4 410 – 330.4 411, I – 330.4 427 – 330.4 427, parágrafo único, I – 330.4 427, parágrafo único, II – 330.4 428, I – 330.4 428, II – 330.4 430 – 334 430, parágrafo único – 282, 287.2, 289.2, 292, 296, 306, 318.4 433 – 287.2, 292, 296 434 – 104, 106.1, 287.2, 289.2, 292, 328, 330.4, 333.2, 334, 344.1, 365.6, 366.4, 372.4, 372.5 435 – 93.3, 372.4 436, II – 334 436, IV – 330.4, 334 437, § 1.º – 140, 344.2 438 – 330.4 443 – 334
443, I – 30, 141 444 – 158.1.1 445 – 344.2 450 – 158.2 453, I – 459 455, § 5.º – 3 459 – 76, 494.2 464 – 431.2, 459 465, § 1.º – 372.4 465, § 5.º – 367 466-B – 235 469 – 130 469, I – 176.5 470 – 69 471 – 106.2 472 – 104.1, 262.1 474 – 130 475 – 176.4, 274, 282 477, § 1.º – 130 477, § 2.º – 104.1, 255 477, § 3.º – 130 484 – 106.1 485 – 83, 91, 94, 96, 97, 101.1, 120, 147, 156.8.2, 161, 167, 175.1, 176.6, 213.1, 224, 225, 227, 258.4, 313, 313.1.1, 313.1.2, 319, 326.2, 366, 366.1, 371, 396.4, 465, 490.4, 497.4 485, I – 83, 91, 101.1, 102, 114, 175.2, 222.3, 225.2, 281.2, 281.3.3, 313.1.1, 320, 326.2, 466 485, II – 81 485, III – 175.2, 321, 326.2, 345
485, IV – 83, 97, 123, 175.2, 222.4, 224, 313.1.1, 326.1 485, V – 95, 175.2, 178, 208, 222.4, 224, 313, 487 485, VI – 222.4, 224, 225, 225.2, 225.3.1, 225.3.7, 313, 313.1.1, 324.2.2, 325, 327 485, VII – 28, 175.2, 224, 313.1.1, 324.2.2, 324.3 485, X – 307, 322.1.2, 326, 326.3, 326.4 485, § 1.º – 321, 345, 346.1 485, § 2.º – 321, 326.2 485, § 3.º – 95, 99, 101, 101.1, 226, 314, 325, 471 485, § 5.º – 226 486 – 175.1, 175.2, 224, 225.3.7, 226.1, 313.1, 313.1.1, 319, 325, 326 486, § 1.º – 175.2, 221, 225.3.7, 226.1, 313.1.1, 325, 326.2 486, § 2.º – 100, 175.2, 326, 326.2 486, § 3.º – 55, 321 487 – 94, 96, 167, 175.2, 213.1, 224, 225, 227, 292 487, I – 92, 120, 175.2, 176.6, 224, 225.3.7, 248, 255, 281.3.2, 313.3, 325, 328, 344.3, 345, 371 487, II – 92, 120, 175.2, 225.3.7, 282, 309, 313.2.2, 339, 340, 341.3, 344, 345, 371, 372.4 487, III – 14, 62, 106.2 487, III, a – 156.8.2, 175.2 487, III, b – 14, 156.8.2, 175.2 487, III, c – 156.8.2, 175.2 487, parágrafo único – 80, 282 488 – 99, 101, 221, 313 489 – 336, 482, 485 489, II – 145, 318.1, 336 489, III – 62, 225, 292 489, § 1.º – 50, 76, 127, 145, 147, 148, 158.1.1, 161, 167, 291
489, § 1.º, I – 147 489, § 1.º, II – 145, 147 489, § 1.º, III – 147 489, § 1.º, IV – 145, 147, 338 489, § 1.º, V – 147 489, § 1.º, VI – 147 489, § 2.º – 117, 145, 147 489, § 3.º – 292 490 – 248, 265, 344.3 491 – 258.2, 261 491, I – 261 491, II – 261 491, § 1.º – 258.2, 261 491, § 2.º – 261, 694.1 492 – 227.1, 231, 233, 236, 260, 262, 338 492, parágrafo único – 258.1 493 – 35, 177, 225.3.6, 226.1, 226.2, 285, 288, 322.1.3, 338, 339 493, parágrafo único – 226.1 494 – 175.1 495 – 35, 231, 233, 566 496 – 4, 156.4, 167, 175.1 496, § 3.º – 231, 233 497 – 113, 261.3, 264 497, parágrafo único – 120 497, parágrafo único – 264 498 – 113, 236, 264 498, parágrafo único – 113, 258.2, 261 499 – 261.3
501 – 177, 235, 324.2.1 502 – 29, 30, 41, 96, 175.1, 175.2, 176.1, 176.3, 176.4, 177, 178, 181.3, 191, 208, 227, 292, 316.1, 316.2 503 – 175.2, 292, 309, 318.1, 340 503, § 1.º – 69, 292, 300, 356 503, § 1.º, II – 296, 298 503, § 1.º, III – 35, 292, 297.4, 306 503, § 2.º – 276, 292, 299 504, II – 158.1.2 505 – 93.3 505, I – 177 506 – 131, 176.5, 292 507 – 104.4 508 – 142, 175.1, 176.1, 247.1, 281.3.2, 304, 311.2 509 – 29, 351 509, § 4.º – 142 510 – 29, 351 511 – 29, 351 512 – 29, 351 513 – 29, 93.2, 176.1, 229, 263, 266, 280.4, 282, 284 513, § 1.º – 101.1 514 – 177 515 – 29, 105, 110, 113, 176.1, 176.4, 231, 235, 253, 351, 411.2, 415.2, 489.1, 489.1.2 515, I – 4.3, 65, 106.1, 231, 233, 282, 351, 353, 399.4.2, 415.2 515, II – 9, 176.4, 415.2, 456.1.2 515, III – 14, 176.4, 415.2, 456.1.2 515, IV – 415.2 515, V – 415.2, 456.1.2
515, VI – 35, 176.4, 235, 415.2, 456.1.3 515, VII – 29, 176.3, 176.4, 415.2, 456.1.3 515, VIII – 176.4, 213.1, 215, 415.2, 456.1.3 515, § 1.º – 235, 351, 411.2 515, § 1.º, I – 368 515, § 1.º, IV – 489.1.2 515, § 2.º – 14 516 – 415.2, 455.4.1, 456, 456.1 516, I – 381, 396.3, 411, 411.2, 415.2, 456.1, 456.1.1 516, II – 303, 381, 415.2, 433, 437, 456.1, 456.1.2, 468.1 516, III – 411.2, 415.2 516, VII – 415.2 516, parágrafo único – 415.2, 437, 456.1, 456.1.2, 468.1, 489.1 518 – 134, 489.1.2 518, § 1.º – 69.2 520 – 106.1, 113, 177 520, II – 177 520, § 2.º – 233 522 – 105, 106.1, 215, 456.1.2 522, parágrafo único – 282 523 – 105, 106.1 523, § 3.º – 113 523, § 14 – 69 523, § 15 – 69 524 – 259 524, § 2.º – 261 525 – 30, 176.1, 222, 351
525, § 1.º – 29, 30, 142, 176.1, 311.3, 316.1, 316.2, 324.2.2, 341.3, 351, 374 525, § 1.º, I – 30, 98, 176.3, 176.4, 178, 181.3, 313.1, 316.2, 351, 375 525, § 1.º, II – 225.2 525, § 1.º, V – 261 525, § 1.º, VII – 106.1, 142, 233, 253, 282 525, § 4.º – 261 525, § 12.º – 178 525, § 14.º – 469.3 525, § 15.º – 469.3 527 – 105, 106.1, 113 528 – 105, 106.1, 112, 113 528, § 1.º – 43.1, 454 528, § 3.º – 225.1.2, 385, 409 528, § 7.º – 256.1 528, § 8.º – 256.1 529 – 112, 113, 234 533 – 106.1, 113 534 – 106.1, 113 535 – 105, 106.1, 489.1.2 535, I – 316.2, 374, 375 535, V – 489.1.2 535, VI – 282 535, § 2.º – 261 535, § 7.º – 69, 469.3 535, § 8.º – 69, 469.3 536 – 106.1, 113 536, § 1.º – 112, 264
537 – 106.1, 112, 113 538 – 106.1, 113, 426 539 – 176.4 542, II – 104.2 542, § 3.º – 69.2 544 – 107 546, I – 413 550 – 140 555 – 279.2 555, I – 110, 280.4 555, II – 110, 280.4 556 – 107, 313.3 557 – 104.2, 107, 142, 279.1 557, parágrafo único – 279.1 562 – 102, 107 563 – 106.1 566 – 108 577 – 107 599 – 59 601 – 107 609 – 59 610 – 195 627, § 3.º – 114 667 – 195 668 – 280.4 674, § 2.º, IV – 461 676 – 282, 306, 318.4 678 – 107
683, parágrafo único – 306, 318.4, 358 690 – 107 701 – 132, 133 702 – 104.4 703, § 3.º – 107 719 – 195 720 – 194 721 – 194 723, parágrafo único – 107, 109, 194 724 – 194, 195 725 – 195 725, I – 194, 195 725, IV – 388.1 730 – 195 733 – 195, 747 – 195 748 – 113, 383 754 – 194 758 – 195 774, V – 112 775 – 468.1 776 – 35, 322.1.2 781 – 378, 456, 456.2, 489.1 781, I – 415.2, 456.2 781, II – 456.2 781, III – 456.2 781, IV – 456.2 781, V – 415.2, 456.2
782 – 189 782, § 1.º – 493.2 782, § 2.º – 112 784 – 110, 113, 156.5, 176.1, 253, 351, 399.4.1 784, I – 399.4.1, 456.2 784, IV – 399.4.1 784, V – 399.4.1, 426, 456.2 784, VI – 399.1.1.5 784, VII – 456.2 784, VIII – 399.1.1.2, 399.4.1, 456.2 784, IX – 18.2.1, 399.2, 399.4.1, 456.3 784, XII – 399.4.1, 456.2 784, § 1.º – 322.1.2 784, § 3.º – 205 784, § 4.º – 456.2 785 – 110, 225.3.5 786 – 253, 266 786-A – 113 787 – 345 787, parágrafo único – 345 788 – 76 789 – 21.2, 204, 235 792, IV – 54.1, 113 797 – 455.4 798 – 266, 378 798, I, d – 345 798, II – 258.2 798, II, a – 266
798, II, d – 343 799, VIII – 3, 284, 489.3 799, IX – 455.4.4 800, § 2.º – 263 801 – 345 802 – 351 803, III – 345 806 – 113 806, § 2.º – 112 810 – 113 811 – 113, 266 813 – 113, 266 817 – 112, 113, 351 820 – 113 821 – 113 822 – 113 823 – 113 824 – 105, 112, 113, 134, 235, 266 825 – 112, 266 825, I – 112 825, II – 112 825, III – 112, 113 827 – 113 829 – 113, 134 829, § 1.º – 134 830 – 455.4 844 – 455.4.4 845 § 1.º – 415.1, 415.3
845 § 2.º – 415.1, 431.3, 437, 455.4, 455.4.1, 456.1, 459, 492 846 – 112 847 – 112 851 – 472.3 853 – 134 854 – 21.5 870 – 113 874 – 134 875 – 113 876 – 113 889 – 134 889, I – 134 889, V – 455.4.4 890 – 388.2.1 903 – 105, 113, 455.4.5 904 – 113, 388.2.1, 455.4.1 904, I – 113 904, II – 113 905 – 388.2.1 906 – 21.4, 345 906, parágrafo único – 21.4 907 – 455.4.5 908 – 303, 318.1, 388.2.1 909 – 113, 455.4.1, 455.4.3 910 – 105, 113 911 – 105, 113 913 – 105, 113 914 – 176.1
914, § 1.º – 134, 142, 268, 282 914, § 2.º – 406, 407, 415.3 915 – 489.1.1 915, § 2.º, II – 493 915, § 4.º – 189, 493, 493.2 917 – 29 917, III – 261 917, § 1.º – 282, 301, 306, 318.4 917, § 1.º, V – 489.1.1 917, § 2.º, I – 261 917, § 2.º, IV – 345 917, § 3.º – 261 918 – 415.3 919, § 1.º – 120 920, I – 351 920, II – 351 920, III – 351 922 – 399.4.1 923, I – 214 923, II – 214 923, III – 214 923, IV – 214 923, V – 214 924 – 69, 96, 175.2, 176.1, 411.2 924, II – 21.4, 21.5, 35, 176.1 924, III – 176.1 924, IV – 176.1 924, V – 176.1
925 – 175.2, 176.1, 181.3, 411.2 926 – 96, 145 927 – 62.3, 76, 165, 181.2, 498.3 927, I – 2, 6, 62.3 927, II – 2, 6, 62.3 927, III – 2, 6, 62.3 927, IV – 2, 6, 62, 62.3 927, V – 6, 62, 62.3 928 – 62.3, 476 928, I – 2, 62.3, 156.8.2 928, II – 2, 62.3, 156.8.2 928, parágrafo único – 62.3 929 – 477 930 – 173, 474, 477 930, parágrafo único – 465 932 – 156.8.2, 165, 396.4 932, III – 409, 410, 414, 415.2 932, IV – 84, 129, 175.2, 406, 408, 410, 414, 415.2 932, V – 175.2, 406, 408, 410, 414, 415.2 934 – 482 935 – 119, 482 937 – 144, 482 937, II – 144 938, § 1.º – 414 941 – 482 941, § 2.º – 165, 167 942 – 412, 413, 414 942, § 2.º, I – 412
942, § 2.º, II – 412 943, § 1.º – 482 943, § 2.º – 372.3 947 – 69.2 947, § 1.º – 405, 414 947, § 3.º – 62.3 948 – 405 949, II – 405 951 – 472, 472.1, 472.2, 481 951, parágrafo único – 472.2, 481 952 – 472.3, 476 953 – 473.1, 474, 481 953, I – 474 953, II – 474, 481 953, parágrafo único – 475 954 – 474, 477, 478 955 – 475, 479, 480, 489 955, parágrafo único – 473, 476, 478, 481, 482, 483, 484 955, parágrafo único, I – 476, 483 955, parágrafo único, II – 476, 483 956 – 472.2, 478, 481, 482, 484 957 – 474, 480, 487, 490.3 957, parágrafo único – 487 958 – 473.5 959 – 473.5 960 – 212, 213, 214, 396.2, 411.2 960, § 1.º – 213.1 960, § 2.º – 214
960, § 3.º – 213, 213.1, 214 961 – 208, 215, 411.2 961, § 1.º – 213.1, 411.2 961, § 2.º – 214 961, § 3.º – 214 961, § 4.º – 210, 213.1, 218.1, 431.3, 489.1 961, § 5.º – 202, 213.1, 214 962 – 213.1, 218.1, 220, 396.2, 411.2 962, § 1.º – 213.1, 218.1 962, § 2.º – 213.1, 214, 218.1, 220 962, § 3.º – 213.1, 218.1 962, § 4.º – 213.1 963 – 213, 213.1, 220, 396.2, 411.2 963, I – 213.1 963, III – 214 963, VI – 218.2 963, parágrafo único – 214 964 – 208, 214, 396.2, 411.2 964, parágrafo único – 214 965 – 213, 215, 218.1, 220, 396.2, 411, 411.1, 411.2 965, parágrafo único – 215, 411.2 966 – 4.3, 30, 35, 175.2, 176.2, 176.3, 176.4, 181.3, 214, 304, 322.1.3, 374, 396.4 966, II – 183, 313.1, 317.2, 317.3, 382, 388.6, 470, 472.3, 490, 490.1, 490.3 966, IV – 175.2, 208, 322.3 966, V – 30, 41, 54.1, 62, 176.3, 176.4, 316.1, 316.2, 374 966, VI – 41 966, VIII – 176.3
966, § 1.º – 396.4 966, § 4.º – 30, 175.2, 214, 405 967, II – 396.4 967, III – 396.4 967, III, b – 80 968, II – 120 968, § 1.º – 120 968, § 3.º – 120 975 – 35, 175.2, 354 976 – 165 985, I – 6, 62.3 985, II – 6, 62.3 985, § 1.º – 6, 62.3 988, I – 2 988, II – 2 988, III – 2, 62.3 988, IV – 2, 6, 43.1, 62.1, 62.3 988, § 4.º – 62.3 992 – 62.3 994 – 130, 156.4, 408 994, I – 410 994, II – 410 996 – 175.1 1.003, § 3.º – 54.2 1.003, § 5.º – 4.1, 153, 156.1, 486 1.008 – 175.2, 176.5, 396.4, 399.4.2, 405, 415.2, 456.1.2 1.009 – 148, 175.2, 227, 490.4 1.009, § 1.º – 104.4, 167, 377
1.012, § 1.º, V – 114, 352 1.013, § 1.º – 275.2, 374 1.013, § 2.º – 274, 275.2 1.013, § 3.º – 156.8.3, 161, 166 1.013, § 3.º, I – 167, 224 1.013, § 3.º, II – 167 1.013, § 3.º, III – 167 1.013, § 3.º, IV – 147, 148, 167, 338 1.014 – 166, 282, 285, 338, 374 1.015 – 69.2, 104.1, 166, 300, 307, 317.5.1, 366.2, 366.5, 377, 470, 498.1 1.015, VII – 283 1.015, X – 326.4 1.015, XI – 144 1.015, parágrafo único – 43.1, 45.1, 454, 455.4.4, 490.4 1.016 – 378, 406, 408 1.018, § 1.º – 493 1.019 – 69.2 1.021 – 486 1.021, § 2.º – 135 1.022 – 119 1.022, II – 135 1.023, § 2.º – 135 1.023, § 3.º – 119, 130 1.024, § 1.º – 171, 1.026, § 3.º – 336 1.027, II, a – 454 1.040, III – 62.3 1.045 – 59
1.042, I – 409 1.042, II – 409 1.042, III – 409 1.046 – 69, 69.1, 105 1.046, § 1.º – 69, 69.1 1.046, § 3.º – 59, 195 1.046, § 4.º – 59 1.046, § § 5.º – 69 1.047 – 69, 69.3 1.048 – 156.8 1.048, I – 156.6, 156.8.1, 156.8.2, 161 1.048, II – 156.8.1, 156.8.2 1.049 – 125, 508.2.2 1.049, parágrafo único – 106, 110, 280.4, 399.1.1.7 1.050 – 76 1.052 – 113, 455, 489.1 1.053 – 69 1.054 – 292, 293, 300, 306, 356, 373 1.055 – 261 1.056 – 69 1.057 – 469.3 1.061 – 29, 176.3 1.063 – 18.1, 69, 106, 261, 399.1.1, 399.1.1.7, 399.4.2, 437.1 1.068 – 339 1.070 – 61 1.071 – 102, 195 1.072, II – 69.3 1.072, III – 4.2, 326.4
1.072, IV – 59 1.072, V – 43.1, 59 1.072, VI – 59 LEIS Lei 1.237/1864 – 72 Lei 2.033/1871 27 – 72 29, § 14, in fine – 72 Lei 2.614/1875 – 72 Lei 3.272/1885 – 72 Lei 930/1904 – 73 Lei 3.071/1916 3.º – 174 Lei 818/1949 3.º – 395.3 6.º – 395.3 24 – 395.3 34 – 395.3 Lei 968/1949 – 10 Lei 1.060/1950 – 4.2, 59, 326.4 5.º, § 2.º – 4.2 5.º, § 3.º – 4.2 5.º, § 5.º – 4.2, 156.1, 156.2 14, caput – 4.2, 332.1 14, § 1.º – 4.2, 332.1 Lei 1.079/1950 – 448 Lei 1.110/1950 8.º – 387
Lei 1.408/1951 – 59 Lei 1.533/1951 – 45 15 – 176.6 16 – 176.6 Lei 2.180/1954 18 – 37, 191 Lei 3.238/1957 – 174 Lei 4.132/1962 – 59 Lei 4.348/1964 4.º – 156.5 Lei 4.504/1964 95, IV – 399.1.1.1 Lei 4.591/1964 12 – 399.1.1.2 63 – 129 Lei 4.632/1965 – 262.1 Lei 4.717/1965 – 18.2.1, 59, 399.2 1.º – 47, 47.2, 451 1.º, § 1.º – 238 1.º, § 3.º – 47.2 2.º – 47.1 3.º – 47.1 4.º – 47.1 4.º, III, a – 238 5.º – 451 5.º, § 3.º – 465 6.º, caput – 4, 47.2 6.º, § 1.º – 47.2
7.º, § 2.º, IV – 156.1 11 – 47.2 18 – 47.3, 176.5, 191, 304 Lei 4.737/1965 22, I, e – 388.2.3 29, I – 388.2.3 35, II – 182.1, 469.3 35, III – 450 Lei 4.886/1965 39 – 399.1.1.7, 444 Lei 5.010/1966 – 59, 456.3 3.º – 416 12 – 431 15 – 388.2.5, 411.2, 431 15, I – 388.6, 431, 431.3, 456.3 15, II – 431, 431.2 15, III – 431, 431.1 15, parágrafo único – 415.1 42 – 411.1, 411.2, 415.1, 42, § 1.º – 415.1 70 – 388.4 Lei 5.021/1966 1.º – 456.1.1 1.º, § 3.º – 456.1.1 Lei 5.172/1966 – 59 Lei 5.474/1968 – 59 17 – 440, 456.2 20 – 399.4.1
Lei 5.478/1968 – 59, 271.1 2.º, – 137 2.º, § 3.º – 139 5º, § 1.º – 140, 15 – 177 19 – 43.1, 112 22, parágrafo único – 234 24 – 433 26 – 213.3, 214, 433 Lei 5.741/1971 – 105, 113 Lei 5.869/1973 – 59, 74, 75.2 Lei 5.925/1973 – 59 Lei 6.015/1973 – 59, 222.3, 493 109 – 195 109, § 5.º – 493 110, § 4.º – 399.1.1.7 113 – 195 216-A – 102, 195 Lei 6.024/1974 – 383 18, a – 122 Lei 6.513/1977 – 238 Lei 6.649/1979 49, § 5.º – 226.1 Lei 6.766/1979 – 59 27 – 324.2.1 48 – 426 Lei 6.815/1980 115 – 395.3
119 – 395.3 119, § 2.º – 431.4 121 – 395.3 Lei 6.830/1980 – 18.2.1, 59, 399.2, 399.4.1 3.º parágrafo único – 159 5.º – 455.1, 455.3, 456.3 16, § 3.º – 415.3 20 – 415.3 25 – 156.2 28, parágrafo único – 455.4.2 29 – 388.2.1, 455.3 29, parágrafo único – 455.4.2 34 – 166 38 – 18.2.1, 18.2.2, 120, 399.2, 399.3 38, parágrafo único – 45.1 39 – 156.7 Lei 6.899/1981 – 59, 262.3 Lei 6.969/1981 4.º – 447 4.º, § 1.º – 388.2.5, 447 Lei 7.115/1983 – 59 Lei 7.244/1984 – 15 3.º – 15 3.º, I – 15 3.º, II – 15 3.º, III – 15 3.º, § 1.º – 15 3.º, § 2.º – 15
8.º, caput – 15 8.º, § 1.º – 15 8.º, § 2.º – 15 55, parágrafo único – 75.1 Lei 7.250/1984 – 226.1 Lei 7.347/1985 – 59 1.º – 48, 48.1, 238 1.º, parágrafo único – 126 2.º – 404, 431.6, 448 2.º parágrafo único – 465 3.º – 48.1 5.º, I – 48.2 5.º, II – 48.2 5.º, III – 48.2 5.º, IV – 48.2 5.º, V – 48.2 5.º, § 5.º – 48.2, 388.4 16 – 156.7 18 – 156.7 21 – 176.5, 322.1.3 Lei 7.356/1980 (COJE/RS) 74, IX, a – 494.1 87, I – 400 87, II – 400 195 – 162 Lei 5.008/1981 (COJE/PA) 123, I – 400 123, II – 400
123, VII – 400 127 – 400 Lei 7.357/1985 – 59 2.º, I – 378.3, 456.2 Lei 7.375/1985 1.º, parágrafo único – 120 Lei 9.649/1988 58 – 388.3 Lei 7.727/1989 1.º – 416 Lei 8.009/1990 – 69 1.º – 66.1, 69 Lei 8.038/1990 – 59, 75.2 24, parágrafo único – 46.1 38 – 75.2 39 – 214 Lei 8.069/1990 – 59 27 – 171 146 – 442 146, I – 442 148 – 442 153 – 109 198, III – 106.1 206 – 171 212, § 2.º – 45.3 Lei 8.178/1991 17, § 1.º – 226.1 Lei 8.213/1991
19 – 388.2.2 128 – 24.1, Lei 8.245/1991 – 59 9.º, II – 273.1 9.º, III – 273.1 23, II – 273.1 23, XII – 399.1.1.2 23, § 1.º – 399.1.1.2 47, III – 399.1.2 47, § 1.º – 399.1.2 47, § 2.º – 399.1.2 51 – 177 58, II – 456.2 62, I – 297.2 63 – 177 65 – 3, 399.4.2 68 – 399.1.1.7 72 – 142, 311.3 76 – 69 Lei 8.397/1992 5.º – 431.3 Lei 8.420/1992 – 399.1.1.7 Lei 8.429/1992 10 – 448 11 – 448 16 – 448 26 – 448 Lei 8.437/1992 – 59
Lei 8.560/1992 – 59 Lei 8.866/1994 – 59 Lei 8.898/1994 – 75.1 Lei 8.906/1994 – 504 1.º – 136 24 – 399.4.1 Lei 8.868/1999 3.º, I – 252 24 – 399.1.1.6 Lei 8.950/1994 518 – 75 Lei 8.952/1994 – 74, 75 46, parágrafo único – 75 125, IV – 75 273 – 75 331 – 75 296 – 75 461, § 3.º – 75 461, § 5.º – 75 Lei 8.953/1994 – 75, 75.1 747 – 415.3 Lei 9.096/1996 – 45.2, Lei 9.099/1995 – 15, 58, 59, 102, 106 2.º – 20 2.º, I – 399.2 3.º – 18.1, 399.1.1, 399.4.1, 399.4.2, 399.1.1.5 3.º, I – 15, 18.1, 399.1, 399.1.1.6, 399.1.3, 399.4.2, 401
3.º, II – 18.1, 399.1, 399.1.1, 399.1.1.1, 399.1.1.2, 399.1.1.3, 399.1.1.4, 399.1.1.6, 399.1.1.7, 399.4.2, 401 3.º, III – 18.1, 399.1, 399.1.2, 399.4.2 3.º, IV – 18.1, 399.1, 399.1.3, 399.4.2, 401 3.º, § 1.º – 399.4 3.º, § 1.º, I – 399.4, 399.4.2, 399.4.2 3.º, § 1.º, II – 399.4, 399.4.1 3.º, § 2.º – 17, 18.1, 399.1, 399.1.4, 401 3.º, § 3.º – 399.4.1, 399.4.2, 401 5.º – 70 5.º, II – 393.2 6.º – 8, 109 7.º, caput – 8 8.º, caput – 19.2, 19.3, 393.1, 393.3, 399.4.1 8.º, IV – 393.2 8.º, § 1.º – 19.1, 393.1, 399.4.1 8.º, § 1.º, I – 19.1, 393.1 8.º, § 1.º, II – 19.1, 393.1 8.º, § 1.º, III – 19.1, 393.1 8.º, § 1.º, IV – 19.1, 393.1 9.º, caput – 15, 399.4.2 9.º, § 1.º – 15 9.º, § 2.º – 15 13, § 2.º – 189 18, II – 20 20 – 364 39 – 491 41 – 167
46 – 399.4.2 48 – 399.4.2 51, III – 317.5.2, 490.3, 491 52 – 399.4.2 52, I – 261 52, III – 399.4.2 52, IV – 21.2 52, V – 399.4.2 53, § 1.º – 399.4.1 53, § 2.º – 399.4.1 53, § 3.º – 399.4.1 57 – Parágrafo único – 399.4.1 62 – 399.4.2 74 – 399.4.2 95 – 399.4.2 Lei 9.139/1995 558 – 75.2 Lei 9.245/1995 – 313.3 Lei 9.278/1996 9.º – 432 Lei 9.279/1996 5.º – 443 44 – 443 57 – 201.1, 443 Lei 9.289/1996 – 59 Lei 9.296/1996 – 158.3 Lei 9.307/1996 (lei de arbitragem) 324.3 1.º – 25
1.º, § 1.º – 22 1.º, § 2.º – 22 2.º – 24.3, 25 2.º, § 1.º – 24.3 2.º, § 2.º – 24.3 2.º, § 3.º – 24.3 3.º – 324 4.º – 324.2 4.º, § 2.º – 324.3 5.º – 324.2 7.º – 324.2.1 8.º, parágrafo único – 28, 30, 324.2.2 9.º – 324.2 11, I – 24.4 11, V – 29 13, § 2.º – 27 13, § 4.º – 27 13, § 13.º – 24.1 15, § 2.º – 22 18 – 28, 30 20 – 324.2.2 21 – 109 21, § 2.º – 27, 30, 176.3 22 – 27 22-A – 29 22-A, parágrafo único – 29 22-B – 29 22-B, parágrafo único – 29
24, § 1.º – 27 24, § 2.º – 27 26 – 27 26, II – 29 27 – 29 28 – 29 29 – 28, 29 31 – 24.5, 28, 29, 30, 176.3, 181.2, 181.3, 324.2.2, 456.1.3, 464.1.1 32 – 29, 30, 176.3 32, I – 324.2.2 32, IV – 28, 324.2.2 32, VIII – 30, 176.3, 176.4 33 – 28, 30, 324.2.2 33, § 1.º – 30, 176.4 33, § 2.º – 30, 176.3 33, § 2.º – 30, 176.3 33, § 3.º – 29, 30, 176.3, 181.3, 324.2.2 33, § 4.º – 28 35 – 213.1 37 – 213.1 37, II – 213.1 38 – 213.1 39 – 213.1, 214 40 – 214 Lei 9.317/1996 – 15 Lei 9.469/1997 5.º, parágrafo único – 388.5, 388.6 Lei 9.494/1997 – 59
1.º – 21.2, 125 2.º-A – 176.5 16 – 176.5 Lei 9.503/1997 131, § 2.º – 5 Lei 9.507/1997 – 59 1.º, parágrafo único – 44.2, 2.º – 44.1, 44.2 3.º – 44.1 4.º – 44.1 7.º, I – 44.1 7.º, II – 44.1 7.º, III – 44.1 20 – 452 Lei 9.514/1997 26 – 129 Lei 7.713/1998 6.º, XIV – 156.6 Lei 9.615/1998 49 – 123 55 – 123 Lei 9.615/1998 49 – 123 55 – 123 Lei 9.756/1998 – 69, 69.2, 75, 75.2 557 – 75 Lei 9.790/1999 – 19.1, 19.2, 393.1, 393.2 Lei 9.800/1999 – 59
1.º – 497.2 Lei 9.841/ 1999 – 19.1, 393.1 Lei 9.868/1999 – 58, 59 27 – 469.3 28 – 181.2 Lei 9.882/1999 – 59 Lei 9.966/2000 27, § 1.º – 388.4 Lei 9.969/1981 – 59 5.º – 399.1.1.7 Lei 9.982/1999 – 59 Lei 10.099/200 – 21.4 Lei 10.048/2000 – 59 Lei 10.194/2001 – 19.2, 393.2 1.º – 19.1, 393.1 Lei 10.259/2001 – 15, 17, 20, 21, 58, 59, 106, 399.5 3.º, caput – 15, 21.4, 399.4.2, 403 3.º, I – 15 3.º, II – 15, 399.3 3.º, III – 15, 399.3 3.º, IV – 15, 18.2.2, 399.3 3.º, § 1.º – 399.3 3.º, § 1.º, I – 18.2.1, 399.2, 399.3, 399.4.1 3.º, § 1.º, II – 18.2.2 3.º, § 1.º, III – 18.2.2, 21.2 3.º, § 2.º – 15, 399.1.1, 403 3.º, § 3.º – 399.4.1 4.º – 21.2
6.º, I – 15, 19.3, 393.3 6.º, II – 15, 17, 21.3 13 – 21.2 13, § 5.º – 21.4, 16 – 17, 21.2, 21.4, 234 17 – 21.2, 21.3, 21.4, 21.5, 234 17, § 1.º – 21.4, 399.4.1, 399.5, 402, 403 17, § 2.º – 21.5 17, § 3.º – 21.4 17, § 4.º – 21.4, 399.4.1 25 – 399.4.2 205 – 399.4.2 Lei 10.192/2002 2.º, § 1.º – 262.3 Lei 10.628/2002 – 448 Lei 10.268 – 409 Lei 10.194/2001 – 19.2 1.º – 19.1 Lei 10.239/2001 25 – 399.4.2 Lei 10.352/2001 – 69.2, 75.2 530 – 75.2 Lei 10.358/2001 14 – 75 14, V – 75 Lei 10.444/2002 – 75 Lei 10.671/2003 30, caput – 123
34 – 123 36 – 123 Lei 10.741/2003 1.º – 441 13 – 43.1, 454 69 – 59 70 – 441 71 – 106.1, 156.6, 441 74, I – 48.2 79 – 441 80 – 441 92 – 59 Lei 10.931/2006 27 – 456.2 29, III – 456.2 31 – 456.2 50 – 59, 261 Lei 11.101/2005 – 59, 113, 201.2, 383, 455 3.º – 406, 434.2, 455.2 6.º – 455.3 6.º, § 2.º – 455.3 6.º, § 7.º – 455.3 6.º, § 8.º – 455.3 76 – 455.3 76, parágrafo único – 455.3 83 – 388.2.1, 455.3 99, V – 455.3 192 – 69
Lei 11.187/2005 – 75.2 522 – 75.2 Lei 11.232/2005 – 75.1 Lei 11.276/2006 – 69.2, 75 518, § 1.º – 75 518, § 2.º – 75 Lei 11.280/2006 – 75 489 – 75 Lei 11.322/2010 – 75.2 Lei 11.382/2006 – 75, 75.1 652, § 2.º – 75 Lei 11.340/2006 – 433 12 – 466 22 – 466 22, v – 433, 23 – 466 24 – 466 Lei 11.418/2006 3.º – 61 Lei 11.419/2006 – 59 10, § 3.º – 143 15 – 59 Lei 11.441/2007 – 59 Lei 11.636/2007 – 59 Lei 11.690/2008 – 158.2, 159 Lei 11.804/2008 – 59 Lei 12.010/2009 – 59 Lei 12.016/2009 – 18.21.1, 37, 59, 105, 399.2
1.º – 2, 45.2, 176.6, 450 1.º, § 1.º – 45.2, 390 1.º, § 2.º – 45.1 1.º, § 3.º – 45.2 2.º – 390, 450 3.º – 45.2 5.º – 225.1.2 5.º, I – 45.1 5.º, II – 45.1 5.º, III – 45.1 6.º, caput – 45.2 6.º, § 6.º – 176.6 7.º, I – 45.2 7.º, II – 45.2 7.º, III – 106.1 7.º, § 2.º – 45.3, 114, 120, 125, 156.5 7.º, § 5.º – 125 9.º – 45.2 14, § 4.º – 45.3, 262 15 – 156.5 19 – 176.6 20 – 106.1, 156.6 21 – 45.2 22 – 176.5 22, § 1.º – 176.5 23 – 120, 176.6 24 – 59 25 – 45, 156.7
Lei 12.036/2009 – 213.1 Lei 12.153/2009 – 20, 58, 59 1.º – 15, 17, 21, 399.5 1.º, parágrafo único – 17 2.º – 18.1, 18.2.1, 21.1, 21.4, 399.1.4, 399.2, 399.5, 402 2.º, I – 18.2.1, 399.2 2.º, II – 18.2.1, 399.2 2.º, III – 18.2.1, 399.2 2.º, § 1.º – 18.2.2, 399.3 2.º, § 1.º, I – 399.2, 399.4.1 2.º, § 1.º, II – 399.2, 18.2.1 2.º, § 1.º, III – 399.2 2.º, § 2.º – 21.4, 402 2.º, § 4.º – 15, 18.2, 399.2 3.º, II – 399.2 3.º, III – 399.2 3.º, § 1.º, I, – 18.2.2 5.º, I – 18.2, 19.2, 393.2, 399.2 5.º, II – 18.2.1, 19.2, 21.1, 21.3, 399.2, 399.5 11 – 21.2 12 – 21.2, 21.4 13, caput – 21.2, 21.3, 21.4, 21.5 13, I – 21.4 13, § 1.º – 21.2, 21.4, 21.5 13, § 2.º – 21.1, 399.5 13, § 3.º – 21.1, 399.5 13, § 3.º, I – 21.1, 399.5 13, § 3.º, II – 21.1, 399.5
13, § 4.º – 21.4 13, § 6.º – 21.4, 21.5 13, § 7.º – 21.4 16 – 20 LEI 13.097/2015 54 – 54.1 Lei 13.129/2015 – 22 Lei 10.098/1994 – Rio Grande do Sul 27, § 2.º – 41 80, IV – 41 186 – 41 191, parágrafo único – 41 191, XV – 41 220 – 41 249 – 41 Lei 12.376/2010 – 220 Lei 13.043/2014 – 431, 431.3 Lei Francesa 16.08.1790 – 7 Lei Francesa 17.03.1791 – 7 Lei Francesa 18.09.1828 13 – 168 Lei Francesa 09.02.1949 – 7 Lei Italiana 89 de 24.03.2001 2º. Alínea 2 – 161 Lei 20.10.1823 1.º – 72 2.º – 72 Lei 11.08.1827 – 72
LC 35/1959 37 – 162 101, § 3.º – 405 LC 35/1979 – 59 21, IV – 60 21, VI – 388.2.3, 388.3, 392 22, § 2.º – 383, 439 37 – 156.8.1 68 – 458 96 – 416 101, § 4.º – 405 101, § 4.º – 167, 410, 483 LC 73/1993 – 59 LC 75/1993 – 59 37, II – 388.4 LC 80/1994 – 4.2, 59 1.º – 139 4.º-A – 151 4.º-A, III – 139 44, I – 156.1, 156.2, 536, 474.2 88, I – 156.2, 474.2 89, I – 156.1 128, I – 156.1, 156.2 LC 123/2006 – 19.1, 19.2, 22, 393.1, 393.2, 393.3 3.º – 15 6.º, I – 19.3, 393.3 LC 132/2009 – 139 LC 147/2014 – 393.1, 393.2
Dec. 143/1842 11 – 72 Dec. 3.900/1867 9.º – 324.2 Dec. 4.824/1871 – 72 Dec. 5.129/1872 – 72 Dec. 6.982/1878 – 201, 201.2 Dec. 9.549/1886 – 72 Dec. 169-A/1890 – 73 Dec. 359/1890 – 73 Dec. 720/1890 – 73 Dec. 763/1890 – 73 Dec. 848/1890 – 73 15, f – 395.1 16 – 431 Dec. 1.380/1905 – 73 Dec. 8.332/1910 – 73 Dec. 9.263/1911 143, § 6.º – 61 Dec. 1.882/1914 – 73 Dec. 16.732/1924 – 73 Dec. 18.871/1929 – 219 Dec.-lei 20.910/1932 7.º – 59, Dec.-lei 58/1937 – 59 16 – 110, 280.4, 399.1.1.7 Dec.-lei 960/1938 – 74 Dec.-lei 1.608/1939 – 59, 74
Dec.-lei 1.907/1939 – 174 Dec.-lei 3.365/1941 – 18.2.2, 59, 399.3 11 – 439 12 – 383, 439 Dec.-lei 4.657/1942 2.º – 69 3.º – 56 6.º – 69, 174 6.º, § 1.º – 69 6.º, § 3.º – 175.1 12, § 1.º – 202 12, § 2.º – 220, 411.1, 498 13 – 68 15, parágrafo único – 213.1 15 – 214 15, a – 214 15, d – 214 17 – 214 Dec.-lei 7.661/1945 – 69 7.º – 201.2 Dec. 54.435/1965 22 – 211 Dec. 56.826/1965 – 213.3, 216 Dec.-lei 70/1966 29 – 129 37 – 129 Dec. 59.566/1966 32, I – 399.1.1.1
32, IV – 247.1, 274 Dec. 61.078/1967 31 – 211 Dec.-lei 167/1967 1.º – 399.4.1 9.º – 399.4.1 Dec.-lei 200/1967 5.º, I – 388.3 Dec.-lei 227/1967 27, VI – 431.5 27, XVI – 431.5 Dec.-lei 857/1969 2.º – 207 Dec. 678/1992 – 58, 161 Dec.-lei 27/1992 – 43.1, 161, 454 Dec.-lei 129/1995 – 206 Dec. 1.900/1996 – 216 Dec. 2.067/1996 – 216, 326.1 Dec. 2.095/1996 – 206 Dec. 2.626/1998 – 218.1, 493.3 Dec. 3.084/1898 – 73 Dec. 3.413/2000 – 216 Dec. 4.311/2001 – 213.1 Decreto Legislativo 10/1958 – 213.3, 326 Decreto Legislativo 55/1995 – 218.1, 326.1, 492 Decreto Legislativo 69/1965 2.º – 198.3 Decreto Legislativo 192/1995 – 218.1, 493.3
MP 2.172-32/2001 – 59 3.º – 1.339.2.1 MP 2.180-35/2001 – 59, 126 MP 656/2014 10 – 54.1 Lei de 18.08.1769 (Lei da Boa Razão) § 14 – 63 Lei de 03.05.1823 1º. – 116 Lei 11.08.1827 – 72 Lei de 18.09.1828 13 – 72, 116, 168 Lei 20.10.1823 1.º – 72 2.º – 72 Lei de 29.11.1832 – 72, 116 10 – 326.1 Lei 2.033/1871 27 – 72 29, § 14, in fine – 72 Lei 221/1894 – 220 12, § 4.º – 212, 218.1, 493.3 49, parágrafo único – 396.2 Lei 261/1841 68 – 35 114 – 72 124 – 72 Constituição de 1824 – 31
9.º – 72 34 – 43 151 – 72, 116 155 – 116 158 – 72, 166 159 – 72, 116 160 – 22 161 – 7, 10, 72, 116 162 – 72, 116 163 – 72, 116 164 – 72 179, VIII – 130, 161 179, XI – 149, 185 179, XII – 149, 174 179, XVII – 185 179, § 11.º – 116 179, § 12.º – 116 179, § 17.º – 116 Constituição de 1891 – 22, 31, 43 34, n.º 22 – 103 34, n.º 23 – 73 57, caput – 116 57, § 1.º, in fine – 116 58, § 1.º – 1.042, 59, § 1.º, II – 116 59, § 1.º, III – 116, 174 60, § 1.º – 116 62 – 116
65, n.º 2 – 73 72 – 116, 145 72, § 1.º – 116 72, § 2.º – 116 72, § 9.º – 116 72, § 22.º – 43, 116 81 – 116, 174 Constituição de 1934 – 59 5.º, XIX, a – 73, 103 64 – 116 76, 2, II, a – 45 113, III – 174 113, nº 3 – 116 113, nº 24 – 116 113, nº 25 – 116 113, nº 32 – 116 113, nº 33 – 116 113, nº 35 – 116 113, nº 37 – 116 113, nº 37 – 116 113, nº 38 – 116 Constituição de 1937 16, XIV – 73 94 – 116, 120 187 – 116 109, caput – 116 Constituição Federal de 1946 114, § 4.º – 174
119, parágrafo único – 61 120, parágrafo único – 61 141 – 116 141 § 3.º – 174 141 § 4.º – 116, 127 141 § 32.º – 116 Constituição Federal de 1967 111 – 32 112, II – 116 150, § 3.º – 174 Constituição Federal de 1969 111 – 32 119, parágrafo único – 60 120, parágrafo único – 60 153, § 15 – 130 Constituição Federal de 1988 1.º – 40, 432 1.º, I – 432 1.º, III – 116 1.º parágrafo único – 1 2.º – 1, 36 4.º, V – 199 5.º – 2, 116, 127, 145, 153, 182.2 5.º, I – 37, 153 5.º, II – 59, 127, 181.2 5.º, XII – 158.3 5.º, XXI – 45.2 5.º, XXII – 45.2
5.º, XXIV – 178 5.º, XXV – 24.2, 222 5.º, XXVIII – 163 5.º, XXXV – 1, 2, 30, 32, 36, 38, 116, 120, 122, 124, 136, 179, 186, 222.3, 223, 308 5.º, XXXVI – 69, 116, 174, 175, 175.2, 181.2 5.º, XXXVII – 149, 185 5.º, XXXIX – 181.2 5.º, XL – 68 5.º, LIII – 116, 149, 185, 5.º, LIV – 35, 116, 118, 119, 125, 127, 128, 130, 160, 161, 176.5, 179, 308, 322.1.3 5.º, LV – 86, 93.3, 109, 116, 127, 130, 136, 138, 140, 142, 166, 244, 308, 310, 311.3, 372.1 5.º, LVI – 116, 158, 158.2 5.º, LX – 116, 117, 168, 170, 172 5.º, LXVII – 43.1, 454 5.º, LXVIII – 43, 43.1, 454 5.º, LXIX – 45, 45.2, 176.6, 390, 450 5.º, LXX – 45.2 5.º, LXX, b – 45.2 5.º, LXXI – 46, 453 5.º, LXXII – 44, 452 5.º, LXXIII – 4, 47, 156.7, 451 5.º, LXXIV – 4.2, 116, 186 5.º, LXXVI – 116 5.º, LXXVIII – 4.3, 116, 117, 161, 162, 167, 179, 186 5.º, § 1.º – 46 5.º, § 2.º – 58, 145
5.º, § 3.º – 58, 166, 395.1 5.º, § 5.º – 48.2 7.º, XXVIII – 388.2.2 8.º, I – 336 12, I, c – 395.3 12, II – 395.3 12, § 4.º, I – 395.3 12, § 4.º, II – 395.3 13, caput – 48 21 – 400 21, I – 395.1 22 – 446 22, I – 41, 54.3, 58, 59, 68, 103, 171, 410 24, X – 15, 58 24, XI – 54.3, 58, 103 24, § 1.º – 15, 54.3, 58, 103 24, § 2.º – 103 29 – 127 29, V – 127 34 – 43 37 – 4, 41, 45.1, 161, 181.2, 390, 450 37, § 4.º – 448 37, § 6.º – 4.3, 163 38 – 41 39 – 41 41 – 41 42, § 1.º – 37 52, I – 37, 448
52, II – 37, 448 52, V – 395.1 52, parágrafo único – 37 59 – 40 60, § 3.º – 431 60, § 4.º, IV – 174 62, § 1.º – 59 62, § 1.º, b – 54.1 70 – 4 71, caput – 4, 37 71, II – 37 71, III – 37 72, § 22 – 43 74, § 2º – 4 84, VIII – 218.1, 493.3 92 – 1, 32, 181.2, 182.2 92, I – 181.2, 182.3 92, I-A – 4 92, VII – 15 93, I – 183 93, II – 183 93, VIII – 183 93, IX – 4, 116, 117, 145, 146.1, 148, 168, 170, 171, 172, 498.1 93, X – 4 93, XII – 4 93, XIII – 189 93, XIV – 189 94 – 165, 183
95, I – 174 95, II – 174 95, III – 174 95, XI – 385 95, XII – 392 95, parágrafo único – 174 96, I, a – 1, 61, 181.2 96, I, b – 1 96, I, c – 1 96, I, d – 398 96, I, e – 1 96, II, d – 416 97 – 40, 178, 406, 414 98 – 15 98, I – 15, 400, 401 98, II – 195 98, § 1.º – 15 99, § 1.º – 1 100 – 21.4 100, I – 431.7, 432 100, § 1º – 21.4 100, § 3º – 21, 21.1, 399.4.1, 399.5, 402, 403 100, § 4º – 21.1, 399.5 100, § 6º – 21.5 101 – 183 102 – 182.3, 405 102, I, a – 40, 182.3, 396, 405 102, I, b – 37
101, I, c – 37, 448 102 – 992 102, I, d – 188, 378.2, 391, 450 102, I, e – 182.3, 389, 391, 395.1 102, I, f – 391, 451, 455.4.2 102, I, g – 493.3 102, I, j – 385, 396 102, I, l – 396, 493.1 102, I, m – 396, 396.3, 411, 456.1.1 102, I, n – 1, 396 102, I, o – 396, 473.4 102, I, p – 396 102, I, q – 182.3, 391, 453 102, I, r – 4, 391 102, II – 116, 166 102, II, a – 182.3, 409, 453. 454 102, III – 167, 487 102, III, a – 214, 409 102, III, b – 214, 409 102, III, c – 409 102, § 2.º – 62, 62.2, 181.2 103, I – 137 103, II – 2 103, IX – 137 103, § 2.º – 46 103, § 3.º – 62.1, 431.2 103-A – 62.1, 498.3 103, B – 4
103, B, § 4º – 4, 61 105 – 388.3 105, I, b – 182.3, 450 105, I, c – 1.452.3 105, I, d – 396, 473.1, 473.2, 473.3, 473.4 105, I, e – 385, 396 105, I, f – 396 105, I, g – 396, 396.2 105, I, h – 46.2, 453 105, I, i – 69.1, 212, 213.1, 218.1, 220, 396, 456.1.3, 469.3, 493.3 105, I, l – 213 105, II – 116, 182.3, 454 105, II, a – 409, 454 105, II, b – 388.3, 391, 409 105, II, c – 409 105, II, i – 411.1, 411.2 105, II, h – 391 105, III – 167, 487 105, III, a – 409 105, III, b – 409 105, III, c – 409 106 – 182.2 107, § 3.º – 379 108, I – 397 108, I, a – 182.1 108, I, b – 385, 397, 405 108, I, c – 388.3, 450 108, I, e – 397, 473.1
108, II – 410 108, II, c – 390 109 – 58, 388.4, 395, 431, 464.1.1 109, I – 17, 69.1, 271.2.1, 306, 387, 388, 388.1, 388.2, 388.2.1, 388.2.5, 388.3, 388.4, 388.5, 390, 395.1, 398, 426, 427, 430.2, 431.1, 431.2, 431.5, 431.6, 439, 443, 446, 451, 455.1, 455.4.2, 455.4.4, 456.3, 461, 469.3, 470, 498.3 109, II – 18.2.2, 387, 389, 399.3, 409 109, III – 18.2.2, 395.1, 399.3 109, IV – 182.1 109, V – 182.1 109, V-A – 395.4 109, VI – 182.1 109, VII – 182.1, 387 109, VIII – 390 109, IX – 182.1 109, X – 182.1, 213.2, 220, 395.3, 411, 411.1, 411.2, 431.3, 431.4, 456.1.3, 498 109, XI – 18.2.2, 395.2, 399.3 109, § 1.º – 426, 430, 430.1, 430.2, 430.3, 434.2, 456.3 109, § 2.º – 424, 430.1, 430.2, 430.3 109, § 3.º – 378.3, 379, 388.2.5, 388.6, 394, 395.3, 394, 411.1, 411.2, 430, 431, 431.1, 431.6, 456. 3, 469.3, 473.1 109, § 4.º – 431, 456.3 109, § 5.º – 395.4 110 – 182.2, 416 111 – 182.2 113, III – 174 114 – 69.1, 317.2, 389, 444, 455.4.2, 469.3, 490, 490.1 114, I – 210, 388.2.4
114, IV – 450, 469.3 114, VI – 388.2.2, 388.2.4 114, VII – 388.2.4 114, VIII – 388.2.4 116 – 182.2 118 – 182.2 119, parágrafo único – 61 120, parágrafo único – 61 121 – 182.1, 182.2 121, § 3.º – 166 122 – 182.2 122, II – 182.3 124 – 182.1, 182.2 125 – 182 125, § 1.º – 52, 58, 60, 378.3, 385, 388.3, 392, 397, 405, 410, 450 125, § 2.º – 40, 58, 60, 397 125, § 4.º – 182.1 125, § 5.º – 182.2 125, § 6.º – 57 126 – 1, 398, 468.2 128, § 5.º, II, b – 152 129, III – 126 133 – 388.3 134 – 4.2 134, § 2.º – 4.2 142, § 2.º – 37, 43.1 144, § 1.º – 400 183 – 447
191 – 447 192, § 3.º – 46.3 195, I, a – 388.2.4 195, II – 388.2.4 217, § 1.º – 32, 38, 123, 186, 222.4, 225.1.2, 325 217, § 2.º – 32, 123 226, § 3.º – 387 226, § 5.º – 432 227, § 6.º – 226.1 236 – 193 ADCT da CF 1988 21 – 410, 461 22 – 332.1 27 – 416 27, § 6.º – 416 27, § 10.º – 469.3 87 – 21.1, 399.5 97, § 12 – 21.1, 399.5 97, § 12, I – 399.5 97, § 12, II – 399.5 EC 1/1969 – 116 111 – 122 EC 7/1977 – 32, 116, 122, 213.2 EC 18/1998 – 37 EC 20/1998 – 127, 388.2.2 EC 30/2000 – 21, 399.5 EC 32/2001 – 59 EC 45/2004 – 15, 62.1, 213.2, 388.2.2, 388.2.4, 395.4, 469.1
EC 45/2008 – 58, 116 EC 62/2009 – 21.1, 399.5 Constituição Italiana 1948 111 – 145, 161 Constituição Francesa 1795 208 – 168 Constituição do México 17 – 122 Constituição Portuguesa 1976 – 36 Constituição da Espanha 24 alínea 2 – 161 Constituição do Rio Grande do Sul – 1989 93, V, c – 450 95, XII – 410 95, XII, c – 397 COJE/RS (Lei 7.356/1980) 74, IX, a – 494.1 87, I – 400 87, II – 400 195 – 162 COJE/PA (Lei 5.008/1981) 123, I – 400 123, II – 400 123, VII – 400 127 – 400 CLT 651 – 199 Código Comercial Lei 556/1850 – 72
22 – 72 28 – 72 294 – 22 527 – 241 Código Tributário Nacional – CTN 83, I – 455.3 151, II – 120 167, parágrafo único – 177 186, parágrafo único, I – 455.3 186, parágrafo único, II – 455.3 187 – 388.2.1, 455.3 187, parágrafo único – 455.4.2 Código Civil de 1916 – 59 76 – 225.3.3 135 – 54.1 144 – 54.1 222 – 57 880 – 324.2.1 1037 – 22 1048 – 22 Código Civil 2002 5.º, parágrafo único, I – 194 11 – 333.1 22 – 428 23 – 428 66, § 1.º – 48.2, 388.4 70 – 204, 420 71 – 420, 421, 427
72 – 420 72, parágrafo único – 420, 421 73 – 420, 422, 423, 427 73, IV – 455.2 74, parágrafo único – 420 75, II – 438 75, IV – 420, 434.1 75, § 1.º – 420, 434.2 75, § 2.º – 204, 420, 434.2 75, § 3.º – 434.2 76 – 420, 428 76, parágrafo único – 420, 429 77 – 420 78 – 420, 464.1, 464.1.2 79 – 399.1.1.3 80 – 399.1.1.3 81, II – 399.1.1.3 82 – 420 83 – 420 83, I – 420 84 – 420 100 – 21.5 108 – 54.1, 193, 333.2, 365.3 116 – 333.1 156 – 265 166 – 233 166, II – 232 182 – 232
186 – 33 187 – 596 189 – 223, 233, 282, 312.2, 339, 340, 341.3 190 – 344.2 191 – 1.626, 1.628, 200 – 35 202, II – 344.2 202, VI – 344.2 205 – 343 206 – 343 210 – 313.1.3 213 – 333.1 213, parágrafo único – 333.1 215 – 330.4, 334, 365.3 222 – 57 227, caput – 69.3 231 – 342 252 – 256.1, 263 260 – 265 261 – 265 327 – 435 330 – 435 333, III – 263 334 – 102, 280.4 385 – 399.4.1 388 – 399.4.1 391 – 235 400 – 345
402 – 258.2, 404 – 262.2, 262.3 405 – 262.2 406 – 262.2 441 – 242, 274, 279.3 442 – 242, 274, 279.3 455 – 279.3 475 – 232, 246, 279.2, 280.1 476 – 147, 312.4, 340, 341.1, 341.3, 343, 344.2, 426 477 – 115, 339, 340 500 – 279.3 519 – 280.2 652 – 58 668 – 102, 280.4 710 – 324.2.1 814 – 223, 225.1.2 826 – 264 827 – 341.1 841 – 11, 106.2.1, 333.1 851 – 26 852 – 25 853 – 27 876 – 176.1 877 – 176.1 929 – 261.2 935 – 35, 41 939 – 437.2 944 – 163
948, I – 33 948, II – 33, 383 949 – 261.2 950 – 261 952 – 279.3 1.173 – 177 1.197 – 341.1, 341.2 1.201, § 1.º – 223 1.225 – 420, 426 1.225, VII – 235, 426 1.225, IX – 456.2 1.228 – 223 1.280 – 115, 264, 457 1.313, I – 1 1.425, I – 264 1.425, IV – 264 1.433, II – 341.2 1.470 – 125 1.515 – 387 1.516 – 387 1.541, I – 11 1.548, I – 11 1.569 – 420, 432 1.571 – 247.1 1.572 – 244, 247.1 1.573 – 247.1, 338 1.573, I – 244, 247.1, 248 1.573, III – 248, 338
1.573, VI – 247.1 1.573, parágrafo único – 338 1.575 – 232 1.597, III – 247.1, 279.2 1.597, V – 247.1 1.638, III – 33 1.752 – 338 1.753, I – 338 1.844 – 427 2.038 – 456.2 2.045 – 241 Código de Processo Criminal 1832 – 72 8.º – 72 9.º – 116 11 – 72, 116 14 – 116 15 – 72 16 – 72 25 – 72 26 – 72 Código de Processo Penal 63 – 35, 456.1.3 63, parágrafo único – 35 64 – 35, 241 64, parágrafo único – 35 65 – 35, 119, 129 66 – 35, 41, 119, 129 66, in fine – 119
68 – 241 84 – 490.1 84, § 1.º – 409, 469.3 84, § 2.º – 409, 469.3 92, caput – 33 157 – 158.2, 158.4, 159 157, § 1.º – 159 157, § 2.º – 159 287, parágrafo único – 292 384 – 130 386, IV – 35 386, VII – 41 387, IV – 35 622, caput – 35 623 – 35 626, caput – 41 630 – 4.3 647 – 454 654, § 1.º, a – 43.2 667 – 454 Código Criminal do Império – 72 Código Penal Brasileiro 91, I – 35 92, a – 41 92, b – 41 92, parágrafo único – 41 121 – 33, 41, 119 312 – 41
327 – 41 341 – 33 345 – 1 347 – 125 CPC Francês 1808 – 72 448 – 168 1.456 – 324.2.2 1.466 – 324.2.2 CPC Italiano 1865 – 72 101 – 91 464 – 233 2.909 – 175.1, 175.2 CPC Português 1876 – 72 76, parágrafo único – 261 498 – 247.1 CPC Japonês 1996 – 75 CPC Inglês 1998 – 75 CPC Português de 1961 490, n.º 1 – 330.3 Português de 2013 35 – 242 556, n.º 1, c – 261.3 574, n.º 1 – 330.3, 330.4 581, nº 4 – 247.1 611, nº 1 – 247.1 625, n.º 1 – 322.3 Código Húngaro de 1911 – 70 Código Civil Alemão
§ 194, I – 223 ZPO Alemã 1877 – 70, 74 § 138, II – 330.2 § 139, II – 130 § 256 – 225.3.5 § 278, II – 130 ZPO Austríaca 1895 – 70 Zivilprozessordnung 1877 – 70 LEC Espanhola 1881 – 72 Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 – 70, 116 2.º – 153 8.º – 222 Convenção Americana de Direitos Humanos 7.º, n.º 7 – 58 Convenção Européia para Salvaguarda dos Direito do Homem e das Liberdades Fundamentais/1950 6.º – 172 6, I – 161 Convenção sobre Relações Diplomáticas de 18.04.1961 – 211 Convenção sobre Relações Consulares 24.04.1963 – 211 CPC/1909-MA – 73 (Lei 507 de 22.03.1909 – 73) CPC/1915-BA – 73, (Lei 1.121/1915) 127 – 73 CPC/1919-RJ – 73 (Lei 1.588/1919) CPC/1920-PR – 73 (Lei 1.915/1920) CPC/1920 PI – 73(Lei 964/1920) CPC/1920-SE – 73(Lei 793/1920) CPC/1921-CE – 73 (Lei 1.952/1921)
CPC/1922-MG – 73(Lei 830/1922) CPC/1922-RN – 73 (Lei 522/1922) CPC/1930-ES – 73 (Lei 1.743/1930) CPC/1924-PE – 73 (Lei 1.672/1924) CPC/1924-DF – 73 CPC/1928-SC – 73 (Lei 1.640/1928) CPC/1930-SP – 59, 73 (Lei 2.421/1930) 146 – 493.1 CPC/1930-PB – 73 (Lei 28/1930) CPC/1892-PR – 73 CPC/1908-RS – 59, 73 CPC/1915-ES – 73 Ordenações Manuelitas 1521 – 71 66, § 7.º – 145 Ordenações Filipinas 1603 – 71 Livro 20, §§ 22 – 321 Livro 1, Título 52 – 195 Livro II, título 66, § 7.º – 145 Livro 3, Título 20, parte inicial – 71 Livro 3, Título 20, n.º 1 – 71 Livro 3, Título 20, n.º 32 – 71 Livro 3, Título 20, § 6.º – 326.1 Livro 3, Título 20, § 7.º – 71 Livro 3, Título 20, § 17 – 321 Livro 3, Título 20, § 22 – 321 Livro 3, Título 49, § 2.º – 339 Livro 3, Título 52, parte inicial – 71 Livro 3, Título 62, n.º 1 – 71
Livro 3, Título 62, n.º 4 – 71 Livro 3, Título 66, parte inicial – 71 RISTJ 11, XII – 473.5 11, XIII – 413 11, XIV – 413 12, parágrafo único, I – 413 13, III – 409 15, I – 413 200 – 413 216-A – 213, 213.1 216-C – 214 216-G – 214 216-H – 213.2 216-K – 213.2, 214 216-M – 214 216-N – 213 216-O – 220 216-T – 220 216-X – 220 266 – 413 301, II – 396.3 302, I – 396.3 302, II – 396.3 RISTF 6.º, II, d – 413 6.º, IV – 413 8.º, I – 413
21, § 1.º – 317.5.2, 490.3 261, parágrafo único – 411, 413 Regulamento 737/1850 – 72, 73 Regulamento 738/1850 – 72 Regulamento 750/1850 74 – 72 75 – 72 97 – 72 181 – 72 230 – 72 232 – 72 266 – 72 646 – 72 668 – 72 669 – 72 672 – 72 679 – 72 Regulamento 1.206 de 28.5.2001 – 216 Resolução 9/2005 do STJ – 220, 411.1, 411.2 1.º – 220 4.º, § 2.º – 215 9.º, § 2.º – 220 9.º, § 3.º – 220 10 – 220 14 – 220 Resolução do CNJ nº 71/2009 – 61 Regimento Interno do TJ/SP – 61 Resolução governamental 28.12.1876 – 72
Nouveau Code de ProcédureCivile 31 – 224 Ley de Enjuiciamiento Civil Espanhola (2000) – 233 5.º – 233 74 – 301 405.2 – 330 BGB § 322 – 345 Acta Reformas de 1847 25 – 45 Protocolo de Las Leñas 8.º – 218.1 Pacto de São José da Costa Rica 7.º, § 7.º – 43.1, 454 8.º – 136, 308 8.º, I – 161 8.º, 2, h – 166
ÍNDICE ONOMÁSTICO (os números correspondem aos itens deste volume) Abbud, André de Albuquerque Cavalcanti – 214, 411.2 Abdo, Helena Najjar – 169 Abraham, Henry J. – 62.2, 166 Abreu, Carlos Pinto de – 314 Abreu, Nylson Paim de – 149, 185 Acioli, Pedro – 320.1 Ackel Filho, Diomar – 42, 43.1, 43.2, 44, 45.1, 46.1, 453 Aguiar, Cristopher Rezende G. – 43.1, 177 Aguiar, Ruy Rosado de – 35, 96, 177, 316.3, 424, 469.2
Albertario, Emilio – 227 Alberton, Genacéia da Silva – 5 Alcabar Lopex, José Luis – 162 Alcalá Zamora y Castillo, Niceto – 1, 70, 73, 78, 86 Alencar, Rosmar Antonni Rodrigus Cavalcanti de – 47.2 Allorio, Enrico – 2, 176, 176.1, 181.2, 181.3, 289.2 Almeida, Fernando Dias Menezes de – 15 Almeida, Gregório Assagra de – 6, 36, 40, 48, 62, 126, 238 Almeida, José Maurício Pinto de – 69 Almeida, Roberto José Ferreira – 168 Almeida Filho, José Carlos de Araújo de – 171 Almeida Júnior, Jesualdo Eduardo de – 178 Almeida Júnior, João Mendes de – 15, 32, 73, 86, 102, 122, 182 Almeida e Souza, Manuel de – 102, 177, 330, 498.1 Alvarado Velloso, Adolfo – 1, 82, 380 Álvares, Manoel – 455.4.2 Álvarez, Gladys S. – 13 Alves, Cleber Francisco – 120 Alves, Francisco Glauber Pessoa – 153 Alves, José Carlos Moreira – 40, 41, 46.1, 46.3, 124, 202, 213.1, 324.2.1 Alves, Rafael Francisco – 28, 324.2.2 Alves, Vilson Rodrigues – 344.2 Alvim, Angélica Arruda – 149, 166, 185 Alvim, Eduardo Arruda – 176.5, 176.6, 225.3.3, 226.1, 297 Alvim, Thereza Arruda – 175.2, 176.1, 293, 296, 314 Amadeo, Rodolfo da Costa Manso Real – 224 Amaral, Francisco – 57, 420 Amaral, Guilherme Rizzo – 69, 223
Amaral, Jorge Augusto Pais de – 311.1, 313.2.2, 316, 333.1, 333.2, 333.3 Amaral, Oswaldo Pinto – 415.2, 455.4 Amaral Júnior, José Levi Mello do – 40 Amaral Santos, Moacyr – 10, 54.1, 54.2, 74, 75.2, 83, 158.1, 222.4, 226, 244, 248, 263, 264, 280.1, 301, 302, 334 Amazonas, José Antonio de Almeida – 213.1 Americano, Jorge – 348, 415.2, 455.4, 489.3 Amorim, Aderbal Torres de – 280.1, 355 Amorim, Aureliano Albuquerque – 30 Amorim, Letícia Balsamão – 146.1 Andolina, Italo – 1, 87, 125, 145, 157, 158.1, 168, 231, 308, 399.4.1 Andrade, Christiano José de – 65 Andrade, Domingues – 380 Andrade, Luís Antonio de – 75.2 Andrade, Odilon de – 74 Andrade, Valentino Aparecido de – 404 Andrews, Neil – 106.2, 106.2.3, 158.2 Andrighi, Nancy – 35, 109, 157, 168, 207, 247.2, 313.3, 320, 324.2.2, 345, 366.1, 367, 424, 433, 436, 455.2, 461, 487, 498.3 Aprigliano, Ricardo de Carvalho – 313.1.3, 343 Aragão, Paulo Cezar – 213.1, 213.3, 214 Aragoneses Alonso, Pedro – 4, 49, 64, 65, 68, 85, 181.2, 222, 244, 301, 308, 309, 335, 346 Aranha, Adalberto José Camargo – 35 Araújo, Alberto Davi – 123 Araújo, Edmir Netto de – 4 Araújo, Fábio Caldas de – 45.2 Araújo, João Vieira de – 35 Araújo, José Henrique Mouta – 21.1
Araújo, Justino Magno de – 104.1 Araújo, Luiz Alberto David – 1, 32, 175 Araújo, Nadia de – 213.1 Araújo Filho, Luiz Paulo da Silva – 445 Araújo Filho, Raul – 176.1 Arellano García, Carlos – 45, 45.2, 45.3, 90, 222.5 Arenhardt, Sérgio Cruz – 333.1 Arens, Peter – 112 Arieta, Giovanni – 32, 183, 346.1, 348, 372.1, 374 Armelin, Donaldo – 179, 201, 225.2, 225.3.3 Armenta Deu, Teresa – 10, 159, 227, 244, 256.1, 301 Arruda, Denise – 225.2, 258.2, 317.2, 382, 396.4, 399.1.1.4, 431.1, 439 Arruda Alvim – 3, 45.2, 45.3, 65, 74, 91, 96, 175.2, 177, 199, 200, 204, 206, 208, 222.4, 244, 225.3.6, 231, 236, 240, 243, 244, 246, 247, 247.1, 256.1, 304, 318.2, 322.3, 334, 373, 378, 430, 436, 464.1.1, 464.1.3, 469.2, 471, 473, 487, 489.1.1, 490.3 Asencio Mellado, José Maria – 330, 372.1 Assis, Araken – 2, 3, 35, 93.3, 129, 177, 179, 222.4, 223, 225.3.3, 229, 231, 246, 251, 253, 274, 280.3, 299, 322.1.2, 345, 346.2, 351, 364, 372.5, 374, 399.4.2, 408, 411.2, 415.2, 426, 433, 437.1, 437.2, 438, 454, 455, 455.3, 455.4, 464.1.3, 483 Assis, Carlos Augusto de – 213.1 Assis, Jacy de – 262.1, 280.2, 352, 370, 372.5 Ataliba, Geraldo – 15 Attardi, Aldo – 225.3.5, 490.3 Atyah, P. S. – 464.1.3 Ávila, Humberto Bergmann – 77, 127 Ávila, Thiago André Pierobom de – 160 Avolio, Luiz Francisco Torquato – 160 Azevedo, Álvaro Villaça – 28 Azevedo, Antônio Junqueira da – 54.1, 98
Azevedo, Luiz Carlos de – 387 Azevedo, Plauto Faraco – 1, 35, 65 Bacellar, Roberto Portugal – 5 Baethgen, Walter Eduardo – 98, 179, 224, 325 Bagolini, Luigi – 161 Baleotti, Francisco Emilio – 111 Baptista, Francisco de Paula – 74, 227.2 Baptista, José João – 50, 68, 69, 222.3, 227.2 Baptista, Luiz Olavo – 207 Baptista, Zótico – 455.4 Baptista da Silva, Ovídio – 2, 3, 5, 35, 53, 89, 102, 104.2, 104.4, 114, 115, 142, 146.1, 175.1, 176.2, 177, 179, 201, 206, 223, 225.1.2, 225.2, 225.3.6, 227.1, 229, 230, 232, 234, 235, 238, 240, 242, 244, 247.1, 255, 258.2, 261.1, 264, 276, 284, 292, 296, 299, 303, 304, 312.4, 314, 323, 330.3, 330.4, 331, 342, 346.1, 346.2, 352, 383, 399.4.2, 404, 426, 432, 457 Barbi, Celso Agrícola – 35, 45, 45.1, 45.2, 50, 78, 125, 139, 175.1, 182, 197, 199, 201, 202, 204, 222.4, 225.3.1, 225.3.3, 225.3.6, 226, 236, 247.1, 256.1, 294, 296, 297.1, 297.2, 297.3, 297.4, 301, 302, 303, 304, 306, 307, 322.1.2, 380, 383, 386, 387, 392, 396.1, 404, 410, 420, 421, 426, 427, 429, 432, 433, 434, 434.2, 434.3, 435, 436, 460, 461, 466, 468, 468.1, 470, 472, 472.3, 475, 478, 479, 480, 481, 487, 488, 490, 490.1 Barbosa, Antônio Alberto Alves – 93.3, 175.1 Barbosa, Edgar Fernando – 23 Barbosa, Hélio Quaglia – 157 Barbosa, Joaquim – 103, 372.1, 395.2 Barbosa e Silva, Érica – 9 Barbosa Moreira, José Carlos – 2, 3, 4, 5, 6, 24.3, 27, 33, 35, 39, 41, 44, 46.3, 48, 54.1, 69, 70, 74, 75, 75.1, 75.2, 78, 80, 81, 99, 102, 102.1, 104.2, 105, 106, 106.1, 109, 111, 125, 129, 146.2, 156.4, 156.7, 158.2, 160, 165, 166, 168, 175.1, 175.2, 176.5, 177, 178, 179, 183, 201, 203, 207, 208, 213.1, 214, 215, 218.1, 225.3.3, 225.3.5, 225.3.6, 233, 234, 235, 236, 247.1, 247.3, 250, 256.2, 257, 258.1, 258.2, 263, 274, 279.1, 279.2, 279.3, 285, 292, 292, 293, 296, 302, 303, 304, 313.3, 314, 318.1, 322.3, 333.4, 338, 348, 354, 356, 365.1, 365.5, 371, 374, 369.4, 396.4, 404, 405, 407, 411.2, 464.1, 471, 487, 489, 490.1, 493.3 Barboza, Heloísa Helena – 35
Bargi, Alfredo – 158 Barioni, Rodrigo Otávio – 320.2 Barletta, Antonino – 313.2.3 Barreto, Cunha – 74, 104.1 Barreto Filho, Oscar – 455.2 Barrios de Angelis, Dante – 53, 104.2 Barros, Karoline Tortoro – 47.2 Barros e Silva Neto, Francisco Antônio de – 215 Barros Monteiro – 201, 211, 219, 289.1, 307, 318.3, 322.1.3, 323, 332.2, 364, 366, 399.1.1, 415.3, 456.1.2, 464.1.1, 498.3 Barroso, Kátia da Silva Soares – 48.2 Barroso, Luís Roberto – 40 Basso, Maristela – 68, 208 Bastos, Aurélio Wander – 1, 36 Batista, Lia Carolina – 101 Baumbach, Adolf – 27, 324.1, 324.3 Baumöhl, Inês Kram – 235 Baur, Fritz – 80, 109, 176.2, 225.2, 229, 231, 232, 233, 246, 338, 464.1.2 Bedaque, José Roberto dos Santos – 3, 158.1, 160, 289.3 Beleeiro, Aliomar – 395.1 Bellavitis, Mario – 222.3 Bellinetti, Luiz Fernando – 225.1.1 Beltrame, Adriana – 212, 214 Beltrame, José Alonso – 351 Beneti, Sidnei – 324.2.2, 372.3, 374, 461 Benjamin, Antonio Herman de Vasconcellos – 48.2, 366.1, 367, 372.3, 435 Benucci, Renato Luís – 346 Beraldo, Leonardo de Faria – 23, 178
Berizonce, Roberto O. – 102 Bermudes, Sérgio – 222.3, 399.1.1.2, 399.1.1.5 Bernardini, Piero – 25, 27 Bernhardt, Wolfgang – 104.2 Berni, Duílio Landell de Moura – 166, 167 Bethmann-Hollweg, Moritz August – 83 Betti, Emilio – 54.1, 250, 227.2, 348 Beviláqua, Clovis – 54.3, 103, 324.2 Bezerra, Juarez Sampaio – 380 Bezerra Campos, João Armando – 178 Biagi, Cláudia Perotto – 117 Bianco, Rogério Carmona – 212 Bidart Campos, German J. – 45 Biondi, Biondo – 104.2 Blomeyer, Arwed – 92, 93.2, 94, 176.2, 227 Bochenek, Antônio César – 380, 384, 388.3, 388.4 Bolaffi, Renzo – 340 Bomfim, Daniela – 248 Bomfim, Edson Rocha – 336 Bonavides, Paulo – 40 Bondioli, Luiz Guilherme Aidar – 135, 313.3, 347, 355 Bongiorno, Girolamo – 1 Bonicio, Marcelo José Magalhães – 120 Bonnard, Roger – 31 Bonnier, Édouard – 104.1 Bonumá, João – 54.2, 72, 83, 346.1 Borges, José Souto Maior – 328 Borges, Marcos Afonso – 192, 214, 222.4, 308
Borges, Nilton Alexandre – 46.3 Borja, Célio – 37 Braga, Antônio Pereira – 222.1, 346.1 Braga, Paula Sarno – 464.1.3 Braghitton, R. Ives – 130, 133 Brandão, Paulo de Tarso – 48.2 Bresolin, Umberto Lara – 346, 346.2, 348, 356, 364, 365.2, 366.5, 369, 371, 372.2, 372.3, 372.4, 377 Briegleb, Hans Karl – 104.1, 104.2 Brighittoni, Rogério Ives – 102 Bruns, Rudolf – 153, 232, 234 Bruschi, Gilberto Gomes – 47.1 Bueno, Cássio Scarpinella – 37, 45.2, 87, 109, 176.6, 223, 225.2, 233, 244, 258.2, 261, 261.2, 289.3, 311, 372.2, 388.2.3, 390 Bueno, José Antonio Pimenta – 149, 185 Bueno, Luiz Eulálio de – 97 Bueno de Souza – 297.3 Bulos, Uadi Lammêgo – 29, 30 Bülow, Oskar – 83, 90, 91, 92, 221, 313, 340 Bussy-Dunaud, Florence – 274 Bustamente Alarcón, Reynaldo – 119, 128 Buzaid, Alfredo – 22, 45.1, 45.2, 75.2, 82, 94, 224, 225.3.3, 225.3.5, 236, 256.1, 292, 294, 297.1, 297.4, 311.1, 322.1.2, 325, 388.2.3 Cabral, Antonio do Passo – 130, 222.2 Cabral, Luciana Carreira Alvim – 75.2 Cadiet, Loïc – 1, 7, 50, 130, 224, 225.2, 225.3.3, 247, 312.1 Caetano, Marcello – 71 Cahali, Yussef Said – 262.1 Caivano, Roque J. – 8, 12
Calamandrei, Piero – 1, 63, 70, 83, 84, 86, 91, 93.1, 146.1, 222, 222.2, 233, 235, 247.3, 248, 302, 336 Calgano, Salvatore – 104.2 Calmon, Eliana – 176.2, 208, 304, 388.6, 430.2 Calmon, Petrônio – 104.1 Calmon de Passos – 44, 82, 91, 105, 108, 109, 111, 181.2, 182, 197, 222.3, 222.4, 224, 241, 244, 248, 256.1, 261.1, 261.3, 262, 262.4, 263, 264, 271.2.1, 279.1, 279.3, 281.1, 289.1, 298, 305, 312.2, 313.1.3, 316.1, 316.3, 317.5.2, 318.3, 320.1, 324.3, 325, 330.3, 332.1, 333.1, 333.3, 338, 339, 344.1, 344.2, 346, 346.1, 346.2, 348, 348, 351, 352, 354, 358, 362, 364, 366.1, 368, 371, 372.3, 372.5, 373, 374, 375, 376, 388.2.1, 398, 399.1.1.2, 458, 459, 489.1.1, 489.3 Calogero, Guido – 145, 336 Calvinho, Gustavo – 1, 82 Calvo, Roberto – 155 Câmara, Alexandre Freitas – 29, 30, 161, 233, 261, 366 Câmara Leal, Antônio Luiz da – 35, 227.2, 493.1 Cambi, Eduardo – 158.1.1, 179, 181.2 Campo, Hélio Márcio – 156.3 Campos, Antonio Macedo de – 15 Campos, Ronaldo Cunha – 82, 102, 192, 292 Canotilho, J.J. Gomes – 36, 118 Canova, Augusto Cerino – 94, 236, 244 Caponi, Remo – 69, 177, 374, 375 Cappelletti, Mauro – 4, 5, 15, 74, 79, 104.1, 119, 162, 192, 340 Carbonnier, Jean – 1 Cardoso, Oscar Valente – 313.3 Cardozo, José Eduardo Martins – 69.2 Carl, Friedrich – 222.1 Carlucci, Maria da Glória – 69 Carmen Lúcia – 388.2.2, 448
Carmona, Carlos Alberto – 22, 24.2, 24.5, 25, 29, 30, 213.1, 214, 324.2.2 Carnacini, Tito – 80 Carnaúba, Maria Cecília Pontes – 160 Carneiro, Athos Gusmão – 32, 37, 45.3, 75.2, 104.2, 177, 179, 181.2, 186, 187, 189, 190, 192, 197, 200, 207, 210, 282, 298, 304, 313.3, 351, 352, 378.3, 379, 382, 384, 388.3, 388.6, 392, 396.2, 398, 399.1.1.2, 399.1.1.2, 399.1.1.3, 399.1.1.7, 400, 416, 426, 428, 431.2, 436, 438, 446, 455.2, 455.4.2, 464.1.3, 469.2, 470, 489, 489.3, 498.2.2 Carneiro, Daniel Xanetti Marques – 45.2 Carneiro, Diogo Ciuffo – 222.5 Carneiro, Manuel Borges – 177 Carneiro, Paulo Cezar Pinheiro – 15, 120, 152 Carnelutti, Francesco – 1, 3, 6, 67, 68, 81, 90, 102, 103.2, 125, 130, 158.1, 176.1, 177, 197, 303, 314, 318.1, 379 Carpi, Federico – 212, 222.2, 234 Carratta, Antonio – 330, 348 Carreira Alvim, J. E. – 75.2, 267, 313.3 Carvalhido, Hamilton – 176.2, 259, 282, 383, 456.1.1 Carvalho, Daniel Marques de – 77 Carvalho, José Orlando da Rocha de – 98 Carvalho, Milton Paulo de – 244, 255, 256.1, 258.2, 262.2, 266, 304, 364, 455.4, 455.4.1, 456.2 Carvalho, Pedro Leonel Pinto de – 183 Carvalho, Orlando de – 83 Carvalho, Vladimir Sousa – 388.2.3, 388.4, 411.1 Carvalho de Mendonça, M. (Manoel) I. (Ignacio) – 32, 343 Carvalho Filho, José dos Santos – 36, 40, 41, 42, 48.1, 97, 181.3, 238, 388.4 Castellari, Antonio – 91 Castelo, Jorge Pinheiro – 177 Castrillón y Luna, Víctor M. – 227.2
Castro, Amílcar de – 197, 198.1, 198.2, 210, 215, 222.3, 316.2, 331, 411.1, 415.2, 455.4 Castro, Arthur Anselmo de – 222.1, 225.2, 229, 233, 242, 247, 247.1, 329, 330.4, 380 Castro, Carlos Roberto de Siqueira – 127, 165 Castro, José Antonio de – 415.3 Castro, Mário de Almeida – 238, 278 Castro, Torquato – 84, 225.3.5 Castro Filho – 35, 74, 176.4, 192, 292, 316.2, 320, 354, 388.3, 395.1, 450 Castro Meira – 44.1, 82, 279.3, 388.3, 398, 424, 465, 474, 490.1, 490.3 Cavalcante, Montovanni Colares – 45.3, 57, 176.6 Cavalcanti, Themístocles Brandão – 45 Cavalcanti, José Paulo – 399.4.1 Cavallari, Bona Caccia – 310, 348 Cenerini, Massimo – 35 César, Joaquim Portes Cerqueira – 44.1 Chabas, François – 112 Chainais, Cécile – 32, 50, 54, 54.1, 61, 63, 68, 69, 69.2, 69.3, 116, 222, 222.1, 225.3.2, 244, 246, 382 Chaves, Antonio – 176.1, 263 Chaves, Paulo – 104.1 Chaves, Pedro – 336 Chiarloni, Sergio – 9, 62, 102, 128 Chiavaro Mario – 174 Chiovenda, Giuseppe – 2, 31, 50, 55, 70, 74, 80, 81, 91, 93.2, 93.3, 95, 104.1, 104.2, 104.4, 112, 125, 176.5, 177, 181.2, 222.1, 222.2, 224, 225.3.5, 231, 232, 236, 237, 239, 241, 242, 246, 262.1, 276, 278, 279.1, 279.3, 289.1, 303, 304, 328, 340, 348, 373, 386, 404 Cholet, Didier – 161, 162, 313.1 Chrétien, Patrice – 40 Cianci, Mirna – 161
Cintra, Antônio Carlos de Araújo – 2, 53, 135, 180, 224, 225.2, 226.1, 240, 325, 378, 495.2 Cintra, Geraldo de Ulhoa – 231 Cipriani, Franco – 50, 80, 81, 222.2 Claus, Bem-Hur Silveira – 102 Clermont, Kevin M. – 78, 127 Clève, Clèmerson Merlin – 40 Codovilla, Egidio – 27 Coelho, Fábio Ulhoa – 420, 434.2 Coelho, Luiz Fernando – 64, 65, 80, 337 Colesanti, Vittorio – 222.2 Combre, Nilton da Silva – 235, 399.4.2 Comoglio, Luigi Paolo – 14, 77, 80, 81, 181.3, 226.1, 301, 328, 380 Comparato, Fábio Konder – 180 Coneglian, Olivar Augusto Roberti – 151 Coniglio, Antonino – 279.1, 279.2, 279.3, 302 Consolo, Claudio – 5, 161 Cordeiro, António Menezes – 5 Cornu, Gerard – 50 Corrêa, Maurício – 40, 127, 208, 388.2.2 Correia, André de Luizi – 465.1 Cortes, Hélio Armond Werneck – 365.2 Costa, Álvaro Mayrink da – 35 Costa, Eduardo José da Fonseca – 228 Costa, Geraldo Gonçalves da – 222.5 Costa, José Armando da – 36 Costa, José Augusto Galdino da – 118, 222.5 Costa, Moacir Lobo da – 72, 73, 74, 116
Costa, Nilton César Antunes da – 16, 29 Costa, Sergio – 104.1, 233, 246, 340, 348 Costa, Suzana Henriques da – 160 Costa e Silva, Paula – 5, 455.4, 455.4.2 Costa Leite – 35, 322.1.2, 415.33 Couto, Jeanlise Velloso – 30, 83 Couto e Silva, Clovis do – 3, 93.1, 227.2, 228, 229, 234 Couture, Eduardo J. – 39, 50, 65, 82, 83, 85, 128, 176, 177, 180, 181.3, 188, 222.1, 222.3, 236, 308, 309, 339 Cretella Júnior, J. – 37, 174, 470 Cristofolini, Giovanni – 177 Crocioni, Pietro – 104.1 Croze, Hervé – 222.1, 228, 292 Cruz, João Cláudio de Oliveira – 383 Cruz, Luana Pedrosa de Figueiredo – 45.2 Cruz e Tucci, José Rogério – 4, 28, 44.2, 62.1, 63, 93.3, 94, 120, 127, 128, 168, 145, 148, 149, 151, 161, 162, 177, 185, 225.3.3, 243, 244, 246, 247.1, 248, 249, 251, 274, 279.3, 303, 311.2, 313.3, 326, 347, 355, 372.1, 387 Cunha, Alcides Munoz da – 254, 299, 459, 489.2 Cunha, Leonardo José Carneiro da – 176.1, 210, 225.3.5, 259, 380, 396.4, 465, 465.1.2, 465.1, 466, 468.1, 468.2, 469.3 Cunha, Mauro – 53 Cunha, Oscar da – 104.1 D’ Urso, Leonardo – 6, 13 Dall’Agnol, Antonio – 189, 220, 233, 302, 304, 305, 307, 316.2, 316.3, 318.2, 318.3, 324.3, 374, 375, 376, 377, 396.2, 399.1.3, 411.1, 415.1, 455.4, 455.4.4, 464.1.1, 464.1.3, 464.2, 471, 472.3, 474, 476, 479, 481, 483, 487, 489, 490.1, 490.2, 490.3, 493.1, 494.1, 494.2, 494.4, 495.3, 496, 497.2, 497.3, 498, 498.2.2, 498.3, 499 Dall’Agnol, Jorge Luís – 98, 99, 101, 101.1 Dall’Alba, Felipe Camilo – 236 Dallari, Dalmo de Abreu – 165
Dantas, José – 226.2, 366.1 Davila Millan, Maria Encarnación – 242 De Boor, Hans Otto – 236 De Cresci Sobrinho, Elicio – 94, 236, 237 De La Bilennerie, M. Goubeau – 83, 302, 326.1 De La Plaza, Manuel – 301 De La Oliva Santos, Andrés – 94, 225.2, 237, 292 De Lucca, Rodolfo Ramina – 176.4, 224 De Marini, Carlo Maria – 192 De Plácido e Silva – 455.4 De Palo, Giuseppe – 6, 13 De Stefano, Giuseppe – 10, 226.2 Decomain, Pedro Roberto – 44, 47, 47.1, 47.2, 47.3, 48 Degenkolb, Heinrich – 222.3 Delgado, José Augusto – 23, 35, 178, 214, 388.3, 396.2, 431.6, 451, 452 Deliostopoulos, Ionnis S. – 168 Della Giustina, Vasco – 40, 347 Dellori, Luiz Guilherme Pannacchi – 224 Demolombe, Charles – 222.1 Denti, Vittorio – 4, 54.1, 80, 233, 234 Dergint, Augusto do Amaral – 4 Destefenni, Marcos – 222.4, 244, 349.1 Devis Echandía, Hernando – 53 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella – 40, 41 Dias, Jefferson Aparecido – 127 Dias, Jorge Figueiredo – 34 Dias, Juarez Cavalcante – 233 Dias, Maria Berenice – 268
Dias Trindade – 456.2 Didier Júnior, Fredie – 98, 183, 222.4, 224, 225.1.2, 225.3.3, 225.3.6, 231, 232, 309, 313.1.3, 325, 346.2, 378.1, 396.4, 404, 464.1.3, 466, 489, 490.3 Didone, Antonio – 6 Dinamarco, Cândido Rangel – 2, 15, 18.1, 21.2, 28, 45.2, 50, 53, 54.3, 58, 63, 65, 67, 69, 70, 74, 75.2, 82, 86, 91, 102, 103.1, 103.2, 130, 177, 178, 180, 181.2, 206, 218.1, 222.4, 224, 225.1.2, 225.3.3, 227, 233, 240, 242, 258.1, 261, 261.4, 265, 266, 261.2, 271.1, 271.2.1, 271.2.2, 271.2.3, 281.1, 317.5.2, 325, 333.1, 346.2, 354, 364, 365.1, 365.2, 365.5, 372.3, 378, 388.4, 399.1.4, 399.4.1, 401, 455.4.1, 455.4.2, 492, 493.1, 498.2.2 Diniz, Maria Helena – 67, 69, 399.4.2 Dipp, Gilson – 41, 202 Direito, Carlos Alberto Menezes – 41, 110, 176.4, 178, 202, 345, 374, 388.2.4, 396, 399.1.1.3, 427, 431.7, 432, 433, 437.2, 464.1.3 Dobbyn, John F. – 234 Donadel, Adriane – 396.4 Donizetti, Elpídio – 380 Duarte, Ricardo Quass – 161 Duarte, Ronnie Preuss – 72, 116, 117, 119, 121, 130, 233 Dupuis, Georges – 40 Durand, Claude – 31 D. Donato, Jorge – 308 Ellen Graice – 37, 45.2, 129, 152, 210, 213.1, 388.3 Eros Grau – 40, 46.3, 388.3, 473.4 Espínola, Eduardo – 56, 73 Espínola Filho, Eduardo – 35, 56 Estellita, Guilherme – 177, 222.5, 242, 281.1, 292 Estrampes, Manuel Miranda – 159 Fabiani, Ernesto – 225.3.3 Fábrega Ponce, Jorge – 80
Fabrício, Adroaldo Furtado – 1, 3, 98, 102, 107, 110, 176.4, 225.1.2, 225.3.5, 228, 247.1, 261.3, 268, 279.1, 280.4, 289.1, 293, 294, 295, 296, 297, 297.1, 297.2, 297.3, 297.4, 298, 314, 316.2, 373, 399.1.1.1, 399.1.1.3, 399.1.1.4, 399.1.1.6, 399.1.3 Facchini Netto, Eugênio – 5, 15 Fadel, Sérgio Sahione – 177, 373 Fagundes, Cristiane Druve Tavares – 351, 346 Fairén Guillén, Victor – 104.1, 104.2, 106, 222, 222.4, 286, 287.1, 288, 289.2 Falcão, Francisco – 307, 318.3, 388.3, 487 Faranda, Claudio – 317 Faria, Juliana Cordeiro – 178 Farias, Cristiano Chaves – 19.1 Fasching, Hans Walter – 103.2, 104.1 Fáver, Marcus – 351 Fazzalari, Elio – 54.1, 69, 80, 83, 86, 90, 102, 157, 175.2, 192, 196, 222.4, 233, 244, 248 Fernandes, Antonio Scarance – 102, 158.2, 158.4, 159, 293, 303 Fernandes, Luís Eduardo Simardi – 135 Fernandes, Marcus Vinicius Tenório da Costa – 30 Fernandes, Og – 176.1, 214 Fernandes, Raimundo Nonato – 365.2 Fernandes, Sérgio Ricardo de Arruda – 69 Fernández, Miguel Angel – 380 Fernández Echeverría, Osvaldo Marino – 222.3 Ferrand, Frédérique – 32, 50, 54, 54.1, 61, 63, 68, 69, 69.2, 69.3, 116, 222, 222.1, 225.3.2, 244, 246, 382 Ferraresi, Eurico – 176.6 Ferraz, Cristina – 66.2 Ferraz, Manuel Carlos Figueiredo – 1, 302 Ferreira, Antonio Carlos – 396.4
Ferreira, Pinto – 297 Ferreira, Simone Rodrigues – 178 Ferreira Filho, Manoel Caetano – 93.3, 101.1, 338 Ferreira Filho, Manoel Gonçalves – 37, 103 Ferri, Corrado – 274, 289.2, 380 Fidalgo Gallardo, Carlos – 159, 160 Figueira Júnior, Joel Dias – 4, 15, 18.2, 25, 29, 49, 105, 109, 140, 213.1, 222.4, 258.2, 261, 261.3, 262, 262.3, 313.3, 324.3, 330.4, 332, 344.1, 344.2, 344.4, 346.2, 354, 355, 361, 366, 366.1, 366.3, 366.4, 367, 372, 372.3, 399.2, 399.4.2, 401 Figueiredo, Lucia Valle – 21.5 Figueiredo, Marcelo – 46.1 Filardi, Hugo – 48 Fischer, Félix – 21.2, 69.2, 201.2, 202, 214, 226, 259, 287.1, 307, 318.3, 464.1.1 Fix-Zamudio, Héctor – 153 Flaks, Milton – 306, 455.4.2 Fleming Junior, James – 62.1, 78, 198.4, 330 Flores, Patrícia Teixeira de Rezende – 169, 172 Flores Dapkevicius, Ruben – 45 Flors Matíes, José – 167 Fonseca, José Arnaldo – 341.2, 341.3 Fonseca, Isabel Celeste M. – 161 Fonsêca, Vítor – 21.1, 58, 399.5 Fontes, André – 223 Fontes de Alencar – 237, 297.3, 388.2.2 Fontoura, Lúcia Helena Ferreira Palmeiro da – 336 Fornaciari, Michele – 247 Fornaciari Júnior, Clito – 347, 355 Foschini, Gaetano – 82, 93.3
Foyer, Jean – 50 Fraga, Affonso – 227.2, 339, 341 Franchi, Giuseppe – 96, 302, 317.5.2 Franciulli Netto – 372.3 Franco, Fernão Borba – 128 França, R. Limongi – 69 Freer, Richard D. – 5, 6, 78, 198.4 Freire, Rodrigo da Cunha Lima – 224, 325 Freitas, José Lebre de – 133, 176.1, 192, 231, 236, 346.2 Freitas, Juarez – 36, 64 Freitas, Paulo de – 222.4 Fricero, Natalie – 7 Friedenthal, Jack H. – 198.4, 336 Frigani, Aldo – 234 Furno, Carlo – 233 Furtado, Paulo – 22, 29, 30, 70, 455.4 Fux, Luiz – 45.3, 48.2, 148, 176.1, 176.6, 214, 225.1.1, 262.3, 304, 388.2.4, 388.4, 395, 398, 487, 490.3, 498.3 Gabbay, Daniela Monteiro – 7, 9, 236, 238 Gaio Júnior, Antônio Pereira – 15, 22, 235, 261, 324 Gajardoni, Fernando da Fonseca – 54.3, 103, 109, 149 Galgani, Benedetta – 69.3 Galante, Vincenzo – 222.2 Galletto, Tomaso – 5 Gallotti, Luiz – 32, 124, 324.2.1, 388.2.3 Gallotti, Maria Isabel – 471 Gallotti, Octávio – 37, 61, 280.2 Galvão, Ilmar – 37, 41, 156.1, 431.6, 451
Gama, Ricardo Rodrigues – 22, 161 Garbagnati, Edoardo – 176.1, 294, 455.4.5 Garcete, Carlos Alberto – 45.2, 45.3, 176.6 Garcez Neto, Martinho – 302 Garcia, Basileu – 35 Garcia Vieira – 238, 459 Garsonnet, Eugène – 104.1, 380 Gascón Abellán, Marina – 336 Gaspar, Renata Alvares – 213.1 Gasparetti, Marco Vanin – 197, 198, 198.1, 198.2, 198.3, 198.4, 201.2 Gasparini, Diogénes – 40, 41 Gatto, Joaquim Henrique – 166 Gaul, Hans Friedhelm – 142, 178 Gelsi Bidart, Adolfo – 93.2, 119, 181.2, 234 Geraige Neto, Zaiden – 120, 123 Gessinger, Ruy Armando – 47.1, 451 Ghirga, Maria Francesca – 7, 150 Gianesini, Rita – 289.1, 346.1, 346.2, 347, 351, 356, 364, 372.2, 372.3, 373, 374, 377 Giannico, Maurício – 93.3, 224 Giannozzi, Giancarlo – 233, 237, 244, 246, 247.3, 256.1, 348, 372.4, 455.4.3 Gidi, Antonio – 39, 176.5, 222.5, 292, 322.1.3 Gionfrida, Giulio – 382 Giorgetti, Mariacarla – 286 Glasson, Ernest – 7 Gloeckner, Ricardo Jacobsen – 5 Gobbi, Marcelo – 8, 12 Goés, Gisele Santos Fernandes – 160
Golann, Dwight – 6, 13 Goldschmidt, James – 84, 234, 311.2, 346.2 Goldschmidt, Rodrigo – 15, 83 Gomes, Fábio Luiz – 11, 53, 111, 222.4, 223 Gomes, Magno Federici – 88 Gomes, Orlando – 235, 345, 399.4.1 Gomes de Barros, Humberto – 208, 262.4, 320, 338, 366.4, 374, 399.1.1.4, 399.1.1.6, 444, 455.3, 461 Gomes Filho, Antonio Magalhães – 158.2, 158.4, 159 Gomes Júnior, Luiz Manoel – 18.2.1, 37, 40, 47.2, 399.2 Gómez Orbaneja, Emilio – 54.1, 258.2, 346.1 Gonçalves, Aroldo Plínio – 55, 176.5 Gonçalves, Benedito – 47.1, 259, 287.1, 388.2.2 Gonçalves, Carlos Roberto – 420 Gonçalves, Fernando – 21.2, 176.1, 176.5, 210, 259, 388.5, 497.4 Gonçalves, Marcus Vinicius Rios – 313.2.1, 346.2 Gonçalves de Oliveira – 212.2 González, Atílio Carlos – 372.5 Gonzáles Peres, Jesús – 222 Gottwald, Peter – 26, 181.2, 330.4, 380 Gouveia, Mariana França – 236, 247.1 Grasso, Eduardo – 234, 236 Greco, Leonardo – 80, 176.4, 183, 192, 196, 222.4, 224, 225.3.3, 233, 274, 325, 455.4, 455.4.1, 490.3 Greco Filho, Vicente – 1, 3, 32, 35, 44, 96, 100, 110, 111, 175.2, 214, 215, 227.2, 232, 237, 244, 247.1, 248, 262.3, 266, 303, 304, 364, 445, 461 Greger, Reinhard – 80 Greif, Jaime – 127
Grinover, Ada Pellegrini – 2, 4, 48, 53, 127, 130, 142, 151, 156.4, 158.2, 158.4, 159, 165, 166, 169, 176.5, 177, 180, 185, 222, 240, 296, 297, 325, 326, 372.3, 378, 404 Gruenbaum, Daniel – 411.2 Grunsky, Wolfgang – 231, 243, 309, 312.1, 313.2, 339 Gualazzi, Eduardo Lobo Botelho – 31, 37 Guasp Delgado, Jaime – 4, 49, 64, 68, 82, 85, 181.2, 222, 222.3, 244, 301, 308, 335, 346.2 Guedes, Jefferson Carús – 104.1, 109 Guédon, Marie-José – 40 Guerra, Marcelo Lima – 234 Guerra Filho, Willis Santiago – 87, 130, 131, 156.1, 194, 325 Guerrero, Luís Fernando – 28, 213.1, 324.3 Guimarães, Jorge Lafayette Pinto – 346.1, 362 Guimarães, Luiz Machado – 70, 73, 74, 83, 104.1, 215, 225.3.3, 225.3.5, 321 Guinchard, Serge – 32, 50, 54, 54.1, 61, 63, 68, 69, 69.2, 69.3, 116, 222, 222.1, 225.3.2, 243, 244, 246, 382 Gurvich, M. A. – 79 Gusmão, Helvécio – 116 Gusmão, Manoel Aureliano de – 176.2, 346.1 Habscheid J., Walter – 70, 83, 86, 94, 225.2, 236, 247, 257, 281.2 Haddad, Carlos Henrique Borilo – 5 Haendchen, Paulo Tadeu – 342 Hazard Júnior, Geoffrey C. – 62.1, 78, 198.4, 330 Heck, Luiz Afonso – 117 Hellwig, Konrad – 78, 91, 177, 222.2, 292 Henke, Horst-Eberhard – 336, 337 Herce Quemada, Vicente – 54.1, 258.2, 346.1 Héron, Jacques – 302, 501, 557
Hidalgo, Daniela Boito Maurmann – 230 Highton, Elena I. – 13 Hitters, Juan Carlos – 164, 165, 336 Hoffman, Paulo – 161 Hogan, Brain – 34 Huet, André – 68, 218.1 Ibañez Frocham, Manuel – 176, 181.3 Invrea, Francesco – 83, 91, 224, 225.3.1, 233 Iribarne, Manuel Fraga – 231 Irti, Natalino – 59, 314 Jacques, Paulino – 32, 122 Januzzi, Angelo – 192 Jauernig, Othmar – 1, 31, 32, 49, 84, 130, 192, 196, 231, 233, 258.1, 258.2, 287.1, 292, 309, 322.1.1, 330.2, 362 Jesus Filho, José – 233, 388.2.1, 395.3, 455.4.2 Jeuland, Emannuel – 7, 50, 153, 164, 224, 225.2, 225.3.3, 247, 312.1 Jocovsky, Vera Lúcia R. S. – 4 Jolowicz, J.A – 308 Julien, Pierre – 7 Kane, Mary Kay – 166, 198.4, 234, 336 Karpat, Ladislau – 365.4 Kimmich, Liane Boll – 236 Kisch, Wilhelm – 177, 227.2, 233, 287.1, 289.1 Klippel, Rodrigo – 54.1 Knijinik, Danilo – 158.1, 214, 247, 329, 336, 337 Kohler, Josef – 83, 91 Kreil, Ruber David – 212 Kriger Filho, Domingos Afonso – 23, 26
Kroetz, Tarcísio de Araújo – 29, 176.3 La China, Sergio – 23, 24.4, 30, 64, 69, 69.3, 225.3.6, 302, 324.2.2, 380 Labriola, Guido – 175.2 Lacerda, Galeno – 2, 32, 54.1, 69, 69.2, 75.2, 83, 100, 101.1, 104.1, 104.3, 122, 130, 176.2, 179, 181.2, 182, 196, 222.3, 222.4, 227, 284, 326, 352, 388.1, 431.2, 457, 458, 459, 489.2 Lacerda, João Manoel Carneiro de – 489.3 Lacerda, Paulo – 56 Lamy, Eduardo de Avelar – 222.4 Lancellotti, Franco – 145, 232 Lanfranchi, Lucio – 231, 318.1 Langheineken, Paul – 340 Lagoeiro, Manoel – 2.84 Larenz, Karl – 89, 345 Lascano, David – 179, 192, 406 Laspro, Oreste Nestor de Souza – 4, 165, 166 Laubadère, André de – 31 Le Bars, Thierry – 145, 244 Le Ninivin, Dominique – 192 Leal, Márcio Flávio Mafra – 176.5 Leal, Rosemiro Pereira – 53, 88 Leal, Vicente – 32, 124 Leão, José Francisco Lopes de Miranda – 231, 296 Lébana Ortiz, Juan Ramón – 192 Leitão, José Ribeiro – 2 Leite, Cyntia Danielle Paiva – 48.2 Leite, Evandro Gueiros – 351 Lemos, Jonathan Iovane de – 81 Lent, Friedrich – 94, 274, 595
Lenza, Pedro – 39, 48, 176.5, 322.1.3 Leonel, Ricardo de Barros – 39, 107, 109, 176.5, 237, 388.4 Letteriello, Rêmolo – 342 Leubsdorf, John – 62.1, 78, 198.4, 330 Lewandowski, Ricardo – 48.1, 119, 388.2.4, 448 Liebman, Enrico Tullio – 3, 32, 54, 82, 83, 84, 86, 91, 93.1, 98, 103.2, 151, 164, 167, 175.2, 176.1, 177, 185, 192, 199, 212, 222.2, 222.3, 222.4, 224, 225, 226.1, 227.2, 229, 232, 233, 234, 235, 242, 243, 244, 247.1, 256, 256.1, 274, 292, 302, 304, 309, 313.2.3, 316.2, 325, 328, 339, 340, 380, 404, 415.2, 456.2 Lima, Alcides de Mendonça – 15, 35, 44.1, 72, 73, 74, 75.2, 83, 118, 166, 192, 194, 195, 351, 415.2 Lima, Arnaldo Esteves – 307, 318.3, 395.4 Lima, Francisco Gérson Marques de – 44.2, 160 Lima, Lucas Rister de Souza – 69 Lima, Luiz G. de Oliveira – 215 Lima, Maria Rosynete Oliveira – 127 Lima, Paulo Roberto de Oliveira – 165, 178 Lima Filho, Acácio Vaz de – 102 Lipari, F. G. – 100, 178, 182.4, 222.2 Lira, Gérson – 223 Lombarde, Mariana Capela – 224 Longo, Luiz Antonio – 149 Lopes, João Batista – 75.4, 130, 138, 157, 177, 225.3.3, 225.3.5, 294, 295, 296, 297, 297.1, 298, 303, 311.3, 322.1.2, 334, 367 Lopes Júnior, Aury – 84 Lopes, Maria Elisabeth de Castro – 75.4, 132 Lopes da Costa, Alfredo Araújo – 72, 83, 97, 192, 195, 225.3.3, 261, 308, 312.2, 313.1.1, 313.1.3, 322, 339, 396.2, 404, 407, 415.2, 489.3 Lorenzetti, Ricardo Luis – 81 Loutayf Ranea, Roberto G. – 262.1
Lucena, João Paulo – 192 Luiso, Francesco Paolo – 2, 134, 158.1, 165, 180, 225.3.6, 247, 308, 329, 346.1, 362, 378, 380, 386 Lüke, Wolfgang – 1, 11, 50, 153, 167, 231, 233, 236, 286, 288, 308, 309, 404 Lunelli, Gustavo – 54.3 Luz, Américo – 4, 316.2 Luz, Bernardino Lima – 274 Macedo, Alexander dos Santos – 35, 176.4 Macedo, Elaine Harzheim – 179, 233 Macêdo, Lucas Buril de – 62.3 Machado, Antônio Cláudio da Costa – 110, 152, 177, 192 Machado, António Montalvão – 245 Machado, Daniel Carneiro – 178 Machado, Fábio Cardoso – 223 Machado, Hugo de Brito – 45 Machado, Marcelo Pacheco – 246 Machado, Maria Olívia Rodrigues – 214 Machado, Milton Paulo – 278 Machado, Rafael Bicca – 23 Maciel, Taline Dias – 83 Mac-Gregor, Eduardo – 116 Madalena, Pedro – 730 Madeira, Dhenis Cruz – 127 Magalhães, José Carlos de – 198.3 Magalhães e Guerra, Marcel Vitor de – 207 Maggio, Marcelo Paulo – 222.4 Magno, Giuseppe – 515 Magri, Berenice Soubhie Nogueira – 166, 405
Maia Filho, Napoleão Nunes – 176.5, 226.2 Malachini, Edson Ribas – 54.3, 103, 176.1, 229, 234, 469.2 Mallet, Estevão – 132 Maluf, Carlos Alberto Dabus – 268 Mamede, Gladston – 102 Mancine, Pasquele Stanislao – 165 Mancuso, Rodolfo de Camargo – 4, 47.2, 47.3, 62.1, 77, 176.5, 179, 238, 336, 388.4, 451 Mangone, Kátia Aparecida – 130 Mandrioli, Crisanto – 3, 4, 83, 93.3, 95, 97, 225.2, 233, 236, 237, 244, 246, 250, 280.1, 287.1, 302, 308, 309, 312.2, 312.4, 348, 380, 386 Maranhão, Clayton – 229 Marcacini, Augusto Tavares Rosa – 4 Marcato, Ana Cândida Menezes – 47, 75.2, 164, 165 Marcato, Antônio Carlos – 382, 464.2 Marcial, Adhemar – 35 Marco Aurélio – 1, 37, 40, 123, 135, 201, 208 Marinoni, Luiz Guilherme – 50, 51, 62.1, 62.2, 77, 83, 104.2, 178, 333.1 Marques, José Frederico – 2, 3, 31, 32, 35, 49, 50, 54.1, 55, 58, 61, 63, 64, 68, 70, 72, 74, 75.2, 82, 83, 84, 86, 93.1, 93.2, 97, 104.4, 122, 151, 156.1, 165, 175.1, 175.2, 176.1, 177, 180, 185, 192, 193, 195, 199, 218.1, 219, 224, 229, 236, 240, 244, 248, 258.1, 258.2, 261, 263, 266, 279.3, 302, 303, 309, 313.1.1, 313.2.2, 325, 328, 339, 346.1, 346.2, 378, 386, 404, 406, 411.1, 414, 415.1, 415.2, 416, 455.4.1, 460, 493.1, 493.2, 494.3, 494.4 Marques, Mauro Campbell – 69, 176.1, 289.2, 396.4 Martin Contreras, Luis – 178 Martins, Eliana – 388.2.1 Martins, Francisco Peçanha – 101.1, 201.1 Martins, Humberto – 214, 498.3 Martins, Ives Gandra da Silva – 40, 252 Martins, Pedro Baptista – 22, 74, 280.3, 302
Martins, Ricardo Marcondes – 45 Masagão, Mário – 31 Massami Uyeda – 304, 322.1.3, 426 Mathias, Carlos Fernando – 388.2.4, 388.3, 444 Mattei, Ugo – 234 Mattirolo, Luigi – 1, 167, 302 Mattos, Luiz Wetzel de – 104.3 Mattos, Sérgio Luiz Wetzel de – 156.3, 166 Maurino, Alberto Luis – 321 Maximiliano, Carlos – 62 Maynard, Marilza – 471 Mazza, Oliveiro – 130 Mazzarella, Ferdinando – 336 Mazzei, Rodrigo – 46.3 Mazzilli, Hugo Nigro – 48.1, 152 Medeiros, Maria Lúcia L. C. de – 320.2, 346.1, 346.2, 349.1, 372.5 Médice, Sergio de Oliveira – 35 Medina, Eduardo Borges de Mattos – 6 Medina, José Miguel Garcia – 45.2, 176.1, 224, 231 Medina, Paulo Roberto Gouvêa – 48.1, 302, 303, 469.3 Meirelles, Hely Lopes – 41, 47.2 Mekki, Soraya Amrani – 1, 50 Mello, Celso Antonio Bandeira de – 40, 44.1, 47.1, 159, 178, 210, 214, 372.3, 395.2, 469.3 Mello, Marcos Bernardes de – 55, 236 Mello Filho, José Celso de – 69.1, 127, 159 Melo Filho, Álvaro – 123 Menchini, Sergio – 178
Mendes, Aluísio Gonçalves de Castro – 222.5, 388.1, 388.2.2, 388.3, 388.4, 388.5, 389, 395.1, 397 Mendes, Armindo Ribeiro – 166, 167 Mendes, Gilmar Ferreira – 40, 62.2, 178, 252, 337, 388.2.4, 405 Mendes, Francisco de Assis Filgueiras – 223 Mendes, João de Castro – 169, 176.1, 222.3, 222.5, 256.1, 261, 261.1, 273.1, 330.4 Mendonça, Rachel Pinheiro de Andrade – 158.3, 159 Mendonça Júnior, Deslomar – 135, 136, 141, 144, 166, 310 Menestrina, Francesco – 296 Mercader, Amílcar A. – 222.2 Merlin, Elena – 309 Mesquita, Gil Ferreira de – 134, 136, 166 Mesquita, José Ignacio Botelho de – 81, 175.2, 198.1, 199, 207, 224, 236, 244, 247.1, 247.3, 310, 325 Meyer, Rafael – 202, 213.1 Michelet, Elisabeth – 279.1 Micheli, Gian Antonio – 113, 181.2, 192, 222.4, 225.2, 225.3.5, 232, 236, 244 Milhomens, Jônatas – 101.1, 222.4, 339 Millar, Robert Wyness – 104.1, 169, 311.2 Miller, Arthur R. – 198.4, 234, 336 Miniato, Lionel – 130, 244 Mirabete, Júlio Fabbrini – 35 Miranda, Julián Eduardo – 22 Miranda, Vicente Chermont de – 135 Miranda Netto, Fernando Gama de – 81 Mitidiero, Daniel – 74, 127, 181.2, 222.5, 233, 313.2.2, 340 Mohr, Gustavo – 18.1 Monacciani, Luigi – 240
Moniz de Aragão, Egas Dirceu – 35, 61, 100, 101.1, 104.1, 104.3, 109, 111, 130, 158.1.2, 175.2, 219, 222.5, 224, 225.1.1, 225.2, 225.3.3, 236, 289.3, 293, 302, 303, 321, 325, 326, 365.5, 366.1, 371, 372.4, 374, 376, 377, 455.4, 465, 465.1, 493.1, 494.4, 495.1, 495.2, 496, 497.3, 497.4, 498, 498.2.2, 498.3 Monnacciani, Luigi – 225.2 Monroy Palacios, Juan José – 104.3 Monte, Roberval Clementino Costa do – 167 Monteleone, Girolamo – 80, 81, 167, 225.3.3, 225.3.6, 233, 234 Monteiro, André Luís – 313 Monteiro, João – 221.1, 227.2, 346.1 Montenegro Filho, Misael – 222.4, 244, 313 Montero Aroca, Juan – 54.1, 70, 80, 81, 82, 83, 85, 104.2, 158.1, 158.1.1, 158.1.2, 167, 222, 222.1, 222.4, 225.2, 236, 242 Montesano, Luigi – 32, 35, 130, 183, 225.3.5, 292, 346.1, 348, 372.1, 374 Moraes, Alexandre de – 1, 2, 37, 46.1 Moraes, Maria Celina Bodin de – 35 Moraes e Barros, Hamilton de – 324.2.2 Morais, Dalton Santos – 77 Morais, Silvana Campos de – 5 Morand-Devillier, Jacqueline – 31, 40 Morato, Francisco A. de Almeida – 74, 104.1, 164 Moreira Neto, Diogo Figueiredo – 31 Morel, Cristian – 222.1, 228, 292 Morelli, Gaetano – 197, 199 Morello, Augusto Mario – 45 Mortara, Lodovico – 2, 165 Moser, Luiz Gustavo Meira – 23 Motta, Cristina Reindolff da – 127 Moura, Maria Thereza de Assis – 176.1, 399.1.2, 498.2.2 Moura, Mário de Aguiar – 110, 176.1, 224, 247.1, 415.3
Mourão, Luiz Eduardo Ribeiro – 176.3, 176.5, 224 Mouta, Madson da Cunha – 224 Mouzala, Ricardo – 236 Muñoz, Pedro Soares – 183, 201, 422 Muritiba, Sérgio – 234 Mussi, Breno Moreira – 224, 325, 494, 498.2.2 Musielak, Hans-Joachim – 80, 118, 130, 157, 229, 289.2, 308, 336, 371 Muther, Theodor – 222.2 Nader, Paulo – 420 Nagao, Paulo Issamu – 30 Nalini, José Renato – 127, 161 Nanni, Giovanni – 4 Nascimento, Carlos Valder do – 178 Naves, Cândido – 281.1 Naves, Nilson – 246, 304, 318.2, 432, 434.2, 455.3, 456.2, 459, 473.2 Neder, Antonio – 214, 388.5 Negro, Franco – 326.1 Nery, Rosa Maria de Andrade – 296, 297, 349 Nery Junior, Nelson – 48, 69.2, 116, 118, 120, 125, 127, 129, 130, 134, 141, 145, 149, 152, 156.4, 156.5, 156.7, 158.3, 158.4, 159, 161, 163, 166, 171, 225.1.1, 225.3.1, 297 Neves, Celso – 1, 97, 177, 179, 292 Neves, Daniel Amorim Assumpção – 69.1, 313.2.1, 313.3, 346.2, 404, 437.1, 464.2, 465, 469.3, 472.3, 476, 780, 489, 489.3, 490.1, 490.2, 493.3 Neves Júnior, José Serrano – 175 Nicoletti, Carlo A. – 10 Niess, Pedro Henrique Távora – 175.1 Nieva Fenoll, Jordi – 104.2, 238 Nikisch, Arthur – 70, 94, 236
Nogueira, Gustavo Santana – 62.1 Nogueira, Pedro Henrique Pedrosa – 222, 222.5, 223, 227.2 Nojiri, Sérgio – 336 Nora, Sampaio E. – 380 Normand, Jacques – 1, 50, 77, 246 Noronha, Carlos Silveira – 253 Noronha, João Otávio de – 139, 157, 430.2 Nowak, John E. – 127, 149 Nunes, Dierle – 109 Nunes, Oscar Gomes – 247.1 Nunes Júnior, Vidal Serrano – 1, 32, 123 Nuvolone, Pietro – 159 Oku, Enio Nakamura – 43.1, 43.2, 454 Oliveira, Antônio Cláudio Mariz de – 351 Oliveira, Bruno Silveira de – 165, 246, 307 Oliveira, Carlos Alberto Alvaro de – 72, 74, 82, 93.2, 102, 104.1, 104.3, 117, 130, 133, 222.1, 223, 227.2, 229, 326, 431.2 Oliveira, Eduardo Ribeiro de – 181.2, 222.4, 224, 225.1.1, 225.1.2, 325 Oliveira, Guilherme Peres de – 104.3 Oliveira, José Anselmo de – 120, 179 Oliveira, José Lopes de – 101.1 Oliveira, Mariz de – 415.3 Oliveira, Marco Antonio Peres de – 274 Oliveira, Pedro Miranda de – 135 Oliveira, Rafael – 344.2 Oliveira, Rafael Alexandria – 345 Oliveira, Swarai Cervone de – 238, 252 Oliveira Filho, João de – 302
Oliveira Júnior, Waldemar Mariz de – 83, 100, 189, 241 Oliveira Júnior, Zulmar Duarte de – 149 Oliveira Neto, Olavo de – 146.2, 293, 303, 304 Oricchio, Anotnio – 24.4 Ortells Ramos, Manuel – 23, 81, 120, 233, 237, 256.1, 258, 324.2.1, 339, 378 Otero, Paulo – 175, 178 Ovalle Favela, José – 1, 122, 229, 346 Pacagnan, Rosaldo Elias – 222.4 Pacheco, José da Silva – 44.2, 53, 71, 72, 83, 181.2, 328 Padilla, Roberto E. – 8, 12 Pagenstecher, Max – 322 Paim, Gustavo Bohrer – 160 Pajardi, Piero – 81, 192 Palacio, Lino Enrique – 301, 308 Palermo, Antonio – 336 Palmeira, Pedro Lins – 339, 340 Palu, Oswaldo Luiz – 36, 40 Paoli, Giulio – 35 Papagno, Claudio – 374 Pará Filho, Tomás – 75.2, 232, 303 Pardo Iranzo, Virginia – 324.2.1 Parente, Eduardo de Albuquerque – 28, 48.1 Parentoni, Leonardo Netto – 4 Pargendler, Ari – 231, 259, 320.2, 323, 330.4, 388.5, 456.1.2 Pasetti, Babyton – 161 Pasqualini, Alexandre – 64 Pasquel, Roberto Molina – 234
Passarinho, Aldir – 37, 40, 166, 224, 364, 455.4.2 Passarinho Júnior, Aldir – 325, 366, 436 Passos, Jaime W. – 280.2 Passos, Paulo Roberto – 166 Pateri, Giovanni – 222.1 Paula, Jônatas Luiz Moreira de – 70, 71, 72, 73, 225.3.3 Paulus, Cristoph G. – 156.1, 324.1 Pedra, Adriano Sant’Anna – 99 Pedroso, Fernando de Almeida – 310 Pekelis, Alessandro – 222, 222.2 Pellegrini, Luiz Fernando Gama – 45.1 Peluso, Cezar – 4, 43.1, 45.2, 151, 185, 372.3, 388.2.4, 454 Peña, Eduardo Chemale Selistre – 80 Pereira, Milton Luiz – 303, 426, 456.2 Pereira, Rafael Caselli – 233 Pereira, Sérgio Gischkow – 225.1.2, 433 Perlingeiro, Ricardo – 168 Però, Maria Thereza Gonçalves – 147, 148, 336 Persisco, Giovanni – 340, 343, 345 Pertence, Sepúlveda – 22, 40, 45.2, 46.3, 47.1, 48.2, 58, 158.2, 213.1, 324.2.1, 388.4, 409, 451, 469.3 Perrot, Roger – 165, 168, 222.1 Pescatore, Matteo – 236, 302 Petrucci, Claudio – 233 Pécora, Andréa – 169, 172 Pérez Gordo, Alfonso – 35 Pérez Ragone, Alvaro J. – 79, 216 Picardi, Nicola – 1, 82, 83, 85, 86, 130, 362
Picó i Junoy, Joan – 78, 81, 120, 136, 149, 161, 169, 286 Pietro-Castro y Ferrándiz, Leonardo – 231 Pietroski, Tarcílio – 229, 426 Pimentel, Wellington Moreira – 61, 175.2, 233, 258.1, 258.2, 262, 262.2, 264, 280.1, 280.2, 292, 330.3, 332, 372.3, 373 Pinho, Frederico Andrade – 314, 338 Pinho, Humberto Della Bernardina de – 69 Pinho, Sérgio Rebello – 35 Pinto, Alexandre Moreira – 313.3 Pinto, Júnior Alexandre Moreira – 246 Pinto, Nelson Luiz – 96 Pinto, Paulo Brossard de Souza – 37, 40 Pinto, Rui – 284 Pisanelli, Giuseppe – 165 Pisani, Andrea Proto – 231, 233, 234, 235, 236, 237, 239, 244, 248, 256.2, 380 Pizzol, Patrícia Miranda – 69.1, 179, 181.3, 183, 202, 303, 304, 305, 318.3, 380, 382, 386, 424, 426, 427, 428, 430, 430.1, 432, 433, 435, 445, 447, 456.2, 459, 460, 461, 466, 467, 469.3, 471, 479, 489.3, 490.1 Pizzorusso, Alessandro – 164 Pontes de Miranda – 3, 4, 22, 33, 43, 43.3, 50, 54.1, 59, 63, 64, 70, 83, 89, 91, 97, 98, 103, 109, 125, 175, 175.1, 175.2, 176.2, 177, 213.1, 213.3, 215, 223, 228, 231, 232, 233, 234, 235, 238, 244, 247, 247.3, 248, 255, 258.1, 258.2, 259, 261.1, 261.2, 262.2, 264, 265, 266, 271.1, 279.3, 280.2, 294, 297.1, 303, 308, 309, 312.2, 316.2, 324.2.1, 326, 332.3, 339, 340, 341.1, 341.3, 342, 343, 344.2, 345, 340, 346.1, 351, 355, 362, 364, 383, 399.4.1, 415.2, 420, 427, 428, 432, 435, 437.2, 460, 465.1, 471, 487, 490.3, 492, 493.1, 494.4, 495, 495.2, 497.3, 497.3 Portanova, Rui – 128, 145, 159, 311.1, 311.2 Porto, Sérgio Gilberto – 54.1, 96, 127, 145, 152, 160, 169, 172, 175.2, 176.2, 176.5, 178, 192, 214, 228, 229, 235, 292, 311.2, 433 Posner, Richard A. – 54.1, 1.116 Prata, Edson – 74, 98, 102, 181.2, 192, 326, 330.3, 346.1, 347, 372.5, 373, 404, 480
Priori Posada, Giovanni E. – 140.3 Prottetti, Ettore – 192 Provera, Giuseppe – 130 Provinciali, Renzo – 116 Pugliatti, Salvatore – 103.2 Pugliese, Giovanni – 176.1 Punzi, Carmine – 8, 30 Quaresma, Regina – 46.1 Queijo, Maria Elisabeth – 35 Ramirez Arcila, Carlos – 221, 222.1, 222.2, 268 Ramos, Carlos Henrique – 5 Ramos, Guillermo Federico – 207 Ramos, Glauco Gumerato – 80 Ramos, Vitor de Paula – 158.1.1 Ramos Mendez, Francisco – 54, 165, 229, 233, 378, 380 Ranzolin, Ricardo – 29, 30, 324.3 Rapisarda, Cristina – 234 Rascio, Nicola – 404 Raselli, Alessandro – 181.2 Rechberger, Walter H. – 236, 237, 244 Rechsteiner, Beat Walter – 198.2, 198.4, 199, 207, 210, 217 Redenti, Enrico – 83, 176.1, 239, 242, 302 Rego, Hermenegildo de Souza – 54.1, 192 Rehbinder, Manfred – 1, 56 Reichelt, Luiz Alberto – 130, 157, 158, 171 Reimundín, Ricardo – 222.3, 223, 308 Reinaldo, Demócrito – 302, 459 Reis, Antônio Serravalle – 399.4.1
Reis, José Alberto dos – 70, 84, 103.2, 111, 113, 146.1, 263, 279.3, 280.1, 280.2, 280.4, 331, 336, 337, 378, 386 Remédio, José Antonio – 388.2.3 Rengel-Romberg, Aristides – 80 Requião, Rubens – 434.2 Restiffe, Lauro Paiva – 223 Rezek, J. F. – 58, 210, 489.1.1 Rezende Filho, Gabriel José Rodrigues de – 72, 83, 91, 165, 181.2, 189, 225.3.3, 227.2, 285, 333.1, 346.1, 415.2 Riba Trepat, Cristina – 162, 163 Ribeiro, Antonio de Pádua – 234, 399.1.1, 433, 469.3 Ribeiro, Darci Guimarães – 223, 231 Ribeiro, Eduardo – 289.2, 316.3, 320.2, 322.1.2, 331, 435, 440, 455.4.4 Ribeiro, Leonardo Ferres da Silva – 229 Ricca-Barberis, Mario – 83, 221 Ricci, Gian Franco – 161, 165, 167, 302, 455.4.3, 455.4.5 Rigaux, François – 62 Ripert, Georges – 75 Rispoli, Arturo – 348 Rivas, Adolfo Armando – 53, 83 Rizzi, Sérgio – 316.2 Rizzardo, Arnaldo – 396.4 Robert, Jean – 28, 29, 324.2.2 Rocco, Alfredo – 91, 181.2, 222.3, 227.2 Rocco, Ugo – 164, 222.3, 380 Rocha, Cesar Asfor – 220, 225.3.6, 258.2, 320.2, 334, 395.3, 455.4.2 Rocha, Felippe Borring – 130 Rocha, José de Albuquerque – 2, 22, 69, 82, 83, 180, 181.2, 244 Rocha, José de Moura – 35, 105, 204, 354, 380, 415.3, 470
Rocha, Osíris – 219 Rodrigues, Clóvis Fedrizzi – 46.3 Rodrigues, Horácio Wanderlei – 4, 15, 18.1, 120 Rodrigues, Leda Boechat – 127 Rodrigues, Walter Piva – 4 Rodrigues Neto, Alaim – 18.2.1 Rodrigues Netto, Nelson – 227.2, 234 Romboli, Roberto – 151, 185 Rosa, Eliézer – 83, 101.1 Rosas, Roberto – 145, 213.1, 213.3, 214, 415.3 Rose, Cristianne Fonticielha de – 181.2 Rosenberg, Leo – 2, 25, 26, 27, 34, 69.2, 80, 91, 93.2, 99, 142, 175.2, 178, 180, 181.2, 222.2, 223, 225.2, 225.3.5, 225.3.6, 227.1, 232, 233, 258.1, 261, 294, 324.1, 324.3, 330.1, 330.4, 339, 362, 461.1 Rosito, Francisco – 161 Rosso, Giovanni – 322.1 Rotunda, Ronald D. – 127, 149 Roubier, Paul – 69.2 Rulli Júnior – 36 Sá, Djanira Maria Radamés de – 166 Saldanha, Jânia Maria Lopes – 64 Saleilles, Raymond – 343 Sales, Lília Maia de Moraes – 13 Salles, José Carlos de Moraes – 383, 439 Salomão, Luís Felipe – 69, 258.2, 366.4, 388.1, 388.5, 395.1, 399.1.1, 426 Salomão, Paulo César – 29 Salvador, Antônio Raphael – 21.2 Sampaio, José Roberto de Albuquerque – 5
Sampietro, Luiz Roberto Hijo – 224 Sanches, Eduardo Walmory – 158.2 Sanches, Sydney – 21.2, 44.1, 125, 236, 268, 317.5.2, 388.3, 396, 490.3 Santos, Alberto Marques dos – 347 Santos, Carlos Frederico Britto dos – 41, 58, 69.1, 252, 388.2.2, 448, 469.3 Santos, Carvalho J. M. – 342, 343, 362, 455.4 Santos, Cézar – 399.1 Santos, Cláudio – 198.1, 338, 339 Santos, Ernane Fidélis dos – 3, 35, 82, 213.1, 214, 232, 247.1, 255, 261.3, 262.4, 279.3, 399.1.1.4, 455.4, 455.4.1, 455.4.2 Santos, Gildo dos – 426 Santos, Guilherme Luís Quaresma Batista – 130 Santos, Nelton Agnaldo Moraes dos – 173 Saredo, Giuseppe – 165 Sarlet, Ingo Wolfgang – 21.2, 40 Sarti, Amir José Finocchiaro – 21.2, 48 Sassani, Bruno – 161, 310 Sato, Pricila Kei – 483, 820 Satta, Salvatore – 28, 165, 168, 222.1, 232, 247.1 Scartezzini, Jorge Tadeo Goffi Flaquer – 305, 344.4, 437, 444 Schenk, Leonardo Faria – 130, 133 Schilken, Eberhard – 4, 142, 178, 231, 404 Schizzerotto, Gianni – 24.2, 24.3, 324.2.2 Schlesinger, Patsy – 4 Schlosser, Peter – 244 Schwab, Karl Heinz – 2, 25, 26, 27, 34, 69.23, 75.2, 80, 91, 93.2, 94, 98, 151, 175.2, 180, 181.2, 185, 222.2, 223, 225.2, 225.3.5, 225.3.6, 227, 227.1, 232, 233, 236, 237, 258.1, 261, 294, 324.1, 324.2.2, 324.3, 330.1, 330.4, 339, 362, 380, 461.1
Schwartz, Germano – 5 Schwartzenberg, Roger-Gérard – 41 Scialoja, Antonio – 165 Scyboz, Georges – 34 Seabra Fagundes, Miguel – 37, 40 Segatti, Marco – 333.1 Segni, Antonio – 175.2 Segrè, Tullio – 386 Sell, Ivo – 351 Serges, Giovanni – 164 Serpa Lopes, Miguel Maria de – 68, 212, 213.1, 340, 345, 343 Shimura, Sergio – 35, 159, 388.4 Sica, Heitor Vitor Mendonça – 279.1, 313.2.2, 328, 340 Sidou, J.M. Othon – 73, 74 Sifuentes, Mônica – 181.2 Silguero Stagnan, Joaquín – 338 Silva, Adhemar Raymundo da – 98 Silva, Agustinho Fernandes da – 197, 201, 202 Silva, Carlos Augusto – 149, 185 Silva, Cláudio – 399.1.2 Silva, Eduardo Silva da – 243 Silva, Edward Carlyle – 301, 304 Silva, Flávia Regina Ribeiro – 451 Silva, José Afonso da – 1, 4, 46, 47.1, 47.3, 238, 451 Silva, José Milton – 53 Silva, Juary C. – 4 Silva, Pablo Rodrigo Alflen da – 84 Silva, Peña de Moraes e Teixeira da – 4
Silva, Ricardo Perlingeiro Mendes da – 199 Silva, Roberto Geraldo Coelho – 53 Silva, Rui Alberto Batista da – 87 Silva, Volney Zemenhof de Oliveira – 46.1 Silva, Walter Nunes da – 222.4 Silva da Silva, Eduardo – 243 Silva Filho, Arthur Marques da – 44.1 Silveira, Néri da – 46.2, 178 Silveira, Paulo Fernando – 127, 308 Siqueira, Cleanto Guimarães – 309, 312.2, 330.4, 342 Siqueira, Geraldo Batista de – 43 Siqueira, Pedro Eduardo Pinheiro Antunes de – 178 Smith, Hans – 127, 138, 161, 308 Smith, J.C. – 34 Soares, Carlos Henrique – 178 Soares, Fernando Luso – 53, 83, 84, 89, 91, 222.3, 261 Soares, Guido F. S. – 5, 210 Sobrinho, Délio José Rocha – 156.1 Souza, André Pagani de – 50, 130 Souza, Artur César de – 151, 346.2, 364, 372.1 Souza, Everardo de – 222.4, 225.3.3, 311.2 Souza, Gelson Amaro de – 320.2, 346.2, 365.5, 490.3 Souza, José Anchieta da – 62.2 Souza, Luiz Sérgio Fernandes – 67 Souza, Mário Guimarães de – 668, 670.1.2 Souza, Miguel Teixeira de – 85, 99, 176.1, 209, 268, 274, 464.1 Souza, Paulo Roberto Pereira – 545 Souza, Sylvio Carpanema de – 177
Souza, Gelson Amaro de – 45.2 Souza, Marcelo Alves Dias de – 62.1 Souza, Miguel Teixeira de – 3, 54.1 Spengler, Fabiana Marion – 5 Sprung, Rainer – 70 Streck, Lenio Luiz – 64 Strenger, Irineu – 46.2 Stürner, Rolf – 104.1 Tácito, Caio – 396.2 Talamini, Eduardo – 45.2, 177, 178, 366 Tamburrino, Giuseppe – 177 Tanaka, Aurea Christine – 213.1 Tarello, Giovanni – 53 Tarigo, Enrique E. – 339 Tartuce, Flávio – 23 Taruffo, Michele – 146.2, 158.1.1, 181.3, 222.2, 247, 329, 330.3, 330.4, 336, 380 Tarzia, Giuseppe – 104.2, 134, 268, 271.1, 455.4.5 Tavares, André Ramos – 1, 37, 179 Tavormina, Valério – 233 Teitelbaum, Jaime W. – 236, 246, 247.1, 272, 275.1, 278, 279.1, 279.2, 279.3, 280.2, 301 Teixeira, Aloísio Maria – 497.3 Teixeira, Carlos Geraldo – 46.3 Teixeira, Guilherme Freire de Barros – 311.2 Teixeira, Sálvio de Figueiredo – 22, 30, 35, 45.1, 69.2, 75.2, 110, 118, 178, 226.1, 246, 262.4, 289.1, 291, 293, 304, 313.3, 317.2, 338, 367, 374, 382, 399.1.1.2, 399.1.1.6, 415.3, 427, 432, 455.4.2, 459, 464.1.3, 489.1.1, 490.2, 490.3 Teixeira, Welington Luzia – 86, 130
Teixeira Filho, Manoel Antonio – 225.1.1 Telles, Corrêa – 227.2 Temer, Michel – 2 Tenório, Oscar – 68, 213.1, 218.1, 493.3 Tepedino, Gustavo – 35 Tesheiner, José Maria Rosa – 35, 39, 41, 62, 98, 125, 165, 176.1, 176.2, 176.5, 178, 181.2, 192, 196, 229, 244, 292, 322.1.1, 345 Thannay, Rennan Faria Krüger – 178 Theodoro Júnior, Humberto – 22, 45.2, 50, 54.1, 64, 91, 102, 104, 111, 127, 175.2, 176.1, 176.6, 178, 192, 208, 224, 227.2, 229, 231, 233, 236, 237, 248, 258.2, 258.3, 262.2, 264, 313.1.1, 344.2, 404, 455.4 Thibau, Tereza Baracho – 44 Thompson Flores – 35 Ticianelli, Maria Fernanda Rossi – 166 Timm, Luciano Benetti – 22 Tjäder, Ricardo Luiz da Costa – 279.3 Toledo, Francisco de Assis – 395.1 Toledo, Paulo F. C. Salles de – 201.2, 455.2 Tomei, Giovanni – 176.1 Tornaghi, Hélio – 35, 43.2, 46.1, 83, 91, 98, 169, 220, 222.3, 225.2, 242, 296, 322.1.2, 340, 380, 383, 404, 406, 435, 471, 481, 487, 489, 494, 494.2, 495.2, 497.1 Torreão Braz, Antonio – 244 Torres, Silvestre Jasson Ayres – 22 Tourinho Neto, Fernando da Costa – 15, 401 Tribe, Laurence – 40 Trocker, Nicolò – 4, 70, 75, 117, 127, 128, 145, 156.7, 160, 161, 162, 246 Troller, Alois – 161 Tucci, Rogério Lauria – 4, 15, 44.2, 48.1, 83, 94, 105, 120, 127, 128, 149, 1514, 168, 175.1, 177, 181.2, 185, 227, 326, 346.1, 348, 362, 364, 372.1, 374, 405
Tuda, Cláudio Takeshi – 227.2 Tumanóv, Vladimir – 1 Ustárroz, Daniel – 127, 145, 152, 160, 169, 172 Vaccarella, Romano – 233 Valença Filho, Olávio de Melo – 30 Varela, Antunes – 380 Valladão, Haroldo – 200, 207, 209, 210, 213.1 Valle, Martim Della – 24.3 Valle, Oswaldo Trigueiro do – 158.2 Valticos, Nicolas – 34, 35, 119 Valverde, José Zafra – 1, 181.2, 232 Valverde, Trajano de Miranda – 455.2, 455.3 Vargas, Jorge de Oliveira – 4 Vasconcellos, Rita de Cássia Corrêa de – 45.1 Vasconcelos, André Gustavo de – 399.4.2 Vasconcelos, Pedro Paes de – 50 Vaz, Laurita – 152, 401 Vaz Serra – 343, 345 Velloso, Carlos – 40, 41, 46.3, 198.2, 388.3, 396, 473.4 Veloso, Zeno – 40 Venosa, Sílvio de Salvo – 420 Venturi, Elton – 176.5 Verde, Giovanni – 6, 81, 102, 105, 161, 227.2, 233, 244, 380 Vericel, Marc – 5 Véscovi, Enrique – 51, 82, 84, 86, 93.1, 100, 101.1, 378, 378.2, 379 Viana, Juvêncio Vasconcelos – 18.1, 28, 253 Vicent, Jean – 243 Vidal, Jane Maria Köhler – 15
Vidigal, Edson – 316.3, 424 Vidigal, Luís Euláçio Bueno de – 82, 222, 303, 322.3 Vieira, José Marcos Rodrigues – 222.5 Vignera, Giuseppe – 1, 87, 120, 145, 157, 158.1, 162, 168, 308 Vigoriti, Vicenzo – 149, 158.2, 175, 176.5 Vilar Filho, José Eduardo de Melo – 20 Vilas Boas – 336 Villar, Wilard de Castro – 316.2 Violin, Jordão – 77 Villefin, Carlos A. – 45 Viti, Domenico – 222.2 Vitiritto, Benedito Mario – 224, 325 Vincenzi, Brunela Vieira de – 404 Vocino, Corrado – 74 Volkmar, Erich – 70 Vollkommer, Max – 464.1.2 Von Thur, Andreas – 340 Wach, Adolf – 54, 94, 179, 222.2, 244, 379 Wald, Arnold – 48.2 Walter, Eberhard – 5, 128 Wambier, Luiz Rodrigues – 18.1, 45.1, 127 Wambier, Teresa Arruda Alvim – 75.2, 98, 148, 176.1, 336 Wartschow, Eduardo Henrique – 5 Watanabe, Kazuo – 5, 15, 45.1, 75.2, 86, 97, 102, 104.2, 176.6, 222.3, 224, 276, 313.3, 325, 379 Wedy, Gabriel – 47.1 Windscheid, Bernhard – 222.2 Wolkmer, Antonio Carlos – 72
Wunderlich, Alexandre – 43 Xavier de Albuquerque – 158.2, 208, 303 Yoshida, Consuelo Yatsuda Moromizato – 233 Yoshikawa, Eduardo Henrique de Oliveira – 1.1, 129, 367, 399.1.4, 401 Zanzucchi, Marco Tulio – 167, 179, 222.3, 237, 250, 348, 404 Zavascki, Teori Albino – 30, 44.1, 48.2, 52, 110, 176.5, 177, 212, 238, 246, 258.3, 280.4, 322.1.2, 322.1.3, 333.1, 388.3, 388.4, 388.5, 473.2 Zeiss, Walter – 80 Zeveibil, Daniel Guimarães – 224 Zveiter, Waldemar – 3, 224, 297.3, 302, 325, 396.2, 399.1.1.1, 487
ESTRUTURA DA OBRA – PROCESSO CIVIL BRASILEIRO LIVRO 1 – PARTE GERAL DO PROCESSO CIVIL TÍTULO I – DIREITO PROCESSUAL CIVIL CAPÍTULO 1 – FUNÇÕES E LIMITES DO PROCESSO CIVIL § 1.º Conceito e funções do processo civil 1. Sociedade, conflito e processo 2. Funções instrumentais do processo civil 3. Estrutura e elementos do processo civil § 2.º Processo civil e Justiça Pública 4. Caracteres da Justiça Pública 4.1. Igualdade no acesso à Justiça Pública 4.2. Gratuidade no acesso à Justiça Pública 4.3. Responsabilidade no acesso à Justiça Pública 5. Crise da Justiça Pública CAPÍTULO 2 – RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DOS CONFLITOS § 3.º Equivalentes do processo civil 6. Efetividade do processo civil
7. Fase preliminar do processo civil § 4.º Etapa da mediação e conciliação 8. Diferença entre mediação e conciliação 9. Espécies de mediação e de conciliação 10. Natureza da mediação e da conciliação 11. Objeto da mediação e da conciliação 12. Participantes da mediação e da conciliação 13. Procedimento da mediação e da conciliação 14. Efeitos da mediação e da conciliação § 5.º Juizados Especiais 15. Fundamento e origens dos juizados especiais 16. Natureza dos juizados especiais 17. Espécies de juizados especiais 18. Objeto dos juizados especiais 18.1. Objeto dos juizados especiais ordinários 18.2. Objeto dos juizados especiais da Fazenda Pública 18.2.1. Pretensões excluídas dos juizados especiais da Fazenda Pública da Justiça Comum 18.2.2. Pretensões excluídas dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal 19. Partes no juizado especial 19.1. Partes no juizado especial ordinário da Justiça Comum 19.2. Partes no juizado especial da Fazenda Pública da Justiça Comum 19.3. Partes no juizado especial da Fazenda Pública da Justiça Federal 20. Procedimento nos juizados especiais 21. Execução nos juizados especiais 21.1. Definição de dívida de pequeno valor e limitação da competência dos juizados especiais da Fazenda Pública 21.2. Execução incidente nos juizados especiais da Fazenda Pública
21.3. Destinatário da ordem de cumprimento na execução perante os juizados especiais da Fazenda Pública 21.4. Emissão da ordem de cumprimento na execução perante os juizados especiais da Fazenda Pública 21.5. Descumprimento da ordem de cumprimento de obrigação pecuniária na execução perante os juizados especiais da Fazenda Pública § 6.º Juízo Arbitral 22. Origens da arbitragem 23. Natureza da arbitragem 24. Espécies de arbitragem 24.1. Arbitragem individual (ad hoc) e arbitragem institucional 24.2. Arbitragem livre e arbitragem obrigatória 24.3. Arbitragem segundo o direito e arbitragem segundo a equidade 24.4. Arbitragem nacional e arbitragem internacional 24.5. Arbitragem facultativa e arbitragem vinculante 25. Objeto da arbitragem 26. Partes na arbitragem 27. Procedimento da arbitragem 28. Efeitos da arbitragem 29. Execução da sentença arbitral 30. Controle judiciário da arbitragem CAPÍTULO 3 – RELAÇÕES DO PROCESSO CIVIL § 7.º Extensão do processo civil brasileiro 31. Sistema da dualidade da jurisdição 32. Sistema da unidade da jurisdição § 8.º Processo civil e processo penal 33. Origem comum das ações civil e penal 34. Sistemas de coordenação das ações civil e penal 35. Regime brasileiro de coordenação das ações civil e penal
§ 9.º Processo civil e processo administrativo 36. Controle Judiciário da Administração 37. Limites do controle judiciário quanto à matéria 38. Limites do controle judiciário quanto à oportunidade 39. Limites do controle judiciário quanto aos efeitos 40. Limites do controle judiciário quanto à extensão 41. Controle judiciário do processo administrativo 10.º Meios de controle do processo administrativo 42. Remédios de controle do processo administrativo 43. Habeas corpus 43.1. Objeto do habeas corpus 43.2. Partes no habeas corpus 43.3. Natureza da sentença no habeas corpus 44. Habeas data 44.1. Objeto do habeas data 44.2. Partes no habeas data 44.3. Natureza da sentença no habeas data 45. Mandado de segurança 45.1. Objeto do mandado de segurança 45.2. Partes no mandado de segurança 45.3. Natureza da sentença no mandado de segurança 46. Mandado de injunção 46.1. Objeto do mandado de injunção 46.2. Partes no mandado de injunção 46.3. Natureza da sentença no mandado de injunção 47. Ação popular 47.1. Objeto da ação popular 47.2. Partes na ação popular
47.3. Natureza da sentença na ação popular 48. Ação civil pública 48.1. Objeto da ação civil pública 48.2. Partes na ação civil pública 48.3. Natureza da sentença na ação civil pública CAPÍTULO 4 – DIREITO PROCESSUAL CIVIL § 11.º Noções de direito processual 49. Conceito de direito processual civil 50. Natureza do direito processual civil 51. Modelo do direito processual civil 52. Ramos do direito processual civil 53. Sistemática do direito processual civil § 12.º Normas de direito processual civil 54. Objeto das normas processuais 54.1. Normal processual e norma substantiva 54.2. Norma processual e norma de organização judiciária 53.3. Norma processual e norma procedimental 55. Espécies de normas processuais 56. Conhecimento das normas processuais § 13.º Fontes das normas processuais 57. Enumeração das fontes das normas processuais 58. Fontes constitucionais das normas processuais 59. Fontes infraconstitucionais das normas processuais 60. Fontes locais das normas processuais 61. Fontes regulamentares das normas processuais 62. Fontes jurisprudenciais das normas processuais 62.1. Súmula vinculante como fonte do direito 62.2. Controle concentrado de constitucionalidade como fonte do direito
62.3. Precedente obrigatório como fonte do direito 63. Fontes costumeiras das normas processuais § 14.º Interpretação das normas processuais 64. Compreensão das normas processuais 65. Métodos de compreensão das normas processuais 66. Métodos de extensão das normas processuais 66.1. Interpretação extensiva 66.2. Interpretação declarativa 66.3. Interpretação restritiva 67. Integração das normas processuais § 15.º Limites das normas processuais 68. Limites espaciais das normas processuais 69. Limites temporais das normas processuais 69.1. Direito intertemporal em matéria de competência 69.2. Direito intertemporal em matéria de recursos 69.3. Direito intertemporal em matéria de prova CAPÍTULO 5 – EVOLUÇÃO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO § 16.º Etapas legislativas do processo civil brasileiro 70. Evolução do direito processual civil 71. Período das fontes lusitanas 72. Período da emancipação política 73. Primeiro período republicano: a pluralidade processual 74. Segundo período republicano: a unificação processual 75. Terceiro período republicano: as reformas parciais 75.1. Reformas parciais no sistema da execução 75.2. Reformas parciais no sistema de recursos 75.3. Defeitos congênitos das reformas parciais 75.4. Efeitos colaterais das reformas parciais
76. Terceira codificação processual unitária § 17.º Bases ideológicas do processo civil contemporâneo 77. Redefinição da função judicial 78. Processo civil liberal 79. Processo civil totalitário 80. Processo civil autoritário 81. Processo civil garantista CAPÍTULO 6 – RELAÇÃO PROCESSUAL CIVIL § 18.º Natureza jurídica do processo 82. Conceito de processo 83. Processo como relação jurídica 84. Processo como situação jurídica 85. Processo como instituição 86. Processo como procedimento contraditório 87. Processo como modelo constitucional 88. Processo como neoinstituição § 19.º Relação processual civil 89. Conceito de relação processual civil 90. Sujeitos da relação processual civil 91. Forma da relação processual civil 92. Planos da relação processual civil 93. Características da relação processual 93.1. Autonomia da relação processual 93.2. Totalidade da relação processual 93.3. Complexidade da relação processual 94. Objeto da relação processual civil 95. Formação da relação processual civil 96. Extinção da relação processual civil
§ 20.º Pressupostos processuais 97. Problema terminológico nos pressupostos processuais 98. Composição dos pressupostos processuais 99. Conceito de pressupostos processuais 100. Classificação dos pressupostos processuais 101. Controle dos pressupostos processuais 101.1. Oportunidade do controle dos pressupostos processuais 101.2. Ônus da prova no controle dos pressupostos processuais CAPÍTULO 7 – PROCEDIMENTOS CIVIS § 21.º Organização da atividade processual 102. Conceito de procedimento 103. Competência legislativa em matéria de procedimento 103.1. Conteúdo das normas procedimentais 103.2. Momentos, fases e modelos procedimentais 104. Princípios informativos do procedimento 104.1. Princípios da oralidade e da escritura 104.2. Princípios da cognição plenária e da sumária 104.3. Princípio da adequação 104.4. Princípio da preclusão § 22. Procedimento no processo de conhecimento 105. Classificação dos procedimentos 106. Características do procedimento da função de conhecimento 106.1. Características do procedimento ordinário 106.2. Características do procedimento convencional 106.2.1. Pressupostos do procedimento convencional 106.2.2. Natureza do procedimento convencional 106.2.3. Objeto do procedimento convencional 106.2.4. Momento do procedimento convencional
106.2.5. Efeitos do procedimento convencional 107. Características conhecimento
dos
procedimentos
especiais
da
função
de
108. Caráter subsidiário do procedimento comum 109. Obrigatoriedade do procedimento 110. Compatibilidade dos procedimentos 111. Conversão do procedimento § 23.º Procedimento no processo de execução 112. Espécies de execução 113. Classificação dos procedimentos executivos § 24.º Procedimento no processo cautelar 114. Procedimento cautelar comum 115. Características do procedimento cautelar TÍTULO II – FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO CIVIL CAPÍTULO 8 – DIREITOS FUNDAMENTAIS PROCESSUAIS § 25.º Conceito dos direitos fundamentais processuais 116. Evolução das garantias processuais no direito brasileiro 117. Identificação do conteúdo mínimo das garantias processuais § 26.º Regime dos direitos fundamentais processuais 118. Questão terminológica: garantias, princípios e direitos 119. Funções das garantias processuais no processo civil CAPÍTULO 9 – DIREITO FUNDAMENTAL DO ACESSO À JUSTIÇA § 27.º Direito de acesso à Justiça 120. Conteúdo essencial do direito de acesso à Justiça 121. Finalidades do direito de acesso à Justiça § 28.º Limitações do direito de acesso à Justiça 122. Regime geral das limitações do acesso à Justiça 123. Esgotamento da instância desportiva
124. Esgotamento da instância administrativa 125. Proibição da litisregulação ope judicis 126. Exclusão de matérias da tutela coletiva CAPÍTULO 10 – DIREITO FUNDAMENTAL DO DEVIDO PROCESSO § 29.º Direito ao devido processo 127. Conteúdo essencial do direito ao devido processo 128. Finalidades do direito ao devido processo 129. Aplicações do direito ao devido processo § 30.º Direito ao contraditório 130. Conteúdo essencial do direito ao contraditório 131. Finalidades do direito ao contraditório § 31.º Restrições ao contraditório 132. Impossibilidade de supressão do contraditório 133. Contraditório diferido em razão da urgência e da evidência 134. Contraditório diferido em razão da função instrumental do processo 135. Contraditório diferido em razão da vantagem da parte § 32.º Direito à ampla defesa 136. Conteúdo essencial do direito à ampla defesa 137. Finalidades do direito à ampla defesa § 33.º Limitações do direito à ampla defesa 138. Regime geral da limitação à defesa 139. Limitações da defesa na representação técnica 140. Limitações temporais à defesa 141. Limitações da defesa na prova 142. Limitações da defesa perante a natureza da causa 143. Limitações da defesa no ambiente eletrônico 144. Limitações à defesa no debate oral
CAPÍTULO 11 – DIREITOS ESTRUTURA DO PROCESSO
FUNDAMENTAIS
RELATIVOS
À
§ 34.º Direito à motivação dos provimentos judiciais 145. Conteúdo essencial do direito à motivação 146. Finalidades do direito à motivação 146.1. Finalidades internas da motivação 146.2. Finalidades externas da motivação 147. Limites ao direito à motivação 148. Consequências da falta ou da insuficiência da motivação § 35.º Direito ao juiz natural 149. Conteúdo do direito ao juiz natural 150. Finalidades do direito ao juiz natural e projeções técnicas da garantia 151. Limitações do direito ao juiz natural 152. Direito ao promotor e ao defensor público natural § 36.º Direito à igualdade 153. Conteúdo essencial do direito à igualdade 154. Finalidades do direito à igualdade § 37.º Limitações do direito à igualdade 155. Compensações à desigualdade no processo civil 156. Igualdade formal no processo civil 156.1. Igualdade formal de tratamento nos prazos processuais 156.2. Igualdade formal na comunicação dos atos processuais 156.3. Igualdade formal na distribuição do ônus da prova 156.4. Igualdade formal de tratamento nos recursos 156.5. Igualdade formal consoante a natureza do ato processual 156.6. Igualdade formal na tramitação do processo 156.7. Igualdade formal no regime financeiro do processo 156.8. Igualdade formal na ordem cronológica dos julgamentos
156.8.1. Organização e divulgação da lista cronológica 156.8.2. Exceções à ordem cronológica dos julgamentos 156.8.3. Alterações na ordem cronológica de julgamentos 157. Igualdade material no processo § 38.º Direito à licitude da prova 158. Conteúdo essencial do direito à licitude da prova 158.1. Direito à prova no processo civil 158.1.1. Conteúdo e eventualidade do direito à prova no processo civil 158.1.2. Finalidades do direito à prova no processo civil 158.2. Limitações do direito à prova no processo civil 158.3. Formas de desvelar o direito à privacidade 158.4. Consequências da prova ilícita no processo civil 159. Formas de ilicitude da prova 160. Caráter absoluto ou relativo do direito à licitude da prova § 39.º Direito à celeridade 161. Conteúdo essencial do direito à celeridade 162. Finalidade do direito à celeridade 163. Responsabilidade decorrente do descumprimento da celeridade § 40.º Direito ao duplo grau de jurisdição 164. Conteúdo essencial do duplo grau 165. Fundamentos do duplo grau 166. Limitações ao duplo grau 167. Forma de operação do duplo grau CAPÍTULO 12 – DIREITOS FUNDAMENTAIS RELATIVOS À EFICÁCIA DO PROCESSO § 41.º Direito à publicidade do processo 168. Conteúdo essencial do direito à publicidade 169. Finalidades do direito à publicidade
§ 42.º Limitações da publicidade do processo 170. Regime geral das limitações da publicidade 171. Limitações ope legis à publicidade 172. Limitações ope judicis à publicidade 173. Limitações técnicas à publicidade § 43.º Direito à estabilidade 174. Finalidades do direito à estabilidade ou coisa julgada 175. Conteúdo mínimo do direito à estabilidade ou coisa julgada 175.1. Coisa julgada formal 175.2. Coisa julgada material 176. Limitações do direito à estabilidade ou coisa julgada 176.1. Estabilidade da sentença executiva 176.2. Estabilidade da sentença cautelar 176.3. Estabilidade da sentença arbitral 176.4. Estabilidade da sentença contumacial 176.5. Estabilidade da sentença coletiva 176.6. Estabilidade da sentença no mandado de segurança individual 177. Limites temporais da coisa julgada 178. Desconsideração da coisa julgada TÍTULO III – INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL SEÇÃO I – PODER GENÉRICO DO JUIZ CAPÍTULO 13 – JURISDIÇÃO § 44.º Jurisdição contenciosa 179. Conceito de jurisdição 180. Funções da jurisdição 181. Características da jurisdição 181.1. Inércia do órgão judiciário 181.2. Imparcialidade do órgão judiciário
181.3. Palavra final do órgão judiciário 182. Espécies de jurisdição 182.1. Jurisdição civil e penal 182.2. Jurisdição comum e especial 182.3. Jurisdição inferior e superior 182.4. Jurisdição contenciosa e voluntária 183. Controle da jurisdição no processo § 45.º Princípios da jurisdição 184. Enumeração dos princípios da jurisdição 185. Princípio da pré-constituição do órgão judicante (juiz natural) 186. Princípio da inafastabilidade do controle judiciário 187. Princípio da universabilidade do controle judiciário 188. Princípio da inevitabilidade do controle judiciário 189. Princípio da indelegabilidade do controle judiciário 189. Princípio da indeclinabilidade do controle judiciário 191. Princípio da definitividade do controle judiciário § 46.º Jurisdição voluntária 192. Natureza da intervenção na autonomia privada 193. Meios de intervenção na autonomia privada 194. Forma da intervenção na autonomia privada 195. Objeto da intervenção na autonomia privada 196. Classificação da intervenção na autonomia privada § 47.º Limites da jurisdição brasileira 197. Limites da jurisdição 198. Princípios informativos dos limites da jurisdição 198.1. Princípio da efetividade da jurisdição brasileira 198.2. Princípio da submissão à jurisdição brasileira 198.3. Princípio do amplo acesso à jurisdição brasileira
198.4. Princípio da inconveniência da jurisdição brasileira 199. Espécies de limitações da jurisdição § 48.º Jurisdição internacional exclusiva 200. Casos de jurisdição internacional exclusiva 201. Litígios sobre imóveis situados no território brasileiro 201.1. Litígio sobre invalidação de patente 201.2. Falência com bens imóveis no território nacional 202. Partilha de imóveis situados no território brasileiro § 49.º Jurisdição internacional concorrente 203. Casos de jurisdição internacional concorrente 204. Jurisdição concorrente segundo o domicílio 205. Jurisdição concorrente segundo o lugar do cumprimento da obrigação 206. Jurisdição concorrente segundo o lugar do fato ou do negócio 207. Jurisdição concorrente segundo eleição de foro 208. Jurisdição concorrente e efeitos da litispendência § 50.º Limites internacionais subjetivos da jurisdição brasileira 209. Regime das imunidades jurisdicionais 210. Imunidade pessoal à jurisdição brasileira 211. Imunidade patrimonial à jurisdição brasileira CAPÍTULO 14 – COOPERAÇÃO INTERNACIONAL § 51.º Cooperação internacional geral 212. Fundamentos e objeto da cooperação jurídica internacional 213. Processo de homologação da sentença estrangeira 213.1. Objeto da homologação 213.2. Competência para a homologação 213.3. Legitimidade no processo de homologação 214. Procedimento da homologação da sentença estrangeira 215. Efeitos da homologação da sentença estrangeira
§ 52.º Cooperação internacional especial 216. Formas da cooperação internacional especial 217. Objeto da cooperação internacional especial 218. Meios de cooperação internacional especial 218.1. Cooperação através de carga rogatória 218.2. Cooperação através de auxílio direto 219. Carta rogatória ativa 220. Carta rogatória passiva SEÇÃO II – PODER DE INICIATIVA DO AUTOR CAPÍTULO 15 – DA AÇÃO § 53.º Teoria geral da ação 221. Questão de ordem: a natureza jurídica do processo 222. Teorias da ação 222.1. Concepção inicial de ação 222.2. Primeira tese autonomista: a teoria concreta da ação 222.3. Segunda tese autonomista: a teoria abstrata da ação 222.4. Síntese inviável: a teoria eclética da ação 222.5. Balanço das teorias da ação 223. Natureza da ação § 54.º Condições da ação 224. Subsistência das condições da ação 225. Espécies de condições da ação 225.1. Possibilidade jurídica 225.1.1. Conceito de possibilidade jurídica do pedido 225.1.2. Classificação da possibilidade jurídica do pedido 225.2. Legitimidade das partes 225.3. Interesse processual 225.3.1. Designação apropriada do interesse processual
225.3.2. Função do interesse processual 225.3.3. Caracterização do interesse processual 225.3.4. Definição de interesse processual 225.3.5. Aplicações do interesse processual 255.3.6. Momento da caracterização do interesse processual 225.3.7. Consequências do interesse processual 226. Momento e forma do controle das condições da ação 226.1. Surgimento posterior das condições da ação 226.2. Desaparecimento posterior das condições da ação § 55.º Classificação das ações 227. Objeto da classificação das ações 227.1. Equivalência entre a classificação das ações e das sentenças 227.2. Critérios de classificação das ações 227.3. Funções do processo e classificação das ações 228. Eficácia principal e eficácias secundárias da ação 229. Satisfação decorrente da eficácia da sentença § 56.º Força das ações 230. Classificação segundo as eficácias da ação material 231. Ação declarativa 232. Ação constitutiva 233. Ação condenatória 234. Ação mandamental 235. Ação executiva SEÇÃO III – INDIVIDUALIZAÇÃO DO OBJETO CAPÍTULO 16 – OBJETO DO PROCESSO § 57.º Elementos da ação 236. Conceito de objeto litigioso 237. Efeitos da tríplice identidade
238. Individualização da demanda coletiva § 58.º Identificação das partes 239. Noção de parte no processo civil 240. Relevância processual da noção de parte 241. Qualidade jurídica da noção de parte 242. Pluralidade de partes e cumulação de ações § 59.º Identificação da causa de pedir 243. Conceito de causa de pedir 244. Individualização e substancialização da causa de pedir § 60.º Composição da causa de pedir 245. Componentes da causa de pedir 246. Fundamento legal na causa pedir 247. Fatos constitutivos na causa de pedir 247.1. Fatos principais 247.2. Fatos secundários 247.3. Fatos relativos ao interesse 248. Fundamentos jurídicos na causa de pedir § 61.º Espécies de causa de pedir 249. Causa remota e próxima 250. Causa ativa e passiva 251. Causa simples, composta e complexa 252. Causa fechada e aberta 253. Causa de pedir na pretensão a executar 254. Causa de pedir na pretensão à segurança § 62.º Identificação do pedido 255. Conceito de pedido 256. Classificação do pedido 256.1. Pedido mediato e imediato
256.2. Pedido material e processual 257. Individualização do pedido 258. Requisitos do pedido 258.1. Certeza do pedido 258.2. Determinação do pedido 258.3. Congruência do pedido 258.4. Consequências da falta de requisitos 259. Interpretação do pedido § 63.º Espécies de pedido 260. Pedido único e múltiplo 261. Pedido determinado e genérico 261.1. Pedido genérico perante universalidades 261.2. Pedido genérico perante consequências futuras dos ilícitos 261.3. Pedido genérico perante dependência da contribuição do réu 261.4. Pedido genérico perante situações plurais e transindividuais 262. Pedido certo e implícito 262.1. Despesas processuais e honorários advocatícios 262.2. Juros moratórios 262.3. Correção monetária 262.4. Prestações vincendas 263. Pedido fixo e alternativo 264. Pedido simples e cominatório 265. Pedido divisível e indivisível 266. Pedido na execução CAPÍTULO 17 – PLURALIDADE DE OBJETOS DO PROCESSO § 64.º Cumulação originária de ações 267. Conceito de cumulação originária de ações 268. Espécies de cumulação originária de ações
§ 65.º Cumulação originária subjetiva 269. Conceito de cumulação originária subjetiva 270. Espécies de cumulação originária subjetiva 271. Requisitos da cumulação originária subjetiva 271.1. Identidade de procedimento na cumulação subjetiva 271.2. Identidade de competência na cumulação subjetiva 271.2.1. Competência da cumulação subjetiva no caso de comunhão 271.2.2. Competência da cumulação subjetiva no caso de conexão 271.2.3. Competência da cumulação subjetiva nos demais casos de litisconsórcio 271.3. Compatibilidade das ações na cumulação subjetiva 271.4. Restrições à formação do litisconsórcio § 66.º Cumulação de causas de pedir 272. Conceito de cumulação de causas de pedir 273. Espécies de cumulação de causas de pedir 273.1. Cumulação simples de causas 273.2. Cumulação sucessiva de causas 274. Concurso de normas 275. Requisitos da cumulação de causas 275.1. Conexão subjetiva na cumulação de causas 275.2. Conexão objetiva na cumulação de causas 275.3. Adequação do procedimento e competência na cumulação de causas 275.4. Indicação implícita da cumulação de causas 276. Restrições à cumulação de causas de pedir § 67.º Cumulação de pedidos originária 277. Conceito de cumulação de pedidos originária 278. Classificação da cumulação de pedidos originária 279. Espécies de cumulação de pedidos originária
279.1. Cumulação de pedidos simples 279.2. Cumulação de pedidos sucessiva 279.3. Cumulação de pedidos eventual 280. Requisitos da cumulação de pedidos originária 280.1. Conexão subjetiva na cumulação de pedidos 280.2. Compatibilidade das ações no cúmulo de pedidos 280.3. Competência comum na cumulação de pedidos 280.4. Adequação do procedimento na cumulação de pedidos 281. Controle da cumulação originária de ações 281.1. Iniciativa do controle da cumulação de ações 281.2. Momento do controle da cumulação de ações 281.3. Efeitos da cumulação indevida de ações 281.3.1. Efeitos da indevida cumulação subjetiva 281.3.2. Efeitos da indevida cumulação causal 281.3.3. Efeitos da indevida cumulação de pedidos § 68.º Cumulação sucessiva de ações 282. Espécies de cumulação sucessiva 283. Redução do objeto litigioso 284. Cumulação de medida de urgência cautelar § 69.º Modificação da demanda 285. Conceito de modificação da demanda 286. Fundamento da modificação da demanda 287. Espécies de modificação da demanda 287.1. Modificação simples e cumulativa 287.2. Modificação unilateral e bilateral 288. Causas da modificação da demanda 289. Requisitos da modificação da demanda 289.1. Termo final da modificação unilateral
289.2. Consentimento do réu na modificação bilateral 289.3. Termo final da modificação bilateral 290. Forma da modificação da demanda 291. Efeitos da modificação da demanda § 70.º Declaração incidente 292. Subsistência e fundamento da declaração incidente 293. Conceito e espécies de questões prejudiciais 294. Natureza da declaração incidental 295. Finalidades da declaração incidente 296. Objeto da declaração incidental 297. Pressupostos da declaração incidente 297.1. Legitimidade na declaração incidente 297.2. Interesse na declaração incidente 297.3. Identidade subordinante
de
procedimentos
das
ações
297.4. Competência na declaração incidental 298. Revelia como pressuposto da declaração incidental 299. Casos de inadmissibilidade da declaração incidental 300. Controle da admissibilidade da declaração incidental § 71.º Reunião de processos 301. Cumulação de ações por reunião de processos 302. Conceito de conexão 303. Espécies de conexão 304. Obrigatoriedade reunião de processos 305. Oportunidade da reunião de processos 306. Casos de reunião de processos 307. Efeitos da reunião de processos SEÇÃO IV – PODER DE REAÇÃO DO RÉU
subordinada
e
CAPÍTULO 18 – DA DEFESA § 72.º Do direito de defesa no processo civil 308. Fundamento constitucional da defesa 309. Características da defesa no processo civil 310. Natureza da defesa 311. Princípios da defesa no processo civil 311.1. Princípio da concentração da defesa 311.2. Princípio da eventualidade na defesa 311.3. Princípio da amplitude da defesa § 73.º Espécies da defesa no processo 312. Classificação dos fatos jurídicos na lei processual 312.1. Fatos constitutivos 312.2. Fatos extintivos 312.3. Fatos modificativos 312.4. Fatos impeditivos 313. Categorias de defesa no processo civil 313.1. Defesa processual 313.1.1. Defesa processual peremptória 312.1.2. Defesa processual dilatória 313.1.3. Exceções processuais e objeções processuais 313.2. Defesa de mérito 313.2.1. Defesa de mérito direta 313.2.2. Defesa de mérito indireta 313.2.3. Exceções substanciais e objeções substanciais 313.3. Defesa ativa: reconvenção 314. Estrutura da defesa do réu no processo civil CAPÍTULO 19 – DEFESA PROCESSUAL § 74.º Preliminares processuais dilatórias
315. Classes de preliminares processuais dilatórias 316. Inexistência e nulidade da citação 316.1. Diferença entre inexistência e nulidade da citação 316.2. Natureza do vício no processo em razão da inexistência ou da nulidade da citação 316.3. Comparecimento espontâneo e atitudes do réu perante a citação inexistente ou nula 317. Incompetência absoluta e relativa 317.1. Casos de competência absoluta e relativa 317.2. Regime de controle da competência 317.3. Oportunidade da alegação da incompetência 317.4. Legitimidade para arguir a incompetência 317.5. Efeitos do reconhecimento da incompetência 317.5.1. Remessa do processo ao juízo competente 317.5.2. Extinção do processo em virtude da incompetência absoluta 318. Conexão 318.1. Relevância da identidade parcial dos elementos objetivos do processo 318.2. Caráter obrigatório da reunião dos processos 318.3. Consequências da alegação de conexão na defesa do réu 318.4. Casos de conexão inseridos no âmbito da defesa dilatória § 75.º Preliminares processuais peremptórias 319. Classes de preliminares processuais peremptórias 320. Inépcia da inicial 320.1. Defeitos abrangidos na inépcia da inicial 320.2. Consequências da alegação dos defeitos da inicial na defesa 321. Perempção 322. Litispendência e coisa julgada 322.1. Identidade de causas perante a litispendência e a coisa julgada
322.1.1. Falta de coincidência da coisa julgada e da litispendência 322.1.2. Relações entre declaração e condenação na litispendência e na coisa julgada 322.1.3. Relações entre a demanda coletiva e a individual na litispendência e na coisa julgada 322.2. Finalidade da iniciativa do réu na litispendência e na coisa julgada 322.3. Consequências da configuração da litispendência e da coisa julgada 323. Incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização 324. Convenção de arbitragem 324.1. Natureza da convenção de arbitragem 324.2. Espécies de convenção de arbitragem 324.2.1. Execução específica da cláusula compromissória 324.2.2. Princípio de competência na cláusula compromissória 424.3. Efeitos da convenção de arbitragem 325. Ausência de legitimidade ou de interesse processual 326. Ausência de caução ou de outro pressuposto processual objetivo 326.1. Prestação de caução pro litis expensis 326.2. Depósito ou pagamento da sucumbência anterior 326.3. Impugnação do valor da causa 326.4. Impugnação da concessão do benefício da gratuidade CAPÍTULO 20 – DEFESA DE MÉRITO § 76.º Defesa direta de mérito no processo civil 327. Espécies de defesa de mérito direta 328. Características da defesa de mérito direta § 77.º Impugnação dos fatos 329. Conceito de impugnação dos fatos 330. Impugnação direta do fato constitutivo 330.1. Fundamento da manifestação precisa
330.2. Natureza da manifestação precisa 330.3. Finalidade da manifestação precisa 330.4. Requisitos da manifestação precisa 330.5. Efeitos da manifestação precisa 331. Impugnação indireta do fato constitutivo 332. Exceções subjetivas à impugnação específica 332.1. Isenção do advogado dativo do ônus da impugnação específica 332.2. Isenção do curador especial do ônus de impugnação 332.3. Isenção do Defensor Público do ônus da impugnação específica 333. Exceções objetivas à impugnação específica 333.1. Fatos insuscetíveis de confissão 333.2. Fatos dependentes da prova documental 333.3. Fatos em contradição ao conjunto da defesa 333.4. Fatos comuns no litisconsórcio unitário 334. Consequências da falta de impugnação dos fatos § 78.º Impugnação do direito 335. Conceito de impugnação do direito 336. Diferença entre questões de fato e questões de direito 337. Modalidades de impugnação do direito 338. Consequências da falta de impugnação do direito § 79.º Defesa indireta de mérito no processo civil 339. Exceção como meio de defesa do réu 340. Natureza da exceção substancial 341. Espécies de exceções substanciais 341.1. Exceções autônomas e dependentes 341.2. Exceções pessoais e impessoais 341.3. Exceções dilatórias e peremptórias 342. Principais exceções substanciais
343. Ônus de alegar e ônus de provar a exceção substancial 344. Efeitos do oferecimento da exceção substancial 344.1. Omissão do autor quanto à exceção substancial 344.2. Impugnação do autor à exceção substancial 344.3. Reconhecimento da exceção substancial pelo autor 344.4. Consequências do desrespeito ao contraditório 345. Julgamento da exceção substancial CAPÍTULO 21 – REVELIA § 80.º Falta de defesa 346. Conceito e natureza da revelia 346.1. Revelia e figuras afins 346.2. Revelia segundo a sistemática da lei processual 347. Descaracterização da revelia 348. Natureza da revelia 349. Classificação da revelia 349.1. Revelia total e parcial 349.2. Revelia formal e substancial § 81.º Revelia consoante a função processual 350. Relevância da função processual na revelia 351. Revelia no âmbito da execução 352. Revelia no âmbito cautelar § 82.º Revelia no processo cumulativo 353. Revelia na cumulação objetiva e subjetiva 354. Revelia no litisconsórcio 355. Revelia na reconvenção 356. Revelia na declaração incidente § 83.º Revelia na intervenção de terceiros 357. Revelia no chamamento em garantia (denunciação) da lide
358. Revelia na intervenção principal (oposição) 359. Revelia no chamamento ao processo 360. Revelia na assistência 361. Revelia na correção da legitimidade passiva § 84.º Efeito material da revelia 362. Presunção de veracidade na revelia 363. Objeto da presunção de veracidade na revelia 364. Natureza da presunção de veracidade na revelia 365. Exceções à presunção de veracidade na revelia 365.1. Fatos controvertidos por um dos réus 365.2. Fatos relativos a direitos indisponíveis 365.3. Fatos subordinados à prova documental 365.4. Fatos desconhecidos pelo contestante 365.5. Fatos inverossímeis, impossíveis e improváveis 365.6. Fatos contraditados pela prova produzida 366. Efeitos da inexistência do efeito material revelia 366.1. Pressupostos da especificação de provas 366.2. Conteúdo do provimento de especificação de provas 366.3. Prazo da especificação de provas 366.4. Atitudes do autor na especificação de provas 366.5. Controle da admissibilidade da especificação de provas 367. Direito do réu à prova na revelia 368. Direito do autor à prova na revelia 369. Resultado da instrução em contraste com o efeito material da revelia § 85.º Efeitos processuais da revelia 370. Enumeração dos efeitos processuais da revelia 371. Precipitação do julgamento de mérito na revelia 372. Necessidade de comunicação dos atos processuais
372.1. Constitucionalidade da dispensa de contraditório 372.2. Pressupostos da comunicação dos atos processuais 372.3. Objeto da comunicação dos atos processuais 372.4. Ingresso tardio do revel no processo 372.5. Desentranhamento da contestação extemporânea 373. Estabilidade da demanda na revelia § 86.º Remédios contra a revelia 374. Fundamento do pedido de restituição 375. Prazo do pedido de restituição 376. Procedimento do pedido de restituição 377. Efeitos da decisão do pedido de restituição TÍTULO IV – DISTRIBUIÇÃO DOS CONFLITOS CAPÍTULO 22 – COMPETÊNCIA INTERNA § 87.º Competência no processo civil 378. Problema de competência na formação do processo 378.1. Identificação dos órgãos jurisdicionais 378.2. Identificação dos dados de afetação da competência 378.3. Identificação das fontes legislativas da competência 379. Fundamento da competência 380. Conceito de competência 381. Domínios da competência interna § 88.º Espécies de competência 382. Competência absoluta e competência relativa 383. Competência plena e competência privativa 384. Competência exclusiva e competência concorrente 385. Competência originária e competência recursal 386. Competência horizontal e competência vertical CAPÍTULO 23 – COMPETÊNCIA OBJETIVA
§ 89.º Competência em razão da pessoa 387. Pessoa como elemento da competência 388. Competência da Justiça Federal em razão dos sujeitos federais 388.1. Causas abrangidas na competência em razão da pessoa 388.2. Causas excluídas da competência em razão da pessoa 388.2.1. Causas concursais 388.2.2. Causas acidentárias 388.2.3. Causas eleitorais 388.2.4. Causas trabalhistas 388.2.5. Causas de competência federal do juiz de direito 388.3. Sujeitos incluídos na competência em razão da pessoa 388.4. Sujeitos excluídos da competência em razão da pessoa 388.5. Posição do sujeito federal no processo 388.6. Controle da intervenção do sujeito federal no processo 389. Competência da Justiça Federal nas causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País 390. Mandados de segurança e habeas data contra atos de autoridades federais 391. Competência dos tribunais superiores em razão da pessoa 392. Competência da Justiça Comum em razão da pessoa 393. Competência dos juizados especiais em razão da pessoa 393.1. Competência em razão da pessoa nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum 393.2. Competência em razão da pessoa dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Ordinária 393.3. Competência em razão da pessoa dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal comum § 90.º Competência em razão da matéria 394. Fonte da competência em razão da matéria 395. Competência da Justiça Federal em razão da matéria
395.1. Causas relativas a tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional 395.2. Causas relativas a direitos indígenas 395.3. Causas relativas à nacionalidade e à naturalização 395.4. Causas relativas aos direitos humanos 396. Competência dos tribunais superiores em razão da matéria 396.1. Competência do STJ para julgar conflitos de competência 396.2. Competência do STJ para julgar conflito de atribuições 396.3. Competência do STJ para executar seus julgados 396.4. Competência do STJ para processar e julgar rescisórias 397. Competência dos tribunais de segundo grau em razão da matéria 398. Competência da Justiça Comum em razão da matéria 399. Competência dos juizados especiais em razão da matéria 399.1. Competência em razão da matéria nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum 399.1.1. Pretensões previstas no procedimento sumário 399.1.1.1. Pretensões relativas ao arrendamento rural e à parceria agrícola 399.1.1.2. Pretensão de cobrança de condômino 399.1.1.3. Pretensão de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico 399.1.1.4. Pretensão de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre 399.1.1.5. Pretensão de cobrança de seguro de danos causados em acidente de trânsito 399.1.1.6. Pretensão de cobrança de honorários de profissional liberal 399.1.1.7. Pretensões previstas em leis extravagantes 399.1.2. Pretensão de retomada de imóvel locado para uso próprio 399.1.3. Pretensão possessória sobre imóveis 399.1.4. Pretensões excluídas dos juizados especiais ordinários da Justiça Comum
399.2. Competência em razão da matéria nos juizados especiais da Fazenda Pública da Justiça Comum (critério negativo) 399.3. Competência em razão da matéria dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal (critério negativo) 399.4. Competência executiva nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum 399.4.1. Competência dos juizados especiais ordinários para executar títulos extrajudiciais 399.4.2. Competência dos juizados especiais ordinários para executar títulos judiciais 399.5. Competência executiva dos juizados especiais da Fazenda Pública § 91.º Competência em razão do valor 400. Fontes da competência em razão do valor 401. Competência em razão do valor nos juizados especiais ordinários na Justiça Comum 402. Competência em razão do valor dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Ordinária 403. Competência em razão do valor dos juizados especiais da Fazenda Pública na Justiça Federal CAPÍTULO 24 – COMPETÊNCIA FUNCIONAL § 92.º Competência funcional 404. Conceito de competência funcional 405. Fontes da competência funcional 406. Espécies de competência funcional 407. Relevância da competência funcional § 93.º Competência funcional vertical 408. Fundamentos da competência funcional vertical 409. Competência vertical dos tribunais superiores 410. Competência vertical dos tribunais de segundo grau 411. Competência vertical da justiça federal de primeiro grau 411.1. Competência para executar carta rogatória 411.2. Competência para executar sentença estrangeira
§ 94.º Competência funcional horizontal 412. Fundamentos da competência funcional horizontal 413. Competência horizontal dos tribunais superiores 414. Competência horizontal dos tribunais de segundo grau 415. Competência horizontal dos juízes de primeiro grau 415.1. Competência funcional na prática de atos processuais 415.2. Competência funcional na execução de título judicial 415.3. Competência funcional na execução por carta CAPÍTULO 25 – COMPETÊNCIA TERRITORIAL § 95.º Competência de foro 416. Divisão judiciária do território na Justiça Comum e na Justiça Federal 417. Definição da competência de foro ou territorial 418. Classificação da competência de foro 419. Foro principal e foro subsidiário § 96.º Competência do foro comum 420. Foro comum principal: domicílio 421. Primeiro foro subsidiário ao comum: pluralidade de domicílios 422. Segundo foro subsidiário ao comum: domicílio desconhecido ou incerto 423. Terceiro foro subsidiário ao comum: partes residentes ou domiciliadas no exterior 424. Quarto foro subsidiário ao comum: pluralidade de réus § 97.º Competência dos foros especiais 425. Definição de foro especial 426. Competência do foro da situação da coisa 427. Competência do foro do último domicílio do autor da herança 428. Competência do foro do último domicílio do ausente 429. Competência do foro do domicílio do representante do incapaz 430. Competência de foro dos sujeitos federais
430.1. Competência de foro da União 430.2. Competência de foro dos demais sujeitos federais 430.3. Competência de foro nas demais causas de competência em razão da matéria da Justiça Federal 431. Competência de foro na competência federal delegada 431.1. Competência do foro do domicílio do autor nas causas previdenciárias 431.2. Competência do foro do domicílio do autor nas causas de produção antecipada de prova 431.3. Competência do foro do domicílio do réu na execução fiscal 431.4. Competência do foro do domicílio do naturalizando 431.5. Competência do foro do lugar de situação do imóvel na indenização por pesquisa e lavra de minério 431.6. Competência do foro do lugar do dano na ação civil pública 431.7. Competência de foro no reconhecimento de união estável para fins previdenciários 432. Competência do foro em ações de família 433. Competência do foro do domicílio ou da residência do alimentando 434. Competência do foro das sociedades privadas personificadas ou não 434.1. Competência do foro da sede 434.2. Competência do foro do estabelecimento secundário 434.3. Competência do foro do estabelecimento principal 434.4. Competência do foro da sede da serventia registral e notarial 435. Competência do foro do lugar do cumprimento 436. Competência do foro do lugar do ato ou do fato na reparação do dano 437. Competência do foro do domicílio do autor ou do local do fato na reparação de dano provocado por delito e por acidente de trânsito 437.1. Competência do foro do domicílio do autor ou do local do fato no acidente de veículos 437.2. Competência do foro do domicílio do autor ou do local do fato em delitos penais e civis 438. Competência de foro do Estado-membro e do Distrito Federal
§ 98.º Competência de foro nas leis processuais extravagantes e em situações especiais 439. Competência na desapropriação 440. Competência na duplicata 441. Competência nas ações em favor de idoso 442. Competência nas ações em favor da criança e do adolescente 443. Competência nas ações de nulidade de patente 444. Competência nas ações de representação comercial 445. Competência nas ações de responsabilidade nas relações de consumo 446. Competência nas ações contra estabelecimentos de ensino 447. Competência nas ações de usucapião 448. Competência na ação por improbidade administrativa CAPÍTULO 26 – CASOS ESPECIAIS DE COMPETÊNCIA § 99.º Competência nos remédios constitucionais 449. Problema de competência nos remédios constitucionais 450. Competência no mandado de segurança 451. Competência na ação popular 452. Competência no habeas data 453. Competência no mandado de injunção 454. Competência no habeas corpus § 100.º Competência na execução 455. Competência na execução universal 455.1. Competência na insolvência e recuperação judicial civil 455.2. Competência na falência e na recuperação judicial 455.3. Unidade do juízo da execução universal 455.4. Competência no concurso especial de credores 455.4.1. Competência funcional na penhora 455.4.2. Competência de “jurisdição” na penhora
455.4.3. Modificações supervenientes do estado de fato 455.4.4. Obrigatoriedade da reunião das execuções 455.4.5. Oportunidade e efeitos da reunião dos processos executivos 456. Competência na execução singular 456.1. Competência na execução de título judicial 456.1.1. Competência na execução do título produzido nas causas de competência originária dos tribunais 456.1.2. Competência na execução do título produzido nas causas originárias de primeiro grau 456.1.3. Competência na execução dos demais títulos judiciais 456.2. Competência na execução de título extrajudicial 456.3. Competência na execução fiscal § 101.º Competência na jurisdição de urgência 457. Problema de competência da pretensão à segurança 458. Competência nas cautelares incidentes 459. Competência nas cautelares antecedentes CAPÍTULO 27 – REGIME DA COMPETÊNCIA § 102.º Modificações da competência 460. Conceito de modificação da competência 461. Competência objeto de modificação 462. Espécies de modificação da competência 463. Prorrogação legal da competência 464. Prorrogação voluntária da competência 464.1. Prorrogação expressa 464.1.1. Objeto da cláusula de eleição de foro 464.1.2. Forma da cláusula de eleição de foro 464.1.3. Limitação à cláusula de eleição de foro 464.2. Prorrogação tácita 465. Prevenção da competência
465.1. Coincidência cronológica do registro ou da distribuição 465.2 Efeitos da prevenção § 103.º Perpetuação da competência 466. Conceito e natureza da perpetuação da competência 467. Fundamento da perpetuação da competência 468. Conteúdo da perpetuação da competência 468.1. Estado de fato 468.2. Estado de direito 469. Exceções à perpetuação da competência 469.1. Supressão de órgão judiciário 469.2. Criação de órgão judiciário 469.3. Modificações da competência absoluta § 104.º Conflitos de competência 470. Conceito de conflito de competência 471. Espécies de conflitos de competência 472. Legitimidade para instaurar o conflito de competência 472.1. Legitimidade do órgão judiciário 472.2. Legitimidade do Ministério Público 472.3. Legitimidade das partes 473. Competência para julgar o conflito de competência 473.1. Conflito entre órgãos judiciários da mesma Justiça 473.2. Conflito entre órgãos judiciários de primeiro grau de Justiças diferentes 473.3. Conflito entre órgãos judiciários de primeiro grau e tribunais de diferentes Justiças 473.4. Conflito entre tribunais 473.5. Conflitos entre órgãos e juízes do mesmo tribunal § 105.º Procedimento do conflito de competência 474. Forma da instauração do conflito de competência
475. Instrução do conflito de competência 476. Indeferimento liminar do conflito de competência 477. Distribuição do conflito de competência 478. Requisição de informações no conflito de competência 479. Suspensão do processo no conflito de competência 480. Juízo competente para medidas urgentes no conflito de competência 481. Audiência do Ministério Público no conflito de competência § 106.º Julgamento do conflito de competência 482. Julgamento colegiado do conflito de competência 483. Pressupostos do julgamento singular do conflito de competência 484. Momento do julgamento singular do conflito de competência 485. Conteúdo do julgamento singular do conflito de competência 486. Recurso cabível contra o julgamento singular do conflito de competência 487. Efeitos do julgamento do conflito de competência § 107.º Declaração da incompetência 488. Controle da competência no processo civil 489. Controle da competência relativa 489.1. Cabimento da exceção de incompetência no processo de execução 489.1.1. Momento e forma da exceção de incompetência na execução de título extrajudicial 489.1.2. Momento e forma da exceção de incompetência na execução de título judicial 489.2. Cabimento da exceção de incompetência no processo cautelar 489.3. Condição dos atos decisórios proferidos pelo juiz relativamente incompetente 490. Controle da competência absoluta 490.1. Forma e momento da alegação da incompetência absoluta 490.2. Legitimidade para alegar a incompetência absoluta 490.3. Efeitos do reconhecimento da incompetência absoluta
490.4. Recursos cabíveis contra o provimento sobre incompetência absoluta 491. Efeitos da incompetência nos juizados especiais CAPÍTULO 28 – COOPERAÇÃO NACIONAL § 108.º Cooperação nacional 492. Formas de cooperação jurisdicional 493. Espécies de cartas 493.1. Carta de ordem 493.2. Carta precatória 493.3. Carta rogatória 493.4. Carta arbitral 494. Requisitos das cartas 494.1. Indicação dos juízos remetente e destinatário 494.2. Reprodução das peças fundamentais 494.3. Indicação do objeto da carta 494.4. Encerramento e assinatura do juízo de origem 494.5. Reprodução de peças eventuais 495. Prazo das cartas 495.1. Critérios da fixação do prazo 495.2. Consequências do vencimento do prazo 495.3. Consequências da falta de prazo 495.4. Intimação e cooperação das partes 496. Caráter itinerante das cartas 497. Modos de expedição das cartas 497.1. Pressuposto da forma excepcional 497.2. Exemplificação dos meios da forma excepcional 497.3. Conteúdo da carta na forma excepcional 497.4. Cumprimento da carta na forma excepcional
498. Recusa de cumprimento da carta precatória 498.1. Natureza do ato de recusa do juízo deprecado 498.2. Casos explícitos de recusa do juízo deprecado 498.2.1. Falta dos requisitos essenciais 498.2.2. Incompetência do juízo deprecado 498.2.3. Dúvida acerca da autenticidade da carta 498.3. Casos implícitos de recusa do juízo deprecado 499. Cumprimento e restituição das cartas TÍTULO V – DAS PARTES SEÇÃO I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES CAPÍTULO 29 – PARTES NO PROCESSO CIVIL § 109.º Partes no processo civil 500. Conceito de parte no processo civil 501. Classificação das partes no processo civil 502. Identificação do réu consoante a força da ação 503. Designação das partes no processo civil 504. Pressupostos processuais relativos às partes 505. Princípios processuais relativos às partes 505.1. Princípio da dualidade das partes 505.2. Princípio da igualdade das partes 505.3. Princípio do contraditório 506. Conceito de terceiro no processo civil § 110.º Personalidade processual 507. Conceito de personalidade processual 508. Alcance da personalidade processual 508.1. Personalidade da pessoa natural estrangeira e nacional 508.2. Personalidade da pessoa jurídica estrangeira e nacional 508.2.1. Classificação das pessoas jurídicas
508.2.2. Limites temporais da personalidade das pessoas jurídicas 508.3. Personalidade de entes e de órgãos da pessoa jurídica (processo consigo próprio) 509. Controle da falta de personalidade processual SEÇÃO II – CAPACIDADE DAS PARTES CAPÍTULO 30 – CAPACIDADE PROCESSUAL § 111.º Capacidade processual em geral 510. Conceito de capacidade processual 511. Organização da matéria na lei processual civil 512. Graus da capacidade processual da pessoa natural 513. Representação orgânica da pessoa jurídica § 112.º Capacidade processual da pessoa natural 514. Capacidade processual plena da pessoa natural 515. Integração da capacidade processual da pessoa natural incapaz 515.1. Representação conjunta do menor sob poder familiar 515.2. Representação do cônjuge incapaz na separação 515.3. Colisão de interesses entre o incapaz e seu representante § 113.º Capacidade processual da pessoa jurídica 516. Conteúdo capacidade processual das pessoas jurídicas 517. Capacidade processual das pessoas jurídicas de direito público interno 518. Capacidade processual das pessoas jurídicas de direito público externo 519. Capacidade processual das pessoas jurídicas privadas estrangeiras § 114.º Capacidade processual da pessoa jurídica privada nacional 520. Representação da pessoa jurídica privada nacional 521. Órgãos de representação da pessoa jurídica privada 522. Ônus da demonstração das atribuições do órgão da pessoa jurídica privada 523. Representação anômala da pessoa jurídica privada nacional
523.1. Ausência do território nacional do representante legal da pessoa jurídica privada 523.2. Ausência do território nacional do locador § 115.º Capacidade processual dos despersonalizados 524. Representação dos despersonalizados 525. Capacidade processual da sociedade em comum 526. Capacidade processual da massa falida 527. Capacidade processual das heranças jacente e vacante 528. Capacidade processual do espólio 529. Capacidade processual do condomínio § 116.º Desconsideração da personalidade jurídica 530. Fundamento e natureza da responsabilidade patrimonial 531. Responsabilidade patrimonial direta e indireta 532. Responsabilidade patrimonial do sócio 532.1. Fundamento da responsabilidade patrimonial do sócio 532.2. Casos de responsabilidade patrimonial secundária direta 532.3. Casos de responsabilidade patrimonial secundária indireta 533. Procedimento da desconsideração da pessoa jurídica 533.1. Requerimento da parte desconsideração da pessoa jurídica
principal
ou
coadjuvante
na
533.2. Momento da desconsideração da pessoa jurídica 533.3. Contraditório na desconsideração da pessoa jurídica 533.4. Decisão do incidente de desconsideração da pessoa jurídica e recurso próprio 533.5. Efeitos da desconsideração da pessoa jurídica CAPÍTULO 31 – INTEGRAÇÃO DA CAPACIDADE PROCESSUAL § 117.º Integração da capacidade processual através de curador especial 534. Conceito de curador especial 535. Poderes e deveres do curador especial
536. Pessoas aptas à designação como curador especial 537. Casos de designação do curador especial 537.1. Designação de curador especial ao incapaz sem representação legal 537.2. Designação de curador especial no caso de colisão de interesses do incapaz e do seu representante 537.3. Designação de curador especial para o réu preso 537.4. Designação de curador especial para o réu revel citado por edital ou hora certa 538. Desaparecimento superveniente das causas de designação do curador especial § 118.º Integração da capacidade processual das pessoas casadas 539. Integração da capacidade processual perante o casamento 540. Integração da capacidade processual perante a união estável 541. Integração da capacidade processual ativa 542. Integração da capacidade processual passiva 542.1. Integração da capacidade processual passiva nas ações sobre direitos reais imobiliários 542.2. Integração da capacidade processual passiva nas ações que respeitem a fatos ou atos comuns aos cônjuges 542.3. Integração da capacidade processual passiva respeitantes a dívidas relacionadas à economia doméstica
nas
ações
542.4. Integração possessórias
nas
ações
da
capacidade
processual
passiva
543. Alegação da falta de integração da capacidade processual da pessoa casada 544. Suprimento judicial da falta de consentimento do cônjuge ou do convivente 544.1. Oportunidade do suprimento judicial do consentimento 544.2. Critérios de avaliação dos motivos da recusa do consentimento 544.3. Impossibilidade consentimento
do
cônjuge
ou
convivente
manifestar
§ 119.º Suprimento dos defeitos relativos à capacidade processual
o
545. Natureza dos vícios relativos à incapacidade processual 546. Momento da verificação da incapacidade processual 547. Iniciativa judicial no reconhecimento da incapacidade processual 548. Regime geral do suprimento da incapacidade processual 549. Efeitos da decretação do vício da incapacidade processual 550. Efeitos da subsistência do vício da incapacidade processual 550.1. Efeito da incapacidade processual perante o autor 550.2. Efeito da incapacidade processual perante o réu 550.3. Efeito da incapacidade processual perante o terceiro 550.4. Efeitos na pendência de recurso 551. Atos de saneamento da incapacidade processual SEÇÃO III – DETERMINAÇÃO DAS PARTES CAPÍTULO 32 – LEGITIMIDADE NA CAUSA § 120.º Capacidade de conduzir o processo 552. Conceito de capacidade de conduzir o processo 553. Função da capacidade para conduzir o processo 554. Caráter bilateral da capacidade para conduzir o processo 555. Classificação da capacidade de conduzir o processo 556. Substituição processual no caso de direito individual 557. Substituição processual nos casos de direitos difusos e coletivos 558. Espécies de substituição processual 559. Posição processual do substituto e do substituído 560. Efeitos da substituição processual 560.1. Sucumbência do substituto 560.2. Eficácia de coisa julgada perante o substituto e o substituído 561. Controle da capacidade para conduzir o processo § 121.º Sucessão das partes 562. Conceito de sucessão das partes
563. Fundamentos da sucessão das partes 564. Sucessão em razão das transformações da pessoa jurídica § 122.º Sucessão da parte em razão da morte 565. Efeitos da morte no processo civil 566. Extinção do processo em caso de morte 567. Suspensão do processo em caso de morte 568. Habilitação dos sucessores em caso de morte 568.1. Habilitação antes da partilha 568.2. Habilitação após a partilha § 123.º Sucessão da parte em razão da alienação do objeto litigioso 569. Admissibilidade da alienação do objeto litigioso 570. Objeto da transmissão no plano material 571. Requisitos da transmissão do objeto litigioso 572. Sucessão do alienante no processo 573. Ingresso do adquirente no processo 574. Efeitos da alienação do objeto litigioso perante o antecessor 575. Efeitos da alienação do objeto litigioso perante o sucessor 576. Efeitos da alienação do objeto litigioso perante a contraparte 577. Submissão do adquirente à força da sentença CAPÍTULO 33 – PLURALIDADE DE PARTES § 124.º Formação da demanda conjunta 578. Conceito de litisconsórcio 579. Finalidades da demanda conjunta 580. Classificação do litisconsórcio 580.1. Litisconsórcio ativo, passivo e misto 580.2. Litisconsórcio obrigatório e facultativo 580.3. Litisconsórcio simples e especial (unitário) 580.4. Litisconsórcio inicial e ulterior
580.5. Litisconsórcio independente, sucessivo, eventual e alternativo 581. Espécies de litisconsórcio facultativo 581.1. Litisconsórcio simples 581.2. Litisconsórcio sucessivo 581.3. Litisconsórcio eventual ou alternativo 582. Fontes do litisconsórcio facultativo 582.1. Comunhão de direitos ou de obrigações 582.2. Conexão através da causa e do pedido 582.3. Afinidade de questões por um ponto de fato ou de direito 583. Impedimentos à formação do litisconsórcio facultativo ativo 583.1. Limitação decorrente do princípio do contraditório 583.2. Limitação decorrente do princípio da igualdade das partes 584. Requisitos suplementares do litisconsórcio facultativo 585. Recurso cabível do ato de exclusão do litisconsorte 586. Fontes do litisconsórcio necessário § 125.º Relação processual em litisconsórcio 587. Regime especial (unitário) do litisconsórcio necessário 588. Condição jurídica do litisconsorte necessário preterido 589. Integração do litisconsorte necessário ao processo 590. Regime simples do litisconsórcio na relação processual 591. Regime especial do litisconsórcio na relação processual 592. Impulso individual do processo no litisconsórcio SEÇÃO IV – RESPONSABILIDADE DAS PARTES CAPÍTULO 34 – PODERES E DEVERES PROCESSUAIS DAS PARTES § 126.º Poderes das partes no processo civil 593. Direitos processuais das partes 593.1. Estrutura dos direitos processuais 593.2. Disposição dos direitos processuais
594. Espécies de direitos processuais das partes 595. Ônus processuais das partes 595.1. Conceito de ônus processual 595.2. Espécies de ônus processuais § 127.º Deveres das partes no processo civil 596. Fundamento dos deveres das partes 597. Natureza dos deveres das partes § 128.º Âmbito subjetivo dos deveres das partes 598. Sujeitos dos deveres das partes 599. Responsabilidade do advogado por litigância de má-fé 600. Responsabilidade das partes e dos terceiros por litigância de má-fé 601. Responsabilidade do interveniente por litigância de má-fé 602. Responsabilidade do Ministério Público por litigância de má-fé 603. Responsabilidade da Defensoria Pública por litigância de má-fé 604. Responsabilidade dos participantes do processo por litigância de máfé § 129.º Âmbito objetivo dos deveres das partes 605. Caracterização dos deveres das partes em geral 606. Dever de veracidade 607. Dever de probidade 607.1. Deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso 607.2. Alterar a verdade dos fatos 607.3. Usar o processo para conseguir objetivo ilegal 607.4. Opor resistência injustificada ao andamento do processo 607.5. Proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo 607.6. Provocar incidentes manifestamente infundados 607.7. Interpor recurso com intuito manifestamente protelatório
607.8. Praticar inovação ilegal do estado de fato 607.9. Deixar de restituir os autos no prazo 607.10. Requerer a citação por edital com falsos motivos 607.11. Enviar fac-símile divergente do original 607.12. Informar o endereço residencial ou profissional 608. Dever de seriedade 609. Dever de economia 609.1. Produzir prova inútil 609.2. Praticar atos procrastinatórios, supérfluos ou impertinentes 609.3. Deixar de alegar as exceções materiais na primeira oportunidade 609.4. Deixar de alegar objeção na primeira oportunidade 609.5. Causar o adiamento ou a repetição de ato processual 609.6. Deixar de promover a citação do denunciado no prazo legal 609.7. Lançar cotas marginais ou interlineares nos autos 609.8. Deixar de indicar a parte passiva legítima 610. Dever de colaboração 610.1. Dever de comparecer em juízo 610.2. Dever de responder à inquirição do órgão judiciário 610.3. Dever de submeter-se à inspeção judicial 610.4. Dever de cumprir as resoluções do órgão judiciário 610.5. Dever de informar a litispendência 611. Dever de urbanidade 611.1. Fundamento do dever de urbanidade 611.2. Sujeitos do dever de urbanidade 611.3. Conteúdo do dever de urbanidade 611.4. Formas de descumprimento do dever de urbanidade 611.5. Particularidades das sanções em virtude do descumprimento do dever de urbanidade
§ 130.º Deveres das partes na execução 612. Caracterização dos deveres das partes na execução 613. Fraude contra a execução 614. Oposição maliciosa e ilegal aos atos executivos 615. Resistência injustificada às ordens judiciais 616. Recusa em inventariar o patrimônio § 131.º Responsabilidade das partes por dano processual 617. Efeitos do descumprimento dos deveres das partes 618. Declaração da responsabilidade por dano processual 619. Identificação do responsável e do beneficiário da responsabilidade por dano processual § 132.º Sanções por dano processual 620. Enumeração das sanções na responsabilidade por dano processual 621. Imposição de multa 622. Imposição de indenização 623. Imposição de honorários advocatícios e do ressarcimento de todas as despesas 624. Relevação da pena na execução CAPÍTULO 35 – DESPESAS E MULTAS PROCESSUAIS § 133.º Despesas processuais 625. Origem do custo financeiro do processo 626. Conceito de despesas processuais 627. Classificação das despesas processuais 627.1. Despesas dos serventuários e despesas dos colaboradores 627.2. Despesas reembolsáveis e despesas não reembolsáveis 627.3. Despesas extraprocessuais e despesas processuais 627.4. Despesas necessárias e despesas úteis § 134.º Dever de antecipação das despesas processuais 628. Provisão das despesas processuais
629. Pessoas não sujeitas ao dever de antecipação 629.1. Isenção do beneficiário da gratuidade 629.2. Isenção do Ministério Público 629.3. Isenção da Fazenda Pública 629.4. Isenção do amicus curiae 629.5. Isenção da Defensoria Pública 630. Processos não sujeitos ao dever de antecipação 631. Momento da antecipação das despesas processuais 632. Consequências do descumprimento do dever de antecipação § 135.º Responsabilidade pelo reembolso das despesas processuais 633. Fundamento da responsabilidade de reembolso 633.1. Princípio da sucumbência 633.2. Princípio da causalidade 633.3. Princípio do interesse 634. Pressupostos da responsabilidade de reembolso 635. Fonte da responsabilidade de reembolso 635.1. Desnecessidade de pedido da parte quanto ao reembolso 635.2. Obrigatoriedade do pronunciamento do juiz quando ao reembolso 635.2.1. Omissão do pronunciamento do juiz quanto ao reembolso 635.2.2. Remédios para corrigir a omissão do pronunciamento quanto ao reembolso 635.2.3. Consequências da omissão definitiva do pronunciamento quanto ao reembolso 635.3. Fundamentação do pronunciamento do juiz quanto ao reembolso 635.4. Natureza do pronunciamento do juiz quanto ao reembolso 636. Oportunidade do provimento quanto à responsabilidade de reembolso 637. Conteúdo do provimento quanto à responsabilidade de reembolso 637.1. Condenação total do vencido 637.2. Condenação proporcional das partes
637.3. Isenção das despesas processuais e dos honorários 638. Objeto da responsabilidade de reembolso 638.1. Custas do processo na fase de cognição 638.2. Custas do processo na fase de execução 638.3. Indenização de viagem 638.4. Indenização da testemunha 638.5. Remuneração do assistente técnico § 136.º Exceções à responsabilidade de reembolso 639. Desoneração da responsabilidade de reembolso 640. Responsabilidade exclusiva pelas despesas dos atos adiados ou repetidos 641. Responsabilidade do vencedor por dolo processual 642. Responsabilidade exclusiva na intervenção de terceiro § 137.º Distribuição proporcional das despesas do processo 643. Fundamento da distribuição proporcional das despesas processuais 644. Distribuição das despesas entre litisconsortes 645. Distribuição das despesas na assistência 646. Distribuição das despesas na jurisdição voluntária 647. Distribuição das despesas nos juízos divisórios 648. Distribuição das despesas na transação 649. Distribuição na desistência, no reconhecimento e na renúncia parcial 650. Distribuição no abandono bilateral da causa § 138.º Credor e devedor do reembolso das despesas processuais 651. Credor do reembolso das despesas processuais 652. Direito do substituto processual ao reembolso 653. Direito do sucessor processual ao reembolso 654. Direito do representante processual ao reembolso 655. Direito do advogado ao reembolso
656. Direito do beneficiário da gratuidade ao reembolso 657. Direito do Ministério Público ao reembolso 658. Direito da Fazenda Pública ao reembolso 659. Direito dos litisconsortes ao reembolso 660. Direito do revel ao reembolso 661. Direito dos intervenientes ao reembolso 662. Devedor do reembolso das despesas processuais 663. Restituição das custas indevidamente recebidas 663.1. Sujeitos da restituição das custas indevidas 663.2. Procedimento da restituição das custas indevidas 663.3. Consequências da restituição das custas indevidas § 139.º Multas processuais 664. Conceito de multa processual 665. Espécies de multa processual 666. Devedor e credor da multa processual 666.1. Devedor da multa processual 666.2. Pluralidade de devedores da multa processual 666.3. Credor da multa processual 667. Liquidação da multa processual CAPÍTULO 36 – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS § 140.º Retribuição do procurador das partes 668. Origem e designação da retribuição do procurador 669. Natureza jurídica do crédito de honorários 670. Espécies de honorários advocatícios 670.1. Honorários contratuais 670.1.1. Liberdade na fixação do valor dos honorários 670.1.2. Admissibilidade do contrato quota litis 671.2. Honorários objeto de arbitramento
670.3. Honorários sucumbenciais 670.3.1. Cumulação dos honorários sucumbenciais 670.3.2. Levantamento dos honorários sucumbenciais § 141.º Credor dos honorários advocatícios 671. Direito próprio do advogado aos honorários 672. Direito aos honorários do advogado em causa própria 673. Direito aos honorários do advogado renunciante e dispensado 674. Direito aos honorários do advogado substabelecido 675. Direito aos honorários do advogado empregado 676. Direito aos honorários do advogado público 677. Direito aos honorários do curador especial 678. Direito aos honorários do Ministério Público 679. Perda dos honorários advocatícios § 142.º Devedor dos honorários advocatícios 680. Condenação do vencido em honorários 681. Condenação do substituto processual em honorários 682. Condenação do sucessor processual em honorários 683. Condenação do representante processual em honorários 684. Condenação do advogado em honorários 685. Condenação do beneficiário da gratuidade em honorários 686. Condenação do Ministério Público em honorários 687. Condenação da Fazenda Pública em honorários 688. Condenação dos litisconsortes em honorários 689. Condenação do revel em honorários 690. Condenação dos intervenientes em honorários 690.1. Condenação do interveniente voluntário em honorários 690.2. Condenação do interveniente coato em honorários § 143.º Fixação dos honorários da sucumbência
691. Critérios gerais de fixação dos honorários sucumbenciais 691.1. Juízo de legalidade quanto aos honorários sucumbenciais 691.2. Juízo de equidade quanto aos honorários sucumbenciais 691.3. Motivação do capítulo acessório da sucumbência 691.4. Fluência dos juros moratórios nos honorários sucumbenciais 692. Órgão da fixação dos honorários sucumbenciais § 144.º Elementos sucumbenciais
objetivos
na
fixação
dos
honorários
693. Juízo na fixação dos honorários sucumbenciais 694. Causas condenatórias 694.1. Sentença de procedência na causa condenatória 694.2. Sentença de improcedência na causa condenatória 694.3. Percentual mínimo e percentual máximo dos honorários nas causas condenatórias 695. Causas de pequeno valor 696. Causas de valor inestimável 697. Causas da Fazenda Pública § 145.º Elementos sucumbenciais
subjetivos
na
fixação
dos
honorários
698. Pessoas consideradas na fixação dos honorários sucumbenciais 699. Condição do advogado na fixação dos honorários sucumbenciais 700. Condições do serviço na fixação dos honorários sucumbenciais 701. Finalidade das condições do serviço na fixação dos honorários 702. Fundamentação das condições do serviço na fixação dos honorários 703. Dedicação do advogado na fixação dos honorários 704. Lugar da prestação do serviço do advogado na fixação dos honorários 705. Natureza da causa na fixação dos honorários 706. Importância da causa na fixação dos honorários 707. Desempenho do advogado na fixação dos honorários
708. Comportamento das partes na fixação dos honorários 709. Natureza das condições do serviço na fixação dos honorários § 146.º Honorários advocatícios na sentença definitiva 710. Honorários advocatícios no julgamento final do pedido 710.1. Sucumbência parcial 710.1.1. Sucumbência parcial perante pedido único 710.1.2. Sucumbência parcial perante pedidos cumulados 710.2. Sucumbência recíproca 710.3. Sucumbência mínima 711. Honorários advocatícios no julgamento prévio do pedido 712. Honorários advocatícios no reconhecimento do pedido 712.1. Honorários advocatícios perante reconhecimento total do pedido 712.2. Honorários advocatícios perante reconhecimento parcial do pedido 712.3. Honorários advocatícios perante reconhecimento ineficaz 713. Honorários advocatícios na transação 713.1. Honorários advocatícios previstos na transação 713.2. Honorários advocatícios omissos na transação 713.3. Honorários advocatícios excluídos da transação 714. Honorários advocatícios na renúncia § 147.º Honorários advocatícios na sentença terminativa 715. Honorários advocatícios no indeferimento da petição inicial 716. Honorários advocatícios no juízo de inadmissibilidade 717. Honorários advocatícios no abandono bilateral 718. Honorários advocatícios na desistência da ação 718.1. Desistência antes da citação do réu 718.2. Desistência após a citação do réu 718.2.1. Desistência antes do oferecimento da contestação 718.2.2. Desistência depois do oferecimento da contestação
718.2.3. Desistência antes do julgamento do primeiro grau 718.3. Honorários advocatícios na desistência parcial 719. Honorários advocatícios na renovação do processo 720. Honorários advocatícios na inutilidade da tutela § 148.º Honorários advocatícios na execução (cumprimento) 721. Cabimento dos honorários advocatícios na execução 721.1. Honorários advocatícios sem disciplina específica 721.2. Admissibilidade de honorários advocatícios na execução de título extrajudicial 721.3. Admissibilidade dos honorários advocatícios na execução de título judicial 721.4. Casos de inadmissibilidade dos honorários advocatícios na execução 722. Momento da fixação dos honorários advocatícios na execução 723. Montante dos honorários advocatícios na execução 724. Natureza do provimento de fixação dos honorários advocatícios na execução 725. Honorários advocatícios na extinção imprópria da execução 726. Honorários advocatícios na oposição do executado 726.1. Honorários advocatícios nos embargos do executado 7262.1.1. Honorários advocatícios na sentença de procedência total dos embargos 726.1.2. Honorários advocatícios na sentença de procedência parcial dos embargos 726.1.3. Honorários advocatícios na sentença de improcedência dos embargos 726.2. Honorários advocatícios na exceção de pré-executividade 726.3. Honorários advocatícios na impugnação § 149.º Honorários advocatícios nos procedimentos especiais 727. Honorários advocatícios na liquidação 728. Honorários advocatícios no procedimento monitório
729. Honorários advocatícios na pretensão à segurança autônoma 730. Honorários advocatícios nos embargos de terceiro 731. Honorários advocatícios na consignação em pagamento 732. Honorários advocatícios na locação predial urbana 732.1. Honorários advocatícios no despejo 732.2. Honorários advocatícios na renovatória da locação 732.3. Honorários advocatícios na revisional do aluguel 733. Honorários advocatícios na desapropriação 733.1. Honorários advocatícios na desapropriação direta 733.2. Honorários advocatícios na desapropriação indireta 734. Honorários advocatícios no mandado de segurança 735. Honorários advocatícios na ação civil pública e na ação popular 736. Honorários advocatícios nos juizados especiais 737. Honorários advocatícios na rescisória 738. Honorários advocatícios na arbitragem 739. Honorários advocatícios na homologação de sentença estrangeira § 150.º Controle dos honorários advocatícios 740. Recursos em matéria de honorários 740.1. Embargos de declaração sobre honorários 740.2. Apelação sobre honorários 740.3. Recurso especial sobre honorários 741. Reexame necessário em matéria de honorários 742. Rescisória em matéria de honorários CAPÍTULO 37 – BENEFÍCIO DA GRATUIDADE § 151.º Gratuidade da Justiça 743. Espécies de gratuidade 744. Conceito e modalidades do benefício da gratuidade 744.1. Isenção total
744.2. Isenção parcial 744.3. Isenção remissória 744.4. Isenção diferida § 152.º Objeto e sujeitos do benefício da gratuidade 745. Objeto do benefício da gratuidade 745.1. Taxas e custas judiciais 745.2. Despesas postais 745.3. Despesas de publicação na imprensa 745.4. Indenização da testemunha 745.5. Despesas periciais e remuneração dos auxiliares do juízo 745.6. Honorários de advogado 745.7. Depósitos prévios 745.8. Despesas extraprocessuais 746. Beneficiário da gratuidade 746.1. Requisitos da concessão da gratuidade à pessoa natural 746.2. Requisitos da concessão da gratuidade à pessoa jurídica 747. Disciplina da atividade processual do beneficiário 747.1. Prazo em dobro do beneficiário da gratuidade 747.2. Intimação pessoal do procurador do beneficiário da gratuidade 747.3. Dispensa de exibição da procuração pelo procurador do beneficiário da gratuidade § 153.º Concessão do benefício da gratuidade 748. Forma da postulação do benefício da gratuidade e prova do estado necessidade 749. Momento inicial e final da postulação do benefício da gratuidade 750. Deferimento e indeferimento do benefício da gratuidade 751. Impugnação da parte adversa à concessão da gratuidade 751.1. Legitimidade na impugnação da gratuidade 751.2. Prazo da impugnação da gratuidade
751.3. Fundamentos da impugnação da gratuidade 751.4. Efeitos da revogação da gratuidade 752. Recurso próprio na solução do incidente e seus efeitos § 154.º Efeitos da concessão do benefício da gratuidade 753. Designação do advogado do beneficiário 753.1. Formas de designação do advogado do beneficiário 753.2. Motivos de escusa do advogado designado ou nomeado para o beneficiário 753.3. Consequências da escusa ilegítima ou falta de escusa 753.4. Responsabilidade pelo pagamento dos honorários do advogado do necessitado 754. Cessação do estado de necessidade do beneficiário 754.1. Cessação total do estado de necessitado 754.2. Cessação parcial do estado de necessitado 754.3. Efeitos da cessação do estado de necessidade do beneficiário 754.4. Prescrição da pretensão a executar sucumbência 755. Pagamento a final das despesas processuais no benefício da gratuidade 756. Vitória do beneficiário da gratuidade 757. Intransmissibilidade do benefício da gratuidade TÍTULO VI – DOS TERCEIROS CAPÍTULO 38 – MODALIDADES DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS § 155.º Intervenção de terceiros em geral 758. Conceito de intervenção de terceiros no processo civil 759. Posição do terceiro antes da intervenção 759.1. Terceiros indiferentes 759.1.1. Interesse de fato 759.1.2. Interesse econômico 759.1.3. Interesse político
759.2. Terceiros interessados 760. Eficácia da coisa julgada perante terceiros 761. Posição do terceiro após a intervenção § 156.º Espécies de intervenção de terceiros 762. Casos típicos de intervenção de terceiros 762.1. Assistência à parte 762.2. Intervenção principal (oposição) 762.3. Correção da legitimidade passiva (nomeação à autoria) 762.4. Chamamento em garantia 762.5. Chamamento ao processo 762.6. Assistência ao juízo 763. Classificação das modalidades de intervenção de terceiros 763.1. Intervenção voluntária e intervenção compulsória 763.2. Intervenção por inserção e intervenção por cumulação 763.3. Intervenção principal e intervenção secundária 763.4. Intervenção permanente e intervenção transitória 764. Fundamentos da intervenção de terceiros § 157.º Proibição da intervenção de terceiros 765. Casos de proibição de intervenção de terceiros 766. Restrições à intervenção de terceiro nos juizados especiais 767. Restrições à intervenção de terceiro nas causas envolvendo relações de consumo 768. Restrições à intervenção de terceiro no controle concentrado de constitucionalidade 769. Restrições à intervenção de terceiro no procedimento comum § 158.º Intervenções atípicas de terceiros 770. Casos atípicos de intervenção de terceiros 771. Intervenção de terceiros na execução 772. Modalidades de intervenção proibidas na execução
773. Participação concorrente na obrigação alimentar CAPÍTULO 39 – INTERVENÇÃO VOLUNTÁRIA: ASSISTÊNCIA À PARTE § 159.º Assistência 774. Conceito de assistência 775. Espécies de assistência 775.1. Assistência simples 775.2. Assistência qualificada § 160.º Pressupostos da assistência 776. Momento de ingresso do assistente 777. Interesse jurídico do assistente 778. Possibilidade de influência do assistente § 161.º Procedimento de admissão do assistente 779. Formação do incidente de admissão do assistente 780. Deslocamento da competência em razão do pedido de assistência 781. Controle inicial do pedido de assistência 782. Obrigatoriedade do contraditório no pedido de assistência 783. Processamento da impugnação ao pedido de assistência 784. Recurso cabível contra a decisão do incidente de intervenção do assistente 785. Efeitos do provimento do recurso contra o indeferimento da intervenção do assistente 786. Efeitos do desprovimento do recurso contra o indeferimento da intervenção do assistente § 162.º Efeitos da intervenção do assistente 787. Aquisição da qualidade de parte pelo terceiro 788. Efeitos internos da intervenção do assistente 789. Efeitos externos da intervenção do assistente 789.1. Objeto dos efeitos externos da assistência 789.2. Limitações aos efeitos externos da assistência
789.2.1. Limitação em razão do estágio do processo 789.2.2. Limitação em razão do comportamento positivo do assistido 789.2.3. Limitação em razão do comportamento omissivo do assistido § 163.º Disciplina da atividade processual do assistente 790. Extensão dos poderes processuais do assistente 791. Limitações aos poderes processuais do assistente simples 791.1. Limitações dos poderes processuais do assistente quanto ao objeto do litígio 791.2. Limitações aos poderes processuais do assistente quanto aos meios de defesa 791.3. Limitações aos poderes processuais do assistente quanto aos meios de prova 791.4. Limitações aos poderes processuais do assistente quanto aos meios de impugnação 792. Limitações aos poderes processuais do assistente qualificado 793. Direitos processuais do assistente 794. Deveres e ônus processuais do assistente 795. Cessação da assistência CAPÍTULO 40 – INTERVENÇÃO VOLUNTÁRIA: ASSISTÊNCIA AO JUIZ § 164.º Amicus Curiae 796. Função do amicus curiae 797. Espécies de amicus curiae 798. Modalidades de intervenção do amicus curiae § 165.º Pressupostos da intervenção do amicus curiae 799. Pressupostos gerais de admissão do amicus curiae 800. Pressupostos objetivos da admissão do amicus curiae 801. Pressupostos subjetivos do amicus curiae 801.1. Representatividade do pretendente a amicus curiae 801.2. Idoneidade do pretendente a amicus curiae 802. Tipicidade da intervenção do amicus curiae
§ 166.º Intervenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) 803. Casos de intervenção da CVM 804. Fundamento da intervenção da CVM 805. Obrigatoriedade da intimação da CVM 806. Facultatividade da intervenção da CVM 807. Momento da intimação da CVM 808. Forma da intimação da CVM 809. Prazo para intervenção da CVM 810. Efeitos processuais da intervenção da CVM 811. Poderes processuais da CVM 812. Legitimidade recursal da CVM § 167.º Intervenção das pessoas jurídicas de direito público 813. Casos de intervenção das pessoas jurídicas de direito público 814. Constitucionalidade da intervenção das pessoas jurídicas de direito público 815. Forma e pressupostos da intervenção das pessoas jurídicas de direito público 816. Efeitos da intervenção da pessoa jurídica de direito público 817. Poderes processuais das pessoas jurídicas de direito público 818. Legitimidade recursal das pessoas jurídicas de direito público § 168.º Intervenção do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) 819. Casos de intervenção do INPI 820. Fundamento da intervenção do INPI 821. Oportunidade da intervenção do INPI 822. Obrigatoriedade da intervenção do INPI 823. Forma da intervenção do INPI 824. Efeitos processuais da intervenção do INPI 825. Poderes processuais do INPI
§ 169.º Intervenção do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) 826. Casos de intervenção do CADE 827. Fundamento da intervenção do CADE 828. Obrigatoriedade da intimação do CADE 829. Facultatividade da intervenção do CADE 830. Momento da intervenção do CADE 831. Forma da intervenção do CADE 832. Efeitos processuais da intervenção do CADE 833. Poderes processuais do CADE § 170.º Intervenção dos Conselhos da Ordem dos Advogados (OAB) 834. Casos de intervenção da OAB 835. Fundamento da intervenção da OAB 836. Facultatividade da intervenção da OAB 837. Forma da intervenção da OAB e atribuição organizacional 838. Efeitos processuais da intervenção da OAB 839. Poderes processuais da OAB § 171.º Intervenção do amicus curiae consoante o objeto litigioso 840. Intervenção no controle concentrado de constitucionalidade 840.1. Fundamento da intervenção concentrado de constitucionalidade
do amicus
840.2. Pressupostos da intervenção do amicus concentrado de constitucionalidade
curiae no
controle
curiae no controle
840.3. Momento da intervenção do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade 840.4. Intervenção voluntária ou provocada do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade 840.5. Forma da intervenção do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade 840.6. Poderes processuais do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade
841. Intervenção no controle difuso de inconstitucionalidade 842. Intervenção no pedido de uniformização de jurisprudência no Juizado Especial 843. Intervenção no procedimento do recurso extraordinário e no julgamento de casos repetitivos § 172.º Procedimento da intervenção do amicus curiae 844. Incidente de admissão do amicus curiae 845. Forma da intervenção do amicus curiae 846. Momento da intervenção do amicus curiae 847. Modalidades de intimação do amicus curiae 848. Prazo da manifestação do amicus curiae 848.1. Natureza do prazo de manifestação do amicus curiae 848.2. Consequências da falta de manifestação do amicus curiae 848.3. Quantitativo do prazo de manifestação do amicus curiae § 173.º Efeitos da intervenção do amicus curiae 849. Posição processual do amicus curiae e o problema de competência 850. Deveres processuais do amicus curiae 851. Poderes processuais do amicus curiae 852. Eficácia da resolução de mérito perante o amicus curiae CAPÍTULO 41 – INTERVENÇÃO COMPULSÓRIA: CHAMAMENTO AO PROCESSO § 174.º Chamamento ao processo 853. Conceito de chamamento ao processo 854. Desvantagens e vantagens do chamamento ao processo 855. Pressupostos do chamamento ao processo 856. Facultatividade do chamamento ao processo § 175.º Casos de admissibilidade do chamamento ao processo 857. Chamamento ao processo do afiançado 858. Chamamento ao processo do cofiador
859. Chamamento ao processo do devedor solidário 860. Chamamento do segurador 861. Chamamento ao processo, força da sentença e funções instrumentais do processo § 176.º Procedimento do chamamento ao processo 862. Iniciativa do pedido de chamamento ao processo 863. Momento do pedido de chamamento ao processo 864. Forma do pedido de chamamento ao processo 865. Controle inicial do pedido de chamamento ao processo 866. Efeitos do deferimento do pedido de chamamento ao processo 867. Atitudes do chamado após a citação § 177.º Efeitos do chamamento ao processo 868. Efeitos do chamamento no curso do processo 868.1. Relações entre o autor e o chamado 868.2. Relações entre o chamado e o chamador 869. Efeitos do chamamento no julgamento do processo 869.1. Conteúdo da sentença na hipótese de chamamento ao processo 869.2. Tutela de urgência no chamamento ao processo 869.3. Eficácia de coisa julgada no chamamento ao processo 869.4. Responsabilidade pelas despesas processuais e honorários no chamamento ao processo CAPÍTULO 42 – INTERVENÇÃO COMPULSÓRIA: CHAMAMENTO EM GARANTIA § 178.º Chamamento em garantia 870. Conceito de chamamento em garantia 871. Sistema latino de denúncia da lide (denunciação da lide) 872. Sistema germânico de denúncia da lide (chamamento em garantia) 873. Sistema brasileiro de denúncia da lide 873.1. Configuração cumulação de pretensões
prevalecente
do
chamamento
em
garantia:
873.2. Configuração alternativa do chamamento em garantia: litisconsórcio passivo ou pretensão regressiva em processo ulterior 874. Desvantagens e vantagens do chamamento em garantia 875. Pressupostos do chamamento em garantia 876. Obrigatoriedade e facultatividade do chamamento em garantia 877. Campo de incidência do chamamento em garantia § 179.º Chamamento em razão de eventual perda do domínio 878. Perda do domínio na denúncia da lide 879. Conceito e natureza da evicção 880. Campo de incidência da evicção 881. Casos especiais de evicção 882. Objeto da evicção 883. Pressupostos da responsabilidade pela evicção 883.1. Privação do direito recebido 883.2. Preexistência do direito do terceiro 884. Espécies de evicção 885. Extinção da responsabilidade pela evicção 886. Exclusão da responsabilidade pela evicção 886.1. Conhecimento do vício jurídico 886.2. Alienação de coisa alheia 886.3. Alienação de coisa litigiosa 887. Condições e efeitos do chamamento em razão do risco de evicção 888. Chamamento per saltum em razão do risco de evicção § 180.º Chamamento em razão de eventual perda da posse 889. Perda da posse na denúncia da lide 890. Espécies de posse na denúncia da lide § 181.º Chamamento em razão de eventual indenização 891. Garantia na denúncia da lide
892. Espécies de garantia na denúncia da lide § 182.º Procedimento do chamamento em garantia do autor 893. Campo de incidência do chamamento em garantia do autor 894. Oportunidade do chamamento em garantia do autor 895. Forma do chamamento em garantia do autor 896. Controle do chamamento em garantia do autor 897. Deferimento do chamamento em garantia do autor 898. Posição processual do denunciado no chamamento em garantia do autor 899. Limites ao aditamento da inicial no chamamento em garantia do autor 900. Prosseguimento do processo no chamamento em garantia do autor § 183.º Procedimento do chamamento em garantia do réu 901. Oportunidade do chamamento em garantia do réu 902. Forma do chamamento em garantia do réu 903. Legitimidade ativa e passiva no chamamento em garantia do réu 903.1. Legitimidade passiva do litisconsorte no chamamento em garantia 903.2. Legitimidade ativa do litisconsorte no chamamento em garantia 903.3. Legitimidade passiva coletiva no chamamento em garantia 903.4. Legitimidade ativa do assistente no chamamento em garantia 903.5. Legitimidade ativa do chamado em garantia em chamar ao processo 904. Competência no chamamento em garantia do réu 905. Controle do chamamento em garantia do réu 906. Efeito do deferimento do chamamento em garantia do réu 906.1. Termo inicial da citação em virtude do chamamento em garantia do réu 906.2. Termo final da citação em virtude do chamamento em garantia do réu 907. Prazos para a citação do chamado em garantia 908. Efeitos da falta de citação no prazo hábil do chamado em garantia
909. Efeitos da citação no prazo hábil do chamado em garantia 910. Chamamentos em garantia sucessivos § 184.º Posição processual do chamado em garantia 911. Atitudes concebíveis do chamado em garantia 912. Primeira atitude: aceitação da responsabilidade 912.1. Explicação prevalecente: chamado como assistente 912.1.1. Natureza da aceitação da responsabilidade na configuração prevalecente 912.1.2. Posição processual do chamado na configuração prevalecente 912.1.3. Primeira variante contestação do pedido principal
na
atitude
do
chamado
responsável:
912.1.4. Segunda variante na atitude do chamado responsável: falta de contestação do pedido principal 912.1.5. Terceira variante na atitude do chamado responsável: confissão dos fatos da causa principal 912.1.6. Consequência da posição processual (assistente) do chamado responsável 912.2. Explicitação alternativa: chamado como litisconsorte 912.2.1. Natureza da aceitação da responsabilidade na configuração alternativa 912.2.2. Posição processual do chamado na configuração alternativa 912.2.3. Consequência da posição processual (litisconsorte) do chamado responsável 913. Segunda atitude: revelia 914. Terceira atitude: negação da responsabilidade § 185.º Efeitos do chamamento em garantia 915. Efeitos do chamamento em garantia no curso do processo 915.1. Reconhecimento do pedido e transação na causa principal 915.2. Reconhecimento do pedido e transação na causa regressiva 915.3. Desistência da causa principal e chamamento em garantia 916. Efeitos do chamamento em garantia no julgamento do processo
916.1. Conteúdo da sentença na hipótese de chamamento em garantia 916.2. Tutela provisória no chamamento em garantia 916.3. Eficácia de coisa julgada no chamamento em garantia 916.4. Responsabilidade pelas despesas processuais e honorários no chamamento em garantia 916.5. Problemas recursais decorrentes do julgamento conjunto das pretensões no chamamento em garantia TÍTULO VII – DO JUIZ CAPÍTULO 43 – ÓRGÃOS JUDICIÁRIOS BRASILEIROS § 186.º Organização judiciária brasileira 917. Conceito e objeto da organização judiciária 918. Evolução da organização judiciária brasileira 919. Normas de organização judiciária 919.1. Fundamento das normas de organização judiciária 919.2. Conteúdo das normas de organização judiciária 919.3. Efeitos das normas de organização judiciária no processo civil § 187.º Órgãos judiciários brasileiros 920. Órgãos judiciários 921. Órgãos jurisdicionais anômalos 921.1. Senado Federal 921.2. Tribunal de Contas 921.3. Tribunal Marítimo 922. Órgãos jurisdicionais especiais § 188.º Independência dos órgãos judiciários 923. Independência jurídica do órgão judiciário 923.1. Restrições à independência jurídica 923.2. Responsabilidade pessoal do órgão judiciário 924. Independência política do órgão judiciário 925. Independência financeira do órgão judiciário
926. Independência funcional do órgão judiciário 926.1. Vitaliciedade 926.2. Inamovibilidade 926.3. Irredutibilidade de subsídios § 189.º Estrutura judiciária nacional 927. Composição dos órgãos judiciários (singular ou coletivo) 928. Sistemas de recrutamento dos juízes 929. Recrutamento dos juízes de primeiro grau 930. Recrutamento dos juízes de segundo grau 930.1. Provimento derivado 930.2. Provimento originário 930.2.1. Cálculo do percentual das classes 930.2.2. Igualdade de participação das classes 930.2.3. Requisitos dos candidatos das classes 930.2.4. Procedimento da escolha no provimento originário 931. Recrutamento dos juízes nos tribunais superiores de jurisdição civil § 190.º Organização da Justiça Federal na jurisdição civil 932. Origem e evolução da Justiça Federal 933. Segundo Grau da Justiça Federal 934. Primeiro grau da Justiça Federal § 191.º Organização da Justiça Comum na jurisdição civil 935. Origem da Justiça Comum 936. Segundo grau da Justiça Comum 936.1. Origem do tribunal de justiça 936.2. Designação dos juízes no tribunal de justiça 936.3. Divisão interna do tribunal de justiça 936.4. O órgão especial do tribunal de justiça 937. Primeiro grau da Justiça Comum
937.1. Distribuição territorial dos juízes de direito 937.2. Classificação das comarcas de primeiro grau 937.3. Distribuição dos juízes de direito nas comarcas 937.4. Juízes de investidura temporária 937.5. Juizados especiais da Justiça Comum CAPÍTULO 44 – PODERES E DEVERES PROCESSUAIS DO JUIZ § 192.º Poderes processuais do órgão judiciário 938. Poderes do juiz no processo 939. Classificação dos poderes processuais do juiz 939.1. Poderes de direção, de decisão e de execução do juiz 939.2. Poderes oficiais e poderes provocados do juiz 939.3. Poderes limitados e poderes ilimitados do juiz 939.4. Poderes preclusivos e poderes não preclusivos do juiz 939.5. Poderes vinculados e poderes discricionários do juiz § 193.º Poderes de direção 940. Poderes de direção no modelo autoritário 941. Poderes de controle do juiz 941.1. Poder de reprimir ilícitos processuais 941.2. Poder de adotar medidas processuais 941.3. Poder de dilatar prazos processuais 941.4. Poder de polícia 941.5. Poder de suprir vícios processuais 942. Poderes de fiscalização do juiz 942.1. Caracterização do processo simulado e do processo fraudulento 942.2. Constatação da simulação e da fraude 942.3. Consequências do processo simulado e fraudulento 943. Poderes ordinatórios do juiz 944. Poderes instrutórios do juiz
944.1. Poder de fixar o tema da prova 944.2. Poder de distribuir o ônus da prova 944.3. Poder de determinar produção da prova útil e necessária 944.4. Poder de presidir a produção da prova 944.5. Poder de alterar a produção da prova 944.6. Poder de avaliar a prova § 194.º Poderes de decisão 945. Regras de julgamento 946. Juízo de legalidade 946.1. Objeto do juízo de legalidade 946.2. Integração no juízo de legalidade 946.3. Interpretação no juízo de legalidade 946.4. Formação do juízo de legalidade 946.5. Fidelidade ao direito 946.6. Efeitos do juízo de legalidade 947. Juízo de equidade § 195.º Poderes de execução 948. Conceito do poder de executar 949. Natureza do poder de executar 950. Objeto do poder de executar 951. Meios do poder de executar 952. Limites do poder de executar § 196.º Deveres processuais do órgão judiciário 953. Deveres processuais do juiz 954. Dever de jurisdicionar 954.1. Objeto do dever de jurisdicionar 954.2. Conteúdo do dever de jurisdicionar 954.3. Limites do dever de jurisdicionar
955. Dever de cooperar 955.1. Dever de esclarecer 955.2. Dever de consultar 955.3. Dever de prevenir 955.4. Dever de auxiliar 956. Dever de motivar 957. Dever de pontualidade 958. Dever de urbanidade 959. Dever de residência 960. Dever de atendimento 961. Dever de conciliar 961.1. Cabimento da conciliação 961.2. Importância e natureza da conciliação 961.3. Espécies de conciliação 961.4. Objeto da conciliação 961.5. Procedimento da conciliação 961.6. Efeitos da conciliação 962. Dever de indenizar 962.1. Responsabilidade civil por dolo ou fraude 962.2. Responsabilidade civil por impontualidade 963. Dever de abstenção CAPÍTULO 45 – IMPARCIALIDADE DO JUIZ E DOS SEUS AUXILIARES § 197.º Imparcialidade na função judiciária 964. Imparcialidade do órgão judiciário no processo civil 965. Imparcialidade perante as funções processuais 966. Causas de frustração da imparcialidade 966.1. Distinção entre impedimento e suspeição 966.2. Regime da suspeição e do impedimento na arbitragem
966.3. Caráter estrito das causas de frustração da imparcialidade 966.4. Domínios objetivos das causas de frustração da imparcialidade 966.5. Domínios subjetivos das causas de frustração da imparcialidade § 198.º Impedimento do órgão judiciário 967. Motivos de impedimento 967.1. Juiz como figurante anterior no processo 967.2. Juiz oficiante no processo em grau inferior 967.3. Juiz como cônjuge ou parente do titular da capacidade postulatória 967.4. Juiz como parte no processo ou cônjuge e parente da parte 967.5. Juiz como sócio e órgão de direção ou de administração da parte 967.6. Juiz como herdeiro presuntivo, donatário ou empregador da parte 967.7. Juiz como empregado da parte 967.8. Juiz como cônjuge ou parente do sócio de escritório da advocacia 967.9. Juiz como autor de ação contra a parte e seu advogado 968. Impedimento nos órgãos judicantes colegiados § 199.º Suspeição do órgão judiciário 969. Motivos de suspeição 969.1. Juiz amigo ou inimigo da parte ou do advogado 969.2. Juiz conselheiro, agradecido ou patrocinador da causa 969.3. Parte credora ou devedora do juiz, do seu cônjuge e dos seus parentes 969.4. Juiz interessado no julgamento da causa 970. Suspeição em razão de motivo de foro íntimo § 200.º Imparcialidade do Ministério Público e dos órgãos auxiliares do juízo 971. Impedimento e suspeição do Ministério Público e dos auxiliares do juízo 972. Imparcialidade do Ministério Público 973. Imparcialidade dos auxiliares da justiça
§ 201.º Controle da imparcialidade no processo civil 974. Formas de controle da imparcialidade no processo civil 975. Controle da imparcialidade do juiz 975.1. Prazo da exceção de parcialidade 975.2. Objeto da exceção de parcialidade 975.3. Legitimidade na exceção de parcialidade 975.4. Procedimento da exceção de parcialidade 975.5. Efeitos do julgamento da exceção de parcialidade 976. Controle da imparcialidade do Ministério Público e dos auxiliares do juízo 976.1. Forma da arguição de parcialidade 976.2. Momento da arguição de parcialidade 976.3. Legitimidade para arguir a parcialidade 976.4. Efeitos do oferecimento da arguição de parcialidade 976.5. Contraditório e instrução da arguição de parcialidade 976.6. Julgamento da arguição de parcialidade 977. Efeitos do controle da imparcialidade CAPÍTULO 46 – ÓRGÃOS AUXILIARES DA JUSTIÇA § 202.º Órgãos auxiliares do juízo 978. Função dos órgãos auxiliares do juízo 979. Classificação dos auxiliares do juízo 980. Identificação dos auxiliares do juízo § 203.º Serventuários da justiça 981. Lotação dos serventuários da justiça 982. Principais serventuários da justiça 983. Demais serventuários da justiça 984. Responsabilidade dos serventuários da justiça § 204.º Escrivão
985. Conceito de escrivão (ou chefe de secretaria) 986. Deveres do escrivão 986.1. Formação e guarda dos autos 986.2. Redação de atos processuais 986.3. Efetivação das ordens do juiz 986.4. Comparecimento nas audiências 986.5. Expedição de certidões 986.6. Realização de atos ordinatórios 986.7. Elaboração da ordem cronológica da publicação e da efetivação dos atos decisórios 987. Substituição do escrivão § 205.º Oficial de Justiça 988. Conceito de oficial de justiça 989. Deveres do oficial de justiça 989.1. Cumprimento do mandado de citação 989.2. Cumprimento do mandado de constrição e demais ordens 989.3. Certificação das diligências 989.4. Restituição dos mandados 989.5. Comparecimento e manutenção da ordem nas audiências 989.6. Realização das avaliações 989.7. Certificação da propensão à autocomposição § 206.º Colaboradores da justiça 990. Principais colaboradores da justiça 991. Responsabilidade dos colaboradores da justiça § 207.º Perito 992. Fundamentos do auxílio do perito 993. Conceito de perito 994. Funções do perito
995. Nomeação do perito 996. Poderes do perito 996.1. Poder de escolha do meio 996.2. Poder de coleta dos dados 996.3. Poder de instrução do laudo 997. Deveres do perito 997.1. Dever de cumprimento do perito 997.2. Dever de imparcialidade do perito 997.3. Dever de pontualidade do perito 997.4. Dever de diligência do perito 997.5. Dever de veracidade do perito 997.5.1. Extensão subjetiva do dever de veracidade do perito 997.5.2. Responsabilidades decorrentes do dever veracidade do perito 997.5.3. Aplicação da pena de inabilitação 997.6. Dever de comparecimento do perito 997.7. Dever de pessoalidade do perito 998. Direitos do perito 998.1. Direito do perito ao reembolso das despesas 998.2. Direito do perito à remuneração 998.2.1. Valor da remuneração do perito 998.2.2. Antecipação da remuneração do perito 998.2.3. Momento do recebimento da remuneração do perito 998.2.4. Perda do direito do perito à remuneração 998.2.5. Realização do direito do perito à remuneração 999. Controle da imparcialidade do perito § 208.º Depositário ou administrador 1.000. Definição de depositário ou administrador 1.001. Escolha do depositário ou administrador
1.002. Natureza do vínculo do depositário ou do administrador 1.003. Deveres do depositário ou administrador 1.003.1. Dever de guarda e conservação do objeto da constrição 1.003.2. Dever de administração do objeto da constrição 1.003.3. Dever de restituição do objeto da constrição 1.003.4. Dever de prestação de contas 1.003.5. Dever do depositário de indenizar 1.004. Direitos do depositário ou administrador 1.004.1. Direito à posse do objeto da constrição 1.004.2. Direito do depositário e do administrador à remuneração 1.004.3. Direito à designação de prepostos 1.005. Remoção do depositário ou administrador 1.006. Extinção do vínculo do depositário ou administrador § 209.º Intérprete e Tradutor 1.007. Definição de intérprete e de tradutor 1.008. Função do intérprete e do tradutor 1.009. Número de intérpretes e de tradutores 1.010. Obrigatoriedade do intérprete e do tradutor 1.011. Casos de designação de intérprete ou de tradutor 1.011.1. Tradução de documento redigido em língua estrangeira 1.011.2. Versão das declarações orais das partes e testemunhas 1.011.3. Tradução da linguagem de portadores de necessidades especiais 1.012. Capacidade para ser intérprete e do tradutor 1.013. Deveres e direitos do intérprete e do tradutor § 210.º Colaboradores participativos 1.014. Conciliador e mediador no processo civil 1.015. Disciplina do conciliador e do mediador 1.015.1. Designação do conciliador e do mediador
1.015.2. Impedimentos do conciliador e do mediador 1.015.3. Poderes do conciliador e do mediador 1.015.4. Deveres do conciliador e do mediador 1.015.5. Direitos do conciliador e do mediador TÍTULO VIII – DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CAPÍTULO 47 – ADVOCACIA PRIVADA E PÚBLICA § 211.º Representação técnica no processo civil 1.016. Conceito e fundamento da capacidade postulatória 1.017. Extensão da capacidade postulatória 1.018. Casos de dispensa da representação técnica 1.018.1. Dispensa da representação técnica por força de lei 1.018.2. Constitucionalidade da dispensa da representação técnica 1.018.3. Dispensa da representação técnica por fato objetivo 1.019. Titulares da capacidade postulatória § 212.º Outorga do mandato judicial 1.020. Casos de dispensa da exibição da procuração 1.020.1. Dispensa da procuração na postulação em causa própria 1.020.2. Dispensa da procuração nos casos de assistência judiciária 1.020.3. Dispensa da procuração nos casos de investidura legal 1.020.4. Dispensa da procuração nos atos urgentes 1.021. Modalidades da outorga do mandato judicial 1.022. Poderes gerais e especiais no mandato judicial 1.022.1. Objeto dos poderes gerais 1.022.2. Objeto dos poderes especiais 1.022.3. Interpretação dos poderes especiais 1.022.4. Consequências da falta de poder especial 1.023. Procuração conjunta ou solidária
1.024. Substabelecimento do mandato judicial 1.025. Extinção do mandato judicial 1.025.1. Revogação do mandato judicial 1.025.2. Renúncia ao mandato judicial § 213.º Direitos e deveres do procurador em juízo 1.026. Prerrogativas profissionais do advogado 1.026.1. Prerrogativas dos advogados públicos 1.026.2. Responsabilidade dos advogados públicos 1.027. Dever de indicar o endereço nos autos 1.028. Direitos processuais do advogado 1.028.1. Direito de exame dos autos 1.028.2. Direito de vista dos autos 1.028.3. Direito de carga dos autos 1.029. Dever de restituir os autos no prazo § 214.º Defeitos relativos à capacidade postulatória 1.030. Espécies de defeitos relativos à capacidade postulatória 1.031. Insuficiência de habilitação profissional 1.032. Proibições relativas à habilitação profissional 1.032.1. Incompatibilidade no exercício da advocacia 1.032.2. Impedimento ao exercício da advocacia 1.032.3. Limitação territorial ao exercício da advocacia 1.032.4. Efeitos processuais da incompatibilidade e do impedimento 1.033. Falta de habilitação e irregularidade da representação § 215.º Controle dos defeitos relativos à capacidade postulatória 1.034. Natureza do vício relativo à capacidade postulatória 1.035. Momento da verificação do defeito relativo à capacidade postulatória 1.036. Regime geral do suprimento da incapacidade postulatória
1.037. Iniciativa no conhecimento da incapacidade postulatória 1.038. Fundamento do suprimento dos vícios relativos à capacidade processual 1.039. Efeitos dos vícios relativos à capacidade postulatória 1.040. Subsistência dos vícios relativos à capacidade postulatória 1.040.1. Incapacidade postulatória do autor 1.040.2. Incapacidade postulatória do réu 1.040.3. Incapacidade postulatória do terceiro 1.040.4. Incapacidade processual nos recursos 1.041. Natureza dos atos de suprimento da incapacidade postulatória CAPÍTULO 48 – MINISTÉRIO PÚBLICO § 216.º Ministério Público no processo civil 1.042. Origens e natureza institucional do Ministério Público 1.043. Funções institucionais do Ministério Público 1.044. Princípios institucionais do Ministério Público 1.044.1. Princípio da unidade do Ministério Público 1.044.2. Princípio da indivisibilidade do Ministério Público 1.044.3. Princípio da autonomia funcional do Ministério Público 1.045. Estruturação institucional do Ministério Público 1.046. Formas de participação do Ministério Público no processo civil 1.046.1. Ministério Público como parte principal 1.046.2. Ministério Público como parte coadjuvante 1.047. Competência institucional do Ministério Público na jurisdição civil § 217.º Disciplina da atividade processual do Ministério Público 1.048. Forma de comunicação dos atos processuais 1.049. Prazos especiais do Ministério Público 1.050. Poderes e deveres processuais do Ministério Público 1.050.1. Poderes e deveres processuais do Ministério Público como parte principal
1.050.2. Poderes e deveres processuais do Ministério Público como parte coadjuvante 1.051. Comportamentos contraditórios na intervenção simultânea 1.052. Responsabilidade financeira do Ministério Público 1.053. Responsabilidade do Ministério Público por dano processual 1.054. Responsabilidade civil dos agentes do Ministério Público § 218.º Intervenção da parte coadjuvante nos casos lei geral 1.055. Casos de intervenção na lei geral 1.056. Intervenção nas causas envolvendo interesses de incapazes 1.057. Intervenção nas causas envolvendo estado das pessoas 1.058. Intervenção nas causas envolvendo interesse público 1.059. Intervenção nas demais hipóteses da lei geral § 219.º Intervenção da parte coadjuvante nas leis extravagantes 1.060. Casos de intervenção nas leis extravagantes 1.061. Intervenção na tutela dos direitos fundamentais 1.061.1. Intervenção do Ministério Público no habeas corpus 1.061.2. Intervenção do Ministério Público no habeas data 1.061.3. Intervenção do Ministério Público no mandado de segurança 1.061.4. Intervenção do Ministério Público no mandado de injunção 1.061.5. Intervenção do Ministério Público na ação popular 1.061.6. Intervenção do Ministério Público na ação civil pública 1.061.7. Intervenção do Ministério Público na ação civil por improbidade administrativa 1.062. Intervenção na tutela dos direitos dos vulneráveis 1.062.1. Intervenção na tutela dos direitos dos consumidores 1.062.2. Intervenção na tutela dos direitos dos indígenas 1.062.3. Intervenção na tutela dos direitos dos menores 1.062.4. Intervenção na tutela dos direitos dos idosos 1.062.5. Intervenção na tutela dos direitos dos acidentados
1.063. Intervenção na tutela da ordem, da saúde, da segurança e da economia pública 1.063.1. Intervenção do Ministério Público em matéria de insolvência 1.063.2. Intervenção do Ministério Público em matéria de registros públicos 1.063.3. Intervenção do Ministério Público em matéria de desapropriação 1.063.4. Intervenção do Ministério Público em matéria de fundações § 220.º Disciplina processual da intervenção da parte coadjuvante 1.064. Controle judicial da intervenção da parte coadjuvante 1.065. Oportunidade da intervenção da parte coadjuvante 1.065.1. Momento da intervenção no processo com predomínio de atividade cognitiva 1.065.2. Momento da intervenção no processo com predomínio da atividade executiva 1.065.3. Cessação do motivo da intervenção 1.065.4. Consequências da intervenção tardia do Ministério Público 1.065.5. Consequências da falta de intervenção do Ministério Público 1.066. Facultatividade ou obrigatoriedade da manifestação da parte coadjuvante 1.067. Conteúdo da manifestação da parte coadjuvante 1.068. Forma da manifestação da parte coadjuvante § 221.º Ministério Público como parte principal 1.069. Espécies de legitimação do Ministério Público 1.069.1. Legitimidade ordinária do Ministério Público na defesa de interesses sociais indisponíveis 1.069.2. Legitimidade ordinária do Ministério Público na defesa das suas prerrogativas institucionais 1.069.3. Legitimidade extraordinária do Ministério Público na defesa dos vulneráveis 1.070. Princípios diretores da iniciativa do Ministério Público autor 1.070.1. Princípio da reserva legal 1.070.2. Princípio da obrigatoriedade
1.070.3. Princípio da indisponibilidade CAPÍTULO 49 – DEFENSORIA PÚBLICA § 222.º Defensoria Pública no processo civil 1.071. Origens e natureza institucional da Defensoria Pública 1.072. Funções institucionais da Defensoria Pública 1.073. Princípios institucionais da Defensoria Pública 1.073.1. Princípio da unidade da Defensoria Pública 1.073.2. Princípio da indivisibilidade da Defensoria Pública 1.073.3. Princípio da independência funcional da Defensoria Pública 1.074. Estruturação institucional da Defensoria Pública 1.075. Formas de participação da Defensoria Pública no processo civil 1.075.1. Defensoria Pública como parte principal 1.075.2. Defensoria pública como representante da parte 1.075.3. Defensoria Pública como curador especial 1.076. Competência institucional da Defensoria Pública na jurisdição civil § 223.º Disciplina da atividade processual da Defensoria Pública 1.077. Forma de comunicação dos atos processuais quanto à Defensoria Pública 1.078. Prazos especiais da Defensoria Pública 1.078.1. Extensão objetiva da dobra dos prazos da Defensoria Pública 1.078.2. Extensão subjetiva da dobra dos prazos da Defensoria Pública 1.079. Responsabilidade financeira da Defensoria Pública 1.080. Responsabilidade da Defensoria Pública por dano processual 1.081. Responsabilidade civil do Defensor Público § 224.º Funções da Defensoria Pública no processo civil 1.082. Capacidade de conduzir o processo da Defensoria Pública 1.082.1. Legitimidade ordinária da Defensoria Pública na defesa dos direitos difusos e coletivos dos hipossuficientes
1.082.2. Legitimidade ordinária da Defensoria Pública na defesa das suas funções e prerrogativas institucionais 1.082.3. Legitimidade extraordinária da Defensoria Pública na defesa dos direitos individuais e individuais homogêneos dos hipossuficientes 1.083. Capacidade postulatória da Defensoria Pública 1.084. Integração da capacidade processual pela Defensoria Pública TÍTULO IX – DOS ATOS PROCESSUAIS CAPÍTULO 50 – FORMA DOS ATOS PROCESSUAIS § 225.º Dos atos processais em geral 1.085. Desenvolvimento, momentos e fases do processo 1.086. Fatos jurídicos processuais 1.087. Negócios jurídicos processuais 1.087.1. Falsos negócios processuais 1.087.2. Verdadeiros negócios processuais 1.088. Conceito de ato processual 1.089. Omissão como ato processual 1.090. Classificação dos atos processuais 1.090.1. Classificação subjetiva dos atos processuais 1.090.2. Classificação objetiva dos atos processuais § 226.º Características do ato processual 1.091. Especialidade do ato processual 1.092. Unilateralidade do ato processual 1.093. Forma do ato processual 1.094. Interdependência do ato processual 1.095. Unidade teleológica do ato processual 1.096. Discrição ou vinculação do ato processual 1.097. Efeitos internos ou externos do ato processual § 227.º Forma dos atos processuais 1.098. Princípios orientadores da forma dos atos processuais
1.099. Forma livre, forma autorizada e forma vinculada dos atos processuais 1.099.1. Atos de forma livre 1.099.2. Atos de forma autorizada 1.099.3. Atos de forma vinculada § 228.º Publicidade dos atos processuais 1.100. Acesso do público ao processo 1.101. Fins da publicidade dos atos processuais 1.102. Espécies de publicidade dos atos processuais 1.103. Publicidade dos julgamentos 1.104. Imposição do segredo de justiça 1.104.1. Preservação do interesse social 1.104.2. Preservação da intimidade das partes 1.104.5. Preservação da confidencialidade 1.104.4. Extensão do segredo de justiça 1.104.5. Comunicação dos atos processuais nas causas em segredo de justiça 1.104.6. Término do segredo de justiça § 229.º Idioma dos atos processuais 1.105. Obrigatoriedade do vernáculo 1.106. Depoimento oral dos estrangeiros 1.107. Depoimento oral dos portadores de necessidades especiais 1.108. Produção de prova documental em língua estrangeira CAPÍTULO 51 – ATOS PROCESSO E DO ESCRIVÃO
PROCESSUAIS
§ 230.º Atos processuais das partes 1.109. Espécies de atos das partes 1.109.1. Atos postulatórios das partes 1.109.2. Atos dispositivos das partes
DOS
SUJEITOS
DO
1.109.3. Atos probatórios das partes 1.110. Forma dos atos postulatórios das partes 1.111. Formação ocasional de autos suplementares 1.111.1. Subsistência dos autos suplementares 1.111.2. Finalidades dos autos suplementares 1.111.3. Formação dos autos suplementares 1.111.4. Vista dos autos suplementares 1.112. Recibo das peças escritas 1.112.1. Finalidade do recibo 1.112.2. Conteúdo do recibo 1.112.3. Autenticação do recibo § 231.º Atos processuais do juiz 1.113. Espécies de atos do juiz 1.114. Atos decisórios em primeiro grau 1.114.1. Finalidade da definição dos atos decisórios 1.114.2. Definição legal de sentença 1.114.3. Definição legal de decisão 1.114.4. Definição legal de despacho 1.114.5. Diferença entre despachos e atos ordinatórios 1.114.6. Desvirtuamentos da tipologia dos atos decisórios 1.115. Atos decisórios no segundo grau 1.115.1. Definição legal de acórdão 1.115.2. Decisões do relator 1.116. Forma dos atos decisórios 1.116.1. Elementos da sentença 1.116.2. Elementos da decisão 1.116.3. Elementos do acórdão 1.116.4. Capítulos da sentença
1.117. Autenticação dos atos decisórios do juiz 1.117.1. Redação dos atos decisórios 1.117.2. Datação dos atos decisórios 1.117.3. Assinatura dos atos decisórios 1.118. Documentação dos atos decisórios do juiz 1.119. Publicação dos atos decisórios 1.120. Atos materiais do juiz § 232.º Estrutura da sentença 1.121. Relatório da sentença 1.122. Motivação da sentença 1.122.1. Natureza da motivação 1.122.2. Conteúdo da motivação 1.122.3. Requisitos da motivação 1.122.3.1. Motivação per relationem 1.122.3.2. Motivação implícita 1.122.4. Espécies de motivação 1.122.5. Finalidades da motivação 1.122.6. Consequências da motivação inexistente ou insuficiente 1.222.7. Interpretação da motivação 1.123. Dispositivo da sentença 1.123.1. Objeto do dispositivo da sentença 1.123.2. Tipicidade do dispositivo da sentença 1.123.3. Conteúdo do dispositivo da sentença 1.123.4. Eficácia do dispositivo da sentença 1.123.5. Localização do dispositivo da sentença § 233.º Estrutura do acórdão 1.124. Ementa do acórdão 1.125. Relatório do acórdão
1.126. Motivação do acórdão 1.127. Dispositivo do acórdão 1.128. Organização dos elementos do acórdão § 234.º Atos do escrivão 1.129. Espécies de atos do escrivão 1.130. Formação dos autos 1.131. Organização dos autos 1.132. Elaboração de termos 1.132.1. Espécies de termo 1.132.2. Forma concisa e extensa do termo 1.132.3. Limpeza e totalidade do termo 1.132.4. Assinatura do termo 1.133. Técnicas de documentação dos atos do escrivão CAPÍTULO 52 – TEMPO E DO LUGAR DOS ATOS PROCESSUAIS § 235.º Tempo dos atos processuais 1.134. Tempo como elemento dos atos processuais 1.135. Tempo da prática dos atos processuais 1.135.1. Expediente forense 1.135.2. Expediente do órgão judiciário 1.135.3. Expediente eletrônico 1.136. Exceções ao tempo da prática dos atos processuais 1.136.1. Atos iniciados no tempo hábil 1.136.2. Atos realizados fora do tempo hábil 1.136.3. Atos urgentes em regime de plantão 1.137. Proibição da prática dos atos processuais no recesso e nos feriados 1.137.1. Conceito de recesso ou férias forenses 1.137.2. Conceito de feriados forenses 1.137.3. Efeitos da prática dos atos processuais no recesso e nos feriados
1.138. Atos admitidos no recesso e nas férias 1.139. Causas processadas no recesso e nas férias § 236.º Lugar dos atos processuais 1.140. Lugar dos atos processuais 1.141. Atos ordinariamente realizados na sede do juízo ou fora dela 1.142. Atos excepcionalmente realizados fora da sede do juízo § 237.º Preclusão 1.143. Conceito de preclusão 1.144. Extensão subjetiva da preclusão 1.145. Extensão objetiva da preclusão 1.146. Finalidade da preclusão 1.147. Natureza da preclusão 1.148. Espécies da preclusão 1.148.1. Preclusão temporal 1.148.2. Preclusão lógica 1.148.3. Preclusão consumativa 1.148.4. Preclusão hierárquica 1.149. Objeto da preclusão 1.150. Efeitos da preclusão CAPÍTULO 53 – PRAZOS PROCESSUAIS § 238.º Prazos processuais 1.151. Conceito de prazo processual 1.152. Unidades de tempo nos prazos processuais 1.153. Classificação dos prazos processuais 1.153.1. Prazos legais, judiciais e convencionais 1.153.2. Prazos peremptórios e dilatórios 1.153.3. Prazos comuns e particulares 1.153.4. Prazos próprios e impróprios
1.154. Princípios dos prazos processuais 1.154.1. Princípio da utilidade 1.154.2. Princípio da continuidade 1.154.3. Princípio da inalterabilidade 1.154.4. Princípio da peremptoriedade 1.154.5. Princípio da simetria 1.155. Fluência e contagem dos prazos § 239.º Termo inicial do prazo processual 1.156. Relevância do termo inicial do prazo 1.157. Termo inicial dos prazos do juiz 1.158. Termo inicial dos prazos dos auxiliares 1.159. Termo inicial dos prazos das partes 1.159.1. Data da comunicação como regra geral 1.159.2. Exceções à data do início do prazo 1.159.3. Dia hábil para a intimação 1.159.4. Data da juntada como fator de eficácia 1.159.1. Comunicação postal 1.159.2. Comunicação por mandado 1.159.3. Comunicação pelo escrivão 1.159.4. Comunicação por carta 1.159.5. Comunicação por edital 1.159.6. Comunicação eletrônica 1.159.7. Comunicação por publicação 1.159.8. Ciência inequívoca 1.159.9. Comunicação plural 1.160. Termo inicial do prazo recursal 1.160.1. Destinatário da intimação
1.160.2. Termo inicial do prazo de recurso contra atos proferidos em audiência 1.160.3. Termo inicial do prazo de recurso contra atos proferidos fora da audiência 1.160.4. Termo inicial do prazo de recurso perante duplicidade de intimações 1.160.5. Termo inicial do prazo de recurso quanto ao revel § 240.º Contagem do prazo processual 1.161. Contagem progressiva do prazo processual 1.162. Contagem progressiva do prazo em dias 1.163. Contagem progressiva do prazo em horas e em minutos 1.164. Contagem dos prazos em meses e em anos 1.165. Contagem regressiva do prazo processual § 241.º Interrupção e suspensão do prazo processual 1.166. Eventos supervenientes ao termo inicial do prazo 1.167. Eventos suspensivos dos prazos processuais 1.167.1. Suspensão do prazo processual por força das férias forenses 1.167.2. Suspensão do prazo processual por força da suspensão do processo 1.167.3. Suspensão do prazo processual por força de obstáculo 1.168. Evento interruptivo dos prazos processuais 1.169. Eventos interruptivos dos prazos recursais 1.170. Efeitos da suspensão e da interrupção dos prazos processuais § 242.º Restituição do prazo processual 1.171. Efeito do vencimento do prazo 1.172. Conceito de legal de justa causa 1.173. Prazo do pedido de restituição 1.174. Procedimento do pedido de restituição 1.175. Efeitos da decisão do pedido de restituição § 243.º Ampliações dos prazos processuais
1.176. Fundamento das ampliações dos prazos 1.177. Prazos da Fazenda Pública e do Ministério Público 1.177.1. Constitucionalidade do prazo especial da Fazenda Pública e do Ministério Público 1.177.2. Extensão objetiva do prazo especial da Fazenda Pública e do Ministério Público 1.177.3. Extensão subjetiva do prazo especial da Fazenda Pública e do Ministério Público 1.178. Prazos da Defensoria Pública 1.179. Prazos dos litisconsortes com procuradores diferentes 1.180. Prorrogação dos prazos processuais 1.180.1. Prorrogação convencional dos prazos processuais 1.180.1.1 Requisitos da prorrogação convencional 1.180.1.2 Efeitos da prorrogação convencional 1.180.2. Prorrogação judicial dos prazos processuais § 244.º Renúncia ao prazo processual 1.181. Conceito de renúncia ao prazo processual 1.182. Requisitos da renúncia ao prazo processual 1.183. Efeitos da renúncia ao prazo processual § 245.º Especialidades do prazo processual 1.184. Prazo básico dos atos processuais das partes 1.185. Prazo de espera no comparecimento das partes § 246.º Verificação dos prazos e penalidades 1.186. Sistema de verificação dos prazos processuais 1.187. Controle dos prazos processuais das partes 1.187.1. Controle da tempestividade dos atos processuais das partes 1.187.2. Controle da restituição dos autos 1.187.2.1. Legitimidade para requerer a cobrança dos autos 1.187.2.2. Intimação do procurador e consequências da inércia
1.187.2.3. Entrega dos autos após a intimação 1.187.2.4. Expedição do mandado de busca e apreensão dos autos 1.187.2.5. Desaparecimento dos autos por fato de terceiro 1.188. Controle dos prazos processuais dos servidores 1.188.1. Sujeitos da verificação judicial 1.188.2. Objeto da verificação judicial 1.188.3. Consequências da verificação judicial 1.189. Controle dos prazos processuais do órgão judiciário 1.189.1. Representação contra o excesso de prazo no primeiro grau 1.189.2. Representação contra excesso de prazo nos tribunais CAPÍTULO 54 – COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS § 247.º Do intercâmbio processual 1.190. Finalidade técnica da comunicação processual 1.191. Formas de comunicação processual 1.192. Espécies de comunicação processual § 248.º Da citação 1.193. Conceito legal de citação 1.194. Espécies da citação 1.194.1. Cabimento das espécies de citação 1.194.2. Citação pelo correio 1.194.3. Citação por oficial de justiça 1.194.4. Citação por edital 1.194.5. Citação por meio eletrônico 1.194.6. Citação pelo escrivão 1.195. Ônus de requerer a citação 1.196. Destinatário da citação 1.196.1. Identificação do réu 1.196.2. Identificação do executado
1.196.3. Identificação do interessado 1.196.4. Citação da pessoa natural 1.196.5. Citação da pessoa jurídica 1.196.6. Citação na pessoa do representante habilitado 1.196.7. Citação na pessoa do representante presumido 1.197. Lugar da citação 1.197.1. Citação no estabelecimento militar 1.197.2. Citação no culto religioso 1.198. Tempo da citação 1.198.1. Proibição da citação no período de nojo 1.198.2. Proibição da citação no período de gala 1.199. Verificação da capacidade do citando 1.199.1. Incapacidade transitória do citando 1.199.2. Incapacidade permanente do citando § 249.º Citação pelo correio 1.200. Preferência e dificuldades da citação pelos correios 1.201. Exclusão da citação pelo correio 1.201.1. Proibição de natureza objetiva da citação pelo correio 1.201.2. Proibição de natureza subjetiva da citação pelo correio 1.202. Controle da admissibilidade da citação pelo correio 1.203. Requisitos da carta de citação 1.204. Entrega da carta de citação ao destinatário 1.205. Recusa do destinatário de firmar o aviso 1.206. Frustração da citação pelo correio § 250.º Citação por oficial de justiça 1.207. Posição da citação por oficial de justiça 1.208. Requisitos do mandado de citação 1.208.1. Identificação das partes
1.208.2. Finalidade da citação 1.208.3. Cominação de pena 1.208.4. Dia, hora e lugar de comparecimento 1.208.5. Cópia da decisão 1.208.6. Assinatura do escrivão 1.209. Execução do mandado de citação 1.209.1. Prazo da diligência 1.209.2. Localização do citando 1.209.3. Identificação do citando 1.209.4. Leitura do mandado de citação 1.209.5. Entrega da contrafé ao citando 1.209.6. Obtenção da nota de ciência 1.210. Incidente da citação por hora certa 1.210.1. Requisitos da citação por hora certa 1.210.2. Procedimento da citação por hora certa 1.210.3. Efeitos da citação por hora certa § 251.º Citação por edital 1.211. Posição e espécies de citação por edital 1.212. Condições de admissibilidade da citação por edital 1.212.1. Identificação impossível do citando 1.212.2. Localização impossível do citando 1.212.3. Casos de obrigatoriedade da citação por edital 1.212.4. Ônus da afirmação de desconhecer o réu ou o respectivo paradeiro 1.213. Deferimento da citação por edital 1.214. Requisitos do edital de citação 1.214.1. Conteúdo do edital de citação 1.214.2. Fixação do prazo do edital
1.214.3. Advertência ao citando do efeito material da revelia 1.215. Lugar de publicação do edital de citação 1.216. Publicidade do edital 1.216.1. Afixação do edital de citação na sede do juízo 1.216.2. Publicação do edital de citação 1.216.3. Divulgação do edital de citação em emissora de radiodifusão 1.217. Responsabilidade por dolo na realização da citação por edital 1.218. Fator de eficácia da citação por edital § 252.º Efeitos da citação 1.219. Enumeração dos efeitos da citação 1.220. Efeitos processuais da formação do processo 1.220.1. Proibição da renovação da demanda 1.220.2. Perpetuação da competência 1.220.3. Prevenção da competência 1.221. Efeitos materiais citação 1.221.1. Litigiosidade da coisa 1.221.2. Indisponibilidade patrimonial relativa 1.221.3. Constituição em mora 1.221.4 Interrupção da prescrição e da decadência 1.221.4.1. Conceito de prescrição 1.221.4.2. Momento do efeito interruptivo da prescrição 1.221.4.3. Prescrição intercorrente 1.221.4.4. Decretação ex officio da prescrição 1.221.4.5. Efeito interruptivo dos prazos decadenciais 1.222. Natureza do vício da falta (e o caso da citação da pessoa já falecida) ou nulidade da citação e remédios cabíveis 1.223. Comparecimento espontâneo e suprimento dos vícios da citação 1.224. Natureza e recorribilidade do ato decisório ordenatório da citação
§ 253.º Da intimação 1.225. Conceito legal de intimação 1.226. Espécies de intimação 1.227. Destinatários da intimação § 254.º Intimação pessoal 1.228. Posição da intimação pessoal 1.229. Destinatários da intimação pessoal 1.230. Meios da intimação pessoal § 255.º Intimação postal 1.231. Posição da intimação postal 1.232. Inadmissibilidade da intimação postal 1.233. Forma da intimação postal 1.234. Entrega da carta ao destinatário § 256.º Intimação pelo escrivão (in faciem) 1.235. Admissibilidade da intimação pelo escrivão 1.236. Destinatário da intimação pelo escrivão 1.237. Formas da intimação pelo escrivão § 257.º Intimação por oficial de justiça 1.238. Admissibilidade da intimação por oficial de justiça 1.239. Forma da intimação por oficial de justiça § 258.º Intimação ficta 1.240. Posição da intimação ficta 1.241. Admissibilidade da intimação ficta 1.242. Formas de intimação ficta 1.243. Requisitos da publicação na intimação ficta 1.243.1. Identificação do destinatário na publicação 1.243.2. Conteúdo do ato publicação 1.243.3. Invalidação da publicação
CAPÍTULO 55 – INVALIDADES PROCESSUAIS § 259.º Invalidades processuais em geral 1.244. Existência, validade e eficácia dos atos processuais 1.245. Requisitos necessários e requisitos úteis dos atos processuais 1.245.1. Pressuposto útil: ato irregular 1.245.2. Pressuposto necessário: ato inválido 1.246. Conceito de invalidade processual 1.247. Posição sistemática das invalidades no processo civil 1.248. Depuração terminológica: invalidade ou nulidade processual § 260.º Classificação das invalidades processuais 1.249. Critérios de classificação das invalidades processuais 1.250. Espécies de invalidades 1.251. Nulidade absoluta 1.252. Nulidade relativa 1.253. Anulabilidade § 261.º Nulidade cominada 1.254. Nulidade cominada e não cominada 1.254.1. Fundamento da cominação 1.254.2. Compatibilidade das classificações 1.255. Nulidades cominadas na fase e no processo de conhecimento 1.255.1. Invalidade por ausência de intimação do Ministério Público 1.255.1.1. Intimação e participação do Ministério Público 1.255.1.2. Natureza da invalidade e saneamento do vício 1.255.2. Invalidade da citação e das intimações feitas sem observância das prescrições legais 1.256. Nulidades cominadas na fase e no processo de execução 1.256.1. Falta de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo 1.256.2. Citação inexistente ou nula do executado
1.256.3. Verificação do termo ou condição 1.257. Invalidade em razão da forma dos atos processuais 1.258. Invalidade em razão da forma do processo § 262.º Decretação da invalidade 1.259. Iniciativa no controle das invalidades 1.259.1 Iniciativa quanto à nulidade absoluta 1.259.2 Iniciativa quanto à nulidade relativa 1.259.3 Iniciativa quanto à anulabilidade 1.259.4 Oportunidade da iniciativa da parte 1.259.5 Legítimo impedimento como obstáculo à preclusão 1.260. Meios de controle das invalidades 1.261. Momento do controle da invalidade 1.262. Barreiras à invalidação: princípios da finalidade e do não prejuízo 1.262.1. Incidência do princípio da finalidade 1.262.2. Incidência do princípio do não prejuízo § 263.º Efeitos da invalidação 1.263. Posição do ato viciado 1.264. Invalidade derivada 1.264.1 Conceito de invalidade derivada 1.264.2 Dependência e autonomia dos atos posteriores 1.264.3 Condição jurídica dos atos dependentes do ato inválido 1.264.4 Condição jurídica do ato anterior ao ato inválido 1.265. Invalidade parcial 1.266. Decretação expressa da invalidade e técnicas de reparação CAPÍTULO 56 – REGISTRO, DISTRIBUIÇÃO E VALOR DA CAUSA § 264.º Registro da causa 1.267. Localização dos atos de registro e de distribuição 1.268. Registro da causa
1.269. Funções do registro 1.270. Elementos do registro 1.270.1. Número do processo 1.270.2. Identificação do ofício 1.270.3. Data do início do processo 1.270.4. Natureza do feito 1.270.5. Nome das partes 1.270.6. Nome dos advogados 1.270.7. Indicação do valor da causa 1.271. Efeitos do registro § 265.º Distribuição da causa 1.272. Classes de distribuição 1.272.1. Distribuição das causas no primeiro grau 1.272.2. Distribuição das causas nos tribunais 1.273. Obrigatoriedade da distribuição 1.274. Princípios da distribuição 1.274.1. Princípio da publicidade 1.274.2. Princípio da alternância 1.274.3. Princípio da igualdade 1.275. Espécies de distribuição § 266.º Distribuição por dependência 1.276. Funções da distribuição por dependência 1.277. Casos implícitos de distribuição por dependência 1.278. Casos explícitos de distribuição por dependência 1.278.1. Dependência em razão de conexão ou continência 1.278.2. Dependência em razão do juiz natural 1.278.3. Dependência em razão da conexão instrumental § 267.º Impedimentos à distribuição
1.279. Distribuição sem procuração 1.280. Objeto da fiscalização do distribuidor 1.281. Consequências da fiscalização do distribuidor 1.282. Dispensa da fiscalização do distribuidor 1.282.1. Postulação em causa própria 1.282.2. Postulação de atos urgentes 1.282.3. Postulação em representação de vulnerável 1.282.4. Postulação em decorrência de investidura constitucional § 268.º Correção da distribuição 1.283. Casos de correção da distribuição 1.283.1. Erro na distribuição 1.283.2. Falta de distribuição 1.284. Incidente de impugnação da distribuição 1.285. Compensação na distribuição 1.286. Cancelamento da distribuição § 269.º Valor da causa 1.287. Conceito de valor da causa 1.288. Finalidades do valor da causa 1.289. Obrigatoriedade do valor da causa 1.290. Oportunidade da fixação do valor da causa 1.291. Espécies de fixação do valor da causa 1.292. Critérios para fixação do valor da causa 1.292.1. Valor da causa segundo o critério legal 1.292.1.1. Valor da causa na cobrança de dívidas 1.292.1.2. Valor da causa na pretensão fundada em ato ou negócio jurídico 1.292.1.3. Valor da causa na pretensão alimentar 1.292.1.4. Valor da causa nas pretensões de divisão, de demarcação e de reivindicação de imóvel
1.292.1.5. Valor da causa na pretensão à indenização 1.292.1.6. Valor da causa na cumulação simples e sucessiva de pedidos 1.292.1.7. Valor da causa perante pedido alternativo 1.292.1.8. Valor da causa na cumulação eventual de pedidos 1.292.1.9. Valor da causa na cobrança de dívida de prestações vencidas e vincendas 1.292.1.10. Valor da causa nas pretensões derivadas de locação predial urbana 1.292.2. Valor da causa segundo o critério do autor 1.292.2.1. Valor da causa na pretensão à declaração 1.292.2.2. Valor da causa na pretensão a executar 1.292.2.3. Valor da causa na oposição do executado à pretensão a executar 1.292.2.4. Valor da causa na oposição do terceiro à pretensão a executar 1.292.2.5. Valor da causa na pretensão à segurança 1.292.2.6. Valor da causa na pretensão de rescisão de provimentos transitados em julgado 1.292.2.7. Valor da causa da pretensão à anulação de atos homologados em juízo 1.292.2.8. Valor da causa em casos específicos 1.292.2.8.1. Valor da causa na pretensão de consignar em pagamento 1.292.2.8.2. Valor da causa nas pretensões possessórias 1.292.2.8.4. Valor da causa na pretensão de desapropriação 1.292.2.8.5. Valor da causa na ação civil pública 1.292.2.8.6. Valor da causa na ação popular 1.292.2.8.7. Valor da causa na ação de depósito 1.292.2.8.8. Valor da causa na ação de prestação de contas 1.292.2.8.9. Valor da causa no mandado de segurança 1.229.2.8.10. Valor da causa na ação monitória 1.292.2.9. Valor da causa nos procedimentos de jurisdição voluntária
§ 270.º Incidente de impugnação ao valor da causa 1.293. Objeto da impugnação ao valor da causa 1.294. Natureza da impugnação ao valor da causa 1.295. Legitimidade para impugnar o valor da causa 1.296. Prazo da impugnação ao valor da causa 1.297. Forma da impugnação ao valor da causa 1.298. Procedimento da impugnação ao valor da causa 1.298.1. Atitudes do autor na réplica 1.298.2. Instrução da questão processual ao valor da causa 1.298.3. Resolução da questão processual do valor da causa 1.299. Correção ex officio do valor da causa 1.300. Efeitos da alteração do valor da causa TÍTULO X – PROVAS EM GERAL CAPÍTULO 57 – DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE PROVA § 271.º Prova no processo civil 1.301. Objeto da cognição do juiz 1.301.1 Conhecimento do direito 1.301.1.1 Liberdade na qualificação jurídica 1.301.1.2 Liberdade na seleção da norma 1.301.2 Desconhecimento dos fatos 1.302. Conceito de prova no processo civil 1.303. Funções da prova no processo civil 1.304. Sistemas probatórios contemporâneos 1.305. Natureza das regras sobre prova 1.305.1 Limites espaciais das normas probatórias 1.305.2 Limites temporais das normas probatórias § 272.º Objeto da prova 1.306. Objeto e tema da prova
1.307. Alegações de fato como objeto da prova 1.307.1 Espécies de fatos objeto das alegações das partes 1.307.1.1 Fatos jurídicos e fatos simples 1.307.1.2 Fatos internos e fatos externos 1.307.1.3 Fatos positivos e fatos negativos 1.307.2 Regime do conhecimento das alegações de fato 1.308. Alegações de direito como objeto da prova 1.309. Tema da prova § 273.º Prova das alegações de direito 1.310. Desnecessidade de prova do direito comum 1.311. Prova do direito local 1.311.1 Causas fundadas no direito local 1.311.2 Produção da prova do direito local 1.311.3 Espécies de prova do direito local 1.311.4 Consequências da falta de prova do direito local 1.312. Prova do direito estrangeiro 1.312.1 Causas fundadas no direito estrangeiro 1.312.2 Produção da prova do direito estrangeiro 1.312.3 Espécies de prova do direito estrangeiro 1.312.4 Consequências da falta de prova do direito estrangeiro 1.312.5 Consequências da aplicação do direito estrangeiro 1.313. Prova do direito consuetudinário 1.313.1 Requisitos e alcance do costume 1.313.2 Produção da prova do costume 1.313.3 Espécies de prova do costume 1.313.4 Consequências da falta de prova do costume § 274.º Prova das alegações de fato 1.314. Prova dos fatos
1.315. Fatos dependentes de prova 1.316. Fatos independentes de prova 1.317. Fatos incontroversos 1.317.1. Configuração dos fatos incontroversos 1.317.2. Fundamento da falta de controvérsia dos fatos 1.317.3. Requisitos da configuração dos fatos incontroversos 1.317.4. Consequências da falta de controvérsia dos fatos 1.317.5. Inadmissibilidade da iniciativa probatória oficial 1.318. Fatos notórios 1.318.1. Configuração da notoriedade dos fatos 1.318.2. Espécies de notoriedade dos fatos 1.318.3. Pressuposto do conhecimento da notoriedade dos fatos 1.318.4. Consequências da notoriedade dos fatos 1.319. Fatos presumidos § 275.º Presunções 1.320. Conceito de presunção 1.321. Classificação dos indícios 1.322. Localização sistemática das presunções 1.323. Espécies de presunção 1.324. Presunção judicial 1.324.1. Conceito de presunção judicial 1.324.2. Características da presunção judicial 1.324.3. Requisitos da presunção judicial 1.324.4. Presunção extraída do fato probando 1.324.5. Inadmissibilidade da presunção judicial 1.324.6. Consequências da presunção judicial 1.325. Presunção legal relativa 1.325.1. Espécies de presunção legal relativa
1.325.2. Fundamento da presunção legal relativa 1.325.3. Função da presunção legal relativa 1.325.4. Admissibilidade da prova em contrário ao fato presumido 1.325.5. Consequências da presunção legal relativa 1.326. Presunções legais absolutas § 276.º Regras de experiência 1.327. Conceito de regras de experiência 1.328. Espécies de regras de experiência 1.329. Funções das regras de experiência 1.329.1. Instrumento de apuração dos fatos 1.329.2. Instrumento de apreciação da prova 1.329.3. Concretização de conceitos juridicamente indeterminado 1.329.4. Determinação de elemento de incidência 1.329.5. Determinação de impossibilidades físicas e técnicas 1.330. Prova das regras de experiência § 277.º Momentos da prova 1.331. Especificação da prova 1.331.1. Especificação do autor 1.331.2. Especificação do réu 1.332. Proposição da prova 1.333. Admissão da prova 1.334. Produção da prova 1.334.1. Tempo da produção da prova 1.334.2. Lugar da produção da prova 1.334.3. Órgão da produção da prova 1.335. Apreciação da prova 1.335.1. Sistemas de apreciação da prova 1.335.1.1. Sistema da apreciação legal
1.335.1.2. Sistema da íntima convicção 1.335.1.3. Sistema da livre apreciação 1.335.1.3.1. Requisitos da livre apreciação 1.335.1.3.2. Medida da livre apreciação 1.335.2. Momento da apreciação da prova 1.335.3. Controle da apreciação da prova § 278.º Ônus da prova 1.336. Direito e ônus de provar 1.337. Espécies de ônus da prova 1.338. Funções do ônus da prova 1.338.1. Regra de conduta 1.338.2. Regra de julgamento 1.339. Distribuição estática do ônus da prova 1.339.1. Critério geral da distribuição estática 1.339.1.1. Fatos constitutivos 1.339.1.2. Fatos extintivos 1.339.1.2. Fatos extintivos 1.339.1.3. Fatos modificativos 1.339.1.4. Fatos impeditivos 1.339.2. Critérios especiais da distribuição estática 1.339.2.1. Inversão legal direta do ônus da prova 1.339.2.2. Inversão legal indireta do ônus da prova 1.339.3. Critério convencional da distribuição estática 1.339.3.1. Cabimento do negócio jurídico sobre ônus da prova 1.339.3.2. Requisitos do negócio jurídico sobre ônus da prova 1.339.3.3. Momento do negócio jurídico sobre ônus da prova 1.339.3.4. Efeitos do negócio jurídico sobre ônus da prova 1.340. Distribuição dinâmica do ônus da prova
1.340.1. Cabimento da distribuição dinâmica do ônus da prova 1.340.2. Momento da distribuição dinâmica do ônus da prova 1.340.3. Controle da distribuição dinâmica do ônus da prova § 279.º Meios de prova 1.341. Fontes da prova 1.342. Meios de prova 1.343. Enumeração das provas 1.343.1. Confissão 1.343.2. Documento 1.343.3. Testemunha 1.343.4. Presunção 1.343.5. Perícia 1.344. Enumeração dos meios de prova § 280.º Classificação das provas 1.345. Espécies de prova 1.345.1. Prova pessoal e prova real 1.345.2. Prova direta e prova indireta (ou crítica) 1.345.3. Prova literal e testemunhal 1.346. Prova constituída e prova constituenda (ou casual) 1.347. Prova principal e contraprova 1.348. Prova livre e prova plena (ou legal) 1.348.1 Prova livre 1.348.2 Prova plena 1.348.2.1 Prova plena da escritura pública 1.348.2.2 Prova plena nos arquivos de imagens e sons 1.349. Prova típica e prova atípica 1.350. Prova lícita e prova ilícita 1.350.1 Formas de ilicitude da prova
1.350.1.1 Ilicitude material e ilicitude formal da prova 1.350.1.2 Ilicitude originária e ilicitude derivada da prova 1.350.2 Efeitos da ilicitude da prova § 281.º Princípios da prova 1.351. Princípio da iniciativa concorrente 1.352. Princípio da oportunidade 1.353. Princípio da proibição do conhecimento privado 1.354. Princípio da contradição 1.355. Princípio da cooperação 1.356. Princípio da comunhão 1.357. Princípio da imediação 1.357.1 Imediação subjetiva 1.357.2 Imediação objetiva 1.358. Princípio da publicidade 1.359. Princípio da livre apreciação 1.360. Princípio da unidade § 282.º Cooperação das partes na investigação da verdade 1.361. Cooperação da parte na produção da prova 1.362. Finalidade da cooperação da parte na produção da prova 1.363. Dever de comparecer 1.364. Dever de responder 1.365. Dever de submissão 1.366. Dever de obedecer § 283.º Cooperação dos terceiros na investigação da verdade 1.367. Cooperação do terceiro na produção da prova 1.368. Fundamento do dever de cooperação do terceiro 1.369. Finalidade do dever de cooperação do terceiro 1.370. Objeto do dever de cooperação do terceiro
1.371. Caráter relativo do dever de cooperação do terceiro 1.372. Dever de informação 1.373. Dever de exibição 1.374. Meios de constranger o terceiro à cooperação TÍTULO XI – INSTRUÇÃO ANTECIPADA CAPÍTULO 58 – DA PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS § 284.º Disposições gerais da produção antecipada de prova 1.375. Conceito e natureza da produção antecipada de prova 1.375.1 Pretensão à asseguração da prova 1.375.2 Pretensão à produção antecipada da prova 1.375.3 Pretensão à constituição da prova 1.376. Espécies de produção antecipada de prova 1.377. Casos de dispensa da produção antecipada de prova 1.378. Objeto da produção antecipada de prova 1.378.1 Objeto da pretensão à asseguração da prova 1.378.1.1 Cabimento do depoimento pessoal 1.378.1.2 Cabimento da inquirição de testemunhas 1.378.1.3 Cabimento da perícia 1.378.1.4 Cabimento da inspeção judicial 1.378.2 Objeto da pretensão à produção antecipada de prova 1.378.3 Objeto da pretensão à constituição da prova § 285.º Procedimento da produção antecipada de prova 1.379. Petição inicial na produção antecipada de prova 1.379.1 Perigo de dano na antecipação da prova testemunhal 1.379.2 Perigo de dano na antecipação da prova pericial 1.380. Competência na produção antecipada de prova 1.380.1 Competência na asseguração da prova 1.380.2 Competência na produção antecipada de prova
1.380.3 Competência na constituição antecipada de prova 1.381. Legitimidade na produção antecipada de prova 1.381.1 Legitimidade ativa na produção antecipada de prova 1.381.2 Legitimidade passiva na produção antecipada de prova 1.381.3 Intervenção de terceiros na produção antecipada de prova 1.382. Defesa na produção antecipada de prova 1.382.1 Cabimento da defesa na produção antecipada de prova 1.382.2 Defesa processual na produção antecipada de prova 1.382.3 Defesa de mérito na produção antecipada de prova 1.382.4 Limitações à defesa na produção antecipada de prova 1.382.5 Exceções processuais na produção antecipada de prova 1.382.6 Reconvenção na produção antecipada de prova 1.383. Liminar na produção antecipada de prova 1.384. Forma da produção da prova oral 1.385. Forma da produção da prova pericial 1.386. Eficácia e julgamento da produção antecipada de prova 1.386.1 Eficácia da produção antecipada de prova 1.386.2 Despesas e honorários advocatícios na produção antecipada de prova 1.386.3 Renovação da prova assegurada na causa principal CAPÍTULO 59 – DA JUSTIFICAÇÃO § 286.º Disposições gerais da justificação 1.387. Conceito e natureza da justificação 1.388. Espécies de justificação 1.389. Objeto da justificação 1.390. Espécies de prova na justificação 1.391. Casos de inadmissibilidade da justificação § 287.º Procedimento da justificação
1.392. Petição inicial na justificação 1.393. Competência na justificação 1.394. Legitimidade na justificação 1.395. Formas de citação na justificação 1.396. Controle judicial da justificação 1.397. Defesa na justificação 1.398. Produção da prova documental e testemunhal 1.399. Participação das partes na justificação 1.400. Efeitos da sentença na justificação TÍTULO XII – TUTELA DA URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA CAPÍTULO 60 – MODALIDADES DA TUTELA ANTECIPADA § 288.º Evidência e urgência no processo civil 1.401. Estrutura processual e funções instrumentais da jurisdição 1.402. Problema antecipada
terminológico:
tutela
diferenciada
versus
1.403. Fundamento constitucional da tutela antecipada 1.404. Tutela de urgência como meio de litisregulação do processo 1.405. Princípios da tutela de urgência 1.405.1. Princípio da necessidade 1.405.2. Princípio do menor gravame § 289.º Espécies das medidas de urgência 1.406. Funções das medidas de urgência 1.407. Medidas de urgência cautelares (segurança para a execução) 1.407.1. Situação cautelanda 1.407.2. Perigo de dano iminente e irreparável 1.407.3. Temporariedade 1.407.4. Verossimilhança 1.407.5. Força mandamental da sentença cautelar
tutela
1.408. Medidas de urgência satisfativas definitivas (execução para a segurança) 1.409. Medidas satisfativas provisionais 1.410. Classificação das medidas de urgência 1.410.1. Medidas de urgência específicas e inespecíficas 1.410.2. Medidas de urgência antecedentes e incidentes § 290.º Características das medidas de urgência 1.411. Dependência e autonomia das medidas cautelares 1.412. Fungibilidade das tutelas de urgência 1.413. Transversalidade da tutela de urgência CAPÍTULO 61 – DISPOSIÇÕES COMUNS ÀS TUTELAS DE URGÊNCIA E DA EVIDÊNCIA § 291.º Competência na tutela de urgência e na tutela da evidência 1.414. Competência interna na tutela de urgência e na tutela da evidência 1.415. Competência nas medidas de urgência incidentes 1.416. Competência nas medidas de urgência antecedentes § 292.º Liminar na urgência e na evidência 1.417. Conceito de liminar 1.418. Natureza da liminar § 293.º Pressupostos da liminar 1.419. Enumeração dos pressupostos da liminar 1.420. Pressupostos formais da liminar 1.420.1. Iniciativa da parte na liminar 1.420.2. Momento da iniciativa da parte na liminar 1.420.3. Forma da iniciativa da parte na liminar 1.420.4. Reiteração da iniciativa da parte 1.421. Pressupostos materiais da liminar 1.421.1. Prognóstico favorável ao autor 1.421.2. Receio de dano ao autor
§ 294.º Objeto da liminar 1.422. Distinção do objeto da liminar 1.423. Objeto da liminar nas medidas de urgência satisfativas 1.424. Objeto da liminar nas medidas de urgência cautelares § 295.º Etapa inicial do procedimento da liminar 1.425. Limitação do contraditório na liminar 1.426. Liminar com contraditório postergado (inaudita altera parte) 1.427. Liminar com justificação prévia 1.427.1. Origem e conceito de justificação prévia 1.427.2. Espécies de justificação prévia 1.427.3. Cabimento da justificação prévia 1.427.4. Iniciativa da justificação prévia 1.427.5. Finalidade e objeto da justificação prévia 1.427.6. Participação na justificação prévia 1.427.7. Procedimento da justificação prévia 1.428. Liminar com contraditório pleno 1.429. Imposição de contracautela na medida de urgência 1.429.1. Cabimento da contracautela 1.429.2. Espécies de contracautela 1.429.3. Requisitos da contracautela 1.429.4. Função da contracautela 1.430. Substituição da medida de urgência por caução 1.430.1. Requisitos da cautela substitutiva 1.430.1.1. Adequação da substituição da medida de urgência 1.430.1.2. Suficiência da substituição da medida de urgência 1.430.2. Espécies de caução substitutiva 1.430.3. Iniciativa na substituição 1.430.4. Procedimento da substituição
1.431. Motivação da liminar 1.432. Momento da liminar § 296.º Efeitos da decisão liminar 1.433. Efeitos do deferimento da liminar 1.433.1. Efeitos do deferimento da tutela cautelar 1.433.2. Efeitos do deferimento da tutela antecipada 1.434. Efeitos do indeferimento da liminar § 297.º Etapa final do procedimento da liminar 1.435. Cumprimento da liminar 1.436. Recurso contra a liminar (e sentença) 1.436.1. Recurso próprio contra a antecipação no provimento liminar 1.436.2. Recurso próprio contra a antecipação no provimento final 1.436.3. Limites à revisão da antecipação nos tribunais 1.437. Suspensão da execução da liminar 1.437.1. Fundamentos da suspensão da execução 1.437.2. Objeto da suspensão da execução 1.437.3. Natureza da suspensão da execução 1.437.4. Procedimento da suspensão da execução 1.437.5. Limites temporais da suspensão da execução 1.438. Modificação da liminar 1.438.1. Pressupostos da modificação 1.438.1.1. Competência na modificação 1.438.1.2. Mudança do estado de fato como pressuposto da modificação 1.438.1.3. Mudança do estado de direito como pressuposto da modificação 1.438.2. Procedimento da modificação 1.438.3. Efeitos da modificação 1.439. Proibição da liminar
1.439.1. Fundamento da proibição da liminar 1.439.2. Proibição genérica da liminar 1.439.3. Proibição especial da liminar 1.439.3.1. Constitucionalidade da proibição especial da liminar 1.439.3.2. Exceções à proibição especial da liminar 1.440. Responsabilidade em razão do cumprimento do provimento antecipatório 1.440.1. Fundamento da responsabilidade do autor 1.440.2. Pressupostos da responsabilidade do autor 1.440.3. Natureza da responsabilidade do autor 1.440.4. Efeitos da responsabilidade do autor § 298.º Eficácia temporal da liminar 1.441. Temporariedade da liminar 1.442. Eficácia temporal das medidas de urgência cautelares 1.443. Eficácia temporal das medidas de urgência satisfativas 1.443.1. Liminar parcial e procedência total 1.443.2. Liminar total e procedência parcial 1.443.3. Perempção da medida liminar 1.444. Estabilização das medidas de urgência satisfativas 1.444.1. Natureza da estabilização 1.444.2. Pressupostos da estabilização 1.444.3. Efeitos da estabilização CAPÍTULO 62 – CASOS DE TUTELA DA EVIDÊNCIA E TUTELA DE URGÊNCIA § 299.º Casos de tutela da evidência 1.445. Função e natureza da tutela da evidência 1.446. Pressupostos da tutela da evidência 1.446.1. Evidente abuso de defesa 1.446.1.1. Infundada impugnação do fato
1.446.1.2. Infundada impugnação do direito 1.446.1.3. Infundada exceção substancial 1.446.2. Prática de atos protelatórios 1.446.3. Fatos provados documentalmente e razões de direito fundadas em precedente ou súmula vinculante 1.446.4. Pedido reipersecutório fundado em prova documental 1.446.5. Pedido fundado em fato incontestável 1.447. Iniciativa da parte na tutela da evidência 1.448. Momento da tutela da evidência § 300.º Casos especiais de tutela de urgência 1.449. Medidas de urgência nas obrigações de fazer 1.449.1 Cabimento e alcance das medidas de urgência em matéria de obrigações de fazer 1.449.2 Pressupostos das medidas de urgência em matéria de obrigações de fazer 1.449.3 Iniciativa da parte nas medidas de urgência em matéria de obrigações de fazer 1.449.4 Momento das medidas de urgência em matéria de obrigações de fazer 1.449.5 Impugnação das medidas de urgência em matéria de obrigações de fazer 1.450. Medidas de urgência nos remédios constitucionais 1.450.1 Medidas de urgência no habeas corpus 1.450.1.1. Cabimento da liminar em habeas corpus 1.450.1.2. Competência da liminar em habeas corpus 1.450.1.3. Pressupostos da liminar em habeas corpus 1.450.1.4. Momento da antecipação em habeas corpus 1.450.1.5. Impugnação à liminar em habeas corpus 1.450.2. Medidas de urgência no habeas data 1.450.3. Medidas de urgência no mandado de segurança
1.450.3.1. Cabimento e alcance das medidas de urgência no mandado de segurança 1.450.3.2. Competência nas medidas de urgência no mandado de segurança 1.450.3.3. Iniciativa da parte nas medidas de urgência no mandado de segurança 1.450.3.4. Pressupostos das medidas de urgência no mandado de segurança 1.450.3.5. Momento das medidas de urgência no mandado de segurança 1.450.3.6. Eficácia temporal das medidas de urgência no mandado de segurança 1.450.3.7. Impugnação das medidas de urgência no mandado de segurança 1.450.4. Medidas de urgência no mandado de injunção 1.450.5. Medidas de urgência na ação popular 1.450.5.1. Cabimento e alcance das medidas de urgência na ação popular 1.450.5.2. Competência nas medidas de urgência da ação popular 1.450.5.3. Legitimidade nas medidas de urgência da ação popular 1.450.5.4. Pressupostos das medidas de urgência da ação popular 1.450.5.5. Impugnação das medidas de urgência da ação popular 1.451. Medidas de urgência no controle de constitucionalidade 1.451.1. Cabimento e natureza da medida de urgência no controle concentrado de constitucionalidade 1.451.2. Competência na medida de urgência na medida de urgência no controle de constitucionalidade 1.451.3. Iniciativa da parte na medida de urgência no controle de constitucionalidade 1.451.4. Pressupostos constitucionalidade
da
medida
de
urgência
no
controle
de
1.451.5. Procedimento constitucionalidade
da
medida
de
urgência
no
controle
de
1.451.6. Efeitos da medida de urgência no controle de constitucionalidade 1.451.6.1. Efeitos da concessão da liminar
1.451.6.2. Efeitos da denegação da liminar 1.451.6.3. Efeitos da revogação da liminar 1.452. Medidas de urgência na rescisória 1.452.1. Natureza e objeto da medida de urgência na rescisória 1.452.2. Pressupostos da medida de urgência na rescisória 1.452.3. Competência na medida de urgência na rescisória 1.452.4. Iniciativa da parte na medida de urgência na rescisória 1.452.5. Momento da medida de urgência na rescisória 1.452.6. Impugnação da medida de urgência na rescisória 1.453. Medidas de urgência na execução 1.453.1. Objeto das medidas de urgência na execução 1.453.2. Pressupostos das medidas de urgência na execução 1.453.3. Legitimidade nas medidas de urgência na execução 1.453.4. Iniciativa da parte nas medidas de urgência na execução 1.453.5. Momento das medidas de urgência na execução 1.453.6. Impugnação das medidas de urgência na execução 1.454. Medidas de urgência no processo coletivo 1.454.1. Medida de urgência na ação civil pública geral 1.454.2. Medidas de urgência na ação civil pública por improbidade administrativa 1.454.2.1. Indisponibilidade patrimonial 1.454.2.2. Sequestro de bens 1.454.2.3. Afastamento de função, emprego ou cargo público CAPÍTULO 63 – PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA § 301.º Procedimento da medida de urgência antecedente 1.455. Demanda da parte na medida de urgência 1.455.1. Causa de pedir na medida de urgência 1.455.2. Pedido na medida de urgência
1.455.2.1. Pedido genérico nas medidas cautelares 1.455.2.2. Limites à atuação oficiosa do juiz 1.455.2.3. Pedido genérico nas medidas satisfativas 1.455.2.4. Cumulação de pedidos cautelares e antecipação 1.455.3. Requerimento de liminar 1.455.4. Valor da causa na medida de urgência 1.455.5. Indicação dos meios de prova nas medidas de urgência 1.455.6. Formas de citação do réu nas medidas de urgência 1.455.7. Controle da petição inicial 1.456. Designação das partes na medida de urgência 1.457. Determinação das partes na medida de urgência 1.457.1. Legitimidade ativa nas medidas de urgência 1.457.2. Legitimidade passiva nas medidas de urgência 1.457.3. Litisconsórcio nas medidas de urgência 1.458. Efeitos da propositura das medidas de urgência 1.458.1. Prevenção do juízo nas medidas de urgência 1.458.2. Proibição da renovação de idêntica medida de urgência 1.458.3. Litigiosidade nas medidas de urgência 1.458.4. Constituição em mora nas medidas de urgência 1.458.5. Interrupção da prescrição nas medidas de urgência 1.459. Defesa do réu nas medidas de urgência 1.459.1. Prazo de defesa nas medidas de urgência 1.459.1.1. Termo inicial do prazo de contestação na tutela cautelar 1.459.1.2. Termo inicial do prazo de contestação na tutela antecipada 1.459.2. Conteúdo da defesa nas medidas de urgência cautelares 1.459.2.1. Contestação nas medidas de urgência cautelares 1.459.2.2. Reconvenção nas medidas de urgência cautelares 1.459.2.3. Exceções nas medidas de urgência cautelares
1.459.2.4. Reconhecimento do pedido nas medidas de urgência cautelares 1.460. Revelia do réu na tutela de urgência 1.461. Formulação do pedido principal 1.461.1. Desnecessidade de formulação do pedido principal 1.461.2. Natureza do prazo de formulação do pedido principal 1.461.3. Termo inicial do prazo de formulação do pedido principal 1.461.4. Termo final do prazo de formulação do pedido principal 1.461.5. Efeitos da fluência do prazo de formulação do pedido principal 1.461.6. Reunião dos processos cautelar e principal 1.462. Cessação da eficácia da medida de urgência 1.463. Fases ulteriores do procedimento das medidas de urgência 1.464. Renovação da medida de urgência 1.465. Coisa julgada na medida de urgência § 302.º Procedimento da tutela antecipada incidente 1.466. Cumulação da pretensão cautelar e da pretensão principal 1.467. Regime da pretensão cautelar incidente no processo principal 1.467.1. Realização da audiência de justificação na medida de urgência incidente 1.467.2. Prazo de defesa na medida de urgência incidente 1.467.3. Julgamento da medida de urgência incidente TÍTULO XIII – DA FORMAÇÃO DO PROCESSO CAPÍTULO 64 – PETIÇÃO INICIAL § 303.º Demanda no processo civil 1.468. Princípio da demanda no processo civil 1.469. Instrumento da demanda no processo civil 1.470. Formação do processo civil 1.471. Funções da petição inicial no processo civil 1.472. Estrutura da petição inicial no processo civil
§ 304.º Requisitos gerais da petição inicial 1.473. Endereçamento da petição inicial 1.473.1. Ônus de localização do juízo competente 1.472.2. Formulação e solução do problema de competência 1.473.3. Resultados da solução do problema de competência 1.473.4. Consequências do errôneo endereçamento da petição inicial 1.474. Identificação das partes 1.474.1. Ônus de identificação do réu 1.474.1.1. Réu desconhecido 1.474.1.2. Réu errado 1.474.2. Ônus de qualificação do réu 1.475. Exposição do fato e dos fundamentos jurídicos 1.475.1. Razões de fato na petição inicial 1.475.2. Razões de direito na petição inicial 1.476. Formulação do pedido especificado 1.477. Indicação do valor da causa 1.478. Indicação dos meios de prova e produção da prova 1.479. Manifestação de interesse ou de desinteresse na autocomposição § 305.º Requisitos especiais da petição inicial 1.480. Providências eventuais requeridas na inicial 1.481. Requerimento de medidas de urgência 1.481.1. Requerimento de medida satisfativa (execução para segurança) 1.481.1.1. Prognóstico favorável ao acolhimento do pedido 1.481.1.2. Receio de dano ao objeto litigioso 1.481.2. Requerimento de medida cautelar (segurança para execução) 1.482. Requerimento de intimação ou citação de terceiros 1.482.1. Requerimento de intimação dos titulares de direito real
1.482.1.1. Destinatários da intimação da realização de constrição patrimonial 1.482.1.2. patrimonial
Finalidades
da
intimação da realização
de
constrição
1.482.1.3. Consequências da falta da intimação da realização de constrição patrimonial 1.482.2. Requerimento de citação do chamado em garantia 1.482.3. Requerimento de intimação do Ministério Público 1.483. Indicação da espécie de execução 1.484. Indicação dos bens passíveis de constrição patrimonial 1.485. Requerimento de investigação de ativos financeiros 1.486. Prestações preparatórias e benefício da gratuidade § 306.º Requisitos formais da petição inicial 1.487. Forma da petição inicial 1.488. Datação da petição inicial 1.489. Autenticação da petição inicial 1.489.1. Agente da autenticação 1.489.2. Lugar da autenticação 1.489.3. Forma da autenticação 1.489.4. Falsidade da autenticação 1.489.5. Suprimento da autenticação 1.490. Indicação do endereço do advogado do autor 1.491. Produção dos documentos indispensáveis 1.492. Duplicados da petição inicial CAPÍTULO 65 – EFEITOS DA FORMAÇÃO DO PROCESSO § 307.º Litispendência 1.493. Conceito de litispendência 1.494. Espécies de efeitos da litispendência 1.495. Termo inicial da litispendência
1.496. Termo final da litispendência § 308.º Efeitos processuais da litispendência 1.497. Espécies de efeitos processuais da litispendência 1.498. Proibição de renovação da demanda 1.499. Perpetuação da competência (perpetuatio jurisdicionis) 1.500. Prevenção da competência 1.501. Perpetuação do valor (perpetuatio valoris) 1.502. Proibição de inovar o estado de fato § 309.º Efeitos materiais da litispendência 1.503. Espécies de efeitos materiais da litispendência 1.504. Litigiosidade 1.505. Indisponibilidade patrimonial relativa 1.506. Constituição em mora 1.507. Interrupção da prescrição e da decadência 1.507.1. Objeto do efeito interruptivo 1.507.2. Momento do efeito interruptivo 1.507.3. Subsistência do efeito interruptivo perante ulterior extinção do processo 1.507.4. Recomeço do prazo interrompido 1.508. Averbação da demanda 1.508.1. Natureza da averbação da demanda 1.508.2. Objeto da averbação da demanda 1.508.3. Procedimento da averbação da demanda 1.508.4. Efeitos da averbação do ajuizamento 1.508.5. Responsabilidade do exequente pela averbação indevida da demanda CAPÍTULO 66 – CONTROLE DA PETIÇÃO INICIAL § 310.º Saneamento da petição inicial 1.509. Preparação da petição inicial para o controle inicial
1.510. Correção da petição inicial 1.510.1. Importância da correção da inicial 1.510.2. Fundamento da correção da inicial 1.510.3. Casos de correção da inicial 1.510.3.1. Petição inicial incompleta 1.510.3.2. Petição inicial defeituosa 1.510.4. Momento da correção da inicial 1.510.5. Conteúdo da decisão ordenatória da correção 1.510.6. Consequências da omissão do juiz acerca dos defeitos da inicial 1.510.7. Consequências da omissão do autor em corrigir os defeitos da inicial 1.510.8. Recurso próprio contra a decisão ordenatória da correção da inicial 1.511. Conversão do procedimento impróprio no próprio 1.512. Deferimento da petição inicial 1.512.1. Consequências do juízo positivo preliminar de aptidão da petição inicial 1.512.2. Recorribilidade do juízo positivo preliminar de aptidão da petição inicial 1.512.3. Efeitos do juízo positivo preliminar de aptidão da petição inicial § 311.º Indeferimento da petição inicial 1.513. Pressuposto geral do indeferimento da inicial 1.514. Casos típicos de indeferimento da petição inicial 1.514.1. Inépcia da petição inicial 1.514.1.1. Falta de pedido e de causa de pedir 1.514.1.2. Falta de congruência entre os fatos e a conclusão 1.514.1.3. Formulação de pedido indeterminado 1.514.1.4. Formulação de pedidos incompatíveis 1.514.2. Falta manifesta de legitimidade da parte 1.514.3. Falta de interesse processual
1.514.4. Impossibilidade de adequação do procedimento 1.514.5. Falta de indicação do endereço do advogado do autor 1.514.6. Falta de correção oportuna da inicial 1.515. Casos atípicos de indeferimento da petição inicial 1.515.1 Falta de produção dos documentos necessários 1.515.2 Falta de apresentação dos duplicados 1.515.3 Falta de pagamento das despesas de distribuição 1.515.4 Falta de pagamento da sucumbência anterior ou de caução 1.515.5 Falta de depósito prévio 1.516. Efeitos do indeferimento da petição inicial 1.516.1. Recurso cabível contra o indeferimento da petição inicial 1.516.2. Estabilidade da sentença de indeferimento da petição inicial 1.516.3. Retratação da sentença de indeferimento da petição inicial 1.516.4. Indeferimento parcial da petição inicial 1.516.5. Comunicação ao réu do indeferimento da petição inicial 1.516.6. Condenação em honorários no indeferimento da petição inicial § 312.º Julgamento prévio de mérito 1.517. Cabimento do julgamento prévio do mérito 1.518. Pressupostos do julgamento prévio do mérito 1.518.1. Causa sem necessidade de dilação probatória 1.518.2. Pedido contrário à súmula do STF e do STJ 1.518.3. Pedido contrário à tese jurídica firmada no julgamento de recursos repetitivos 1.518.4. Pedido contrário à tese jurídica firmada na resolução de demandas repetitivas e no incidente assunção de competência 1.518.5. Pedido contrário à súmula do TJ quanto ao direito local 1.519. Forma do julgamento prévio do mérito 1.520. Efeitos do julgamento prévio do mérito 1.520.1. Natureza da sentença no julgamento prévio do mérito
1.520.2. Recurso próprio contra a sentença no julgamento prévio do mérito 1.520.3. Juízo de retratação no julgamento prévio do mérito 1.520.4. Citação do réu para responder ao recurso do autor 1.520.5. Condenação em honorários advocatícios no julgamento prévio de mérito TÍTULO XIV – DA SUSPENSÃO DO PROCESSO CAPÍTULO 67 – ESPÉCIES E EFEITOS DA SUSPENSÃO DO PROCESSO § 313.º Eventos suspensivos no processo civil 1.521. Crises da relação processual 1.522. Regime das crises do processo 1.522.1. Imobilização do processo 1.522.2. Câmbio de procedimento 1.523. Objeto da suspensão do processo 1.524. Espécies de eventos suspensivos 1.524.1. Suspensão obrigatória e voluntária 1.524.2. Suspensão ope legis e ope judicis 1.524.3. Suspensão própria e suspensão imprópria 1.524.4. Suspensão total e parcial 1.524.5. Suspensão típica e atípica 1.524.6. Suspensão individual e geral 1.525. Taxatividade da suspensão do processo 1.526. Eventos e incidentes não suspensivos 1.526.1. Causas prejudiciais não suspensivas 1.526.2. Liquidação extrajudicial não suspensiva § 314.º Efeitos da suspensão do processo 1.527. Proibição da prática de atos processuais 1.528. Limites subjetivos da proibição da prática de atos processuais 1.529. Limites objetivos da proibição da prática de atos processuais
1.530. Natureza da proibição da prática de atos processuais 1.531. Exceções à proibição da prática dos atos processuais 1.532. Prescrição intercorrente CAPÍTULO 68 – SUSPENSÃO OBRIGATÓRIA E FACULTATIVA DO PROCESSO § 315.º Suspensão obrigatória do processo na fase de cognição 1.533. Casos típicos e atípicos de suspensão obrigatória 1.534. Morte ou incapacidade da parte 1.534.1. Morte da parte no curso do processo 1.534.1.1. Suspensão do processo conforme o momento da morte da parte 1.534.1.2. Suspensão do processo conforme a qualidade da parte 1.534.1.3. Suspensão do processo conforme o momento da comunicação da morte 1.534.1.4. Suspensão do processo conforme a natureza do objeto litigioso 1.534.1.5. Comunicação da morte da parte 1.534.1.6. Extinção da pessoa jurídica 1.534.2. Incapacidade da parte no curso do processo 1.534.2.1. Controle oficial da incapacidade processual da parte 1.534.2.2. Prazo para suprimento do vício da incapacidade processual da parte 1.534.2.3. Efeitos da falta de suprimento do vício da incapacidade processual da parte 1.534.2.3.1. Efeito da incapacidade processual perante o autor 1.534.2.3.2. Efeito da incapacidade processual perante o réu 1.534.2.3.3. Efeito da incapacidade processual perante o terceiro 1.535. Morte ou incapacidade do representante legal da parte 1.535.1. Morte e incapacidade do representante da pessoa natural 1.535.2. Morte e incapacidade do representante da pessoa jurídica 1.536. Morte ou incapacidade do representante técnico da parte
1.536.1. Espécies de vícios da representação técnica 1.536.2. Suspensão do processo em razão da falta ou de defeito na representação técnica 1.536.2.1. Aquisição de capacidade plena pela pessoa natural 1.536.2.2. Transformações da pessoa jurídica 1.536.3. Efeitos da falta de suprimento da inexistência e dos defeitos na representação técnica 1.537. Pendência de eventos externos 1.537.1. Programa geral e particular de autocomposição 1.537.2. Incidente de resolução de demandas repetitivas 1.537.3. Incidente de julgamento de recursos repetitivos 1.538. Oposição de exceção de parcialidade do juiz 1.539. Pendência de prejudicial externa 1.539.1 Conceito de prejudicialidade no processo civil 1.539.2 Espécies de prejudicialidade no processo civil 1.539.3 Causas prejudiciais suspensivas no processo civil 1.539.3.1. Prejudicial externa penal 1.539.3.2. Prejudicial externa civil 1.539.3.3. Prejudicial externa administrativa 1.539.4 Efeitos da prejudicial externa civil 1.539.5 Prazo de suspensão por prejudicialidade externa civil 1.539.6 Consequências do prosseguimento do processo subordinado 1.540. Força maior suspensiva 1.541. Pendência da produção de prova ou da ocorrência de fato 1.541.1. Produção de prova em outro juízo 1.541.1.1. Requisitos da suspensão em virtude da produção da prova em outro juízo 1.541.1.2. Termo inicial da suspensão em virtude da produção da prova em outro juízo
1.541.1.3. Termo final da suspensão em virtude da produção da prova em outro juízo 1.541.2. Ocorrência de determinado fato 1.542. Pendência do incidente de admissão de terceiros 1.542.1. Suspensão do processo em razão da intervenção principal 1.542.2. Suspensão em razão do chamamento em garantia 1.542.3. Suspensão em razão do chamamento ao processo 1.543. Pendência da verificação da capacidade do réu 1.544. Pendência do incidente de falsidade 1.545. Pendência de atentado 1.546. Pendência de embargos de terceiro 1.547. Suspensão na pendência do recesso forense 1.547.1. Subsistência das férias forenses ou recesso 1.547.2. Período das férias forenses ou recesso 1.547.3. Consequências das férias forenses ou recesso 1.548. Pendência de conflito de competência § 316.º Suspensão obrigatória do processo na fase de execução 1.549. Casos típicos e atípicos de suspensão obrigatória na fase de execução 1.550. Suspensão por força da impugnação do executado 1.550.1. Necessidade impugnação
de
requerimento
de
efeito
suspensivo
na
1.550.2. Caráter ope judicis da suspensão 1.550.3. Pressupostos do efeito suspensivo na impugnação 1.550.4. Contracautela do exequente e prosseguimento da execução 1.550.5. Recurso cabível contra a decisão do incidente de suspensão na impugnação 1.551. Suspensão por força do pedido de remição (adjudicação por terceiro) 1.552. Suspensão por força da frustração da alienação de imóvel de incapaz
1.553. Suspensão por força da falta de bens penhoráveis 1.554. Suspensão dilatória da execução 1.554.1. Âmbito da suspensão dilatória do processo 1.554.2. Forma e prazo da postulação do executado da suspensão dilatória 1.554.3. Efeitos da postulação do executado da suspensão dilatória 1.554.4. Conteúdo e requisitos da postulação da suspensão dilatória 1.554.5. Contraditório na postulação da suspensão dilatória 1.554.6. Efeitos do deferimento da suspensão dilatória 1.554.7. Cessação da suspensão dilatória do processo § 317.º Suspensão facultativa do processo 1.555. Suspensão convencional na fase de conhecimento 1.555.1 Natureza jurídica da suspensão convencional 1.555.2 Requisitos da suspensão convencional 1.555.3 Termo inicial da suspensão convencional 1.555.4 Termo final da suspensão convencional 1.556. Suspensão convencional na fase de execução TÍTULO XV – DA EXTINÇÃO DO PROCESSO CAPÍTULO 69 – EXTINÇÃO DO PROCESSO § 318.º Modalidades da extinção do processo 1.557. Natureza do provimento final do processo 1.558. Conceito de sentença no processo civil 1.559. Classificação das sentenças no processo civil 1.559.1. Sentença definitiva e sentença terminativa 1.559.2. Sentença global e sentença parcial 1.559.3. Sentença de procedência e sentença de improcedência 1.559.4. Sentença contraditória e sentença não contraditória 1.560. Oportunidade da emissão do provimento final
§ 319.º Causas de emissão do provimento final 1.561. Emissão do provimento final 1.562. Causas de extinção das atividades de cognição 1.563. Causas de extinção das atividades de execução 1.564. Causas de extinção das atividades de asseguração § 320.º Conteúdo do provimento final 1.565. Conteúdo das sentenças terminativas 1.566. Conteúdo das sentenças definitivas 1.566.1. Conteúdo das sentenças definitivas de improcedência 1.566.2. Conteúdo das sentenças definitivas de procedência 1.566.2.1. Sentença condicional 1.566.2.2. Sentença limitada 1.566.2.3. Sentença dispositiva 1.566.2.4. Sentença alternativa 1.566.2.5. Sentença genérica 1.566.2.6. Sentença impositiva § 321.º Capítulos da sentença 1.567. Conceito de capítulo da sentença 1.568. Espécies de capítulos da sentença 1.569. Classificação dos capítulos da sentença 1.570. Efeitos dos capítulos da sentença § 322.º Defeitos das sentenças 1.571. Conceito e fundamento da congruência 1.572. Inexistência da sentença 1.573. Classificação das incongruências ou vícios intrínsecos das sentenças 1.574. Incongruências quanto à motivação 1.574.1. Incongruência da motivação insuficiente
1.574.2. Incongruência da motivação inexistente 1.575. Incongruências quanto à extensão 1.575.1. Incongruência extra petita 1.575.2. Incongruência ultra petita 1.575.3. Incongruência citra petita 1.576. Correção das incongruências da sentença § 323.º Correção das sentenças 1.577. Possibilidade de correção da sentença 1.578. Fundamento da correção da sentença 1.579. Pressupostos da correção da sentença 1.580. Meios de correção da sentença 1.581. Momento da correção da sentença 1.582. Objeto da correção da sentença 1.582.1. Erros materiais 1.582.2. Erros de fato 1.583. Efeitos da correção da sentença CAPÍTULO 70 – SENTENÇAS TERMINATIVAS § 324.º Sentenças terminativas no processo de conhecimento 1.584. Função da sentença terminativa 1.585. Iniciativa das partes na emissão da sentença terminativa § 325.º Espécies de sentenças terminativas no processo de conhecimento 1.586. Sentença de indeferimento da petição inicial 1.587. Sentença fundada no abandono bilateral 1.587.1. Conceito de abandono bilateral 1.587.2. Requisitos do abandono bilateral 1.587.3. Efeitos do abandono bilateral 1.588. Sentença fundada no abandono unilateral
1.588.1. Conceito de abandono unilateral 1.588.2. Requisitos do abandono unilateral 1.588.3. Efeitos do abandono unilateral 1.689. Sentença fundada na desistência da ação 1.589.1. Conceito e natureza da desistência da ação 1.589.2. Espécies da desistência da ação 1.589.3. Requisitos da desistência da ação 1.589.3.1. Requisitos formais da desistência da ação 1.589.3.2. Requisitos subjetivos da desistência da ação 1.589.3.3. Requisitos temporais da desistência da ação 1.589.4. Efeitos da desistência da ação 1.590. Sentença fundada na falta de pressuposto processual 1.590.1. Sentença fundada na perempção 1.590.2. Sentença fundada na litispendência 1.590.2.1. Conceito e natureza da objeção de litispendência 1.590.2.2. Oportunidade da objeção de litispendência 1.590.2.3. Legitimidade para alegar a objeção de litispendência 1.590.2.4. Requisitos de admissibilidade da objeção de litispendência 1.590.2.5. Instrução da objeção de litispendência 1.590.2.6. Tramitação da objeção de litispendência 1.590.2.7. Efeitos da objeção de litispendência 1.590.3. Sentença fundada em coisa julgada 1.591. Sentença fundada na falta de condição da ação 1.592. Sentença fundada na existência de convenção de arbitragem 1.592.1. Espécies de convenção de arbitragem 1.592.2. Iniciativa do réu perante a convenção da arbitragem 1.592.3. Renúncia tácita à convenção de arbitragem 1.592.4. Convenção de arbitragem superveniente à formação do processo
1.592.5. Efeitos da convenção de arbitragem 1.592.6. Reconhecimento da competência do tribunal arbitral 1.593. Sentença fundada na intransmissibilidade do objeto litigioso 1.593.1. Intransmissibilidade absoluta do objeto litigioso 1.593.2. Intransmissibilidade relativa do objeto litigioso 1.593.3. Intransmissibilidade parcial do objeto litigioso 1.593.4. Efeitos da instransmissibilidade do objeto litigioso 1.594. Sentença fundada na confusão subjetiva 1.595. Sentença fundada em outras causas 1.595.1. Sentença fundada na ausência de pressuposto processual subjetivo 1.595.2. Sentença fundada na falta de pressuposto processual objetivo extrínseco 1.595.3. Sentença fundada na superveniência da ação contida 1.596. Sentença fundada na inutilidade da tutela 1.596.1. Fundamento da inutilidade da tutela 1.596.2. Natureza da inutilidade da tutela 1.596.3. Requisitos da inutilidade da tutela 1.596.4. Efeitos da inutilidade da tutela CAPÍTULO 71 – SENTENÇAS DEFINITIVAS § 326.º Sentenças definitivas no processo de conhecimento 1.597. Função da sentença definitiva 1.598. Estrutura formal da sentença definitiva § 327.º Sentença de procedência e de improcedência 1.599. Conceito de julgamento do pedido 1.600 Requisitos do julgamento do pedido 1.601. Efeitos do julgamento do pedido § 328.º Sentença fundada no reconhecimento do pedido 1.602. Conceito de reconhecimento do pedido
1.603. Natureza do reconhecimento do pedido 1.604. Espécies de reconhecimento do pedido 1.605. Legitimados ao reconhecimento do pedido 1.606. Momento do reconhecimento do pedido 1.607. Forma do reconhecimento do pedido 1.608. Objeto do reconhecimento do pedido 1.609. Efeitos do reconhecimento do pedido § 329.º Sentença fundada em transação 1.610. Conceito de transação 1.611. Natureza jurídica da transação 1.612. Espécies de transação 1.613. Requisitos da transação 1.614. Figurantes da transação 1.615. Momento da transação 1.616. Forma da transação 1.617. Objeto da transação 1.618. Efeitos da transação § 330.º Sentença fundada na decadência e na prescrição 1.619. Natureza da sentença fundada na decadência e na prescrição 1.620. Efeito interruptivo da prescrição em razão da formação do processo 1.621. Irrelevância do vencimento do prazo de decadência após a formação do processo 1.622. Distinção entre prescrição e decadência 1.623. Fundamento do destaque à sentença de mérito fundada na decadência e na prescrição 1.624. Momento da emissão da sentença de mérito fundada na decadência e na prescrição 1.625. Efeitos da decadência e da prescrição § 331.º Sentença fundada na renúncia
1.626. Conceito de renúncia 1.627. Natureza jurídica da renúncia 1.628. Espécies de renúncia 1.629. Legitimados à renúncia 1.630. Momento da renúncia 1.631. Forma da renúncia 1.632. Objeto da renúncia 1.633. Efeitos da renúncia CAPÍTULO 72 – SENTENÇAS NA EXECUÇÃO § 332.º Modalidades da extinção da execução 1.634. Causas da emissão do provimento final na execução 1.635. Forma do provimento final na execução 1.636. Eficácia do provimento final na execução 1.637. Espécies de provimentos finais na execução ou cumprimento § 333.º Extinção imprópria da execução ou cumprimento 1.638. Sentença fundada no indeferimento da inicial 1.639. Sentença fundada no abandono bilateral 1.640. Sentença fundada no abandono unilateral 1.641. Sentença fundada na desistência da execução 1.641.1. Conceito e natureza da desistência da execução 1.641.2. Espécies de desistência da execução 1.641.3. Requisitos da desistência da execução 1.641.3.1. Requisitos formais da desistência da execução 1.641.3.2. Requisitos subjetivos da desistência da execução 1.641.3.3. Requisitos temporais da desistência da execução 1.641.4. Efeitos da desistência da execução 1.642. Sentença fundada na falta de pressuposto processual 1.642.1. Subsistência dos pressupostos da pretensão a executar incidental
1.642.2. Casos de falta de pressupostos da pretensão a executar 1.643. Sentença fundada em falta de condição da ação 1.644. Sentença fundada na intransmissibilidade do objeto litigioso 1.645. Sentença fundada em confusão subjetiva 1.646. Sentença fundada em outras causas processuais 1.646.1. Sentença fundada na falta de integração de litisconsorte necessário 1.646.2. Sentença fundada na ausência de pressuposto processual subjetivo 1.646.3. Sentença fundada na falta de pressuposto processual objetivo extrínseco 1.647. Sentença fundada na inutilidade da tutela 1.648. Sentença fundada na extinção da dívida § 334.º Extinção própria da execução ou cumprimento 1.649. Sentença fundada no cumprimento espontâneo 1.649.1. Cumprimento voluntário na execução em geral 1.649.2. Cumprimento voluntário na expropriação (remição da execução) 1.649.2.1. Distinção da remição da execução com figuras afins 1.649.2.2. Procedimento da remição da execução 1.649.2.2.1. Momento adequado da remição da execução 1.649.2.2.2. Legitimidade para remir a execução 1.649.2.2.3. Oposição do credor à remição da execução 1.649.2.2.4. Objeto do depósito na remição da execução 1.649.2.2.5. Recurso cabível contra o indeferimento da remição da execução 1.649.2.3. Efeitos da remição da execução 1.650. Sentença fundada no cumprimento forçado CAPÍTULO 73 – EFEITOS DAS SENTENÇAS § 335.º Efeitos gerais das sentenças 1.651. Efeito vinculativo da sentença
1.652. Efeito imperativo da sentença 1.653. Efeito probatório da sentença 1.654. Efeito extintivo da sentença 1.655. Efeito consumativo da sentença § 336.º Efeitos das sentenças terminativas 1.656. Efeito vinculativo externo da sentença terminativa 1.657. Subsistência parcial dos efeitos da litispendência § 337.º Efeitos da sentença definitiva 1.658. Efeitos naturais da sentença definitiva 1.659. Efeitos secundários da sentença definitiva 1.660. Efeitos da sentença definitiva no tempo 1.660.1. Eficácia do ato 1.660.2. Eficácia do conteúdo 1.661. Efeitos da sentença definitiva perante terceiros 1.661.1. Efeitos do processo individual 1.661.1.1. Interessados de fato 1.661.1.2. Interessados titulares de relação jurídica compatível 1.661.1.3. Interessados titulares de relação dependente 1.661.1.4. Interessados titulares de relação incompatível 1.661.1.5. Interessados titulares de relação homogênea 1.661.2. Efeitos do processo coletivo 1.661.3. Efeitos do processo objetivo 1.662. Momento da produção dos efeitos 1.662.1. Efeitos dependentes da divulgação da sentença 1.662.2. Efeitos dependentes do trânsito em julgado da sentença 1.663. Efeito vinculante em matéria constitucional e infraconstitucional 1.663.1. Conceito do efeito vinculante 1.663.2. Fundamento do efeito vinculante
1.663.3. Limites subjetivos do efeito vinculante 1.663.4. Limites objetivos do efeito vinculante 1.663.5. Efeito vinculante infraconstitucional 1.664. Divulgação da sentença LIVRO 2 – PROCEDIMENTO COMUM TÍTULO I – ETAPA POSTULATÓRIA CAPÍTULO 74 – DEMANDA DO AUTOR § 338.º Conteúdo da petição inicial 1.665. Demanda do autor 1.666. Endereçamento da demanda 1.667. Partes na demanda § 339.º Razões da demanda 1.668. Razões de fato e razões de direito na demanda 1.669. Causa de pedir passiva da demanda 1.670. Causa de pedir ativa na demanda 1.671. Cumulação de causas de pedir na demanda 1.672. Direito de defesa e razões de fato 1.673. Razões de direito da demanda § 340.º Pedido do Autor 1.674. Força e efeitos da ação no pedido 1.675. Efeitos do pedido 1.676. Espécies de pedido 1.677. Cumulação de pedidos 1.678. Especificações do pedido 1.679. Modificações do pedido § 341.º Elementos complementares da demanda 1.680. Valor da causa 1.681. Prova das razões de fato
§ 342.º Requerimentos da petição inicial 1.682. Requerimento de citação do réu 1.683. Requerimento de tutela de urgência 1.684. Requerimento de citação ou de intimação de terceiros 1.685. Requerimento do benefício da gratuidade § 343.º Instrução da petição inicial 1.686. Documentação da demanda 1.687. Duplicação da petição inicial § 344.º Distribuição da petição inicial 1.688. Entrega da demanda 1.688.1. Espécies de distribuição 1.688.2. Correção da distribuição 1.688.3. Modificação da distribuição 1.689. Pagamento das despesas iniciais CAPÍTULO 75 – PROVIMENTO LIMINAR § 345.º Objeto do provimento liminar 1.690. Fundamento do provimento liminar 1.691. Objeto do provimento liminar 1.692. Natureza do provimento liminar § 346.º Provimento liminar preparatório 1.693. Correção da petição inicial 1.693.1 Petição inicial incompleta 1.693.2 Petição inicial defeituosa 1.694. Adaptação da petição inicial § 347.º Provimento liminar positivo 1.695. Conteúdo do provimento liminar positivo 1.696. Vinculação ao provimento liminar positivo 1.697. Efeitos do provimento liminar positivo
§ 348.º Provimento liminar negativo 1.698. Indeferimento da petição inicial 1.698.1. Condições do indeferimento da petição inicial 1.698.2. Casos de indeferimento da petição inicial 1.698.3. Efeitos do indeferimento da petição inicial 1.699. Improcedência liminar do pedido 1.699.1. Condições da improcedência liminar do pedido 1.699.2. Efeitos da improcedência liminar do pedido CAPÍTULO 76 – CITAÇÃO DO RÉU E AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E DE MEDIAÇÃO § 349.º Modalidades da citação 1.700. Importância da citação do réu 1.701. Funções da citação do réu 1.702. Dispensa da citação do réu 1.703. Comparecimento espontâneo do réu § 350.º Citação real do réu 1.704. Forma da citação real do réu 1.705. Importância da citação real do réu 1.706. Citação pelo correio 1.707. Citação por oficial de justiça 1.708. Citação por meio eletrônico 1.709. Citação pelo escrivão ou chefe de secretaria § 351.º Citação ficta do réu 1.710. Procedimento edital no processo civil 1.711. Caráter residual da citação ficta § 352.º Impedimentos à citação 1.712. Impedimento em razão do lugar 1.713. Impedimento em razão do tempo
1.714. Impedimento em razão do estado § 353.º Efeitos da citação 1.715. Destinatário dos efeitos da citação 1.716. Efeitos processuais da citação 1.717. Efeitos materiais da citação 1.718. Estabilização da demanda 1.719. Ineficácia da citação § 354.º Renovação da citação 1.720. Repetição da citação 1.721. Segunda citação § 355.º Audiência de conciliação e de mediação 1.722. Designação da audiência de conciliação e de mediação 1.723. Obrigatoriedade da audiência de conciliação e de mediação 1.724. Participantes da audiência de conciliação e de mediação 1.724.1. Participação do órgão judiciário 1.724.2. Participação do conciliador ou do mediador 1.724.3. Participação das partes 1.724.4. Participação do representante técnico 1.725. Estrutura da audiência de conciliação e de mediação 1.726. Desistência da audiência de conciliação e de mediação 1.727. Falta de comparecimento na audiência de conciliação e de mediação 1.728. Resultados da audiência de conciliação e de mediação CAPÍTULO 77 – RESPOSTA DO RÉU § 356.º Reação do réu 1.729. Conceito de resposta 1.730. Espécies de resposta 1.731. Prazo da resposta
1.732. Forma da resposta 1.733. Destinatário da resposta 1.733.1. Pressupostos da mudança de destinatário da resposta 1.733.2. Efeitos da mudança de destinatário da resposta 1.733.3. Resolução antecipada do problema de competência 1.734. Lugar da resposta § 357.º Contestação 1.735. Conceito de contestação 1.736. Conteúdo da contestação 1.737. Requisitos gerais da contestação 1.737.1. Endereçamento da contestação 1.737.2. Identificação e qualificação do contestante 1.737.3. Exposição das razões de fato e das razões de direito da defesa 1.737.4. Especificação dos meios de prova na contestação 1.737.5. Requerimentos da contestação 1.738. Requisitos formais da contestação 1.738.1. Forma da contestação 1.738.2. Datação da contestação 1.738.3. Autenticação da contestação 1.738.4. Instrução da contestação 1.738.5. Endereço de intimações 1.739. Efeitos da contestação 1.740. Aditamento da contestação 1.740.1. Fatos conhecíveis ex officio 1.740.2. Fatos supervenientes 1.740.3. Fatos alegáveis a qualquer tempo 1.741. Desentranhamento da contestação § 358.º Reconvenção
1.742. Conceito de reconvenção 1.743. Natureza da reconvenção 1.744. Requisitos genéricos da reconvenção 1.744.1. Competência do juízo na reconvenção 1.744.2. Interesse processual na reconvenção 1.744.3. Legitimidade ativa e passiva na reconvenção 1.745. Requisitos específicos da reconvenção 1.745.1. Pendência do processo 1.745.2. Compatibilidade do procedimento 1.745.3. Conexão de causas 1.746. Oportunidade da reconvenção 1.747. Efeitos da reconvenção 1.748. Procedimento da reconvenção 1.748.1. Forma da reconvenção 1.748.2. Controle da reconvenção 1.748.3. Chamamento do reconvindo 1.748.4. Resposta do reconvindo 1.748.5. Providências preliminares na reconvenção 1.749. Julgamento da reconvenção § 359.º Exceções 1.750. Natureza das exceções autônomas 1.751. Oportunidade das exceções autônomas 1.752. Efeitos das exceções autônomas 1.752.1. Efeitos da exceção de incompetência 1.752.2. Efeitos da exceção de parcialidade 1.753. Exceção de incompetência 1.753.1. Objeto da exceção de incompetência 1.753.2. Legitimidade na exceção de incompetência
1.753.3. Procedimento da exceção de incompetência 1.753.4. Efeitos do julgamento da exceção de incompetência 1.754. Exceção de parcialidade do juiz 1.754.1. Objeto da exceção de parcialidade 1.754.2.3. Legitimidade na exceção de parcialidade 1.754.3. Procedimento da exceção de parcialidade 1.754.4. Efeitos do julgamento da exceção de parcialidade § 360.º Variantes da resposta 1.755. Correção da legitimidade passiva (laudatio actoris) 1.756. Chamamento de terceiro 1.757. Suscitação de incidentes autônomos 1.757.1 Impugnação da distribuição 1.757.2 Arguição de falsidade 1.757.3 Impugnação ao número de litisconsortes ativos 1.758. Declaração incidente § 361.º Revelia do réu 1.759. Inatividade do réu 1.760. Efeitos da revelia 1.761. Eliminação da revelia § 362.º Reconhecimento do pedido 1.762. Adesão do réu 1.763. Requisitos da adesão 1.764. Efeitos da adesão TÍTULO II – ETAPA DO SANEAMENTO CAPÍTULO 78 – PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES § 363.º Estrutura da etapa de saneamento 1.765. Concentração do saneamento do processo 1.766. Enumeração das providências preliminares
1.766.1. Providências típicas 1.766.1.2. Providências atípicas 1.766.2.1. Intervenção do Ministério Público 1.766.2.2. Intervenção de terceiros 1.766.2.3. Integração de litisconsorte 1.766.2.4. Contradição à prova documental 1.766.2.5 Arguição de falsidade 1.767. Função das providências preliminares 1.768. Oportunidade das providências preliminares 1.769. Desnecessidade das providências preliminares § 364.º Especificação de provas na revelia 1.770. Denominação da providência preliminar na revelia 1.771. Requisitos da especificação de provas 1.771.1. Existência e validade da citação do revel 1.771.2. Revelia desprovida da presunção de veracidade 1.771.2.1. Presunção de veracidade perante litisconsórcio passivo 1.771.2.2. Presunção de veracidade perante direitos indisponíveis 1.771.2.3. Presunção de veracidade perante falta de prova documental indispensável 1.771.2.4. Presunção de veracidade perante fatos inverossímeis, impossíveis e improváveis ou contrariados pela prova documental 1.771.3. Impossibilidade de extinção do processo 1.772. Determinação da especificação de provas 1.773. Atitudes do autor na especificação de provas 1.773.1. Proposição de provas na revelia 1.773.2. Omissão de provas na revelia 1.774. Admissão das provas na revelia 1.775. Aquisição do direito de provar pelo réu § 365.º Réplica do autor
1.776. Conceito e natureza da réplica 1.777. Funções da réplica 1.778. Réplica à defesa processual 1.778.1. Pressupostos da réplica à defesa processual 1.778.2. Prazo da réplica à defesa processual 1.778.3. Conteúdo da réplica à defesa processual 1.778.4. Efeitos da réplica à defesa processual 1.779. Réplica à defesa de mérito indireta 1.780. Réplica à prova documental 1.781. Tréplica do réu § 366.º Pedido de declaração incidental 1.782. Suscitação de questão prejudicial na contestação 1.783. Prazo do pedido de declaração incidental 1.784. Efeitos do pedido de declaração incidental 1.785. Procedimento do pedido de declaração incidental 1.785.1. Forma do pedido de declaração incidental 1.785.2. Chamamento do réu no pedido de declaração incidental 1.785.3. Resposta do réu ao pedido de declaração incidental 1.785.4. Processamento e julgamento do pedido de declaração incidental § 367.º Suprimento dos vícios do processo 1.786. Suprimento (da inexistência) e saneamento (dos vícios) do processo 1.787. Iniciativa da atividade de saneamento 1.788. Prazo da atividade de saneamento CAPÍTULO 79 – PRECIPITAÇÃO DO JULGAMENTO § 368.º Estrutura do julgamento conforme o estado do processo 1.789. Natureza do julgamento conforme o estado do processo 1.790. Esquema do julgamento conforme o estado do processo
1.791. Iniciativa da parte no julgamento conforme o estado do processo 1.792. Ordem do julgamento conforme o estado do processo § 369.º Extinção do processo 1.793. Antecedentes das causas extintivas com ou sem resolução do mérito 1.794. Causas de extinção do processo sem resolução do mérito 1.795. Causas de extinção do processo com resolução do mérito 1.795.1. Julgamento fundado no reconhecimento do pedido 1.795.2. Julgamento fundado na transação 1.795.3. Julgamento fundado na decadência e na prescrição 1.795.4. Julgamento fundado na renúncia 1.796. Obrigatoriedade da extinção do processo § 370.º Julgamento antecipado do mérito 1.797. Conceito e natureza do julgamento antecipado do mérito 1.798. Admissibilidade do julgamento antecipado do mérito 1.798.1. Julgamento antecipado no caso da existência de defesa 1.798.1.1. Inexistência de controvérsia sobre alegação de fato 1.798.1.2. Existência de controvérsia sobre alegação de fato 1.798.2. Julgamento antecipado no caso de inexistência de defesa 1.798.3 Julgamento antecipado no caso de pedido incontroverso 1.799. Obrigatoriedade do julgamento antecipado do mérito 1.800. Efeitos do julgamento antecipado do mérito 1.801. Nulidade do julgamento antecipado do mérito 1.802. Controle do julgamento antecipado do mérito CAPÍTULO 80 – SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO § 371.º Audiência preliminar 1.803. Conceito e natureza da audiência preliminar 1.804. Estrutura da audiência da audiência preliminar
1.805. Etapas da audiência preliminar 1.806. Cabimento da audiência preliminar 1.807. Facultatividade da audiência preliminar 1.808. Designação da audiência preliminar 1.808.1. Prazo de designação da audiência preliminar 1.808.2. Conteúdo da designação da audiência preliminar 1.809. Participantes da audiência preliminar 1.810. Etapa da tentativa de conciliação na audiência preliminar 1.811. Etapa do saneamento na audiência preliminar 1.811.1. Objeto do saneamento do processo 1.811.2. Obrigatoriedade do saneamento do processo 1.811.3. Efeitos do saneamento do processo 1.811.3.1. Estabilização do saneamento do processo 1.811.3.2. Integração e esclarecimento das alegações das partes 1.811.4. Recorribilidade do saneamento do processo 1.811.5. Correção do saneamento do processo 1.812. Etapa da preparação da instrução e do julgamento na audiência preliminar 1.812.1. Fixação do tema da prova 1.812.2. Admissão dos meios de prova 1.812.3. Distribuição do ônus da prova 1.812.4. Delimitação das questões de direito 1.812.5. Preparação consensual da instrução e do julgamento 1.813. Etapa da designação da audiência principal 1.814. Documentação da audiência preliminar § 372.º Decisão de saneamento e organização do processo 1.815. Conceito e natureza da decisão de saneamento 1.816. Fundamento da decisão de saneamento
1.817. Pressupostos da decisão de saneamento 1.818. Prazo da decisão de saneamento 1.819. Objeto da decisão de saneamento 1.819.1. Questões prévias eventuais no saneamento 1.819.2. Questões prévias obrigatórias no saneamento 1.819.3. Saneamento explícito e saneamento implícito 1.820. Obrigatoriedade da decisão de saneamento 1.821. Efeitos da decisão de saneamento 1.821.1. Prosseguimento do processo 1.821.2. Estabilização do objeto litigioso 1.821.3. Preclusão das questões prévias de mérito 1.822. Recorribilidade da decisão de saneamento TÍTULO III – ETAPA DA INSTRUÇÃO CAPÍTULO 81 – PROCEDIMENTO PROBATÓRIO § 373.º Fase da instrução 1.823. Natureza da instrução 1.824. Composição da instrução 1.825. Etapas da instrução 1.826. Ordem da instrução § 374.º Etapa da proposição da prova 1.827. Momento da proposição da prova 1.828. Forma da proposição da prova 1.829. Efeitos da proposição da prova § 375.º Etapa da admissão da prova 1.830. Momento da admissão da prova 1.831. Forma da admissão da prova 1.832. Conteúdo da admissão da prova 1.833. Efeitos da admissão da prova
§ 376.º Etapa da produção da prova 1.834. Momento da produção da prova 1.834.1. Produção da prova em primeiro grau 1.834.2. Produção da prova em segundo grau 1.834.3. Produção antecipada da prova 1.835. Forma da produção da prova 1.836. Princípios da produção da prova 1.836.1. Princípio da concentração dos atos de instrução 1.836.2. Princípio da imediação nos atos de instrução 1.836.3. Princípio do contraditório nos atos de instrução 1.837. Recepção da prova § 377.º Etapa da apreciação da prova 1.838. Momento da apreciação da prova 1.839. Sistema da apreciação da prova 1.840. Revisão da apreciação da prova § 378.º Meios de prova atípicos 1.841. Conceito de prova atípica 1.842. Requisitos da admissão da prova atípica 1.842.1. Legalidade da prova atípica 1.842.2. Moralidade da prova atípica 1.842.3. Contradição da prova atípica 1.842.4. Subsidiariedade da prova atípica 1.843. Espécies de provas atípicas 1.844. Prova emprestada 1.844.1. Admissibilidade da prova emprestada 1.844.2. Requisitos da prova emprestada 1.844.3. Efeitos da invalidade da prova emprestada 1.845. Depoimento escrito
1.846. Requisição de informações 1.846.1. Natureza da requisição de informações 1.846.2. Requisitos da requisição de informações 1.846.3. Procedimento da requisição de informações 1.847. Comportamento processual 1.848. Juramento 1.849. Depoimento técnico 1.850. Constatação oficial 1.851. Ata notarial CAPÍTULO 82 – DEPOIMENTO PESSOAL § 379.º Depoimento da parte em geral 1.852. Conceito e natureza do depoimento da parte 1.853. Espécies de depoimento da parte 1.854. Funções do depoimento da parte 1.855. Princípios do depoimento da parte 1.855.1. Princípio da pessoalidade 1.855.2. Princípio da informalidade 1.855.3. Princípio da publicidade § 380.º Requisitos do depoimento da parte 1.856. Aptidão para depor 1.856.1. Depoimento do revel 1.856.2. Depoimento dos litisconsortes 1.856.3. Depoimento dos terceiros 1.856.3.1. Depoimento do assistente 1.856.3.2. Depoimento do amicus curiae 1.856.3.3. Depoimento do Ministério Público 1.856.4. Depoimento do substituto processual 1.857. Capacidade para depor
1.857.1. Depoimento das pessoas naturais 1.857.1.1. Depoimento dos incapazes 1.857.1.2. Depoimento dos necessitados especiais 1.857.2. Depoimento das pessoas jurídicas 1.858. Objeto do depoimento da parte § 381.º Procedimento do depoimento da parte 1.859. Admissão do depoimento da parte 1.859.1. Caráter principal do depoimento da parte 1.859.2. Depoimento em causa própria (in re sua) da parte 1.859.3. Interesse no depoimento da parte 1.860. Intimação prévia da parte 1.860.1. Destinatário da intimação para depoimento 1.860.2. Modalidades da intimação para depoimento 1.860.3. Antecedência da intimação para depoimento 1.860.4. Consequência da falta de cominação de confissão 1.861. Momento do depoimento da parte 1.862. Local do depoimento da parte 1.863. Forma do depoimento da parte 1.863.1. Etapa preparatória do depoimento 1.863.1.1. Identificação do depoente 1.863.1.2. Movimentação do depoente 1.863.1.3. Compromisso do depoente 1.863.2. Etapa do interrogatório do depoente 1.863.2.1. Interrogatório pelo juiz 1.863.2.2. Interrogatório pelo advogado 1.863.3. Etapa da documentação do depoimento 1.864. Escusas no depoimento da parte 1.864.1. Natureza do direito de calar
1.864.2. Casos do direito de calar 1.864.2.1. Escusa em caso de ilícito 1.864.2.2. Escusa em caso de sigilo 1.864.2.3. Escusa em caso de desonra 1.864.2.4. Escusa em caso de perigo 1.864.3. Efeitos do direito de calar 1.865. Recusa de depor 1.865.1. Recusa motivada 1.865.1.1. Fatos desconhecidos 1.865.1.2. Fatos esquecidos 1.865.2. Recusa desmotivada 1.865.3 Momento da apreciação da recusa 1.866. Renovação do depoimento da parte § 382.º Força probante do depoimento pessoal 1.867. Confissão provocada expressa e ficta no depoimento da parte 1.868. Apreciação do depoimento da parte CAPÍTULO 83 – CONFISSÃO § 383.º Confissão em geral 1.869. Conceito de confissão 1.870. Natureza da confissão 1.871. Espécies de confissão 1.871.1. Confissão judicial 1.871.1.1. Confissão judicial expressa e confissão judicial ficta 1.871.1.2. Confissão judicial espontânea e confissão judicial provocada 1.871.2 Confissão extrajudicial 1.871.2.1. Confissão extrajudicial escrita e confissão extrajudicial oral 1.871.2.2. Confissão extrajudicial feita à parte e confissão extrajudicial feita a terceiro
1.871.3. Confissão pura e confissão qualificada 1.871.4 Confissão divisível e confissão indivisível 1.872. Confissão e institutos afins § 384.º Elementos da confissão 1.873. Enumeração dos elementos da confissão 1.874. Aptidão para confessar 1.874.1. Confissão do revel 1.874.2. Confissão do litisconsorte 1.874.3. Confissão dos terceiros 1.874.3.1. Confissão do chamado ao processo 1.874.3.2. Confissão do chamado em garantia 1.874.4. Confissão do substituto processual 1.875. Capacidade para confessar 1.875.1. Confissão das pessoas naturais 1.875.1.1 Confissão do representante voluntário 1.875.1.2 Confissão do incapaz 1.875.1.3 Confissão do representante legal 1.875.1.4 Confissão de necessitado especial 1.875.1.5 Confissão da pessoa casada 1.875.1.6 Confissão do falido 1.875.2. Confissão das pessoas jurídicas 1.876. Vontade de declarar 1.876.1. Consciência do agente da confissão 1.876.2. Voluntariedade do agente da confissão 1.877. Objeto da confissão 1.878. Indivisibilidade da confissão § 385.º Confissão extrajudicial 1.879. Momento da confissão extrajudicial
1.880. Forma da confissão extrajudicial 1.880.1. Confissão extrajudicial escrita 1.880.2. Confissão extrajudicial oral 1.881. Produção da confissão extrajudicial § 386.º Confissão judicial 1.882. Momento da confissão judicial 1.882.1. Momento da confissão judicial espontânea 1.882.2. Momento da confissão judicial provocada 1.883. Forma da confissão judicial 1.883.1. Confissão judicial ficta 1.883.2. Confissão judicial provocada § 387.º Invalidação da confissão 1.884. Causas de anulação da confissão 1.884.1. Anulação por erro de fato 1.884.2. Anulação por coação 1.885. Meios de invalidação da confissão 1.886. Anulação da confissão antes do trânsito em julgado 1.887. Anulação da confissão após o trânsito em julgado 1.888. Transmissibilidade da pretensão à invalidação § 388.º Força probante da confissão 1.889. Apreciação da confissão judicial 1.890. Apreciação da confissão extrajudicial CAPÍTULO 84 – EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO E COISA § 389.º Exibição incidental de documento e de coisa 1.891. Conceito da exibição incidental 1.892. Fundamento da exibição incidental 1.893. Natureza da exibição incidental § 390.º Objeto da exibição incidental
1.894. Objeto genérico da exibição incidental 1.895. Exibição incidental de coisas móveis 1.896. Exibição incidental de documentos 1.897. Exibição incidental da escrituração empresarial 1.897.1. Caráter exemplificativo dos casos de exibição integral 1.897.2. Iniciativa da parte na exibição integral 1.897.3. Âmbito subjetivo da exibição integral 1.897.4. Forma da exibição integral 1.897.5. Casos de exibição integral 1.897.5.1. Exibição incidental em caso de sociedade 1.897.5.2. Exibição incidental em caso de sucessão 1.897.5.3. Exibição incidental em caso de comunhão 1.897.5.4. Exibição incidental em caso de administração 1.897.5.5. Exibição incidental em caso de gestão à conta de outrem 1.897.5.6. Exibição incidental em caso de falência ou concordata § 391.º Procedimento da exibição perante a contraparte 1.898. Momento da exibição incidental perante a contraparte 1.899. Pedido de exibição incidental perante contraparte 1.899.1. Legitimidade ativa e passiva no pedido de exibição incidental entre partes 1.899.1.1. Legitimidade ativa na exibição incidental entre partes 1.899.1.2. Legitimidade passiva na exibição incidental entre partes 1.899.2. Competência no pedido de exibição incidental 1.899.3. Requisitos gerais do pedido de exibição incidental 1.899.4. Requisitos especiais do pedido de exibição incidental 1.899.4.1. Individualização do objeto da exibição 1.899.4.2. Interesse na exibição do documento ou da coisa 1.899.4.3. Indicação da existência e da posse do documento ou da coisa
1.899.5. Controle do requerimento de exibição incidental 1.900. Forma do chamamento da contraparte na exibição incidental 1.901. Prazo de resposta da contraparte na exibição incidental 1.902. Conteúdo da resposta ao pedido de exibição incidental 1.902.1. Escusa fundada na preservação da vida privada 1.902.2. Escusa fundada no sigilo profissional 1.902.3. Escusa fundada no receio de dano 1.902.4. Escusa fundada em disposição legal 1.903. Forma da exibição incidental pela contraparte 1.904. Lugar da exibição incidental pela contraparte 1.905. Efeitos do julgamento da exibição incidental entre partes 1.905.1. Capítulo principal do julgamento da pretensão à exibição entre parte 1.905.2. Natureza do julgamento da exibição incidental entre partes 1.905.3. Capítulo acessório no julgamento da exibição incidental entre partes § 392.º Procedimento da exibição contra terceiro 1.906. Momento da exibição incidental contra terceiro 1.907. Pedido de exibição incidental contra terceiro 1.907.1. Competência no pedido de exibição incidental contra terceiro 1.907.2. Requisitos do pedido de exibição incidental contra terceiro 1.907.3. Controle da petição inicial na exibição incidental contra terceiro 1.908. Forma do chamamento do terceiro na exibição incidental 1.909. Prazo de resposta do terceiro na exibição incidental 1.910. Conteúdo da resposta do terceiro na exibição incidental 1.911. Liminar na exibição incidental contra terceiro 1.912. Efeitos do julgamento da exibição incidental contra terceiro 1.912.1. Capítulo principal da exibição incidente contra terceiro 1.912.2. Natureza do julgamento da exibição incidente contra terceiro
1.912.3. Capítulo acessório da exibição incidente contra terceiro § 393.º Força probante da exibição incidental 1.913. Apreciação do objeto da exibição CAPÍTULO 85 – PROVA DOCUMENTAL § 394.º Documentos em geral 1.914. Conceito de documento 1.915. Elementos do documento 1.915.1. Autoria do documento 1.915.2. Suporte do documento 1.915.3. Conteúdo do documento 1.916. Espécies de documento 1.916.1. Documentos públicos e documentos particulares 1.916.2. Instrumento público e instrumento privado 1.916.2.1. Instrumento público 1.916.2.2. Instrumento particular 1.916.3. Documentos autógrafos e documentos eterógrafos 1.916.4. Documentos diretos e documentos indiretos 1.916.5. Documentos gráficos e documentos estampados 1.916.6. Documentos dispositivos e documentos narrativos 1.916.7. Documentos pré-constituídos e documentos casuais 1.916.8. Documentos originais e documentos reproduzidos 1.916.9. Documentos assinados e documentos não assinados 1.916.10. Documentos físicos e documentos eletrônicos 1.917. Defeitos materiais do documento 1.917.1. Espécies de defeitos materiais dos documentos 1.917.2. Correção dos defeitos materiais dos documentos 1.917.3. Eficácia probatória do documento defeituoso 1.918. Perda do documento original
1.919. Produção do documento estrangeiro § 395.º Documentos públicos 1.920. Espécies de documentos públicos 1.920.1. Documento público judicial 1.920.2. Documento público notarial 1.920.3. Documento público administrativo 1.921. Eficácia probatória dos documentos públicos 1.921.1. Eficácia probatória dos documentos públicos em geral 1.921.1.1. Eficácia probatória das declarações dispositivas 1.921.1.2. Eficácia probatória das declarações narrativas 1.921.2. Eficácia probatória da escritura pública 1.922. Reproduções dos documentos públicos 1.922.1. Espécies de reproduções 1.922.1.1. Certidão 1.922.1.2. Traslado 1.922.1.3. Extrato 1.922.1.4. Pública forma 1.922.1.5. Cópia 1.922.2. Reproduções dos documentos judiciais 1.922.3. Reproduções dos documentos notariais 1.929.4. Reproduções dos documentos administrativos 1.922.5. Reproduções dos documentos eletrônicos 1.923. Desconsideração do documento público 1.923.1. Natureza da desconsideração do instrumento público 1.923.2. Requisitos da desconsideração do instrumento público 1.923.2.1. Relatividade da forma especial do documento público 1.923.2.2. Vício exclusivo do documento público 1.923.2.3. Observância das formalidades do documento particular
1.923.3. Efeitos da desconsideração do instrumento público § 396.º Documentos particulares 1.924. Espécies de documentos particulares 1.925. Eficácia probatória dos documentos particulares 1.925.1. Eficácia das declarações dispositivas do documento particular 1.925.2. Eficácia probatória das declarações enunciativas do documento particular 1.925.3. Âmbito subjetivo da eficácia probatória do documento particular 1.925.4. Indivisibilidade do documento particular 1.926. Autoria dos documentos particulares 1.926.1. Forma da assinatura 1.926.2. Espécies de assinatura 1.926.3. Reconhecimento notarial da assinatura 1.926.4. Reconhecimento judicial da assinatura 1.926.5. Efeitos da assinatura 1.927. Data dos documentos particulares 1.927.1. Eficácia da data entre os figurantes 1.927.2. Eficácia da data perante terceiros 1.928. Reproduções dos documentos particulares 1.928.1. Reproduções autenticadas do documento particular 1.928.2. Reproduções simples do documento particular § 397.º Documentos particulares especiais 1.929. Documentos transmitidos 1.929.1. Autoria do documento transmitido 1.929.2. Correspondência do documento transmitido 1.930. Documentos domésticos 1.930.1. Prova do recebimento de crédito 1.930.2. Prova da existência de dívida
1.930.3. Prova dos fatos em geral 1.931. Documentos anotados 1.932. Documentos empresariais 1.932.1. Espécies de documentos empresariais 1.932.2. Eficácia dos documentos empresariais 1.932.2.1 Prova contrária ao empresário 1.932.2.1.1. Natureza da prova contrária ao empresário 1.932.2.1.2. Alcance subjetivo da prova contrária ao empresário 1.932.2.1.3. Alcance objetivo da prova contrária ao empresário 1.932.2.2. Prova favorável ao empresário 1.932.3. Princípio da indivisibilidade dos documentos empresariais 1.933. Documentos diretos 1.933.1. Requisitos de produção da prova direta 1.933.2. Oportunidade da impugnação da prova direta 1.933.3. Forma e conteúdo da impugnação da prova direta 1.933.4. Efeitos da impugnação da prova direta § 398.º Documentos eletrônicos 1.934. Conceito de documento eletrônico 1.935. Eficácia probatória do documento eletrônico 1.936. Reproduções do documento eletrônico § 399.º Produção da prova documental 1.937. Formas de produção da prova documental 1.938. Produção espontânea da prova documental 1.938.1. Controle da produção espontânea de documentos 1.938.2. Objeto da produção espontânea de documentos 1.938.3. Efeitos da produção espontânea de documentos 1.939. Produção forçada da prova documental 1.939.1. Exibição de documentos particulares
1.939.2. Requisição de documentos públicos 1.939.2.1. Requisitos da requisição de documentos públicos 1.939.2.2. Procedimento da requisição de documentos públicos 1.939.2.2.1. Forma da requisição dos documentos públicos 1.939.2.2.2. Prazo da requisição dos documentos públicos 1.939.2.2.3. Efeitos da pendência da requisição dos documentos públicos 1.939.2.2.4. Atitudes da autoridade administrativa requisitada 1.939.2.2.5. Despesas na requisição de documentos públicos 1.939.2.2.6. Extração de cópias dos documentos públicos 1.939.2.3. Efeitos da requisição de documentos públicos 1.940. Momento da produção da prova documental 1.940.1. Momento da produção espontânea da prova documental 1.940.2. Momento da produção forçada da prova documental 1.941. Contradição da prova documental 1.941.1. Momento da contradição da prova documental 1.941.2. Formas de contradição da prova documental 1.941.3. Legitimados na contradição da prova documental 1.941.4. Objeto da contradição da prova documental 1.941.5. Efeitos da contradição da prova documental 1.941.5.1. Efeitos da contradição do documento público 1.941.5.2. Efeitos da contradição do documento particular 1.942. Produção de documentos novos 1.942.1. Prova dos fatos supervenientes 1.942.2. Contraprova dos fatos articulados 1.942.3. Documentos formados posteriormente 1.942.4. Documentos desconhecidos, inacessíveis ou indisponíveis § 400.º Arguição da falsidade 1.943. Espécies de falsidade documental
1.944. Objeto da arguição de falsidade 1.945. Natureza da arguição de falsidade 1.946. Oportunidade da arguição de falsidade 1.946.1. Prazo da arguição de falsidade 1.946.2. Quantitativo do prazo da arguição de falsidade 1.946.3. Contagem do prazo da arguição de falsidade 1.947. Iniciativa da arguição de falsidade 1.947.1. Legitimidade ativa na arguição de falsidade 1.947.2. Legitimidade passiva na arguição de falsidade 1.948. Suscitação da arguição de falsidade 1.948.1. Suscitação da falsidade no primeiro grau 1.948.1.1. Competência na arguição de falsidade 1.948.1.2. Forma da arguição de falsidade 1.948.1.3. Controle da admissibilidade da arguição de falsidade 1.948.1.4. Intervenção do Ministério Público na arguição de falsidade 1.948.2. Suscitação da falsidade no segundo grau 1.948.2.1. Autos da arguição de falsidade tardia 1.948.2.2. Objeto da arguição de falsidade tardia 1.948.2.3. Competência do tribunal na arguição de falsidade tardia 1.948.2.4. Processamento da arguição de falsidade tardia 1.949. Efeitos da arguição de falsidade 1.950. Defesa da arguição de falsidade 1.950.1. Prazo de resposta na arguição de falsidade 1.950.2. Modalidades de resposta na arguição de falsidade 1.950.3. Atitudes do suscitado na arguição de falsidade 1.951. Instrução da arguição de falsidade 1.952. Decisão da arguição de falsidade 1.952.1. Momento da decisão da arguição de falsidade
1.952.2. Regra de julgamento da arguição de falsidade 1.952.3. Recurso próprio da decisão da arguição de falsidade 1.952.4. Efeitos da decisão da arguição de falsidade 1.952.5. Autoridade da decisão da arguição de falsidade § 401.º Apreciação da prova documental 1.953. Sistemática da apreciação da prova documental 1.954. Interpretação da prova documental CAPÍTULO 86 – PROVA TESTEMUNHAL § 402.º Prova testemunhal em geral 1.955. Conceito de testemunha 1.956. Fonte do conhecimento da testemunha 1.956.1. Depoimento de ciência própria 1.956.2. Depoimento de ciência alheia 1.957. Espécies de testemunha 1.957.1. Testemunha de visu e testemunha ex auditu 1.957.2. Testemunha instrumentária e testemunha do juízo (ou judicial) 1.957.3. Testemunha referente e testemunha referida 1.957.4. Testemunha compromissada e testemunha informante § 403.º Cabimento da prova testemunhal 1.958. Sistemas de admissibilidade da prova testemunhal 1.959. Inadmissibilidade da prova testemunhal 1.959.1. Fato já provado por confissão 1.959.2. Fato já provado por documento 1.959.3. Fatos subordinados da prova documental 1.959.4. Fatos subordinados à prova pericial 1.960. Inadmissibilidade da prova testemunhal exclusiva 1.960.1. Âmbito objetivo da restrição à prova testemunha exclusiva
1.960.1.1. Determinação ad valorem do objeto da restrição da prova testemunhal exclusiva 1.960.1.2. Determinação do fato negocial objeto da restrição da prova testemunhal exclusiva 1.960.2. Âmbito subjetivo da restrição à prova testemunha exclusiva 1.961. Admissibilidade da prova testemunhal complementar 1.961.1. Prova testemunhal complementar ao começo de prova escrita 1.961.1.1. Função do começo de prova 1.961.1.2. Conceito e natureza do começo de prova 1.961.1.3. Requisitos do começo de prova 1.961.2. Prova testemunhal subsidiária à impossibilidade da prova escrita 1.961.2.1. Impossibilidade material da prova escrita 1.961.2.2. Impossibilidade moral da prova escrita 1.962. Admissibilidade da prova testemunhal plena § 404.º Estatuto da testemunha 1.963. Aptidão da testemunha 1.963.1. Deposição da pessoa jurídica 1.963.2. Deposição do juiz 1.964. Capacidade da testemunha 1.964.1. Incapacidade da pessoa absolutamente incapaz 1.964.2. Incapacidade da pessoa sem discernimento 1.964.3. Incapacidade da pessoa sensorialmente deficiente 1.964.4. Incapacidade da pessoa interessada 1.964.4.1. Interesse em razão da incompatibilidade de funções 1.964.4.2. Interesse em razão de parcialidade 1.964.4.3. Interesse em razão de excessos emocionais 1.964.5. Incapacidade do cônjuge e dos parentes 1.965. Deveres da testemunha 1.965.1. Dever de comparecer
1.965.2. Dever de depor da testemunha 1.965.3. Dever de veracidade da testemunha 1.966. Direitos da testemunha 1.966.1. Direito de convocação prévia 1.966.2. Direito à audição do juiz 1.966.3. Direito de recusar a deposição 1.966.4. Direito ao tratamento digno 1.965.6. Direito ao reembolso das despesas da testemunha 1.966.5.1. Objeto do reembolso da testemunha 1.966.5.2. Iniciativa do reembolso da testemunha 1.966.5.3. Responsabilidade pelo reembolso da testemunha 1.966.5.4. Forma do reembolso da testemunha § 405.º Produção da prova testemunhal 1.967. Admissão da prova testemunhal 1.968. Tempo do testemunho 1.968.1. Depoimento prestado ante causam 1.968.1.1. Depoimento antecipado em razão de ausência 1.968.1.2. Depoimento antecipado em razão da idade 1.968.1.3. Depoimento antecipado em razão da saúde 1.968.2. Depoimento prestado por carta 1.967.3. Depoimento antecipado incidentalmente 1.969. Lugar do testemunho 1.970. Depósito do rol de testemunhas 1.970.1. Funções do rol de testemunhas 1.970.2. Requisitos do rol de testemunhas 1.970.3. Prazo do rol de testemunhas 1.970.4. Forma do rol de testemunhas 1.970.5. Efeitos do rol de testemunhas
1.971. Número de testemunhas 1.971.1. Limitação ope legis do número de testemunhas 1.971.1.1. Alcance objetivo da limitação ope legis do número de testemunhas 1.971.1.2. Alcance subjetivo da limitação ope legis do número de testemunhas 1.971.2. Limitação ope judicis do número de testemunhas 1.972. Intimação da testemunha 1.972.1. Forma da intimação para depor 1.972.2. Meios da intimação para depor 1.972.3. Destinatário da intimação para depor 1.972.4. Requisição para depor 1.972.5. Antecedência da intimação para depor 1.973. Comparecimento da testemunha 1.974. Qualificação da testemunha 1.974.1. Identificação da testemunha 1.974.2. Costumes da testemunha 1.975. Compromisso da testemunha 1.975.1. Sujeitos do compromisso 1.975.2. Forma do compromisso 1.975.3. Recusa do compromisso 1.975.4. Efeitos do compromisso 1.976. Forma do testemunho 1.976.1. Assistência do juiz 1.976.2. Intérprete na inquirição 1.976.3. Urbanidade da inquirição 1.976.4. Requisitos da inquirição 1.976.4.1. Audição individual 1.976.4.2. Audição ordenada
1.976.4.3. Audição isolada 1.976.5. Matéria da inquirição 1.976.6. Técnicas de inquirição 1.976.6.1. Deposição livre 1.976.6.2. Deposição questionada 1.976.6.2.1. Proibição da pergunta impertinente 1.976.6.2.2. Proibição da pergunta capciosa 1.976.6.2.3. Proibição da pergunta vexatória 1.977. Documentação do depoimento da testemunha 1.977.1. Conteúdo do termo de depoimento 1.977.2. Subscrição do termo de depoimento § 406.º Incidentes da prova testemunhal 1.978. Ausência da testemunha 1.978.1. Testemunha intimada 1.978.1.1. Ausência motivada da testemunha intimada 1.978.1.2. Ausência desmotivada da testemunha intimada 1.978.2. Testemunha levada 1.979. Dispensa da testemunha 1.979.1. Dispensa da(s) testemunha(s) supérflua(s) 1.979.2. Dispensa da(s) testemunha(s) abandonadas(s) 1.980. Recusa de depor da testemunha 1.980.1. Natureza da recusa de depor 1.980.2. Momento da recusa de depor 1.980.3. Forma da recusa de depor 1.980.4. Causas da recusa de depor 1.980.4.1. Recusa em defesa da vida 1.980.4.2. Recusa em defesa da honra 1.980.4.3. Recusa em defesa do sigilo
1.980.5. Contraditório na recusa de depor 1.980.6. Decisão na recusa de depor 1.981. Contradita da testemunha 1.981.1. Natureza da contradita 1.981.2. Momento da contradita 1.981.3. Legitimados na contradita 1.981.4. Forma da contradita 1.981.5. Instrução da contradita 1.981.6. Decisão da contradita 1.982. Substituição da testemunha 1.982.1. Testemunha falecida 1.982.2. Testemunha enferma 1.982.3. Testemunha desconhecida 1.983. Prisão da testemunha § 407.º Complementação da prova testemunhal 1.984. Acareação das testemunhas 1.984.1. Requisitos da acareação 1.984.2. Procedimento da acareação 1.985. Audição da testemunha referida 1.985.1. Requisitos da audição da testemunha referida 1.985.2. Iniciativa da audição da testemunha referida 1.985.3. Procedimento da audição da testemunha referida 1.986. Renovação do depoimento 1.987. Retratação do depoimento 1.988. Correção do depoimento § 408.º Força probante da prova testemunhal 1.989. Livre apreciação da prova testemunhal 1.990. Critérios da apreciação da prova testemunhal
CAPÍTULO 87 – PROVA PERICIAL § 409.º Prova pericial em geral 1.991. Conceito de perícia 1.992. Natureza da perícia 1.993. Obrigatoriedade da perícia 1.994. Etapas da perícia 1.995. Variantes da perícia 1.995.1. Dispensa do laudo 1.995.1.1. Natureza da dispensa do laudo 1.995.1.2. Requisitos da dispensa do laudo 1.995.1.3. Momento da dispensa do laudo 1.995.1.4. Efeitos da dispensa do laudo 1.995.2. Substituição da perícia 1.995.2.1. Origem da substituição de perícia 1.995.2.2. Natureza da substituição da perícia 1.995.2.3. Requisitos da substituição da perícia 1.995.2.4. Momento da substituição da perícia 1.995.2.5. Efeitos da substituição da perícia § 410.º Espécies de perícia 1.996. Classificações das perícias 1.996.1. Perícia judicial e perícia extrajudicial 1.996.2. Perícia eventual e perícia obrigatória 1.996.3. Perícia antecipada e perícia incidente 1.996.4. Perícia direta e perícia indireta 1.996.5. Perícia simples e perícia complexa (combinada) 1.996.6. Perícia informativa e perícia opinativa 1.997. Modalidades da prova pericial § 411.º Objeto da perícia
1.998. Determinação do objeto da perícia 1.998.1. Certificação da veracidade do fato alegado 1.998.2. Apreciação do fato alegado 1.998.3. Certificação da veracidade de outra prova 1.999. Limitações políticas do objeto da perícia (inspectio corporis) § 412.º Cabimento da perícia 2.000. Casos de inadmissibilidade da perícia 2.000.1. Desnecessidade de conhecimento especial 2.000.2. Desnecessidade da perícia 2.000.3. Impossibilidade da perícia 2.001. Casos de obrigatoriedade da perícia 2.002. Momento da admissão da perícia § 413.º Perito 2.003. Funções do perito 2.004. Nomeação do perito 2.004.1. Designação oficial do perito 2.004.2. Atitudes do perito após a designação 2.005. Número de peritos 2.006. Capacidade para ser perito 2.006.1. Perito relativamente incapaz 2.006.2. Perito analfabeto 2.006.3. Perito estrangeiro 2.007. Qualificação para ser perito 2.007.1. Qualificação profissional do perito 2.007.2. Qualificação oficial do perito 2.007.3. Dispensa da qualificação profissional 2.008. Escusa do perito 2.008.1. Prazo da escusa
2.008.2. Motivo da escusa 2.008.3. Decisão sobre a escusa 2.008.4. Consequências da escusa 2.009. Substituição do perito 2.009.1. Substituição por motivos preexistentes 2.009.2. Substituição por motivos supervenientes 2.009.3. Procedimento da substituição 2.009.4. Sanções do perito substituído 2.009.5. Recorribilidade da substituição 2.010. Poderes do perito 2.011. Deveres do perito 2.012. Direitos do perito § 414.º Assistente técnico 2.013. Funções do assistente técnico 2.014. Número de assistentes técnicos 2.015. Habilitação do assistente técnico 2.016. Disciplina processual do assistente técnico § 415.º Etapa inicial da perícia 2.017. Admissão da perícia 2.018. Prazo da perícia 2.019. Atitudes das partes posteriores à admissão da perícia 2.019.1. Autonomia dos atos posteriores à admissão da perícia 2.019.2. Preclusão dos atos posteriores à admissão da perícia 2.019.3. Âmbito subjetivo dos atos posteriores à admissão 2.019.4. Escolha conjunta do perito 2.020. Formulação dos quesitos principais 2.020.1. Forma dos quesitos principais 2.020.2. Objeto dos quesitos principais
2.020.3. Efeitos dos quesitos principais 2.021. Indicação dos assistentes técnicos 2.022. Recusa do perito 2.022.1. Oportunidade da recusa do perito 2.022.2. Forma da recusa do perito 2.022.3. Motivos da recusa do perito 2.022.4. Procedimento da recusa do perito 2.022.5. Efeitos da recusa do perito 2.023. Controle do questionário 2.023.1. Indeferimento dos quesitos impertinentes 2.023.2. Formulação dos quesitos oficiais § 416.º Etapa operativa da perícia 2.024. Data e local do início dos trabalhos 2.024.1. Origem e forma da intimação do início dos trabalhos 2.024.2. Destinatários da intimação do início dos trabalhos 2.024.3. Conteúdo da intimação do início dos trabalhos 2.024.3.1. Local da perícia 2.024.3.2. Data da perícia 2.024.4. Finalidades da intimação do início dos trabalhos 2.024.5. Consequências da falta de intimação do início dos trabalhos 2.025. Forma dos trabalhos 2.026. Direção dos trabalhos 2.027. Fiscalização dos trabalhos 2.028. Incidentes nos trabalhos 2.028.1. Prorrogação do prazo da perícia 2.028.2. Formulação de quesitos suplementares 2.028.2.1. Oportunidade da formulação dos quesitos suplementares 2.028.2.2. Legitimidade para formulação dos quesitos suplementares
2.028.2.3. Objeto da formulação dos quesitos suplementares 2.028.2.4. Procedimento da formulação dos quesitos suplementares 2.028.2.5. Efeitos da formulação dos quesitos suplementares § 417.º Etapa final da perícia 2.029. Documentação da perícia 2.029.1. Requisitos do laudo pericial 2.029.1.1. Requisitos extrínsecos do laudo pericial 2.029.1.2. Requisitos intrínsecos do laudo pericial 2.029.2. Momento do laudo pericial 2.029.3. Efeitos do laudo pericial 2.030. Intimação das partes da juntada do laudo pericial 2.031. Crítica das partes ao laudo pericial 2.031.1. Conteúdo da crítica ao laudo pericial 2.031.2. Efeitos da crítica ao laudo pericial 2.032. Produção do parecer dos assistentes 2.032.1. Prazo da apresentação do parecer técnico 2.032.2. Conteúdo do parecer técnico 2.032.3. Efeitos da falta de apresentação do parecer técnico 2.032.4. Apreciação do parecer técnico 2.033. Pedido de esclarecimentos 2.033.1. Oportunidade do pedido de esclarecimentos 2.033.2. Forma e conteúdo do pedido de esclarecimentos 2.033.3. Efeitos do pedido de esclarecimentos 2.034. Controle oficial do laudo § 418.º Renovação da perícia 2.035. Admissibilidade da segunda perícia 2.035.1. Momento da admissão da segunda perícia 2.035.2. Procedimento da segunda perícia
2.036. Objeto da segunda perícia 2.037. Efeitos da segunda perícia § 419.º Força probante da perícia 2.038. Livre apreciação da prova pericial 2.039. Motivação na apreciação da prova pericial CAPÍTULO 88 – INSPEÇÃO JUDICIAL § 420.º Inspeção judicial em geral 2.040. Conceito da inspeção judicial 2.041. Natureza da inspeção judicial 2.042. Terminologia na inspeção judicial 2.043. Iniciativa da inspeção judicial 2.044. Espécies de inspeção judicial 2.044.1. Inspeção pessoal e inspeção material 2.044.2. Inspeção direta e inspeção indireta 2.044.3. Inspeção estática e inspeção dinâmica 2.044.4. Inspeção facultativa e inspeção obrigatória 2.044.5. Inspeção incidente e inspeção antecipada § 421.º Objeto da inspeção judicial 2.045. Natureza do objeto da inspeção 2.046. Características do objeto da inspeção 2.046.1. Pessoas inspecionáveis 2.046.1.1. Inspeção corporal da parte 2.046.1.2. Inspeção psiquiátrica da parte 2.046.1.3. Inspeção pessoal de terceiros 2.046.2. Coisas inspecionáveis 2.046.3. Fenômenos inspecionáveis 2.047. Disponibilidade do objeto na inspeção judicial 2.047.1. Disponibilidade da pessoa
2.047.1.1. Disponibilidade pessoal da parte 2.047.1.2. Disponibilidade pessoal do terceiro 2.047.2. Disponibilidade material 2.048. Vicissitudes do objeto da inspeção § 422.º Procedimento da inspeção judicial 2.049. Admissão da inspeção judicial 2.049.1. Momento da admissão da inspeção 2.049.2. Conteúdo da decisão de admissão da inspeção 2.049.2.1. Determinação do objeto da inspeção 2.049.2.2. Designação de perito na inspeção judicial 2.049.2.3. Designação da data da inspeção 2.049.2.4. Designação do local da inspeção 2.049.3. Recorribilidade da admissão e rejeição da inspeção 2.050. Requisitos da inspeção judicial 2.051. Tempo da inspeção judicial 2.052. Lugar da inspeção judicial 2.052.1. Inspeção na sede do juízo 2.052.2. Inspeção fora da sede do juízo 2.052.2.1. Impossibilidade da inspeção na da sede do juízo 2.052.2.2. Conveniência da inspeção fora sede do juízo 2.052.2.3. Reconstituição de eventos e de condutas 2.053. Forma da inspeção judicial 2.054. Participantes da inspeção judicial 2.054.1. Juiz na inspeção judicial 2.054.2. Partes na inspeção judicial 2.054.2.1. Fundamento da participação das partes 2.054.2.2. Finalidades da participação das partes 2.054.2.3. Pressupostos da participação das partes
2.054.2.4. Obrigatoriedade da participação das partes 2.054.2.5. Poderes das partes na inspeção 2.054.3. Peritos e assistentes técnicos na inspeção judicial 2.054.4. Informantes na inspeção judicial 2.055. Documentação da inspeção judicial 2.055.1. Funções do auto de inspeção 2.055.2. Forma do auto de inspeção 2.055.2.1. Redator do auto de inspeção 2.055.2.2. Local e momento do auto de inspeção 2.055.2.3. Autenticação do auto de inspeção 2.055.3. Conteúdo do auto de inspeção 2.055.4. Instrução do auto de inspeção 2.055.5. Impugnação do auto de inspeção 2.056. Renovação da inspeção judicial § 423.º Força probante da inspeção judicial 2.057. Apreciação da prova na inspeção judicial 2.058. Controle da apreciação da prova na inspeção judicial CAPÍTULO 89 – AUDÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO § 424.º Posição da audiência de instrução e julgamento 2.059. Conceito e natureza da audiência 2.060. Facultatividade da audiência 2.061. Estrutura da audiência § 425.º Princípios da audiência 2.062. Princípio da publicidade da audiência 2.062.1. Audiência de portas fechadas 2.062.2. Audiência de portas abertas 2.062.3. Cobertura midiática da audiência 2.063. Princípio da unidade da audiência
2.063.1. Fundamento da unidade da audiência 2.063.2. Consequências da unidade da audiência 2.063.3. Momento da suspensão dos trabalhos 2.063.4. Causas da suspensão dos trabalhos 2.063.5. Consequências da suspensão dos trabalhos 2.063.6. Regime da invalidade da audiência 2.064. Princípio da concentração da audiência 2.065. Princípio da imediação na audiência 2.066. Princípio da identidade física do juiz § 426.º Etapa da preparação da audiência 2.067. Cabimento da audiência 2.068. Designação da audiência 2.068.1. Competência na designação da audiência 2.068.2. Natureza da designação da audiência 2.068.3. Escolha da data e horário da audiência 2.068.4. Registro da data e do horário da audiência 2.069. Tempo da audiência 2.069.1. Dia da audiência 2.069.2. Horário da audiência 2.070. Lugar da audiência 2.071. Intimações da designação da audiência § 427.º Etapa da abertura da audiência 2.072. Pregões da audiência 2.073. Participantes da audiência 2.073.1. Participantes obrigatórios da audiência 2.073.2. Participantes eventuais da audiência 2.074. Poderes do juiz na audiência 2.074.1. Manutenção da ordem
2.074.2. Manutenção do decoro 2.074.3. Consequências da quebra da ordem e do decoro 2.075. Atividades do juiz na audiência 2.075.1. Função de direção da audiência 2.075.2. Função na conciliação em audiência 2.075.3. Função de coleta da prova na audiência 2.075.4. Função de participação nos debates na audiência 2.075.5. Funções decisórias na audiência 2.075.6. Função de documentação da audiência 2.076. Atividades das partes na audiência § 428.º Etapa da conciliação 2.077. Natureza da conciliação incidental 2.078. Obrigatoriedade da conciliação incidental 2.079. Objeto da conciliação incidental 2.080. Forma da conciliação incidental 2.081. Efeitos da conciliação incidental § 429.º Etapa da instrução 2.082. Fixação dos pontos controvertidos 2.082.1. Possibilidade da fixação tardia dos pontos controvertidos 2.082.2. Finalidade da fixação tardia dos pontos controvertidos 2.082.3. Requisitos da fixação tardia dos pontos controvertidos 2.082.4. Recorribilidade da fixação tardia dos pontos controvertido 2.083. Produção da prova em audiência § 430.º Etapa do debate da causa 2.084. Finalidade do debate da causa 2.085. Momento do debate da causa 2.086. Participantes do debate da causa 2.087. Modalidades do debate da causa
2.088. Prazos e ordem do debate da causa 2.088.1. Tempo do debate 2.088.2. Ordem do debate 2.088.3. Distribuição do tempo de debate 2.089. Conteúdo do debate da causa 2.089.1. Objeto virtual do debate da causa 2.089.2. Intervenção do juiz no debate da causa 2.089.3. Intervenção do advogado da contraparte no debate da causa 2.089.4. Controle judicial do debate na causa 2.089.5. Forma do debate da causa 2.090. Discussão escrita da causa 2.090.1. Cabimento da discussão escrita 2.090.2. Forma da discussão escrita 2.090.3. Oportunidade da entrega da discussão escrita 2.091. Consequências da omissão do debate da causa § 431.º Incidentes da audiência 2.092. Antecipação da audiência 2.093. Adiamento da audiência 2.093.1. Fundamento do adiamento convencional da audiência 2.093.2. Oportunidade do adiamento convencional da audiência 2.093.3. Forma do adiamento convencional da audiência 2.093.4. Efeitos do adiamento convencional da audiência 2.094. Ausências e atraso na audiência 2.094.1. Ausência do juiz 2.094.2. Ausência dos auxiliares 2.094.3. Ausência do Ministério Público 2.094.4. Ausência do advogado 2.094.4.1. Ausência justificada do advogado
2.094.4.1.1. Oportunidade da alegação do impedimento do advogado 2.094.4.1.2. Razões do impedimento do advogado 2.094.4.1.3. Forma e prova da alegação do impedimento do advogado 2.094.4.1.4. Consequências do impedimento do advogado 2.094.4.2. Ausência injustificada do advogado 2.094.5. Ausência da parte 2.094.6. Ausência da testemunha 2.094.7. Ausência do perito e assistentes técnicos 2.095. Cancelamento da audiência § 432.º Etapa do julgamento 2.096. Emissão da sentença na audiência 2.097. Emissão da sentença fora da audiência § 433.º Documentação da audiência 2.098. Lavratura do termo de audiência 2.099. Elementos do termo de audiência 2.100. Correção do termo de audiência TÍTULO IV – ETAPA DECISÓRIA CAPÍTULO 90 – JULGAMENTO DA DEMANDA § 434.º Sentença definitiva no procedimento comum 2.101. Oportunidade da sentença definitiva 2.102. Elementos da sentença definitiva 2.103. Abrangência da sentença definitiva 2.104. Defeitos da sentença definitiva 2.105. Proibição da condenação genérica 2.105.1. Pressuposto da condenação líquida 2.105.2. Fundamento da condenação líquida 2.105.3. Objeto da condenação líquida 2.105.4. Efeito da ausência de condenação líquida
2.106. Irrevogabilidade da sentença definitiva 2.107. Datação da sentença definitiva 2.108. Autenticação da sentença definitiva 2.109. Impugnação da sentença definitiva § 435.º Improcedência da demanda 2.110. Causa de emissão da sentença de improcedência 2.111. Força e conteúdo da sentença de improcedência 2.112. Capítulo acessório da sentença de improcedência § 436.º Procedência da demanda 2.113. Causa de emissão da sentença de procedência 2.114. Força e conteúdo da sentença de procedência 2.114.1. Procedência condicional 2.114.2. Procedência limitada 2.114.3. Procedência dispositiva 2.114.4. Procedência alternativa 2.114.5. Procedência genérica 2.114.6. Procedência impositiva 2.115. Efeito anexo processual da sentença de condenação 2.115.1. Origem da hipoteca judiciária 2.115.2. Conceito e natureza da hipoteca judiciária 2.115.3. Fundamento da hipoteca judiciária 2.115.4. Pressupostos da hipoteca judiciária 2.115.5. Especialização da hipoteca judiciária 2.115.6. Efeitos da hipoteca judiciária 2.116. Capítulo acessório da sentença de procedência 2.116.1. Vencimento parcial 2.116.2. Vencimento recíproco 2.116.3. Vencimento mínimo
CAPÍTULO 91 – REMESSA NECESSÁRIA § 437.º Remessa necessária em geral 2.117. Origens da remessa necessária 2.118. Evolução da remessa necessária 2.119. Institutos afins na remessa necessária 2.120. Natureza jurídica da remessa necessária § 438.º Cabimento da remessa necessária 2.121. Casos gerais de remessa necessária 2.121.1 Sentença contra pessoas jurídicas de direito público 2.121.2 Sentença contra a pretensão a executar da Fazenda Pública 2.122. Exclusões da remessa necessária 2.122.1 Exclusão da remessa necessária em razão do valor 2.122.2 Exclusão da remessa necessária em razão da matéria 2.123. Casos especiais de remessa necessária § 439.º Efeitos da remessa necessária 2.124. Efeito obstativo da remessa necessária 2.125. Efeito devolutivo da remessa necessária CAPÍTULO 92 – COISA JULGADA § 440.º Fisionomia da coisa julgada 2.126. Definição da coisa julgada 2.127. Espécies de coisa julgada 2.128. Coisa julgada formal 2.128.1. Designação da coisa julgada formal 2.128.2. Importância da coisa julgada formal 2.128.3. Momento da formação da coisa julgada formal 2.129. Coisa julgada material 2.130. Fundamentos da coisa julgada 2.131. Objeto da coisa julgada
2.131.1. Objeto formal da coisa julgada 2.131.2. Objeto material da coisa julgada 2.132. Plano da eficácia da coisa julgada 2.132.1. Natureza processual da autoridade de coisa julgada 2.132.2. Efeitos da natureza processual da autoridade de coisa julgada 2.133. Bilateralidade da coisa julgada 2.134. Limites da coisa julgada § 441.º Limites subjetivos da coisa julgada 2.135. Alcance subjetivo dos efeitos da sentença 2.135.1. Interessados de fato 2.135.2. Interessados econômicos 2.135.3. Interessados políticos 2.135.4. Interessados jurídicos 2.136. Primeira regra dos limites subjetivos: vinculação das partes 2.136.1. Vinculação dos sucessores da parte 2.136.2. Vinculação do substituído processual 2.137. Segunda regra: vinculação erga omnes nas ações de estado 2.137.1. Abrangência das causas de estado 2.137.2. Litisconsórcio nas causas de estado 2.137.3. Eficácia da sentença de procedência nas causas de estado 2.138. Limites subjetivos da coisa julgada no litisconsórcio 2.138.1. Limites subjetivos da coisa julgada no litisconsórcio obrigatório 2.138.1.1. Ineficácia relativa no litisconsórcio necessário simples 2.138.1.2. Ineficácia absoluta no litisconsórcio necessário unitário 2.138.2. Limites subjetivos da coisa julgada no litisconsórcio facultativo 2.138.2.1. Limites subjetivos da coisa julgada no litisconsórcio facultativo simples 2.138.2.2. Limites subjetivos da coisa julgada no litisconsórcio facultativo unitário
2.139. Limites subjetivos da coisa julgada em situações especiais 2.139.1. Limites subjetivos da coisa julgada na dissolução dos negócios jurídicos 2.139.2. Limites subjetivos da coisa julgada na cobrança de prestações indivisíveis 2.139.3. Limites subjetivos personalidade post mortem
da
coisa
julgada
na
tutela
da
2.139.4. Limites subjetivos da coisa julgada na jurisdição constitucional 2.140. Limites subjetivos da coisa julgada no processo coletivo 2.140.1. Coisa julgada na tutela dos direitos coletivos 2.140.2. Coisa julgada na tutela coletiva de direitos § 442.º Limites objetivos da coisa julgada 2.141. Primeira regra dos limites objetivos: vinculação ao objeto litigioso 2.142. Segunda regra dos limites objetivos: vinculação às questões decididas 2.143. Objeto ressalvado da autoridade do julgado 2.143.1. Motivos da decisão 2.143.2. Verdade dos fatos na decisão 2.143.3. Questão prejudicial decidida 2.143.3.1. Exclusão da questão prejudicial dos limites objetivos 2.143.3.2. Inclusão da questão prejudicial nos limites objetivos 2.144. Eficácia preclusiva da coisa julgada 2.144.1. Definição da eficácia preclusiva da coisa julgada 2.144.2. Finalidades da eficácia preclusiva da coisa julgada 2.144.3. Relação dos limites objetivos e eficácia preclusiva da coisa julgada 2.144.4. Pressupostos da eficácia preclusiva da coisa julgada 2.144.5. Efeitos da eficácia preclusiva da coisa julgada § 443.º Limites temporais da coisa julgada 2.145. Influência dos eventos supervenientes na coisa julgada
2.145.1. Oportunidade do evento superveniente 2.145.2. Natureza do evento superveniente 2.145.3. Efeitos do evento superveniente 2.146. Modificação dos efeitos da sentença passada em julgado 2.147. Casos de admissibilidade do evento superveniente § 444.º Funções da coisa julgada 2.148. Função geral da coisa julgada 2.149. Função negativa da coisa julgada 2.149.1. Finalidade da objeção de coisa julgada 2.149.2. Natureza da objeção de coisa julgada 2.149.3 Pressupostos da objeção de coisa julgada 2.149.4. Iniciativa na objeção de coisa julgada 2.149.5. Efeitos da objeção de coisa julgada 2.148.6. Conflito de coisas julgadas 2.150. Função positiva da coisa julgada 2.150.1. Função positiva da coisa julgada em relação ao vencedor 2.150.2. Função positiva da coisa julgada em relação ao vencido § 445.º Atenuações da coisa julgada 2.151. Atenuação da coisa julgada na assistência 2.151.1. Efeito da intervenção na assistência simples 2.151.2. Efeito da intervenção na assistência qualificada 2.151.3. Natureza do efeito da intervenção do assistente 2.152. Atenuação da coisa julgada na pretensão a executar 2.153. Atenuação da coisa julgada na tutela provisória 2.154. Atenuação secundum eventus litis da coisa julgada § 446.º Desconstituição dos efeitos da sentença 2.155. Remédios contra os efeitos da sentença 2.156. Rescindibilidade da sentença em razão de vícios “transrescisórios”
2.157. Sentença ineficaz em razão da inexistência ou da invalidade da citação do réu 2.158. Sentença ineficaz em razão da inconstitucionalidade superveniente da norma